elato de Caso - Departamentos e...

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Relato de Caso

Longa Sobrevida em Paciente com Tetralogia de Fallot No Corrigida e Sndrome de DownLong Survival in Patient with Unrepaired Tetralogy of Fallot and Down Syndrome

Jlio Csar Queiroz Frana1, Reinaldo Bulgarelli Bestetti2, Augusto Cardinalli Neto1, Jamil Alli Murad Junior1, Gabriela Santos Longo1, Edson Rodrigo Andreta Sinhorini1Faculdade de Medicina de So Jos do Rio Preto FAMERP1; Universidade de Ribeiro Preto UNAERP2, So Jos do Rio Preto, SP - Brasil

IntroduoTetralogia de Fallot (TF) a cardiopatia congnita ciantica

mais prevalente na infncia e representa cerca de 10% dos casos de cardiopatia congnita nos Estados Unidos.1 Em pacientes com sndrome de Down (SD), a cardiopatia congnita ocorre em cerca de 50% dos casos. A TF um dos vrios defeitos de pacientes com sndrome de Down e a frequncia pode ser 0 - 15,5% em diferentes sries.1,2 A fisiopatologia essencialmente dependente da gravidade da obstruo da via de sada do ventrculo direito (VSVD) levando a shunt da direita para a esquerda. O grau de desvio da direita para a esquerda dependente da resistncia vascular sistmica (RVS), pois a obstruo da VSVD geralmente fixa. A diminuio da RVS faz aumentar o desvio da direita para a esquerda.2,3 Devido alta prevalncia de defeitos cardacos congnitos, o ecocardiograma deve ser considerado em pacientes com SD.4 A correo cirrgica definitiva da TF recomendada aps o primeiro ms de vida, se houver condies clnicas favorveis.

Relato do CasoPaciente JHB de 51 anos, do gnero masculino,

deu entrada no hospital aps quadro sbito de hemiplegia fasciobraquiocrural esquerda, com desvio do olhar conjugado para a direita e sonolncia. Teve o diagnstico confirmado de acidente vascular cerebral isqumico (AVCI) com acometimento da cpsula interna pela tomografia computadorizada de crnio. No momento da admisso encontrava-se fora do tempo de tromblise e optou-se por internao e tratamento clnico.

Durante a internao paciente teve piora clnica com progresso do NIHSS de 13 para 17, alm de ter

adquirido pneumonia nosocomial. Aps tratamento com antibioticoterapia venosa, fisioterapia motora e respiratria, apresentou melhora importante.

Esse paciente com SD teve o diagnstico de TF aos cinco anos, porm os familiares optaram por no realizar a correo cirrgica da cardiopatia na poca. No h relato de internao prvia em qualquer outro servio mdico e sua tia e cuidadora refere que desde o nascimento o paciente sempre foi hgido e nunca referiu dispneia. Caminhava sem auxlio, danava em bailes, realizava atividades bsicas de vida diria sem auxlio (tomava banho sozinho, se alimentava, falava ao telefone). Apresentou atraso de desenvolvimento, comeou a caminhar aos cinco anos e a falar com oito anos. A ausculta cardaca do paciente apresenta sopro sistlico ejetivo em crescendo-decrescendo, melhor audvel nos focos mitral e tricspide, e presena de segunda bulha cardaca nica. Saturao perifrica de oxignio sempre entre 92 - 94% em ar ambiente.

Confirmou-se o diagnstico da TF com ecocardiograma transtorcico ao evidenciar hipertrofia ventricular direita de grau importante (espessura parietal de 14 mm) e comunicao interventricular (CIV) perimembranosa com dimetro de 8 mm e fluxo turbulento ao Doppler (Figura/Vdeo 1), associada a obstruo da via de sada do VD (borda muscular) com gradiente mdio de 45 mmHg (Figura/Vdeo 2), alm de cavalgamento da aorta (Figura/Vdeo 3).

DiscussoA TF foi descrita originalmente por Steno, em 1673, mas

foi o mdico Etienne-Louis Fallot quem enfatizou e agrupou as quatro principais alteraes morfofuncionais cardacas que caracterizam a doena: defeito do septo interventricular, dextroposio da aorta (cavalgamento), estenose da artria pulmonar e hipertrofia ventricular direita.1,4,5 Todos esses defeitos resultam do desvio anterior do septo infundibular durante a diviso do tronco conal em aorta e artria pulmonar, causando mau alinhamento entre o septo infundibular e o septo ventricular muscular.6 Outras cardiopatias congnitas cianticas que devem ser consideradas no diagnstico diferencial da TF so a dupla via de sada do ventrculo direito com estenose pulmonar e a atresia da vlvula pulmonar com CIV e presena de colaterais sistemicopulmonares.6,7

A longevidade desse paciente est certamente ligada associao entre uma grande CIV e uma estenose pulmonar importante, suficientes para no causar

Palavras-chaveCardiopatias Congnitas; Tetralogia de Fallot; Sndrome

de Down; Acidente Vascular Cerebral; Ecocardiografia/mtodos; Sobrevida.

