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ANTENOR FERREIRA CORRA
Integrao de Tcnicas Analticas como Princpio de um
Modelo Composicional
Tese apresentada ao Programa dePs-Graduao em Msica, rea deConcentrao Musicologia, Linha dePesquisa Tcnicas Composicionais eQuestes Interpretativas, comoexigncia parcial para obteno dottulo de doutor, sob a orientao doProf. Dr. Amilcar Zani.
So Paulo
2009
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ANTENOR FERREIRA CORRA
Integrao de Tcnicas Analticas como Princpio de umModelo Composicional
Tese apresentada ao Programa dePs-Graduao em Msica, rea deConcentrao Musicologia, Linha dePesquisa Tcnicas Composicionais eQuestes Interpretativas, comoexigncia parcial para obteno dottulo de doutor, sob a orientao doProf. Dr. Amilcar Zani.
So Paulo
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Banca Examinadora
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para
Edmundo Villani-Cortes
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Agradecimentos
CAPES: Coordenao de aperfeioamento de pessoal de nvel superior,importantssima instituio de fomento produo de conhecimento no Brasil,pela concesso de subsdio para a realizao deste projeto;
Ao Professor Doutor Amilcar Zani, orientador desta pesquisa, pela confiana emmim depositada;
Aos meus familiares Antenor P. Corra, Neusa Ferreira, Isabella Corra, ReginaClia, Daniele Cristina e Damaris, pela pacincia, compreenso e amor duranteeste perodo de ausncia;
Aos amigos msicos Luis Afonso Montanha, Danieli Longo, Eliana Sulpcio,Paulo Zorzetto, Beatriz Alessio, Carlos Sulpcio, Lenita Portilho, FernandoIazzetta, o quinteto de clarinetes Sujeito a Guincho(Sergio Burgani, Luca Raele,Luis Afonso Montanha, Edmilson Nery e Nivaldo Orsi), Miranda Bartira e oquarteto de cordasNobilis (Silvia Velludo, Jos Quirino, Margareth Yahagi eMeryelle Maciente) que dispuseram de seu talento e competncia para arealizao do CD que integra este trabalho;
Aos compositores Paulo Chagas, Rodolfo Caesar, Denise Garcia, Silvio Ferraz,Jorge Antunes, Fl Menezes, Rodolfo Coelho de Souza, Edson Zampronha,Edmundo Villani-Crtes, Antonio Ribeiro, Paulo de Tarso e Ronaldo Mirandapela ajuda fornecida por meio de entrevistas e valiosas conversas.
Aos amigos Luciano Csar de Morais, Mirian Megumi Utsunomiya, MargaridaFukuda, Wnia Storolli e Graziela Bortz, pelo apoio e estmulo.
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Integrao de Tcnicas Analticas como Princpio de um Modelo Composicional
Resumo: Nesta pesquisa prope-se a elaborao de um modelo composicional a partir da
integrao de trs tcnicas analticas: tematicismo, estratificaoe refuncionalizao. Tem-se
por hiptese que essas ferramentas de anlise musical, per se unilaterais, so passveis de
associao gerando um novo modelo de composio que engloba os aspectos temticos,
harmnicos, texturais e formais necessrios para a estruturao de um discurso musical
inserido em uma esttica ps-tonal. Os procedimentos analticos no so tomados como
prescries, tampouco empregados como moldes estanques, mas usados como ponto de
partida para o trabalho composicional. O modelo assim estabelecido permite ser desdobrado
para o campo da didtica musical na medida em que pode ser empregado como estratgia
pedaggica nos cursos de composio. Espera-se, alm do aporte eminentemente tcnico
composicional gerado com a constituio desse modelo, ampliar o alcance das ferramentas
analticas aqui consideradas e, ao mesmo tempo, contribuir com o incremento da literatura
incidente aos assuntos composicionais, posto que neste projeto esto envolvidas
consideraes sobre a esttica musical contempornea e o ensino da composio.
Palavras-chave: composio musical, anlise musical, ps-tonalismo, pedagogia dacomposio musical.
Abstract: In this research was proposed the creation of a model to musical composition
accomplished by setting together three analytical techniques: thematicism, stratification, andrefunctioning. The basic hypothesis suggests that analytical tools, per se unilateral, could be
associated in order to generate a new model to musical composition. In this model will be
integrated the aspects thematic, harmonic, of the texture, and formal that are necessary to
structure a post-tonal musical discourse. The analytical proceedings are not taken like
prescriptions, neither employed in a rigid way, but used like starting point for the
compositional work. So established model will allow be transported for the field of the
musical education in so far as it can be employed like pedagogic strategy in the courses of
composition. It is hoped, besides the technical contributions produced with the constitution ofthis model, to enlarge the reach of the analytical tools presented, and at the same time, to
contribute with the growth of the literature about compositional issues, since this project also
deals with aesthetical and pedagogical subjects.
Key-words: musical composition, musical analysis, post-tonality, pedagogy of musicalcomposition.
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SUMRIO
Introduo: Sobre teoria, modelo e princpios de base 1
Captulo 1: O Sentido da anlise musical 34
Captulo 2: Anlise de segunda ordem 50
Captulo 3: Estratificao e Justaposio 86
Captulo 4: Transformaes temticas 118
Captulo 5: Funo e refuncionalizao 153
Captulo 6: Comunicabilidade na msica ps-tonal 205
Concluses: A rvore, o fruto e a floresta 233
Referncias 247
Anexos 256
Partituras das composies desenvolvidas com o mtodo proposto.
1. Trilhas Sonoras(para percusso: marimba, 2 break drums, 3 pratos e bumbo a pedal)
2.Impresso sol poente(para piano)
3.Metralhadora(para quinteto de cordas)
4.Preldio 1 emEb (para piano)
5.Preldio 2(para piano)
6.Preldio 3(para piano)
7. Chiromancers hands doesnt have lines(para piano, 2 percussionistas, clarinete, trompete
e sons eletroacsticos)
8.Jeric(para 2 percussionistas, trompete, sons eletroacsticos e transformao eletroacstica
em tempo real)
9. Veredas do Serto (para quinteto de clarinetes)
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Introduo
Sobre teoria, modelo e princpios de base
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Maurits Escher:Relativity(1953) litografia.
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Teoria do Campo Unificado !
. . .
O conferencista prosseguia com suas consideraes finais, mas em minha cabea
aquela expresso ainda reverberava: Teoria do Campo Unificado.
Assim que a apresentao foi encerrada e a massa de pessoas que se aglomerava em
volta do palestrante ia aos poucos se dissipando, criei coragem e me dirigi a ele:
Tens mais um minuto professor?
Na verdade no, mas . . . diga.
Poderia esclarecer alguns aspectos da teoria que exps?
E voc acha que um minuto bastaria para tais esclarecimentos? caoou ele.
De fato no. respondi meio sem graa Foi apenas fora de expresso.
Expresso no uma fora. E ainda bem, porque se fosse, eu teria algo mais com o que me
preocupar no sentido da unificao.
No respondi, apenas observei-o e acompanhei-o enquanto deixava o auditrio onde
acontecera a conferncia e seguia em direo sala da diretoria. Na semana passada houve o
professor de acstica afirmando que a srie harmnica no existia. Agora essa estria de
unificao terica das foras da natureza eu no poderia deixar passar sem mais
esclarecimentos.
Andei ao seu encontro e, enquanto caminhvamos, ele me disse:
Na palestra de amanh darei seqncia ao assunto.
Eu sei. Infelizmente no poderei comparecer porque tenho concerto da orquestra onde
trabalho.
Voc msico !?
Sim.
Minha me foi uma tima pianista.
E o senhor um timo violinista! emendei.
Ah! Antes fosse. pareceu lamentar-se Alguns diziam que eu tocava relativamente bem.
Porm, no tive tempo para me dedicar aos estudos tcnicos que o instrumento exige.
muita modstia para quem j se apresentou at no Carnegie Hall.
Ora, qualquer coisa que eu fizesse l seria aplaudida. O concerto era beneficente.
Bem, disse tentando traz-lo de volta ao motivo de minha interpelao ser que haveria
outra oportunidade para conversarmos?
Tenho que aguardar a pessoa que vir me buscar. Vou esperar por ele em um bar. Se voc
no se importar podemos conversar um pouco enquanto ele no chega.
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Mas claro que no me importo! respondi em um misto de alegria e surpresa pelo convite.
Ele, ento, deixou alguns livros na sala da diretoria e seguiu para os fundos da
universidade.
Professor, a sada por l.
Mas o bar para l! emendou imediatamente apontando o caminho.
Pensei que no houvesse sada pelos fundos.
A maioria das pessoas tambm pensa assim.
Ento ... no me diga que existe um bar nos fundos da escola !?
No conte para ningum, meio secreto. arrematou em tom de zombaria.
Essa escola mesmo surpreendente.
Cruzamos o trio em direo parte sul do campus, em meio s veredas arborizadas.
Ele andava rapidamente e eu tentava acompanh-lo, ao mesmo tempo buscando algo
inteligente para perguntar. No podia perder a oportunidade de trazer tona aquele assunto
que me deixou perplexo.
Chegamos. aqui. disse ele.
Tive que conter o riso, pois o professor parou defronte de uma portinha de madeira, de
aspecto antigo, onde morava o zelador.
Aqui a zeladoria, professor.
Sem fazer qualquer comentrio, bateu porta.
Um homem de barba curta, usando culos, terno e gravata apareceu e o cumprimentou
efusivamente. Seu rosto me pareceu familiar, porm no conseguia me lembrar onde j havia
visto aquela figura.
Seja bem vindo Albert. disse o homem.
Como vo as coisas Kaluza? perguntou-lhe o professor.
Tudo muito bem respondeu o anfitrio com um sotaque germnico.
Este meu convidado . . .
Josephus. completei apresentando-me aos dois.
Por favor, entrem e fiquem vontade. convidou o homem.
Eu continuava atnito pela descoberta daquele lugar. Eu tinha hbito de caminhar pelo
campus mas nunca notara qualquer indcio da presena de um bar. Nenhuma entrega de
bebidas ou movimentao de pessoas. Sempre acreditei que ali fosse o quarto do zelador. s
vezes tenho que admitir que s encontramos por aquilo que procuramos.
Tomamos assento em uma mesa ao canto. Um garom rapidamente serviu ch ao
professor.
Voc desejaria algo? indagou o garom.
