90res Silva(1)

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  • Resenha: SOUZA, Marina de Mello e. frica e Brasil africano. So Paulo: tica, 2006, 175 p.

    frica e Brasil africano para a sala de aula Jos Alexandre da Silva*

    frica e Brasil Africano uma bela introduo histria da frica, que tem a ver com o Brasil, escrita por Marina de Melo e Souza, professora de Histria da frica da Universidade de So Paulo e estudiosa da cultura afro-brasileira. Num contexto em que a Lei 10.639 torna obrigatrio o Ensino de Histria Africana e Afro-brasileira a obra ganha grande importncia e vem ajudar a preencher uma lacuna no mercado editorial sobre o assunto. A presena, no processo editorial, do nome de Alberto da Costa e Silva, nosso mais respeitado estudioso de Histria da frica, s vem trazer mais credibilidade obra em discusso. Um livro que pode servir no apenas para professores e alunos que tm de se debruar sobre a histria dos afro-brasileiros nos bancos escolares, como tambm para quem quiser saber mais sobre a importncia da histria da frica e da cont ribuio dos africanos na formao do nosso pas.

    A escrita do texto, realizada com clareza, eficazmente concatenada com informaes atualizadas da produo acadmica mais recente sobre o tema, alm de trazer informaes tiradas diretamente de fontes histricas como processos inquisitoriais, relatos de viajantes e processos criminais. Alm do aspecto grfico no deixar a desejar, dando um visual bastante agradvel ao texto, o livro repleto de mapas, fotografias, pinturas e gravuras criteriosamente referenciados ao final da obra. Outro recurso utilizado so as notas de rodap, dando o significado de alguns termos especficos que poderiam confundir o jovem leitor. J os boxes separados dos textos inserem descries e comentrios pertinentes que podem ser saboreados no momento em que o leitor melhor aprouver. O livro tambm vem acompanhado de um manual de exerccios com o objetivo de facilitar o trabalho do professor em sala de aula e a assimilao dos estudantes.

    Como pontua a autora, Abordar contedos que trazem para a sala de aula a histria da frica e do Brasil africano fazer cumprir nossos grandes objetivos como educadores: levar reflexo sobre a discriminao racial, valorizar a diversidade tnica, gerar debate, estimular valores e comportamentos de respeito, solidariedade e tolerncia (...) levantar a bandeira de combate ao racismo e s discriminaes que atingem em particular, a populao negra, afro-brasileira e afro-descendente. No af de realizar tais objetivos a obra vai ser dividida em seis captulos: 1) A frica e seus habitantes, 2) Sociedades africanas, 3) Comrcio de escravos e escravido, 4) os africanos e seus descentes no Brasil, 5) O negro na sociedade brasileira contempornea e 6) A frica depois do trfico de escravos.

    No primeiro captulo do livro, a autora vai descrever os aspectos geogrficos do continente africano enfatizando a importncia dos rios ao redor dos quais surgiram as primeiras sociedades complexas. No segundo captulo, vai ser trabalhado a assunto de como se dividiam as sociedades africanas, das mais simples s mais complexas, seguido de uma breve descrio dos principais reinos. Nesse ponto fica marcado no texto a importncia que tinham os chefes nessas sociedades, desde os chefes de famlia at os das aldeias e dos reinos e confederaes. A autora tambm d destaque a um aspecto de suma importncia na constituio das

    * Professor de Histria do Ensino Fundamental e Mdio, Secretaria de Estado Educao (SEED-PR), Ponta Grossa PR. e-mail: alexandre875@hotmail.com

  • Revista Espao Acadmico, n 90, novembro de 2008 http://www.espacoacademico.com.br/090/90res_silva.pdf

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    sociedades africanas, o sobrenatural. Vejamos: (...) nas sociedades africanas (...) toda a vida na terra estava ligada ao alm, dimenses que s especialistas, ritos e objetos sacralizados podiam atingir (SOUZA, 2006: 44).

    O terceiro captulo um ponto alto da obra, uma vez que a autora vai dissecar como funcionava a escravido no continente africano, antes e depois da chegada dos europeus, como esses teceram relaes com os chefes locais para conseguir cativos, como esses eram capturados, transportados e comercializados. Segue tambm um conceito apropriado do termo escravido: (...) situao na qual a pessoa no pode transitar livremente nem pode escolher o que vai fazer (...) pode ser castigada fisicamente e vendida caso seu senhor ache necessrio; (...) no visto como membro completo da sociedade em que vive, mas como ser inferior e sem direitos (...) (SOUZA, 2006: 47).