Correspondncia: Jlio Csar Queiroz de Frana Rua Luis Figueiredo Filho, 525, apto. 43B, Condomnio Saint Exupery. CEP 150841-80, Vila Nossa Senhora do Bonfim, So Jos do Rio Preto, SP BrasilE-mail: jucequdefr@hotmail.comArtigo recebido em 14/01/2016; revisado em 27/02/2016; aprovado em 28/03/2016.

DOI: 10.5935/2318-8219.20160025

mailto:jucequdefr@hotmail.com

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Frana et al.Sobrevida em paciente com tetralogia de fallot

Arq Bras Cardiol: Imagem cardiovasc. 2016;29(3):99-102

Vdeo 1 Hipertrofia ventricular direita e comunicao interventricular.

Vdeo 2 Obstruo da via de sada do ventrculo direito.

hipxia grave, mas satisfatria para proteger o leito vascular pulmonar das complicaes associadas a CIV (aumento da resistncia vascular pulmonar e hipertenso pulmonar). Outros mecanismos so citados para explicar elevada sobrevida em pacientes com TF: hipertrofia ventricular esquerda que mantm um gradiente da esquerda para direita e persistncia do canal arterial

que permite a oxigenao extra do sangue que chega ao ventrculo direito.7,8

Clinicamente a TF pode se manifestar de trs formas: se a estenose discreta, o shunt da esquerda para a direita e o paciente aciantico (Fallot rosado); se a estenose moderada, o shunt se faz da direita para a esquerda, o paciente ciantico (Fallot clssico); se a obstruo extrema com atresia pulmonar,

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todo o volume do retorno venoso sistmico desviado para a esquerda pela CIV e o fluxo pulmonar dependente da permeabilidade do canal arterial (Fallot extremo) ou da existncia de circulao colateral sistemicopulmonar.4,8

As causas mais comuns de morte em pacientes no operados incluem complicaes tromboemblicas (AVC, TEP), arritmias malignas, hemorragia pulmonar e endocardite.4,8 O paciente em questo teve como complicao um AVC cardioemblico que progrediu durante a internao e complicou-se por pneumonia broncoaspirativa. Entretanto, apresenta melhora importante do quadro clnico em uso de cefepime e clindamicina com previso de alta hospitalar aps trmino do esquema de antibitico. Os familiares mantm-se relutantes quanto cirurgia corretiva, apesar do sucesso relatado em alguns trabalhos de correo da TF em longevos.9

Para preveno de novas complicaes emblicas, iniciou-se anticoagulao plena com varfarina e seguimento em ambulatrio especializado para controle de INR. Aps ampla pesquisa realizada no Pubmed, relata-se o caso com maior longevidade de paciente com Tetralogia de Fallot no corrigida e Sndrome de Down, j descrito na literatura mdica.

Contribuio dos autoresConcepo e desenho da pesquisa: Frana JCQ, Bestetti

RB, Cardinalli Neto A, Longo GS; Obteno de dados: Frana JCQ, Sinhorini ERA; Anlise e interpretao dos dados: Frana JCQ, Bestetti RB, Murad Jr JA,; Redao do manuscrito: Frana JCQ, Bestetti RB, Longo GS, Sinhorini ERA; Reviso crtica do manuscrito quanto ao contedo intelectual importante: Frana JCQ, Bestetti RB, Cardinalli Neto A, Murad Jr JA,.

Potencial Conflito de InteressesDeclaro no haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de FinanciamentoO presente estudo no teve fontes de financiamento

externas.

Vinculao AcadmicaNo h vinculao deste estudo a programas de

ps-graduao.

1. Yang X, Freeman LJ, Ross C. Unoperated tetralogy of Fallot: case report of a natural survivor who died in his 73rd year; is it ever too late to operate. Postgrad Med J. 2005;81(952):1334.

2. Hoffman JI. Incidence of congenital heart disease: I. Postnatalincidence. Pediatr Cardiol 1995;16(3):103-13.

3. Fa i r ley SL , Sands AJ, Wi l son CM. Uncorrec ted te t ra logy o f Fallot: Adult presentation in the 61st year of life. Int J Cardiol. 200;128(1):9e11e.

4. Chandrasekaran B, Wilde P, McCrea WA. Tetralogy of Fallot in a 78-year-old man. N Engl J Med. 2007;357(11):11601.

Referncias

Vdeo 3 Cavalgamento da aorta.

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5. Pinsky WW, Arciniegas E. Tetralogy of Fallot. Pediatr Clin North Am. 1990;37(1):179-92.

6. Chang AC, Hanley FL, Wernovsky G, Wessel DL - Pediatric cardiac intensive care .Baltimore(USA): Willians & Wilkins;1998.p.10711.

7. Santos W, Pereira S, Camacho A, Marques V, Matos P, Gomes V: Um caso raro de longevidade da tetralogia de Fallot. Rev Port Cardiol. 2009;28(4):473-7.

8. Van Arsdell GS, Maharaj GS, Tom J , Rao V, Coles JG, Freedom RM, et al.What is the optimalage for repair of tetralogy of Fallot? Circulation, 2000;102(19 Suppl 3):III-1239.

9. Semeraro O, Scott B, Vermeersch P. Surgical correction of tetralogy of Fallot in a seventy-five year old patient. Int J Cardiol. 2008; 128(3):e98-100.