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No respondi, pois nem me dei conta da pergunta. Estava completamente perplexo
com a decorao e, principalmente, com a arquitetura do local.
O garom se afastou.
Se a descoberta de um bar j trazia certa confuso, a construo daquele lugar me
deixou absolutamente perturbado. Havia escadas que iam e vinham do teto. Passagens
parecidas com alapes saam das paredes em diversas direes. Algumas portas abobadadas
davam para uma espcie de varanda donde se podiam enxergar as rvores do campus. Como
se no bastasse, sob minha perspectiva, algumas mesas estavam inclinadas ou de ponta
cabea. Aquilo parecia um salo virtual como o holodeck do seriadoJornada nas Estrelas.
O professor Albert, notando minha cara de ponto de interrogao, comentou:
No toa que apelidaram esse bar de 13 dimenso.
Absolutamente impressionante! consegui balbuciar Como que . . .
No tente entender, apenas aprecie a paisagem. Deixe a fruio sobrepujar a razo.
E como se explicaria uma coisa destas? perguntei mesmo sabendo que no haveria
resposta.
Esse choque normal em qualquer um que venha aqui pela primeira vez. disse o professor
tentando trazer-me de volta realidade Depois voc acaba acostumando.
Dito isto, ele mesmo prosseguiu:
Voc msico, ento porque o interesse pela teoria do campo unificado?
Procurando abstrair as bizarrices que me rodeavam respondi:
Meus interesses so composicionais. Durante sua conferncia me ocorreu que, se um
cientista pode vir a unificar todas as foras (ou interaes, para usar seu linguajar) que
compem, atuam e regem os fenmenos do universo, quem sabe o mesmo poder ser feito
para a teoria da composio musical.
Mas a composio no me parece algo lgico. Do contrrio, parece estar ligada inspirao.
Certo?
Percebi que ele me testava, resolvi aceitar a provocao e afirmei:
Os compositores so to inspirados quanto os fsicos.
Ele sorriu e eu continuei:
Particularmente, vejo quaisquer artistas criadores e cientistas partilhando dos mesmos
paradigmas e inquietaes. Somente se diferenciam pelo produto final de seus processos
criativos. No entanto, ambos oferecem novas maneiras de se contemplar o mundo que nos
cerca.
Mas em matria de composio artstica h fatores no quantificveis. ponderou ele.
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Concordo que certas tomadas de decises durante o ato criativo so difceis de se explicar.
Talvez seja esta a caracterstica diferencial entre uma grande obra e as outras. Mas, no por
causa disto que no podemos tentar teorizar sobre o fato. No concorda?
Percebi que ele olhava fixamente para a xcara de ch.
H algumas partculas em suspenso. comentou de modo casual.
Eu sei. E segundo sua prpria explicao, baseada na teoria cintica, o movimento dessas
partculas decorre da vibrao das molculas do lquido que, por sua vez, influenciada pela
temperatura e viscosidade do mesmo.
Com essa frase decorada das enciclopdias notei que acabara de ganhar sua ateno.
Ele levantou o rosto, me fitou, e disse:
Ok Josephus, continuemos nossa conversa sobre msica.
Prefiro falar da teoria docampo unificado. Sinceramente, professor, o senhor acha mesmo
que ao falar em prova da no existncia de um campo central simtrico universalmente
regular ... algum entendeu alguma coisa?
Ele riu e prosseguiu em tom formal:
Talvez trs pessoas entendam. Outros tantos iro para casa pensar e depois, mesmo sem
compreender coisa alguma, passaro a criticar.
O senhor no pode facilitar um pouco? Vamos do comeo, no esquea que est falando
com um msico.
Teorias de unificao continuou ele objetivam que todos os fenmenos compreendidos
no universo, sejam estes de propores cosmolgicas ou do microscpico mundo subatmico,
possam ser explicados por meio de uma nica teoria. Uma teoria do campo unificado descreve
em termos de um nico campo todas as foras fundamentais entre partculas elementares.
Ento sua teoria engloba a fora gravitacional, a fora eletromagntica e as foras nucleares
fraca e forte?
Em 1916, quando vislumbrei essa possibilidade e dei incio s pesquisas nessa rea, as
foras nucleares ainda no eram conhecidas. Eu intentava unificar a fora gravitacional,
regida pela teoria da relatividade geral, com o eletromagnetismo.
Ento o nome teoria do campodecorre do campo gravitacional e campo eletromagntico.
Sim.
Aproveitando a chegada do garom, fiz um pedido enquanto pensava se realmente
conseguira compreender alguma coisa. Ento, comentei em tom de questionamento:
Certas expresses advindas da fsica convivem atualmente no senso comum e talvez tenha
apenas uma noo aproximada daquilo que devem significar. Quando penso em campo
gravitacional e campo magntico me vem mente uma imagem que acredito corresponder
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definio destes. Mas talvez no compreenda o tema com profundidade necessria para
entender a sua teoria.
A idia de campo surgiu na fsica da necessidade de se explicar algo novo poca, isto , a
maneira de interao entre grandezas na ausncia de contato direto e sem meios aparentes de
transmisso dessas interaes.
Tentei organizar meus pensamentos e disse:
Se eu jogar este copo naquela parede cheia de garrafas, provavelmente, irei quebrar alguma
delas. Isto um ataque pontual. Porm, se no lugar de um copo eu possusse um im gigante,
e o apontasse para o balco na tentativa de puxar para c um talher, atrairia tambm outros
objetos de metal localizados neste espao. Essa segunda ao uma fora de campo.
Ele s me olhava, mas no acrescentou nada. Eu, quebrando o silncio, perguntei:
Ento campo surgiu em oposio partcula, pois campo existe por todo o espao, enquanto
partcula existe apenas em um nico ponto e momento especficos?
Mezzo. Um campo a atribuio de uma quantidade fsica a cada ponto no espao
visualizado como se estendendo em todas as partes de uma grande regio deste espao, de
modo que a sua influncia seja ubqua.
Vamos devagar. O efeito de um campo sentido em todo espao, uma ao distncia
provocada por algo.
Sim, mediante os efeitos provocados pelas prprias grandezas envolvidas no espao
circundante, variando sobre a regio abarcada. Por exemplo, se pensar na atrao
gravitacional que o Sol exerce sobre a Terra, o clculo da fora dessa atrao entre os corpos
envolve as suas respectivas massas e a distncia entre ambos.
Os corpos se atraem na direta proporo de suas massas e na inversa proporo do
quadrado de suas distncias. tentei formular o enunciado com sotaque britnico, mas ele
no achou divertido.
O conceito de campo permitiu atribuir magnitudes mensurveis ao espao que circunda a
matria, fazendo corresponder a cada ponto desse espao valores que dependem unicamente
da grandeza dos corpos que provocavam a interao e da localizao dos pontos considerados.
Clculo j determinado por Newton acrescentei tentando mostrar algum conhecimento.
At surgir o fsico-qumico Michael Faraday, tambm ingls, para aproveitar seu sotaque.
Mas Faraday no investigava sobre o magnetismo?
Sim, s que antes dele se considerava que as foras gravitacionais, eltricas e magnticas
atuavam de modo instantneo atravs do espao vazio que separa as partculas em interao.
Faraday no concordava com essa ao distncia, base da mecnica newtoniana. Ele
imaginava que o espao entre as cargas eltricas e os ms estivesse preenchido por alguma
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coisa, pois as foras exigem tempo e meios para serem transmitidas. Essa alguma coisa
eram os campos de fora.
Bela deduo.
O mais brilhante que, em 1831, Faraday comprovou ainda que campos magnticos
poderiam induzir campos eltricos e vice e versa. Atestou, ento, que eletricidade e
magnetismo no so fenmenos independentes, mas sim diferentes manifestaes de um
nico campo, o campo eletromagntico.
O mais fascinante Faraday ter comprovado suas idias experimentalmente, dados os
parcos recursos tecnolgicos da poca.
Alm de tudo, essas idias serviram de base para o fsico escocs James Clerk Maxwell
criar a primeira teoria unificada de campo com a introduo de equaes para o clculo
matemtico do campo eletromagntico.
Primeiro veio a comprovao experimental e depois a explicao matemtica?
Sim. Em 1865 Maxwell provou matematicamente que os fenmenos eletromagnticos so
propagados em ondas pelo espao com a velocidade da luz, e que, diferentemente das foras
de Newton, propagavam-se a uma velocidade definida(c)que vale 300 mil quilmetros por
segundo.
E, como gosto de histria, comentei no posso esquecer que desse modo Maxwell
lanou as bases para a rdio comunicao, confirmada experimentalmente por Hertz em 1888
e desenvolvida com Marconi na virada do sculo.
Permitindo que as msicas de todas as naes sejam apreciadas em todo o planeta.
O que na verdade, infelizmente, no acontece.
A teremos que falar de poltica e interesses financeiros de grandes corporaes capitalistas,
assunto que no me agradaria. Ando sem foras para a militncia poltica.
Em msica temos tambm o conceito de campo, mas chamamos campo harmnico.
E vivel uma analogia com o campo fsico?
Acho que sim, mas deixando de lado a atribuio de valores quantitativos. Veja s, se um
campo uma espcie de fora que se faz sentir ao longo de uma regio, posso transferir a
idia para a fora que uma tnica exerce sobre os acordes que compem seu campo
harmnico. Quanto mais afastados do plo principal, menor se far sentir esse efeito atrativo,
diminuindo o poder do campo.
Mas isso s ser verdadeiro para as msicas tradicionais?
Sim, porque na msica que composta abdicando-se de um centro tonal, no existe uma
hierarquizao que permita eleger um s plo como principal. No h um ncleo nico para
atrao gravitacional dos demais acordes.
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No vejo onde essas disciplinas se toquem. O que a teoria docampo unificado pode oferecer
composio musical?
Eu esperava obter essa resposta depois dessa conversa.
Ele pareceu desapontado. Mas, como num golpe de sorte, me ocorreu uma idia, e
continuei:
Acredito que Teorias, quer sejam da msica ou fsicas, trabalhem na busca de um princpio
de base. O modelo newtoniano postulava que o universo era governado por foras que agiam
instantaneamente, tambm concebendo o tempo e o espao como grandezas absolutas. Esse
modelo cedeu lugar ao novo conceito de campo de fora.
