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1 O Sistema GÊNESE E ESTRUTURA DO UNIVERSO Autor: Pietro Ubaldi Tradução: Carlos Torres Pastorino Terminada a tradução da obra, O Sistema, de Pietro Ubaldi, feita com a alegria imensa do garimpeiro que vai descobrindo em cada nova linha uma pepita de ouro do mais puro, não me contenho em rascunhar a impressão que me ficou dessa leitura meditada, do estudo dessa revelação nova trazida a nós em plena segunda metade do século XX. Desde a infância, o estudo desses problemas, através das obras da Teologia Católica, primeiramente, e mais tarde através das publicações oficiais do Espiritismo, do Protestantismo, da Teosofia, do Esoterismo, da Antroposofia, dos Rosa-Cruzes, das obras mais antigas da Índia, do Egito e da China, o estudo de tudo isto deu-me uma impressão de incerteza e de tateamento, ou então de afirmativas sem bases no campo racional. Não há, em todas essas doutrinas, respeitabilíssimas sem dúvida, porque representam o labor da mente concreta que busca o conhecimento através de suas próprias forças – não há uma unidade completa que una tudo numa única visão de conjunto. Por isso, através da leitura estudada e meditada da obra de Ubaldi, cheguei à conclusão de que o universo é de fato um todo único, cujo centro é Deus. E, completando a maravilhosa e inspirada A Grande Síntese com o volume Deus e Universo, vislumbrei certos aspectos novos. No entanto, o segundo volume citado está demais conciso e alto, não me permitindo à parca inteligência, a compreensão total da grandiosidade ali exposta. Neste volume, entretanto, a explicação é cabal e acessível a todas as inteligências, mesmo as medianas, como a de quem está escrevendo, e as provas são de tal forma completas e irrespondíveis, que pouco haverá que acrescentar a isso, nessa época. Talvez mais tarde se possa dizer algo mais. Mas, no momento, não vemos o que acrescentar ao que aqui se encontra. O Sistema é um livro ótimo, lógico e claro. Trata-se, em minha insignificante opinião, de completo curso ou tratado de Teologia cosmogônica, uma Teologia Nova, que vem cortar pela raiz todas as elucubrações puramente humanas, esclarecendo os pontos obscuros, revelando todos os mistérios incompreensíveis e inaceitáveis à mente hodierna. As teologias antigas, que pararam no tempo e no espaço, por se terem tornado dogmáticas e não mais admitirem pesquisas, reagirão, sem dúvida, a esta intromissão em seu terreno. Mas a humanidade está em evolução perene, e não seria compreensível que a parte mais nobre e elevada da humanidade, que é o pensamento e a sabedoria, parassem nos séculos remotos, enquanto a parte inferior, material, estivesse, como está, progredindo a passos gigantescos.

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    O Sistema

    GNESE E ESTRUTURA DO UNIVERSO

    Autor: Pietro Ubaldi

    Traduo: Carlos Torres Pastorino

    Terminada a traduo da obra, O Sistema, de Pietro Ubaldi, feita com a alegria imensa do garimpeiro que vai descobrindo em cada nova linha uma pepita de ouro do mais puro, no me contenho em rascunhar a impresso que me ficou dessa leitura meditada, do estudo dessa revelao nova trazida a ns em plena segunda metade do sculo XX.

    Desde a infncia, o estudo desses problemas, atravs das obras da Teologia Catlica, primeiramente, e mais tarde atravs das publicaes oficiais do Espiritismo, do Protestantismo, da Teosofia, do Esoterismo, da Antroposofia, dos Rosa-Cruzes, das obras mais antigas da ndia, do Egito e da China, o estudo de tudo isto deu-me uma impresso de incerteza e de tateamento, ou ento de afirmativas sem bases no campo racional. No h, em todas essas doutrinas, respeitabilssimas sem dvida, porque representam o labor da mente concreta que busca o conhecimento atravs de suas prprias foras no h uma unidade completa que una tudo numa nica viso de conjunto.

    Por isso, atravs da leitura estudada e meditada da obra de Ubaldi, cheguei concluso de que o universo de fato um todo nico, cujo centro Deus. E, completando a maravilhosa e inspirada A Grande Sntese com o volume Deus e Universo, vislumbrei certos aspectos novos. No entanto, o segundo volume citado est demais conciso e alto, no me permitindo parca inteligncia, a compreenso total da grandiosidade ali exposta.

    Neste volume, entretanto, a explicao cabal e acessvel a todas as inteligncias, mesmo as medianas, como a de quem est escrevendo, e as provas so de tal forma completas e irrespondveis, que pouco haver que acrescentar a isso, nessa poca. Talvez mais tarde se possa dizer algo mais. Mas, no momento, no vemos o que acrescentar ao que aqui se encontra.

    O Sistema um livro timo, lgico e claro. Trata-se, em minha insignificante opinio, de completo curso ou tratado de Teologia cosmognica, uma Teologia Nova, que vem cortar pela raiz todas as elucubraes puramente humanas, esclarecendo os pontos obscuros, revelando todos os mistrios incompreensveis e inaceitveis mente hodierna. As teologias antigas, que pararam no tempo e no espao, por se terem tornado dogmticas e no mais admitirem pesquisas, reagiro, sem dvida, a esta intromisso em seu terreno. Mas a humanidade est em evoluo perene, e no seria compreensvel que a parte mais nobre e elevada da humanidade, que o pensamento e a sabedoria, parassem nos sculos remotos, enquanto a parte inferior, material, estivesse, como est, progredindo a passos gigantescos.

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    Neste Tratado Teolgico, encontramos um Deus perfeitamente aceitvel por Sua grandeza, ao invs daquele Deus mesquinho que trazia sempre bombons na mo direita para premiar e um chicote na esquerda para castigar, como qualquer capataz irritadio e vulgar. Revela-nos uma finalidade existncia, ao invs de um paraso de ociosidade intil e egosta, em que as criaturas ficaro por toda a eternidade gozando ao ver seus entes queridos sofrendo horrorosamente um inferno infindvel.

    A teoria da queda e da reabilitao dos espritos to lgica que temos a impresso que ela guiar o mundo espiritualizado de amanh, esclarecendo os pontos obscuros e dando direo evoluo da humanidade, que hoje se debate em problemas sem soluo. um Tratado de Teologia nova e ao mesmo tempo um Tratado de Filosofia Universalista Unitria, que nos apresenta, como um todo nico, um s corpo cuja cabea Cristo.

    A segurana de raciocnio jamais abandona o autor a especulaes vazias, mas o leva a provas slidas, em matria difcil e complexa. a nica teoria que conhecemos, que pode satisfazer o intelecto, a razo e mesmo o corao, porque explica logicamente tudo o que se passa neste mundo. Filosofia, fsica, qumica, biologia, sociologia, moral, tudo examinado conscienciosamente, com mincias que esgotam o assunto, com inflexibilidade irrespondvel, com segurana e acerto.

    A parte mais alta do livro O Sistema constituda pelo captulo XX, quando o autor nos d a terceira interpretao da viso. Esta de uma clareza deslumbrante. Inegavelmente trata-se, nesta obra, de uma revelao descida do Alto, que nos vem trazer luz acerca de problemas que a mente humana, por si s no poderia resolver.

    Perguntam-me alguns confrades, como posso aceitar a teoria de Pietro Ubaldi, sendo, como sou, esprita adepto de Allan Kardec. Confesso no ver nenhuma contradio entre as duas teorias.

    Para quem l Kardec superficialmente, detendo-se nas palavras impressas, a teoria de Pietro Ubaldi pode parecer "hertica". Mas aos que lem o mestre penetrando as entrelinhas das respostas dos espritos, to sbias e profundas, nada lhes parece de contrditrio.

    Em primeiro lugar, Allan Kardec tentou penetrar nesse terreno. Todavia os espritos no lhe deram a resposta ansiada. Podemos encontrar no Livro dos Espritos a pergunta 39: "Podemos conhecer o modo de formao dos mundos"? E a resposta dos espritos: "Tudo o que a esse respeito se pode dizer e podeis compreender que os mundos se formam pela condensao da matria disseminada no espao". No o que diz Pietro Ubaldi, no captulo XX? A origem dos universos foi uma "contrao", em que o esprito ficou aprisionado dentro da matria.

    Em segundo lugar, o prprio Kardec afirma no ter dito a ltima palavra, mas apenas a primeira. E que todas as teorias por ele trazidas deveriam ser desenvolvidas proporo que a cincia progredisse.

    Em terceiro lugar, Allan Kardec preocupa-se com o problema da evoluo, a partir da matria primitiva, sem cogitar do que havia ocorrido antes. Ou seja, comea do mesmo modo em que a Bblia e do mesmo ponto em que A Grande Sntese iniciaram o estudo: a subida evolutiva dos seres encarnados. Evidentemente, partiram todos da "matria", ou seja, dos tomos, cuja concentrao

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    formou os universos. Nesse ponto o infinito negativo, o ponto de chegada da involuo, a concentrao mxima do esprito era evidente que "todos os espritos eram simples e ignorantes" (pergunta 115). Entretanto, evidente a confuso da palavra "esprito", no sentido de "princpio espiritual" com o sentido de esprito humano. Mas as prprias respostas dos espritos e Allan Kardec classificam a origem, pesquisada agora por Pietro Ubaldi, como "mistrio": "a origem deles mistrio" (Pergunta 81). E pouco antes: "Quanto ao modo pelo qual nos criou e em que momento o fez, nada sabemos" (Pergunta 78).

    Dentro do prprio Livro dos Espritos, contudo, encontramos em esboo muito rpido e leves pinceladas, a confirmao da teoria ubaldiana. Pergunta Kardec: "Donde vieram para a Terra os seres vivos"? Resposta: "A Terra lhes continha os germes, que aguardavam momento favorvel para se desenvolverem. Os princpios orgnicos se congregaram (teoria das "unidades coletivas"), desde que cessou a atuao da fora que os mantinha afastados" (Pergunta 44). No o que diz Pietro Ubaldi?

    Mas, acima de tudo, est de p a resposta pergunta 540, no fim: " assim que tudo serve, tudo se encadeia na natureza, desde o tomo primitivo at o arcanjo, que tambm comeou por ser tomo. Admirvel lei de harmonia, que vosso acanhado esprito ainda no pode apreender em seu conjunto!"

    Nada mais cremos seja precioso para provar que a teoria exposta por Pietro Ubaldi, em sua revelao, nada tem de contraditrio com a doutrina codificada por Allan Kardec. Antes, vem complet-la e explic-la, levantando o vu daquele mistrio que, h um sculo, os espritos julgaram oportuno deixar ainda envolvendo a origem da vida. E isto porque os homens daquela poca "ainda no podiam entender" essa origem, pois a cincia no havia demonstrado que matria apenas a condensao da energia, e esta a descida das vibraes do esprito. A frase final da resposta pergunta n 83 nos revela bem que Allan Kardec, incontestvel mestre codificador, no pde receber dos espritos uma doutrina completa, porque o ambiente terrestre ainda no estava preparado. Lemos a: " tudo o que podemos, por agora, dizer". Ento, h mais coisas a dizer, mas no podiam ser ditas, tal como ocorreu quando Jesus disse a seus apstolos: "Muitas coisas vos tenho a dizer, mas no as podeis suportar agora" (Joo, 16:12). Por que ento condenaremos a teoria de Pietro Ubaldi, se ela sem contradizer nem Kardec, nem Jesus, vem trazer-nos luz a respeito de coisas que nem um nem outro nas haviam revelado?

