Belo Horizonte, Maio de 2010
RELATÓRIO FINAL
LETALIDADE NO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL DE MINAS GERAIS
2009
REL
ATÓ
RIO
FIN
AL
1
GOVERNADOR DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Aécio Neves da Cunha VICE-GOVERNADOR/ PRESIDENTE DO COMITÊ DE DEFESA SOCIAL Antônio Augusto Junho Anastasia SECRETÁRIO DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL
Maurício Campos de Oliveira Júnior COMANDANTE-GERAL DA POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS Coronel Renato Vieira de Souza CHEFE DE POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE MINAS GERAIS
Delegado Geral Marco Antônio Monteiro de Castro COMANDANTE-GERAL DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DE MINAS GERAIS
Coronel BM Gilvan de Almeida Sá SECRETÁRIA-ADJUNTA DE ESTADO DE DEFESA SOCIAL Luzia Soraia Silva Ghader SUPERINTENDENTE DE AVALIAÇÃO E QUALIDADE DA ATUAÇÃO DO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL José Francisco da Silva EMPREENDEDORA PÚBLICA/ GERENTE DO PROJETO ESTRUTURADOR
Silvia Caroline Listgarten DIRETORA DE ANÁLISE E AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO OPERACIONAL
Juliana Maron GERENTE DE ANÁLISE E AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO OPERACIONAL Edmilson Antonio Pereira Junior CORREGEDORES
Cel. César Romero Machado Santos (Corregedor da Polícia Militar) Dr. Geraldo de Moraes Júnior (Corregedor-Geral de Polícia Civil) Cel. Israel Marcos Rosa Pereira (Corregedor do Corpo de Bombeiros Militar) Dra. Luciana Nobre de Moura (Corregedora da SEDS)
2
COLABORADORES
Ten Marco Túlio Machado – Corregedoria CBMG Ten Alex Lamy de Gouvea – Corregedoria PMMG Maj. Carlos Gonçalves Silva Júnior - PMMG Ana Flávia Alves Moreira - ACADEPOL Antônio Gama Júnior – Corregedoria PCMG Luciana Nobre de Moura – Corregedoria SEDS Aroldo Júnior Vilela Paes – Corregedoria SEDS Vivian Gonçalves Sant'Ana – Corregedoria SEDS Ten. Cel. Carlos Putini Neto - Ouvidoria Geral MG Gustavo Gorgosinho Alves de Meira - Defensoria Pública - Corregedoria Geral Letícia D' Ercoli Rodrigues - Ordem dos Advogados do Brasil
COORDENADORA DA AÇÃO Viviane Ferreira Batista DIRETORIA DE ANÁLISE E AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO OPERACIONAL Aline Soares Gonzaga Márcia Cássia Pinto Sales Nilo Vianna Teixeira Rhona Maria Correa Kayello Vanessa Viana de Carvalho
3
COORDENADOR DA PESQUISA
Ignacio Cano (LAV-UERJ) EQUIPE DE PESQUISA:
Alberto Alvadia Thais Lemos Duarte Andreia Cidade Marinho Sandra Regina Cabral Rodrigo Alisson Fernandes Luís Felipe Zilli
4
S U M A R I O
PAG.
1. Introdução.................................................................................................. 5
2. Casos Registrados..................................................................................... 9
3. Vitimização................................................................................................ 16
4. Características dos Episódios................................................................. 27
5. Conclusões e Recomendações. ............................................................... 40
5
1. Introdução.
Em 2004, a Ouvidoria de Polícia de Minas Gerais criou um Núcleo de
Ensino, Pesquisa e Extensão, com o objetivo, entre outros, de desenvolver
monitoramentos e pesquisas na área de controle externo da atividade policial.
Uma das áreas prioritárias de monitoramento foi o uso da força policial e a
vitimização de policiais e civis durante as ações policiais. Trata-se de um tema
cujo estudo é tradicionalmente limitado no Brasil pela restrição de acesso às
informações e pela ausência de registros sistematizados.
Para disponibilizar um acesso completo aos dados, o Colegiado de
Corregedorias dos Órgãos de Defesa Social determinou, através da Resolução
01/ 2004, o envio regular das seguintes informações para as Ouvidorias de
Polícia.
RESOLUÇÃO Nº 01/2004 Estabelece obrigatoriedade de fornecimento de dados advindos de registro sobre homicídios e lesões, envolvendo policiais, à Ouvidoria de Polícia. O Presidente do Colegiado de Corregedorias dos Órgãos de Defesa Social, no uso de suas atribuições que lhe confere o Decreto nº 43.695 de 11/12/2003, determina: Art. 1º As Polícias Civil, Militar e Corpo de Bombeiros Militar, através de suas Corregedorias e/ou do Centro Integrado de Atendimento e Despachos – CIAD, deverão encaminhar à Ouvidoria da Polícia uma cópia no modelo de formulário anexo, quando do registro no boletim de Ocorrência que conste algum dos seguintes eventos: I – homicídio doloso ou culposo, cometido contra profissional da segurança pública, em qualquer circunstância, seja durante o serviço ou na folga; II – homicídio doloso ou culposo cometido por profissionais da segurança pública, em qualquer circunstância, seja durante o serviço ou na folga e independentemente de circunstâncias excludentes de ilicitude; III – lesões dolosas, culposas ou acidentais sofridas por pessoas em decorrência da ação de profissionais da segurança pública, em qualquer circunstância, seja durante o serviço ou na folga e independentemente de circunstâncias excludentes de ilicitude; IV – suicídios e tentativas de suicídios cometidas por profissionais de segurança pública. Art. 2º A remessa do formulário deverá ocorrer, até o dia 15 do mês subseqüente após ser exarada a ocorrência pelo agente competente; Parágrafo único – O ―caput‖ deste artigo não exclui a obrigação das Corregedorias de Polícias e/ou do Centro Integrado de Atendimento e Despachos, de encaminharem à Ouvidoria da Polícia, as cópias no
6
modelo do formulário anexo de ocorrências lavradas nos cinco anos anteriores à vigência desta resolução que versarem sobre registros referenciados no Art. 1º, incisos I a IV. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de 1º de janeiro de 2005.
A partir de janeiro de 2005, a Ouvidoria começou a receber estas
informações. Nos primeiros anos, a própria Ouvidoria analisava os dados e
produzia relatórios, mas em anos sucessivos a Secretaria de Defesa Social foi
encarregada desta tarefa. A criação de uma Comissão da Pesquisa de
Letalidade Policial, composta por membros das instituições do Sistema de
Defesa Social e de outras instituições relevantes, representou um avanço
significativo na tentativa de que as informações e as análises tivessem uma
repercussão nas políticas públicas, com o objetivo último de reduzir a
letalidade. Num primeiro momento, o monitoramento foi realizado
exclusivamente sobre as polícias, mas posteriormente foi expandido a outras
instituições que fazem parte da Secretaria de Defesa Social, como os
bombeiros. Entretanto, em função das características da função policial, a
prática totalidade dos episódios de letalidade acaba correspondendo às
corporações policiais.
O processo de fornecimento das informações estabelecidas na
Resolução 01 de 2004 não foi simples e, em diversos momentos, houve
indícios de que a cobertura não era completa. Apesar disso, este processo
permitiu iniciar um monitoramento sistemático a partir do ano de 2005, refletido
em relatórios de letalidade policial nos anos de 2005, 2006, 2007 e 2008. Este
conjunto de dados ao longo do tempo permite criar uma série temporal e
avaliar melhor a incidência e a evolução do fenômeno.
O presente relatório continua a série dos relatórios anteriores e
corresponde aos dados de 2009. A cada ano, o relatório sofreu algumas
modificações, várias delas produto de sugestões da Comissão de
Acompanhamento da Letalidade1, visando uma análise mais detalhada e uma
interpretação mais fácil dos resultados. O relatório atual segue o mesmo
padrão do ano anterior.
1 A Comissão de Acompanhamento da Letalidade é o novo nome que adotou a antiga Comissão da Pesquisa de Letalidade Policial.
7
Uma equipe de pesquisadores leu os documentos e resumos fornecidos
pelas corporações, ou obtidos de outras fontes, e preencheu um formulário
para cada caso. Os formulários foram digitados para compor o banco de dados
utilizado na análise.
Para que um caso fosse incluído na análise, ele devia cumprir,
simultaneamente, os três critérios de inclusão:
1. Episódios com relato de disparo de arma de fogo que provocou morte
ou ferimento em alguns dos participantes.
2. Incidentes que contaram com a participação de agentes de
segurança pública, seja na qualidade de autores ou na qualidade de
vítimas (ou ambos simultaneamente). Casos em que os agentes de
segurança eram apenas testemunhas ou registraram os fatos
acontecidos sem a sua participação direta não foram considerados.
3. Fatos acontecidos entre os dias 1 de janeiro e 31 de dezembro de
2009.
Vale notar que tanto homicídios quanto suicídios e acidentes podem
satisfazer esses três critérios.