E, ele rapidamente acrescentou como voc percebeu, eu agora tento unificar a fora
eletromagntica fora gravitacional tendo como princpio explicativo para o relacionamento
entre todos os fenmenos fsicos essa noo de campo.
Sim, seu princpio de base o conceito de campo.
E o seu . . . ?
Mas voc s faz perguntas difceis. O princpio de base da composio . . .
Como no encontrei nada pra falar, limitei-me a provoc-lo.
O senhor poderia responder essa ltima questo aproveitando para contestar as crticas de
Brecht.
No posso respond-la, pois no sou compositor. Alm disso, Brecht me criticava enquanto
violinista. Ento, vou pedir outro ch. finalizou rispidamente.
Arrependi-me de ter trazido o assunto baila. No podia ter esquecido que sob o
manto de cientista ainda pulsavam os melindres particulares aos violinistas. Decidi, assim,
deix-lo a ss.
Professor, eu preciso ir ao banheiro, mas no sei se conseguirei subir a escada que sai do
teto.
Ele respondeu parecendo um pouco menos hostil:
s esquecer que est no teto e voc conseguir. Tudo questo do ponto de vista. Ela
parece estar no alto para os observadores que esto abaixo. Quando voc estiver l vai achar
que eu estou na parte superior.
Como voc j disse, no vou procurar entender, s apreciar. Mas o risco tentar subir ao
Parnassume acabar enclausurado na Torre de Marfim.
Quando retornei, o professor Albert rabiscava em um pedao de guardanapo.
J reparou comentou ele como tudo a nossa volta parece remeter aos gregos?
Refere-se arquitetura?
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Tambm. Mas, eu pensava na maneira como nomeamos as coisas. O vocabulrio
proveniente do grego enorme.
No conseguia fazer a ligao com a conversa anterior. Ele, ento, prosseguiu:
Magnetismo uma palavra grega.
Ah! Agora conectei os assuntos. Se me lembro, os antigos gregos descobriram certas pedras
raras naturalmente magnetizadas e chamaram-nas magnetitas.
O nome magnetismo vem desta pedra magnetita que, por sua vez, deriva de Magnsia, um
distrito em Thessaly, na Grcia.
E tambm recordo que eles pensavam que estas pedras eram mgicas porque podiam atrair
pequenos pedaos de ferro.
E, alm disso, sempre apontavam na mesma direo quando deixadas livremente
penduradas em um cordo.
De fato, eram muito observadores.
A eletricidade j era, tambm, conhecida por eles.
Como assim? Sempre achei que houvesse sido descoberta por Alexandre Volta, em 1800.
Pense bem, convidou ele o termo elektron grego.
Curioso. No havia pensado a respeito.
Essa histria iniciou-se com Tales de Mileto e desdobrou-se por mais de 2000 anos at
Volta inventar a primeira pilha capaz de produzir eletricidade que corria constantemente
atravs de um fio por longo tempo, criando assim a primeira corrente eltrica.
Nossa teoria musical tambm possui herana grega. Pitgoras, srie harmnica, modos,
ethos, versificao, retrica, esttica, mtrica, etc.
Voc j tem a um ponto de partida para sua empreitada composicional.
Mas a msica que fao bem diferente, no guarda semelhana alguma com a msica
grega. Arrisco tambm dizer que bem distinta da esttica clssica.
No teria tanta certeza; mas, vamos partir dessa premissa. De qualquer maneira, voc
procura por um princpio de base, certo?
Correto. Mas a srie harmnica um fenmeno acstico prprio dos sons. Acho que no
pode servir como princpio gerador das relaes musicais, pois o objeto sonoro diferente do
objeto musical. Sem mencionar os processos criativos, que so de base psicolgica.
No abuse do jargo, pediu o professor lembre-se que no sou msico de profisso.
Assim como a fsica clssica newtoniana e a geometria plana euclidiana estavam postas em
cheque no incio do sculo XX, o paradigma da prtica comum tambm era reformulado pelos
compositores da poca. Novas propostas de organizao musical surgiram como, por
exemplo, o dodecafonismo, que culminar no serialismo. No final da dcada de 40 o
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engenheiro francs Pierre Schaeffer ir causar uma revoluo na msica, conseguida por
avanos na tecnologia de captao, gravao e transformao sonoras. A essa nova esttica
hoje damos o nome de msica eletroacstica. Foi Schaeffer quem props os conceitos de
objeto sonoro e objeto musical . . .
Voc gosta mesmo de histria, hein! interrompeu-me, mas percebi o seu interessava.
Todo msico tem muita histria e inmeras estrias pra contar. Somos um preo duro para
os pescadores respondi.
Ele sugeriu:
Do mesmo modo como me pediu anteriormente, vou propor que me defina alguns termos.
Boa idia! animei-me, pois senti que o professor havia tomado gosto pelo assunto.
O que voc entende porprincpiocomposicional?
No uma resposta simples, mas vamos l. Princpio, quando ligado ao tempo, refere-se ao
momento em que alguma coisa tem origem. o incio, o comeo.
Desculpe-me interromper, disse o professor mas me dei conta de que essa palavra no
vem do grego, mas sim do latim:principiu. Mas, prossiga por favor.
Princpio continuei significa tambm a causa primria, a matria constitutiva de uma
coisa. O prprio Newton escreveu em 1687 seu Philosophiae Naturalis Principia
Mathematica.H outras acepes, mas, dentre estas, a mais pertinente s minhas propostas
define princpio como razo, base ou fundamento sobre a qual se apia o raciocnio e constitui
um modelo para a ao.
Interessante. ele comentou Voc parte de uma definio prxima da filosofia para
chegar a uma aplicao pragmtica do conceito.
Conseguimos achar uma utilidade para a filosofia. ironizei.
Isso foi fcil, quero ver voc encontrar um filsofo para responder s questes por ele
mesmo propostas.
Neste bar talvez fosse possvel! brinquei novamente, conseguindo arrancar um esboo de
sorriso da face do professor.
Empolguei-me e aproveitei para pedir outra bebida. O professor retomou:
Vejo que voc se interessa mesmo por Newton, no Josephus?
Pois . confirmei Um sujeito que num insightexplica por meio de uma nica teoria a
queda de um copo aqui no bar e o equilbrio planetrio do sistema solar tem mesmo minha
admirao.
Mas voc sabe complementou o professor que Newton, alm de formular a teoria da
gravitao universal e as trs leis do movimento, tambm foi responsvel pela descoberta dos
clculos diferencial e integral e pela decomposio da luz branca num prisma.
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No h dvida de que Newton possua uma poderosa inteligncia, apesar de ser descrito
como muito antiptico e de carter um pouco duvidoso.
Mas esses boatos no nos interessam tanto quanto suas contribuies. O criador deve ser
julgado pela sua obra e no pela sua vida.
Newton eu acrescentei foi agraciado em vida e at na morte, ganhando de Alexander
Pope um dos mais belos epitfios j escritos.
O professor aproveitou para declamar:
A natureza e suas leis ocultavam-se nas trevas. Ento Deus disse: faa-se Newton! E tudo
se iluminou. De fato uma grande contribuio potica.
E por falar em contribuio, emendei a publicao do Principia Mathematica foi
custeada pelo amigo e astrnomo Edmund Halley, que hoje d nome ao cometa.
O que seria da cincia sem algum tipo de mecenato? disse o professor com sarcasmo.
O que seria das artes sem algum tipo de mecenato!? No fosse o patronato, alguns
compositores funcionrios de universidades pblicas j teriam mudado de profisso h
tempos.
Voltemos ao nosso raciocnio. solicitou o professor J que voc gosta de analogias, me
diga quantas dimenses atuam em uma composio musical?
Essa mais fcil. admiti Mas a resposta relativa. Desculpe-me pela apropriao do seu
termo.
Sem problemas, na verdade o termo no era original, Galileu j havia antecipado seu uso.
Como assim?! Isso novidade pra mim.
Galileu foi o primeiro a sustentar que o movimento dos corpos ocorreria de maneira idntica
quer estivessem acontecendo em terra ou num barco deslocando-se pelo mar. O diferencial
seria o ponto de vista do observador, que interpretaria a movimentao de maneiras distintas.
Entendeu?
Entendi. Digamos que o garom ali possusse uma bandeja voadora, tal qual um tapete
mgico.
Gostei da imagem, alis voc est captando o esprito desse bar.
No entendi o comentrio, mas segui exemplificando com a inteno de mostrar para
mim mesmo se havia compreendido de fato:
Faz de conta que o garom estivesse em p nessa bandeja voando a uma velocidade
uniforme, isto , sem trancos. Se ele abrisse uma garrafa de champanhe arremessando a rolha
verticalmente (paralelamente ao eixo de seu prprio corpo), do seu ponto de vista, ele veria a
rolha subir sobre sua cabea e descer retilineamente. De onde estamos sentados, ns veramos
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a rolha descrevendo uma espcie de parbola, j que todo o sistema (bandeja, garom e rolha)
encontra-se em movimento.
Muito bem! declarou o professor Albert Podemos voltar s dimenses envolvidas em
msica.
Minha resposta prossegui relativa no tocante a um aspecto: o ritmo. Mas, antes de
falar sobre isto tenho que opinar sobre as outras dimenses. Em msica temos como
magnnima a dimenso tempo, posto tratar-se da arte temporal por excelncia. Parafraseando
Andrei Tarkovisky: compor esculpir o tempo.
Bela definio.
Concorrem tambm em msica as dimenses verticais, horizontais e de profundidade.
Pode se explicar!? pediu o professor acendendo seu cachimbo.
Vertical diz respeito s simultaneidades surgidas no decurso musical. Estas simultaneidades
podem ser as diferentes vozes de uma polifonia, os acordes da harmonia ou quaisquer tipos
de camadas sonoras postas em jogo no discurso composicional. A profundidade foi no incio
pensada como uma analogia entre o sistema tonal e o ponto de fuga da pintura. Todavia,
julgo poder conceber profundidade em relao aos planos de estruturao da composio. Na
existncia de nveis estruturais, pode ser que alguns eventos musicais sejam percebidos pela
intensidade com que disputam pelo plano de frente. Com isso, nossa escuta pode perceber
eventos mais distantes ou mais prximos, similarmente idia de profundidade.
Fale agora sobre a dimenso horizontal. pediu o professor.
Quando escrevo uma partitura estou usando as pautas em um sentido horizontal . . .
Pela primeira vez ele riu pra valer, e comentou:
Por essa eu no esperava. a coisa mais rasteira que voc disse hoje, foi uma piada, no
foi?
