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Michael Schudson

Descobrindo a notícia

Uma história social dos jornais nos Estados Unidos

Tradução de Denise Jardim Duarte

(ti  EDITORA

VOZES

P e t r ó p o l i s

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Coleção Clássicos da Comunicação Social

- O pi ni ão públ i ca  

 W alter Lippmann

- A const r ução da not íci a  

Miquel Rodrigo Alsina

- A Teor i a da A genda - A mídia  

e a op i ni ão públ i ca 

Maxwell McCombs

- D escobr i n do a not íci a   - Uma h ist ór ia  soci a l dos j o rna i s nos Est ados U n idos 

Michael Schudson

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Schudson, MichaelDescobrindo a notícia : uma história social dos

 jornais nos Estados Unidos /Michael Schudson ;

tradução de Denise Jardim Duarte. - Petrópolis,R J : Vozes, 2 010 . - (Coleção Clássicos daComunicação Social)

Título original: Discovering the news :a social history of American newspapers

Bibliografia

ISBN 97 8-85-326 -3972-1

1. Jornalism o 2. Jornalismo - Estados Unidos -História 3. Jornalism o - Objetividade 4. Notícias

 jornalísticas I. Título .

10-00089 CDD-071.3

índices para catálogo sistemático:

1. Estados Unidos : Jornalismo : História

social 071.32. Jornalismo norte-americano : História

social 071.3

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A objetividade torna-se ideologia

N. * O jornalismo depois da I Guerra Mundial

Nada, até agora, explica a paixão do século X X pela “objetividade”.O surgimento de uma sociedade democrática de mercado contribuiu

para extinguir a crença nas autoridades tradicionais, mas este fato por si

só não garantiu uma nova autoridade. Numa democracia, quem gover

nava era o povo, não a “gente superior”, e um voto era tão bom quanto o

outro. N o m ercado, as coisas não continham valor em si mesmas; o valor

era o resultado aritmético de um conjunto de fornecedores e consumidores em busca de seus próprios interesses. E, numa sociedade urbana e

instável, um senso de comunidade ou de público não tinha qualquer sig

nificado transcendente - de fato, uns respondiam aos outros com o se se

tratassem de objetos, em vez de semelhantes, e confiavam em procedi

mentos impessoais e nas instituições - a publicidade, as lojas de departa

mento, a escola formal, os hospitais, os bens produzidos em massa e aseleições em geral - em vez de se fiar nas relações pessoais. Tu do isso cen

trava a atenção sobre os “fatos”. Tudo contribuía para o que Alvin

Gouldner chamara de “cultura utilitarista”, na qual a ordem normativa

passava de uma série de mandamentos para se executar o que é correto a

uma série de advertências prudentes para se adaptar realisticamente ao

que existe. Precisamente quando Freud estava a diagnosticar as patologi

as do superego dominador, o superego e a exortação moral mostra

ram-se em recuo diante do ego e da dimensão cognitiva da experiência.

O realismo, e não a religião, tornou-se a luz-guia. Ainda assim, apesar do

que parece ser a lógica relativista de uma sociedade democrática de m er

cado e uma cultura utilitarista, não foram muitos os que se deixaram le

var pela desconfiança da objetividade ou realidade de seus próprios va

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lores. A Era Progressista, poderíamos dizer, desejava abraçar a ciência,

mas não sabia como fazê-lo1.

As últimas décadas do século X IX e os primeiros anos do século X Xassistiram ao surgimento da universidade norte-americana, à proliferação

das associações profissionais e ao início da “administração científica” na

indústria e no governo municipal, mas isso não eqüivalia a uma crença na

objetividade - e tampouco a originou. Nem após a I Guerra Mundial,

quando o valor da sociedade democrática de mercado fora por si só radi

calmente questionado e a sua lógica interna, exposta, tinham os líderes,no jornalismo e em outras áreas, como as ciências sociais, experimentado

plenamente a dúvida e o ceticismo que a democracia e o mercado estimu

lavam. Só então é que o ideal da objetividade, entendido como declara

ções consensualmente validadas sobre o mundo, com base numa separa

ção radical entre fatos e valores, passa a se estabelecer. Contudo, ele surge

não tanto com o uma extensão do empirismo ingênuo e da crença nos fatos, mas como uma reação contra o ceticismo; não se tratava de uma ex

trapolação linear, mas de uma resposta dialética à cultura da sociedade de

mocrática de mercado. Não representava, enfim, a expressão final de uma

crença nos fatos, mas a imposição de um método projetado para um mun

do no qual nem mesmo os fatos poderiam ser confiáveis.

Perdendo a confiança na sociedade democrática de mercado

O editor James A. Wechsler recorda o início da década de 1930

como o tempo do “desespero democrático” e do “pessimismo ranzinza

sobre o futuro democrático”. Ele se lembra de ter sido abordado, como

calouro na Universidade de Columbia, em 1931, pelo Presidente Nicho-las Murray Butler. Butler dissera que havia apenas dois métodos para se

1.Cf. GOULDNER, A.W. (The Corning Crisis of Western Socio/ogy.  Nova York: Avon Books, 

1970), para um a discussão sobre a "cu ltura ut i l i tar ista". Para observações s obre a mud ança do  

que p od eríamo s ch amar de cul tura do superego em uma cul tura do ego , cf . Chr is topher Lasch 

{Haven in a Heart /ess Worid. No va York: Basic Books , 1977, p. 23) e A llen Wh eelis {The Qu est fo r   

fdent i ty . No va lork: W. W. No rton , 1958). Um a obra que inf luenciou fo rtem ente a orientação des-te capítulo acerca da história intelectual das d écadas de 19 20e 1930 foi The Crisis o f Dem oc rat ic  

Theory, d e Edw ard Purcell {Lexington: University Press of Kentucky, 1973).

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leção de líderes no século X X : eleição e ditadura. Entre esses sistemas,

prosseguia Butler, a ditadura “parece conced er autoridade e poder a ho

mens muito mais inteligentes, de caráter muito mais forte e muito maiscorajosos, em comparação ao sistema de eleição”2.

Esse pensamento não era apenas o cinismo de um antidemocrata

isolado. Mussolini era uma figura popular nos Estados Unidos na década

de 1920 e início da década de 1930, e seu “pragmatismo” atraía tanto

conservadores como liberais desiludidos com a dem ocracia e o capitalis

mo3. Tam bém não representava simplesmente o desespero de um tempode crise. Mesmo no auge da prosperidade da década de 1920 ou, parti

cularmente, entre intelectuais liberais, reinava um profundo pessimismo

acerca da democracia política. Walter Lippmann, em Public Opinion 

(Opinião Pública, de 1922), tinha começado a despachar o “público” da

posição que a retórica da democracia havia traçado para ele. Em The 

Phantom Public  (“O Público Fantasma”, de 1925), Lippmann mostra-seainda mais severo e crítico acerca dos ideais democráticos. “O cidadão

de hoje”, escreveu ele na frase de abertura do livro, “tem se sentido um

pouco como um espectador surdo na fileira de trás, que deve conservar a

mente no mistério lá longe, mas não consegue se sair muito bem no que

diz respeito a se manter estimulado”. Questões públicas não são as ques

tões do cidadão privado: “Elas são, em sua maior parte, invisíveis. Sãotodas controladas, se é que chegam a ser controladas, em centros distan

tes, nos bastidores, por poderes anônimos”. O que não abre um preâm

bulo para uma convocação às armas ou um apelo à política progressista.

Lippmann observa que os estudiosos costumavam escrever livros sobre

votação, mas “Agora estão começando a escrever livros sobre o não

voto .” N ão era culpa do cidadão, nem mesmo a falta de um sistema político decente, concebido com justiça. A culpa, em vez disso, argumenta

Lippman, vem do “ideal inatingível” de cidadania. Não há sabedoria es

pecial na vontade da maioria. Ao contrário, é mais provável encontrar a

sabedoria entre os iniciados, especialistas na prática de governar. Votar é

2. Ap ud WECHSLER, J. The Ag e o f Suspic ion.  Nova York: Random House, 1953, p. 16.3. Sobre a popularidade de Mussolini nos Estados Unidos, na década de 1920, cf. DIGGINS, J.  

Mus sol in i and Fasc ism:   The Vie w fro m A m erica. Princeton: Princeton Univers ity Press, 1972.

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um procedimento excepcional que autoriza o público a agir apenas

quando surge um problema. Problemas surgem somente se alguém con

testa a política atual - enqu anto existir um acordo geral, o público não tem interesse em política, e nem deveria ter. O povo não governa e nem

deveria governar; no máximo, ele apoia ou se opõe aos indivíduos que

governam. Votar, escreveu Lippmann, é:

[ ...] u m ato de alistamento, um alinham ento a favo r ou co n-

tra, uma mobilização. Estas são metáforas militares e, com  

razão, penso eu, para uma eleição baseada no princípio da 

regra da maioria, é histórica e praticamente uma sublimada 

e desnaturada guerra civil, uma mobilização de papel, sem  

violência física4.

The Phanton Public dirigiu sua retórica contra “os reformadores da

democracia”, que colocaram esperança demais no público - um grupo,

Lippmann argumenta, que eles nunca definiram ou compreenderam ade

quadamente. De modo secundário, o livro atacava os cínicos que apontavam muito facilmente para “o que uma democracia confusa estava fazen

do de suas pretensões para o governo”. De acordo com Lippmann, esses

críticos concluem que o público é ignorante e intrometido, provavelmen

te por natureza; não conseguem ver que a principal diferença entre os go

vernantes e os governados é aquela entre iniciados e leigos, que a educa

ção para a cidadania e a educação para o ofício público deve, e deveria ser,diferente. Dessa forma, Lippmann tenta reservar um lugar em sua análise

para a opinião pública; ele tenta traçar um caminho pragmático entre uma

fantasia democrática e uma desesperança democrática. Isso exprimia al

guma esperança para o futuro. Mesmo assim, na esteira de um século de

otimismo em relação à democracia, a concepção de Lippmann sobre a

questão do público era rígida; ele havia ajustado sua própria confiança,ao reduzi-la a um tamanho que não suscitaria paixão ou promessa.

Isso é tão mais notável quando se compara os escritos de Lippmann

dos anos 20 com o seu pré-guerra Drift and M astery  (1914). Ali, como

muitos outros nas décadas seguintes, ele diagnosticou o problema da

vida moderna como a perda da autoridade. O mundo estava à deriva,

4. Cf. LIPPMA NN, W . The Phantom Publ ic . Nova York: Harcourt, Brace, 1925, p. 58.

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sem ninguém no comando. Porém, havia uma solução. Num certo senti

do, é a mesma solução que Lippmann ofereceria mais tarde - a ciência, mas

com uma diferença. Em Drift and Mastery, o pensamento científico é “o irmão gêmeo” da democracia na política. “Enquanto o absolutismo cai”, es

creveu Lippmann, “a ciência se ergue. Isso é  o governo autônomo”. Lipp

mann concluiu o livro em um tom quase milenar: “O espírito científico é a

disciplina da democracia, a libertação de uma corrente, a perspectiva de um

homem livre”5. De fato, em Drift and Mastery, Lippmann expressa a sua

crença na possibilidade de os cidadãos comuns operarem grandes mudanças: o consumidor tornava-se um centro de poder na política; o movimento

sindical e o movimento das mulheres começavam a efetuar uma transvalo-

ração dos valores. Nada poderia estar mais distante do Lippmann de Public 

Opinion e The Phantom Public. Quand o o autor recorreu à ideia da ciên

cia, nos anos de 1920, ele a tomava como a regente ou aceleradora da

vontade popular, mas não o próprio motor democrático.A desesperança a respeito da democracia aprofundou-se nos anos de

1930, com a força crescente das ditaduras na Alemanha e Itália e a evi

dente im potência do governo dos Estados Unidos no in ício da década de

1930 em lidar com a depressão. “Epitáfios para a democracia são a

moda do dia”, escreveu Felix Frankfurter em 1930, embora ele próprio

se mostrasse mais esperançoso6. “A democracia representativa parece teracabado em um beco sem saída”, disse Harold Laski aos leitores da Ame-

rican Political Science Review  em 1 9 3 2 ; o complacente otimismo de ape

nas 50 anos antes havia sido eclipsado por um “mal-estar instituc ional”7.

Estava-se muito longe da era progressista quando, em 1937, os editores

da The New Republic apresentaram uma série de artigos sobre “o futuro

da democracia” com as seguintes palavras: “Em nenhum momento desde o surgimento da democracia política foram os seus princípios tão seria

mente desafiados como hoje”8. Os velhos progressistas encontravam-se

5. LIPPMANN, W. Dr i f t and Mastery .  Nova York: Mitchell Kennerly, 1914, p. 275276.

6. FRANKFURTER, F. "Democracy and the Expert".  A t lan t ic Mo n th ly , 146, nov,/1930, p. 649.

7. LASKI, H.J. "The Present Posit ion of Representative Democracy".  A m er ic an Po li t ical Scien ce Review,  26, 07/04/1937.

8. The New Republ ic , 90, abr./1937.

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perplexos com a complexidade dos problemas políticos e econômicos

dos anos de 19 30. W illiam Allen W hite admitiu, em 19 38 : “Eu não sei o

que é certo [...]. Não sou tão inteligente quanto costumava pensar queera”. E Ray Stannard Baker, em 1936, disse: “Disso eu tenho certeza.

Não posso resolver [...] os enormes problemas que agora assolam o

mundo. Na m aioria das vezes eu não consigo entendê-los. Os fatores são

complexos demais”9.

O pessimismo sobre as instituições da democracia e do capitalismo

nos anos de 1930 tinha raízes nas dúvidas da década de 1920 a respeitoda coletividade e da natureza humana, dos valores tradicionais e os co

nhecimentos adquiridos. O espírito das corporações nos anos de 1920

flutuava, e havia um sentimento de libertação na ciência social, nas artes

e na vida social da boêmia urbana. Mas a libertação para uma nova cul

tura acompanhou uma rápida desintegração da antiga, e muitos pensa

dores sérios começaram a temer que as novas estruturas das artes e dasciências estivessem sendo erguidas sem fundações10. Roscoe Pound, de

cano dos filósofos do Direito norte-americano, sentia o mal-estar que

afetava o pensamento social e a vida social quando se dirigiu à classe de

graduação de Wellesley, em 1929. Da Reforma até o século XX, disse

ele, a nota dominante na cultura ocidental era a “confiança” . M as a falta

de confiança tinha dominado o século XX. A psicologia levou-nos a desconfiar da razão; a desconfiança da razão levou-nos a duvidar de nossas

instituições políticas. A ciência, outrora o esteio da confiança , “tem ensi

nado a desconfiança de si mesma”. Os estudantes de hoje, Pound obser

va, falam com orgulho de sua desilusão. Nenhuma ilusão os engana e

9. Wh lte e Baker são citados resp ect iv amen te nas p. 98 e 179 de GRA HA M JR. A n En core f o r Re 

forrrr. Th e Old Progressives and th e New Deal. Nova York: Oxford University Press, 1967.

10. Sobr e ot im ism o c orrente no s anos de 1920, cf . SCHLESINGER JR., A.M. Theolo gy and Poli 

t ics from the Social Gospel to the Cold War: The Impact of Reinhold Niebuhr (In: STROUT, C.  

(org.). In te l lec tua lHis tory in Am er ica. Vol. 2. Nov a York: Har p era n d Row , 1968, p. 158171), qu e 

tom a o Evangelho Social e o pragm at ismo d e Dewey nos anos de 1920 com o um a impo rtante 

fonte de ot imismo. Um art igo muito importante é "Shi f t ing Perspect ives on the 1920's" , de  

Henry F. May (Mississippi Vaf/ey Histórica/ Review,  43, dez./1956, p. 405427). May distingue  

t rês v isões contem porân eas dos anos de 1920: a do mu ndo d os negócios, que era muito o t imis-

ta, a dos cient istas sociais, tam bém ot im ista, e a dos intelectuais l i terários, que viam a década d e 

1920 co m o um período de decl ín io. May conclui qu e, de um mo do ou de outro, "a desintegra-

ção" do s ant igos valores e estruturas era o tema com um da época.

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Descobrindo a notícia 149

“franqueza” é uma de suas palavras favoritas. A física, a biologia e a eco

nomia se depararam com a complexidade e a aleatoridade, em vez da

simplicidade e a ordem que algum dia acreditaram estar presentes nomundo. A história já não acreditava em fatos, mas apenas nos julgamen

tos subjetivos dos historiadores. O mais devastador de tudo era a des

confiança da razão que a psicologia havia estabelecido:

Em lugar de razão, temos desejos subconscientes, desejos  

reprimidos, tendências comportamentais enraizadas, pre-

disposições habituais, que são diferentes para cada unidade 

econômica individual. Em lugar de esclarecimento, nós te-

mos bem , talvez glândulas11.

A resposta de Pound para a crescente consciência do irracional era a

precaução contra a idolatria: “O irracional é um fato, não um ideal. De

vemos contar com ele, mas não somos obrigados a exaltá-lo”. Todavia,

sua própria afirmação era modesta. Ele preservava a confiança, num

mundo que de um modo geral carecia disso, porque, dissera ele, havia

sido educado no século XIX, antes de a razão ter sido posta em dúvida.

Nenhuma exp licação de sua própria posição poderia melhor indicar que

Pound escrevera em tempos de desilusão, e que ele próprio fora profun

damente afetado pelo hábito co rrente de se reduzir ideias às biografias.

A desconfiança da razão de que Pound falava assumia diferentes for

mas. Politicamente, significava uma desconfiança da sociedade e uma

dúvida de que instituições representativas poderiam alguma vez agir

com prudência. Já vimos isso, de forma moderada, em Lippmann. Lipp

mann falara para uma corrente de pensamento mais ampla e profunda

que teve início no final do século X IX , com uma erupção de escritos sobre

as “massas” e o comportamento das massas. Muitas dessas obras eram an-

tiliberais, atacando as ordens inferiores e mesmo atacando a classe média,

sob um ponto de vista aristocrático: em parte da literatura europeia, as

massas eleitorais, os júris e os parlamentos estavam ligados às multidões e

motins como exemplos de sujeição das massas a preconceitos e instintos

primitivos. Leon Bramson, em seu estudo relativo ao contexto político

do pensamento sociológico, argumenta que as obras norte-americanas

11. POUND, R. " The Cult f the Irration al". Wef/es/ey A /um nae Magazine,  13, ago./1929, p. 368.

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sobre as massas não eram antiliberais. Sociólogos norte-americanos inter

pretaram as massas como um viveiro de novas instituições, atendendo às

necessidades que uma ordem social anterior não havia conhecido12.Em bora isso possa ser verdade para a sociologia acadêm ica, visto que se

desenvolveu nos Estados Unidos, os antiliberais europeus influenciaram

diretamente o pensamento norte-americano para além da sociologia. A

obra The Behavior o f Crowds  (19 21 ), de Everett Dean Martin - que ficou

de fora do estudo de Bramson por não ter sido escrita por um sociólogo

profissional - era antiliberal, fo i extensivamente lida e citada com aprovação por Lippmann em Public Opinion   (1922). Lippmann observa que

Gustave LeBon, um dos principais escritores franceses antiliberais, era

tido com o um “profeta” por aqueles que, nos Estados Unidos, se mostra

vam mais céticos em relação à atuação racional da vontade popular.

Edward L. Bernays, uma das principais figuras no desenvolvimento das

relações públicas na década de 1 920 , foi influenciado pelo livro de M ar tin, por LeBon e, naturalmente, pelo próprio Lippmann13.

Embora Bramson esteja certo em apontar as diferentes ênfases do

pensamento norte-americano e europeu - os europeus concentrando-se

nas “massas” e os norte-am ericanos no “público” - ,o que parece mais

importante aqui é que tanto na Europa como nos Estados Unidos o sig

nificado de “público” e “opinião pública” mudava na mesma direção , noinício do século X X . A opinião pública, como W .H . M ackinnon a defi

niu em 1828, era “aquele posicionamento relativo a qualquer assunto

que é reconhecido pelas pessoas melhor informadas, mais inteligentes e

virtuosas da comunidade, e que é gradualmente estendido e adotado por

quase todos os indivíduos com alguma educação, ou de bons sentimen

tos, em um estado civilizado”14. Na Inglaterra, essa “opinião pública”serviu com o uma arma da classe média levantando-se contra a aristocra

12. BRAMSON, L. The Pol i tical Co ntext o f Socio/ogy.  Princeton: Princeton University Press, 

1961, p. 62.

13. BERNAYS, E.L. Biography o f an ldea\  Memoirs of Public Relat ions Counsel Edward L. Ber-

nays. Nova York: Simon and Schuster, 1965, p. 290291.

14. Ap ud PEEL, J.D.Y. Herbert Spencer. Nova York: Basic Books, 1971, p. 70. Cf. Emden (The Peop/e 

and the Consti tu tion.  Oxford: Clarendon Press, 1933, p. 312315), para uma explicação sobre a 

mudança de acepção de "o povo" .

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cia”15. Algo semelhante ocorria nos Estados Unidos, onde “o povo”, no

início do século XIX, era um termo usado para se referir à classe mé

dia16. Se, todavia, a opinião pública era a voz da classe média contra aaristocracia no início do século X IX , a partir do princípio do século X X

ela era considerada pela classe média como a voz de um outro grupo, a

larga massa de pessoas sem nenhum direito ao privilégio da educação e à

virtude da racionalidade da classe média. A opinião pública já não era o

leitor ao qual James Gordon Ben nett, H orace Greeley ou Samuel Bowles

se dirigiam em letras miúdas e compactas, e editoriais prolixos; o público agora eram as massas urbanas que gostavam de grandes manchetes,

ilustrações enormes e fotografias, e uma escrita moderna e picante. Na

verdade, o jornalismo mais antigo nem tinha sido tão digno e fundamen

tado como alguns gostavam de lembrar, e a própria classe média instruí

da gostava de manchetes e um toque picante mais do que se gostaria de

admitir. Mas, ao mesmo tempo, ela sentia uma grande necessidade de sedistinguir do restante do público leitor, pois já não reconhecia na “opini

ão pública” o que poderia admitir como sendo a sua própria voz, a voz

da razão. As classes profissionais agora inerpretam a opinião pública

como sendo irracional e, portanto, algo a ser estudado, dirigido, mani

pulado e contro lado. As profissões desenvolveram uma atitude proprie

tária em relação à “razão” e uma atitude paternalista para com o público.A desconfiança, não tanto da razão como da capacidade do público

em fazer uso dela, tinha a ver com a sensação da classe média de estar

cercada pelas massas urbanas e com a inquietação do homem branco an

glo-saxão na descoberta de que sua voz já não era tão claramente a mais

alta do mundo. Em uma notável monografia sobre a história do conceito

de “atitude”, Donald Flem ing observa que o atual uso da palavra é relativamente novo. Ele argumenta que “atitude” passou a ser um termo de

uso geral, bem como de uso cien tífico, no final do século X IX e início do

século X X , quando as sociedades eram confrontadas com a tarefa de re

15. PEEL. Herber t Spencer . Op. cit., p. 70.

16. WILLIAMSON, C.  A m er ic an Su ffrag e fro m Prop erty to Dem o cracy , 1760-1860.  Princeton: 

Princeton University Press, 1960, p. 185. Will iamson cita o uso pelo Connect icut Courant ,  em  

1817, de um a dist inção entre "o p ovo " (the p eo píe ) num a referência à classe média e "o po-

pu lacho" ( the pop ulace).