    O fato concreto, sob nossa vista, que a teoria exposta mediante revelao e inspirao por Pietro Ubaldi satisfaz integralmente a todas as indagaes cientficas, psquicas, filosficas, teolgicas e espirituais que possamos fazer-nos. Assim sendo, temos que lealmente aceit-la, at prova em contrrio; mas prova que traga argumentos e fatos, experimentaes e demonstraes, e no apenas citaes do "magister dixit". Hoje o mtodo cientfico tem de prevalecer para satisfazer tanto mente concreta quanto abstrata, tanto razo quanto intuio, tanto inteligncia quanto sensibilidade.

    A obra de suma importncia e finca no mundo um marco que dificilmente ser removido. Poder ser mais bem explicado e desenvolvido seu ponto de vista, poder mesmo ser modificado em seus aspectos secundrios. Mas o

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    mago do problema foi equacionado brilhantemente, e da poderemos partir para posteriores e maiores pesquisas e buscas.

    Compete agora ao homem de amanh essa parte. Mas este j encontrar uma base onde se apoiar, um alicerce sobre o qual poder erguer novos edifcios. E era isto, justamente, o que faltava humanidade de hoje, que nada podia edificar em terrenos movedios de mistrios, sobre abismos sem fundo de desconhecimentos confessados. Tudo, dentro da relatividade humana, foi explicado em termos cientficos e lgicos. Foi-nos mostrado, com dificuldade por causa da pobreza da linguagem humana, o que a mente do homem perquiria h milnios, e que nos fora dito vrias vezes, mas sempre com palavras ocultas, cheias de subentendimentos, que a mente comum no conseguia penetrar.

    Para a filosofia e a teologia, este volume constitui um dos mais importantes tratados que j apareceram publicados na face da Terra. uma luz nova que se levanta no horizonte, um novo sol que vem iluminar as mentes e aquecer os coraes, sequiosos de sabedoria e de amor. Porque nele se revelam, em Sua plenitude infinita, a Sabedoria e o Amor de Deus, como centro de tudo, como Seu pensamento a constituir atmosfera psquica "em que vivemos, nos movemos e existimos () porque Dele tambm somos gerados" (Atos, 17:28)

    Rio, 5 de Julho de 1957 C. Torres Pastorino

    PREFCIO

    Com este volume, inicia-se a Segunda Trilogia da obra,

    chamada brasileira porque escrita no Brasil, em relao primeira chamada italiana, escrita na Itlia. Terminou, com a Primeira Trilogia o perodo da grande batalha, da luta. Tiramos dela todo o fruto benfico. Voltamos, agora, ao caminho ascensional da construo com o incio desta Segunda Trilogia.

    Retomamos neste escrito, os conceitos dos volumes: A Grande Sntese e Deus e Universo, nascidos em dois perodos diversos da minha maturao e filhos de estados d'alma diferentes, a fim de fundi-los num s, formado pela atual e mais profunda maturao adquirida. Significa isto fundir as duas concepes numa nica viso de conjunto, ou seja, num nico sistema (religioso, tico, cientfico etc.) que abarque em sntese todos os fenmenos do Universo, orientando-os para um nico centro e objetivo; um sistema que d a chave e esgote o problema do conhecimento, pelo menos nas suas linhas gerais.

    Por isso, este volume se chama O Sistema, pois representa um conjunto de princpios em que cada fenmeno se coordena, para formar um todo orgnico. Nesta viso global, a concepo cientfica de A Grande Sntese, vista em funo do homem, fundir-se-, permanecendo nela inserida, junto com a concepo teolgica do volume Deus e Universo, vista em funo de Deus.

    A Grande Sntese uma viso do Alto, isto , vinda do Esprito para baixo, ou seja, para o mundo fsico da matria at ao homem. O volume Deus e Universo, uma viso de baixo, isto , do plano humano para o Alto, ou seja, em

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    direo ao pensamento de Deus Criador. Neste volume, queremos fundir as duas vises numa s, o sistema de A Grande Sntese com o sistema de Deus e Universo, cada um em seu campo; ou seja, fundir os dois campos num s, dando-nos, no duas perspectivas diferentes, mas uma nica perspectiva, num nico sistema. Esta a finalidade do presente livro.

    O livro nasceu no primeiro semestre de 1956. Havia ento terminado o perodo da grande batalha e o horizonte se havia tornado mais claro. A luta, se bem que no terminada, ao menos no exigia toda a minha ateno e energia, podendo se organizar na forma dum trabalho mais regular e ordenado. Com o meu esprito mais livre pude ento dirigir-me para novos caminhos.

    Foi isso que permitiu o nascimento deste novo volume: O Sistema. Naturalmente a produo literria se ressente das condies do ambiente, no qual se vive, e do trabalho que isto impe. Mudou meu estado de nimo e no mais oprimido pela luta indispensvel sobrevivncia num ambiente hostil, um sentido de libertao e de alvio me permitiu, em vez de olhar para a Terra a fim de defender-me, levantar os olhos para o Alto, contemplando vises. Nasceu deste modo este meu novo livro, que representa o maior amadurecimento espiritual at hoje atingido.

    Mas para ele me arrastaram tambm, as foras que dirigem a minha vida, e isto atravs de conhecimentos exteriores, independentes da minha vontade. O volume Deus e Universo foi honrado, na primeira metade de 1956, com discusses na imprensa brasileira. As observaes feitas chamaram de novo a minha ateno para aquele argumento, que eu esquecera durante a luta. Ao mesmo tempo, essas foras me prepararam, sem que eu o soubesse, um curso que em 1956 dei em So Paulo e, depois, outro no Rio, e mais um terceiro, em Santos, exatamente sobre o tema: "Gnese e Estrutura do Universo", tema do volume Deus e Universo. E esses cursos levantaram novas discusses. O Brasil um grande pas, onde o pblico se interessa por questes difceis de alta teologia, coisa que no comum em outros lugares.

    Esses fatos excitaram e tornaram a despertar aquele meu pensamento adormecido e o impeliram a colocar-se novamente diante da viso de Deus e Universo, mas desta vez com maior amadurecimento ao que havia dantes contemplado. O empenho em fazer estes cursos e em responder as objees dos assistentes e da imprensa, obrigou-me a precis-los, ao focaliz-los com mais exatido, a fim de esclarecer melhor, sobretudo a mim prprio, sobre os problemas enfrentados. Isto porque o modo como eram feitas as discusses e desenvolvidas na imprensa e nas conversas, demonstrava-me, acima de tudo, que no tinha sido bem compreendida a orientao e a colocao geral dos problemas tratados, o que de resto bem se explica, porque eram diferentes os pontos de referncia culturais e a novidade revolucionria de uma concepo que nem sequer a cultura europia se revelou capaz de logo compreender e aceitar. evidente que uma tal viso, de dimenses csmicas, no podia ser reduzida a medir-se e a ser julgada pela mdia comum, nem podia se reduzida a enquadrar-se nos imites desta ou daquela doutrina. Assim o homem, mesmo partindo de religies diferentes, teve um comportamento igual diante de A Grande Sntese e de Deus e Universo. No discutimos os julgamentos, que respeitamos porque correspondem necessidade de defender patrimnios espirituais j adquiridos. Mas tambm certo que Deus, ao criar, no podia ficar na dependncia deste ou daquele sistema religioso, que lhe estabelece uma determinada norma.

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    De tudo isso nasceu a necessidade de esclarecer ainda melhor como se desenvolveu o processo da criao, enfrentando-o novamente, com mtodos inspirativos (j que no existem outros de observao direta), e dos quais j demonstramos o valor como mtodos de pesquisa, estes, alis, completados e controlados pela lgica e pela razo. Respeitamos todas as fontes, tradicionais; mas Galileu, como a cincia moderna, para resolver os problemas astronmicos, se lanou ao estudo dos cus por meio de telescpio e do clculo, e no com a Bblia. E se esta dizia que Josu deteve o sol, Galileu no obstante ser julgado herege porque contradizia Bblia, continuou, com toda a razo a dizer: "e, no entanto, a Terra se move".

    Por isso, tal como Galileu, s podemos responder s objees da imprensa dizendo que, apesar de tudo o que afirmam as diversas doutrinas, as coisas so exatamente como esto descritas desde o princpio do volume Deus e Universo. Para termos a certeza disso, neste volume, O Sistema, a questo foi toda reexaminada: a viso foi novamente vista em seu conjunto e em seus pormenores. Deste novo exame crtico e analtico, resultaram confirmadas todas as afirmaes precedentes, e demonstradas com maior evidncia. Esta uma anlise ainda mais atenta. Se houvesse erros, eles deveriam aparecer. E no apareceram.

    Eu teria gostado muito que a crtica alheia me houvesse apontado erros. Mas, tal como ocorreu na Itlia, com a condenao de A Grande Sntese, a crtica limitou-se no a ver se a teoria era verdadeira ou falsa luz da lgica e dos fatos, mas penas a ver se ela correspondia a uma unidade anterior de medida, dada pela medida da prpria doutrina. Assim, a crtica no me ofereceu, como eu teria desejado, alguma coisa que pudesse aprender, para melhorar meu trabalho, nenhum fato positivo que verdadeiramente enfrentasse a substncia dos problemas. E isto o que mais interessa ao pesquisador apaixonado. O que lhe interessa no tanto se ele est de acordo com esta ou aquela doutrina particular, mas obter resposta s suas perguntas e saber como realmente ocorreu o fenmeno da criao.

    Como aconteceu com A Grande Sntese, o fato se repetiu agora. Qualquer verdade nova se acha diante de outras verdades j admitidas. Se a nova verdade concorda com elas, julgada verdadeira. Se no concorda, julgada falsa. Assim, as verdades novas que se esto desenvolvendo nestes volumes so diferentemente julgadas. H sempre luta entre o velho e o novo. O primeiro possui as posies j conquistadas, mas envelhece e se cansa. O segundo deve conquist-las, mas jovem e tem direito vida. Ningum pode deter o progresso que, apesar dos conflitos, continua a avanar sempre impassvel. Trata-se de uma lei irresistvel da vida. Basta esperar. Para compreender o novo, precisa-se de tempo. Foram necessrios vinte anos, para que A Grande Sntese fosse compreendida. Para que Deus e Universo seja tambm compreendido, mais ainda ser necessrio.

    No momento, s uma poderia ser a resposta s discusses sobre o volume Deus e Universo: a que foi dada s que se fizeram sobre o volume A Grande Sntese. No renegar, mas reafirmar, porque havia sido feito um estudo profundo do problema, tendo sido encontradas novas confirmaes. Por isso, tudo se reduz a explicar ainda melhor, cada vez mais clara e evidentemente, at que se compreenda. A nica dificuldade que pode surgir como causa de dissenses, no se haver explicado bastante. O remdio diante de qualquer condenao apenas o de

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    insistir, explicando sempre mais claramente. O problema no de modificar, mas de ser compreendido.

    Assim nasceu este livro. Embora susceptvel de contnuos desenvolvimentos, agora ele j esclarece tudo, pelo menos em suas grandes linhas especialmente a mim prprio, que sou difcil de convencer. E ele me convenceu. Eliminou, em meu atual estado de amadurecimento, todo resduo de dvida, que sempre permanece no fundo da mente de qualquer pesquisador honesto.

    Assim a teoria da queda no s no morreu, como se reforou em mim, fundindo-se com a concepo de A Grande Sntese e absorvendo-a. Por isso, essa teoria continuar a constituir a espinha dorsal das obras que estou escrevendo, de modo que os meus futuros livros no s a confirmaro, como continuaro a elevar-se nestas bases, esclarecendo cada vez mais, desenvolvendo, aplicando, convencendo. Quanto mais se estuda o que verdadeiro, menos dvidas se tem.