Na verdade foi um jeito de saltar para outro assunto, mas vi que no deu certo.
Ento v l, apresente suas idias sem medo do erro.
Para mim a dimenso horizontal refere-se estruturao rtmica da obra. Embora parea
contraditrio, porque o ritmo a organizao do parmetro da durao do som. Porm, acho
que as clulas rtmicas estendem o som horizontalmente. Inclusive, o ritmo est na
dependncia da mtrica, uma unidade de medida espacial e no temporal. Alm disso, de
volta s origens, na Grcia o ritmo era dado pelos ps mtricos da poesia, marcando sua
posio mtrica de acordo com a acentuao prosdica. Ora, essa contagem de slabas fortes
e fracas se d linearmente. Falar em ps-mtricos tambm remete dana, arte manifesta no
espao. Esses entendimentos engendram na msica a relativizao temporal. O micro tempo
prprio das clulas rtmicas e o macro tempo envolvido na durao total da obra apontam
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para percepes relativas do fenmeno tempo. Vamos dizer: um tempo diferido, horizontal,
presente na escrita e um tempo psicolgico da escuta da obra.
Bem, eu como no acredito em tempo fora do espao, tampouco em espao sem tempo, sou
levado a concordar.
Alis, se bem me lembro, o senhor enunciou que a matria gera o tempo e o espao. Do
mesmo modo, o material musical gera a contextura espao-temporal da composio.
Muito espirituoso. divertiu-se ele, mas no quis comentar minha falcia.
Por falar em tempo, aproveitei para fazer novo chiste o senhor sabe qual a semelhana
entre um cantor e um filsofo?
Posso imaginar algumas, mas d a resposta.
Ambos concebem o tempo como um conceito abstrato.
Ele sorriu e mudou de assunto formulando nova questo:
Diga-me Josephus, quais as foras atuantes em composio?
Gravitacional, eletromagntica, nuclear forte e nuclear fraca. Em fsica mais fcil, a
resposta est na ponta da lngua, mas em msica . . .
Apele para a teoria da msica?
A bem da verdade no existe teoria da msica afirmei.
No!? o professor fez de conta que se espantava.
Se tomar a definio estrita de teoria, consistindo de uma hiptese sobre a manifestao, ou
melhor, sobre o comportamento de fenmenos observados, de modo a poder formular leis
que possibilitem controlar e/ou prever suas ocorrncias, no poderei transport-la para o
mbito musical, j que este tipo de objetividade e (olhei bem em seus olhos) determinismo,
no encontram correspondentes em uma arte subjetiva, regida por convenes culturais e no
por leis. Em msica no h leis. Nem as supostas leis tonais da harmonia funcional.
Mas essa definio prpria das cincias exatas, talvez voc deva escolher outra.
Mas, j que falamos em Grcia, continuei a msica fazia parte das cincias exatas: o
quadrivium.
Deixe a antiguidade clssica um pouco de lado e reflita como um homem do sculo XX
ordenou o professor.
De modo capitalista, traumtico ou esotrico? insinuei.
Nenhum. respondeu sorrindo o professor Porm, de modo interdisciplinar.
No lugar de teoria continuei tentando ficar srio seria correto falar emsistemamusical,
dado o escasso teor emprico comportado pelo fato musical. Como sistema vale para
descrever qualquer todo organizado (como o sistema solar por exemplo) aplica-se bem em
representar o complexo universo da msica.
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Ento sorriu ele voc no tem mais problema algum, pois j sentenciou que no poder
erigir uma teoria da composio, seja esta unificada ou mesmo desunida.
Contudo, permaneci alguns instantes em posio de fermata posso tentar construir um
modelocomposicional.
Mas os termos no so intercambiveis? perguntou o professor em tom de gozao.
No da mesma maneira como o so massa e energia. retribu a brincadeira Segundo
alguns pensadores (veja Delatre, por exemplo), teoria tem uma abrangncia global, enquanto
modelo refere-se a algo mais especfico, mais particularizado, representando um mbito bem
delimitado e determinado.
Como o professor no comentara nada, eu prossegui:
Neste modelo eu poderia propor um conjunto de procedimentos relativos ao tratamento das
dimenses musicais de modo a embasar uma potica da composio.
Seria um modelo para lidar com algumas foras composicionais de maneira unificada?
Sim.
Ento, reiterou o professor terei de refazer minha questo: quais as foras atuantes em
composio?
Agora que, por meio do manuseio terminolgico, j estou desculpado pela falta de rigor
cientficostricto sensu,posso tentar responder.
Pois bem, estou ouvindo. disse o professor Albert.
Porm, exijo que me interrompa se estiver errado em algum aspecto.
Sem problemas. consentiu ele.
Entendo comoforao modo como os elementos interagem entre si, sejam estes elementos
partculas atmicas ou estruturas gerativas da msica. A fora nuclear forte, por exemplo, . . .
A fora nuclear forte! J percebo aonde essa conversa pode levar.
No gostaria de falar da mecnica quntica? antecipei-me em perguntar para no correr o
risco de desagradar-lhe novamente.
Voc sabe que tenho srias reservas sobre o tema confirmou o professor.
Espero no chegar to longe nos meus devaneios. Mas, confesso minha curiosidade pela
sua reserva em tratar do assunto, pois este novo ramo da fsica foi fundado graas a voc.
A matria muito controversa.
Fez a frase piscando um olho e fitando uma mulher que passava. Ao que eu emendei:
O senhor sutil, mas no malicioso.
Um cientista busca por certezas. E clculos de probabilidades so teis para o pquer de
sbado noite ou para estimar as reaes femininas, mas inconcebveis para sustentar uma lei
fsica.
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Mudei de idia, talvez o senhor seja malicioso.
A situao chegou a tal ponto de hoje se falar em determinismo quntico!
J li a respeito, segundo Greene o conhecimento das funes de ondas de probabilidade da
mecnica quntica permite determinar os estados qunticos em qualquer momento do futuro
e do passado.
Porm, acrescentou o professor o negcio que o conhecimento do estado quntico vai
determinar apenas a probabilidade de que um ou outro futuro possa produzir-se. Ao final,
continua-se na mesma, pois no h determinao alguma, s prognsticos.
Sorri tentando contornar a situao e prossegui:
Professor, o senhor me fez recordar uma situao embaraosa. Quando eu era estudante no
colegial, o professor de qumica apresentou a estrutura atmica classe. Ele explicou que os
tomos eram formados por eltrons (com carga negativa), prtons (com carga positiva) e
nutrons (com carga neutra).
Pelo jeito faz tempo! observou ele.
Infelizmente, no faz tanto tempo assim. Ento o dito professor de qumica continuou
dizendo que os prtons e nutrons ficavam no ncleo do tomo. Foi a que ca na besteira de
perguntar: e por que os prtons no se dispersam, j que possuem cargas de mesmo sinal e,
conseqentemente, deveriam repelir-se?. O professor disse que era por causa do nutron.
Ento insisti: por que os eltrons no so atrados para o ncleo, j que as cargas opostas dos
eltrons e dos prtons deveriam se atrair?. Dessa vez me respondeu que se eu no parasse de
bancar o engraadinho iria ser repelido para a diretoria.
Voc est trazendo tona lembranas do meu tempo no Gymnasium.
Bem, no tive a inteno de trazer-lhe ms recordaes.
No diria que foram ms, mas . . . Bem, conclua o que dizia.
Tive que esperar por alguns anos, at ler em um livro na faculdade a explicao da fora
nuclear.
Professor Albert completou:
Uma fora de atrao mil vezes maior que a fora de repulso eletromagntica, capaz de
manter os quarks dentro dos prtons e conservar prtons e nutrons agrupados dentro do
ncleo atmico.
Nossa, uma definio idntica de Hawking. me admirei.
De quem?
Deixe pra l. O importante saber que os elementos interagem entre si. Dito isto, preciso
descobrir como se d a ao entre os componentes musicais. O que os mantm coesos?
Foi a vez de o professor Albert responder com outra pergunta:
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O que voc chama de componentes musicais?
H vrios, por exemplo, notas, clulas rtmicas, timbres, texturas, harmonia . . .
Mas a melodia o mais importante! disse uma voz gutural vinda da mesa ao lado.
Igor?!! Mas ser possvel? O que est fazendo aqui?
Estava j h algum tempo escutando a conversa de vocs.
Professor Albert, permita-me que lhe apresente meu colega . . .
Como vai Igor? uma grande satisfao conhec-lo. antecipou-se o professor
estendendo-lhe a mo.
A satisfao toda minha professor. retribuiu Igor.
Apressei-me em perguntar ao professor se ele consentiria que Igor se juntasse a ns.
Ao que respondeu polidamente:
De maneira alguma. Fique a vontade.
Igor, perguntei intrigado desde quando voc freqenta este bar?
O barGedanken muito comentado entre as mentes criativas desta universidade, na qual, a
propsito, ministrarei uma srie de conferncias. respondeu Igor, posicionando sua cadeira.
Vocs sabem que as idias mais inovadoras surgiram aps algumas rodadas de chope neste
bar? falou o professor Albert Foi aqui, aps vrias doses em companhia de Nathan Rosen,
que tivemos a idia das pontes capazes de ligar os universos, as quais os astrofsicos
hodiernos, pouco criativos, do o nome de buracos de minhoca.
No pra menos, ponderei esse lugar mesmo propcio para colocar a imaginao em
liberdade.
Houve alguns instantes de silncio, que atribu ao meu comentrio, pois a palavra
liberdade muito cara aos seres humanos perseguidos. Foi a vez de Igor contornar a
situao:
Josephus, ento voc est incomodando o nobre professor com seus problemas.
No incmodo algum. adiantou-se o professor Albert em responder Faz tempo que
desejo falar de outros assuntos que no teorias fsicas.
Igor eu prossegui talvez voc no saiba, mas alm de fsico e amante da msica, o
professor Albert violinista.
Muito interessante. exclamou Igor de fato interessado Recentemente escrevi um
concerto para violino, talvez o professor queira apresent-lo.
J parei de tocar h tempos. lamentou o professor Albert Ento voc tambm
compositor?
E dos bons! aproveitei para elogi-lo Alis, em minha opinio, um dos melhores. A
propsito, me ocorreu que vocs dois possuem muito em comum.