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152 Coleção Clássicos da Comunicação Social

definir a condição humana, para incluir bebês, crianças, adolescentes,

indivíduos com transtornos mentais, povos primitivos, camponeses, imi

grantes, negros, moradores de favelas, massas urbanas, o proletariado e,acima de tudo, as mulheres. Uma vez que a sociedade política se expan

dia para incluir mais do que o homem branco nativo, as elites passaram a

modificar sua percepção sobre o que seria a natureza humana. A maioria

das novas categorias de pessoas que as elites tiveram que considerar ti

nham sido “com frequ ência concebidas com o seres passionais, incapazes

de sustentar a racionalidade”. Em vez de lhes atribuir racionalidade, oscientistas sociais e outros estudiosos começaram a reconceber a natureza

humana em geral, substituindo um termo como “convicção”, que acen

tuava a racionalidade humana, por outros como “atitude” e “opinião”,

que indicavam que o pensamento e a expressão humanos mesclavam a

razão e a paixão17.

Essa foi uma resposta ao mundo social heterog êneo das cidades. Durante a urbanização, escreveram os historiadores H.J. Dyos e Michael

Wolff, “uma cultura dominante é sempre confrontada por novos grupos

de pessoas previamente cogitadas como indignas de consideração”. Ao

falar sobre as cidades na Inglaterra vitoriana, eles demonstram que hou

ve um mútuo reconhecimento e distanciamento entre a classe média e a

classe trabalhadora. Isso era algo distintamente m oderno, “a capacidadede percepção sustentada” de outras culturas:

O que a cidade vitoriana começava a fazer [...] era permitir  

que essa percepção permanente das diferenças nas condi-

ções sociais tivesse lugar. Aqu i, quase que pela prim eira vez, 

havia uma perspectiva visível do avanço de classes inteiras, 

mas, mais do que isso, uma ativa consciência entre as clas-

ses m ais baixas da sociedade sob re as diferenças elimináve is na qualidade da vida humana. Foi a cidade que permit iu  

que tais co isas foss em co ns ideradas18.

17. FLEMING, D. " At it tude: The His tory o f a Concept". Perspect ives in Am er ican History , 1,1967, 

p. 287365.

18. DYOS , H.J. & WOL FF, M. 'T h e W ay W e Live Now " . In: DYOS, H.J. & WOL FF, W. The Victorian  

City. Vol. 2. Londres: Routledge and Kegan Paul, 1973, p. 396.

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Descobrindo a notícia 153

Naturalmente, a situação nos Estados Unidos não era idêntica, mas

a cidade norte-americana possibilitava que tais coisas fossem vistas tam

bém. A classe média do país, no final do século X IX e cada vez mais de-s J

pois disso, começou a se mudar das cidades para os subúrbios, criando

uma segregação residencial por classes que as áreas metropolitanas nun

ca tinham conhecido. Os esforços dos mais abastados para se isolar mol

daram a geografia política do país em novas formas na década de 1 92 0.

Em 1916 , havia leis de zoneamento em apenas dezesseis municípios nor

te-americanos; até o final dos anos de 1920, oitocentos se encontravamzoneados e 60% da população urbana do país vivia sob as regras de zo

neamento19. O juiz David C. Westenhaver não achou nenhuma ambigüi

dade nos objetivos das ordenanças de zoneamento quando se decidiu

contra o zoneamento (sua decisão foi anulada) no caso histórico de Vil 

lage ofEu clid  versus Am blerRealty:  “Em última análise, o resultado a ser

alcançado é classificar a população e segregá-la de acordo com seus rendimentos e situação de vida”20. No mesmo período, o Congresso apro

vava restrições à imigração. Embora os representantes do Sul, do Oeste e

de áreas rurais do país tivessem encabeçado a luta para restringir a imi

gração, eles também encontraram apoio de centros do poder em cidades

do Leste. Em 1916, o The New Republic  sugeriu que a democracia mo

derna “não pode permitir [...] que os males sociais sejam agravados pelaimigração”. O New York Times, assim como o Saturday Evening Post,

elogiaram em editoriais o influente folheto racista de Madison Grant,

Pa ssingofthe Great Race. Faculdades e universidades, incluindo Colum

bia e Harvard, instituíram ou ajustaram quotas sobre judeus21.

A confiança na democracia foi perdendo terreno para os receios da

irracionalidade - e do presumivelmente irracional, as massas urbanas, osimigrantes, os judeus. Naturalmente, havia uma nova esperança, a de

controlar com eficiência a irracionalidade. Mas se alguns reformadores

19. TOL L, S.\.Zon ed Am er ican . No va York: Gros sm an, 1969, p. 193.

20. Apu d TOL L Zoned Am er ican .  Op. cit., p. 224.

21. Cf. HIGHAM, J, Strangers in the Land.  Nova York : A th eneu m , 1963, p. 271, 278, 302. Cf. tb. 

GREENBAUM, W. " Am erica in Search o f a New Ideal: A n Essay on th e Rise of Plural ism". Har

vard Educ at iona! Review, 44, ago ,/1974, p. 411440.

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154 Coleção Clássicos da Comunicação Social

acreditavam que modelar o governo e as organizações sociais em co nfor

midade com a eficiente empresa comercial era uma solução, outros com e

çavam a considerar isso com o parte do problem a. “A invasão da com unidade pelas novas, relativamente impessoais e mecânicas formas de com

portam ento humano com binado”, escreveu Jo hn Dewey, “é o fato mar

cante da vida moderna”. Organizações impessoais, no lugar das relações

cara a cara, dominavam a época, observou Dewey em The Public and its 

Problems  (O Público e seus Problemas). Os indivíduos contavam com

menos; as organizações impessoais, com mais. A própria expansão e intensificação da interação social que havia criado um “público” também

levou aos controles impessoais que tornaram impossível ao público o

exercício de suas próprias razões22. A democracia ainda crescia formal

mente; o Movimento Progressista havia introduzido a iniciativa, o refe

rendo, o recall, a eleição direta de senadores e as primárias populares. A

décima nona emenda à Constituição finalmente deu às mulheres o direito ao voto, em 19 20 . M as de alguma forma o controle popular do gover

no parecia mais distante do que nunca.

Na econom ia, bem como na vida política, o público parecia mais ex

cluído da tomada de decisões exatamente num momento em que, formal

mente, estava mais envolvido. Em The Mod em Corporation and Private 

Property  (A Moderna Sociedade Anônima e a Propriedade Privada, de193 2), Adolf A. Berle e Gardiner C. M eans observaram que a transferên

cia da riqueza industrial da nação, da propriedade individual à proprieda

de por grandes corporações, significava o divórcio entre a propriedade

empresarial e o controle dos negócios. Com informações sobre 144 das

200 maiores corporações em 1930, Berle e Means descobriram que três

contavam com um total acima de 200 mil acionistas; 71 tinham 20 mil oumais, e 124, 5 mil ou mais. Na maioria dos casos, as ações detidas pela ad

ministração chegavam a apenas uma pequena porcentagem do total. A

obra The Modem Corporation and Private Property é  um réquiem para o

pequeno capitalista independente, cuja propriedade dos bens envolvia um

contro le ativo, e que obtinha “valores espirituais” da propriedade. Berle e

22. DEWEY, J. The Publ ic an d Its Problem s.  Nova York: Henry Holt, 1927.

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Descobrindo a notícia 155

Means retratavam o antigo capitalista que amplia a sua personalidade por

meio da posse. Q uando a riqueza estava na terra, o proprietário podia uti

lizá-la diretamente e ela assumiria um valor subjetivo que não poderia terna forma de ações. Na propriedade de ações, o investidor poderia fazer

uso de seus bens apenas por meio de vendas no mercado. O controle efeti

vo do patrimônio havia sido transferido dos proprietários para os “auto

cratas econômicos” que dominaram as corporações23.

Em termos formais, os ideais tradicionais estavam sendo decreta

dos: cada vez mais pessoas entravam para o mercado como pequenos

“capitalistas” independentes, assim como mais e mais pessoas estavam

formalmente aptas a tomar parte na política, pelas urnas. O mercado,

como a democracia, estava crescendo. Entretanto, enquanto a participa

ção formal se expandia, o controle substancial evaporava, e a voz do pe

queno investidor não podia mais ser ouvida além do barulho dos adminis

tradores corporativos, e menos ainda os murmúrios do cidadão eleitor

podiam ser ouvidos diante do ruído do imperialismo administrativo - o

prefeito ou administrador da cidade tomando o poder do vereador, o

presidente assumindo o controle do Congresso.

Co m o na política e na vida social e, portanto, nos assuntos econôm i

cos, as instituições e indivíduos em posições de influência reconsidera

ram e reconceberam o “público”. Nos negócios, as corporações passa

ram a reconhecer  um público pela primeira vez: as empresas passavam da

atitude de ignorar o público, ou amaldiçoá-lo, no século XIX, a aconse-

lhá-lo e acomodá-lo por meio das relações públicas, no século XX. O

“público” que surgia era tanto de investidores como consumidores. Na

primeira década do século X X , a indústria leve, os com erciantes de vare jo retalhistas e outros negócios, cada vez mais escolhiam oferecer emis

sões de ações públicas para atender às suas necessidades de capital. Ao

mesmo tempo, a poupança crescia e a conseqüente disponibilidade de

fundos para investimento estimulava um interesse geral na com pra de tí

tulos. O s bancos de investimento cortejavam pessoas com apenas alguns

23. BERLE, A .A. & ME A NS, G.C. The Mo de m Corporat ion and Pr ivate Property [A mod erna socie-

dade anônima e a propriedade privada]. Nova York: Harcourt/Brace/World, 1968, p. 6465,116.

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156 Coleção Clássicos da Comunicação Social

milhares de dólares ou mais para investir. A companhia Lee, Higginson 

contratou o primeiro vendedor de títulos em 190 6 , e rapidamente trans

feriu a maior parte de seus negócios de títulos de estradas de ferro parautilitários e indústrias, cujas taxas de juros mais elevadas atraíam o pe

queno investimento em busca de um rápido retorno. A I G uerra Mundi

al novamente estimulara o pequeno investimento, quando as pessoas se

acostumaram a comprar títulos da Liberty. Algumas firmas inicialmente

estruturadas para vender títulos de guerra, a exem plo da Federal Securi 

ties Corporation , em Chicago, deram continuidade às suas técnicas de

vendas de guerra para com ercializar outros títulos após o conflito. A F e -

deral Securities  prosseguiu em sua prática com serviços especiais para

mulheres e investidores estrangeiros24.

Não havia somente um público crescente de investidores, mas um

vasto público de consumidores. As corporações nacionais, no final do

século X IX , usavam os jornais e as revistas para anunciar diretamente

aos consumidores. Na década de 1920, a compra a prazo, particular

mente de automóveis, tornou-se uma característica importante dos gas

tos familiares, levando John Dewey a observar que a compra tinha se

tornado tanto um dever na sociedade empresarial do século X X quanto

a econom ia o tinha sido na sociedade individualista do século X IX 25. Ascompanhias de finanças pessoais se multiplicavam. Os elementos famili

ares do mundo foram redefinidos em termos de consumo. As crianças,

por exemplo, outrora consideradas um modesto recurso econômico,

passaram a ser vistas como a fon te das principais despesas26. O crescente

reconhecimento, por muita gente, de que os Estados Unidos estavam se

24. CA ROSS O, V.P. Inves t iment Bank ing in A mer ica:  A History. Cambridge: Harvard University  

Press, 1970, p. 237. Sobre a democratização da propriedade das ações, cf. KIRKLAND, E.C.  A

His tory o f Am er ican Economic L i fe.  Nova York: F.S. Crofts, 1941r p. 656657. ■ Mc DONA LD, F. 

Insu/ i. Chicago: University of Chicago Press, 1962, p. 185, 203205.

25. DEWEY, J. ind iv idua/ ism Oid and New   [Velho e novo individualismo]. Nova York: Min  

to n/Bal ch , 1930, p. 44.

26. LYND, R.S. & HA NSON , A.C. "Th e People as Con su mers " . In: President 's Research Comm it - 

tee on Soc ial Trends   [Pesquisa do Com itê sob re Tendênc ias Sociais do Presidente). Nova York: 

Mc Graw HilI, 1933, p. 862864.

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Descobrindo a notícia 157

tornando uma “sociedade de consumo”27 levou alguns pensadores libe

rais a exortar a reconstrução da política norte-americana sobre as bases

de um movimento dos consumidores28. Eles eram muito otimistas, mas

acertaram o alvo ao reconhecer a crescente importância da economia do

consumo e seu manejo. Mesmo a ascensão do pequeno investidor pode

não ter indicado o alargamento do domínio da propriedade ativa tanto

quanto a consumerização da posse, o acordo da propriedade.

As relações públicas se desenvolveram no início do século X X como

uma profissão que respondia ao público, recém-definido como irracio

nal, e não analítico; espectador, e não participante; consumidor, e não

produtivo, e que ajudava a moldá-lo. Ela produziu um impacto de longo

alcance sobre a ideologia e as relações sociais cotidianas do jornalismo

norte-americano.

O declínio dos “fatos” no jornalismo

Existe uma tal aversão nos círculos intelectuais pelo próprio concei

to de relações públicas que é difícil acreditar que as relações públicas de

Ivy Lee, Edward L. Bernays e outros pioneiros nas primeiras três décadas

do século X X tivessem sido, sob muitos aspectos, progressistas. Um inci

dente que simbolizou as novas relações públicas ocorreu em 1906, logo

após Ivy Lee ter sido contratado com o consultor de relações públicas da

Pennsylvania Railroad . Acontecera um acidente na principal linha fér

rea, próximo a Gap, Pensilvânia. As estradas de ferro tradicionalmente

27. As impl icações fenom enológicas de v iver em u ma "so ciedade de consum o" não mereceram  

muita atenção acadêm ica. Peter d'A. Jones escreveu u ma história eco nô mic a dos Estados Uni-

dos int i tulada The Consu mer Society.  Harmondsworth: Penguin Books, 1965. Ele percebe que 

os Estados Unidos vêm se tornando uma sociedade plenamente "consumidora" a part i r dos  

anos d e 1920, mas se recusa a dizer muita cois a sob re o que isso signif ica para além d e um au-

m ento na renda pess oal dispo nível. Mais sugest ivo é BELL, D. The Cultu ral Contradict ions o fCa- 

pita/ ism. Nova York: Basic Books, 1976, p. 6572. O interesse de Bell em relação às compras a 

prazo r etom a o tema de Dewey . Tam bém , ainda, de grand e interesse, é a obra de RIESMAN, D., 

GLAZER, N. & DENNEY, R. The Lonely Crow ed.  New Haven: Yale University Press, 1961.

28. Esses inclu íam os edito res da New Repub /i c ; Walter Lippmann e Walter Weyl. Cf. FORCEY,

C. The Crossroads o f Libera/ ism.  Londres: Oxford University Press, 1961, p. 82, 165.

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158 Coleção Clássicos da Comunicação Social

tentavam abafar as notícias de acidentes29. Lee, ao contrário, chamou os

repórteres ao local do desastre à custa da ferrovia. Um acidente na cen

tral de Nova York logo depois foi encoberto, como de costume. Mas, àluz da nova política da Pensilvânia, os repórteres se irritaram e deram

uma cobertura desfavorável para o caso da central nova-iorquina30. Esse

foi o começo de uma nova relação entre as estradas de ferro, então as

maiores e mais poderosas corporações do país, e a imprensa e o público

leitor. A insistência de Lee na “franqueza absoluta” em relação à Pennsyl 

vania Railroad   forçou as outras ferrovias a seguirem o exemplo.Ivy Lee era filho de um pastor metodista. Ele crescera no Sul, estudara

em Princeton e, em 18 99 , com eçara a trabalhar com o repórter em Nova

York, primeiro para o  Journal, depois para o Times  e, finalmente, o

World. Mudou, então, de área, passando a trabalhar com publicidade e es

tabelecendo a firma Parker and Lee.  “Precisão, Autenticidade, Interesse”

era o lema que os sócios, aparentemente, levaram a sério. A Editor and Pu-blisher,  geralmente hostil às relações públicas, admitia que a Parker and 

Lee   nunca tentava enganar, mas enviava cópias para a imprensa “com a

declaração franca de que aquilo é do interesse do cliente e que nenhum di

nheiro será pago por sua inserção nas colunas de nenhum jornal”31.

Lee, de modo geral considerado o “prim eiro” agente de relações pú

blicas, foi certam ente um dos mais conscientes. Era um publicista determinado para as relações públicas em si. Entre 1924 e 1925, expressou

seu ponto de vista em pronunciamentos para a American Association o f  

Teachers o f Journalism   (Associação Americana de Professores de Jorna

lismo) e também para o Advertising Club o fN ew York  (Clube de Publici

dade de Nova York). Ele argumentava que a propaganda, que definia

simplesmente como “o esforço para propagar ideias”, era aceitável desde que o público soubesse quem era o responsável por ela. Lee baseou

essa postura relativamente espontânea em relação à propaganda numa

29 .Prat ica! Journa l ism,  de Edwin L. Shuman (Nova York: D. Appleton, 1903, p. 36), dá um  

exem plo disso em sua descr ição sobre a form ação " t íp ica" d e um repórter .

30. HIEBERT, R.E. Cour t ier to the Crowd :  Th e Story of Ivy Lee and the Dev elop m ent of Public Re lations. Ames: Iwoa State University Press, 1966, p. 57.

31. A pu d HIEBERT. Court ier to the Crow d. Op. cit, p. 50.

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Descobrindo a notícia 159

atitude distintamente moderna e desiludida no que diz respeito aos “fa

tos”. Ninguém, disse ele citando Walter Lippmann com aprovação,

pode apresentar a totalidade dos fatos sobre qualquer assunto. A próprianoção de “fato”, ele considerava suspeita: “O esforço para estabelecer um

fato absoluto é simplesmente uma tentativa de alcançar o que é humana

mente impossível; tudo o que posso fazer é lhe dar a minha interpretação 

dos fatos”32. Lee negava implicitamente que o desinteresse fosse possível,

para um indivíduo ou instituição. “Todos nós”, disse ele, “estamos incli

nados à tentativa de pensar que o que serve aos nossos próprios interessesseja também do interesse geral. Estamos muito propensos a enxergar tudo

através de óculos coloridos conform e nossos próprios interesses e precon

ceitos”33. Enquanto essa percepção, ao cair em certas mãos, era tratada

como uma sociologia do conhecimento usada como crítica, para Lee era

uma epistemologia cínica utilizada para defender a prática da atividade

das relações públicas. Uma vez que todas as opiniões são suspeitas, todastêm igual direito a um lugar no fórum democrático.

Edward L. Bernays, que, juntamente com Lee, era o publicitário

mais proeminente das relações públicas, adotou uma linha similar.

Como Lee, ele negava que houvesse algo errado com a propaganda. “A

propaganda”, escreveu ele em 19 23 , “é um esforço dirigido e proposital

para superar a censura - a censura da mentalidade coletiva e da reaçãoem massa”34. Bernays, sobrinho de Sigmund Freud e homem sensível às

fontes irracionais do pensamento hum ano, baseou-se na obra de Everett

Dean Martin e William Trotter, em seu Crystallizing Public Opinion ,

para argumentar que os juízos políticos, econôm icos e m orais são “mais

frequentem ente expressões da psicologia das massas, da reação em mas

sa, do que o resultado do exercício calmo dos julgamentos”35. QuandoLee salientava que a opinião era interesseira, Bernays argumentava que

32. LEE, I.Pub/ ic i ty . No va York: Industries Publish ing , 1925, p. 21. Cf. o edi torial crít ico " Lee and 

Publicity" {Jour nalism Bullet in, 2, jun ./1925, p. 16), e tam bém a, de m od o geral favo rável, análise 

" The Case for Publicity", de John Cun lif fe, direto r da Columb ia School o f Jou rnalism , em Jour

nal ism B ul let in, 2,  nov./1925, p. 2326.

33. LEE. Publicity.  Op. cit., p. 38.34. BERNAYS, E.L. Crystal l izing Pub lic Opinion .  Nova York: Horace Liveright, 1923, p. 122.

35. Ibid, p. 214.

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160 Coleção Clássicos da Comunicação Social

era irracional. De qualquer maneira, a opinião não era autêntica ou fide

digna. Essa ideia guiou Bernays, assim com o Lee , em direção a uma lógi

ca libertária para as relações públicas:

Na luta entre as ideias, o ún ico critério é o qu e o jurista Hol 

mes, da Suprem a Corte, apon tou: o pod er do p ensamento  

para se fazer aceito na concorr ência aberta do m erc ado 36.

As relações públicas careciam muito de uma base lógica. As revistas

especializadas em mídia com frequência atacavam as relações públicas

durante os anos de 1 92 0 e na década de 19 30 . O Editor and Publisher te mia que os agentes de relações públicas ajudassem as empresas a promo

ver como notícia o que de outro modo teria sido comprado com o publi

cidade. O veículo denunciou os agentes de publicidade em geral como

“apropriadores de espaço” e, em particular, Bernays, como uma “amea

ça”37. Bernays cunhou o termo “conselheiro de relações públicas”, no

início da década de 1920, para insistir que ele representava um novoprofissional, num novo papel, e não o velho agente de publicidade do sé

culo XIX. “Isso não era uma mera diferença de nomenclatura, não era

nenhuma m odificação eufemística”, recorda Bernays em sua autobiogra

fia, mas eufemismo era exatamente o que os outros enxergavam nisso.

 American Language, de Mencken (1936), rechaçou o termo como eufe

mismo, enquanto Stanley Walker, editor de cidade do New York H erald Tribune, irreverentemente o agregou, com uma mescla de outros ter

mos, em um ensaio de 1932, publicado na Harpe fs :

[...] conselheiros de relações públicas, anunciantes de publi-

c idade, advo gados no tribunal da opinião pú bl ica, embaix a-

dores da boa vontade, moldadores da opinião de massa, 

vanguardistas, portavozes, trapaceiros, vadios e assisten-

tes especiais do presidente38.

O ensaio de Walker captura a receosa resposta dos editores e repór

teres em respeito às relações públicas. A resposta dos gerentes de negócios

dos jornais era inequívoca: eles se opunham às relações públicas. A equi

36. Ibid., p. 215.

37. BERNAYS. Biography o fan t dea . Op. cit., p. 288.

38. WALKER, S. "Playing the Deep Bassoons". Harper 's , 164, fev./1932, p. 365.

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Descobrindo a notícia 161

pe editorial era mais ambivalente. O ensaio de Walker está cheio de um

hum or jovial que desliza sobre uma estranha mistura de antipatia, repug

nância, rivalidade e um austero afeto dirigido ao agente de relações pú

blicas. W alker observou, com dissimulado desânimo, que os 5 m il agen

tes de relações públicas de Nova York excediam em número os jornalis

tas, que as escolas de jornalismo produziam mais relações públicas do

que jornalistas e que metade ou mais das notícias na imprensa diária ti

nham origem n o trabalho dos relações públicas. M as a zombaria teve fim

quando W alker concluiu que o agente de publicidade e o jorn al são inevitáveis inimigos, e que será sempre assim, apesar do anseio de alguns

agentes de relações públicas por um código de ética e um status  profis

sional, “qualquer coisa que os leve para fora do distrito da luz vermelha

das relações humanas”39.