    Foi assim que a Verdade sempre caminhou desta forma. As resistncias fazem parte do seu processo evolutivo. Trata-se de uma lei igual para todos, que ns no podemos modificar, devendo apenas aceit-la. justo e devemos defender as velhas verdades j conquistadas. Mas, s vezes, repudiando e sufocando o que novo, para defender o patrimnio j possudo, tenta-se impedir a vida de conquistar outro patrimnio melhor. No entanto, como explicado neste volume, o impulso do progresso vem de Deus e, como tal, esse impulso o mais forte e no pode deixar de vencer.

    So Vicente, Natal de 1956

    Primeira Parte

    A V I S O

    Captulo I

    O MTODO

    Em primeiro lugar, temos de explicar a tcnica de

    pensamento que usamos, para chegar s concepes a que aqui exporemos. Podemos estudar a natureza de um terreno, de duas

    maneiras: 1) construindo, para ns, um conceito geral, observando-o do alto de um monte ou de um avio; 2) fazendo uma idia dele percorrendo-o a p, passo a passo, em todos os sentidos. No primeiro caso teremos uma viso de conjunto, que chamaremos de sntese. No segundo teremos uma viso de pormenores que chamaremos de anlise. No primeiro caso veremos as linhas gerais, que nos escapam no segundo; no segundo veremos as linhas dos pormenores, que nos escapam no primeiro.

    lgico ser desse modo, porque o ser humano se encontra exatamente entre o microcosmo e o macrocosmo, ou seja, entre o infinitamente pequeno e o infinitamente grande. Somos feitos para perceber com os nossos sentidos apenas a realidade que nos oferecida pelos fenmenos de nossa grandeza. Procuramos afastar-nos deles, superando-lhes os limites, com o microscpio e o

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    telescpio, mas s podemos faz-lo at certo ponto. Conseguimos, ento, chegar um pouco mais longe, mas temos, depois, de parar, diante de horizontes mais afastados, alm dos quais, para ns, o infinito permanece igualmente inatingvel.

    O pensamento humano, filho de capacidades perceptivas incrustadas pela natureza das coisas entre esses dois extremos, lanou-se, em seu impulso natural para o conhecimento, ora uma direo ora noutra, criando assim instintivamente os dois mtodos de pesquisa que o homem conhece: o dedutivo e o indutivo. Possuindo a inteligncia e equipado assim, com meios para caminhar, o homem tinha de seguir as duas estradas que j o esperavam, traadas na estrutura do mundo, e por elas caminhou. Logo, com o seu mtodo dedutivo explorou o terreno, como de cima de um monte ou de um avio, obtendo uma viso de sntese, mas sem ser controlada no local, em contato com o terreno onde ocorrem os fenmenos; uma viso de conjunto, de princpios gerais, onde faltam os pormenores. Isto ocorreu quando o homem se entregou nos braos da inspirao, da intuio ou da revelao. Da tirou os princpios gerais, no demonstrados, no focalizados com exatido pelo trabalho racional, suficientes para saciar apenas a mente, at quando o seu amadurecimento lhes despertasse a fome de saber mais.

    Eis ento que, em certo momento, nasce a cincia, usando a perspectiva oposta, ou seja, o mtodo indutivo; com sua posse comeou a explorar o terreno no mais do alto, mas percorrendo-o passo a passo, entrando em contato direto com os fenmenos. No mais viso de conjunto, de sntese, mas dos pormenores, analtica. Da a observao e a experincia, no primeiro caso excludas, e os resultados prticos e utilitrios, produzidos pela cincia.

    Este mtodo, entretanto, diante do problema do conhecimento, tem um ponto fraco: se mais apto a agir na matria, dando-nos resultados prticos, o mais inadequado, por ser mtodo de anlise, para dar-nos a viso de sntese e resolver assim o problema do conhecimento. Sucede ento que, em pleno sculo de cincia positiva, como o nosso, voltamos a confiar no gnio dos grandes matemticos, os quais, por abstrao no s trabalho de lgica, mas tambm de intuio conseguem elevar-se acima do mundo fenomnico, da trazendo a viso de conjunto, que a cincia positiva, com seu mtodo experimental, no consegue alcanar. No entanto, tambm a cincia necessita da intuio, pelo menos para formular algumas hipteses de trabalho, sem o que no consegue orientar-se, ficando em seu progresso, sujeita s puras tentativas.

    Aps esta premissa, vamos ao nosso caso. Nos volumes anteriores usamos, alternadamente, ora um ora o outro desses dois mtodos. Neste volume utilizar-nos-emos de ambos dirigindo-os em colaborao para o mesmo alvo. Quer dizer, usaremos os dois mtodos e as duas perspectivas: a da revelao, intuio e inspirao ou seja viso panormica por sntese e a da observao e experincia ou seja viso detalhada por anlise. So estas as duas formas do pensamento humano: religioso e cientfico, isto , descida do pensamento de Deus Terra, por meio dos profetas e inspirados, e a laboriosa ascenso do pensamento humano por meio dos pensadores e dos cientistas.

    Eis a o mtodo que seguiremos. Para atingir o mximo resultado possvel, na busca da verdade, e alcanar o mximo possvel de conhecimento, usei alternadamente os dois mtodos: inspirao e razo.

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    Comeo, assim, enfrentando o problema com a viso panormica, do alto, ou seja, com inspirao. Dessa forma, obtenho uma viso de conjunto, ou total, o ltimo resultado de uma operao, da qual, entretanto, no conheo os termos componentes donde esses totais derivaram. Faltam os pormenores, as provas, o controle racional, para esses resultados serem aceitveis no plano lgico, a fim de que resultem demonstrados, de acordo com a forma mental do homem moderno. A intuio no nos d nada disso. Ela produz num lampejo, uma viso de sntese, sem mincias, na qual no possvel aplicar, naquele momento, anlise e controle, nem de observao, nem de experincia. Pude conseguir desse modo a orientao geral, mas falta todo o resto. Assim, chego a descobrir a concluso a ser alcanada; mas pelas vias racionais, ainda no sei o caminho para chegar l. Vi a verdade, mas no posso demonstr-la, agora. Tanto mais que o fenmeno da inspirao , em grande parte, independente de nossa vontade. Mas enfim, alguma coisa conseguimos, precisamente a orientao geral que hoje falta cincia.

    Os profetas, os inspirados, as revelaes das religies pararam a. natural, portanto, que a cincia ao trabalhar no plo oposto, no tome em considerao esses resultados, os quais, no entanto, so de grande importncia. Ela no deveria t-los rejeitado, mas antes tomado para examinar e dar-lhes uma explicao, pelo menos uma hiptese de trabalho, que pudesse, mesmo provisoriamente, preencher a sua falta de orientao quanto aos problemas mximos do conhecimento. Por enquanto, no vamos deter-nos neste ponto. Ao contrrio, temos de procurar completar os resultados da inspirao recebida, usando em seguida, num segundo tempo, tambm o mtodo oposto e complementar, que o da cincia. Devemos, assim, descer do monte ou do avio, ao nvel do terreno e percorr-lo todo a p, observando-o de perto. Isto procuramos fazer em vrios volumes, onde retomamos os temas da inspirao para desenvolv-los racionalmente, controlando-os com a observao e a experincia. Guiados pela inspirao recebida, maior nossa orientao, e no vamos explorando ao acaso; mas, pelo contrrio, seguimos direes precisas, porque sabemos, mesmo antes de v-los, que l existe um rio, um bosque, uma rocha, um terreno diferente. Com o mapa geral do solo, obtido com a perspectiva do alto, reduzir-se- o nosso trabalho apenas anlise dos pormenores, em vista de a viso sinttica estar diante de nossos olhos, nos orientando. Com esse mapa nas mos, no temos o trabalho de fabricar outro para orientar-nos e podemos, pois j estamos orientados, concentrar toda a nossa ateno no estudo das mincias.

    Infelizmente, a cincia se acha em outras condies. Ela no tem nas mos o mapa geral do terreno, para fazer as suas pesquisas. Acha-se diante de um nmero infinito de pormenores, e o fato de estar obrigada, atravs deles, a chegar reconstruo de uma viso de conjunto, constitui uma dificuldade por vezes insupervel, pois em nosso universo, como veremos, a unidade do todo foi pulverizada na infinita multiplicidade fenomnica. Por isso, ela obrigada a limitar-se a sondagens parciais, denominadas hipteses; estas, controladas mais tarde pela observao dos fatos, so definitivamente aprovadas como teorias aceitas, representando apenas snteses parciais, limitadas a campos restritos ou aspectos da verdade global. Assim, tudo permanece fracionrio, cobrindo apenas estreitas faixas do terreno. No conjunto, tudo fica desorientado, justamente porque falta o meio para alcanar uma viso de sntese, coisa que a anlise, por sua natureza, incompetente para nos dar. Dessa forma, se a cincia

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    o meio mais adequado para produzir resultados de carter material, mostra-se mais inepta para produzi-los de valor espiritual. E isto porque, estando ela situada na multiplicidade dos pormenores fenomnicos, no terreno das formas e dos efeitos no plo oposto do centro unitrio da Divindade, da qual desce a revelao mostra-se por sua natureza, a mais incompetente para alcanar resultados unitrios de sntese, ou seja, viso geral, nica que pode resolver os problemas mximos e dar-nos o conhecimento. Fica-lhe, dessa maneira, vedada a funo de orientao, que compete, pelo contrrio, inspirao, como a esta vedada a funo do conhecimento analtico, que compete cincia.

    Mesmo em relao ao nosso caso, temos de fazer estas referncias contnuas ao estado atual do pensamento humano, pois o nosso deve tambm orientar-se em relao a ele e sua atual fase de desenvolvimento. Procuramos, assim, no permanecer unilaterais, como as religies de um lado e a cincia de outro, acreditando cada uma ter a sua perspectiva particular, suficiente para abarcar a verdade toda. Em vez de completar-se, como necessrio entre coisas complementares, a f e a cincia tm procurado excluir-se, condenando-se uma outra.

    Procuramos, por isso, evitar esse erro de unilateralidade, fundindo os dois mtodos, sem nos fecharmos em barreiras preconcebidas, nem num nem no outro plo. Sempre h algum para compreender cada vez melhor, ou, seja, para alcanar o conhecimento, se, em vez de uma, dispe-se de duas perspectivas ao mesmo tempo: a sinttica e a analtica.

    A est, portanto, o que ser e , de u'a maneira geral, o nosso trabalho no segundo momento. Quando j houvermos registrado, por escrito, os resultados da inspirao e tiver cessado o lampejo, do qual derivam aqueles conceitos, ento cessa de funcionar a intuio, e voltamos ao estado normal. como se descssemos do monte ou do avio. A, ento, comeamos a andar a p, no cho, passo a passo. Tornamo-nos, dessa forma, investigadores comuns, que observam e experimentam. Estamos, ento, fora do mundo da revelao e da f, penetrando no da pesquisa e da cincia. Usamos, agora, a forma mental, no mais a de quem cr, mas a de quem duvida. As atitudes e as perspectivas invertem-se. No se abre a alma de Deus, mas buscam-se provas, entrando na fase de controle racional da intuio. O nosso pensamento pe-se a funcionar com engrenagens diferentes, pondo-se em relao diferente com o existente, no mais de esprito, interior, por viso, mas de sentidos, exterior, por contato material.

    Entro pois nesta segunda fase retomando o pensamento j atingido pela inspirao e o analiso. Eu mesmo procuro as provas, com os meios racionais e culturais, porque s quando tiver transformado o pensamento intuitivo, nesta segunda forma, ento poderei apresent-lo aos modernos homens da cincia, os quais s tomam a srio o pensamento quando este se apresenta assim revestido. Nesta segunda fase, no mais a inspirao que trabalha, mas apenas as foras da minha pequena inteligncia humana. No vo, mas caminho p, e a cada passo toco a terra e tudo em meu redor. Tenho de fazer, ento, pesquisas, e quando me falta o conhecimento de alguma coisa, devo procur-la e encontr-la nos livros cientficos.