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Sem exageros Josephus. moderou Igor.
srio! prossegui Os dois revolucionaram seus respectivos campos de atuao no
sculo XX; sofreram de perto as privaes provocadas pelas duas grandes guerras; residiram
na Sua; aps reformularem os paradigmas clssicos, foram criticados por conservarem
atitudes prprias do classicismo; ambos se envolveram de modo direto ou indireto com o
mito de Fausto; nenhum dos dois formou escola ou deixou discpulos ou seguidores diretos;
vocs so exilados morando nos Estados Unidos e (para no abusar da sua pacincia) concluo
enfatizando que ambos foram eleitos no rol das 100 pessoas mais influentes do sculo XX.
Tudo bem Josephus, assentiu o professor Albert j entendemos. Mas gostaria mesmo de
voltar a falar de msica.
Professor me diga, quais so seus compositores contemporneos prediletos? inquiriu Igor.
Mozart, Mozart e Mozart respondeu o professor de modo srio.
Mas no h nenhum de seu agrado dentre os compositores atuais? eu insisti.
Sim, Bach e Beethoven.
Mas estes no so do sculo XX. retruquei.
Mas continuam sendo os melhores. atestou solenemente o professor.
E sobre Brahms? foi a vez de Igor instig-lo.
Gosto principalmente de suas peas de cmara, mas a maioria de suas obras no me
persuade interiormente.
Bach, Beethoven, Brahms. Se for para falar nomes com a letra B gostaria de citar dois de
meus preferidos: Bartk e Berio. disse j esperando alguma censura.
Tenho muito apreo por Bartk e por suas pesquisas. declarou Igor.
Vocs so msicos mas no perdem a oportunidade de embutir algum tipo de objetividade
em seu campo de atuao. H pouco Josephus intentava edificar um modelo composicional
unificado; agora Igor, voc inclu a pesquisa dentre o mtier do compositor.
O comentrio do professor ficou no ar por alguns instantes. Ento Igor veio com a
frase:
Em seu estado puro, a msica nada mais do que a livre especulao.
Eu no poderia perder a deixa e completei:
Mas no estado impuro incorpora ritmos primitivos e rituais selvagens.
Sem mais gozaes. contestou Igor J bastam as demonstraes de ignorncia da
pretensa crtica especializada.
Foi a vez de o professor manifestar-se:
Esse caso prova que s vezes um suposto fracasso inicial servir para o engrandecimento
pessoal, alm de, posteriormente, explicitar a idiotice alheia.
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Em msica afirmei o erro to importante quanto o acerto.
No s em msica, mas em qualquer domnio onde exista vida inteligente! arrematou o
professor.
A histria eu continuei nos mostra uma srie de fracassos bem sucedidos, que vieram
a influenciar toda uma produo subseqente, comoLes demoiselles dAvignon de Picasso, a
prpriaLe Sacre e a constante cosmolgica.
A constante cosmolgica foi sim um erro. sentenciou o professor.
De maneira alguma. contestei Naquela poca no havia instrumentos tecnolgicos
potentes para se detectar a expanso do universo. Porm, hoje em dia j foi observado que o
universo est se expandindo aceleradamente h pelo menos 5 bilhes de anos. A fora
responsvel por essa acelerao foi chamada de energia escura(um dos maiores mistrios da
astrofsica moderna). Os cientistas acham que ela seja nada menos que a tal constante
cosmolgica, provando, assim, que o gnio estava certo mesmo quando errava.
O professor, ento, sorriu discretamente.
Se pudesse voltar no tempo falei gostaria de assistir a primeira apresentao da
Sagrao.
Josephus, voc gosta mesmo de ver o circo pegar fogo. ironizou Igor.
Voc no me entendeu. Eu queria presenciar a primeira primeira. Aquela verso para
piano a quatro mos, tendo como pianistas ningum menos que Stravinsky e Claude
Debussy.
Que por sinal, ficara de certa forma atemorizado depois de execut-la, dizendo que a pea
lhe parecera um furaco a arrancar nossas vidas pela raiz. Ravel tambm esteve l neste
dia. completou Igor Foi muito divertido.
Caros amigos, o professor nos chamava de volta realidade podemos concluir o assunto
que vnhamos tratando?
Por favor. solicitei.
Igor, deu continuidade o professor Albert nosso colega Josephus pretende propor um
modelo integrado para composio musical. O que acha?
Alguns artistas usam mtodos criativos originrios de sua prpria inventividade. Outros
precisam aprender algumas tcnicas para poder dar vazo a sua vontade expressiva. Entendo,
assim, que modelos so canais eficazes para a operao artstica.
Gostei da resposta Igor. apressei-me em dizer Principalmente porque acredito que os
compositores e artistas em geral so movidos por uma vontade particular de se expressarem.
E lcito supor que mesmo os mais geniais precisem, no incio, de certas diretrizes.
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A questo interpelou o professor Albert no a existncia ou no de um modelo, mas
sim de como faz-lo de forma a no coibir a inventividade.
Os compositores mais inventivos considerou Igor no deixaram mtodos ou escolas.
Veja por exemplo Beethoven e Debussy.
Todavia, adiantei-me em interpel-lo possvel deduzir alguns dos processos que estes
utilizavam e com isso estabelecer algumas balizas ou conjunto de procedimentos para nos
auxiliar.
Voc procura construir um algoritmo composicional? indagou o professor Albert.
Igor no me deixou responder e praguejou:
No me diga que ir se enveredar por caminhos informatizados e robticos retirando da
msica seus ltimos suspiros de humanidade!
Eu me antecipei ao professor e respondi:
O termo algoritmo possui origem na matemtica e, talvez em razo dessa procedncia, faz
pensar imediatamente em um tipo de processo envolvendo clculos ou programas de
computador. Eu carregava essa idia at pouco tempo, quando fui alertado pelo compositor
Rodolfo Coelho de Souza.
De onde esse compositor? perguntou Igor.
Do Brasil respondi.
a segunda vez que ouo falar disso comentou o professor.
Deste compositor? admirou-se Igor.
No, do Brasil. respondeu o professor Estive l em 1925, se me lembro, para dar
conferncias. Fui ao Clube de Engenharia e na Escola Politcnica do Rio de Janeiro. Tambm
fiz uma comunicao na Academia Brasileira de Cincias. Pas engraado, no Clube de
Engenharia o salo estava completamente tomado por embaixadores, generais do exrcito,
representantes dos ministros e engenheiros, muitos deles acompanhados de suas esposas e
filhos. Era evidentemente uma platia apropriada para um espetculo carnavalesco, mas no
para uma conferncia cientfica.
Novamente eu me adiantei e mudei a direo que a conversa tomava:
Fique sabendo Igor, que foi no Brasil onde ocorreu uma das comprovaes da teoria da
relatividade. Houve um eclipse solar em 1919 que permitiu a uma expedio cientfica dupla
(comandada pelo astrofsico e visionrio ingls SirArthur Stanley Eddington), levada a cabo
em Sobral no Cear, verificar que o campo gravitacional solar fazia com que os raios de luz
das estrelas se curvassem quando passavam nas proximidades do Sol. Exatamente como
previsto nos clculos da relatividade geral em 1917.
Bem, pediu Igor voltemos ao algoritmo compositivo.
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Quando pesquisei sobre o assunto, aprendi que o termo no se restringe ao domnio
matemtico-computacional e tomei contato com distintos tipos de algoritmos. De modo
genrico algoritmo pode subentender qualquer conjunto de operaes estabelecidas
previamente com o propsito de se atingir um objetivo especfico. Este objetivo pode ser a
resoluo de um problema matemtico, a logstica de transporte para se fazer entrega de
mercadorias de maneira otimizada, o mapeamento de redes de comunicao, etc. De acordo
com o terico David Cope, em razo dessa abrangncia usa-se algoritmo quando uma
atividade for reduzida a uma srie de regras ou instrues que automatize esta atividade.
E como isso transferido para a msica? indagou Igor, intrigado.
Na msica expliquei algoritmos so empregados de diversos modos e especialmente na
composio aparecem de forma variada. A maneira sugerida pelos tericos para classificao
destas formas observar como o algoritmo participa do processo composicional. Assim
possvel separar duas situaes: os procedimentos que fazem e os que no fazem uso de
computadores. As composies que se valem do computador permitem uma subdiviso:
msica composta pelo computador (quando o algoritmo apto a tomar decises prprias
durante o processo de criao) e a msica composta somente com a ajuda do computador.
Acho que Igor j compreendeu. interveio o professor Albert E estamos certos de que
seu modelo pode ser contado como uma espcie de algoritmo.
Veja aqui Igor: mostrei-lhe um desenho que acabara de fazer em um guardanapo.
C
G G
F F F
E E E E
A A A A A
Eb Eb Eb Eb Eb Eb
Ab Ab Ab Ab Ab Ab Ab
Bb Bb Bb Bb Bb Bb Bb Bb
D D D D D D D D DF# F# F# F# F# F# F# F# F# F#
B B B B B B B B B B B
Db Db Db Db Db Db Db Db Db Db Db Db
C C C C C C C C C C C C C
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Ele limitou-se a olhar a tabela, sem nada comentar. Eu, ento, segui:
O compositor italiano do sculo XVII Giovanni Andrea Bontempi apresentou em 1660 um
modelo para composio a quatro vozes por meio do qual uma pessoa completamente
ignorante na arte da msica poderia comear a compor. Nesta tabela que te mostrei, fiz uma
espcie de pardia do modelo de Bontempi, s que transferido para o domnio atonal.
E como sua aplicao na prtica? perguntou o professor Albert.
A tabela visa formao de agregados acrdicos tendo em vista o estabelecimento de
formaes com maior ou menor tenso ou instabilidade sonora.
De certa forma Persichetti e Costre j fizeram sistematizaes semelhantes. comentou
Igor.
Sim. respondi Mas, no me preocupo com a originalidade. A idia exemplificar um
algoritmo composicional. A tabela construda partindo do pressuposto que o menor nmero
de batimentos entre os intervalos utilizados (conseguidos pela razo matemtica mais
simples) resulta em menor grau de tenso no agregado formado, e vice-versa. O grau de
tenso diminui da esquerda para a direita e no sentido ascendente da tabela, levando em conta
o nmero de notas utilizadas.
Indicado pelas setas. observou o professor Albert.
Exato. respondi.
Eu quero ver como isso funciona musicalmente. desafiou Igor.