A própria imprensa fora parcialmente responsável pelo crescim ento

da publicidade, ou propaganda. (Hoje, a publicidade ou as relações públicas seriam chamadas de “propaganda” apenas como um epíteto, mas,

nos anos de 1920, tanto “publicidade” como “propaganda” eram ter

mos um tanto novos; ambos tinham cono tações desagradáveis - apesar

de no caso de “propaganda” isso ser ainda mais acentuado - e eram utili

zados, até certo ponto, de forma compatível.) Nelson Crawford, em seu

bem-considerado texto The Ethics o f Journalism,   de 1924, sustentavaque a imprecisão dos jornais e o hábito dos repórteres de dar mais espa

ço àqueles que lhes forneciam “cópias datilografadas de declarações, en

trevistas pré-produzidas e material similar” encorajava o emprego das

relações públicas por particulares e organizações40. Todavia, os jornalis

tas desdenhavam as “notas para a imprensa” que utilizavam e se ressentiam

dos agentes de publicidade com quem trabalhavam. “Por que é, então,que este amável cavalheiro”, perguntou um repórter do New York World 

sobre Ivy Lee , “que fornece tantos bons artigos, é, em geral, tão malvisto

39. Ibid. p. 370.

40. CRAWFORD, N.A. The Ethics of Journ al ism .  Nova York: Alfred A. Knopf, 1924, p. 160. O 

muckrak ing   tamb ém est imulara nos negócios uma preocup ação com a pu bl ic idade e inspirou  

esforços para o desenvolvimento das relações públicas. Cf. BENT, S. Bal lyhoo.  Nova York:  

Boni/Liveright, 1927, p. 134.

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162 Coleção Clássicos da Comunicação Social

pelos jornalistas?”41 A resposta não é difícil de imaginar. As relações pú

blicas ameaçavam a própria ideia da reportagem. A notícia parecia estar

se tornando menos um relato dos acontecimentos mundiais do que a ree-

dição  daqueles fatos no universo de fatos que atraíam o interesse espe

cial de quem poderia se dar ao luxo de contratar assessores de relações

públicas. Era justamente como Ivy Lee dissera: não existem fatos, tudo é

interpretação. Repórteres reflexivos não gostavam de contar com os

agentes de publicidade, mas a facilidade com que os agentes eram capa

zes de usar os jornais para os seus próprios propósitos surpreendia até

mesmo os próprios agentes. Depois de uma campanha publicitária que

ganhou um espaço de jornal considerável em razão de uma doação de

Rockefeller para a Johns Hopkins University, Ivy Lee escreveu o seguin

te, para seu mais famoso e fiel empregador, John D. Rockefeller:

Em vis ta do fato de que essa não era realmente uma notícia, 

embora tenha recebido tanta atenção por parte dos jornais, é de se presumir que isso se deva inteiramente à maneira 

como o material foi "embalado" para o consumo do jornal. 

Essa evidência parece sugerir possibilidades muito impor-

tantes ao longo dessa linha42.

O consultor de relações públicas, alardeava Bernays, “não é mera

mente um provedor de notícias; ele é, mais logicamente, o criador da

notícia”43. Isso era exatamente o que os jornalistas temiam.

Havia outra razão para os jornalistas não gostarem das relações pú

blicas: elas minavam as relações sociais tradicionais da confraria do jor

nal. Repórteres que se deliciavam em ir aos bastidores em busca da notí

cia estavam agora parados na entrada do palco. Mas os profissionais de

relações públicas pareciam estar em toda parte. “O problema da propa

ganda”, disse Nelson Crawford a estudantes de jornalismo, “é sério”.

Ele estimava que um grande jornal recebia 150 mil palavras diárias pro

venientes de material de relações públicas44. Frank Cobb, do New York 

World, observou, em 1919, que havia cerca de 1.200 agentes de publici

41. PRINGLE, H., apud HIEBERT. Courtier to the Crowd. Op. cit., p. 302.

42. Ap ud HIEBERT. Courtier to the Crowd.  Op. cit., p. 114.

43. BERNAYS. Cristailizing Publi c Opinio n.  Op. cit., p. 195.

44. CRAWFORD. Ethics of J ournal ism .  Op. cit., p. 162.

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Descobrindo a notícia 163

dade empregados em Nova York antes da Guerra, mas esse número ha

via rapidamente aumentado desde então:

Quantos existem agora eu não tenho a pretensão de saber, 

mas o que eu sei é que muitos dos canais diretos para notícias 

foram fechados e a inform ação para o púb lico é filtrada pri-

meiro através dos agentes de publicidade. As grandes cor-

porações os cont ratam, assim como os bancos, as ferrovias, 

todas as organizações empresariais e de ativ idades sociais e 

políticas, e eles são o meio pelo qual as notícias chegam. 

Mesmo os estadistas contam com eles45.

Era exatamente assim. Agências governamentais e funcionários pú

blicos, bem como empresas, cada vez mais faziam uso das relações públi

cas. Como uma atividade consciente do governo, esse era um empreen

dimento novo e assustador o suficiente para provocar alguma controvér

sia. O Congresso insistiu, em 1908, em alterar a Lei de Diretrizes Orça

mentárias Agrícolas para registrar que “nenhuma parte dessa verba deverá ser paga [...] para f...] a produção de qualquer jornal ou artigo de re

vista”. Em 1910, o Congresso questionou, mas não agiu contra a manu

tenção de um “gabinete de imprensa” do Census Bureau  (o gabinete de

recenseamento). Em 1913, após uma nova investigação no Congresso

sobre o trabalho de publicidade das agências federais, foi aprovada uma

lei negando o uso de qualquer verba para o pagamento de “especialistas

em publicidade”, a menos que especificamente designados pelo Con

gresso. Mas a lei foi uma letra morta, e as relações públicas governamen

tais proliferaram durante e após a I Guerra Mundial46.

Theodore Roosevelt foi o primeiro presidente a estabelecer uma

sala para a imprensa na Casa Branca; W oodrow Wilson deu início à con

ferência de imprensa regular; Warren Harding originou o uso do termo

“Porta-voz da Casa Branca” para se referir a declarações que fizera em

conferências de imprensa. Os repórteres ganhavam, assim, uma relação

mais confiante, no tocante às notícias da Casa Branca, embora mais for

mal do que antes, e mais facilmente organizada e manipulada pelo presi

dente ou seus secretários. A confraria do jornal transformou-se num cor

45. Apud LIPPMANN, W. Public Opinion.  Nova York: Macmillan, 1922, p. 218.

46. MARBUT, F.B. News From the Capital. Carbondale: Sou thern Illinois Univers ity Press, 1971, 

p. 192196.

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164 Coleção Clássicos da Comunicação Social

po de jornalistas. O que havia sido a principal base para a competição

entre os jornalistas - a reportagem exclusiva, a narrativa confidencial, a

inform ação privilegiada, o furo - fora varrido para longe pelas notas econferências de imprensa. O s jornais que outrora haviam combatido “os

interesses” agora dependiam deles para as notas de imprensa. Assim co

mo as relações públicas, em geral, eram “progressistas” em racionalizar as

relações entre as empresas e o público, os comunicados de imprensa

eram progressistas em racionalizar a reportagem da notícia47. Os agentes

de publicidade não tinham favoritismos, protegiam seus empregadoresdo contato direto com os repórteres, e transformaram a notícia numa

política, em vez de um evento; num curso d’água de fluxo inalterável,

em lugar de turbilhões, corredeiras e redemoinhos.

Havia, talvez, outra razão para os repórteres desprezarem os agen

tes de relações públicas: estes duvidavam de seu próprio valor. Eles ti

nham muito do que se orgulhar: Eric Goldm an, que escreveu uma brevehistória das relações públicas, sugere que a atividade passou, no século

X IX , de uma atitude do tipo “o público que se dane” ou “o público que

seja enganado”, para um posicionamento, na virada do século, do tipo

“que o público seja informado” e, em seguida, para a postura “que o pú

blico seja compreendido”, após a I Guerra Mundial, quando o consultor

de relações públicas passou a interpretar e a ajustar seus clientes e o pú

blico uns aos outros. O consultor de relações públicas, equipado com a

compreensão da moderna psicologia das raízes irracionais da opinião

humana, tentava entender o público como “um expert  com o equipa

mento técnico, a ética, e a visão social análogos aos do advogado, o mé

dico ou o professor”48. Mas isso não impediu Ivy Lee, ao menos, de

questionar o valor de seu trabalho. Ele escreveu, em 1929:

 A lguns anos at rás , eu in iciei o trabalho que es tou fazen do  

agora, sentindo que havia nele um campo real de uti l idade. 

 Agora eu sei que há m uito de úti l a ser f ei to . Mas é c laro que 

mu ita gente acha que o que eu faço é im pró prio , e que não é

47. Leo C. Rosten {The Washingto n Correspondents. No va York: Harco urt, Brace, 1937, p. 6777} 

noto u o grand e aumen to na ut i l ização, em Washin gto n, das notas para a imp rensa, e obs ervou  

que os repórteres se queixavam sobre elas e que o t inham fei to pelo m enos desde 1923, mas 

concluiu que, no seu con junto, e las apr im oravam o jornalismo.

48. GOLDMAN, E. Two -Way Street .  Boston: Bellman Publishing, 1948, p. 19.

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Descobrindo a notícia 165

digno de grande esforço intelectual. Há muito a ser dito de 

ambos os lados49.

Ainda mais incerto e cismado, Lee dissera a um(amigo:

 As vezes , nas horas ruins, eu cheguei a p en sarem jogar tudo  

fora e buscar um trabalho menor, como editor de jornal.  

Mesmo assim, eu me pergunto se eu não continuaria a ser  

encarado com desconfiança; se não aconteceu de eu ter f i-

cado tão completamente estragado como propagandísta 

que as pessoas não foss em sem pre sus peitar de que pud es-

se haver um ser sob renatural na redação a me dizer o qu e fa-lar e o que pensar50.

O agente de publicidade, escreveu John Dewey em 19 29 , “é talvez o

símbolo mais significativo da vida social de nossos tempos”51. As rela

ções públicas falaram - criaram - a linguagem dos negócios e da política

do século X X . Simbolizaram e incentivaram o con hecim ento de interes

se pessoal em direção a uma nuance social e uma psicologia manipulado-ra de opinião características da era da sociedade organizada. Conduzi

ram ou manipularam o povo em nome do serviço público. No entanto,

nunca se estabeleceram como a “profissão” que esperavam exercer, e

seus líderes, ao menos em momentos de reflexão ocasionais, não conse

guiam chegar a um acordo em relação à sua atividade52.

49. Apud HIEBERT. Court ier to the Crow d.  Op. cit., p. 307.

50. Ibid., p. 307.

51. DEWEY. fnd iv iduai ism O/d and New . Op. cit., p. 43.

52. As dú vid as pessoais de Lee for am reforç adas pela crít ica pública gen eralizada. O Senado r La 

Fol lette se refer iu a seu t rabalho c om o um " mo nu men to da vergonha" e apresentou um projeto 

de lei que o ter ia tornad o i legal, para tentar inf luenciar a Comissão Interestadual de Comércio  

por meio d e car tas, ar tigos ou q ualquer outra form a d e comu nicação, num a tentat iva de impedir   

as at ividades de Lee. A p ub licidade de Lee para os Rockefel lers, após o mass acre de Ludlow , 

logo o torn ou um alvo de crít icas e lhe rendeu, p or m eio de Upton Sinclair, o apelido de "Poison 

Ivy" [algo co m ol vy Venenoso). Mais devas tador que tudo; no início dos anos 30, Lee, jun tam en-

te com um a série de outros im portantes agentes de relações públicas, foi inv est igado pelo Hou- 

se Un -Am er ican Act iv i t ies Comm it tee  (Com itê de Invest igação de At ivid ades Ant iamericanas), 

por assessorar a indústria alemã e aconselhar o governo nazista. Cf. Hiebert, Court ier to the 

Crowd,  para uma discussão mais aprofundada.

 A l iter at ura c on tem po rânea nas c iên cias sociai s e em per iódicos popu lar es , e em rev istas es pe-

cial izadas em jorn alism o, sobre as relações pú blicas e a prop aganda, é eno rm e. Fontes bibl io -

gráf icas úteis inciu em Harold D. Lassweli ("Propagand a". Encyc/opedia o f th e Soc ia l Sc iences  

[Enciclopédia de Ciências Sociais] . Nova York: Macm il lan, 1 934,12, p. 521528), que conta com  um a extensa biblio grafia, e tam bém Linda Wei ne r Hausm an ("Crit icism of the Press in U.S. Perio 

dicals, 19001939: A nn otated Bibl iography" . Journa / i sm Monographs ,  4, ago./1967). Há uma 

excelente bib l iograf ia em " The Publ ic Relations M ov em ent in Am er ica" , de Lei la A. Sussmann

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166 Coleção Clássicos da Comunicação Social

As relações públicas foram um dos dois principais desenvolvimentos

que fizeram os jornalistas suspeitar dos fatos e os tornaram prontos a du

vidar do empirismo ingênuo dos anos de 1890. O outro foi a propagan

da no período da guerra. “Foi o sucesso surpreendente da propaganda

durante a guerra”, registrou Edward Bernays, tCque abriu os olhos de uns

poucos inteligentes em todos os setores da vida para as possibilidades de

arregimentação da opinião pública”53. Muitos jornalistas estiveram dire

tamente envolvidos na propaganda na I Guerra Mundial. Por um lado,

os jornalistas norte-americanos se descobriram vítimas da censura militar, como correspondentes de guerra na Europa. Por outro, eles própriosserviram como agentes da máquina de propaganda norte-americana, no

país e no exterior. James Keeley, editor executivo do Chicago Tribune e

proprietário do Chicago Heraldj  representou os Estados Unidos na Co

missão Inter aliados para Propaganda; Walter Lippmann serviu durante

um tempo como capitão da inteligência militar e dirigiu o setor editorial

de propaganda norte-americana em Paris; Charles Merz, que mais tarde

viria a editar a página editorial do New York Times, foi primeiro-tenente

oficial de inteligência, juntamente com Lippmann54. Na cena doméstica,

o presidente Wilson criou o Comitê de Informação Pública, em 1917, e

nomeou George Creel, um editor muckracking*. O Comitê, que empre

gou muitos jornalistas, escreveu, coletou e distribuiu informações favo

ráveis ao esforço de guerra norte-americano. Ele produziu 6 mil notas deimprensa, recrutou 75 mil “Four Minute M en w** para proferir discur

(Cbicago: University of Chicago, 1947 [Dissertação de m estrado ). Há tam bém um a série de arti-

gos úteis em "Pressure Groups and Propaganda", de Harwood L. Childs (org.) {Annals ofthe  

 Am er ican Acad em y o f Poli t icai and So cial  Science, 179, mai./1935). Public Opinion Quarterly, 

uma revista acadêmica dedicada ao estudo da opinião pública, surgiu em 1937, e é uma fonte  

útil. Revistas especializadas em jo rnali sm o, em particular a Editor andPub l isher, estão repletas  

de discussões sobre as relações públicas nesse período.53. BERNAYS, E.L. Propaganda.  Nova York: Horace Liveright, 1928, p. 27.

54. LUSKIN, J. Lippmann, Liberty , and the Press. University, Ala: University of Alabama Press, 

1972, p. 3839. • STOCKSTILL, M. "Walter Lippmann and His Rise to Fame. 18891945". [s.!.]: 

Mississipi State University, 1970, p. 152, 178 [Dissertação de mestrado].

* Muck racker é o term o usado p ara definir os jornalistas e escritores norteamericanos do início 

do século X X que mantin ham um foco na investigação e exposição pública das irregularidades 

e má administração do governo, de grandes empresas e de instituições sociais [N.T.].

* * Four Minute Men  é a deno min ação que recebera um expressivo g rupo d e voluntários autor i-

zados p elo presidente dos Estados Unidos Wo od ro w Wilson, du rante a I Guerra Mund ial, a pro-feri r breves discursos, sob a orientação do Comitê de Infor maç ão Pública, em  cinemas e outros  

locais públicos de tod o o país. O ob jetivo , ao se criar uma p on te entre o govern o e os cidadãos, 

era gerar apoio à guerra [N.T.].

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Descobrindo a notícia 167

sos de curta duração em cinemas e outros locais públicos, e até mesmo

alistou escoteiros para entregar cópias de pronunciamentos de Wilson

de porta em porta55.

O New York Times descreveu o conflito europeu como “a primeira

guerra dos agentes de publicidade”, e o historiador Jack Roth denomi

nou a guerra “a primeira tentativa moderna de manipulação nacional

sistemática das paixões coletivas”56. Nada poderia ter sido mais persua-

sivo do que a experiência de guerra em convencer os jornalistas nor

te-americanos de que os fatos em si não deveriam merecer a confiança.

Os repórteres há muito se orgulhavam de seu próprio cinismo, mas isso

se manifestava num pra2er em estar próximo e familiarizado com a “his

tória dos bastidores” da vida política e econômica. Seu cinismo zombava

das ilusões populares, enquanto apreciava os fatos concretos, persisten

tes, secretos. Porém, durante e após a guerra, os jornalistas passaram a

considerar qualquer coisa  como ilusão, já que, tão evidentemente, tudo

era produto de artistas da ilusão conscientes de si.

A propanda de guerra influenciou diretamente um maior crescimen

to das relações públicas na década de 1920. A guerra estimulou as popu

larmente aprovadas campanhas de relações públicas para os bônus de

guerra, a Cruz Vermelha, o Exército da Salvação, e a Y.M.C.A (Young 

 Men Christian Association).  As organizações beneficentes conhecidascomo Community Chests desenvolveram campanhas publicitárias base

adas em modelos do tempo de guerra. Até 1920, de acordo com o crítico

de jornal contemporâneo Will Irwin, havia cerca de mil “agências de

propaganda” em Washington, moldadas a partir da experiência desen

volvida durante a guerra57. No mundo dos negócios, o caso de Samuel

Insull é especialmente instrutivo. Barão da energia elétrica em Chicago,

55. Cf. CREEL, G. How we Adver t isedAm érica. Nova York: Harper and Row, 1920. • MOCK, J.R. 

& LARSON, C. Words That Won the War.  Princeton: Princeton University Press, 1939. • 

OUKROP, C. " The Four Min ute Men Became National Network During Wo rld War I". Journa/ism  

Quarterly , 52, inverno de 1975, p. 632637.

56. O Times  é citado: HIEBERT. Courtier to the Crowd . Op. cit., p. 243. • ROTH, J J . World W ar ! : 

 A Turníng Poin t in Modern Histo ry . Nova York: A lfred A. Knop f, 1967, p. 109.

57. BENT. Ballyhoo,  p. 134. • CUTLIP, S.M. Fun d Raising in the Un ited States : Its Role in Ameri-c a^ Philan thropy. New Brunsw ick, N.J.: Rutgers Univ ersi ty Press, 1965. • LYND, R.S. & LYND, 

HM.Midd fe town .  Nov a York: Harcour t/Brac e, 1929, p. 458470. • IRWIN, W. "If You See It in the 

Paper, lt's ? Colliers, 72,18/08/192 3, p. 27.

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168 Coleção Clássicos da Comunicação Social

Insull havia iniciado o aconselhamento da filial norte-americana do es

critório de propaganda britânico em 1914. Ele teve um papel fundamen

tal em encorajar os britânicos a permitir entrevistas para jornais com mi

nistros do gabinete, algo inédito antes da guerra. Isso aumentou o inte

resse dos jornais norte-americanos na causa britânica. Insull contribuiu

com um quarto de milhão de dólares de seu próprio bolso para ajudar a

distribuir informações de guerra altamente tendenciosas aos jornais nor

te-americanos que não tinham associação com agências de notícias.

Após os Estados Unidos terem entrado em guerra, Insull tornou-se chefedo Conselho Estadual de Defesa, em Illinois. Partiu desse comitê a ideia

de “radiodifusão sem rádio” - os Four Minute Men.  Depois da guerra,

em 1919, Insull organizou o Comitê de Informação de Utilidade Pública

de Illinois, tomando emprestada a máquina de propaganda que havia

utilizado durante o conflito. O biógrafo de Insull registra que, até 1923,

os serviços públicos em muitos outros estados seguiam-lhe o exemplo e“estavam despejando um fluxo de publicidade que quase igualou o volu

me de propaganda patriótica durante a guerra [...]”58.

As relações públicas dos serviços de utilidade pública da década de

1920 representaram a mais importante campanha de toda a indústria.

Essa situação levou a uma minuciosa investigação, pela Comissão Fede

ral de Comércio, dos serviços públicos, e a um volume cuidadosamente

documentado e furioso, de autoria de Ernest Gruening, em 1931, The Public Pays. Gruening descreveu a campanha como “a mais ambiciosa,

mais elaborada e mais mutável campanha de propaganda na história dos

tempos de paz dos Estados Unidos”59. Mas, embora a campanha de utili

dade pública possa ter sido a maior prática das relações públicas, ela não

era, de forma alguma, singular, e, em torno da vida norte-americana, ha

via um crescente interesse, além de uma ansiedade, pela propaganda e asrelações públicas60. Um repórter belga, em 1921, referiu-se a uma “ob

58. McDONALD, f. Insull. Chicago: University of Chicago Press, 1962, p. 185.

59. GRUENING, E. The Publi c Pays. Nova York: The Vanguard Press, 1931, p. 235.

60. Lasswell, em seu artigo s obre " Propaganda" na Enciclopédia de Ciências Sociais, lista uma sé-

rie de instituições de propaganda e escreve, "Talvez as 500 instituições de propaganda mais im-

por tantes estejam organizadas em nível nacional, no rm almen te com escritórios em Washingto n,D.C. e Nova York". Algu mas instituições com presença nacional tinh am patrocínio de ou tros paí-

ses. Diggin s [Mussoflini and Fascism . Op. cit., p. 4950), discute o estabelec imento na Itália de um  

serviço de imprensa norteamericano para combater as histórias antifascistas, em 1927.

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Descobrindo a notícia 169

sessão norte-americana” pela propaganda61. Harold Lasswell, emPropa  ganda Tecbnique in the World War , de 1 927, notou o grande interesse na

propaganda e em meios de controle da opinião pública, e escreveu que

isso “testemunha o colapso das espécies tradicionais de romantismo de

mocrático e o surgimento de uma tendência mental autoritária”62.