    Entretanto, esta no a investigao comum, da qual se diferencia. No se realiza por tentativas, mas segue uma orientao conhecida, no se encontrando nos livros. Quem j est orientado por sua conta, sabe o que quer achar; do

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    que dito pela cincia, sabe o que deve e o que no deve aceitar. Nesta pesquisa, no me submeto orientao dada pelos livros. Ela j me foi dada pela inspirao e s esta me pode dar. cincia eu peo apenas o fato, o fenmeno que no est em minhas mos, o qual a cincia conhece bem, porque a cincia dos fatos e dos fenmenos; peo-lhe apenas os pormenores, pertencentes sua anlise, e no fornecidos pela viso sinttica de conjunto.

    Quis explicar tudo isto, tambm para afastar o mal-entendido que a meu respeito tem ocorrido no Brasil. Fui aqui qualificado de mdium, o que neste pas tem o significado geral de receber, neste caso, mensagens escritas e fragmentrias (quase nunca um tratado sistemtico e completo), proveniente de determinadas entidades, que quase sempre foram humanas; e tudo isso, em estado de inconscincia, em estado de transe. Enquanto para esses mdiuns, a maior prova da genuinidade da recepo reside em no se conhecer aquilo que se escreve, para mim a maior prova consiste no controle contnuo, que eu posso fazer, em plena conscincia, da prpria recepo, no momento mesmo em que ela ocorre. No meu caso, a passividade do transe no uma virtude, mas um defeito que deve ser evitado; se eu no perceber, em plena lucidez, os conceitos que estou recebendo, seria apenas u'a mquina cega, passiva e irresponsvel, e no poderia distinguir os conceitos inspirados, dos que no o so. Tenho de tomar parte no trabalho com a minha contribuio pessoal, que a seguir deve controlar os resultados obtidos pela inspirao, verificando se so genunos, submetendo-os ao exame da razo e da cultura, baseando-os em provas, traduzindo-os para a linguagem cientfica moderna. Trabalho srio e rduo, exigindo disciplina intelectual e certo conhecimento da arte de saber pensar. Pode-se ento imaginar a dificuldade surgida aqui, quando tive de entrar nessas categorias j estabelecidas, adequadas a outros casos e tipos de fenmenos, tendo de vestir uma roupa que no tinha as minhas medidas. A finalidade do meu trabalho no apenas demonstrar a sobrevivncia da alma ou o fenmeno medinico, mas oferecer ao mundo cultural moderno o resultado de um trabalho srio de investigaes positivas, realizadas em campos inexplorados, com o mtodo da intuio, novo para a cincia. O meu trabalho no consiste em fazer ato de f neste ou naquele grupo religioso, mas em explorar, com mtodos novos, o inexplorado, em enfrentar e possivelmente resolver, perante a cincia e o pensamento moderno, o tremendo problema do conhecimento. Assim, como fui julgado condenvel pela Igreja catlica, na Itlia, porque no era ortodoxo, o mesmo ocorreu comigo neste novo ambiente medinico. Pelo que parece: procurar a Verdade, sem preconceitos, no pode ser aceito como ortodoxo em nenhum grupo humano.

    De tudo isso, o leitor poder compreender como os meus livros nascem de uma profunda elaborao. A fonte primeira e maior a inspirativa. Representa a origem de onde nasce tudo. Se mais tarde, leio algo a respeito do argumento tratado, isto s depois, para conhecer o ponto de vista da cultura contempornea, a respeito dos temas desenvolvidos. Mas jamais a opinio alheia, tendo chegado sempre num segundo momento, modificou ou pde modificar o que resultara da inspirao. Jamais aconteceu alterar, por maiores que fossem as objees dos opositores. Em caso de discusso e dvida, sempre acrescentei esclarecimentos e exemplos, para explicar melhor, eliminando todas as dificuldades possveis, para achar cada vez mais provas, a fim de eu mesmo que nesta segunda fase do trabalho me fizera tanto mais desconfiado, como o quer a cincia positiva, quanto mais confiante fora

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    na primeira fase ser constrangido a render-me diante da evidncia e aceitar como prova as concluses da inspirao. Trabalho til, porque havendo-me colocado no estado psicolgico do homem mais desconfiado e refratrio, tive de achar tantas provas at ficar esmagado e convencido. Quis eu mesmo colocar-me num estado de descrena tal, que no houvesse mais lugar para a descrena alheia.

    Compreendida a gnese do pensamento a ser aqui seguido, vamos proceder exposio dos princpios fundamentais do Sistema.

    Tudo em nosso mundo, se baseia numa contraposio de conceitos opostos, que se completam como dois plos do ser; so contrrios, mas s podem existir um em funo do outro; lutam, mas justamente na luta se escoram mutuamente, e um no pode dispensar o outro. Ora tudo isso dado pelo primeiro modelo Sistema/Anti-Sistema, modelo que aparece reproduzido em todas as formas do ser. Todo o nosso modo de conceber depende desse fato. Assim a afirmao nasce da contradio, e s podemos afirmar enquanto existe o termo oposto da negao. Por isso, a negao que conduz afirmao, e a afirmao que implica a possibilidade da negao.

    Acontece ento que no sabemos conceber o infinito e o absoluto seno como o estado inverso ao nosso estado de finito e relativo. De modo que o conceito que, em nossa posio de Anti-Sistema, conseguimos formar do Sistema, para ns, negativo; assim em relao a ns, apesar de tratar-se da coisa mais positiva que pode existir. O fato de que ns s conseguimos fazer do infinito e do absoluto uma idia que representa o inverso de nosso finito e relativo e no uma idia direta e positiva d-nos ainda uma prova de que estamos situado no Anti-Sistema, por efeito da queda.

    Vejamos um caso mais particular. Poder-se-ia dizer que o atesmo representa uma das provas da existncia de Deus. O atesmo uma negao que presume a afirmao, e que s em funo dela pode existir. A negao no s presume e prova a afirmao, como faz parte de dois conceitos que se condicionam reciprocamente, de modo que um no pode existir seno em relao ao outro. H mais ainda, porm. A negao, ao negar enquanto negao alimenta e refora o poder da afirmao apenas com sua presena. Quando h dois conceitos juntos, dizer no de um lado, significa dizer sim do outro. De modo que, em ltima anlise, o no s pode existir para anular-se a si mesmo, e para reforar, com a prpria negao, a afirmao oposta. Quem nega, nega em ltima anlise a si mesmo, ou seja, se destri; e quem afirma, afirma a si mesmo, isto , se torna mais poderoso, e constri. Quem nega uma afirmao, nega a si mesmo em favor dessa afirmao, que se torna mais poderosa, crescendo por meio dessa negao. Os negadores caem nesse erro. Deduz-se da que, quando um conceito possui valor intrnseco como afirmao de verdade, ele nada ter de temer das negaes que, se aparecerem, trabalharo em seu favor. O esforo para destruir a nova verdade utilizado, pelas leis da vida, para difundi-la, tal como os ventos tempestuosos que trazem destruio so utilizados para levar para longe as sementes fecundas de uma vida mais ampla. a prpria posio negativa assumida pelos negadores, servir para destru-los em favor da afirmao, nutrindo-a com a prpria carne.

    O modelo dos dois opostos, Sistema e Anti-Sistema, ns o vemos reproduzindo tambm nos dois termos contrrios: esprito e matria. E

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    instintivamente o homem v Deus e o paraso, isto , o Sistema, no cu; e nas vsceras da terra, afundado na matria, o inferno. Por que isso? Porque a queda foi do estado de esprito ao estado material, atravs da energia. Aqui a idia da queda reproduzida em sentido espacial, do cu para a Terra. Na concepo de Dante, Lcifer se precipita do cu ao inferno, aprofundando-se at o centro da Terra, onde, no ponto mais longe do cu, permanece a habitao do maior rebelde a Deus. E as subidas ao cu so concebidas em sentido contrrio. O purgatrio dantesco o monte da ascenso, subindo pelo qual, de plano em plano, se chega ao paraso. Esse inferno e purgatrio exprimem exatamente, em sua posio inversa, o primeiro, cavado nas vsceras da matria, o segundo, emergindo de seu seio, as duas metades inversas e complementares do ciclo da queda, constitudo pelo perodo involutivo (queda no inferno) e pelo perodo evolutivo (purgatrio), da purificao que leva a Deus. Sob outra forma, achamos a a substncia da viso que expusemos. O inferno dantesco possui todas as qualidades do Anti-Sistema: trevas, dor, dio, mal etc.. O paraso dantesco possui todas as qualidades do Sistema: luz, felicidade, amor, bem etc.. Tambm no inferno h certa ordem e disciplina. Mas a ordem coagida, a disciplina a do escravo algemado; enquanto que no paraso a ordem e a disciplina so livres e por convico. Isso corresponde aos conceitos de determinismo, a que est presa a matria, e de liberdade, primeira qualidade do esprito.

    Explicam-se, dessa maneira, muitos modos de conceber, que encontramos nas vrias religies, e as formas com que os estados de alm tmulo so representadas por elas. Explica-se assim a contraposio entre espiritualismo e materialismo, o primeiro concebido como elevao, o segundo como negao. Explica-se a diviso do pensamento moderno nestas duas direes opostas, num contraste que representa em nosso mundo a luta entre o Sistema e o Anti-Sistema. O materialismo moderno constitui um movimento de descida, mas descida na matria, para depois chegar a compreender melhor, em relao a Deus e ao esprito, a significao do universo e de nossa vida nele. O materialismo nasceu como corretivo e reao ao espiritualismo abusado das religies, como liberao e renovao, a fim de passar das velhas estradas s novas, como salvao da cristalizao dogmtica, a fim de que o pensamento no permanecesse a, morto dentro delas, mas revivesse, continuando a avanar. S num primeiro momento que a cincia apareceu como inimiga da f, quando se manifestou como reao de cura do pensamento humano, o qual corria o perigo de permanecer fechado em alguns caminhos sem sada. Mas depois a cincia materialista no podia evitar de caminhar, de iluminar-se mais, de construir; porque observando honestamente os fatos e os fenmenos, tinha que encontrar-se com o pensamento de Deus que os dirige, e chegar a ouvir a voz de Deus que fala neles. Pde assim aparecer a verdadeira funo positiva criadora, prpria desse regresso a matria, ou seja, a de poder tomar um impulso mais forte, a fim de poder ascender mais para o alto, no caminho da evoluo para o esprito. Fato que s agora comea a delinear-se mas que representa o verdadeiro sentido, o valor e o futuro da cincia.

    Captulo II

    DEUS E CRIAO

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    Para tornar a exposio compreensvel forma mental comum, tive de exprimir, em A Grande Sntese e em Deus e Universo, a concepo sinttica da primeira viso intuitiva, por graus e por concatenao de desenvolvimento lgico. Assim, para torn-la mais compreensvel, a viso sinttica foi expressa analiticamente. Sigamos agora o processo inverso expondo os conceitos na forma em que realmente me apareceram, isto , num primeiro momento como sntese ou viso de conjunto, e s num segundo momento, como controle racional e exposio de provas, pondo-nos em contato com a realidade dos fatos. Dessa forma, podemos colocar como atual ponto de partida, o que daqueles livros era, ponto de chegada. Assim, teremos logo diante dos olhos o quadro geral do Sistema completo, de acordo com a perspectiva panormica obtida, observando-a do alto. Desceremos, depois, num segundo momento, ao nvel do terreno, para percorr-lo a p, trabalho que nos permitir verificar, tocando de perto a realidade, que a viso de conjunto corresponde aos fatos.