Na medida em que surgiram dúvidas e casos limite, novos critérios
complementares foram adotados, entre eles:
a. O ferimento ou a morte devem ser provocados diretamente pelos
disparos de arma de fogo. Casos em que houve disparos que não
provocaram vítimas, mas houve ferimentos por outras causas não
foram incluídos. Nos incidentes em que houve feridos por arma de
fogo e por outras armas ou objetos, apenas os feridos por arma de
fogo foram levados em consideração. Especificamente, se o disparo
provocou, por exemplo, a queda de um objeto que, por sua vez,
causou dano na vítima, o fato também não foi contemplado,
considerando que o ferimento não foi causado diretamente pela
arma.
b. Réplicas de armas e balas de borracha não foram incluídas, apenas
disparos efetuados com arma de fogo e munição metálica.
c. Casos de ferimentos produzidos por arma de fogo foram aceitos
mesmo quando não provocaram perfuração (por exemplo, pelo efeito
8
do colete anti-balas), desde que houvesse ferimento. Assim,
ferimentos de raspão ou por estilhaços provocados por arma de fogo
foram contemplados.
d. Embora o monitoramento esteja dirigido fundamentalmente ao
Sistema de Defesa Social do estado de MG, são considerados
também os casos protagonizados por agentes federais (como a
Polícia Federal) acontecidos no território do estado.
e. Na determinação do uso o não de arma de fogo por parte de cada
envolvido, entende-se ―uso de arma de fogo‖ como a realização de
pelo menos um disparo. Quando a arma falhava ou não tinha balas,
interpretava-se que o envolvido não fez uso dela, a despeito da sua
intenção. Da mesma forma, coronhadas ou utilização de armas como
objetos contundentes não eram considerados como ―uso da arma‖.
De uma forma geral, os critérios de inclusão adotados são equivalentes
aos usados em anos anteriores, com o objetivo de poder acompanhar a
evolução da série temporal ao longo do tempo.
Em 2008, surgiu um caso de uso da arma por parte de um agente de
segurança pública de MG acontecido fora do estado. Prevaleceu na época a
interpretação de que o foco do estudo são as instituições do estado,
independentemente de onde atuem os seus agentes e, portanto, o caso foi
incluído. Em 2009, entretanto, não foi informado nenhum caso desse tipo.
Por outro lado, agentes de segurança pública reformados foram também
considerados, mas a intenção era analisá-los de forma separada. De qualquer
forma, em 2009 não foi registrado nenhum caso relevante protagonizado por
agente público aposentado.
Ao longo dos últimos anos, pretendeu-se analisar, embora de forma
separada, episódios de ferimentos ou mortes por meios diferentes da arma de
fogo, entre eles por uso de equipamento de menor potencial ofensivo (não
letal), o que está parcialmente implícito na Resolução 01/2004 (que inclui
lesões sofridas por pessoas em decorrência da intervenção de profissionais da
segurança pública). Porém, a escassez de informações recebidas neste
sentido inviabilizou até o momento atual o monitoramento destes casos.
9
2. Casos Registrados.
Em total, 144 casos foram registrados dentro dos critérios de
admissibilidade. O número de episódios é inferior ao dos últimos anos,
confirmando uma tendência descendente que vem desde 2005.
TABELA 1
NÚMERO DE EPISÓDIOS QUE RESULTARAM EM MORTES OU FERIMENTOS POR DISPAROS DE ARMA DE FOGO EFETUADOS POR OU CONTRA AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA, POR ANO
ANO
2002 2003 2005 2006 2007 2008 2009
NÚMERO DE EPISÓDIOS 208 282 300 241 200 164 144
A grande maioria dos casos foi enviada pelas polícias, particularmente
pela Polícia Militar, conforme a resolução mencionada. Diferentemente de anos
anteriores, o Corpo de Bombeiros não encaminhou nenhuma ocorrência.
Outras instituições que tinham sido relevantes no passado, como a Ouvidoria
ou a Assembléia Legislativa, também não forneceram casos neste último ano.
A busca de matérias na imprensa é uma estratégia para melhorar a
cobertura dos dados e, em última instância, para monitorar o grau de cobertura
das informações fornecidas pelas corporações. O procedimento seguiu critérios
parecidos aos adotados em 2007 e 2008, permitindo assim uma comparação
dos resultados ao longo do tempo.
A equipe de pesquisa efetuou uma busca no site da agência que realiza
o ‗clipping‘ para o Governo de Minas (http://www.ideiafixa.com.br/), procurando
as matérias jornalísticas que descrevessem incidentes armados com a
participação de agentes de segurança pública. Esta busca foi efetuada através
de ‗palavras chaves‘.
Assim, foram procuradas matérias que contivessem ao menos uma das
seguintes palavras chaves:
a) ferida b) ferido c) morto d) morte
e) disparo f) conflito
g) arma
10
h) bala perdida i) policiais j) polícia
Os seguintes jornais foram contemplados nessa busca, os mesmos que
foram considerados em 2007 e 2008:
a) Estado de Minas
b) Jornal Hoje em Dia
c) O Tempo
d) Jornal Super
e) Jornal Aqui
Cada matéria publicada nesses jornais durante o ano de 2009 que
incluía alguma das palavras mencionadas acima (e foi selecionada pelo
mecanismo de busca eletrônico) foi lida pela equipe de pesquisa para verificar
se continha um caso relevante. Entretanto, cumpre registrar que alguns
problemas enfrentados com o mecanismo automatizado de busca no
mencionado site não nos permitem oferecer garantia plena de que a
confiabilidade desse processo seja perfeita.
De qualquer forma, este procedimento de busca na imprensa obteve um
total de 8 casos relevantes, mas apenas 3 deles não tinham sido
encaminhados pelas polícias. O resultado é favorável se comparado a 2008 (11
casos detectados, dos quais 6 sem correspondência nos dados policiais) e
ainda mais se contrastado com 2007 (13 casos que não tinham sido
encaminhados pelas polícias). A diminuição progressiva dos episódios que
possuem como fonte exclusiva órgãos da imprensa parece confirmar que o
grau de cobertura das informações das instituições de segurança pública está
melhorando. A outra explicação possível, muito menos plausível, é uma menor
atenção por parte dos jornais aos episódios de letalidade policial.
A próxima tabela mostra o número de casos para cada fonte. Um
mesmo episódio pode ser registrado por mais de uma fonte, razão pela qual o
somatório dessas freqüências é superior ao número total de casos. Um total de
12 episódios foram obtidos de mais de uma fonte.
11
TABELA 2
Número de Casos por Fonte
Freqüência %
Polícia Militar 119 82,6
Polícia Civil 29 20,1
Imprensa 8 5,6
Para evitar a possibilidade de duplicidade dos casos, foram realizadas
revisões detalhadas de acordo com diversas variáveis: número de Boletim de
Ocorrência, data, local, nome dos envolvidos e unidades policiais. Mais de dez
repetições foram detectadas através destes procedimentos. Quando era
identificado um caso com mais de uma fonte, todas as informações das
distintas fontes eram integradas para constituir um episódio único.
A distribuição dos casos por mês varia de um mês a outro, mas também
não revela tendência clara numa direção. O único ponto a ser resenhado é que
o número de casos é claramente inferior em dezembro, como acontecia em
2007, o que pode estar revelando que os casos do último mês podem não ter
tido tempo suficiente para serem encaminhados na mesma proporção que os
outros, considerando que o envio foi feito nos primeiros meses de 2010.
12
GRÁFICO 1
NÚMERO DE CASOS POR MÊS
Mês do Fato
DezNovOutSetAgoJulJunMaiAbrMarFevJan
Nú
mero
de E
pis
ód
ios
20
15
10
5
0
A grande maioria dos episódios, mais de 90%, são protagonizados por
policiais militares. Os policiais civis são partícipes de apenas 8 casos,
exatamente igual do que no ano anterior.
Além dos casos referentes a policiais civis e militares, foram registrados
ainda um suicídio de bombeiro, um suicídio de um policial federal e um
incidente em que presos feriram a tiros um agente penitenciário.
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TABELA 3
Número de Casos por Tipo de Agente Envolvido
Freqüência % do total
Polícia Militar 133 92,4
Polícia Civil 8 5,6
Corpo de Bombeiros 1 0,7
Agentes Penitenciários 1 0,7
Polícia Federal 1 0,7
Em suma, a participação de bombeiros e agentes penitenciários é muito
reduzida. Dessa forma, a análise global diz respeito basicamente a policiais e,
entre eles, sobretudo a policiais militares.
Entre os civis envolvidos2, 96% são homens e 4% mulheres. Apenas
30% dos envolvidos contavam com informação sobre o ano de nascimento.
Entre os que registravam esse dado, a maioria são jovens, com uma média de
27 anos, sendo que a metade das pessoas não superava os 23 anos. Esse é
basicamente o perfil das vítimas da violência letal no Brasil. Esse é também o
mesmo perfil encontrado em anos anteriores.
Cada episódio foi classificado dentro de uma tipologia de acordo com a
sua natureza, elaborada para facilitar a compreensão da dinâmica dos fatos. O
conjunto das categorias segue os critérios de anos anteriores para facilitar a
comparação.
Aproximadamente sete em cada dez casos são ―conflitos entre agentes
públicos e suspeitos‖, isto é, episódios em que os funcionários públicos
intervêm, a princípio, na sua qualidade de agentes de segurança pública para
preservar a lei, a ordem ou a integridade das pessoas. Isso pode acontecer
tanto no serviço quanto durante a folga, desde que o servidor aja no fato na
qualidade de agente de segurança pública. A proporção dessa categoria no
total de ocorrências é parecida à de anos anteriores.