Estava claro que isso representava um problema incomum para o re

pórter de jornal. A propaganda e as relações públicas minaram a antiga

confiança nos fatos. Lippmann colocou isso de forma muito apropriada

em Public Opinion:

O desenvolvimento do profissional de publicidade é um si-

nal claro de que os fatos da vida moderna não assumem es-

pontaneamente uma forma na qual possam ser reconheci-

dos. Alguém deve lhes dar uma forma e, uma vez que em  

sua rotina diária os repórteres não podem moldar os fatos, e 

uma vez que há pouca organização de inteligência objetiva, 

a necessidade de alguma formulação está sendo cumprida 

pelas partes interessadas63.

Silas Bent concluiu que ao menos 147 de 255 artigos no New York 

Times de 29 de dezembro de 1926 eram originários do trabalho de agen

tes de publicidade, assim como 75 dos 162 artigos no New York Sun de

14 de janeiro de 1 92664. John Jessup, por longo tempo um editor das re

vistas Fortune e Life, lembra-se de que quando trabalhava para a agência J . Walter Thompson, no início dos anos de 1930, ficou chocado ao ser

informado de que cerca de 60% dos artigos publicados pelo New York Times eram inspirados pelos agentes de pulicidade65. Em 1930, o cientis

ta político Peter Odegard estimava que 50% das notícias tinham origem

no trabalho de relações públicas, e concluiu o que alguns dos próprios

 jornalistas temiam: “Muitos repórteres hoje são pouco mais que mendi

61. ARCHAMB AUL T, O.H., apud HUEBNER, L.W. "The Discovery of Propaganda: Changing Attí 

tudes Tow ard Public Commun ication in America, 19001930". Harvard: Harvard University Press, 

1968, p. IV [Dissertação de mestrado].

62. LASSWELL, H.D. Propaganda Technique in the World War.  Nova York: Altred A. Knopf, 

1927, p. 4.

63. LIPPMANN. Public Opinion. Op. cit., p. 218.

64. BENT. Baflyhoo. Op. cit., p. 123.

65. Entrevista pessoal, 17/09/1977.

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170 Coleção Clássicos da Comunicação Social

gos intelectuais, que vão de um agente de publicidade ou escritório de

imprensa a outro, em busca de releases  para a imprensa”66.

Subjetividade e objetividade na imprensa

A imprensa reagiu à subjetivação aparente dos fatos de várias manei

ras. Uma resposta foi o aberto reconhecimento da subjetividade como um

elemento da reportagem. A notícia assinada começou a aparecer com

mais frequência. Uma olhada nas primeiras páginas do New York Times 

indica que, no início dos anos de 1920, as bylines  eram publicadas com

parcimônia. Em geral, elas surgiam apenas nos casos de correspondência

estrangeira e, mesmo assim, só eram consistentes quando o corresponden

te escrevia na primeira pessoa. Até os anos de 1930, as bylines eram usa

das livremente tanto para a correspondência doméstica quanto para a in

ternacional67. As primeiras bylines da Associated Press surgiram em 1925.

Isso foi explicado à parte como um caso especial, mas dentro de poucos

anos as bylines  se tornavam comuns nos artigos da AP6!í.

A especialização foi a outra resposta. Se as bylines concederam uma

autoridade maior ao repórter, em relação ao copy desk> a especialização

poderia proporcionar ao repórter um progresso na capacidade de se tor

nar um crítico de suas fontes. “Sinceramente, a era da especialização está

66. ODERGARD, P. The Am erican Public Mind . Nova York: Columbia Univers ity Press, 1930, p. 132.

67. Examinei a primeira página do Ne w York Times  para a primeira semana de janeiro a cada 

quatro anos, de  1920 a 1944. Os resultad os são os seg uin tes: núm ero d e by-Unes {Linhas de im

pressos que acompanham uma notícia ou artigo , indicando o nome de seu autor):   1920, 6; 

1924,2; 1928,16; 1932,8; 1936, 20; 1940, 25; 1944,37; 1964,62. Em 1920 e 1924, nenhuma das  

by-Unes se encontrava em reportagens nacionais. Em 1928, o correspo ndente do Alb any apre-sentava artigos con tendo by-Unes e, em 1932, tanto o correspo nden te de Alb any com o o articu-

lista de ciências produziram artigos marcados por by-lines. Tur ner Catledge notou que o cres-

cente status  dos repórteres em relação aos copy desk  (os revisores) tivera início nos anos de  

1930, o que se mostrava evid ent e pela proliferação das by-lines  na época. Minh a breve amostra  

conf irm a essa afirm ativa. Cf. CATLEDGE, T.M y Life an d The Times. Nova York: Harp erand Row, 

1971, p. 165.

68. COOPER, K. Kent Cooper and the As sociated Press: An Au tobio graphy . Nova York: Random 

House, 1959, p. 104,110. Uma anotação contemporânea sobre o crescente uso de by-lines  fo i 

feita por Elmo Scot tWatso n em " The Return to Personal Journalism" , um pron unc iamento feito para a University Press Club o f Mich igan,  em 21/11/1931, reimpres so em MOTT, F.L. 8 CASEY, 

R.D. fnterpretations o f Jou rnalism .  Nova York: F.S.Crofts, 1937. Cf. tb. ROSEWATER, V. "Sees  

Wire Services Freed of Routine". Editor an d Pub/isher, 66, 20/01/1934, p. 7.

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Descobrindo a notícia 171

em nossas mãos”, escreveu o Journalism Bulletin, em 1924. Isso era pre

maturo, mas havia ao menos um início de especialização na década de

1920. O Bulletin tomou conhecimento das propostas para repórteres es-S. <

pecializados em medicina, cirurgia, saneamento e saúde, e de “uma de

manda por críticos de automóvel que atirariam na lixeira as notícias dos

agentes de publicidade sobre os últimos modelos, e escreveriam artigos

críticos sobre as novas máquinas tão logo surgissem”69.

Especialistas na reportagem sobre trabalho, ciência e agricultura

surgiram por volta do final dos anos de 192070.

Uma mudança importante foi o desenvolvimento da “reportagem

interpretativa”. Duas obras dos anos de 1930 traçaram o seu crescimen

to. Em The Changing American Newspaper , Herbert Brucker apontou

com aprovação uma série de inovações em jornais de todo o país, que ele

acreditava que mudariam a face do jornalismo norte-americano. Um

tipo de mudança que Herbert pressentia que seria significante foi a in

trodução dos sumários de notícias nos fim de semana. O The New York Sun deu início a uma publicação editada aos sábados com as resenhas das

notícias, em 1931; o Richmond News Leader  substituiu sua página edito

rial de sábado por uma síntese interpretativa das notícias; o New York 

Times,  em 1935, começou a editar seu resumo de notícias aos domingos

assim como o fizera, com uma veia mais interpretativa, o Washington Post; e a Associated Press passou a distribuir uma página única, nos finais

de semana, com resenhas de notícias. Esses projetos, de acordo com

Brucker, incrementaram a função intepretativa do jornal; eram respos

tas à “crecente complexidade do mundo”, frente à qual os leitores cla

mavam por mais “aprofundamento” e mais “interpretação”. Brucker

69 .Journal ism Bul let in,  1, 1924, p. 16.

70. EMERY, E. The press and A m erica.  Englewood Cliffs, N.J.: PrenticeHall, 1972, p. 563565. 

Sobre especialização, cf. tb. " Williams Says Day o f Specialization in News Writin g Here", relato 

de uma expo sição de Dean Walter William s, direto r da Escola de Jornalis mo da Univers idade do 

Missouri, em Quill,  13, mar./1925, p. 20. Qu/ll,  14, set ./1926, p. 1415 edito riali zou sobre a qu es-

tão da especialização. Curtis MacDougall, em Interpretative Reporting   (Nova York: Macmillam, 

1938, p. 65), escreve: "A tendência das redações é, defin itivam ente, caminhar em direção à re-

portagem especializada".

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172 Coleção Clássicos da Comunicação Social

sentia que o “preconceito tradicional” dos jornalistas contra a interpre

tação surgira num mundo mais simples:

Tippecanoe and Tylertoo   conseguiu a nomeação? Chicago  

pegou fogo? 0 f i lho do banqueiro seduziu uma donzela da 

aldeia? Relatar essas coisas significava simplesmente enu-

m erar os fatos. Qualquer um pod eria co m preend êlas sem a 

ajuda de Walter Lippmann.

Em contrapartida, Brucker afirmava, “a vida agora é mais comple

xa, com um grau maior de integração com outras vidas distantes e atémesmo desconhecidas, como nunca antes”, e essa era uma visão ampla

mente compartilhada71.

O melhor documento da mudança rumo à reportagem interpretati-

va foi o bem-sucedido compêndio de jornalismo (suas recentes edições

ainda estão em uso) de C urtis M acDougall. Publicado pela primeira vez

em 1932 como Reporting fo r Beginners  (“Reportagem para iniciantes”),quando revisado e reeditado, em 1938, passou a se chamar Interpretati 

ve Reporting. Na “nota para professores” da edição de 1938, MacDou

gall explicava as mudanças que havia feito:

 A principal d iferen ça en tre Repor t ing fo r Begginers   e fnter  

pretat iv e Report in g  está no p on to de vista em relação à tare-

fa que os apuradores de notícias de u m futuro imediato se-

rão solicitados a executar. Uma pista para a atual atitude  

deste autor está no título do presente volu m e; ele represen-

ta a sua crença de que a mud ança nas con diç ões sociais, so -

bre as quais os estudantes das principais mídias de opinião  

pública têm se tornado cada vez mais conscientes durante  

os últ imos seis anos, tem feito com que os responsáveis  

pela apu ração d e notícias e as agências de div ulgação m u-

dem seus m étodos de reportagem e de interpretação do no-

t iciário. A tendência é inequívoca no sentido de combinar a 

função de intérprete com a de repórter, depois de cerca de  

m eio século du rante o qual a ética jor nalística exigira a estri-

ta diferenc iação en tre narrado r e co m entaris ta" 72.

71. BRUCKER, H. The Changing Am er ican New spap er  . Nova York: Colum bia Univ ersity Press, 

1937, p. 1112.

72. MacDOUGALL. Interp retat ive Report ing . Op. cit., p. v.

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Descobrindo a notícia 173

N o próprio texto , M acDougall declarou sua posição em um capítu

lo sobre “dar consistência" à notícia. Ele argumentava que os Estados

Unidos estiveram despreparados para compreender I Gu erra Mundial,

porque as agências de notícias e os jornais haviam relatado apenas o que

acontecia, não uma interpretação do porquê de isso estar acontecendo.

Em 1929, o   início da depressão também encontrou um jornalismo des

preparado e redatores “totalmente desqualificados para lidar com a no

tícia de um evento importante de um modo que fosse além do factual”. A

reportagem interpretativa, defendeu ele, representou uma grande mu

dança no jornalismo norte-americano, mas ela não era de todo incom pa

tível com o intuito daquilo que, em meados dos anos de 1930, fora cha

mado “objetividade” :

[...] os mais bemsucedid os jornalistas de amb os os sexos  

do futuro serão aqueles com ampla formação acadêmica, 

com o conhecimento de um especialista em uma ou mais  

áreas, a capacidade de evitar em oc ion alismo s e perm anecer  

objetivo(a), um estilo descritivo, o poder de observação, e, 

acima de tudo, uma habil idade para compreender o signif i-

cado das no tícias imediatas em relação a tendências sociais, 

econ ôm icas e políticas mais am plas73.

O desafio da reportagem interpretativa para o jornalismo conven

cional poderia ser estabelecido com mais ousadia, e foi, sobretudo pe

los correspondentes estrangeiros, que sentiram com mais profundida

de a necessidade de buscar esse caminho e tiveram autonomia profis

sional para experim entá-lo. Raym on G ram Swing, corresponden te es

trangeiro do Chicago D aily New s por 20 anos, disse à Sociedade Nor

te-americana de Editores de Jornais (American S ociety o f N ewspaper  

Editors) , em 1935:

Se é para se compreender a notícia europeia sob qualquer  

circunstância, ela tem que ser expl icada. E se ela é expli ca-

da, isto tem qu e ser feito s ub jetivamen te. Não há persuasão 

nisso; na Europa, o indivíduo mais valioso para o seu jornal  

é aquele que manifesta opiniões em seus escritos. Isto vai

73. Ibid., p. 251.

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174 Coleção Clássicos da Comunicação Social

contra a ética da profissão, mas é absolutamente essencial 

en ten der essa dinâm ica74.

Esse pensamento podia ir contra a ética profissional, mas a Sociedade

Norte-americana de Editores de Jornais já havia, em 1933, apoiado a re

portagem interpretativa, em princípio, ao aprovar a seguinte resolução:

Consid erandose que a procissão de eventos nacionais e in-

ternacionais signif icativos, complexos e pitorescos está ca-

minhando mais rapidamente do que em qualquer outro pe-

ríodo na história mundial recente; e

Consid erandose que há novas evidências de que hom ens e 

m ulh eres, em tod as as esferas da vida, vêm desenv olven do  

um interesse mais profundo pelos assuntos públicos,

FICA DECIDIDO QUE seja um con senso desta sociedade q ue 

os editor es devo tem uma m aior quantid ade de atenção e es-

paço às notícias explicativas e interpretativas e apresentem  

um histórico de informação que permit irá ao leitor médio  co m preen der mais adequadam ente o mecanismo e o signi-

ficado dos eventos75.

Os editores de jornal defendiam a interpretação e, posteriormente,

observadores explicam a sua eminência, como uma resposta a um mun

do m uito com plexo, que crescera rapidamente. A ideia é a de que a guer

ra, a depressão e o New D eal tornaram as questões políticas, econôm icase sociais tão complicadas que forçaram o jornalism o a enfatizar “o signi

ficado” da notícia e o contexto dos eventos. Essa explicação presume

que as pessoas irão naturalmente reconhecer acontecimentos com plexos

com o algo difícil de entender. Pode ser uma aproxim ação inicial mais se

gura dizer que as pessoas geralmente vão interpretar os acontecimentos

complexos como eventos simples. Uma explicação para o desenvolvi

74. Raym on d Gram Sw ing , co m entário no painel sobre "The Big News in Europe, Wh at It Means  

and Ho w to Get It" ("As grand es notícias na Europa, o que elas representam e com o ob têlas"), 

du ran te a 13a Con veção da A m er ic an So c iety o f New sp ap er Ed itors , de 18 a 20 de abril d e 1935, 

em Problems o f Journa lism.  Am erican Society of News pap er Editors, 1935, p. 92.

75. A MERICA N SOCIETY OF NEWSPAPER EDITORS (org.). Problems o f Journa l ism, 1933, p. 74. 

 A  A sso c iated Press   também caminhou em direção à interpretação. Cf. COOPER, K. "Report of   

the General Manager".  A sso c iated Pres s -  32nd Ann ual Report of the Board o f Directors to the 

Members, 1932, p. 6.

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Descobrindo a notícia   175

mento da reportagem interpretativa terá que se concentrar em como os

repórteres vieram a acreditar que o mundo era complicado.

É moda nas ciências sociais, e assim tem sido. desde a década de

1930, reconhecer a sociedade, ou mesmo o universo das nações, como

que constituindo um “sistema” em que as várias partes estão relaciona

das funcionalmente, de modo que um evento em determinado lugar ou

palco terá conseqüências em todos os outros. No entanto, por mais útil

que isso seja, heuristicamente, ainda se pode distinguir algumas épocas

mais “sistêmicas” ou mais integradas do que outras. Até a I Guerra Mundial e, em certa medida, até a II Guerra Mundial, era possível aos nor

te-americanos acreditar que suas questões fossem distintas das dos euro

peus e da política mundial, e era possível até mesmo que estivessem rela

tivamente desinteressados na política nacional, pois o governo federal

mantinha apenas uma conexão remota com o cotidiano da maioria dos

cidadãos. O repórter W alter Tro han recorda que, em 1920 , Washingtonnão era a meca para o jornalismo que muito em breve passaria a ser, a

partir dali:

Naqueles dias, Washington não era a meta dos repórteres  

que se tornou hoje. Nem Washington havia, como hoje, se 

tornado o ponto de encontro de todo o mun do. Lembrome 

de hom ens sendo eleitos para o Congresso , princip almente 

como uma recompensa por sua f idelidade ao part ido. Eles  

seriam agraciados com um banqu ete de despedida e depois  

cairiam no esquecimento76.

Mas, assim como os Estados Unidos se tornaram integrados a um

sistema mundial, particularmente por meio da guerra, e assim como a

depressão concentrava a atenção nacional sobre os políticos em Was

hington, o mundo se mostrava não apenas mais “complexo”, mas maisvisivelmente  complexo, porque centralizado em Washington77.

76. TROHA N, W. Pol i t ical An imais.  Garden City, N.Y.: Doubleday, 1975, p. 30. Trohan serviu  

muitos anos com o correspon dente em Washing ton para o Chicago Tribune.

77. O Ne w Deal ("Novo A cord o" ), naturalmente, concentrou a iniciativa polít ica em Washington, 

com o nunca dantes, mas mesm o antes que Roo sevelt chegasse ao p od er, a centralização d o po -der em Washington estava clara. Cf. WHITE, L.D. Public Administration. In: "President's Research  

Co m m itteeo n Social Trends". /?ece/?f Soc ial Trends, Nov a York: Macm ill an, 1933, p. 1.3931.397.

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176 Coleção Clássicos da Comunicação Social

Todavia, a percepção da complexidade não conduz necessariamen

te a um interesse no jornalismo interpretativo, a menos que haja uma hi

pótese à mão de que a complexidade seja mais do que um acúmulo de fatos. Essa hipótese, naturalmente, era crescente no jornalismo. Os jornalis

tas já não podiam acreditar que fatos falam por si mesmos. A nova visão

dos fatos foi institucionalizada de forma ex trem a na revista Time, fundada

em 1923 por Henry Luce e Briton Hadden. A retórica atrevida da Time 

inscrevia em cada frase uma atitude desenvolta em relação aos fatos. Luce

foi decisivo ao defender uma mistura de fato e opinião em uma revista de

notícias. “Mostre-m e alguém que pensa que é objetivo”, disse Luce, “e eu

mostro a você alguém que está enganando a si mesmo”. Luce recomendou

que os jornais abandonassem sua divisão entre a página editorial e as notí

cias e pusessem na primeira página uma “crítica inteligente, uma repre

sentação e avaliação dos homens que ocupam cargos de confiança públi

ca”78. A Time não agradou a todos, mas tornou-se uma influência signifi

cativa para os jornais; M acDo ugall a reconheceu com o “um valioso con corrente da imprensa diária” e viu nela um indicador de que o público já

não estava satisfeito com a notícia pura e simples79.

O que foi provavelmente o sinal mais importante da adaptação do

 jornalism o à percepção da subjetividade dos fatos e à centralização de

um mundo complexo em Washington mostrou ser a invenção das colu

nas políticas sindicadas. As colunas assinadas surgiram já nos anos de1890, em jornais de Chicago, mas elas tendiam a se concentrar em hu

mor, literatura ou reportagem de cor local. Mesmo já em meados da dé

cada de 1920 , guias gerais para escrever uma coluna de jornal, com o The 

GentleArt ofColum ning , de C.L. Edson (1920) e The Column , de Hal-

lam W . Davis, (1 926), tratavam exclusivamente da escrita hum orística80.

78. Ap ud Luce and His Em pire. No va York : Charles Scrib ner's , 1972, p. 142143. Cf. tb. ELSON, 

R.T. Time Inc.  Nova York: Atheneum, 1968.

79. MacDOUGALL Reportagem Interpretat iva.  Op. cit., p. 18. Em 1904, Robert Park colaborou  

com John Dewey e Frankl in Ford em Thought News , um a publ icação que eles pretendiam q ue 

fosse u m jornal, na qual o jorn alism o seria orientado p ela f i losof ia. Park escreveu, num m o m en -

to posterior em sua carreira, que a Time  encarnou o ideal de Thought News .  Cf. MATTHEWS, 

F.H. Quest For Am er ican Soc io /ogy :  Robert E. Park and th e Chicago Scho ol. Mon treal: McGil l 

Queen's University Press, 1947, p. 28.80. EDSON, C.L. The Gent ie A r t o f Coiumning.  Nova York: Brentano's, 1920. • DAVIS, H.W. The 

Column.  Nova York: Al f red A. Kn opf Borzoi Handbooks of Journ al ism, 1926.

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Descobrindo a notícia 177 

Colunas essencialmente dedicadas a avaliar questões políticas e econô

micas não haviam surgido até a década de 1920, com o trabalho de Da-

vid Lawrence, Mark Sullivan e Frank Kent81. A coluna de HeywoodHale Broun, no World, teve início em 1921, enquanto a de Lippmann,

“Today and Tomorrow”, foi publicada pela primeira vez no H erald Tri 

bune,  em 1931. Quando, em 1934, Raymond Clapper, que chefiara a

sucursal de Washington para a United Press e passara a trabalhar para o

Washington Post, foi convidado a escrever uma coluna diária para o

Post, sua esposa se opôs à mudança. Ela escreveu mais tarde:Eu me opus a isso porque, em 1934, a posição do colunista  

no jorn alismo era incerta. Pareciame que o co m entário edi-

torial era mais convincente da boca para fora dos editores;  

eu duvidava do apelo de Ray ao leitor que buscasse uma  

personalidade glamourosa82.

Mas Clapper assumiu o emprego e, descobriu-se, a coluna política

foi a sensação do jornal nos anos de 1930. Até 1937, a coluna sindicada

de Walter Lippmann era publicada em 155 jornais, a de Arthur Brisbane,

em 180, a de David Lawrence, em 150, a de Frank Kent, em 12583. Quando

os sociólogos Robert e Helen Lynd retornaram a “Middletown” (Mun-

cie, Indiana), em 1935, dez anos depois de seu estudo original, a gran

de mudança nos jornais ficava clara: “A inovação mais evidente nos jornais de Middletown é o aumento na quota de colunas sindicadas as

sinadas em Washington e Nova York, nas colunas de notícias”84. Em

1 9 2 5 , som ente Brisbane e Lawrence haviam surgido; em 19 35 , o jornal

matutino contava com 5 colunistas políticos sindicados, e o vespertino,

com outros quatro. The New Republic  observou, em 1937, que “muito

do prestígio outrora vinculado à página editorial havia sido transferido

81. EMERY. Press an d Am er ica  [História da imprensa nos Estados Unidos]. Op. cit., p. 491.

82. Sra. Raymond Clapper, esboço biográfico de seu falecido marido. CLAPPER, R. (org.). Wat- 

ch ing the Wor ld .  Londres: Whitt lesey House, 1944, p. 21.

83. " The Press and th e Public", seção especial d o The New Republ ic  90,17 /03/19 37, p. 185.84. LYND, R.S. & LYND, H.M. M id d le t o w n i n T r an s i ti o n .  Nova York: Harcourt , Brace, 1937, 

p. 377378.

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178 Coleção Clássicos da Comunicação Social

para os colunistas”85. A coluna política era, entre outras coisas, o reco

nhecimento mais importante do jornalismo institucional de que não ha

via mais fatos, somente interpretações construídas individualmente.

Nem todos os jornalistas poderiam ser colunistas; tampouco todos

eram livres para escrever interpretativamente. Os repórteres diários ain

da precisavam acreditar no valor de seu melhor trabalho na busca e apre

sentação dos fatos. Eles necessitavam de uma estrutura dentro da qual

poderiam levar o próprio trabalho a sério e convencer seus leitores e crí

ticos a levá-los a sério também. Isso era o que a noção de “objetividade”,

como fora elaborada nas décadas de 1920 e 1930, tentava oferecer.