    O nosso ponto de partida ser, pois, o captulo final, intitulado: "Viso Sinttica" do Volume Deus e Universo. Naquela viso, de mxima amplitude, que at agora conseguimos por intuio, enxertaremos a outra viso, menos vasta, porm mais prxima, a de A Grande Sntese. Os contedos dos dois volumes estaro, pois, fundidos aqui numa nica concepo, que nos dar, num s golpe de vista, a viso de todo o Sistema. O nosso trabalho , agora, o mesmo da minha primeira fase de recepo por inspirao, ou seja, abrir os olhos e ver. Depois, num segundo momento, faremos o outro trabalho, o de analisar, para compreender racionalmente. Desta maneira, fazendo o leitor seguir o mesmo caminho que segui, procuro dar-lhe a sensao viva do fenmeno como eu mesmo o vivi.

    Ento, num primeiro momento, somos apenas seres sensibilizados, dotados de uma viso interior, observando nossas percepes, sem exercer nenhum controle racional a fim de saber se correspondem aos fatos e a razo pela qual devam ser como nos aparece. S mais tarde sero enfrentados esses quesitos, dando-se-lhes resposta. Ento, como ponto de partida teremos os totais da operao que nos chegaram de forma sinttica, para os analisar, buscando os seus termos constitutivos, por meio dos quais poderemos novamente alcanar aqueles totais, mesmo usando a forma mental moderna. Coloquemos, ento, agora, as concluses, para depois proceder sua anlise. Poder isto parecer estranho, mas a humanidade enfrentou o problema do conhecimento com o mesmo mtodo: primeiro a revelao, por meio de profetas e inspirados, depois a cincia, com a observao e a experincia. este, portanto, o sistema usado pelas leis da vida, no desenvolvimento do pensamento humano. So dois momentos sucessivos e complementares: o primeiro o movimento instintivo e inconsciente do menino que abre os olhos, olha e assimila; o segundo o movimento reflexo e consciente do adulto, controlando com a razo o que v, no mais esperando o conhecimento descer gratuitamente do Alto, mas movendo-se ele mesmo sua procura, com seu trabalho e esforo.

    Em vista de as duas operaes se completarem mutuamente, sendo uma necessria outra, devemos executar ambas. Fiquemos agora no mbito da primeira. Neste trecho no qual a intuio impera, os cticos ainda nada podem dizer. Para a dvida, que vir mais tarde, ainda no h lugar aqui. Estamos agora na fase em que se olha, se recebe e se registra. Os raciocinadores, os crticos, os cticos, trabalham em outro terreno, e viro depois, sendo bem aceitos, porque tambm so

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    utilssimos para realizar o trabalho de controle. Mas nesta primeira fase, s pode olhar e calar-se.

    Na atual viso de sntese, encontramo-nos situados no absoluto, no qual tudo suprema abstrao, onde tudo escapa a uma possibilidade de controle com os meios de nossa concepo de origem sensria e com os princpios da realidade fenomnica de nosso mundo. Diante dessa viso, falta-nos qualquer meio de controle direto e ponto de referncia, no funcionando a observao e a experincia, que constituem a fora da cincia. Mas isto no significa no haver a possibilidade de algum controle. Ele existe, mas indireto. Movemo-nos aqui no mbito das causas primeiras, cuja essncia escapa nossa percepo. Destas causas, possumos os efeitos repercutindo em nosso mundo, efeitos que vivemos e dos quais somos o resultado. Sem dvida, no podemos ver o Absoluto, mas podemos fazer dele uma imagem, indiretamente, atravs dos reflexos e efeitos que vemos em nosso relativo, o qual bem conhecemos. Esses efeitos, ns os temos sob os olhos, controlveis a cada momento, falando-nos sempre da causa, de que so filhos diretos. Assim, neles podemos ver o rosto da me, cuja fisionomia pode ser reconstruda at por meio daquela razo, que no chega a v-la, como o faz a intuio. Ento, por um caminho mais longo, podemos levar os cticos a admitir a verdade daquelas vises que, por sua natureza, so incontrolveis diretamente.

    Quando chegamos a esta viso, no podemos saber nem nos perguntar por que Deus quis existir e agir de determinada maneira e no de outra. Podemos somente receber a viso e registrar o estado de fato, que ela representa, e por fim aceit-lo. No podemos discuti-lo, nem modific-lo, como o caso da lei que regula qualquer fenmeno. Em ambos os casos verificaremos que o estado de fato assim, acontece assim, sendo esta a inviolvel estrutura do fenmeno.

    Ocorre, porm, uma coisa. Nesse plano imperscrutvel e nesse esquema geral indiscutvel do ser, achamos as causas primeiras, nicas a nos explicar no s os efeitos que temos entre as mos, mas tambm a sua estrutura, sem o que no saberamos explicar a razo pela qual teriam tomado aquela conformao particular e no outra. Por isso, no podemos explicar porque Deus teria querido criar os seres, transformando-se, de um todo homogneo, internamente indiferenciado, num todo orgnico, unidade coletiva composta de infinitos espritos. Mas este fato, que no podemos pesquisar, o nico a explicar outro fato correspondente, pelo qual o homem resulta constitudo por um organismo de clulas, ou seja, uma unidade coletiva dirigida por um eu central, assim como todo o universo dirigido por Deus. ainda o nico a nos explicar o princpio, pelo qual os seres tendem a reagrupar-se em unidades coletivas cada vez mais amplas; da vermos dominar em nosso universo o princpio orgnico, justamente aquele ao qual se deve a criao dos seres, como foi revelado pela viso. Somente ascendendo a estas origens das coisas podemos dar-nos conta da razo pela qual assumiram em nosso universo sua atual conformao.

    Assim, no podemos explicar, agora, o porqu ltimo da estrutura trina da Divindade, alm dos princpios gerais de ordem e harmonia, como no podemos perguntar nem saber a razo. Mas, verificamos que ns mesmos, em cada ato nosso, repetimos o mesmo comportamento: primeiro concepo da idia, depois ao e, finalmente, a sua manifestao na realizao concreta, exprimindo na forma, a idia. Por isso, no podemos dizer a razo pela qual Deus tenha desejado existir como Trindade, mas podemos compreender a razo pela qual funcionamos dessa maneira. Devido o

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    universo ser constitudo segundo esquemas de tipo nico, que se repetem em todas as alturas e dimenses, repetimos em cada ato nosso o princpio da Trindade, o nico que pode esclarecer sobre essa estrutura de nossa maneira de agir e da sua forma de existir. precisamente aquele primeiro modelo da Trindade, que vem repetido em todos os atos criadores de cada ser inteligente.

    Eis como me apareceu a viso mxima do todo, j esboada como concluso no captulo final de volume Deus e Universo, e agora, tendo chegado a um estado de mais profunda maturao, apresentamos de forma mais ampla e completa.

    Apareceu-me Deus como uma esfera que envolve o todo, isto , como conceito abstrato de esfera, existente alm do espao e cuja superfcie est situada no infinito. Deus est no centro e domina toda a esfera, existindo tambm em cada ponto seu. Deus no pode ser definido, porque no infinito Ele simplesmente "". Deus significa existir. Ele a essncia da vida. Tudo o que existe vida, isto , Deus. E Deus tudo o que existe, que vida. Deus o ser, sem atributos e sem limites. O nada significa o que no existe. O nada, portanto, no existe. Ele no pode existir em si mesmo, por si s, mas s como uma funo do existir, como uma sua posio diversa, da mesma forma que a sombra no pode existir por si mesma, mas s em funo da luz, e o negativo no concebvel seno como contraposio ao positivo.

    Ns, como tudo o que existe, estamos em Deus, porque nada pode existir fora de Deus, nada lhe pode ser acrescentado nem tirado. Mas, como veremos, ns humanos, com os outros seres de nosso universo fsico, encontramo-nos existindo numa posio particular, semelhante da sombra em relao luz. Como sombra, fazemos parte do fenmeno luz, ou seja, fazemos parte do Tudo-Uno-Deus, mas como sombra, isto , negativo, estamos no plo oposto ao positivo da mesma unidade. Mais tarde veremos como isto aconteceu. Assim, diante do absoluto, encontramo-nos no relativo; diante do imutvel, no contnuo transformar-se; diante da perfeio, numa condio de imperfeio sempre em movimento para atingir a perfeio; diante da unidade orgnica do todo, encontramo-nos fragmentados e fechados em nosso individual egocentrismo de egostas; diante da liberdade do esprito, encontramo-nos prisioneiros no crcere da matria e de seu determinismo; diante da oniscincia de Deus, estamos imersos nas trevas da ignorncia; diante do bem, da felicidade, da vida, somos presas do mal, da dor e da morte.

    Explicamos isto, para compreender como, existindo em um mundo emborcado do lado negativo, em relao a Deus, s sabemos conceber Deus como uma negao de tudo o que constitui nosso mundo. Pelo fato de sermos sombra, s podemos conceber Deus como a sombra concebe a luz, isto , como o contrrio de si mesma. Para poder atingir o positivo, seria indispensvel, portanto, chegar a negar todo o prprio negativo, ou seja, dizer: Deus no tudo o que nos aparece e existe como real; como para chegar luz, mister seria afastar toda a sombra. Este nosso mundo de matria, percebido pelos nossos sentidos, no Deus. Este ou aquele fenmeno ou forma, em seu aspecto contingente, no Deus. Mesmo Deus estando em tudo o que somos e vemos, tudo isso, por si s, no Deus. Ele est alm de todo fenmeno e forma, de toda posio do particular. Se se pudesse definir o infinito, a definio de Deus deveria estar para ns, antes, no negativo, isto , como a negao de tudo o que para ns, em nossa posio, ao contrrio, existe.

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    Todavia, h um fato. A sombra no , absolutamente completa. Ela contm sem dvida, reflexos de luz. Isto porque no atual plano de sua vida, o ser humano j percorreu certo trecho do caminho da evoluo, ou seja, j subiu uma certa parte do caminho da descida e com isto reconquistou um pouco da perfeio originria. Ora, as definies comuns de Deus, em sentido positivo, foram obtidas com o elevar-se potncia infinita, as mnimas quantidades de perfeio reconquistada pelo homem ou intuda como futura realizao a conquistar, isto , os plidos reflexos contidos na sombra.

    Chegamos assim, no a uma definio, mas apenas a uma aproximao do conceito de Deus. Com efeito, no possvel uma sua definio, porque, como acima dissemos, no se pode definir o infinito. O infinito uma vez definido no seria mais infinito. Compreendido este ponto, continuemos a contemplar a viso. Focalizando cada vez mais de perto, verificamos ser a esfera constituda no de uma, mas de trs esferas, idnticas em tudo, e que cada uma se vai transformando na outra. Passamos, assim, ao segundo momento ou aspecto da viso. O primeiro deu-nos o conceito de Deus. O segundo dar-nos- o conceito de criao.

    Eis ento que a esfera a qual chamamos de Tudo-Uno-Deus, por representar Deus como Unidade envolvendo o todo, inicia um processo de ntima elaborao, levando-a a uma profunda transformao. Neste segundo aspecto da viso, a Divindade se distingue em trs momentos sucessivos, constituindo a Trindade do Deus-Uno. Representa o assim chamado mistrio da Trindade, encontrado em muitas religies, em todos os tempos. Eis a Divindade, una e trina ao mesmo tempo. Observemos os trs momentos. Para nos tornar compreensveis, teremos infelizmente de materializar os conceitos abstratos, em termos antropomrficos e com representaes concretas; estas, se so teis para fixar as idias mediante representaes mentais, mais facilmente concebveis, no entanto, certamente deformam o contedo abstrato da viso, diretamente impossvel de ser imaginado.