2 Trata-se aqui dos envolvidos que foram registrados no banco, pois havia alguma informação
individual sobre eles. Outros envolvidos sobre os que não se sabia nada não fazem parte de banco nem desta análise.
14
Por outro lado, quando o servidor público participa de uma disputa
privada, como qualquer outro cidadão, o caso é classificado como ―conflito
inter-individual‖, ou seja, uma disputa que inclui alguns indivíduos cuja
profissão é a de agente de segurança pública. Nestes casos, o agente público
não atua na qualidade de tal, mas age como uma pessoa comum. Um total de
8 episódios foram tipificados desta forma, um número inferior ao encontrado
em 2008 (14).
Em função desse decréscimo, a segunda categoria mais freqüente
passa a ser agora a de agentes que reagem a um assalto, provocando
ferimentos nos assaltantes ou neles mesmos. Há 18 episódios deste tipo
registrados, cinco a mais do que no ano anterior, um crescimento preocupante.
O registro de suicídios de agentes de segurança pública continua no
mesmo patamar de 2008, também com 8 casos. Este é um sinal positivo em
termos de cobertura, pois contrasta com períodos no passado (particularmente
o primeiro semestre de 2007) em que não houve nenhum caso encaminhado.
O saldo final das tentativas de suicídio é de 5 policiais militares3, 1
policial civil, 1 bombeiro e 1 policial federal mortos, além de um policial militar
ferido. As cifras são muito parecidas às de anos anteriores, o que revelaria uma
estabilidade relativa nos risco de suicídio dos membros das corporações.
Houve apenas 2 registros de disparos acidentais, embora eles na
verdade acontecessem em episódios de luta corporal. Particularmente num
dois casos, o relato abre espaço para dúvidas sobre se os tiros teriam sido
realmente acidentais, considerando que houve três disparos. Esse número
supõe um forte decréscimo em relação ao registrado em 2008 (8 casos), o que
questiona a medida em que disparos acidentais acontecidos durante o
manuseio das armas, comuns alguns anos atrás, tenham de fato desaparecido
ou não estejam sendo comunicados.
A execução sumária é uma ação deliberada para matar uma pessoa.
Isto pode acontecer quando agentes públicos tratam de executar um suspeito,
à margem da lei, e também no caso contrário: quando civis tentam assassinar
um policial. Em 2009 apenas há um episódio de tentativa de execução contra
um civil e nenhum contra agentes de segurança pública. Esta cifra contrasta 3 Incluindo nesse número uma ocorrência de homicídio-suicídio.
15
com a obtida em anos anteriores (6 tentativas de execução contra agentes
públicos em 2008 , por exemplo).
O resumo do número de casos de acordo com a natureza dos fatos
pode ser observado na tabela seguinte:
TABELA 4
Número de Ocorrências de acordo com a Natureza
TIPOLOGIA DO FATO
Número de
Episódios
% Civis Feridos
Civis Mortos
Agentes Públicos Feridos
Agentes Públicos Mortos
Conflito entre Agente e Suspeito 103 71,5 74 37 14 2
Agente Vítima de Assalto 18 12,5 5 8 9 2
Suicídio ou tentativa 8 5,6 - - 1 7
Conflito Inter-Individual 7 4,9 4 3 3 1
Disparo Acidental 2 1,4 1 0 0 1
Execução sumária contra civil ou tentativa 1 0,7 1 0 0 0
Homicídio-Suicídio 1 0,7 0 1 0 1
Vítima de bala perdida durante um assalto 1 0,7 0 0 1 0
Não se sabe (informação insuficiente) 3 2,1 1 1 1 1
TOTAL 144 100% 86 50 29 15
A tabela contém, além da natureza, o número de feridos e de mortos
acontecidos nestes episódios, separando os agentes públicos dos civis.
Embora a análise detalhada da vitimização será realizada no epígrafe seguinte,
estas cifras podem ajudar a entender melhor as características e os resultados
desses confrontos. A grande maioria das vítimas civis acontece em confrontos
entre agentes e suspeitos. Já o risco maior para os agentes de segurança
pública não são os confrontos com suspeitos, mas os assaltos e os suicídios.
De fato, 8 dos 15 agentes públicos falecidos foram vítimas de suicídio e 9 dos
29 agentes feridos foram vitimados resistindo a assaltos.
16
3. Vitimização.
Como em anos anteriores, este relatório não pretende determinar a
legalidade ou a adequação técnica da atuação dos agentes da lei em cada um
dos episódios coletados. Isto se deve a vários motivos. Um deles é que a
documentação disponibilizada é limitada e não permite uma conclusão
definitiva sobre a legalidade ou a adequação de cada intervenção individual.
Não estão disponíveis para a pesquisa, entre outros elementos importantes, os
laudos cadavéricos nem as perícias do local do crime. Com efeito, o material
disponível corresponde a uma versão inicial dos fatos, seja das instituições ou
seja da imprensa. Portanto, é possível que em ocasiões a versão apresentada
não coincida exatamente com a realidade.
De toda forma, a intenção central deste monitoramento não é mesmo
estabelecer conclusões finais sobre fatos individuais, mas analisar o conjunto
da vitimização que envolve agentes de segurança pública do estado, como
uma ferramenta para pensar possíveis medidas de prevenção. Assim, qualquer
ferimento ou morte, seja dos civis ou dos agentes públicos, é sempre um
resultado negativo que deverá ser minimizado independentemente da sua
legalidade. Em suma, o foco do trabalho é a vitimização e não os crimes
cometidos contra ou por agentes públicos. Dentro da vitimização, a letalidade é
uma dimensão mais específica que também deve ser minimizada. Isto é,
mesmo quando o uso da força seja inevitável, é importante tentar reduzir, na
medida do possível, os danos produzidos4.
Nesse sentido, o conceito de letalidade —que está mantido no título do
relatório em função do histórico das pesquisas, do monitoramento e das
comissões formadas nesta área— deve ser entendido de forma ampla. Se as
pesquisas dos primeiros anos eram intituladas ―Letalidade da Ação Policial‖,
hoje o título é mais abrangente por vários motivos. Em primeiro lugar, inclui
outras instituições do Sistema de Defesa Social e não apenas as polícias,
mesmo que as outras organizações, como os bombeiros e os agentes
penitenciários, apresentem um risco muito menor de se envolver em incidentes
armados. Em segundo lugar, são considerados fatos que não poderiam ser
4 Conforme consagra o princípio 5b contido nos ‘Princípios Básicos sobre o Uso da Força e
Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei’ das Nações Unidas.
17
descritos, estritamente, de ação policial, mas que resultam em vitimização,
como os suicídios e os conflitos inter-individuais.
O conceito de letalidade empregado neste relatório contempla também
episódios em que o desenlace não é fatal, desde que haja feridos por arma de
fogo. Estes casos de ferimentos também não se enquadrariam, a princípio, no
conceito literal de ‗letalidade‘, mas são imprescindíveis para poder avaliá-la.
Em suma, a noção de ‗letalidade‘ deve ser entendida aqui de forma
abrangente.
Em cada incidente, foram contabilizados, além das vítimas, o número de
envolvidos (autores e vítimas das agressões), separando os civis e os
membros das diversas agências de segurança pública.
Quando não havia certeza do número exato de envolvidos, registrou-se
o número aproximado, utilizando as seguintes categorias:
a) Indefinido, menos de 5
b) Indefinido, de 5 a 10
c) Indefinido, mais de 10
d) Totalmente Indefinido
Na hora de estimar o número total de envolvidos, optou-se por um
número intermediário de cada intervalo, utilizando um viés conservador para
não superestimar o número total5.
O número de envolvidos, de feridos e de mortos em 2009, por categoria,
pode ser observado na tabela seguinte.
5 A categoria ‘a’ (mencionada acima) foi substituída pelo valor 2; a categoria ‘b’ pelo valor 7; a
categoria ‘c’ pelo valor 11; e para a categoria ‘d’ escolhemos o mínimo valor possível: 1.
18
TABELA 5
VITIMIZAÇÃO POR ARMA DE FOGO NO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, POR ANO
ANO
2002 2003 2005 2006 2007 2008 2009
ENVOLVIDOS
Civis 336 554 616 377 421 317 232
Policiais Militares 374 479 498 342 374 316 264
Policiais Civis 6 48 34 28 39 15 8
Bombeiros Militares 0 0 2 7 4 2 1
Agentes Penitenciários 8 1
FERIDOS
Civis 121 149 198 135 127 108 86
Policiais Militares 52 49 56 29 48 22 28
Policiais Civis 1 9 10 3 2 0 0
Bombeiros Militares 0 0 1 1 1 1 0
Agentes Penitenciários 1 1
MORTOS
Civis 55 96 71 50 74 51 50
Policiais Militares 12 22 18 18 11 16 12
Policiais Civis 2 12 5 3 5 3 1
Bombeiros Militares 0 0 0 2 0 1 1
Agentes Penitenciários 0 0
O número de envolvidos em todas as categorias decresce em 2009 em
comparação com o ano anterior, continuando uma tendência que começou em
20076. Este resultado é esperado também em função da diminuição do número
de episódios.