Walter Lippmann foi o mais sábio e enérgico porta-voz do ideal da

objetividade. Em Public O pinion , ele explicou o impulso emocional por

trás da busca pela objetividade: “Conform e a nossa mente se torna mais

profundamente consciente de sua própria subjetividade, encontramos

uma satisfação no método objetivo que não está senão ali”86. Lippmann

estava preocupado com a subjetividade dos fatos e, ao mesmo tempo, es

perançoso em relação à profissionalização do jornalismo já em 1919.

Em um ensaio para o Atlantic M ontbly , mais tarde reeditado sob o título

Liberty and the New s (1 9 20 ), L ippmann avisava que “a atual crise da de

mocrac ia ocidental é uma crise no jorna lismo” . Poderia a dem ocracia so

breviver num mundo onde “a fabricação do consenso é uma empresa

privada não regulamentada?” A questão da imprensa atingia o coração

do governo democrático:

85. " The Press and the Public" . The NewRep ub / ic , 90,17/03/1937 , 188. A prop agação das colunas  

sindicadas de Washing ton não foi u niversalmente aplaudida. Os Lynds estavam cautelosos ém  

relação a sua inf luência sobre o pensam ento local ind ependen te em Midd letow n. Cf. Midd le town  in Transit ion. Op. cit., 377378. Raymond Clapper, em uma coluna escrita em 1936, reconheceu  

qu e as colunas sindicadas eram " um a bênção confu sa para o editor " , po tencializando a inclinação 

dos escritores da página editorial de deixar o julgamento para os comentaristas. Cf. CLAPPER. 

Watching the World. Op. cit., p. 3637. Na 16a convenção da A m er ican So c iet y o f Ne w sp ap er Ed i- 

tors, em 1938, a seguin te resoluç ão foi propo sta e debatid a, apesar de, por f im , acabar sendo d er-

rotada: "Esta sociedade vê no crescente uso pela imprensa das colunas sindicadas de opinião e  

interpretação pelas quais os jornais não assum em nenh um a respons abil idade uma am eaça ao  

pensam ento in depend ente do leitor. Temiase que a opinião prédigerida, adoçada com retórica e 

enfeitada com pro nu nciamento s olímpicos, pudesse vir a ser aceita por muitos leitores com o um  

sub stituto fácil para a realidad e do s fatos e o p ens amen to in divid ual". Cf. AM ERICAN SOCIETY OF 

NEWSPAPER EDITORS. Problems of Journa lism,  1938, p. 157162.

86. LIPPMANN. Publ ic Opin io n . Op. cit., p. 256.

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Descobrindo a notícia 179

[ ...] h om ens q ue perd eram o contro le sobre os fatos relevan-

tes de seu am bient e são as vítimas inevitáveis da agitação e 

da propaganda. O impostor, o charlatão, o chauvinista e o  

terror ista só p od em f lorescer onde o pp bl ico se encontra pr i-

vado de um acesso independente à informação. Mas onde  

todas as notícias vêm de segunda mão, on de todo testem u-

nho é incerto, os hom ens d eixam de r espo nd er às verdades  

e respondem simplesmente a opiniões. O ambiente em que 

atuam não é a realidade em si, mas o pseudoambiente dos  

relatos, dos ru m ores e das suposições. A referência de todo  

o pensamento passa a ser o que alguém afirma, não o que  realmente é87.

Lippmann acreditava que a “ciência” podia ter uma solução: “Há

apenas um tipo de unidade possível num mundo tão diverso como o nos

so. É a unidade do método, em vez da meta; a unidade do experimento

disciplinado”88. Em term os práticos, Lippmann sugeria que isso pudesse

significar uma legislação para coibir a falsa documentação, a identificação das fontes das notícias nas reportagens, a criação de institutos de

pesquisa não partidários, o estabelecimento de uma agência internacio

nal de notícias apartidária e a profissionalização do jornalism o - de algu

ma maneira, seria necessário elevar a dignidade da profissão e planejar

um treinamento para jornalistas “no qual o ideal do depoimento objeti

vo seja primordial”89.A ânsia pela profissionalização no jornalismo não começou com

Lippmann. Por várias décadas, os jornalistas haviam buscado meios para

tornar a sua profissão mais respeitável. Joseph Pulitzer, por exemplo, fun

dou a Escola de Jornalismo de Colúmbia (Columbia School o f Joum a 

lism), em 1 90 4 (embora ela não tenha aberto suas portas até 1 91 3). Críti

cos dentro da profissão atacaram com a afirmação de que uma faculdadede jornalismo estabeleceria uma distinção de classes no mundo dos jornais.

Pulitzer respondeu que era isso exatamente o que ela deveria fazer - esta

belecer uma distinção entre o adequado e o inadequado: “Precisamos de

87. LIPPMA NN, W . L iber ty and t he New s . N ova York : Harc ou rt , Brace, and Ho ne, 1920, p. 5, 

5455.

88. Ibid., p. 67.

89. Ibid., p. 82.

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180 Coleção Clássicos da Comunicação Social

um sentimento de classe entre os jornalistas - baseado não no d inheiro,

mas na moral, na educação e no caráter”. Os jornalistas devem imitar os

advogados e médicos e encontrar, na solidariedade da profissão, indepen

dência dos interesses dos endinheirados. Se há um tom razoavelmente an-

tipopular na acepção de uma profissão, em Pulitzer ele é, além disso, deci

sivamente anticomercial. A escola de jornalismo, escreveu ele, “deve ser,

em minha concepção , não apenas não comercial, mas também anticomer

cial”. O jornalismo deve ter todos os louros do profissionalismo:

Gostaria de dar início a um movimento que elevará o jorna-

lismo ao nível de uma profissão erudita, crescendo na apro -

vação da com un idade com o outras profissões, muito m enos  

im po rtan tes para o interesse púb lico , têm cresc ido 90.

O que era original em Lippmann, então, não era o interesse na pro

fissionalização, mas as razões para defendê-la. Alguns críticos, especial

mente Upton Sinclair, em TheBrass Check  (1 91 9), ainda viam uma ameaça direta ao jornalismo honesto nos interesses pessoais dos editores c o

merciais e anunciantes. O problema que Lippman identificara era, tal

vez, mais grave. Para L ippmann, o jornalism o não tinha que ser resgata

do dos capitalistas, mas de si mesmo. Com Charles Merz, um editor as

sociado do New York World , Lippmann escreveu uma celebrada crítica

sobre a cobertura que o N ew York Times dera à Revolução Russa. Depoisde revelar o viés antibolchevista da cobertura do Times, Lippmann e

M erz concluíram:

 A notícia como um todo é dom inada pelas expec tat ivas dos  

profissionais que compuseram a organização jornalística [...]. 

No geral, as notícias sob re a Rússia são um exem pl o d o q ue 

signi fica enxerg ar não aqu ilo q ue era real, mas o que as pes-

soas queriam ver [...] . O principal censo r e o principal d efen -sor eram as expectativas e os temo res na cabeça dos repó r-

teres e editores91.

90. PULITZER, J. " The College of Jou rnalism " . Nor th Am er ican Rev iew,  178, mai./1904, p. 657. 

Cf. tb. o memorando original de Pulitzer, de ago./1902, BAKER, R.T. His tory o f the Graduate 

Schoo i o f Journal ism.  Nova York: Columbia University Press, 1954, p. 2325.

91. LIPPMANN, W. & MERZ, C. "A Test of the News", suplemento da The Ne w Repub l ic ,  23, 

04/08/1920, p. 3.

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Descobrindo a notícia 181

Lippmann e Merz sugeriam que os repórteres fossem preparados

com uma educação mais séria e um conhecim ento mais especializado. A

razão para a defesa de um novo profissionalismo foi o fato de terem conhecimento da subjetividade da reportagem - e de suas conseqüências92.

Lippmann e Merz explicitaram o fundamento filosófico de sua críti

ca em uma resposta aos críticos. E les comentaram que haviam sido criti

cados simplesmente por ter mostrado que a natureza humana é frágil e

que repórteres e editores de jornais, como todo mundo, cometem equí

vocos. E responderam:

Mesm o adm itind o toda a acusação contra a natureza hum a-

na, qual é a moral? Que tudo caminha para melhor, no me-

lhor dos mundos possíveis, ou que a fragilidade da natureza 

hum ana requ er honesta e persistente atenção? Uma vez que 

o ser hum ano é um a pob re testemunh a, que faci lmente per-

de as pistas, é facilmente iludido pela inclinação pessoal e 

profundamente inf luenciado por seu ambiente social, não 

parece que uma constante avaliação da notícia, e uma cres-

cente autocon sciência so bre as principais fon tes de erro, se-

 jam uma par te necessár ia da filosofia dem ocrát ica? 93

Concluíram, então, que, “quanto m aior a acusação contra a confia

bilidade do testemunho humano, tanto mais urgente é a avaliação cons

tante, tão objetiva quanto possível, destes resultados. Q uand o você considera o quão profundamente dependente da notícia é o mundo moder

no, a fragilidade da natureza humana se torna um argumento não para a

complacência e a apologia, mas para a vigilância eterna”94.

92. Ibid ., p. 4142. Cf. tb . MENCK EN, H.L. Jor nali sm in Am eric a, 1927. In: CA IRNS, H. (org.). The 

 A m er ic an Scen e.  (Nova York: Al f red A. Knopf , 1965). Mencken argumentou: "A maior ia dos  

males que con t inuam a a torm entar o jo rna l ism o nor teamer icano ho je na verdade não são de-

v idos à malandragem dos propr ietár ios e nem m esmo ao est i lo b om bást ico k iwaniano dos ad-

minist radores, mas única e exclu s ivam ente à estupid ez, à covardia e ao f i l is teísm o d o t rabalho 

dos jornal is tas" . Não havia unanim idade s obre este ponto. A v isão d e Lip pm ann foi cr i t icada 

em MA CY, J. Jo urn alism . In: STEA RNS, H. (org .). Civi i izat ion in Un i ted States.  Nova York: Har 

cou rt , Brace, 1922, p. 3551. Macy , um ed ito r l i terário do Boston Hera/d , a rgum entava que os 

empregadores, e não os repórteres, eram os responsáveis pela s i tuação do jornal ismo nor-

teamer icano. "Paradoxalmente" , escreveu ele, "o jornal is ta é o único que pode fazer pouco  

ou nada para melh orar o jornal ismo ".

93. LIPPMANN, W. & MERZ, C. "A Test o f the News : Som e Crit ic isms" . The N ew Republ ic  24, 

08/09/1920, p. 32.

94. Ibid., p. 33.

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182 Coleção Clássicos da Comunicação Social

A receita de Lippm ann para os males do jorna lismo era a ciência. Ele

acreditava que a busca do método científico no jornalismo tornaria a im

prensa não só mais profissional, mas mais liberal e heróica. O liberalismo significava uma abertura, ele escreveu - permanecendo livre na m en

te e na ação diante das transformações circunstanciais, sem se deixar pa

ralisar pelo ceticismo. A pessoa que assume o espírito liberal faz um es

forço “para se manter desembaraçada e livre de seus pré-julgamentos ir

racionais, irrefletidos e inadm itidos”95. Para Lippmann, isso era um tipo

de heroísmo. Heróis, convencionalmente, imprimem suas personalidades no mundo; o heroísmo dos ídolos de Lippmann reside na recusa de

seus heróis em agir assim. Em um diálogo escrito em 1928, Lippmann

usou um dizer socrático:

 A lgum a vez você já parou para pen sar o que ac ontec e quan-

do um ho m em adquire o espírito científico, o que isso signifi-

ca? Significa que está pronto para deixar as coisas serem o 

que d evem ser, independ entemente de ele querer ou não que 

sejam assim. Significa que conquistou seu desejo de que o 

m un do desculp e seus preconceitos. Significa qu e aprend eu a 

viver sem o apoio de qualquer crença [...]. Não existem mui-

tos ho mens dessa espécie em nenhu ma época96.

Os “ácidos da modernidade” têm desgastado a fortaleza da religião,

escreveu Lippmann em A Preface to Morais  (1929). Mas a ciência puraera a encarnação moderna dos principais ensinamentos da religião supe

rior. A virtude, como Lippmann a definiu, é a capacidade de responder a

situações de maior complexidade e trechos mais longos de tempo, inde

pendentemente de prazeres ou desprazeres imediatos; é a recusa em

acreditar nos próprios gostos e desejos como a base para a compreensão

do mundo. Desap ego, altruísmo, m aturidade: estas são as marcas da m o

ralidade, e elas são melhor exemplificadas no “hábito do realismo o bjeti

vo” do cientista97.

95. LIPPMANN, W. "The Press and the Public Opinion". Po/it icaf Science Quarterly,  46, jun./ 

1931, p. 170.

96. LIPPMANN, W . A m er ic an In q u is ito rs .  Nova York: Macmillan, 1928, p. 46.

97. LIPPMANN , W.  A Pref ac e to Mo rais .  Nova York: Macmillan, 1929, p. 222224 [reimpressão:  

[s.l.]: Time Incorporated, 1964.

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Descobrindo a notícia 183

Os escritos de Lippmann fornecem a mais sofisticada base lógica

para a objetividade como um ideal no jornalismo. Não se pode deduzir

de sua obra que os repórteres diários, mesmo se eles expressam lealdadeV >

ao ideal da objetividade, atribuem a ela o mesmo significado atribuído

por Lippmann. É bastante provável que muitas vezes o seu conceito de

“objetividade” fosse simplesmente a aplicação de um novo rótulo para o

empirismo ingênuo a que os repórteres da década de 1890 chamaram

“realismo”. Ainda assim, mesmo entre jornalistas menos filosóficos do

que Lippmann, ocorreu uma mudança importante. Nos anos de 1890,os repórteres raramente duvidavam da possibilidade de escrever realisti-

cam ente; na década de 19 30 , mesmo os jornalistas comprometidos com

a objetividade reconheceram que a reportagem objetiva era, em última

análise, uma meta inatingível - os perigos da subjetividade foram bem

reconhecidos. Quando Leo C. Rosten entrevistou correspondentes de

Washington para uma tese de doutorado no período entre 19 35 e 1 93 6,interpretou a “objetividade” como um termo familiar e usou-o em sua

lista de questões. Por exemplo, ele pediu aos repórteres que replicassem

a seguinte afirmação:

É quase im possível ser objetivo . Você lê seu jornal, observa 

os editoriais, é elogiado po r algum as repo rtagens e crit icado  

por outras. Voc ê " co m preend e a polít ica" do jo rnal e é psico-

logicamente direcionado a predispor os seus art igos de 

acordo com ela.

Quarenta e dois repórteres concordaram com essa declaração, 24

discordaram e 4 ficaram em dúvida98. Tanto a questão de Rosten quanto

as respostas são interessantes. A questão indica que a objetividade era

tida como um ideal con trário à realidade da própria subjetividade do re

pórter, embora aqui essa subjetividade seja entendida como algo mais in

fluenciado pela sugestão editorial, e não pela predisposição pessoal. A

resposta é a prova de que, ao menos entre a elite jornalística de Washing

ton, havia um grande ceticismo sobre se o ideal da objetividade seria, ou

talvez até pudesse ser, alcançado. O próprio Rosten argumentava que “A

98. ROSTEN, L.C. The Washington Correspondents.  Nova York: Harcourt, Brace, 1937, p. 351.

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184 Coleção Clássicos da Comunicação Social

‘objetividade’ no jornalism o não é mais viável do que a objetividade nos

sonhos”. Ele escreveu:

Visto que a objetividade absoluta no jornalismo é uma im-possibilidade, a herança social, os "reflexos profissionais", o 

temperamento individual, e o status   econômico dos repór-

teres assu mem uma im po rtância fun dam ental99.

Até a metade da década de 1930, o termo “objetividade”, desconhe

cido no jornalismo antes da I Guerra Mundial, parece ter sido a lingua

gem comum. Foi um termo lançado para lá e para cá nos debates daequipe da Time e da Fortune, nos anos de 1930100. Ele teve uma partici

pação significativa perante a Suprema Corte dos Estados Unidos em

1937, quando Morris Ernst representou a  American Newspaper Guild 

como testemunha do tribunal no caso Associa ted Press  versus National 

L abo r Relations Board  (Conselho N acional de Relações Trabalhistas). O

N ational Labo r Relations Board  estabeleceu que a Associated Press haviademitido um repórter por sua lealdade à N ewspaper Guild, enquanto a

 AP alegou tê-lo dispensado por escrever notícias tendenciosas pró-traba-

lhistas. Ernest comentou:

[ ...] a Cons tituiç ão não garan te a ob jetivid ade da imp rensa, 

nem a ob jet iv idad e é alcançável num m und o sub jet ivo; e a 

questão [...] realmente levantada não é se a notícia será im-

parcial, mas antes que t ipo de parcial idade irá distorcer a notícia101.

A Guild havia sido organizada, em 1933 , com o uma associação para

a equipe editorial dos jornais e outras publicações. Quando, em 1937, a

Guild   aprovou uma série de resoluções políticas, encontrou uma diver

gência substancial entre seus próprios associados, e Walter Lippmann,

membro da associação, resignou-se sobre a questão. Mas foi a existênciada Guild  como uma associação militante, e não sua posição política, o

que impeliu os editores a combatê-la e a usar o grito de “objetividade”

99. Ibid., p. 149150.

100. ELSON, R.T. Tim e Inc.  Nov a York: Ath eneu m , 1968, p. 319.

101. Apud HARRIS, H.  A m er ic an Lab or.  New Haven: Yale University Press, 1938, p. 185. A Su-

prem a Corte sustentou a posiç ão do Cons elho Nacional de Relações Trabalhistas {Nat ional La

b or Relat ions Bo ard).  Cf.  A ss o c iated Pr es s   versus Nat io nal Labo r Relat ions Bo ard,  301, 1937, 

U.S. 1147.

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Descobrindo a notícia ........................................................................................................................................ 185

como arma. Em 1937, a American Newspaper Publishers Association,  a

 American Society ofN ew spapers Editors  (Sociedade Americana de Edi

tores de Jornais) e outros nove grupos de editores se reuniram para “discutir o fechamento do escritório como uma questão de princípio jorna

lístico e público, e não como uma questão econômica”. No entanto, sua

preocupação pareceu claramente se opor ao poder do sindicato:

Este serviço essencial da imprensa ("uma apresentação im-

parcial da notícia") para o público só pode ser realizado  

apropriadamente quando os responsáveis pela publicação 

são livres para escolher as pessoas que julgam ser melhor  

qu alifi cadas para relatar e edi tar as no tícias102.

A posição política da Guild dava mais munição aos editores. Eles de

clararam que não entregariam as notícias a “nenhum grupo já compro

metido como organização sobre questões públicas altamente controver

sas”. Afirmavam falar em honra dos mais altos ideais do jornalismo:

Não negamos que as causas requerem defensores e que 

um progresso se or igina do talento dos que advogam. 

Igu almente im po rtante para a soc iedade, po rém, são aque-

les que relatam a cena co ntro versa. É trab alho do jornalista 

fazer isso, não com o u m p art idár io, mas co m o u m ob serva-

dor o b je ti vo 103.

Em bora os editores tenham usado o ideal da objetividade em críticasà Guild, não há razão para crê-los responsáveis pelo seu desenvolvimen

to. Eles recorreram a um padrão cuja autoridade independente já havia

sido estabelecida.

Embora a objetividade, na década de 1930, fosse um articulado va

lor profissional no jornalismo, esta era uma concepção que parecia se

desintegrar tão logo fosse formulada. A objetividade tornou-se um idealno jornalismo, não obstante, precisamente quando a impossibilidade de

superar a subjetividade na apresentação da notícia passou a ser ampla

mente aceita e, como afirmei, precisamente  porque  a subjetividade pas

sara a ser considerada com o inevitável. Desde o início, en tão, a crítica do

“mito” da objetividade tem acompanhado a sua enunciação. A objetivi

102. E d i t o r a n d P u b U s h e r , 70, 03/07/1937, p. 3.

103. Ibid., p. 4.

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186 Coleção Clássicos da Comunicação Social

dade no jornalismo parece ter sido destinada a se tornar tanto um bode

expiatório como uma crença, e mais uma defesa inábil do que uma afir

mação direta. A crença na objetividade é menos central para o jornalis

mo norte-americano do que a base em que se enraizou. Essa base, na

qual tanto os defensores como os opositores da “objetividade” no jorna

lismo se erguem, é o relativismo, uma crença 11a arbitrariedade dos valo

res, a sensação do “profundo silêncio” da modernidade, para o qual o

ideal da objetividade foi a única resposta.

Se tomamos como uma hipótese de trabalho a proposição de que a

história das ideias é uma história de conceitos, identificando as condi

ções sociais que se tornaram problemáticas, então podemos ver as cor

rentes culturais das décadas de 1920 e 1930 como uma resposta à crise

da sociedade de mercado democrática. Enquanto a democracia e o mer

cado continuavam a se expandir formalmente, a extensão dos privilégios

e da propriedade do capital, paradoxalmente, mais do que nunca parecia

separar as pessoas do poder. A crença na democracia e no mercado esta

va estremecida. Ao lado do questionamento dessas instituições centrais,

havia também o questionamento da visão implícita de que indivíduos in

dependentes, votando numa democracia, tomariam a decisão certa, e in

divíduos independentes, descobrindo os fatos de uma forma casual, re

velariam a verdade. A visão se desvaneceu. Os sistemas não funciona

ram. Os indivíduos independentes, que supostamente deveriam ser os

componentes do sistema, não existiam. As corporações, e não indivíduos,

controlavam a oferta e a procura; as máquinas, não os eleitores, contro

lavam as eleições; as editoras poderosas e as necessidades do entreteni

mento de massa, não a busca da verdade, governavam a imprensa.

Essa, ao menos, era a percepção inicial, o ponto de vista da Era Pro

gressista. Por volta dos anos de 1920, o desencanto era mais profundo.

O poder corporativo havia substituído a empresa na economia; na ver

dade, até mesmo vestígios de uma visão do capitalismo do século XIX

eram difíceis de encontrar. Os proprietários não controlavam seus negó

cios - especialistas administravam as empresas, enquanto os cidadãos to

mavam parte na economia como consumidores a ser manipulados. Na

política, em que as máquinas estavam superadas, elas eram substituídas

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Descobrindo a notícia

por organizações políticas mais abstratas, formais e remotas. Além disso,

na política e nos negócios, pensadores liberais estavam chegando à con

clusão de que esse era a único jeito de que as coisas pudessem, talvez, V.  )

funcionar. Democratas liberais tornaram-se elitistas liberais. Era neces

sário destruir a democracia e o mercado, talvez - ou assistir à sua auto-

destruição -, para salvá-los.