    No primeiro momento, acha-se Deus no estado de puro pensamento. Ele ento existe como um eu pensante que concebe. O movimento da elaborao interior est s na ideao abstrata, que de viso do plano, o qual depois se realizar nos momentos sucessivos; formulao da Lei, isto , dos princpios que iro reger tudo; contemplao da obra futura, ainda no estado de imagem mental.

    Mas, eis que tudo se transforma e passa a um segundo momento, quando a concepo se muda em ao. O movimento da elaborao interior, de puro pensamento se torna vontade, que executa a idia abstrata, pe em ao os planos concebidos, aplica os princpios da Lei. A imagem mental torna-se ao e se encaminha sua realizao.

    Chega-se, assim, ao terceiro momento, quele em que a idia, por meio da ao, atingiu sua realizao. Ento o movimento da elaborao interior se completou, chegando obra terminada, na qual, por meio da ao, a idia originria do primeiro momento encontrou sua expresso final, de acordo com os planos concebidos e os princpios da Lei. neste terceiro momento que ocorre a gnese da criatura, ou seja, a criao.

    Estes trs momentos representam o que chamamos as trs pessoas da Trindade, ou seja: Esprito (a concepo); Pai (o Verbo, ou ao); Filho (o

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    ser criado). Cada um dos trs momentos sempre o mesmo Deus, que permanece assim o Todo-Uno e trino ao mesmo tempo.

    Para facilitar a representao destes conceitos, poderemos imaginar as trs esferas lado a lado, uma depois da outra, isto , contguas e sucessivas. Focalizemos nossa ateno na terceira ou ltima.

    Qual o resultado final do citado movimento de elaborao interior? Como se transformou, em seu ntimo, o Tudo-Uno-Deus, no fim do terceiro momento? Como fica a estrutura interior da esfera, no fim do processo a que se deve a criao? Em que constituiu ela?

    Respondamos comeando com as palavras do captulo "Viso sinttica", com que se encerra a viso do volume Deus e Universo. Neste processo, Deus multiplicou-se, como que se dividindo num nmero infinito de seres e no entanto continuando uno. Nos trs momentos, a unidade de Deus permanece intacta e idntica. Em vista de, ao Todo, nada se poder acrescentar, a criao ocorreu e permaneceu no seio do Tudo-Uno-Deus. Em outras palavras, poderemos imaginar este processo criador, como uma ntima auto-elaborao, pela qual Deus se transformou, de seu estado homogneo e indistinto, em outro seu estado diferenciado e orgnico. Disto nasceu uma Sua diversa estrutura orgnica e hierrquica, um sistema de elementos (as criaturas) coordenados em funo Dele e regidos por Sua lei, concebida no primeiro momento. Assim, a Divindade, que era unidade diferenciada, permaneceu igualmente una tambm agora, em seu terceiro momento, como unidade orgnica. Isto porque os elementos componentes resultaram to profundamente integrados na ordem da Lei, to bem coordenados em hierarquias e distribuies de funes, que a unidade originria de Deus nada perdeu e ficou ntegra, perfeita em seu novo aspecto de unidade orgnica. Criou-se, assim, o modelo, que mais tarde ser repetido na formao de todos os organismos, quer da matria quer da vida, segundo um dos maiores princpios da Lei, o das unidades coletivas.

    Assim, as criaturas, nascidas desta criao, podem imaginar-se, em representao antropomrfica, como tantas centelhas em que quis dividir-se o incndio divino. evidente estarmos nos esforando em dar uma representao mental ao fenmeno, de forma facilmente compreensvel, mesmo sabendo que, quanto mais nos avizinharmos da forma mental humana, mais nos afastaremos da realidade toda abstrata e espiritual do fenmeno. Mas temos de fazer isso, porque a aceitao e a sorte de uma teoria dependem, muitas vezes, da forma mais ou menos facilmente compreensvel e representvel, com que seja exposta.

    Alm disso, mister ter presente, que quando falamos de criao, no se trata ainda da criao de nosso universo que conhecemos, mas de uma originria criao, da qual derivou depois a atual. Essa era de puros espritos perfeitos, bem diferente em toda sua qualidade, daquela em que nos achamos atualmente situados. Esta vir depois, e veremos como. Esses espritos perfeitos que Deus tirou de Sua prpria substncia, nela permaneceram fundidos num s organismo unitrio. A substncia divina que os constituiu, continuou a existir una em Deus, agora, que se achava em estado diferenciado de elementos fundidos num organismo, como o era no primeiro momento, quando estava em estado homogneo indistinto.

    Com isto, completa-se o terceiro momento e est terminada a primeira criao. Esta a criao perfeita, de puros espritos, existentes em

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    absoluta harmonia na ordem da Lei, no seio de Deus. Chegamos assim da fase do Esprito, do Pai e enfim do Filho, representada por este ltimo estado. Na harmonia de Deus, tudo funciona perfeitamente. Tudo luz sem sombra, alegria sem dor, vida sem morte. Assim ocorreu a criao e estes foram os resultados.

    claro nos acharmos, em cada um dos trs aspectos, diante do mesmo Deus, que nada mudou de Sua substncia. portanto lgica e compreensvel a equivalncia dos trs modos de ser da mesma Entidade. Trata-se, realmente, de trs pessoas iguais, porquanto so a mesma pessoa, e distintas, enquanto a mesma pessoa se transforma em trs momentos diversos. Trata-se do mesmo Deus em trs aspectos Seus diferentes; como no caso do menino, adulto e velho se trata da mesma pessoa, constituda, entretanto, por trs pessoas distintas, enquanto esta se muda em trs diversos momentos seus. Como este homem, tambm Deus, em seus trs aspectos, permanece o mesmo.

    Concetremos agora nossa ateno, focalizando o nosso olhar nesta criao realizada, no fim do terceiro momento, ou seja, no terceiro aspecto da Divindade, o Filho.

    Captulo III

    QUEDA E RECONSTRUO DO SISTEMA

    Estamos diante do terceiro aspecto da esfera do Tudo-Uno: o de Deus-Filho. No segundo momento, o Verbo quis e agiu; fez assim de si mesmo um sistema orgnico de seres. Este o que a viso agora nos oferece. Aqui Deus nos aparece como uma infinita multido de seres, isto , uma multiplicidade de individuaes do ser, a qual no significa, de forma alguma, fracionamento ou disperso da unidade, porquanto as criaturas surgiram todas organicamente coordenadas, funcionando de acordo com a Lei, ou seja, com o pensamento de Deus, e a Ele todos se subordinando, como centro do Sistema.

    Sendo as criaturas centelhas de Deus, deviam possuir as qualidades do fogo central, tendo em primeiro lugar a liberdade. Os filhos de Deus s podiam ser livres e conscientes, aceitando permanecer na ordem por livre adeso. O organismo da Divindade no podia ser constitudo de autmatos, de escravos inconscientes. Mas, sendo os elementos constituintes hierarquicamente coordenados num organismo, no podiam ser idnticos ao Centro, ao qual, no que respeita o conhecimento e poderes, tinham de ficar subordinados, como num regime de ordem e harmonia necessrio para tudo o que menor e derivado. A coordenao dos elementos componentes do organismo do sistema, implicava, como primeiro dever, na ordem soberana, o da obedincia. Num sistema de ordem, necessidade imprescindvel e lgica que a liberdade seja condicionada a ele, e no lhe seja lcito ultrapassar limites, alm dos quais lhe seria permitido subverter aquela ordem, chegando, assim, neste caso, a atentar at contra a unidade do Tudo-Uno-Deus, em cujo seio se move e de cujo sistema faz parte. A primeira condio, pois, a que deve submeter-se a liberdade o dever de manter-se em perfeita adeso Lei, que exprime o pensamento e a vontade de Deus.

    Todavia, a liberdade tal, que contm a possibilidade do arbtrio e do abuso, significando poder quebrar a unidade orgnica do Sistema. Neste

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    caso, portanto, o ser livre podia no querer mais mover-se harmonicamente no Todo, produzindo assim, um tumor canceroso no seio do prprio Sistema, pronto a alterar a estrutura sadia. Era necessrio ento que a liberdade no se exagerasse, ultrapassando os limites da ordem e da obedincia, mas permanecendo, ao invs, subordinada em tudo supremacia do Centro. Se essa infrao ocorresse, a desordem nascida no seio da ordem, produziria uma fratura, pelo menos na parte inquinada, um emborcamento e uma queda.

    Mas como poderia acontecer fosse o Sistema, obra de Deus, to imperfeito que pudesse desmoronar a cada momento? No. Ao contrrio, era to perfeito, podendo at desmoronar sem dano definitivo, justamente por isso podia conter, deixada merc da livre vontade do ser, a possibilidade de uma queda. Se isso tivesse ocorrido, porque o Sistema era perfeito a tal ponto, que teria tido a possibilidade de ressurgir de sua queda. Esta implcita capacidade de automedicao, apta a resolver qualquer crise, tornava incuo, em ltima anlise, esse perigo e erro. No se tratava, pois, de imperfeio. Ao contrrio, na perfeio do Sistema, tudo estava previsto, at a possibilidade de uma desordem e de uma queda; por isso, foi deixada nas mos do ser a escolha entre obedincia e a desobedincia, com a possibilidade de uma desordem e uma queda. Se isto acontecesse, tudo se curaria por si mesmo, embora passando por outros caminhos, e voltaria ao primitivo estado de perfeio, se bem que atravs de uma nova experincia, sempre til e justa, apesar de rdua.

    Mas, pode objetar-se ainda, se os espritos eram livres e felizes na ordem por que deveriam ter-se sentido atrados para uma desordem to desastrosa? O que os aoitou, foi o mesmo princpio fundamental do ser, prprio tambm a eles: o egocentrismo. Este representa o princpio unitrio, que rege a existncia de cada individuao. Seu modelo mximo Deus, centro em torno do qual tudo gira e para o qual tudo gravita. Egocentrismo no quer dizer egosmo. Este um egocentrismo exclusivista, para vantagem prpria e desvantagem dos outros, ao passo que o egocentrismo pode fazer centro de si, como at no caso mximo de Deus, sobretudo para o bem dos outros.

    E ento aconteceu justamente que, em sua liberdade, parte dos espritos, em vez de se deixar possuir por este egocentrismo altrusta e orgnico que a Lei quer em sua ordem deixou-se atrair e preferir um egocentrismo egosta. O egocentrismo , por natureza sua, uma afirmao, e como tal tende a afirmar-se cada vez mais, se o seu impulso no for equilibrado por um contra-impulso, exercitado pela disciplina que o ser se impe, em respeito ordem e em obedincia Lei. Mas, se esse egocentrismo egosta pode ter parecido como uma vantajosa expanso do eu, ele representava o princpio subversivo e anti-orgnico, que reaparece no cncer, no organismo humano. Rompeu-se, dessa forma, a harmonia hierrquica do Sistema, na qual toda individuao existe, como acontece com as clulas no corpo humano, que vivem umas em funo de outras, sem o que, desmorona a unidade orgnica. Num sistema orgnico e hierrquico, as dimenses de cada eu so, para cada ser, medidas pelo valor e pela funo ali representada; e cada individuao deve, para no se alterar a harmonia da ordem, manter-se sempre nos limites das dimenses relativas a esse valor e a essa funo. Cada expanso do eu que exagere as devidas propores, tende a emborcar o Sistema, pelo menos no ponto contaminado: emborcar, isto , inverter, porque num sistema equilibrado, o desenvolvimento exagerado para alm da ordem, leva a uma

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    contrao correspondente; cada expanso indevida, corrigida por uma diminuio proporcional.

    Ento, mais exatamente, o que aconteceu? Como se

    verificou esse novo fato, que teria deslocado, pelo menos em parte, a ordem do Sistema? Observemos.