Os feridos civis também caem em relação ao ano anterior, mas os
policiais militares feridos aumentam levemente. Os casos relativos a policiais
civis e bombeiros são tão poucos que é impossível estabelecer uma tendência.
Em qualquer caso, a baixa vitimização provocada e sofrida por policiais civis é
sempre uma boa notícia, considerando que a natureza do seu trabalho,
6 A comparação relativa ao número de envolvidos não pode ser feita de forma automática com
anos anteriores a 2007, pois o procedimento de estimação dos envolvidos não era o mesmo.
19
diferentemente da dos bombeiros, os expõe em alguma medida a confrontos
armados.
Para avaliar melhor a letalidade, apresentam-se, como já foi feito no
relatório de 2008, as cifras de vitimização fatal ponderadas por outras variáveis.
As dimensões usadas na ponderação são: a) população; b) número de agentes
de segurança pública; c) número de prisões efetuadas; d) número de
homicídios registrados; e) número de armas apreendidas pelas polícias. A
princípio, é esperável que o número de mortes se incremente na medida em
que a população, os efetivos policiais, as prisões, as apreensões de armas e a
violência em geral —representada pelos homicídios— aumente. Em particular,
as prisões de suspeitos e as apreensões de armas são ocorrências em que há
maior chance de um confronto armado.
A necessidade de ponderar é maior quando a série temporal se prolonga
(no momento atual há dados desde 2002 a 2009), pois podem existir diferenças
significativas ao longo do tempo relativas ao tamanho da população ou das
corporações. Assim, num contexto de crescimento demográfico ou de aumento
do contingente policial caberia esperar também um aumento dos casos de
letalidade sem que isso signifique necessariamente um incremento da
incidência real do fenômeno.
No entanto, não estão disponíveis todas as informações para os
primeiros anos da série. Por isso, algumas das ponderações aparecem apenas
desde 2007.
20
TABELA 6
Vitimização Fatal por Arma de Fogo no Sistema de Defesa Social de MG, de acordo com população, número de agentes, homicídios e prisões
ANO
2002 2003 2005 2006 2007 2008 2009
Civis Mortos 55 96 71 50 74 51 50
Agentes de Segurança Pública Mortos 14 34 23 23 16 20 15
Civis mortos para cada 100.000 hab. 0,40 0,26 0,25
Agentes mortos para cada 100.000 hab. 0,09 0,10 0,07
Civis mortos para cada 1.000 agentes7 1,58 0,858
Agentes mortos para cada 1.000 agentes 0,62 0,26
Civis mortos para cada 1.000 homicídios 19,65 14,23 14,52
Agentes mortos para cada 1.000 homicídios 4,25 5,58 4,36
Civis mortos para cada 1.000 prisões 0,24 0,15 0,13
Agentes mortos para cada 1.000 prisões 0,05 0,06 0,04
Civis mortos para cada 1.000 armas apreendidas 3,29 2,48
Agentes mortos para cada 1.000 armas apreendidas 1,29 0,74
A conclusão mais importante é que a maioria das ponderações
confirmam que a letalidade contra civis está estabilizada em 2009 em relação
ao ano anterior, depois de uma trajetória de aumento em 2007 que foi revertido
em 2008.
Dessa forma, o número de civis mortos em confrontos armados com
policiais é praticamente o mesmo do ano anterior, mesmo quando levamos em
consideração a população, o nível geral de violência letal na sociedade
(representado pelos homicídios) ou as prisões. Entretanto, quando a
ponderação é realizada em relação ao número de agentes, a incidência baixa
em função do aumento do contingente. Da mesma forma, a ponderação em
relação às armas de fogo apreendidas também diminuiu porque cresceu
significativamente o número de armas apreendidas enquanto o número de
vítimas fatais continua no mesmo patamar.
Se os indicadores relativos a mortes de civis sublinham a conclusão de
estabilidade, os referidos a mortes de servidores públicos experimentam um
descenso moderado. As ponderações efetuadas com a população, com os
homicídios, com as prisões e, sobretudo, aquelas que tomam em consideração
7 O indicador considerou o número de policiais militares, policiais civis e bombeiros.
8 O número total de agentes considerou, tanto para 2008 quanto para 2009, apenas os policiais
militares, os policiais civis e os bombeiros, as informações que foram fornecidas.
21
armas apreendidas e o tamanho do contingente revelam uma tendência de
redução.
A seguir, apresentamos quatro de indicadores específicos de letalidade
da intervenção dos agentes de segurança pública, a saber:
a) O número médio de mortos por ocorrência, que revela a letalidade
desses episódios, tanto para os agentes públicos quanto para os
civis;
b) A razão entre agentes mortos e civis mortos. Espera-se que este
quociente seja sempre superior a 1, visto que os agentes são
teoricamente melhor treinados e, quando de serviço, em geral
operam em grupo. Assim, a expectativa é que haja mais vítimas
fatais entre os civis do que entre os policiais. Porém, quando a razão
é muito superior a 1, isso pode estar revelando uso excessivo da
força por parte da polícia. O professor Chevigny9 sustenta que
quando o valor é superior a 10, isto é, quando os civis mortos
superam em mais de dez vezes os policiais mortos, isto pode ser
interpretado como sintoma de uso excessivo da força e da provável
existência de execuções sumárias. Contudo, essa razão está
pensada originalmente para confrontos entre policiais e suspeitos de
cometer crimes, tal que, por exemplo, a ocorrência de execuções
sumárias contra policiais, como aconteceu no Rio e em São Paulo
nos últimos anos, e a inclusão de vítimas em conflitos inter-
individuais pode modificar o valor esperado.
c) A proporção de homicídios (de civis) provocados pelos agentes de
segurança. A missão mais importante das corporações policiais é
preservar a vida dos cidadãos, de forma que o uso da força letal só é
autorizado, de acordo com os princípios internacionais, justamente
para preservar vidas. Portanto, quando uma proporção significativa
dos homicídios é produto da intervenção dos próprios agentes, há
indícios de uso excessivo da força. Em pesquisas internacionais, o
9 Chevigny, Pau (1991) "Police Deadly Force as Social Control: Jamaica, Brazil and Argentina",
Série Dossiê NEV, n.2, 1991, p. 10. Núcleo de Estudos da Violência, USP, São Paulo.
22
esperado é que a proporção de homicídios decorrente da intervenção
dos agentes públicos não ultrapasse, aproximadamente, 5% do total.
Quando ela é superior a 10 ou 20%, torna-se um claro indício de uso
excessivo da força.
d) O índice de letalidade, que é a razão entre o número de mortos e o
número de feridos acontecidos nos incidentes armados. Em
confrontos legítimos, o número médio de feridos deve ser superior ao
de mortos, o que se traduz num valor do indicador inferior a 1.
Pesquisas em várias cidades10 dos EUA mostraram valores em torno
de 0.5, enquanto que em São Paulo e no Rio de Janeiro os valores
chegavam a ultrapassar 2 e 3. De fato, um indicador superior a 1, isto
é, com mais mortos do que feridos, é uma forte evidência de uso
excessivo da força e de execuções sumárias. Como já foi comentado
em relação ao indicador prévio, tentativas de execuções de policiais
poderão enviesar o valor do indicador. De qualquer forma, espera-se
um valor inferior a 1, particularmente nos episódios classificados
como ―conflito entre agente e suspeito‖.
O valor dos quatro indicadores ao longo dos últimos anos pode ser
observado na próxima tabela.
TABELA 7
INDICADORES DE LETALIDADE NO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS, POR ANO
ANO
2002 2003 2005 2006 2007 2008 2009
Número Médio de Civis Mortos por Episódio 0.26 0.34 0.24 0.21 0.38 0.31 0.35
Número Médio de Agentes Mortos por Episódio 0.07 0.12 0.08 0.09 0.08 0.12 0.10
Razão entre civis mortos e agentes mortos 3.9 2.8 3.1 2.4 4,6 2.5 3.3
Proporção de Homicídios dolosos (de civis) provocados por agentes públicos
1.42% 1.45%
10
Cano, I. (1997) Letalidade da Ação Policial no Rio de Janeiro. ISER
23
Índice de Letalidade (razão entre mortos e feridos) para...
Civis 0.45 0.64 0.36 0.37 0.58 0.47 0.58
Policiais Militares 0.23 0.45 0.32 0.62 0.23 0.73 0.43
Policiais Civis 2.00 1.33 0.50 1.00 2.50 --11 --
O número de civis mortos por episódio aumentou levemente em 2009,
mas mantém o padrão dos últimos anos. O número médio de agentes mortos
por incidente caiu um pouco, mas também dentro do patamar dos últimos anos.
A razão entre civis e agentes mortos se deteriorou, pois o número de
servidores falecidos é menor, enquanto que os civis se mantiveram. Contudo, o
nível ainda é inferior ao de 2007, ano de grande aumento. Embora o número
absoluto não seja ainda preocupante, ele representa o segundo maior valor da
série desde 2003.
A proporção de homicídios dolosos de civis produto da intervenção dos
agentes públicos é bastante reduzida e continua no mesmo nível do ano
anterior.