Aceitei a provocao e pedi:
Me d ai Igor uma folha de papel pentagramado do seu bloco.
Como voc sabe que estou com o meu bloco?
Papel pentagramado: pronunciei com voz de locutor Dont leave home without it. Acho
mais fcil voc esquecer seus suspensrios do que esse bloco.
Igor tirou uma folha de seu caderno e me entregou. Enquanto escrevia, mostrei-lhes o
mtodo original de Bontempi a partir do qual eu realizara a minha verso.
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Ao terminar, entreguei-lhes a folha com as anotaes musicais que fizera. Ento foi a
vez do professor pedir explicaes:
Como isso aqui?
Acompanhe observando a partitura e a tabela. sugeri Em um agregado de 2 notas, a
menor tenso o intervalo de 8J (marcado com a letra c), extremos da tabela. A maior
tenso, ainda com 2 notas, o intervalo de 2m (letra b). Para um agregado constitudo de 4
notas o agregado de menor tenso o formado pelos intervalos de 8, 5 e 4 justas (letrag), o
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de maior tenso formado pelos intervalos de 2m, 7M e 4aum (letra f). Assim se sucede
at acumular o maior grau de tenso pela utilizao de 13 notas (letra k).
Igor foi o primeiro a se pronunciar:
Obviamente, muitas objees so possveis, pois no garantido que as relaes
matemticas correspondam exatamente s expectativas perceptuais de aumento ou
diminuio de tenso ou instabilidade. Alm disso, a distncia entre os intervalos influencia
fortemente no tipo de batimento percebido, j que um intervalo composto diminuisubstancialmente a percepo de batimentos (usar uma 2m + 4aum com a nota de base
distante de mais de uma oitava vai amenizar a aspereza dos batimentos).
Perfeitamente. admiti Contudo, chamo a ateno ao fato de que essa tabela tem a
funo de exemplificar um procedimento algortmico no encaminhamento composicional,
mesmo permitindo ser utilizada praticamente.
E estando sujeita a controvrsias e contestaes de base psicolgica. finalizou o professor
Albert.
Alis, me lembrei que havia esquecido de responder a uma questo crucial para minhaempreitada: como se do as interaes entre os elementos atuantes em uma composio.
E s agora voc vai tentar respond-la? inquiriu o professor em tom de zombaria.
Exato.
Vamos l ento. impacientou-se Igor.
Temo que a resposta no surpreender. As estruturas postas em jogo na composio
interagem por meio de associaes psicolgicas. declarei em tom simplista.
Ento voc acredita que os componentes musicais, desde uma simples nota, at construes
formais inteiras, passando pelas nuances timbrsticas e elaboraes harmnicas, juntamente
com o desenvolvimento temtico, so unidas por critrios psicolgicos e no acsticos?
Foi Igor quem indagou, mas ele mesmo no me deu tempo para resposta,
completando:
No deixa de ser interessante!
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Professor Albert permanecia calado em seu canto, parecendo divertir-se com o
assunto.
Contudo, prossegui em msica dependemos muito do nosso legado cultural, ou
aprendizado, se preferirem. E em razo disto, somos mais propensos a captar padres e no
elementos isolados.
Continue. pediu o professor.
Enquanto permanecemos neste ambiente, recebemos uma infinidade de estmulos auditivos.
Porm, estes no so percebidos como msica.
E no o so de fato. afirmou Igor categoricamente.
S que, imagine que escutssemos uma seqncia deste tipo:
Mostrei a eles um padro rtmico que desenhara no guardanapo:
Os sons provm das mesmas fontes, ou seja, existem aqui no bar. E no seramos levados a
identificar nesta sucesso rtmico-sonora um padro musical conhecido?
Acho que sim. confirmou o professor.
Em minha opinio eu continuava embalado isso se deve ao fato de j termos
armazenado na memria padres similares para poder compar-los com os novos estmulos.
A partir da posso me certificar de que isso no msica, mas bem poderia ser porque se
parece com algo que aprendi a identificar como msica.
Ento, questionou o professor em razo da similaridade com modelos memorizados, at
poderia considerar estes rudos como msica se os mesmos estivessem organizados no
mbito composicional?
Certamente. afirmei Alm disso, poderia conferir certo significado expressivo a estes
rudos.
No exagere. afetou-se Igor.
Imagine que eu tenha organizado os rudos do bar de maneira semelhante a um rond. Toco
essa parte que escrevi, que vou chamar deA.
Muito original. ironizou Igor.
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Depois apresento outra parte usando somente as garrafas. Em seguida repito a parte A.
Proponho uma nova seo usando mesas e cadeiras percutidas. Re-exponho A. Fao uma
nova variao . . .
Tudo bem, obstou Igor j entendemos. V logo para a coda.
No tem coda. Estou tentando demonstrar um outro aspecto. Digam-me, depois de ouvirem
a pea nesta seqncia: A | B | A | C | qual seria a prxima parte esperada?
Pela lgica seria a parteA novamente. assentiu o professor.
Mas o que aconteceria em suas mentes se no lugar de A eu apresentasse algo totalmente
novo e diferente como um solo de violino?
Diria que voc est bbado. arrematou Igor.
Pois afirmo ser este o fator por impor significado msica. contestei.
Para mim revidou Igor voc est tentando lidar com arte de acordo com clculos
estatsticos.
No matemtica ou arte; retruquei mas, trata-se de uma peculiaridade intrnseca
natureza do ser humano. Se tivesse um dado poderia demonstrar melhor.
Eu tenho um dado aqui.
Igor! admirei-me pra que voc anda com dado no bolso?
Ele no respondeu, dirigiu-se ao professor Albert confrontando-o:
O senhor joga dados, professor?
O senhor no joga dados! Mallarm quem joga. dessa vez o professor foi contundente.
Por favor Igor solicitei jogue o dado.
Ele assim o fez e vimos que o mesmo caiu com o nmero 3 voltado para cima.
Vou lhe pedir para jogar mais uma vez. Qual ser o resultado do prximo arremesso?
Por Zeus, bvio que no tenho como saber. praguejou Igor.
Professor nos ilumine. pedi.
Qualquer dos nmeros tm 1/6 de probabilidade de vir a ocorrer.
Mas voc apostaria no nmero 3?
Acho que no. respondeu Igor intrigado.
Isso porque o 3 j aconteceu. Mas imagine que ao lanar o dado por mais 5 vezes todos os
resultados sejam o nmero 3.
Obviamente deduziu Igor o dado encontra-se adulterado.
Vamos admitir que seja um dado honesto.
Ficaria muito surpreso, certamente.
E neste caso, se pedisse para voc apostar no prximo resultado, em qual nmero
apostaria? Lembre-se que todos os nmeros tm igual probabilidade de ocorrer.
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Acho que nesta situao absurda eu apostaria no 3. balbuciou Igor contrariado.
Porque agora voc j dispe de informaes suficientes para fazer um prognstico sobre o
prximo resultado. Sua mente j criou expectativas de modo que no seria novidade se o
prximo lance de dados resultasse no nmero 3. Todavia, ocorrendo qualquer outro nmero,
voc ficaria surpreendido. A norma virou exceo! E isso tambm recproco para a msica.
O professor Albert, que permanecera em silncio neste nterim, ps fim discusso:
Resumindo Josephus, voc objetiva criar um modelo para composio cuja base
unificadora das interaes entre os componentes envolvidos nas diversas dimenses musicais
se d via associaes psicolgicas.
Eu no teria conseguido enunciar de melhor maneira a minha ambio confirmei.
Mas falta esclarecer um aspecto seguiu o professor . No incio de nossa conversa
falamos sobre os princpios de base da cincia. Qual ser o seu princpio?
Tenho claro para mim que uma pesquisa envolve ao menos trs fases: observao
sistemtica, estudo e experimentao. Em vista disto, meu ponto de partida e fundamento
para aquilo que se constituir enquanto modelo de ao compositiva ser a anlise musical.
E eu tenho claro para mim arremedou Igor que esta conversa tende a descambar para
o hermetismo.
Pela primeira vez o professor Albert riu pra valer, dirigindo-se a Igor:
Pelo que vejo, Igor, voc no adepto das prticas analticas.
Exerccios escolsticos declarou Igor podem ser teis para aqueles que se adestram
estudando modelos. O academicismo no deve encontrar espao fora do conservatrio, os
que esposam um ideal acadmico produzem obras a rigor corretas, mas secas e desprovidas
de sangue.
Ento eu resolvi entrar na discusso:
Discordo frontalmente. Uma anlise pode modificar a escuta. Alm disso, o dilogo entre
msicos, estruturalistas e estudiosos das cincias cognitivas deu novos rumos anlise
musical.
Julgar, questionar e criticar o princpio da vontade especulativa que est na origem de toda
criao , assim, definitivamente intil.
O professor, conciliador, pronunciou-se mudando o foco da discusso:
Comentamos, en passant, a respeito da vontade do compositor em expressar-se por meio de
sua arte. por isso que vocs escrevem msica?
Tenho um dever em relao msica, que invent-la. adiantou-se Igor em responder.
De minha parte procurei ser sincero escrevo porque gosto. Compor me deixa feliz, deve
at ser uma espcie de pulso.
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O professor Albert refletiu com certa nostalgia:
Meu colega Sigmund dizia que o motivo de fazermos certas coisas o fato de no poder
faz-las de outro modo. Somos aquilo que somos, porque devemos s-lo em virtude de
causas orgnicas.
Alm disso, atestei a cada pea que realizo exorcizo alguns fantasmas interiores e
economizo nas sesses de terapia.
Felicidade, pulso, fantasmas, desdenhou Igor voc no me enrola com essas
baboseiras. Pelo contrrio, fiquei penalizado e por isso vou te ajudar.
Viva Josephus! alegrou-se o professor Albert Conseguiu um mestre de grande calibre.
Igor antecipou-se em perguntar:
Vocs conhecem a Tbua de Esmeralda?
O que que voc est bebendo Igor? no pude evitar a zombaria.
Achei que havia citado o hermetismo no sentido de interpretao, e no na sua faceta
esotrica. tentou ponderar o professor, apesar de no conseguir esconder a risada; ao que
Igor retrucou:
J que voc, Josephus, no perde a oportunidade de desfilar conhecimentos de almanaque,
deveria saber que cientistas como Giordano Bruno e filsofos como Roger Bacon
debruaram-se sobre questes do hermetismo.