A percepção progressista da sociedade norte-americana era crítica e

problemática, mas esperançosa; a visão do pós-guerra era menos críticae mais acomodada, por ser, também, muito menos otimista. Aqueles que

outrora haviam acreditado no progresso passaram a duvidar dele. Expe

rimentava-se uma profunda perda da confiança. No entanto, até mesmo

isso deu origem a novas visões e planos. O ideal da objetividade no jor

nalismo, como os ideais associados no direito e nas ciências sociais ao

mesmo tempo, havia sido fundado na convicção de que a perda da cren

ça era irrecuperável. Esta era uma peculiar e instável dialética, para a

qual Karl Marx pode ter encontrado a metáfora apropriada em A ideolo-

 gia alem ã :

Se em toda ideologia os homens e suas relações surgem de 

cabeça para baixo, co mo em uma câmara escura, esse fen ô-

meno decorre, então, tanto de seu processo histórico de 

vida quanto a inversão dos objetos na retina decorre de seu  processo de vida físico.

Os jornalistas passaram a acreditar na objetividade, na dimensão em

que o fizeram, porque queriam, precisavam, foram forçados pela aspira

ção humana comum a buscar uma fuga de suas próprias convicções pro

fundas acerca de dúvida e direção. A nossa época, escreveu Thomas

Mann, é um tempo que não oferece nenhuma resposta satisfatória àquestão do “Por quê?” ou “Para quê?” Esse não é um pronunciamento

que se possa olhar fixamente por muito tempo sem piscar. Certamente, a

objetividade como um ideal tem sido usada, e ainda é usada, mesmo de

forma dissimulada, como uma camuflagem para o poder. Mas a sua ori

gem está num nível mais profundo, em uma necessidade de encobrir não

a autoridade nem os privilégios, mas a decepção no olhar moderno.

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Objetividade, tratamento da notícia

e crítica da cultura

Nos anos 1960, a “objetividade” tornou-se um termo de abusos. Nadécada de 1930, os críticos que haviam atacado a objetividade honraram a

reportagem interpretativa como uma maneira de manter a posição profis

sional num mundo que havia superado a brusca abordagem da “mera apu

ração dos fatos”. Mas, nos anos 1960 , a finalidade do profissionalismo em

si havia se tornado suspeita. Os críticos afirmavam que o planejamento ur

bano criava favelas, que as escolas formavam pessoas estúpidas, que a medicina provocava enfermidades, que a psiquiatria inventava a doença

mental e que os tribunais promoviam a injustiça. Intelectuais, até pouco

tempo vistos como a fonte do conselho imparcial, foram apelidados de

“novos mandarins”, enquanto os responsáveis pelas políticas de governo

eram chamados “os melhores e mais brilhantes”, num tom da mais indeli

cada ironia. E a objetividade no jornalismo, considerada como um antídoto para a parcialidade, passou a ser encarada como a parcialidade mais in-

sidiosa, dentre todas. Porque a reportagem “objetiva” reproduzia uma vi

são da realidade social que se recusava a examinar as estruturas básicas do

poder e do privilégio. Ela não era apenas incompleta, como sustentavam

os críticos dos anos 1930, mas distorcida. Representava uma conivência

com instituições cuja legitimidade fora contestada. E havia uma intensa

urgência moral nesta visão. Ao final dos anos 1960, muitos consideravam

presunçosa demais a garantia habitual de Walter Cronkite de que “as coi

sas são assim mesmo” e, a ela, preferiam o desafio do “conte as coisas do

 jeito que elas são” - como se a realidade a ser relatada fosse muito selva

gem para ser domada pela gramática.

“A objetividade é um mito”, declarou a repórter Kerry Gruson, do

Raleigb Observer , e muitos jovens jornalistas compartilharam a sua vi

são. Sydney Gruson, pai de Kerry e assistente de edição no New York Ti-

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Descobrindo a notícia 189

mes, alegou, em oposição: “Talvez eu seja antiquado, mas reconheço

muito nitidamente a autenticidade das colunas de notícia. A objetividade

pura pode não existir, mas você tem que lutar por ela de qualquer maneira”. Os comentários dos Grusons foram reunidos por Stanford Sesser

no Wall Street Journal, no outono de 196 9. Sydney Gruson havia rejeita

do o pedido, solicitado por 308 empregados do Times, de uso do auditó

rio da companhia para uma discussão durante a moratória de 15 de ou

tubro contra a Guerra do Vietnã. Kerry Gruson acreditava que a decisão

do pai estava equivocada. Ela própria vestiu uma faixa negra no braçodurante a cobertura jornalística do 15 de outubro1.

O artigo do Journal  foi uma peça determinante para o conflito de

gerações da forma como ele acontecia no jornalismo norte-americano

no final dos anos 1 960 - um conflito entre os velhos que defendiam a

objetividade e os jovens que a atacavam; entre aqueles que haviam luta

do na II Guerra Mundial e os nascidos na afluência e ansiedade da guerrafria; entre os relutantes em abandonar o apoio à política norte-ame

ricana no Vietnã e aqueles fartos dela; entre as responsabilidades institu

cionais dos jornais poderosos e a bravata individual de jovens repórteres.

Não menos importante, o artigo do Journal era ele próprio uma parte do

 jogo: nos anos 1960, como nunca antes, a própria redação da notícia era

um tópico para a cobertura jornalística.

Vimos um conflito de gerações no jornalismo, anteriormente. Os

editores da década de 1890 treinaram repórteres para deixar suas opi

niões de fora em suas reportagens, e os jovens repórteres se rebelaram

contra essa disciplina. Editores e repórteres, de maneira persistente, têm

diferentes tarefas na mão, diferentes interesses a defender e diferentes

ambições a satisfazer; os jornalistas mais jovens e os mais velhos estão

em diferentes etapas em suas carreiras e têm preocupações diferentes.

Não é surpreendente que essas diferenças tendam a produzir atitudes

correspondentemente diferentes ao se relatar a notícia.

Mas, no passado, o ressentimento de jovens repórteres contra edito

res era ocasionado apenas por um conflito de interesses no trabalho. Ele

1. SESSER, S. "Journalists: Objectivity and Activism". Wall Street Jou rnal , 21/10/1969. Reim 

presso na íntegra em Quill, 57, dez./1969, p. 67.

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190 Coleção Clássicos da Comunicação Social

não estava conectad o a correntes políticas mais amplas, nem se expressava

em uma linguagem política. Na década de 1 960 , no entanto, a rebelião ge-

racional era parte de uma crise cultural generalizada. Jovens repórteresainda desejavam expressar sua paixão e estilo pessoal na imprensa, mas a

sua insubordinação às práticas relativas à “notícia convencional” emergiu

mais como um sério desafio político do que como um estágio adolescente

na passagem para o profissionalismo. Os jovens repórteres não apenas

exigiram um jornalismo mais ativo, um jornalismo “participante” e cético

a respeito dos relatos oficiais dos assuntos públicos; eles também alegaramincisivamente que o jornalismo tinha sido há muito tempo participante

demais. A “notícia factual” não era apenas monótona e restritiva - ela era,

em si, uma forma de participação, uma cumplicidade com as fontes oficiais

cuja característica mais alarmante era alegar com tanta hipocrisia estar aci

ma de considerações partidárias ou políticas.

Na década de 19 60 , poder-se-ia, ainda, criticar um jornal por seguira tendência de seu editor ou a deliberada predisposição de sua equipe

editorial. E muito dessa crítica era merecida. Mas a crítica mais original

dessa década acentuara, em vez disso, que os jornalistas eram “políti

cos”, involuntariamente ou mesmo a contragosto. Seu impacto político

não estava naquilo que abertamente defendiam, mas nos pressupostos

inexplorados nos quais baseavam sua prática profissional e, acima de

tudo, em sua conformidade em relação às convenções da reportagem

objetiva. Sob esse ponto de vista, a objetividade era não um ideal, mas

uma mistificação. A obliquidade do jornalismo não estava no viés exp lí

cito, mas na estrutura social da coleta de notícias, que reforçava as pers

pectivas oficiais da realidade social. D e modo corresp ond ente, os jornais

dessa década - especialmente aqueles de maior prestígio, mais pod ero

sos e com mais recursos para se dedicar à coleta de notícias - buscaramautonomia em relação à visão oficial e promoveram o que M ax Frankel,

do New York Times, qualificara como “um conceito diferenciado do que

é notícia”2. Há mais reportagem interpretativa ou “análise da notícia”,

mais jornalismo investigativo ou “empreendedor” e mais tolerância em

relação a novas variedades de recurso de escrita. M as por que nessa épo

2. Apud SIGAL, L.V. Repo rters an d Off icia/s.  Lexington, Mass.: D.C. Heath, 1973, p. 68.

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Descobrindo a notícia

ca a crítica sobre a forma convencional da coleta de notícias era tão agu

çada e por que novas ideias e novas instituições no jornalismo teriam en

contrado tanto apoio quanto o que obtiveram?Sugerirei, neste capítulo, que duas condições tornaram a nova crítica do

 jornalismo possível e popular e, assim, fizeram as mudanças no conteúdo

dos jornais parecerem desejáveis. Primeiro, houve uma ampliação da

administração da notícia pelo governo, e uma crescente conscientização a

respeito disso. Já foi dito muitas vezes, e sem hesitação, que todos os go

vernos mentem e que todos os presidentes desde George Washington tentaram enganar a imprensa e iludir o público3. O mínimo de verdade em

tais afirmações obscurece o fato de que a gestão da informação foi uma

função organizada e financiada pelo governo, com quadro de pessoal do

governo, por apenas 60 anos. Entretanto, somente a partir da II Guerra

Mundial, a importância e o relativo isolamento de um estabelecimento de

segurança nacional e de uma “presidência imperial” tornaram a política

de notícias do governo, especialmente em matéria de política externa, o

centro simbólico da relação entre o governo e a imprensa.

A segunda base para novos progressos no jornalismo foi o surgimen

to, na década de 1960, de uma “cultura de oposição”. Essa cultura ad

versária, ou crítica, negava ao governo o nível de confiança que ele espe

rava e garantia um público para um jornalismo mais agressivo e mais cé

tico. A colisão, no final dos anos 1960 , entre a administração da notícia ea cultura adversária durante a Guerra do Vietnã, mudou o jornalismo de

um jeito significante e, penso eu, duradouro, e é sobre isso o que a seção

final deste capítulo irá refletir.

O governo e a imprensa: “Tratamento da notícia”

A Conferência de Paz de Paris, em 1919, simbolizou a relação mo

derna entre governo e imprensa. Ela minou a autoimagem da imprensa

3. A qu i eu d iscordo igu al m en te de um a af irm aç ão com o a de Joe McGinn iss (“ A política, num 

certo sent ido , sem pre foi um j og o d e i lusão") e a de Richard J. Barnet ("A tradição da administra* 

ção da notícia nos Estados Unido s vem desd e os dias de George Washin gto n" ). Cf. Mc GINN IStf Ji

The SeHing o fth e President 1968. No va York: Trid ent Press, 1969 [Pocket Books, 1970], p, 19i •

BARNET, RJ. The Roots o f War.  Balt imore: Penguin Books, 1972, p. 271.

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192 Coleção Clássicos da Comu nicação Social

como um ator principal na tomada de decisões, no exato momento em

que a imprensa estava mais encantada com seus próprios poderes. As

guerras são boas para os jornalistas, como para os generais. Depois daguerra, contudo, editores e repórteres se descobrirarm não com o parcei

ros do governo, mas instrum entos do governo . Eles eram valorizados - e

temidos - não por sua capacidade de representar a opinião pública, mas

pelo seu poder de controlá-la.

Ray Stannard Baker, um exmuckraker   que fora assistente de Woo

drow Wilson em Paris dirigindo o  American Press Bureau, o gabinete de

imprensa norte-americana, expressou as grandes expectativas do quarto poder:

Um fato se destaca na Conferência de Paz de Paris como  

algo dist int ivo e determinante: o de que os povos do mun-

do, os cidadãos, estavam ali representados e organizados  

co m o n unca antes em q ualq uer conferência de paz. Em co n-

gressos mais antigos, os diplomatas ocupavam o palco  

tod o, n egociando , arranjando e secretamente fechand o acor-dos; mas, na democracia parisiense, como o deus cego na 

peça de Dunsany, o próprio público vem pesada e brusca-

mente, p odero samente, ocu par o palco4.

Quando Baker falava em “cidadãos” e “democracia”, ele se referia

aos repórteres de jornais e agências de notícias. Era típico do pensam en

to liberal da década de 1920 que a imprensa fosse vista como a própriaencarnação do governo democrático. A cobertura de imprensa da Con

ferência de Paz, na visão de Baker, estava por inaugurar uma nova era na

diplomacia mundial. Daquele momento em diante, a política nacional

teria que ser formulada na presença da opinião pública, e tendo em vista

a necessidade de aprovação do público.

O próprio Baker ficara decepcionado , então, com o fato de as negociações em Paris acabarem envoltas em segredo. Ele sabia que a promes

sa de Wilson de “inaugurar acordos de paz obtidos de form a aberta” sig

nificava apenas, como Wilson explicara, “que nenhum acordo secreto

deveria ser estabelecido”, e não que “não deveria haver discussões priva

4. BAKER, R.S. Woo drow Wi lson and W or ld Set t /ement .  2 vols. Londres: Wil l ian Heíneman, 

1923, 1, 116.

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Descobrindo a notícia 193

das sobre questões difíceis”5. Baker não se opunha a que os governos

mantivessem alguns de seus encontros confidenciais em relação ao pú

blico leitor de notícias, mas criticou Wilson por mantê-los secretos paraa imprensa. “Já foi provado diversas vezes”, afirmou ele, “que nenhum

grupo pode ser mais totalmente confiável para guardar uma confidência

ou usá-la sabiamente do que a classe dos correspondentes de jornal ex

perientes - se são informados de modo honesto e se se acredita neles, em

primeiro lugar”6.

Paris não assinalou uma nova era na abertura diplomática tão decisivamente quanto Baker esperara, mas anunciou uma nova relação entre a

imprensa e o governo de uma forma que ele não havia antecipado, por

que fez da própria publicidade uma questão política central. Pela primei

ra vez na história da política externa norte-americana, o debate político

local afetava não apenas o mérito das decisões do governo, como tam

bém o modo como o governo tomava as decisões. A política externa começou a se aclimatar; a legitimidade do processo, assim como a eficácia

dos resultados, tornaram-se uma questão. Na primeira semana da Con

ferência de Paz, correspondentes norte-americanos escreveram em pro

testo contra Wilson, em relação às regras de sigilo que os comissários de

paz tinham adotado, e Joseph Tumulty, em Washington, advertiu o pre

sidente sobre a desconfiança que sua adesão ao sigilo produziria. Cincomeses mais tarde, havia conflito sobre a liberação pública do projeto do

tratado, e o Senado aprovou uma resolução solicitando a Wilson que

transmitisse a proposta ao Senado. Do começo ao fim, a publicidade era

uma questão política de primeira importância7.

Esse recurso pacífico para a gestão da notícia foi um marco nas rela

ções entre governo e imprensa. Apenas alguns anos antes, em 1913, oCongresso havia proibido as agências do governo de contratar pessoal

5. Ap ud BAKER. Woodrow Wi lson.  Op. cit., p. 137.

6. Ibid., p. 150.

7. Cf. Baker (Woodrow Wilson. Op. cit., p. 139ss.) para um a discussão so br e a qu estão da pu bli-

cidade na abertura da con ferência. Para a con trovérsia sob re a l iberação do projeto d o tratado, 

cf. PAXSON, F.L.  A m er ic an Dem o c rac y an d th e World War   Postwar Years: Norm alcy, 

19181923. Nova York: Cooper Square Publishers, 1966, p. 108 [Berkeley: University of Califór-

nia Press, 1948].

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194 Coleção Clássicos da Comun icação Social

de relações públicas. Mesmo o investimento governamental em publici

dade com a Comissão de Informação Pública era visto como excepcio

nal, uma emergência de guerra, e a Com issão foi desmantelada quando ocombate terminou. Mas, na Conferência de Paz de Paris, o governo

“controlou” a notícia de um modo organizado e autoconsciente. Isso

produzia a impressão exagerada, como nada o teria feito antes, de que a

gestão da notícia pelo governo seria uma condição perm anente da socie

dade moderna.

Conforme as relações públicas do governo se expandiam nas déca

das de 1920 e 1930, os críticos de Roosevelt e do New D eal atacavam o

crescente envolvimento do governo na publicidade. Handout, um livro

publicado sob pseudônimo em 1935, por dois jornalistas de Washing

ton, atacaram o “sistema de censura e propaganda” de Roosevelt*. As

acusações eram exageradas e com pouco fundamento, mas Elmer Davis,

em uma crítica no New York Times, ainda assim escreveu:O único po nto válido é este: qu e a admin istração Roosevelt, 

imitando as grandes empresas nos anos de expansão eco-

nômica, implantou em cada departamento um gabinete de 

im prensa po r meio d o qual a notícia é canalizada, em v ez de 

perm it ir aos jornal istas q ue falem diretamente com os fun -

cion ários sub ord inados [...] . Isso não era to talm ente ig no ra-

do em Was hin gto n antes de 1933; mas a atual adminis tração  tem estendid o a prática de fo rm a substancial, o que, sem d ú-

vida, tornou mais difícil aos jornalistas chegar à verdade9.

A evidente insatisfação de Davis com as relações de imprensa de Roo

sevelt era moeda corrente no mundo do jornalismo - uma aceitação relu

tante da publicidade do governo. Mas era uma aceitação. Os editores se

opunham a Roosevelt, mas os repórteres sentiam-se bem tratados porele, e o corpo de imprensa de Washington mostrava-se favoravelmente

disposto tanto ao presidente como às suas políticas. Coube a um crítico

de Roosevelt, Henry Luce, o proprietário da Time>Life e da Fortune^ su

8. MICHAEL, G. Handou t . Nova York: G.P. PutnarrTs, 1935, p. 233.

9. DA VIS, E. " The N ew Deal's Use of Publicity ' ' [New York Times,  19/05/1936), crít ica de Geo rg e 

Michael [Handout.  Nov a York: G.P. PutnanrVs, 1935). Cf. tb. KROCK, A. "Press vs. G o v er n m e n t A  

Warning" . Publ ic Opinion Quarter ly , 1, abr./1937, p. 4549.

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Descobrindo a notícia 195

gerir que a nova relação entre governo e imprensa levantava questões de

extrem a importância para a liberdade de imprensa. Em 1942 , Luce suge

riu a Robert M. Hutchins, reitor da Universidade dê' Chicago, que em

preendesse um estudo sobre liberdade de imprensa. Quando a Comissão

sobre a Liberdade de Imprensa (Comm ission on Freedom o f the Press) 

foi estabelecida, em 1944, Luce disse à Editor & Publisher  que o signifi

cado de “liberdade de imprensa” já não era óbvio. A principal preocupa

ção de Luce era que “o grande governo” controlava a notícia por meio

de suas atividades de publicidade, não tan to pela censura à noticia quan

to por inundar a imprensa com informações. Poderia uma imprensa do

minada pelos esforços de relações públicas do grande governo ainda ser

considerada uma imprensa livre? Luce esperava que a Comissão explo

rasse a questão10.

Mas a Comissão não agiu assim. Sua declaração geral,  A Free and 

Responsible Press  (“Uma Imprensa Livre e Responsável”), não tratou da

questão, absolutamente. Seu Government and Mass Communications 

(“Governo e Comunicação de Massa”), um estudo de dois volumes es

crito por Zechariah Chafee, dedicou setecentas páginas ao uso de pode

res do governo para reprimir a com unicação ou incentivá-la, mas menos

de setenta páginas para o tóp ico do próprio governo com o um m embro

das comunicações. Mesmo aqui, Chafee se concentrou tantas vezes na

comunicação direta do governo com os cidadãos, especialmente por

meio de filmes, quanto na comunicação com o povo, por meio da im

prensa. Em momento algum a Comissão discutiu os modos pelos quais,

dia a dia, a realidade social representada no jornal é construída e recons

truída através da interação entre jornalistas e funcionários públicos.

O caso bizarro do Senador Joseph McCarthy fez das relações entre

repórteres e funcionários um centro de atenção no jornalismo. De acor

do com muitos críticos do senador, naquele tempo e posteriormente,

M cC arthy fez sua breve e espalhafatosa carreira política com base numa

astuta manipulação da confiança dos repórteres nos funcionários públi

cos em relação às notícias, e das normas da objetividade como um guia

10. Editor & Pub lish er, 11, 08/04/19 44, p. 7, 56.

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196 Coleção Clássicos da Comunicação Social

para a redação jornalística. Douglass Cater, por exemplo, criticou os

“padrões congelados” da cobertura de imprensa relativa a McCarthy,que dera a ele mais atenção do que merecia. Um desses “padrões conge

lados” era a distinção entre a reportagem convencional e a reportagem

interpretativa. Enquanto o repórter interpretativo procura um pano de

fundo para a reportagem, descobre motivos para as ações e localiza

questões paralelas, o repórter convencional aceita passivamente o teste

munho público. A notícia factual era o estoque de mercadorias das agências de notícias e da maioria dos repórteres; a reportagem interpretativa

era o trabalho de “uns poucos privilegiados”. Cater observou que havia

reportagem interpretativa de qualidade sobre McCarthy, porém ela ra

ramente era adquirida e reimpressa, uma vez que não era considerada

notícia baseada em fatos, mas uma “propriedade privada do escritor”.

Os repórteres convencionais abasteciam a maior parte do país com suasnotícias sobre McCarthy, escrevendo sobre suas mentiras e acusações

sem comentar se suas denúncias eram verdadeiras ou não. O repórter

factual, concluiu Cater, é um “repórter com camisa de força”11.

A maioria dos observadores concordava com essa avaliação. Ri-

chard Rovere, que fizera uma cobertura sobre McCarthy para o New  

Yorker , mais tarde escreveu sobre o controle da publicidade por parte deMcCarthy, de sua habilidade em manipular os repórteres “como cães de

Pavlov”. Os repórteres se irritavam com o fato de as suas normas de tra

balho exigirem que publicassem “notícias” que se sabiam falsas. Mas não

abandonaram as convenções e, de fato, Rovere concluiu que a imprensa

havia feito bem em sustentar a sua tradição:

[...] Suspeito que não haja nenhuma direção mais infalível  

para uma imprensa corrupta e sem valor do que autorizar os 

repórteres a dizer aos leitores quais "fatos" são realmente 

"fatos" e quais não são. Certamente naqueles países onde 

esta é a prática, a imprensa serve ao público menos bem do 

que a nossa12.

11. CATER, D. "The Captive Press". The Repórter, 2, 06/06/1950, p. 18.

12. ROVERE, R. Senador Joe McCarthy . Nova York: Harco ur t/Brace, 1959, p. 166. Cf. tb . MA Y, R. 

"Is the Press Un fair to McCarthy?" The New Republic   127, 20/04/1953.