O índice de letalidade dos civis experimentou um aumento em 2009 que
o fez retornar ao patamar de 2007, um ano, como acabamos de ver, com
resultados relativamente negativos. Por sua vez, o índice de letalidade dos
policiais militares caiu, o que é positivo em si mesmo, mas aumenta a
preocupação em relação ao valor dos civis. Pois se a letalidade dos policiais
diminui, esperar-se-ia que a dos civis seguisse o mesmo caminho. Conforme já
foi assinalado em relação a outros indicadores, o valor absoluto continua sendo
razoável em termos de comparação internacional, mas o seu aumento não
deixa de ser preocupante.
Em suma, os principais indicadores de letalidade contra civis (razão
entre civis e agentes mortos e índice de letalidade) se agravaram em 2009 em
relação ao ano anterior, embora o seu valor absoluto não possa ser definido
ainda como negativo.
Obviamente, estas comparações longitudinais estão baseadas no
suposto de que a comunicação dos casos segue um processo confiável e
homogêneo ao longo do tempo. Dessa forma, qualquer mudança ou omissão
11
O indicador dos dois últimos anos não pode ser calculado porque o denominador, o número de feridos, é igual a 0.
24
nos procedimentos de registro e comunicação dos casos poderia enviesar os
resultados.
Curiosamente, a análise paralela da letalidade de civis e policiais
militares (Gráfico 2) revela que ambos seguem a mesma tendência entre 2002
e 2005, mas manifestam um comportamento inverso a partir de 2006. Ou seja,
desde 2006 o ano em que um indicador sobe o outro cai, e vice-versa. Esta
constatação não deixa de ser problemática, pois espera-se que a letalidade de
uns e outros evolua, a princípio, da mesma forma.
GRÁFICO 2
Índice de Letalidade contra Civis e contra Policiais Militares, por ano
ANO
2009200820072006200520032002
Índ
ice d
e L
eta
lid
ad
e
1,00
0,80
0,60
0,40
0,20
0,00
Policiais Militares
Civis
Contudo, a interpretação dos dados não é simples, pois eles incluem
não apenas confrontos relativos ao combate à criminalidade, mas outro tipo de
episódios como brigas, reações a assaltos e inclusive suicídios de policiais.
25
Dessa forma, com a intenção de analisar a letalidade específica dos
confrontos armados entre policiais e supostos criminais, os indicadores foram
recalculados para os episódios classificados de ‗conflito entre agente e
suspeito‘, isto é, deixando de fora acidentes, suicídios, execuções sumárias,
agentes vítimas de assalto e conflitos inter-individuais. Os casos de conflito
entre agente e suspeito são os que respondem propriamente à dinâmica de
confrontos de agentes da lei e se prestam melhor a uma comparação
internacional. O novo total de casos passa a ser de 103.
Os novos valores dos indicadores de letalidade apenas para este tipo de
confrontos são os seguintes:
TABELA 8
INDICADORES DE LETALIDADE NO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL DO ESTADO DE MG, PARA OS EPISÓDIOS DE CONFLITO ENTRE AGENTES PÚBLICOS E SUSPEITOS
ANO
2007 2008 2009
Número Médio de Civis Mortos por Episódio 0.41 0.36 0.36
Número Médio de Agentes Mortos por Episódio 0.04 0.02 0.02
Razão entre civis mortos e agentes mortos 11.6 20.5 18
Índice de Letalidade (razão entre mortos e feridos) para...
Civis 0.62 0.51 0.50
Policiais Militares 0.10 0.17 0.15
Policias Civis 2.0 --12 --
Em alguns casos, os valores são semelhantes aos registrados para o
total dos casos, mas em outros há diferenças importantes. Assim, o número
médio de civis mortos por episódio e o índice de letalidade para civis
permanecem quase inalterados. Já o número de agentes mortos por episódio e
a letalidade contra policiais militares registram um descenso significativo,
confirmando que o risco de vida para os policiais é muito menor durante o
trabalho policial do que em outro tipo de situações. Afinal, apenas 2 dos 15
agentes mortos falecem em confronto com suspeitos, comparado com 37 das
50 mortes de civis. Não acontece o mesmo com o risco de sofrer ferimentos
12
O indicador não pode ser calculado para os dois últimos anos porque não há casos de feridos nem de mortos nesta categoria.
26
não letais, pois aproximadamente a metade dos agentes feridos é vitimizada
em confrontos com suspeitos e a outra metade em circunstâncias diversas.
Como conseqüência da estabilidade da letalidade contra os civis e da
queda da letalidade dos policiais, a razão entre civis e policiais mortos dispara
até um valor de 18. Este valor é elevado e preocupante, embora seja
levemente inferior ao do ano passado.
Em suma, o alto valor da razão entre civis e agentes mortos levanta a
suspeita da possibilidade de uso excessivo da força nos confrontos, mesmo
considerando que o reduzido valor do numerador (2) provoca uma provável
instabilidade do valor do quociente, que sofreria grandes mudanças com um
caso a mais ou a menos.
Quase todos estes confrontos com suspeitos acontecem durante o
serviço dos agentes (92%), mas há alguns casos também na folga, quando, por
exemplo, eles intervêm num crime em flagrante.
Uma análise ainda mais específica é a que corresponde aos casos de
conflito com suspeitos durante o serviço funcional. Estes são os casos que
podem ser classificados, mais propriamente, como intervenções policiais, e que
são mais susceptíveis de serem afetados pelas políticas públicas e pelas
medidas de prevenção das instituições.
Os indicadores de letalidade para esses episódios de conflito com
suspeitos durante o serviço podem ser observados na próxima tabela.
TABELA 9
INDICADORES DE LETALIDADE NO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL DO ESTADO DE MG, PARA OS EPISÓDIOS DE
CONFLITO ENTRE AGENTES PÚBLICOS DE SERVIÇO E SUSPEITOS
ANO
2007 2008 2009
Número Médio de Civis Mortos por Episódio 0.44 0.37 0.37
Número Médio de Agentes Mortos por Episódio 0.02 0.02 0.02
Razão entre civis mortos e agentes mortos 27.5 19 17.5
Índice de Letalidade (razão entre mortos e feridos) para...
Civis 0.68 0.51 0.51
Policiais Militares 0.07 0.20 0.20
27
Policias Civis -- --13 --
As cifras são muito semelhantes às obtidas na tabela anterior (quando
foram considerados todos os episódios de confronto com suspeitos), com a
única exceção de um pequeno aumento do índice de letalidade contra policiais
militares.
A razão entre civis mortos e agentes mortos continua sendo muito alta
(17,5), mesmo considerando que o valor é inferior ao dos dois últimos anos:
2009 (35 civis e 2 policiais); 2008 (38 civis e 2 policiais); e (55 civis e 2
policiais). Como já foi mencionado, o indicador é muito instável por causa do
pequeno tamanho do denominador, mas o seu resultado não deixa de causar
preocupação.
13
O indicador não pode ser calculado nos últimos dois anos porque não há casos de feridos nem de mortos nesta categoria.
28
4. Características dos Episódios.
Esta seção tenta descrever o contexto e o perfil dos incidentes armados
a partir das informações registradas nos documentos.
Do ponto de vista da distribuição geográfica, quase 30% das ocorrências
aconteceram em Belo Horizonte, o que representa uma proporção ainda maior
do que a encontrada no ano passado (24%). Em segundo lugar, aparece
Contagem, com 14 incidentes, os mesmos que em 2008. Nesse sentido, a
Região Metropolitana de Belo Horizonte parece concentrar ainda mais os casos
do que em anos anteriores. Uberlândia, Betim e Sete Lagoas são outros
municípios que experimentaram vários episódios, mas a muita distância dos
anteriores.
Alguns dos centros regionais, como Governador Valadares, apresentam
ainda mais de um caso, mas muitos dos episódios estão espalhados por um
grande número de municípios do interior.
TABELA 10
NÚMERO DE CASOS POR MUNICÍPIO
Freqüência %
Belo Horizonte 42 29,2
Contagem 14 9,7
Uberlândia 5 3,5
Betim 4 2,8
Sete Lagoas 4 2,8
Governador Valadares 3 2,1
Paracatu 3 2,1
Ribeirão das Neves 3 2,1
Teófilo Otoni 3 2,1
Curvelo 2 1,4
Ipatinga 2 1,4
João Pinheiro 2 1,4
Manhuaçu 2 1,4
Nova Serrana 2 1,4
Varginha 2 1,4
Abadia de Dourados 1 ,7
Alpinópolis 1 ,7
Angelandia 1 ,7
Araguari 1 ,7
Brasilandia de Minas 1 ,7
Caraí 1 ,7
Cassia 1 ,7
Cataguazes 1 ,7
Conceição das Alagoas 1 ,7
29
Divinópolis 1 ,7
Dores de Guanhães 1 ,7
Ferruginha 1 ,7
Fimonésia 1 ,7
Formiga 1 ,7
Frutal 1 ,7
Gov: Valadares 1 ,7
Guarda-Mor 1 ,7
Ibirité 1 ,7
Jaboticatubas 1 ,7
Jaiba 1 ,7
Jeciaba 1 ,7
Juatuba 1 ,7
Lagoa Santa 1 ,7
Luis Burgo 1 ,7
Manga 1 ,7
Mercês 1 ,7
Monte Carmelo 1 ,7
Montes Claros 1 ,7
Muriaé 1 ,7
Ouro Fino 1 ,7
Ouro Petro 1 ,7
Ouro Preto 1 ,7
Passos 1 ,7
Pirapora 1 ,7
Poço de Caldas 1 ,7
Poté 1 ,7
Rio Piracicaba 1 ,7
S.A Monte 1 ,7
Santa Luzia 1 ,7
São Domingues das Dores 1 ,7
São Sebastião do Anta 1 ,7
Serra do Cipo 1 ,7
Teofilo Otoni 1 ,7
Uberaba 1 ,7
Uberada 1 ,7
Uberlândia 1 ,7
DESCONHECIDO 5 3,5
Total 144 100,0
Um dado importante para a análise é o relativo às unidades de lotação
dos agentes de segurança envolvidos. Estudos em outros estados
comprovaram que a existência de sub-culturas policiais específicas em alguns
batalhões e delegacias pode elevar de forma drástica a letalidade das suas
ações. Por isso, é importante monitorar os dados sobre vitimização provocados
30
pelas distintas unidades policiais para, se for o caso, tomar medidas
preventivas ou corretivas.