    Encontramo-nos, agora, situados diante do terceiro aspecto da esfera do Tudo-Uno-Deus: o de Deus-Filho. Tudo continuava existindo em perfeita ordem, segundo a Lei. Fora dada por Deus, multido dos espritos, uma livre autonomia de vontade, com a condio desta ser coordenada em harmonia com a Lei, em funo Dele. Mas, este poder estava nas mos deles que, sendo livres, podiam dirigi-lo mesmo em direo errada, contra a ordem, contra a Lei, contra o prprio Deus. Bastava aquele poder, ser canalizado pela vontade livre deles, para fora do caminho justo, e ocorreria a queda.

    Foi justamente este o fato novo que aconteceu. Pelo uso errado de sua liberdade e um excesso de expanso do eu, por um egocentrismo exagerado e sobretudo invertido, ou seja, no centrfugo, isto , que partindo de si mesmo trabalha a favor de todo o organismo, como deve ocorrer com todas as clulas ss e disciplinadas, mas centrpeto, em funo do prprio eu, foi implantado no sistema o princpio anrquico do egosmo em lugar do princpio orgnico da cooperao. Dessa forma, o estado de fuso unitria se subverteu no dissduo separatista. Iniciou-se, por isso, no seio do sistema, todo de natureza afirmativa ou positiva, o arremesso de um impulso oposto, todo negativo. No se tratou simplesmente de uma desordem qualquer, que semeasse o caos no seio da ordem. Dada a natureza do impulso de onde nascera, essa desordem assumiu uma direo precisa e significou exatamente o emborcamento do Sistema num estado antagnico ao anterior: o Anti-Sistema.

    Com efeito, o nosso atual universo baseado no dualismo: Sistema e Anti-Sistema, e s assim podem ser encontradas e compreendidas as suas primeiras causas. S assim podemos compreender por que, em nosso universo, tudo se baseia no contraste dos elementos, impulsos e conceitos opostos e complementares. Dessa forma nasceu este triste mundo, nossa triste herana e consequncia da queda, mundo em que, em contraste com o bem reina o mal, com a alegria a dor, com a luz as trevas, com o conhecimento a ignorncia, com o esprito a matria; e apareceram todas as foras e conceitos ao negativo, o que no existia antes no Sistema, sendo agora qualidade exclusiva do Anti-Sistema. Por isso, se no fundo deste aparece o caos, no se trata como j dissemos acima de um caos desordenado, feito ao acaso, mas de uma desordem, justamente porque, com o Anti-Sistema, se chega ao plo oposto da ordem, no qual esta se apresenta emborcada, em seu estado contrrio. A lgica, implcita na perfeio originria do Sistema, permanece ntegra em qualquer transformao sua.

    Continuemos a observar. Nem todos os espritos se rebelaram, de modo que a desordem no foi geral, ou seja, no abrangeu toda a terceira esfera ou aspecto da Divindade, aqui chamada o Filho. Assim, nem todo o Sistema se transformou em Anti-Sistema. Uma parte do Sistema permaneceu ntegra em sua perfeio, enquanto na outra parte, rebelde, a ordem se desfez na desordem. Naquele momento tremendo, a unidade se partiu em dois, e ocorreu a grande ciso de que nasceu

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    o nosso universo corrompido, no qual vivemos justamente nesse estado de ciso, ou seja, separados da alegria, na dor; da luz, nas trevas; do esprito, na matria, numa palavra, em tudo invertidos no negativo, como lgico ocorrer no seio do Anti-Sistema. Ento, todos os que tinham querido mandar, em vez de obedecer, caram, de um estado de lmpida viso, num universo de iluses; todos os que tinham querido dilatar demais as devidas dimenses do prprio eu, permaneceram aprisionados nas restritas individuaes da forma e, da ilimitada liberdade do esprito, ficaram constrangidos escravido das necessidades da matria, no crcere do prprio restrito egosmo.

    Dessa maneira, enquanto uma parte caiu, outra parte dos espritos permaneceu intacta, em sua perfeio, no Sistema. Mas assim o Tudo-Uno-Deus resultou como que partido em dois; uma parte continuou na perfeio do Absoluto e a outra foi formar a estrutura material e espiritual de nosso universo. Devemos, entretanto, compreender bem, no representar este a verdadeira criao, como se cr, mas uma contrafao, uma inverso sua, um seu verdadeiro estado patolgico, embora transitrio e curvel. Em outros termos, o nosso Universo no a criao, mas uma sua doena, que lentamente se vai curando.

    Continuemos pormenorizando a viso do fenmeno. Que ocorreu na esfera? Antes de tudo isso ocorrer, podamos imagin-la toda branca, feita apenas de luz, de valores positivos. Agora, uma parte dela comeou a fazer-se, e cada vez mais se tornou negra, sombra, de valor negativo. Comeou um processo de desfazimento e de descida, de inverso de todas as qualidades do Sistema nas qualidades opostas. Este processo chama-se involuo, explicando-se assim como nasceu a matria e porque o nosso universo assumiu uma forma material. Explica-se tambm como, chegados ao fundo do caminho da descida involutiva, tenha podido nascer e desenvolver-se o processo inverso, em que estamos situados e se chama evoluo. S dessa forma so coordenados todos os fenmenos do universo num nico telefinalismo; compreende-se porque nascem os planetas e a vida sobre eles, descobrindo-se o fio espiritual que liga todas as formas de vida num nico caminho ascensional dirigido para Deus. Sem este conceito da queda do Sistema, mostrando-nos que agora vivemos num Anti-Sistema, o qual no pode ser atribudo a Deus, tudo permanece desconexo e incompreensvel.

    H o fato positivo de no se poder dar a Deus, de maneira nenhuma a paternidade de um universo, que demonstra ser o contrrio da perfeio. No se pode admitir de modo algum ser a obra de Deus apenas uma afanosa busca fatigante de uma remotssima perfeio, atravs de infinitas tentativas. O nosso Universo, dividido no dualismo, em que cada ponto se fracionou em dois termos contrrios que lutam para sobrepor-se, um trabalho to sobrecarregado de males, dores e imperfeies, tal como existe hoje, s pode ser considerado como um estado patolgico de decadncia. A quem o atribuiremos pois? No h dvida de que a esses efeitos, temos de atribuir uma causa. Como no todo no h outros termos e no podemos atribuir ao Criador a derrocada, s nos resta atribu-la criatura. No podendo admitir, de forma alguma, que a causa de tamanha runa tenha sido diretamente de Deus acreditar nisso seria tirar Dele os atributos da Divindade temos de admitir ser outra a causa de tudo isso, e tenha chegado depois. No se pode sair do dilema: ou atribuir esta obra a Deus, e Deus no Deus; ou, ento, atribu-la a outra causa; mas, em vista de no todo s existir Deus e a Sua criatura, s nos resta atribuir essa obra Sua criatura. Estes conceitos demonstrativos

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    so de tal evidncia, que aparecem diretamente na viso, antes de submet-los ao controle racional.

    Assim esta viso se nos abre diante dos olhos, como aquele gigantesco drama, ou seja a queda dos anjos. No foi uma queda em sentido espacial, mas demolio de valores, inverso de qualidades, descida de dimenses, ou contrao de tudo isto, atravs de uma progressiva inverso de valores positivos e originrios, at estarem todos transformados em sentido negativo. Esta queda significa transformar gradativamente todo o Sistema em Anti-Sistema. A descida foi gradual e se prolongou at atingir a profundidade do abismo, representada pela completa inverso de valores, ponto em que o Sistema, com todas a suas qualidades, resultou completamente invertido no Anti-Sistema, com as qualidades opostas. Nesse trajeto, a luz se foi ofuscando at se tornar treva completa, o conhecimento se tornar ignorncia, a liberdade do esprito se tornar escravido na matria, a felicidade se tornar em dor, a vida se transformar em morte, o bem em mal, a ordem orgnica do Sistema at sua completa inverso no plo oposto do ser, no fundo da descida, no completo caos do Anti-Sistema. Mas, se tudo parasse nesse ponto, a queda seria definitiva e a obra de Deus, aquela obra perfeita da primeira everdadeira criao, estaria definitivamente falida, pela vontade apenas de algumas criaturas rebeldes. Ora, absurdo, num sistema perfeito, fosse dado pelo prprio Criador tanto poder. Ele, como Onisciente, devia saber tudo de antemo. S por erro pode um arteso, no conhecendo bem o trabalho que est executando, fazer uma obra que o destrua. Mas, ao contrrio, j dissemos ser a obra de Deus to perfeita, que contm em si, desde o incio, todos os elementos de recuperao, o remdio para seu autotratamento. Isto se explica com o fato de que os espritos decados continuaram a ser centelhas de Deus e ofuscaram, mas no destruram, a sua natureza divina. neste sentido que os homens tambm, em sua ntima natureza espiritual, derivada daquelas remotas origens, podem ser chamados deuses. Em outros termos, no Sistema corrompido em Anti-Sistema, atravs desses seres que o constituem, sem terem perdido as suas qualidades originrias de espritos filhos de Deus (3 momento de Trindade), continua presente a Divindade, impedindo o Anti-Sistema da destruio completa. Trata-se de uma presena viva e operante. Eis onde se encontra o remdio para o autotratamento. essa presena de Deus que representa e torna possvel a salvao. Deus continua centro do Sistema; o Anti-Sistema, por sua natureza negativa, ps-se a girar em torno do plo oposto Divindade, um pseudo-centro, negativo, mas Deus continua representando seu verdadeiro centro, que s pode ser um: o positivo. E no podia haver outro caminho de salvao para o Anti-Sistema. Foi dessa possibilidade que se derivou e s assim podemos explicar como tenha nascido, exista e seja concebvel na Terra a idia de redeno.

    Isto, entretanto, no significa que todo o Sistema tenha se desmoronado. No dualismo derivado da queda, a Divindade, mesmo permanecendo una, transformou-se, tambm, em novo aspecto. Temos o aspecto de Deus transcendente, ao qual se subordinou a parte incorrupta do Sistema, onde permaneceram os espritos obedientes, na ordem da Lei; e temos o outro aspecto novo, de Deus imanente, que acompanhou o Sistema em toda a sua queda, permanecendo, como poder saneador de todos os seus males e diretriz do caminho evolutivo.

    A isto tudo devemos a capacidade de recuperao do Anti-Sistema, que de outra forma no teria explicao. assim que se torna possvel,

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    aps o perodo da destruio ou perodo involutivo, o da reconstruo ou perodo evolutivo; s assim possvel esta inverso de rota, em sentido positivo, que o Anti-Sistema ignora, mas impulsionado segundo uma direo e sob um conjunto de foras que ele no possui. Logicamente, deveria continuar at plenitude de sua negao, isto , at atingir o completo e definitivo aniquilamento do todo no nada, sua meta final. E assim, pois, que ocorre o prodgio pelo qual o Anti-Sistema, chegando ao extremo da descida, retoma o caminho destruindo a sua prpria obra de destruio, e concomitantemente a si mesmo, comeando a reconstruir em direo oposta sua, que no mais a do Anti-Sistema, mas a do Sistema. Eis a redeno, que consiste a evoluo. E assim, no ltimo momento, se opera a grande maravilha, isto a vitria divina, ou seja, o Sistema vence o Anti-Sistema, reconstruindo-se sobre as suas runas. Quer isto dizer que as trevas se purificam at se tornarem luz, a ignorncia at tornar-se conhecimento, a escravido at achar a liberdade do esprito, a dor at achar a felicidade, a morte at encontrar a vida, o mal at tornar-se bem, o caos do Anti-Sistema at inverter-se para tornar-se a ordem do Sistema. Ento, aquela queda, que pode parecer uma imperfeio do Sistema, representa, pelo contrrio, a sua maior perfeio.