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Descobrindo a notícia 197

O fenômeno McCarthy causou um estremecimento na imprensa,

mas não abalou os modelos de reportagem estabelecidos. Realmente, a

grande e crescente preocupação nas décadas de 1950 e 1960 não dizia

respeito ao legado de um senador demagogo, mas à cada vez mais cen

tralizada administração de notícias pelo Poder Executivo. Embora não

houvesse, aqui, uma questão de demagogia, ainda havia um sentimento

de ameaça no rápido surgimento, após 1945, do “estado de segurança

nacional”. O estado de segurança nacional, conforme Daniel Yergin o

definiu, é “um modelo unificado de atitudes, políticas e instituições”,

projetado para preparar a nação para um conflito internacional perma

nente, a guerra fria13. Yergin se concentra no estado de segurança nacio

nal como uma “Ideia de Comando” - mais uma doutrina do que um con

 junto de instituições. Mas ele é, naturalmente, ambas as coisas. Ao longo

dos últimos trinta anos, a doutrina de preparação contra uma ameaça

comunista externa (e, às vezes, interna) promoveu e foi, por sua vez, re

forçada por várias instituições poderosas. Estas incluem os militares e os

clientes industriais e científicos, cada vez mais dependentes delas; as

agências de inteligência, sem precedentes antes da II Guerra Mundial, e

tão importantes na promulgação da política exterior como na prestação

de informações para os decisores políticos; e a própria presidência, uma

força que nunca se mostrara tão esmagadora, tão autônoma em relaçãoao Congresso, ou tão “imperial” em alcance e ambição.

A política externa não só parecia mais centralizadamente organiza

da do que nunca no ramo executivo do governo, como também no to

cante aos assuntos nacionais. Os Estados Unidos eram finalmente, de

forma plena e entusiasmada, o primeiro poder do mundo. Havia pouca

tolerância para o isolacionismo do pós-guerra; as relações exteriores haviam assumido uma projeção que a aparência de paz não poderia desviar.

13. YERGIN, D. ShatteredPeace. Boston: Houghton Mifflin, 1977, p. 5. Cf. tb. ROURKE, F.E. The 

United States. In: GALNOOR, I. (org.). Governm ent Secrecy in Democracies.  Nova York: Harper  

Colophon, 1977, p. 113128. • SCHLESINGER J r.f A. The Im per ial Presidency . Nova York: Popu-

lar Library, 1974. • WISE, D. The Po/itics of Lying.  Nova York: Random House, 1973. • HODGSON, G.  Am er ican in Ou r Time.  Garden City, N.Y.: Doubleday, 1976. • BOROSAGE, R. 

The Making of the National Security State. In: RODBERG, L.S. & SHEARER, D. The Pentagon  

Watchers. Garden City, N.Y.: Doubleday, 1970, p. 363.

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198 Coleção Clássicos da Comunicação Social

Assim, no exato momento em que o público e a imprensa tinham cada

vez mais razões para se interessar pela política externa, as novas institui

ções de segurança nacional frustravam os esforços para compreendê-la.

O governo norte-am ericano, há muito reconhecido por sua abertura em

comparação aos governos da Europa, deslocou o controle da política ex

terna para as agências mais afastadas da observação pública. Havia um

acordo, no bom sentido do termo. A imprensa, como o Congresso, sim

patizava com a ideologia da guerra fria e raramente questionava os pres

supostos de uma doutrina de segurança nacional. Mas, novamente, as

sim como o Congresso, a imprensa queria entrar no jogo e não estava

contente em permanecer à margem do poder.

Em 1955, James Reston, testemunhando perante um comitê do

Congresso a respeito de informação do governo, cunhou o termo “ad

ministração da notícia”14. Muitos consideraram a expressão adequada

para o manejo da imprensa pela administração Eisenhower. Quando Ei-

senhower estava num hospital de Denver recuperando-se de uma trom

bose coronariana, membros de seu gabinete voavam ostensivamente

para Denver a fim de consultá-lo. Na verdade, eles estavam em Denver

apenas para expor ao público a informação errônea de que o presidente

ainda era capaz de desempenhar as funções do cargo. A imprensa sabia

da fraude, mas não a revelou. Russel Baker observou:Porque a tradição do jornal norteamericano o obriga a co-

m un icar com expressão séria o que quer que seja dito po r al-

guém posicionado em um alto cargo, ele foi incapaz de su-

14. Reston usou a expressão " administ rar a not íc ia" em depo imen to p erante um com itê do Con-

gresso: " A maior ia dos meus colegas aqui" , d isse ele, " tem falado p r inc ipalmente sob re a re-

pressão à notícia. Eu go staria de direcio nar o com itê, se me p erm item, a um aspecto igualm ente  

imp ortante deste pro blem a que eu consid ero ser a crescente tend ência para a adm inistraç ão da 

notícia" [Avai /ab i/i t y o f In form at ion f rom Federa l Depar tments and Agenc ies , pt. 1) {" Dispo nib ili-

dade de Informação d e Departamentos e Agências Federais" ), Audiências diante de um subco  

mitê do Comitê sobre Operações do Gov erno {Com m it tee on Gov ernment Operat ions) , Câmara 

dos Deputados, 07/11/1955 (Washingto n: Go vern m ent Print ing Off ice, 1956, p. 25). Reston leva 

crédito, em um a entrevista de 28 de janeiro de 1965, por ter cunhado a frase crédito qu e outras  

auto rid ades p arecem pen sar qu e ele merece. Para a entrevis ta, cf. BERDES, G.H. Fr iend ly A dver- 

saries : The Press and Go vernm ent. Milw aukee: Center for th e Study of the Americ an Press/Mar 

qu ette University Co llege of Jou rnalism , 1969, p. 92. Cf. tb. "U.S. Suppr ession of News Char ged" (Ne w York Times, 08/11/1955), que cita a visão do editor d o Washington Post ,  J. Russell 

Wiggins, de que o s ig i lo do Departamen to de Defesa e do Con selho de Seguranç a Nacional era 

"ameaçador" .

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Descobrindo a notícia   199

gerir quaiqu er elem ento de farsa no desfi le dos ministros d o  

gabinete a Denver. E, assim, num certo sentido, a imprensa 

foi seduzida por sua própria m oralid ade15.O

O mestre da administração de notícias no governo de Eisenhower

era o Secretário de Imprensa James Hagerty. Num perfil para a Esquire,

em 1959, Joseph Kraft escreveu sobre “o perigoso precedente de James

Hagerty”. Kraft descrevia o saco de truques de Hagerty para conseguir

que a administração fosse retratada sob a luz mais favorável, tais como

anunciar testes de mísseis bem-sucedidos na Casa Branca e falhas no

campo de prova. Kraft parecia julgar isso ameaçador, mas não podia di

zer exatam ente o po rqu ê16. Hagerty “administrava” a notícia - e Kraft

utilizava o termo ainda novo entre aspas -, mas Kraft, embora conside

rasse a expressão desagradável, não tinha uma outra linguagem em que

pronunciar o equívoco. Havia ressentimento  aqui, mas não revolta.

Outro acréscimo ao léxico do jornalismo veio em 1961, quando o

historiador Daniel Boorstin sugeriu o termo “pseudoevento” para se re

ferir aos acontecimentos planejados “com o propósito imediato de se

rem relatados ou reproduzidos”. Deste modo, um acidente de trem é um

evento real, mas uma entrevista é um pseudoevento. Um pseudoevento,

explicou Boorstin, poderia ser destinado a convencer, mas sua lógica era

completamente diferente do raciocínio da propaganda:

Os pseudoeventos recorrem ao nosso dever de ser instruí-

dos; a propagand a recorre ao nosso desejo de ser estimula-

dos. Enquanto a propaganda substitui op iniões por fatos, os 

pseudoeventos são fatos sintéticos que in stigam as pessoas 

ind iretamente, ao criar a base " factual" so bre a qual se presu -

me que elas tom em suas decisões. A propaganda as incita de

for ma direta, ao, expli cit amente, tirar con clusões por elas17.

Nos Estados Unidos, como vimos, pseudoeventos podem ser ras-

treados ao final do século X IX e do “jornalismo de açã o” de Hearst e Pu

litzer. Mas, para Boorstin, o trabalho de relações públicas de Edward

15. BAKER, R. A n A m er ican in Wash ing ton . Nova York: Knopf, 1961, p. 8183.

16. KRAFT, J. " The Dangerous Pr eced ent of James Hagerty". Esquire, 51, ju n ./1959, p. 94. Cf. tb. 

BAKER. A n A m er ican in Was hington.  Op. cit., p. 7584.

17. BOO RSTIN, D. The lmage . Nova York: H arper and Row, 1961 [Har per Colo ph on , 1964, p. 34].

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200 Coleção Clássicos da Comunicação Social

Bernays foi o arquétipo dos pseudoeventos. Ele sugere que é somente a

partir do início do século X X que “uma proporção cada vez maior danossa experiência, daquilo que lemos, vemos e ouvimos, passou a cons

tar como pseudoeventos”18.

Os jornalistas reclamavam, mas não contestavam as rotinas de admi

nistração de notícia do governo e a criação de pseudoeventos. A preocu

pação sobre estas questões era episódica, não cumulativa, e não produ

ziu respostas institucionalizadas. Nos anos 1960, porém, alguma coisamudara, não tudo de uma vez e nem, absolutamente, de um modo gene

ralizado. Mas alguns jornalistas estavam chocados com as mentiras do

governo acerca dos voos de um U-2 sobre a União Soviética, em 1960;

alguns permaneciam incomodados com a atormentada aquiescência do

New York Times em relação à administração Kennedy, ao amenizar a co

bertura da iminente invasão da Baía dos Porcos, em 1961, e muitos repórteres e editores se mostravam assustados com as declarações de

Arthur Sylvester, porta-voz do Pentágono durante o governo Kennedy

(e, mais tarde, Johnson), que defendera a administração do noticiário na

crise dos mísseis cubanos, em 1962. Em uma coletiva de imprensa em 30

de outubro de 1962, Sylvester argumentou que “no tipo de mundo em

que vivemos, a geração de notícias sobre ações tomadas pelo governo

torna-se uma arma numa situação de tensão. Os resultados justificam os

métodos que usamos”19. Um mês mais tarde, falando na filial de Nova

York da Sigma Delta Chi , a fraternidade honorária do jornalismo, ele co

locou a questão de modo ainda mais incisivo: “Acho que o direito ine

rente ao governo de mentir - mentir para salvar a si mesmo, quando

confrontado com o desastre nuclear - é básico, básico”10.

18. Ibid., p. 12.

19. Citado em Editor & Publisher, 10/11//19 62 ,12. Cf. tb. "Use of Press As Weapon in Blo ckadels  

Debated". Editor and Publ isher, 03/11/1962, p. 11, 59.

20. A declaração de Sylv ester surgiu em uma série de variantes, numa amp la variedade de publi -

cações. Para uma avaliação da forma como a citação tem sido usada e abusada na imprensa, cf.  

GERSHEN, M. " The 'Rígh t to Lie" '. Co/umbia Journalism Heview, 5, invern o, 19661967, p. 1416.

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Descobrindo a notícia 201

O quarto poder ficou indignado21. Mas por quê? A própria impren

sa fora usada para - se não mentir - ao menos cooperar em não dizer averdade, para servir ao interesse nacional. Em 1,956, os jornais nor

te-americanos recusaram um convite do governo chinês para enviar cor

respondentes à China porque, como recorda o editor do New York TT  

mes , Clifton Daniel, “nós não queríamos constranger nosso governo”22.

Editores e repórteres do Washington Post e outros jornais sabiam a res

peito da espionagem aérea sobre a União Soviética bem antes do incidente do U-2, mas, em favor dos interesses da segurança nacional, como

entendiam isso, preferiram não escrever nada23. O Times se ocupou du

rante semanas de uma reportagem sobre o “Projeto Argus”, um progra

ma do governo envolvendo a detonação de artefatos nucleares no espa

ço sideral, antes dos testes realmente começarem. Afinal, o Times publi

cou-a somente quando os testes foram concluídos, mas parecia que aNewsweek  iria publicá-la primeiro24.

Em 1961, editores do  Miami Herald  pediram ao repórter David

Kraslow para eliminar sua reportagem sobre o treinamento de forças do

exílio cubano na Flórida, com o chefe da CIA, Allen Dulles. A reporta

gem de Kraslow nunca foi publicada25. A colaboração do New York Ti-

mes   com a administração Kennedy, ao abrandar o relato da emergenteinvasão da Baía dos Porcos, é bem conhecida26. Por que, então, deveria a

declaração de Sylvester sobre o direito de mentir do governo ter soado

tão ofensiva, se a imprensa fora usada para agir, por conta própria e em

cooperação com funcionários do governo, para abafar ou ocultar parci

almente as notícias?

21. Cf.; p. ex., as freqüentes referênc ias a Sylvester no Nieman Reports  16 (dez./1962), e o sim-

pósio Administração da Notícia no Nieman Reports , 17 (mar./1963). Por outro lado, quando  

Sylvester terminara de respo nder às perguntas acerca de seu discurso sobr e o " direito de men -

tir" , a platéia de jornalistas se levanto u e o aplaudiu. Cf. Editor and Pubiisher, 15/12/1962, p. 54.

22. DANIEL, C. "Responsability of the Repó rter and Editor" . Nieman Reports, 15, jan./1961, p. 14.

23. ROBERTS, C.M. First Rough Draft.  Nova York: Praeger, 1973, p. 171.

24. RIVERS, W.L. The Opinionm akers. Boston: Beacon Press, 1965, p. 8485.

25. " TheCIA's 3Decade Effor tto Mo ld th e World 's VÍews" ./Vew/orA :7'/mes, 25/12/1977, p. 12.

26. Cf., p. ex., TALESE, G. O Reino e o Poder [The Kingdom an d the Pow er]. Nova York: World  

Publishing, 1969, p. 56, 8, 28 [Bantam Books, 1970].

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202 Coleção Clássicos da Comunicação Social

Em parte, a resposta é, simplesmente, que a declaração de Sylvester

ameaçava o papel da imprensa como o “quarto braço do governo”27. A

gestão da notícia em si não era inquietante - a administração da notícia,

afinal, é a atividade diária da imprensa e os repórteres há muito têm pu

blicado bem menos do que sabem sobre a política e a vida pública28. A

gestão da informação pelo governo é o que a imprensa combatia. Para a

imprensa, cooperar com o governo em manter a notícia longe do públi

co era uma coisa; para o governo, manter a inform ação longe do alcance

da imprensa era outra bem diversa.

O que tornou o com entário de Sylvester ainda mais preocupante foi

o fato de ter cruzado uma tênue linha moral que a imprensa sentia obri

gação de patrulhar. Talvez fosse ruim para o governo guardar a inform a

ção a salvo da imprensa, ao se esquivar; era, com certeza , ruim para o go

verno mentir abertamente, mas ainda pior para o governo anunciar seu

“direito” de mentir. Havia ao menos essa virtude sobre a hipocrisia,

quando o governo mentia enquanto afirmava estar dizendo a verdade:

se a imprensa descobrisse a mentira, isso poderia humilhar o governo. A

declaração de Sylvester colocava o governo acima do constrangimento.

No meio e no final dos anos 1960, os repórteres começaram a sus

peitar de que a filosofia crua de Sylvester houvesse realmente se tornado

uma prática cotidiana do governo. Acima de tudo, a Guerra do Vietnã

foi o que drenou a reserva de confiança entre o governo e a imprensa.

“Os frutos do sylvesterismo no Vietnã são de conhecimento público”,

escreveram Staughton Lynd e Tom Hayden29. E assim foi. Até mesmo

um homem que servira como oficial de informação pública para a Mis

são Norte-Americana em Saigon entre 1962 e 1963, John Mecklin, re

conheceu em  Mission in Torment  (1965) que, embora não acreditasseque nenhum agente norte-am ericano responsável em Saigon alguma vez

tivesse dito “uma mentira muito grande” a um jornalista, era, não obs

27. CATER, D. The Four th Branch o f Government .  Boston: Houghton Mif f l in, 1959.

28. Uma primeira declaração está em STEALEY, 0.0. Twen ty Years in th e Press Gai/ery   [Nova 

York: Publishers Print ing, 1906, p. 4] , on de Stealey escreve que os co rrespon dentes de Was -

hington sabem mais do que eles pub l icam, mas mantêm segredo.

29. LYND, S. & HAYDEN, T. The Oth er Side. Nova York: New A m erican Library, 1966, p.11.

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Descobrindo a notícia 203

tante, verdade que “havia um sem fim de mentirinhas sendo contadas”30.

Mecklin considerava que a Missão Norte-Americana estava numa posi

ção particularmente difícil para negociar com a imprensa. Por um lado,os próprios oficiais norte-am ericanos eram enganados; eles depositavam

muita confiança no governo Diem e espalhavam a informação precária

que obtinham de Diem. Além disso, a posição dos Estados Unidos era

excepcionalmente delicada, porque o apoio norte-americano para o Viet

nã nunca havia sido popular, uma vez que a intervenção dos Estados Uni

dos no país em 1961 claramente violava o Acordo de Genebra de 1954, eporque - especialmente depois da Baía dos Porcos - havia um receio em

alimentar a propaganda anti-imperialista e antiamericana. Afinal, obser

vou Mecklin, os esforços norte-am ericanos em lidar com a imprensa eram

prejudicados pela atitude do regime de Diem, que “reagia aos jornalistas

como se fossem uma substância estranha na corrente sanguínea, em in-

controláveis convulsões”31. Tudo isso tornara os oficiais norte-ameri

canos desconfiados em relação aos repórteres, na melhor das hipóteses, e,

algumas vezes, abertamente hostis, bem antes que houvesse qualquer opi

nião na imprensa contra o envolvimento dos Estados Unidos no Vietnã. O

que se mostrava distinto, num primeiro momento, não era o desempe

nho da imprensa, mas a atitude do governo32. Nesse cenário, os repórte

res que simplesmente davam seguimento às suas funções convencionais

foram obrigados a entrar em conflito com o governo.

Uma circunstância que atraiu grande atenção foi a visita do corres

pondente do New York Times , Harrison Salisbury, a Hanói, em dezem

bro de 1966. Para Salisbury, ir a Hanói significava uma outra “primeira

vez”: ele havia sido o primeiro jornalista norte-americano a visitar a Si

béria e a Ásia Central pós-Stalin e o primeiro a visitar a Albânia após a II

Guerra Mundial. Mas não era apenas mais uma “primeira vez”. Por um

30. MECKLIN, J. Mission in Torment .  Garden City, N.Y.: Doubleday, 1965, p. 113. Mais tarde, 

ho uve grand es mentiras, tam bém . Por exem plo , a ideia de que a ret irada n orteamericana preci-

pitaria um " banho de sangue" era uma h istória de horr or plantada na imp rensa pela CIA e " con 

 ju rad a fora do ar " , de ac ordo com Fran k Snep p , ex anal is ta da CIA , c itad o p or Seym ou r Hersh  

em "ExAnalista diz que CIA em Saigon Transmit iu Informações Falsas aos Jornalistas" (New  

York Times,  21/11/1977).

31. MECKLIN. Missão em tormento.  Op. cit., p. 107.

32. GEYELIN, P. "Vietnam and th e Press: Limited War and an Op en Society". In: LAKE, A. The Vietnam 

Legacy. Nova York: New York University Press, 1976, p. 172.

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204 Coleção Clássicos da Comunicação Social

lado, os únicos ou tros visitantes notáveis dos Estados Unidos em H anoi,

em meados dos anos de 1960, eram ativistas antiguerra. Herbert Apthe-

ker, Thomas Hayden e Staughton Lynd estiveram em H anói, por exem plo, em uma bem-divulgada visita um ano antes de Salisbury. Mas, por

outro lado, os relatos de Salisbury em Hanói, ao contrário de seus regis

tros da Sibéria ou Albânia, não eram apenas a respeito de Hanói, mas

também sobre os Estados Unidos; não foram entregues a um público ig

norante , mas a um público que vinha sendo regularmente inform ado so

bre o Vietnã do Norte pelo governo norte-americano. E as narrativas deSalisbury, no mínimo, puseram em dúvida a veracidade das declarações

do governo. O Departamento de Defesa insistia repetidas vezes que o

bombardeio do Vietnã do Norte envolvia alvos militares. Salisbury escre

veu que alvos civis haviam sido gravemente feridos pelos bombardeios:

Seja qual for a explicação, podese ver que os aviões dos  

Estados Unidos estão lançando uma carga eno rm e de exp lo-

sivos co ntra alvos pu ramente civis. O que qu er que possa ou 

pud esse ter havido em Nam din h: são os civis que estão sen-

do punidos.

Se isso não estava suficientemente claro, Salisbury foi mais longe:

O procedimento anunciado pelo Presidente Johnson, em  

que os alvos norteamericanos no Vietnã do Norte são de 

aço e co nc reto, em vez de vidas hu manas, parece ter pou ca 

co nexão com a realidade dos ataques desferidos po r aviões  

dos Estados Unidos33.

Os relatos de Salisbury foram contestados pelo governo e, de fato,

Salisbury não escapou à censura do Washington Post  e Washington Star  

como instrumento da propaganda de Hanói. Ainda assim, sua narrativa

alterou o que ele chamou de “o padrão de aceitação” daquilo que podia

ser legitimamente considerado como notícia. Dentro de um ano, asagências de notícias podiam citar “fontes de inteligência” que afirmavam

que o bombardeio do Norte danificara estruturas civis34.

33. N ew York Times, 27/12/1966. Para o relato de Salisb ury s ob re suas viagens, cf. SAL ISBURY, 

H.E. Behin d the L ines-Hanoi . Nova York: Harp erand Row, 1967.

34. B OYLAN, J. "A Salisbury Chronicle" . Columbia Journ alism Review, 5 , in verno de 19661967, p. 

1014. Cf. tb. ARONSON, J. The Press and The Cofd War.  Indianápolis: BobbsMerrill, 1970, p. 

254261.

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Descobrindo a notícia 205

Nos anos 1960, todo desempenho jornalístico que escapasse ao ma

nejo da notícia chamava a atenção para a gestão da notícia. Mais do que

nunca, a continuação da história da imprensa era a história da própria im

prensa em seus esforços para buscar a notícia. O poder da narrativa de Sa-

lisbury estava tanto em sua revelação das mentiras do governo nor

te-americano como em sua descrição dos sofrimentos do povo vietnamita.

O conteúdo dos jornais do Pentágono era chocante o suficiente, mas os es

forços da administração de Nixon para suprimir a sua publicação mostra

ram-se muito devastadores. Os eventos que levaram à invasão da sede do

Comitê Nacional Democrata, em Watergate, foram terríveis, mas a tentati

va de “mascará-los” se revelou ainda mais assustadora.