A próxima tabela apresenta o número de ocorrências registradas
envolvendo agentes de cada unidade, junto com a vitimização correspondente.
TABELA 11
NÚMERO DE OCORRÊNCIAS COM VÍTIMAS, DE ACORDO COM A UNIDADE POLICIAL À QUE PERTENCEM OS AGENTES
UNIDADE DE LOTAÇÃO Número de Ocorrências
Civis Feridos
Civis Mortos
Policiais Feridos
Policiais Mortos
22º BPM BELO HORIZONTE –SUL 10 3 7 0 1
45º BPM PARACATU 7 4 3 2 0
11º BPM MANHUAÇU 6 7 1 1 0
39º BPM CONTAGEM 6 3 6 3 0
16º BPM BELO HORIZONTE- LESTE 5 3 1 2 0
18º BPM CONTAGEM 5 2 2 2 0
19º BPM TEÓFILO OTONI 4 3 3 0 0
33º BPM BETIM 4 3 0 1 0
34º BPM BELO HORIZONTE-NOROESTE 4 2 1 2 0
4º BPM UBERABA 4 4 1 0 0
13º BPM BELO HORIZONTE-VENDA NOVA 3 1 0 3 0
21º BPM UBÁ 3 3 0 0 0
25º BPM SETE LAGOAS 3 2 1 0 0
6º BPM GOVERNADOR VALADARES 3 0 2 0 1
12º BPM PIUMHÍ 2 2 0 0 0
15º BPM PATOS DE MINAS 2 2 0 0 0
1º BPM BELO HORIZONTE-CENTRO 2 1 0 1 0
24º BPM VARGINHA 2 1 0 0 1
32º BPM UBERLÂNDIA 2 1 1 0 0
42º BPM CURVELO 2 2 0 0 0
46º BPM PATROCÍNIO 2 1 1 0 0
8º CIA IND OURO PRETO 2 1 1 0 0
BPE 2 0 0 2 0
BTL ROTAM 2 0 1 1 0
5º BPM 1 1 0 0 0
7º BPM 1 1 0 0 0
11ª CIA IND 1 3 1 0 0
122º CIA Jeciaba 1 0 1 0 0
125º Companhia 1 1 1 0 0
12ª CIA IND 1 1 0 0 0
14º BPM 1 0 1 0 0
17ª CIA IND 1 2 1 0 0
17º BPM 1 0 1 0 1
1ª CIA MEPS 1 0 1 0 0
20º BPM 1 0 1 0 2
31
22º CIA IND 1 1 0 0 0
23º BPM 1 1 0 0 0
29º BPM 1 0 0 0 1
2ª CIA 1 1 0 0 0
2ª CIA MESP 1 0 0 1 0
2º Batalhão 1 0 0 0 1
2º DPC 1 0 1 0 0
30º BPM 1 1 0 0 0
35º BPM 1 0 0 0 1
36º BPM 1 1 1 1 0
3º BPM 1 0 0 0 1
40º BPM 1 1 0 0 0
41º BPM 1 1 0 0 0
43º BPM 1 1 0 0 0
47º BPM 1 1 0 0 0
4ª CIA IND 1 1 0 0 0
4º Depol 1 1 0 0 0
5ª CIA MESP 1 0 1 0 0
5º BPM 1 1 0 0 0
7ª CIA IND 1 0 1 0 0
7º BPM 1 1 0 0 0
8ª RPM 1 1 0 0 0
BP TRAN 1 0 0 1 0
BTM ROTAM 1 0 1 0 1
CICOP 1 1 1 0 0
DIA 1 1 1 0 0
Polícia Federal 1 0 0 0 1
DESCONHECIDA 19 10 3 6 3
TOTAL 144 86 50 29 15
O vigésimo segundo Batalhão da PM, com sede em Belo Horizonte
(Sul), é a unidade com maior número de ocorrências e de mortes. De fato, os
policiais desse batalhão estiveram envolvidos na morte de sete civis, um
registro muito elevado e superior ao obtido por qualquer outra unidade nos
últimos anos. No ano anterior, este mesmo batalhão já apresentava um alto
nível de letalidade, mas a situação se agravou significativamente em 2009.
Em segundo lugar, aparece o 45º Batalhão (Paracatu), também com um
alto número de incidentes. No ano anterior, esta unidade nem estava listada,
razão pela qual esta situação é ainda mais dramática e inesperada.
32
Em terceiro lugar está o 11º BPM (Manhuaçu), que experimenta um
aumento significativo em relação ao ano anterior.
Chama a atenção a presença destes dois últimos batalhões do interior
nos primeiros lugares da lista.
Dois batalhões com sede em Contagem, o 39º BPM e o 18º BPM,
continuam registrando um elevando número de incidentes armados, com 6 e 5
episódios, respectivamente, exatamente o mesmo número do ano anterior.
O 16º BPM (Belo Horizonte- Leste) também sofre um agravamento em
relação a 2008 e escala até os primeiros lugares da lista.
O resto dos batalhões com um mínimo de 4 ocorrências são os
seguintes: 19º BPM (Teófilo Otoni), 33º BPM (Betim), 34º BPM (Belo Horizonte-
Noroeste) e 4º BPM (Uberaba). Entre eles, apenas o 33º e o 34º apareciam em
lugares destacados da lista em 2008.
Do lado positivo, o 14º BPM (Ipatinga) e o 15º BPM (Patos de Minas),
que ocupavam o primeiro lugar, respectivamente, em 2008 e 2007 parecem ter
conseguido sair daquela dramática situação.
A patente ou carreira dos membros das corporações policiais envolvidos,
seja como autores ou como vítimas, é apresentada na tabela seguinte.
TABELA 12
Patente ou Carreira dos Agentes Públicos Envolvidos
Freqüência
PM
Soldado 95
Cabo 77
Sargento 36
Tenente 6
PC
Agente 4
Delegado 1
Quase todos eles são praças e, maiormente, das patentes iniciais. Os
incidentes armados são protagonizados basicamente por soldados, cabos e
33
sargentos. Este é o padrão encontrado sistematicamente nos últimos anos.
Apenas foram registrados seis tenentes.
Por sua vez, na Polícia Civil constam 4 agentes e apenas um delegado.
Em seguida, descrevemos as características dos episódios registrados.
Mais da metade dos episódios têm lugar na rua. De fato, a grande maioria dos
incidentes acontece em espaços públicos e são poucos os registrados em
espaços privados.
TABELA 13
TIPO DE LOCAL
Freqüência %
Via pública 84 58.3
Residência particular 16 11.1
Estabelecimento comercial 10 6.9
DP ou batalhão 2 1.4
Bar/ boate 1 .7
Instituição pública 1 .7
Outros 29 20.1
Não informado/Não identificado 1 .7
Total 144 100.0
Anteriormente, foi apresentada a natureza das ocorrências de acordo
com uma tipificação elaborada pela equipe de pesquisa. Uma análise
complementar é a observação da classificação dos fatos conforme consta nos
documentos e registros policiais. .Estas categorias policiais seguem, a
princípio, o REDS – Registro de Eventos de Defesa Social.
Embora um episódio possa ser registrado com mais de uma categoria,
isto só aconteceu em dois casos. Por isso, será analisada apenas a primeira
delas, conforme mostra a próxima tabela. Vale lembrar que é respeitado o
termo que aparece nos documentos oficiais. Assim, embora algumas das
categorias sejam próximas ou ainda equivalentes (como, por exemplo,
―homicídio doloso‖ e ―artigo 121 do código penal‖) elas serão apresentadas de
forma separada para manter a fidedignidade ao registro original.
Com algumas exceções, as categorias policiais dizem respeito ao dano
sofrido pela vítima: homicídio, lesão e suicídio. Apenas eventualmente, a
34
tipologia faz referência ao suposto crime que deu lugar à vitimização, como
―roubo‖ ou ―formação de quadrilha‖.
Ao longo dos últimos anos, aumentaram os casos de ‗Lesão Corporal‘,
que passaram de 9% em 2007 a 16.5% em 2008 e 21,5% em 2009.