Minha dosagem de chope escuro ainda no est alta o suficiente para levar esse assunto a
srio.
Se bem me lembro, retomou o professor a Tbua de Esmeralda um texto milenar
atribudo ao semi-deus greco-egpcio Hermes Trimegistus.
E tambm resolvi entrar no jogo considerado como o texto impulsionador da alquimia
europia, do ocultismo oriental e de toda tradio hermtica posterior.
Mas a estria no acaba a. dessa vez Igor foi categrico Voc bem sabe Josephus que
dediquei boa parte de meu tempo pesquisando sobre a lenda de Fausto.
Sim. confirmei Fausto realiza um pacto com o maligno. Nesse acordo, ele consente em
entregar sua alma ao Diabo que, em troca, se tornaria seu servo por 24 anos. Findo esse
prazo, Fausto conduzido ao inferno.
O professor s escutava, achando graa e, talvez, imaginando aonde esta conversa
poderia levar. Igor prosseguiu:
O pacto com o ser maligno encontra-se na base de vrias lendas oriundas de diferentes
povos. Em 1587 foi publicado em Frankfurt Das Faustbuch (O Livro de Fausto), uma
coleo de autor annimo contendo diversos contos relatando as proezas de mgicos,
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feiticeiros e magos medievais conhecidos pelo nome de Fausto. Esse livro foi rapidamente
traduzido e publicado em diversos pases.
O professor resolveu se pronunciar:
Fausto, no entanto, tornou-se clebre no mundo ocidental aps a publicao do drama
literrioFausto, de Goethe, em que se narra a aliana contrada entre Fausto que, no desejo
de obteno da eterna juventude, barganha sua alma com Mefistfeles.
S que Goethe escarneceu Igor fez a lenda tornar-se um drama de carolas. Ele
introduziu outra personagem ao conto: a figura da mulher herona. Alm disso, na verso de
Goethe, Fausto encontra a redeno graas a seus prprios esforos e mritos. Ao fim, sua
alma arrancada de Mefistfeles pelos poderes do Cu.
Voc precisa parar de beber. disse eu No est mais se concentrando nos assuntos. O
que isso tem a ver com a Tbua de Esmeralda?
Calma! pediu Igor Vou chegar l. Quando pesquisava sobre a lenda de Fausto acabei
por descobrir onde se encontra a Tbua de Esmeralda.
Eu e o professor nos encaramos e, aps uma frao de segundos, camos no riso. Igor,
no entanto, no se fez de rogado e prosseguiu:
Andei demais para coletar materiais sobre a lenda e por isso acabei visitando inmeros
vilarejos ao sudoeste da Sua. Em um destes recnditos locais conheci um velho msico que
se dizia descendente distante dos Mendacem. Eu reparei que o velho at que possua uma
tima moradia e notava-se claramente que gozava de uma vida confortvel se comparado s
condies pauprrimas daquelas cercanias. Aps conversarmos sobre o mote de minha visita,
indaguei-lhe se ganhava a vida de alguma outra maneira alm da msica, pois notara a
superioridade de suas posses em relao aos demais cidados daquele povoado.
Vai ver ele se elegeu para algum cargo poltico. provoquei.
O professor Albert tambm aproveitou o ensejo para dar vazo a sua verve
humorstica:
Quem sabe o velho trabalhava em alguma escola da regio? Exercendo qualquer cargo,
exceto o de professor.
Igor, sem fazer conta das nossas pilhrias, prosseguiu:
O velho pensou um pouco e me confrontou: vou lhe fazer trs perguntas, se concordar
com sua argumentao, em troca responderei s suas curiosidades.
Voc logicamente aceitou, pois no tinha mesmo nada a perder. considerou o professor.
Obviamente. admitiu Igor Assim foram as questes do velho e minhas respostas:
1) O preciso para ser um bom compositor?
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Minha resposta: preciso ter amor. O processo criativo exige uma fora dinmica, e que
fora mais potente do que o amor? Somente pelo amor somos capazes de penetrar a ntima
essncia do ser.
2) O que um compositor deve fazer para ser reconhecido?
Prontamente contestei: o que d o verdadeiro prestgio ao artista so seus imitadores.
Pequenos artistas emprestam, grandes artistas roubam.
3) Onde reside a maior fonte de inspirao?
Revidei rapidamente: da encomenda de produtores ou de algum mecenas.
Demonstrou muita argcia e presena de esprito Igor. declarou o professor.
Igor sorriu e comentou mordaz:
Na verdade fiz o mesmo que nosso colega Heitor, atirei umas frases de efeito e inventei
estrias mirabolantes como os reprteres adoram.
Igor, agora mais inspirado, continuou sua estria:
Tive ento minha vez de interpelar o velho compositor. Aproveitei para assuntar sobre os
meios que lhe proporcionaram aquela situao confortvel.
J antevejo o que vem por ai disse o professor Albert.
Ele, ento, revelou-me que possua a Tbua de Esmeralda.
E voc espera realmente que acreditemos nessa patacoada? perguntei.
Josephus recriminou Igor , voc muito seguro a respeito das coisas. Deixe-me terminar
e depois decida continuar ou no com suas certezas.
Esse negcio de velho, de Tbua e de Fausto de longe a coisa mais bizarra que j
inventou.
O professor aproveitou para digredir:
Se as certezas da fsica atual esto baseadas no Princpio da Incerteza, o que mais
poderemos achar bizarro?
Ao contrrio do pensamento de alguns, seguiu Igor a Tbua no s um amontoado de
cdigos a serem decifrados, mas tambm um conjunto de procedimentos que, quando
interpretados e aplicados corretamente, conduzem ao sucesso aquele que os realizou.
Parece-me a descrio de uma apostila metodolgica. disse eu.
No faa pouco caso do desconhecido Josephus. O fato que a Tbua tinha sua
funcionalidade.
E como esse velho conseguiu a Tbua? interpelou o professor.
Igor balbuciou como quem conta um grande segredo:
Foi-lhe legada atravs de seus antepassados e . . . ai que a coisa fica estranha.
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Professor, perguntei por acaso achou algo de lcido at agora? Pois j viu que vai
piorar!
O professor j no mais tentava disfarar o riso. Igor continuava impassvel ante
nossas piadas:
O vilarejo onde este velho morava era chamado de 'Lausodunon'. A histria desse povoado
remonta poca do Imprio Romano quando as unidades militares l montaram um
acampamento. Com o declnio do poderio de Roma o assentamento, j bem aumentado em
tamanho, deslocou-se para o local onde Lausanne est localizada atualmente, s margens do
lago Lman. Durante as guerras napolenicas, em 1803, tornara-se a capital do recm
formado canto suo Vaud e, posteriormente, foi encampada pela Federao Sua. Porm,
durante a Idade Mdia, a cidade foi governada pelo duque de Sabia, pelo bispo de Lausanne
at passar para subordinao de Berna de 1536 a 1798, perodo no qual um sem nmero de
tesouros culturais, incluindo as tapearias penduradas na Catedral, foi transferido para Berna.
Bonita estria, vov Igor. provoquei.
Pare de caoar Josephus, porque esta no mais uma de sua coleo de efemrides. A
Tbua de Esmeralda quase foi perdida neste roubo de relquias, mas foi salva por Mendacem
Abscondi, tio-av do bisav do velho. Essa famlia era clarum salterium facitore e dada a
importncia contumaz de sua ocupao foi poupada pelos Berna miltibus, conseguindo assim
preservar a Tbua.
E o tal velho descendia dessa famlia?
Sim, confirmou Igor ele foi um realplebis imaginarium descendit.
E pelo que deduzo, aproveitou o professor para manifestar-se no idioma to caro aos
cientistas esse sujeito era tambm umsalterium magister.
Brilhante e correta deduo. confirmou Igor.
E esse ancio ainda est vivo? perguntei.
No. Morreu sem deixar herdeiros.
Igor foi to convicto ao responder que por pouco no passei a acreditar nessa estria
maluca.
E qual foi o fim da tal Tbua? indagou o professor.
Est comigo! sentenciou Igor.
Em meio a gargalhadas, eu consegui dizer:
Bem ensinava Baudolino di Galiaudo o mundo premia os poetas que mentem apenas sobre
coisas grandiosas.
Deve ter custado uma fortuna. provocou o professor.
A Tbua no pode ser vendida.
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Por que? questionei.
Igor respondeu como se dissesse a coisa mais bvia do mundo:
Porque seu valor inestimvel. Alis, minto, s h uma condio que permite a venda da
tbua.
Qual?
Ela poder ser vendida para aquele que conseguir estimar seu valor.
Mas o valor da tbua no inestimvel? perguntei confuso.
Naturalmente. respondeu Igor.
Ento nunca poder ser vendida!
Elementar meu caro professor.
Ento como fez para conseguir a Tbua? voltei a confront-lo.
A Tbua de Esmeralda s pode ser trocada por algo muito valioso.
No v me dizer que barganhou a Tbua pela sua alma. brinquei.
Nem minha alma est altura de fazer jus a tamanha relquia sentenciou Igor.
Ento . . . (eu e o professor encarvamos Igor j preparados para o que viria a seguir)
A filosofia por detrs da Tbua perpetuar seu legado. Assim no dado a ningum se
apoderar dela para sempre, pois isso findaria a tradio. explicou Igor.
Diga logo impacientou-se o professor o que deu em troca dessa tbua?
Algo muito valioso para mim . . . meu Concerto para Percusso e Orquestra.
Nunca ouvi falar dele, tampouco li a seu respeito em tratados de musicologia.
Mas bvio, se o Concerto foi barganhado!!
E onde voc colocou essa tbua? perguntou o professor.
Est bem guardada. completou Igor no se fazendo de rogado Mas estou disposto a
trocar a tbua com voc Josephus.
Oh! E a que devo a concesso de tal honraria?
Como disse anteriormente, esclareceu Igor me senti penalizado pela falta de bons rumos
em sua atuao composicional.
E o que vai querer em troca?
Voc decidir. S lhe advirto que deve ser algo realmente valioso para voc.
s gargalhadas, finalizamos nossas bebidas. Professor Albert, ento, pronunciou-se:
Bem cavalheiros, assim como vocs, eu tenho que ir andando procurar pelo Santo Graal da
fsica moderna: a Teoria da Grande Unificao.
Eu o acompanho at a rua. ofereceu-se Igor E Josephus, minha proposta continua
vlida.