    J no quarto captulo, amparada na brilhante produo acadmica sobre escravido no Brasil desde a dcada 1980 at nossos dias, a autora vai expor de forma agradvel, porm rigorosa, as principais regies fornecedoras de africanos escravizados para a colnia portuguesa, como esses se integraram ao seu novo mundo, como se relacionaram com seus senhores e tambm companheiros de destino mesmo esses no sendo nada conhecidos. Tendo que aprender uma nova lngua, resistindo atravs da rebeldia, matando o senhor ou o feitor e se aquilombando, implementando formas veladas de resistncia, mas no menos valorosas quanto s j citadas, tecendo laos de famlia e de compadrio, criando novas formas de expresso religiosa e de arte. Enfim, longo foi o caminho dos escravos at a liberdade.

    No quinto captulo, Marina de Melo e Souza vai construir uma imagem bastante acurada sobre o negro na atual sociedade brasileira. Vale apontar aqui a superao da idia de raa, a contribuio dos africanos nas artes plsticas, na religio e na msica. Tambm importante frisar a viso da autora sobre as aes afirmativas que recentemente vm sendo implantadas na sociedade brasileira: (...) a garantia do acesso a posies s quais os afro-brasileiros estiveram sistematicamente excludos um comeo na conquista de condies mais igualitrias para o desenvolvimento de todas as pessoas, independente de suas origens tnicas ou sociais (SOUZA, 2006: 144).

    O sexto e ltimo captulo trata da ocupao colonial do continente africano que veio a acontecer depois da extino do trfico atlntico num momento em que a importao de mo de obra j no era o que mais interessava s principais potncias europias, mas sim a ocupao e domnio de um continente quase desconhecido e cheio de riquezas a oferecer na forma de matria prima barata ao mundo industrial. A descolonizao do continente, depois da segunda metade do sculo XX, abriu espao para guerras fratricidas de luta pelo poder que deixaram suas marcas at os dias de hoje. Para completar o quadro, temos o surgimento do vrus HIV que veio como um flagelo para o continente que tenta se recompor. Para a autora, (...) o grande desafio das sociedades africanas manter o respeito pluralidade e diferena sem se fechar para as novidades que podem trazer benefcios s pessoas (SOUZA, 2006: 169).

    Mesmo nesse texto de valor, podemos perceber que a autora no consegue fugir, em pontos bem especficos, de formulaes que j presenciamos de longa data nos manuais escolares e revelam nossa perspectiva - ainda - mais europia que africana. A observao e crtica de tais formulaes so feitas por Anderson Ribeiro Oliva no momento em que analisa a produo de (SCHMIDT, 1999). Vejamos (...) o continente retratado hora como um obstculo a ser superado para atingir o lucrativo mercado de especiarias do Oriente, ora como uma fonte de riquezas naturais, - ouro, marfim ou de oferta de mo de obra escravos (OLIVA, 2004: 25). Acreditamos que no caso da obra aqui resenhada tais observaes tambm podem ser adotadas guardadas as devidas propores.

  • Revista Espao Acadmico, n 90, novembro de 2008 http://www.espacoacademico.com.br/090/90res_silva.pdf

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    O europeu, primeiramente o portugus, aparece como sujeito que contornou o continente que nesse momento aparece descrito como uma barreira. Barreira essa que vai sendo superada em cada momento histrico que determinado ponto alcanado. Assim, o Cabo do Bojador contornado em 1434, em 1445 construda a primeira fortaleza que servia de base para o comrcio com os povos locais e em Bartolomeu Dias chegou ao extremo Sul do continente em 1489, e Vasco da Gama contornou a frica e foi at a ndia em 1498 (SOUZA, 2006: 28). Nesse sentido, os fatos histricos e suas datas verificveis, reforam a construo da imagem do continente africano como obstculo. Mas tambm construda a imagem da frica como fonte de riquezas, Os centros de ao dos mercadores europeus na costa atlntica da frica foram as regies dos rios Senegal e Gmbia, onde compravam escravos; da regio do forte da Mina, onde os acs comerciavam ouro com os portugueses; do golfo do Benim (...) (SOUZA, 2006: 29).

    Detalhe parte, acreditamos que esse texto merece ser lido e utilizado sem receios e mesmo j se tendo decorrido dois anos da data de sua publicao, podemos ter a certeza de que frica e Brasil africano trata-se de uma contribuio literria importante para um pas que durante muito tempo tentou mascarar, ocultar ou esquecer suas origens. Importncia que foi reconhecida na verso de numero 49 do Premio Jabuti, o de maior tradio no meio literrio, em 2007 quando a obra aqui resenhada foi a primeira colocada na categoria Didtico e Paradidtico de Ensino Fundamental ou Mdio.