TABELA 14
CLASSIFICAÇÃO DOS FATOS PELA POLÍCIA
Natureza Freqüência % Homicídio tentado 60 41.7
Tentativa de Homicídio 2 1.4
Art. 121 c/c art. 14 II CPB 1 .7
Homicídio consumado 30 20.8
Homicídio 2 1.4
Art. 121 CPB 1 .7
Suicídio tentado 1 .7
Suicídio consumado 7 4.9
Suicídio 1 .7
Lesão corporal 31 21.5
Tentativa de roubo 1 .7
Roubo 1 .7
Roubo a mão armada 1 .7
Formação de quadrilha 1 .7
Não Informado 4 2.8
Total 144 100.0
Como vinha sendo constatado em todos os relatórios anteriores, as
polícias mineiras tipificam as mortes de civis em confronto como ―homicídios‖,
ao invés de usar categorias como ‗resistência seguida de morte‘ ou ‗auto de
resistência‘, comuns em outros estados brasileiros para evitar a prisão dos
agentes públicos e uma fiscalização mais rigorosa por parte do sistema de
justiça criminal.
Uma outra prática desenvolvida pelas polícias fluminense e paulista, por
exemplo, é registrar o episódio de acordo com o crime supostamente cometido
pela vítima fatal, omitindo a sua morte. Isto acontece em Minas Gerais muito
raramente e, mesmo assim, em casos de ferimentos e não de mortes.
Do total dos 144 episódios, 94 deles descreviam que os civis possuíam
armas de fogo e em um mínimo de 83 casos fizeram uso dessas armas.
35
Levando em consideração que há 8 fatos sem civis envolvidos, isto significa
que em aproximadamente 42 episódios não há registro de armas em mãos dos
civis.
No conjunto total dos casos, há registro de apreensão de 38 armas de
civis. Nessas armas, foram documentados um total de 30 projéteis deflagrados
(uma média de 0.79 projéteis por arma arrecadada). Embora as armas possam
em alguns casos ter sido recarregadas, esta reduzida média de disparos indica
que os tiroteios em geral foram curtos, pelo menos por parte dos civis. A
maioria das armas apreendidas são revólveres (31). Há ainda 3 pistolas e 3
espingardas. O fato de que armas longas ou de repetição sejam muito raras
significa que a letalidade tenderá a ser menor do que nos estados em que
armas de caráter militar são freqüentes.
Por sua vez, os agentes de segurança pública estavam quase sempre
armados no momento dos fatos. Em apenas 8 episódios os servidores estavam
desarmados. Um total de 50 armas de agentes foram apreendidas nesses
incidentes armados: 39 pistolas e 10 revólveres. A partir dessas armas tinham
sido deflagrados um total de 29 projéteis (média de 0.58 projéteis por arma).
Este número de projéteis, inferior ao dos civis, também sugere tiroteios curtos.
A ausência de fuzis e outras armas de maior poder ofensivo entre os agentes
públicos, diferentemente do que acontece em alguns estados, é uma boa
notícia em termos de contenção da letalidade.
Em 113 incidentes (78,5% do total), os documentos descrevem que pelo
menos uma vítima foi socorrida ao hospital. Em quase todos os casos em que
há feridos, há registro de socorro médico. Vale lembrar que há também casos
de ferimentos leves, como tiros de raspão, que podem não precisar de atenção
médica hospitalar. Neste sentido, as informações disponíveis permitem concluir
que o socorro aos feridos, princípio 5c dentro dos Princípios Básicos sobre o
Uso da Força das Nações Unidas, é, a princípio, sistematicamente respeitado.
36
Em mais de duas em cada três ocorrências, os agentes envolvidos
encontravam-se de serviço. Um em cada 4 casos aconteceu com funcionários
de folga. Esta proporção é a mesma que encontramos em 2007 e 2008.
TABELA 15
Os Agentes estavam de serviço durante a ocorrência?
Freqüência %
Todos 103 71,5
Nenhum 36 25,0
Não informado 5 3,5
Total 144 100,0
A letalidade dos agentes públicos é maior durante a folga: 7 dos 15
agentes mortos e 15 dos 29 agentes feridos aconteceram fora de serviço. Este
é um padrão consistente durante os últimos anos em Minas Gerais e em outros
estados do Brasil. O risco de homicídio para os policiais é maior fora do horário
de trabalho, seja por conta do trabalho em segurança privada, pelo
envolvimento em conflitos privados, ou pelos assaltos sofridos na rua. Durante
o policiamento, os servidores públicos estão relativamente mais protegidos. Por
sua vez, a vitimização dos civis é mais elevada durante o serviço dos agentes:
36 dos 50 civis mortos e 69 dos 86 civis feridos aconteceram durante
intervenções dos agentes em serviço.
Em seguida, com o objetivo de estudar especificamente as intervenções
dos operadores de segurança pública, foi estudada a vitimização apenas dos
casos classificados como ―conflito entre agentes e suspeitos‖. Para esta análise
foram excluídos, entre outros, os ―conflitos inter-individuais‖, as ―execuções
sumárias‖, os ―disparos acidentais‖, os ―suicídios‖ e os ―agentes vítimas de
assaltos‖. O novo total é de 103 casos.
Estas ocorrências podem ser classificadas, de acordo com o tipo de
intervenção, da seguinte forma:
37
TABELA 16
Tipo de Intervenção
Freqüência %
Chamado 46 44,7
Patrulhamento rotineiro 30 29,1
Operação especial 14 13,6
Folga 5 4,9
Outros 1 1,0
Total 96 93,2
Sem informação 7 6,8
Total 103 100,0
As respostas a chamados abrangem quase a metade dos episódios,
seguidas dos incidentes acontecidos durante o patrulhamento rotineiro. Apenas
14 ocorrências mencionavam uma operação especial.
Com o objetivo de comparar a letalidade das diversas intervenções,
calculamos a média de mortos e feridos segundo o tipo de intervenção.
Entretanto, as médias são com freqüência instáveis, dado o pequeno número
de casos em muitas células.
O número de civis feridos por ocorrência é maior nos casos em que os
agentes estavam de folga, embora o número de casos é pequeno demais para
estabelecer conclusões confiáveis. Já a média de civis mortos tende a ser mais
alta nas operações especiais, mas as diferenças com outros tipos de
intervenção não são muito grandes.
Por outro lado, registram-se mais agentes feridos durante a folga, o que
é compatível com uma situação de surpresa e de ausência de apoio de outros
colegas, diferentemente do que costuma acontecer durante o serviço. Os dois
únicos agentes mortos em confronto são contabilizados em operações
especiais.
Estes resultados são semelhantes aos obtidos em 2007 e 2008.
38
TABELA 17
Média de Feridos e Mortos por Episódio, segundo o Tipo de Intervenção
Tipo de Intervenção Civis
Feridos Civis Mortos Agentes Feridos
Agentes Mortos
Chamado Média de Vítimas ,76 ,28 ,13 ,00
Número de Casos 46 46 46 46
Patrulhamento rotineiro Média de Vítimas ,77 ,40 ,10 ,00
Número de Casos 30 30 30 30
Operação especial Média de Vítimas ,43 ,50 ,07 ,14
Número de Casos 14 14 14 14
Folga Média de Vítimas 1,20 ,20 ,20 ,00
Número de Casos 5 5 5 5
Outros Média de Vítimas 1,00 1,00 1,00 ,00
Número de Casos 1 1 1 1
Total Média de Vítimas ,74 ,35 ,13 ,02
Número de Casos 96 96 96 96
As intervenções dos agentes de segurança estiveram motivadas, na
grande maioria das ocasiões, por delitos flagrantes ou por abordagens de
suspeitos. Em 12 casos, os agentes relataram simplesmente que foram
―recebidos a tiros‖ quando entravam num local, um número inferior ao
registrado no ano anterior (23).
Por outro lado, o número de ocorrências que são conseqüência de
ordens de apreensão ou busca é muito pequeno, o que implica que os
incidentes armados acontecem de forma inesperada e sem planejamento.
TABELA 18
Motivo da Intervenção dos Agentes Públicos
Freqüência %
Delito Flagrante 40 38,8
Abordagem de suspeito 39 37,9
Recebidos a tiros 12 11,7
Não houve/ nenhum 4 3,9
Apreensão/ registro com ordem judicial 2 1,9
Participação/ envolvimento em brigas 1 1,0
Outros 3 2,9 Sem Informação 2 1,9
Total 103 100,0
Nos casos em que o confronto foi provocado por um crime cometido
anteriormente, o roubo é o crime mais comum. De fato, a importância do roubo
cresceu notavelmente em relação ao ano anterior (30% em 2009 versus 17%
em 2008).
39
TABELA 19
Crime prévio que ocasionou o Incidente Armado
Freqüência %
Roubo 31 30,1
Tráfico 7 6,8
Homicídio 2 1,9
Furto 1 1,0
Outros 43 41,7 Nenhum 17 16,5
Sem informação 2 1,9
Total 103 100,0
O tráfico de drogas aparece em segundo lugar, mas com um número de
casos bastante reduzido. Assim, o tráfico de drogas não é, como em alguns
outros estados, o pivô dos confrontos armados entre agentes públicos e
suspeitos. Em apenas 9 ocorrências (8,7%) houve apreensão de drogas
posteriormente ao incidente. Esta proporção de casos com apreensão de
entorpecentes é semelhante à encontrada em 2007, após um aumento no ano
de 2008 (18%)14.