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Nos despedimos porta do bar. Professor Albert e Igor seguiram pela alameda lateral.
Eu caminhei devagar rindo sozinho e olhando os astros no firmamento ...
As idias rodavam violentamente em minha cabea no pela alta dosagem de chope
escuro, mas pelo contedo da nossa conversa. Todavia, neste emaranhado epistmico eu
sabia muito bem qual seria meu prximo passo: colocar essas idias no papel. Tratarei de
questes ligadas msica com o objetivo de construir um modelo composicional tendo como
princpio a integrao de algumas tcnicas analticas. Este texto ser permeado por aportes
sobre percepo musical, visando a fornecer-lhe uma fundamentao nas cincias cognitivas.
Como tenho predileo pela msica do Brasil analisarei, predominante, a obra de
compositores brasileiros. Em homenagem a esses notveis cientistas/artistas, que me
apresentaram a lugares fantsticos, usarei guisa de epgrafe as gravuras de Maurits Escher,
revolucionrio merecedor de minha mais profunda reverncia e admirao. Ao final, esse
modelo ser posto prova valendo-se dele para compor obras de esttica e formao
variadas, e poder at servir para a pedagogia da composio musical. Se assim no
acontecer, ainda posso troc-lo pela Tbua de Igor.
Deixei, ento, a escola e fui para casa escrever minha tese.
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Captulo 1
O SENTIDO DA ANLISE MUSICAL
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Maurits Escher: Three Worlds(1955, litografia).
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Introduo
Anlise entendida como o processo de decomposio em partes dos elementos que
integram um todo. Essa fragmentao tem como objetivo permitir o estudo detido em
separado desses elementos constituintes, possibilitando compreender quais so, que funo
desempenham e como se conectam de modo a gerar o todo de que fazem parte. Justifica-se
esse procedimento por admitir-se que a explicao do detalhe sobre o conjunto conduz a um
melhor entendimento global. No caso da msica, o processo pode ser pensado em duas etapas
bsicas: identificao dos diversos materiais que compem a obra em questo (as estruturas
gerativas) e definio (constatao e explicao) da maneira como se articulam e interagem
fazendo a obra funcionar (o processo composicional). Anlise decomposio.
Composio sntese.
Em maior ou menor grau, essa definio de anlise musical encontrada nas grandes
obras de referncia sobre msica.Harvard Dictionary, The New OxfordCompanion to Music,
Science de La Musique, Dictionnaire de la Musique, Dizionario Enciclopedico Uneversale
Della Musica e Dei Musicisti,so alguns exemplos de obras que compartilham dessa idia.
Entendimento semelhante tambm pode ser verificado em um dos maiores compndios
existentes sobre msica, o Groves Dictionary. Todavia, no Grove algumas curiosidades
podem ser notadas. A primeira publicao do Grove ocorreu em 1878, contudo o verbete
sobre anlise musical s foi includo na sua sexta edio, em 1980. At ento, a meno
anlise musical era encontrada no verbete distantemente aparentado notas de programa. As
notas de programas eram definidas como anotaes em programas de concertos sobre a
msica a ser interpretada, tambm chamadas de notas analticas (1954, p.941). A edio de
1980 traz o verbete Analise assinado por Ian Bent, tpico tambm presente na verso online
de 2001, mas com ligeiros acrscimos realizados por Anthony Pople.
O entendimento da anlise musical como apresentado inicialmente mantido no
verbete original de Bent que, dentre outras consideraes, apresenta a seguinte definio:
decomposio de uma estrutura musical nos seus elementos constitutivos mais simples e a
investigao desses elementos no interior dessa estrutura (BENT, 1980, p.340). Contudo, na
publicao de 2001 o peso desse aspecto da definio minimizado por meio de uma
inverso de pargrafos na estruturao do texto. Geralmente, os verbetes do Groveobedecem
um esquema de iniciar com um pargrafo introdutrio contendo uma definio genrica do
termo e depois ampli-los, realizando um aprofundamento do assunto. Nesse pargrafo
introdutrio da edio de 1980, Bent comea com a definio acima citada e termina dizendo
que a anlise musical pode comportar a definio ampla de ser a parte do estudo da msica
que tem como ponto de partida a msica em si mesma, desvinculada de fatores externos
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(BENT, 1980, p.341). Na edio de 2001, os pargrafos so invertidos, iniciando com a
definio mais geral (estudo da msica em si), o que faz com que essa idia adquira uma
maior relevncia em detrimento da definio anterior da decomposio em partes.
Embora possa parecer apenas um pormenor, essa referida inverso aponta
(propositadamente ou no) para uma das principais ocorrncias presenciadas no campo da
anlise musical: sua emancipao e cristalizao enquanto campo autnomo do estudo da
msica. Os trs momentos citados do Grove so sintomticos dessa situao: a anlise
musical, antes simples apndices em notas de programas, caminha para avaliao da obra por
meio da decomposio de sua estrutura nos seus elementos constituintes e, finalmente,
adquire autonomia suficiente para poder prescindir dos diversos fatores que compem o fato
musical. Seria esse percurso reflexo de uma atitude positivista que ascenderia a anlise ao
estatuto de cincia? Se o fenmeno musical um produto cultural como consider-lo
desvinculado do contexto que o gerou?
Bent deixa claro, pelos desdobramentos observados no seu texto, que est consciente
dessas questes, e eu tambm sou cnscio da quase impossibilidade de realizar uma definio
completa e absoluta do conceito de anlise musical. Todavia, me proponho partir da sntese
conceitual lograda por Bent e refletir sobre os fatores que possibilitaram a elaborao dessa
definio. Em que contexto histrico foi formulada? Quanto, atualmente, a anlise musical
afastou-se ou no dessa definio? Para tanto, diversos textos de renomados autores sobre
anlise musical sero confrontados, servindo de base para as discusses e especulaes aqui
tratadas em busca dessesentido trilhado e comportado pela anlise musical. Objetivo assim, a
uma melhor compreenso das ocorrncias e desdobramentos que se deram no campo da
anlise musical no sculo XX, realizado por meio de um acompanhamento mais detido em
alguns escritos sobre esse assunto; todavia, as duas ltimas edies do Groves Dictionary
serviro como eixo condutor deste captulo.
Trs tpicos em destaque
Dos trs momentos anteriormente comentados (a passagem do uso da anlise como
auxlio nos programas de concerto, para procedimento de segmentao da msica, e sua
posterior emancipao) os dois primeiros so indicadores de instncias especficas e podem
ser entendidos como provenientes, respectivamente, das atitudes crtica (avaliao ou
apreciao esttica da msica) e pedaggica (ligada ao ensino da composio). O terceiro
passo, entretanto, ao colocar relevo na autonomia da anlise musical, possui qual intuito ou
provenincia? O que a msica tem a lucrar com isso? Para tentar obter essas respostas
retomarei, resumidamente, os dois momentos iniciais.
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Anlise e Crtica
Bent situa os primrdios da anlise musical na classificao realizada pelo clero
Carolngio, que consistiu na determinao dos diferentes modos usados na composio das
antfonas de seu repertrio litrgico. Segundo Bent, os grupos de modos tambm recebiam
uma subclassificao de acordo com sua finalidade as diferentes aplicaes dos tons da
salmodia. Michel Huglo, autor do verbete Tonary no prprio Grove, ressalta que a compilao
dos tonarius foi freqentemente copiada em outros livros litrgicos, tais como antifonrios,
graduais, troprios, etc., residindo ai a base para o vocabulrio da teoria modal, na qual a
descrio padro dos modos litrgicos se desenvolveu (cf: HUGLO, 1980, p.55). Vislumbra-
se ai, o primeiro indcio de um procedimento analtico fornecendo fundamentos para uma
teoria musical (assunto considerado adiante).
Dunsby e Whittall entendem, no entanto, que o tratado de Aristoxenos (sculo IV a.C.)
j possui caractersticas que poderiam ser consideradas analticas. Concordam, porm, que
esses marcos (tratado de Aristoxenos e compilao do clero Carolngio) constituem-se de uma
forma muito incipiente da anlise musical. A origem desta, como a entendemos atualmente,
residiria na atitude esttica de meados do sculo XVIII. Assim admitida, a anlise encontrar-
se-ia desde sua origem vinculada apreciao crtica de obras de arte. fato, tambm, que
qualquer anlise traz um certo juzo implcito na atitude do analista. Os detalhes e pontos
relevantes, a maneira e a extenso da discusso a estes dedicados e sua ordem de
apresentao, so decises particulares do analista que subentendem uma atitude crtica.
No final do sculo XVIII j possvel observar uma pequena expanso dos escritos
sobre anlise musical por conta da multiplicao de jornais e peridicos e pela apario dos
programas de concertos comentados. Um certo pioneirismo pode ser atribudo a J. Fr.
Reichardt, um dos fundadores da Sociedade Berlim (1783), cujas notas sobre os concertos j
tratavam de aspectos rtmicos, acompanhamento, melodia, harmonia, modulao, esta, muitas
vezes abordada sobre os aspectos tcnico e psicolgico. No incio do perodo romntico a
anlise musical continuou a tradio de Reichardt, atingindo o apogeu nas crticas escritas por
Schumann e Hoffmann. Em seus textos, Hoffmann metodicamente distinguiu entre anlise da
tcnica composicional e interpretao do contedo musical, marcando, assim, o fim da
doutrina dos afetos. Ele escreveu para a revista AMZ Allgemeine musikalische Zeitung de
1809 at 1815. Schumann, contemporaneamente a Hoffmann, enumerou os quatro pontos sob
os quais uma obra deveria ser considerada: forma (conjunto, partes separadas, perodo, frase);
composio musical (harmonia, melodia, escritura, estilo); de acordo com a idia particular
que o artista desejou representar; segundo o esprito que subjaz forma, ao material e idia.
Esses so exemplos que refletem o processo realmente compreendido como analtico, no qual
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o analista se debrua sobre uma obra especfica e estuda seus componentes em separado
almejando atingir uma melhor compreenso da sua totalidade. (Essa atitude reside at hoje,
embora haja certas controvrsias com relao diviso entre procedimentos analticos e
tericos, que sero comentados adiante). Tambm era propsito dessa empresa analtica
determinar que a natureza de um trabalho completo e a relao entre suas partes podem ser
apreciadas esttica e intelectualmente. Transparece, assim, a idia de organicidade, em voga
no perodo, princpio que p
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