    O homem percorre agora este caminho de subida, no qual h luta entre o elemento negativo, que deseja a destruio, e o elemento positivo, que busca a reconstruo. Da os contrastes entre os princpios dominantes em cada uma das diferentes fases de reconstruo da Lei, correspondentes aos vrios planos de evoluo; da a luta entre o nosso passado de animalidade e o anseio instintivo de um futuro melhor, entre a realidade feroz de nossa vida e a sede de bondade e justia; da a necessidade de ficarmos submetidos ao esforo de progredir, e a insaciabilidade que nos acicata para horizontes cada vez mais remotos, a sede de infinito na alma fechada num corpo, acorrentado s suas imprescindveis necessidades materiais. Embora aqui se trate de problemas altos e remotssimos em relao aos de nossa vida cotidiana, no podemos deixar de constatar como os primeiros explicam os segundos, e como a cada momento encontramos nestes a confirmao da verdade e das teorias que estamos desenvolvendo, as nicas que podemos aceitar como causas dos efeitos constitutivos de nosso mundo atual. Tudo isso continua perfeitamente lgico, porque, como dissemos, tratando-se de problemas remotssimos, temos em nosso relativo no um pedao destacado do todo, mas como um espelho, pequeno e opaco, onde, no obstante, se reflete o Absoluto, cuja imagem, apesar de tudo, ali podemos ver reproduzida.

    Captulo IV

    O Ciclo Involuo / Evoluo

    Observemos agora de uma forma cada vez mais exata a viso do fenmeno. Este, em seu conjunto, compreende um ciclo completo de ida e volta, que chamaremos de ciclo.

    Divide-se esse ciclo em dois perodos. O de descida chama-se involuo. O de subida ou ascenso, chama-se evoluo.

    Cada perodo divide-se em trs fases, que so esprito, energia, matria. Apresentam-se nesta ordem sucessiva no perodo de descida ou involuo, e na ordem inversa, no perodo oposto, no evolutivo, que o nosso.

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    O perodo involutivo parte da parte esprito, que representa o estado originrio, ponto de partida, donde se inicia a descida. Enredado no processo involutivo, o esprito sofre uma transformao por contrao de dimenses, pela qual sendo demolidas as qualidades positivas do Sistema tambm ele, esprito, fica demolido, ento at fase de energia. Continuando na mesma direo o mesmo processo, chega-se da energia fase matria, transformao que fenmeno j conhecido da cincia moderna. Temos assim, diante dos olhos as trs fases do mesmo perodo, chamado involutivo: esprito, energia, matria.

    Exprimindo com o smbolo da primeira fase, o esprito; como smbolo da segunda fase, ou seja, a energia; e com o smbolo da terceira fase, isto , a matria, este primeiro perodo pode ser assim representado em smbolos:

    No fim desse perodo, a substncia que constitui a parte que se corrompeu, da esfera Tudo-Uno-Deus, em seu terceiro aspecto de Filho, inverteu todas as suas qualidades originrias positivas em qualidades negativas. A causa originria produziu assim todo o seu efeito e o impulso da revolta esgotou-se. Neste ponto de mxima inverso dos valores positivos e de mxima saturao de valores negativos, no sistema invertido, o processo se detm. Isto, devido a lei de equilbrio, de proporo entre causa e efeito, porque cada desenvolvimento de foras em relao ao princpio de casualidade regido por normas precisas. O processo se detm por atrito (sem atrito no se deteria) o qual representa, no seio da ordem, a desordem que ali quer nascer por fora; e, no seio da desordem, a ordem, que quer manter-se ntegra, e no ficar ali presa e ser demolida. Mais ainda, o conceito de atrito uma criao mesmo do Anti-Sistema, justamente constitudo de uma luta, pois nasceu do conflito entre dois impulsos opostos. Com efeito, no Sistema puro no existem atritos, nem mesmo pode conceber-se a existncia do conceito de atrito.

    Em certo ponto, calculvel por quem conhecesse o valor dos impulsos de origem e de todas foras em jogo no processo, este se detm. Isto quer dizer que a transformao em direo involutiva ou de descida pra. Nesse momento, tendo se esgotado o impulso da revolta, permanece em campo apenas o outro impulso (pois no h mais nenhum alm desse), o maior e fundamental, o que sempre dominou o sistema todo, diante do qual, o outro impulso, o do Anti-Sistema, apenas um episdio e uma exceo. Ento vai retomando, embora muito lentamente a princpio, a ao dos impulsos da ordem. Sua ao ento ainda fraca, porque o Anti-Sistema se acha na plenitude de sua realizao; mas ela tenaz, uma presso constante, que acabar vencendo e reconduzindo toda a desordem do Anti-Sistema ao estado de ordem do Sistema: em outras palavras, reconduzindo tudo a Deus.

    De fato, Ele permaneceu sempre tambm no Anti-Sistema, em Seu aspecto imanente, espera que os impulsos da revolta se esgotasse e detivesse o processo da queda. Chegados a esse momento, Deus retoma Sua lenta ao de atrao para Si, como centro, ao que fundamental no Sistema, pois este centrpeto, e to grande a atrao que o mantm uno e compacto. Com a revolta, justamente, iniciara-se e agira o impulso contrrio, ou seja, o centrfugo, ou de afastamento do centro. Mas agora, tendo chegado o percurso desse afastamento a seu termo, tornar a agir o impulso originrio centrpeto reabsorvendo, assim, lentamente, o movimento centrfugo de afastamento de Deus, no Anti-Sistema, por meio do movimento centrpeto de reaproximao de Deus, voltando ao Sistema. assim que se passa, ao

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    tornar-se no sentido contrrio, de saneamento, que tem o seu centro no Sistema. Dessa forma, tudo o que havia decado no plo negativo, se reconstri e fica saneado no plo positivo.

    Iniciou-se, ento, aquele longussimo processo, no qual vivemos hoje, o da subida, que o segundo perodo inverso e complementar, e que se chama evoluo. Enquanto o primeiro perodo da queda ou involuo significara a destruio do universo espiritual e a criao ou construo de nosso universo fsico, este segundo perodo de subida ou evoluo significa a destruio da matria como tal e a reconstruo do universo originrio espiritual. E lgico que, tendo sido o esprito que quis espontaneamente enclausurar-se no crcere da matria, transformando-se deliberadamente nesta forma corrupta da substncia, tenha que ser esse mesmo esprito o que deva fazer todo o esforo, vivendo dentro daquela forma muito longamente, como princpio animador, a fim de voltar a transformar esta forma corrompida da substncia, restituindo-a ao seu estado originrio e ntegro de esprito.

    Em tudo isso h, como dissemos, o auxlio de Deus sempre presente. Mas o rduo esforo da evoluo e do progresso, embora garantida por aquela presena a segurana da vitria, compete todo criatura, e no presente trecho da estrada, compete a ns, humanos. O nosso caminho no ao acaso. Esta viso explica-nos claramente qual o ponto de partida e o de chegada. A desordem da queda permaneceu sempre circunscrita dentro da ordem maior do Sistema. Portanto, tudo sempre guiado encaminhado; at mesmo a exploso das foras negativas est enquadrada nos grandes esquemas da Lei; at o mal, a dor e o erro por um sbio jogo de foras, reaes e recuperaes tudo sempre reconduzido ao telefinalismo, supremo fio condutor que reconduz tudo a Deus. A meta no foi deixada ao acaso, mas j est pronta, j est estabelecida partida, porque o ponto de chegada e tudo permanece fechado no mesmo ciclo.

    Permite-nos desse modo a viso colocar em foco tambm a nossa atual posio de seres humanos, no seio do grande organismo Tudo-Uno-Deus. Atravs de longussimo caminho de evoluo, o homem subiu uma parte da montanha e est saindo da animalidade. Seu atual esforo destacar-se definitivamente da besta. Ele subiu uma parte da montanha, mas ainda tem muito que subir. Trata-se de reabsorver todas as qualidades do Anti-Sistema nas do Sistema, ou seja, como acima dissemos, de voltar a trazer a ignorncia ao conhecimento, a materialidade espiritualidade, a dor alegria, o mal ao bem, o caos ordem. Diz-nos esta viso, quem somos, o que j foi feito e o que est ainda por fazer. Fornece-nos cartazes indicadores, ao longo do caminho da evoluo, para indicar-nos a quilometragem, os percursos, a direo. Mais tarde desceremos ao terreno dos pormenores e das conseqncias.

    Continuemos o exame da viso. Examinamos o primeiro perodo do ciclo da revolta, ou seja, a descida ou involuo. E assim entramos no segundo perodo do ciclo, representado pela subida ou evoluo. Agora inicia-se o grande fluxo de retorno, para reerguer os valores invertidos. Ao contrrio de antes, em que o caminho consistia no afastamento de Deus, ele consiste agora numa reaproximao progressiva. a prpria atrao de Deus que estabelece a rota do tornar-se, que imprime seu telefinalismo a todo o processo, voltando a trazer a Si tudo que dantes Dele se afastara. Isso tudo facilmente imaginvel, porque agora a viso diz respeito ao nosso

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    universo e se baseia em conceitos dele, como seja, o contraste entre opostos, sua qualidade mais importante.

    Retornando aos mesmos smbolos acima usados, pode ser assim expresso este segundo perodo:

    Evoluo = O ciclo completo do tornar-se de nosso universo pode ser resumido numa expresso sinttica.

    Desta forma, numa s expresso representamos o ciclo completo da queda, com ambos perodos de ida e volta, involutivo e evolutivo at novamente se atingir o ponto de partida. Nesse momento, est o Sistema reconstitudo, a doena foi curada e o episdio termina com o ser rebelde tendo aprendido, mediante lio salutar, quanto mais vantajoso seria para ele manter-se na ordem, do que entre todos os males que derivam da desordem. Desse modo, ter a Lei de Deus demonstrado plenamente a Sua perfeio, porque soube abranger e resolver, em seu seio, toda a desordem e tornar a traz-la para a ordem, seu ponto de partida. Assim, a subida anula a descida, um perodo absorve o outro, equilibrando todo o ciclo, e a redeno cancela a revolta. Na perfeio da Lei estavam calculados pelo pensamento de Deus at os movimentos errados e os desvios das rbitas do Sistema que havia sido dotados de meios que, automaticamente, fizessem tudo reentrar no itinerrio da ordem. Assim, o movimento que se destacou de Deus, volta a Ele. O movimento errado provocado pela vontade da criatura corrigido e saneado pela vontade do Criador. Explica-se assim, como j dissemos, o significado profundo do conceito de redeno.

    Ento, a soma dos dois perodos forma o ciclo completo, feito de um movimento que se fecha, dobrando-se sobre si mesmo, sem nada ter deslocado na estrutura do Sistema. No conjunto tudo volta a seu lugar, no fim a correo neutraliza o erro, a expiao reabsorve a culpa. Mas o nascimento do ciclo fez aparecer um conceito novo: o movimento, o transformismo fenomnico, o no poder existir seno como um tornar-se, conceito que s existe no ciclo da queda, que justamente feita desses seres imperfeitos, que correm atrs da perfeio para alcana-la. evidente que, se no Sistema reina a perfeio, no se pode conceber aperfeioamento nem movimento necessrio para alcana-la, e no existe o fenmeno como ns o conhecemos, no sentido de um tornar-se. De maneira que podemos conceber o transformismo de nosso mundo fenomnico, como uma corrupo da imobilidade prpria do Sistema. Dessa forma podemos ver a essncia de nosso universo, a origem, a razo e o significado dos princpios que o regem. Podemos tambm ver as causas mais remotas e profundas de sua e