14
No Rio de Janeiro, uma pesquisa sobre intervenções policiais com vítimas civis revelou que 29% das ocorrências fatais relatavam apreensão de drogas (cf. Cano, I. (1997) Letalidade da Ação Policial no Rio de Janeiro. ISER.
40
5. Conclusões e Recomendações.
As conclusões principais do estudo podem ser resumidas assim:
1. A cobertura das informações sobre incidentes armados fornecidas
pelas corporações está melhorando progressivamente nos últimos
anos, como revela o fato de que apenas 3 casos tiveram como
origem matérias de imprensa em 2009. O objetivo final, que continua
sendo uma cobertura completa do sistema oficial de informações que
torne desnecessária a utilização de outras fontes, encontra-se,
assim, mais próximo. Entretanto, o número de casos registrados no
mês de dezembro é muito pequeno, levantando a suspeita de que
talvez não tenha havido tempo suficiente para encaminhar em tempo
todos os casos do último período.
2. O número de incidentes armados envolvendo agentes do estado que
resultaram em vítimas é de apenas 144, continuando um descenso
que começou em 2005. De fato, 2009 apresenta o menor valor de
toda a série histórica. Em relação à natureza dos fatos, há uma
diminuição dos conflitos privados e um aumento dos assaltos contra
agentes de segurança, quando comparados ao ano anterior. Com
efeito, os assaltos contra servidores públicos da área de segurança
constituem um problema significativo, tanto pela sua maior freqüência
quanto pela sua alta letalidade. Por sua vez, o risco de suicídio
desses funcionários continua no mesmo patamar do ano anterior.
3. O número de civis mortos em intervenções de agentes de segurança
pública se mantém no mesmo nível de 2008 e o número de civis
feridos cai moderadamente no mesmo período. Por outro lado, o
número de agentes públicos feridos em incidentes armados cresce
um pouco, e o número de agentes mortos diminui. Avaliando o
número de mortes de acordo com diversas ponderações (o tamanho
da população, o número de homicídios e o número de prisões) as
conclusões básicas se mantêm: a letalidade dos civis está
estabilizada e a dos agentes decresce em alguma medida. Já
quando usamos como referência o número de apreensões de armas,
41
todos os indicadores são suavizados devido ao incremento das
apreensões de armas no último ano.
4. Os indicadores específicos de letalidade contra civis (número de civis
mortos por episódio; razão entre civis e agentes mortos; proporção
de homicídios dolosos resultado de intervenções policiais; e índice de
letalidade) são, em 2009, algo piores do que em 2008, mas em geral
não atingem o mesmo nível de 2007, que foi um ano com valores
relativamente agravados. De qualquer forma, os valores absolutos
dos indicadores estão dentro de parâmetros internacionais e não
podem ser considerados como negativos. A proporção de homicídios
devidos à intervenção de agentes públicos, por exemplo, é bastante
reduzida.
5. A evolução temporal da letalidade de agentes públicos e de civis
segue tendências opostas entre 2006 e 2009: quando uma delas
sobe a outra tende a descer, o que constitui um resultado
inesperado, na medida em que as duas deveriam seguir padrões
paralelos.
6. Quando se consideram apenas os confrontos entre suspeitos e
agentes em serviço, que caracterizariam as intervenções policiais
propriamente ditas, os indicadores de letalidade mostram
estabilidade em 2009 em relação ao ano anterior. Os valores são
todos razoáveis com uma exceção marcante: há 17,5 civis mortos
para cada servidor de segurança morto. Esta cifra, embora
levemente inferior à dos anos recentes, ultrapassa o patamar
considerado aceitável e pode representar uso excessivo da força.
Embora o número seja instável por conta do tamanho reduzido do
denominador (apenas dois policiais mortos em confronto), o resultado
do indicador é preocupante e precisa ser monitorado no futuro.
7. Para os agentes públicos, o risco de ser vítima fatal é claramente
maior na folga —por conta de outros trabalhos, brigas, assaltos e
suicídios— do que durante o próprio serviço. Basta comprovar que
apenas 2 dos 15 agentes falecidos morreram em confronto com
suspeitos, comparados com 8 vítimas de suicídio, por exemplo.
42
8. Os incidentes armados costumam ocorrer na rua, freqüentemente
como resultado de delitos flagrantes ou de abordagens de suspeitos.
Nesse sentido, o delito mais comum é o roubo, que ganha
importância em relação ao ano passado. Em conseqüência, a grande
maioria destes incidentes armados não acontece em operações
planejadas, o que dificulta a prevenção.
9. O registro policial dos confrontos armados é realizado em B.O.s que
costumam ser intitulados como ‗homicídio‘ ou ‗lesão corporal‘,
conforme a lei manda. São raros os casos em que os fatos são
classificados pela polícia de acordo com o suposto crime cometido
pela vítima civil. Em suma, não existe uma tentativa de encobrir os
fatos recorrendo a uma tipificação que omita as vítimas fatais. Por
outro lado, a obrigação de prestar socorro aos feridos parece ser
cumprida de forma sistemática.
10. A unidade policial com maior número de incidentes armados é o 22º
Batalhão da Polícia Militar (Belo Horizonte - Sul), que contabiliza 10
ocorrências e 8 vítimas mortais (7 civis e 1 policial), o valor mais
dramático registrado nos últimos anos para qualquer unidade policial.
Este batalhão já tinha um histórico de alta letalidade, que se
deteriorou no último ano. A seguir, aparecem dois batalhões do
interior: o 45º BPM (Paracatu), que nem figurava nas listas do ano
anterior, e o 11º BPM (Manhuaçu), que piorou seus indicadores.
Contagem continua tendo dois batalhões (o 39º BPM e o 18º BPM)
com altos níveis de letalidade. No lado positivo, o 14º BPM (Ipatinga)
e o 15º BPM (Patos de Minas), que encabeçavam o ranking nos
últimos anos, conseguiram abaixar seus índices em 2009.
43
Em função das análises e conclusões precedentes, é possível formular
as seguintes recomendações:
1. Convocar reuniões entre os comandantes dos batalhões com maior
letalidade e a Comissão de Acompanhamento da Letalidade, além de
outras autoridades da Secretaria de Defesa Social, para tentar
entender as causas desse cenário em cada área e para formular
medidas preventivas.
2. Refletir sobre os procedimentos operacionais a serem adotados
quando os agentes de segurança pública são vítimas de assalto,
para diminuir o risco e a vitimização nestes eventos de alta letalidade
e freqüência crescente. Por exemplo, poderia ser criado um
Procedimento Operativo Padrão (POP) sobre a reação em caso de
assalto e este procedimento poderia ser usado no treinamento nas
academias.
3. Recomendar à Comissão de Acompanhamento da Letalidade uma
análise detalhada dos casos em que a arma de fogo é utilizada pelo
agente público contra pessoas que não possuíam arma de fogo no
momento dos fatos, para verificar se o uso foi justificável e para
pensar, de qualquer forma, em procedimentos e medidas que
possam diminuir a chance desse uso. Entre estas ocorrências
podemos destacar:
a. Disparos efetuados durante luta corporal, particularmente
quando os disparos são supostamente acidentais e quando há
mais de um disparo. Existe um caso, por exemplo, em que o
relato descreve nada menos do que três disparos acidentais
durante a luta.
b. Casos em que há mais civis mortos do que armas
apreendidas. Num determinado episódio, por exemplo, os
documentos relatam dois civis mortos e apenas uma arma
apreendida.
c. Disparos contra pessoas que a princípio não estavam
armadas, aparentemente para evitar a fuga. Vale lembrar que
este procedimento é frontalmente contrário aos princípios
internacionais, que só autorizam o uso da força letal contra
44
quem representa uma ameaça iminente de morte ou grave
ferimento para terceiros.
d. Uso da arma de fogo contra civis armados com instrumentos
cortantes, como facas o garrafas, particularmente quando o
mencionado uso teve um resultado fatal.
e. Disparos de advertência para o alto que resultam em vítimas.
Idealmente, os disparos de advertência deveriam ser
eliminados em qualquer circunstância.
f. Disparos efetuados por um agente de segurança que alega
que confundiu um movimento da vítima, que estava
desarmada, com a tentativa de puxar uma arma. O
treinamento sobre o uso da força policial deve enfatizar a
capacidade de distinguir uma arma na não do opositor, para
não confundi-la com outros objetos ou com determinados
movimentos.
4. Incorporar de forma ampla armamento de menor potencial ofensivo
(não letal ou menos letal) dentro das opções disponíveis para todos
os policiais no seu trabalho cotidiano, e não apenas para
grupamentos especiais. Há diversos episódios em que os agentes
fazem uso da arma de fogo contra pessoas armadas de objetos
cortantes ou contundentes. Em muitas dessas ocorrências,
espargidores de pimenta ou diversas outras armas de menor
potencial ofensivo poderiam ter sido empregadas, minimizando assim
o risco e o dano para todos os envolvidos.
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