Quando W alter Lippmann escreveu Public Opinion , em 1922, argu

mentou que a função da notícia é “sinalizar um evento”, enquanto a fun

ção da verdade é “trazer à luz fatos ocultos e relacioná-los uns com os

outros”35. Somente quando as condições sociais assumem forma identifi

cável e mensurável, escreveu ele, a verdade e a notícia coincidem. Lipp

mann reconhecia que os jornais não tinham especial acesso à verdade -

sua responsabilidade era publicar a notícia, e eles só estariam aptos a pu-

licar notícias superiores se o governo e as agências independentes de in

formação pudessem lhes fornecer dados mais confiáveis. Mas, a partir

dos anos de 1 920 , tornou-se cada vez mais claro que essa era uma visão

estreita demais sobre o que deveria ser a notícia, especialmente se a “cre

dibilidade” do governo e das “agências independentes” estivesse em dú

vida. Se os eventos são espontâneos, ocorrências fortuitas; se são uma

amostragem relativamente imparcial dos “fatos ocultos”, então um jor

nal podia se satisfazer em relatar as notícias e sentir que havia feito um

trabalho importante, de forma responsável. Mas se os próprios eventossão construídos, e construídos por indivíduos e instituições com a maior

riqueza e poder da sociedade, então reportar a notícia não é apenas fazer

uma abordagem incompleta da verdade, mas também distorcida. C om a

ascensão das relações públicas na década de 1920, com a crescente per

cepção do governo de que ele pode trabalhar melhor ao gerenciar a no tí

35. LIPPMANN, W. Publ ic Opinion.  Nova York: Macmillan, 1922, p. 226 [Free Press, brochura, 

1965].

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20 6 Coleção Clássicos da Comunicação Social

cia, e com a conscientização cada vez maior da imprensa de que ela tem

que lidar com a manipulação das notícias em grande escala, ficou mais di

fícil para o jornalista consciente se satisfazer com a simples busca da notí

cia. C om a capital do país e a política externa cada vez mais atuando com o

o centro simbólico das questões públicas, Washington e a correspondên

cia internacional ofereciam os postos de trabalho de maior prestígio no

 jornalismo, e as frustrações na reportagem da política externa se desloca

ram para o âmago da acepção que o jornalismo fazia de si mesmo.

O nascimento de uma cultura crítica

O termo “cultura adversária” foi usado por Lionel Trilling em 1965,

para descrever “a intenção subversiva” que distingue a escrita moderna.

Do final do século XVIII em diante, de acordo com Trilling, a literatura

no Ocidente teve o “claro propósito de separar o leitor dos hábitos de

pensamento e atitude que a cultura mais ampla impõe, de lhe oferecer

uma base e uma posição de vantagem a partir das quais se possa julgar e

condenar, e, talvez revisar, a cultura que o produziu”56. Esse impulso na li

teratura atingiu o seu auge no início do século XX. A evolução, desde en

tão, tem sido em escala: desde os anos 1930, um grande número de pessoas

passaram a aceitar a ideia da cultura adversária como realidade.

Esse argumento da cultura de oposição se sustenta na efervescência

política e cultural dos anos de 196 0. A ênfase de Trilling nos núm eros é

importante: depois da II Guerra Mundial, as matrículas no ensino supe

rior cresceram formidavelmente; no final dos anos de 1 950, após o cho

que do Sputnik, a excelência educacional tornou-se uma meta social de

alta prioridade; pelo início dos anos de 1960, o professor universitário

havia atingido um status e um salário desconhecidos pelas gerações ante

riores de acadêmicos. Quando a geração do baby boom   do pós-guerra

ingressava na faculdade, em meados dos anos de 1960, a mais pessoas, e

de modo inédito, estavam sendo oferecidas “uma base e uma posição de

vantagem a partir das quais se possa julgar e condenar e, talvez, revisar”.

36. TRILLING, L. Beyon d Cu/ture. Nova York: Viking, 1965, p. xiixil i.

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Descobrindo a notícia 20 7

A aceitação dessa posição de vantagem foi possível graças a uma re

velação de importância central: a intensidade da guerra fria declinou

após a crise dos mísseis cubanos37. A assinatura do tratado de proibiçãodos testes nucleares, no verão de 1963 , permitiu respirar àqueles que an

davam prendendo a respiração por vinte anos. O enfraquecimento da

guerra fria criou espaço para a crítica se estabelecer e encontrar um pú

blico e o tempo para a criação de instituições próprias. A comoção na

cional pelos assassinatos de John Kennedy, Martin Luther King Jr . e Ro-

bert Kennedy fez com que a crítica parecesse não apenas possível, masessencial. Um mundo perceptível estava se desfazendo naquilo que “apa

rentava ser” - não se podia confiar nas aparências. O s assassinatos não

faziam sentido. Símbolos de segurança contra a ameaça comunista - a

CIA e o FBI. - cada vez mais pareciam uma ameaça em si. Eram uma fon

te de ansiedade e insegurança, não só para estudantes radicais, como

para legisladores moderados. Até o Presidente Lyndon Johnson estavaconvencido de que a CIA. tinha envolvimento no assassinato de John

Kennedy. Mesmo a bandeira norte-americana mudara seu significado,

tornando-se um símbolo mais partidário que nacional.

As pessoas mais jovens, cuja antipatia ao comunismo havia sido her

dada, não adquirida, podiam questionar seus pontos de vista ou se desvi

ar deles. E eles descobriram, à medida que começaram a criticar o governo e, especialmente, as instituições da política externa, que tinham um

público receptivo. Era um público erudito. Um público universitário. A

primeira dissidência amplamente observada referente à guerra do Vietnã

veio à tona em sem inários patrocinados por estudantes e docentes de fa

culdades e universidades. Mas a desconfiança no governo não se limita,

absolutamente, aos jovens e instruídos. A desconfiança cresceu dramaticamente em todos os grupos durante os anos 1 96 0. Em 195 8 , 24 % da

população acreditava que “você não pode confiar que o governo faça o

que é certo”, enquanto 57 % tinham o mesmo pensamento em 1 97 3; em

1958 , 18 % consideravam que o governo era conduzido para o benefício

de poucos, enquanto que 67% comungavam da mesma opinião em

37. David Halbers tam p rova seu po nto d e vista em " Press and Pré\uá\ce". Esqu ire, 81,abr. /1974, 

p. 114.

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208 Coleção Clássicos da Comunicação Social

197338. Ao mesmo tempo que os eleitores se tornavam mais atentos aos

políticos, engajavam-se com mais frequência em campanhas políticas e

desenvolviam pontos de vista mais consistentes sobre questões de natureza política, houve um declínio acentuado na identificação com os par

tidos políticos. Isso se mostrava especialmente verdadeiro entre os elei

tores mais jovens. Como o cientista político Norman Nie e seus colabo

radores haviam assinalado, os novos votantes que se juntaram ao eleito

rado nos anos 196 0 estavam menos vinculados aos partidos que os neoeleito-

res de qualquer período an terior: 5 3% dos eleitores de 21 a 25 anos, em1 9 7 3 , autodenominavam-se “independentes”, em comparação com ape

nas 25 % do grupo com parável, em 1 95 2 39. E as questões-chave de or

dem política da década de 1 96 0 , em vez de incentivar esses novos eleito

res a se identificar com partidos, enfraqueceram seu compromisso com

os partidos e a política convencionais. Na visão de Nie, conflito racial,

Vietnã e Watergate levaram o público a se afastar dos partidos, contribuindo para que se tornasse antagônico ao sistema político40.

Assim, enquanto a cultura da crítica encontrava mais líderes e mais

seguidores no ensino superior, nos anos 1960, havia também uma ten

dência, aparentemente de longo prazo, em direção a uma maior sofisti

cação p olítica e análise crítica do governo por parte de uma parcela subs

tancial da população. A educação superior por si só não promove dissidência - certamente ela não o fez nos anos de 195 0 . Por que, então, a

desconfiança no governo cresceu nos anos 1960? Os estudiosos das pes

quisas de opinião pública não estão certos. Eles têm certeza apenas de

que a desconfiança era m aior entre os jovens, e estão inclinados a acredi

38. NIE, N.H. & VERBA , S. & PETROCIK, J.R. The Changing Am erican Voter. Cambrid ge: Harvard 

University Press, 1976, p. 278.

39. Ibid., p. 60.

40. Ibid., p. 350. Outras con sideraçõ es relevantes sobre a mu danç a no eleitorado no rteam erica-

no incluem: CONVERSE, P.E. Change in the American Electorate. In: CAMPBELL, A. &  

CONVERSE, P.E. The Hum an M eanin g o f Soc ia l Change. No va York: Russell Sage Found ation, 

1972, p. 263337. • MILLER, A.H. "Polit ical Issues andTrust in Government: 19641970". A m er i

can Po/ i ticaf Science Review , 68, set ./1974, p. 951972. • CITRIN, J. "C om m ent: The Polit ical Re 

levance of Trust in Government" . A m er ic an Po li t ical Sc ien ce R ev iew , 68, set ./1974, p. 97398 8. • 

 A res posta de A rthu r H. Mil ler {Am er ican Pol i t ical Science Review , 68, s et./1974, p. 9891001).

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Descobrindo a notícia 209

tar que a principal causa do declínio da confiança no governo era o fato

de o próprio governo mostrar-se menos merecedor de crédito.

É um equívoco, portanto, definir a cultura “advçrsária” do final dosanos 1960 como uma atitude essencialmente hostil em relação ao gover

no ou identificá-la com um pequeno e voluntarioso grupo de estudantes

e esquerdistas. Daniel Patrick Moynihan com eteu ambos os erros em um

ensaio na Commentary , em 1971, em que argumentava que a tradição

muckraking   no jornalismo norte-americano havia sido poderosamente

reforçada pela “cultura adversária” dos jovens das classes média e alta,que estavam cada vez mais sendo recrutados para o jornalismo. O resul

tado dessa elevação do status  social do jornalismo, continuava Moyni

han, foi “que a imprensa avança cada vez mais influenciada por atitudes

genuinamente hostis à sociedade e ao governo dos Estados Unidos”41.

Mas “hostil” não deve ser confundido com “crítico” ou mesmo “contra

ditório”. Além disso, se as classes altas estavam se tornando cada vezmais críticas em relação ao governo, assim também as classes mais baixas

se comportavam. A cultura adversária não é uma cultura antinomiana,

em bora, sem dúvida, tenha proporcionad o um terreno fértil para a irres

ponsabilidade e o irracionalismo. Também não é exclusivamente uma

cultura de elite, embora gozasse de alto índice de aceitação nos anos de

1960, entre os grupos de elite, e ali seja mantida pela arte modernista e aliteratura de que falava Trilling.

A cultura crítica afetou profundamente o jornalismo. Houve um

efeito direto: os jornalistas eram cidadãos, também, suscetíveis às mes

mas correntes culturais, como qualquer outro grupo. Os mais jovens,

com o as pessoas mais jovens em geral, com menos m em ória e menos in

vestimento nos pressupostos culturais da guerra fria, foram mais atingidos. E os jornalistas, especialmente os que cobriam a política nacional,

foram afetados de forma mais profunda do que a maioria dos cidadãos,

porque confiavam e se interessavam mais pelo governo. Enquanto a tra

dição muckraking   tem sido há muito honrada na imprensa, o muckra-

king atual sempre foi singular, e mesmo os muckrakers têm se concentra

41. MOYNIHAN, D.P. "The President and the Press". Commentary ,  51, mar./1971, p. 43.

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210 Coleção Clássicos da Comunicação Social

do, de form a característica, nas hipocrisias e corrupções do governo, em

lugar de pressupostos subjacentes ou estruturas de poder. Os jornalistas

geralmente tendem a se sentir politicamente envolvidos e influentes -

menos, e não mais alienados que a população em geral42. A divisão na

cultura política norte-americana tocara profundam ente, com força espe

cial, todo cidadão exceto os jornalistas. Para eles, aquilo era como um

trauma no coração e, ao mesmo tempo, uma erupção constantemente ir

ritante na pele de sua vida profissional.

A cultura crítica também tocou os jornalistas de forma indireta. Por

um lado, os jovens recrutados para o serviço público nos anos 19 60 tam-

bém   desconfiavam do governo. Os jornalistas não “impunham” uma

cultura adversária em sua reportagem política - eles reagiam a uma pos

tura crítica que encontravam em suas fontes. Na verdade, Richard Har-

wood, editor nacional do Washington Post, argumentou que a imprensa

não se tornou notavelmente mais “adversária” na última década, masque, ao contrário, um “Novo Estabelecimento” assumiu o poder e to

mou uma posição adversária por si mesmo4í. Assim, havia um jornalis

mo adversário dentro dos salões do próprio governo. Um grupo de em

pregados no Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano,

por exem plo, publicou um boletim cham ado Quest, que acusava os fun

cionários do departamento de racismo, incentivava os protestos anti-guerra e exortava os empregados a votar contra N ixon em 19 72. Publi

cações similares em outros departamentos do governo, em corporações

empresariais, e as universidades, as profissões e os militares atestavam o

42. Para um a visão crít ica da imp rensa, pelo fato de esta não se mo strar suf icien temente crí t ica, 

cf.: BETHELL, T. "The Mith of an Adversary Press". Harper 's ,  254, jan./1977, p. 3340. • HOFFMAN, N. "Dining Out in Medialand". M o r e , fev ./1978, p. 2425. Para dados so bre os jo rn a-

l istas estarem mais conf iantes no g ov erno do q ue o pú blico em geral, cf. PHILLIPS, E.B. Jou rna 

listic Versus Social Science Perspectives on Objectivity. In: HIRSTCH, P.; MILLER, P.V. & KLINE,  

F.G. (orgs.). Methodolog ica l S t ra teg ies for Communicat ions Research,  vol. 6 Beverly Hills:  

Sage, 1978. • PHILLIPS, E.B. "The Artists of Everyday Life: Journalists, Their Craft, and Their  

Consciousness". [s.!.]: Syracuse University, 1975 [Tese de doutorado]. Para a posição de que a  

imp rensa há mu ito vem c onf iando no g overno e que isso tem s ido um a força, e não um a falha, 

na tradição jornalíst ica norteamericana, cf . : WEAVER, P. "The New Journalism and the Old  

Thoug hts Af ter Viatergate" . Publ ic Interest , 35, pr im aver a de 1974, p. 6874. • K RISTOL, I. "Is the  

Press Misusing I ts Growing Power?" M o r e ,  jan./1975, p. 26, 28.

43. HARWOOD, R. The Fourth Estate. In: BABB, L.L. (org.). The Washingto n Post Guide to Was

h ing ton .  Nova York: McGrawHilI, 1976, p. 85.

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Descobrindo a notícia 211

apelo generalizado de uma cultura crítica44. Para a imprensa, que há

muito tempo se retratava como uma oposição leal ao governo, a ênfase

sobre o “leal” fora silenciada, enquanto a ênfase na “oposição” foraabastecida e, por sua vez, ajudara a abastecer a cultura crítica que surgia

no próprio governo. A extensão da promoção, de forma independente,

de uma cultura de oposição pela imprensa, tem sido exagerada, enquan

to que o alcance da vasta e crescente influência da cultura adversária so

bre a cultura da imprensa talvez não tenha sido suficientem ente enfatiza

do. Não só os repórteres achavam suas fontes no governo cada vez maiscríticas, com o também as evidências mais visíveis de uma cultura de opo

sição tornaram-se tópicos de notícias às quais, com frequência, os repór

teres mais jovens se dedicavam, e pelas quais eram afetados. Vários jor

nalistas que entrevistei em 1977 lembraram que os jovens repórteres re

crutados para o jornalismo na década de 19 60 frequentemente cobriam

os movimentos dos direitos civis e o movimento antiguerra. Os jovens,mais propensos a se encaixar na cultura juvenil dos costumes e lingua

gem informal, da sexualidade livre e do ro ck ’n roll, cobriam o campus e

os movimentos sociais e eram influenciados por eles. Muitas vezes se

sentiam desconfortáveis em seus papéis de repórter, quase como se fos

sem agentes da sociedade “honesta” espionando uma cultura subversiva.

Descobriram-se simpáticos às ideias e valores daqueles sobre os quais escreviam e cada vez mais céticos, incomodados ou indignados com a alte

ração que suas reportagens sofriam no caminho entre o copy desk e a pá

gina impressa45.

A rebeldia dos jovens repórteres nos anos 1 960 , então, não era mera

repetição do conflito de gerações perene no jornalismo; foi a manifesta

ção de um movimento social e cultural. O m ovimento afetou os jornalistas mais jovens primeiro, e mais profundamente, mas isso, por sua vez,

influenciou os jornalistas mais velhos e mais influentes. Editores e pro

prietários de jornais nos anos 1960 tinham uma boa razão para se mos

trar receptivos às expectativas de seus colegas mais jovens por reporta

44.  Sobre Quest, cf. Wall St reet Jou rnal , 29/10/1971. Cf. tb. LUBLIN, J.S. "Underground Papers  

in Corp orati on s Tell It Like It Is Or Perhaps Like It lsn't". Wall St reet Jou rnal ,  03/11/1971.

45.  Este po nto foi levantado por vários jornalistas que entrevistei em Nova York , Chicago e Was -

hington em 1977.

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212 Coleção Clássicos da Comunicação Social

gens mais interpretativas e investigativas: os jornais estavam conscientes

da com petição da televisão. O s telejornais, que tinham sido de pouca im

portânc ia e menor qualidade na década de 1 9 50 , passaram a se dedicar aexplorar suas possibilidades de cobertura viva e imediata da notícia.

Tornaram -se menos um rádio com imagens e mais um meio distinto. Em

1963, mesmo ano em que o noticiário noturno em rede passava de 15

minutos para um form ato de meia hora, a pesquisa de Roper sobre as ati

tudes do público em relação à televisão concluiu pela primeira vez que

mais pessoas listavam a televisão como a principal fonte de notícias, emvez dos jornais. Até 1 97 4 , 6 5 % dos entrevistados mencionaram a televi

são como uma de suas principais fontes de notícias, enquanto apenas

4 7 % citaram os jornais. Naquele ano, pela primeira vez, mais entrevista

dos de nível superior mencionaram a televisão mais do que os jornais46.

O correpondente Jules W itcover defendia a ideia compartilhada de

que os jornais haviam se voltado para a reportagem investigativa e interpretativa no final dos anos 1960 para competir com a supremacia da te

levisão na cobertura das notícias locais. Mas dentro de um ano, escre

vendo novamente na Colum bia Journalism R eview , ele protestou que o

argumento da “concorrência com a televisão” era mais moderno do que

verdadeiro e que, de fato, “um levantamento informal de dirigentes da

notícia em Washington indica que a maioria dá pouca importância à

‘ameaça’ da televisão. Eles parecem mais preocupados com a alteraçãono âmbito da notícia em si e em como estão lidando com isso”. W itcover

acrescentou que o New York Times  sentia mais pressão do Washington 

Post  e do Wall Street Jou rn al   do que da televisão47.

46.  Sobre o caráter mutante das notícias de televisão e um provocat ivo argumento acerca do  

" desp atr iante" efeito polí t ico dos telejornais, cf. ROBINSON, M.J. Am erican Poli t ical Legit im acy  

in an Era of Electron ic Jou rnali sm : Refletions on The Evening New s. In: CATER, D. & ADLER, R. 

Televísion as a Soc iaf Force.  Nova York: Praeger, 1975. Para os d ado s da pesq uisa, cf. ROPER, 

B.W. Trends in Public Att i tu des Tow ard Te/evision an d Oth er Mas s Media, 1959-1974.  Nova 

York: Televisio n Information O ff ice, 1975. A pesquisa de Roper superest ima a conf iança da po-

pu lação na televisão em relação à notícia, de acordo co m os pesquis adores da Universid ade da 

Carolina do Norte Robert L. Stevenson e Kathryn White. Cf. WELLES, C. "At Issue". Co/umbia 

Journ a l ism Rev iew,  16, jan.fev./1978, p. 1213.

47. WITCOVER, J. " The Press and Chicago : The Truth Hurt" . Columbia Journa l ism Rev iew , 7, 

outono de 1968, p. 6. • WITCOVER, J. "Washington: The News Explosion". Columbia Journa

l ism Rev iew,  8, primavera de 1969, p. 25.

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Descobrindo a notícia 213

Mesmo isso, porém - a concorrência entre os principais jornais em

diferentes cidades, uns com os outros, com as agências de notícias e com

as revistas informativas pode ser um subproduto, da televisão. Se o es

tado de segurança nacional e a centralização da política econômica em

nível federal fizeram de Washington um foco para a comunicação de

massa, a própria cobertura dos telejornais acentuou a proeminência da

capital. A televisão reporta a notícia de forma desproporcional em Was

hington porque as redes de notícias dependem de uma audiência nacio

nal e precisam contar com equipamentos de câmera caros e pesados. Issotem encorajado os jornais a ver a sua correspondência em Washington

como o mais significante e competitivo campo de trabalho.

O argumento de que a conco rrência com a televisão levara os jornais

a se distanciar da reportagem objetiva repete um outro argumento da dé

cada de 1930 de que a vantagem do rádio na apresentação das notícias

locais forçara os jornais a se tornar mais interpretativos. Pode ser quetanto nos anos 1930 como nos 1960 os proprietários de jornais acredi-

tassem  que tinham que mudar a política de notícias para concorrer com

a nova mídia, e essa crença tenha aberto o caminho para que os jornalis

tas experimentassem um trabalho mais interpretativo. Por outro lado,

tanto no rádio com o na televisão, sobretudo na televisão, havia também

um forte interesse em ir além das convenções da objetividade. No finaldos anos 196 0, a própria televisão se distanciou da notícia convencional.

Os “editoriais” apareciam em programas de notícias locais, e os “com en

tários” (especialmente o trabalho de Eric Sevareid para a CBS)  torna

ram-se uma característica regular da rede de notícias. A introdução, em

1968, do programa de notícias “60 Minutos”, da CBS, e seu extraordi

nário sucesso em estilo jornalismo de revista para a televisão sugere quea “explosão” do significado da notícia era mais do que uma estratégia

com petitiva - a televisão também respondeu a uma mudança cultural

que saudava a perspectivas críticas do jornalismo48.

48. Sob re o " 60 Minutes" , cf . MOORE, D. "60 Minuto s" . Ro/l ing Sto ne, 12/01/1978, p. 4346. So-

bre a po pul aridade de doc um entários c ontro versos, prog ramas de sát ira polít ica e "relevantes"  

comédias de situação na televisão, na década de 1960, cf. BARNOUW, E. Tube o f Plenty.  Lon-

dres: Oxford University Press, 1977.

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214 Coleção Clássicos da Comunicação Social

A crítica do jornalismo convencional e suas conseqüências

Uma cultura de oposição deve ser oponente a   algo. Mas os líderesdas principais instituições da sociedade pareciam negar qualquer signifi

cado à sua própria cultura: os problemas do governo eram apontados

como técnicos, e não políticos; a ciência social era um guia para a política

“livre de valores”; profissionais e administradores, alcançando a notorie

dade na estrutura profissional e na estrutura de poder da sociedade, eram

“neutros”, ou “independentes”, ou “objetivos”, em suas decisões. Para os

críticos cada vez mais numerosos e vociferantes, a retórica da objetividade

parecia hipócrita e enganosa, ou, no caso do Vietnã, criminosa. O ataque

da cultura de oposição à objetividade evocava uma cultura das elites go

vernantes mais unificada e unívoca do que de fato existiu. Ainda assim,

havia   uma ideologia da técnica e da neutralidade, e ela realmente  ocul

tou outros valores que, a cultura crítica exigia, deveriam ser abertos ao

questionamento.

No jornalismo, essa crítica da objetividade assumiu muitas formas

institucionais e intelectuais. É a soma destas, e não a inovação representa

da por qualquer uma delas, o mais importante e original. Ainda assim, po-

de-se distinguir três tipos de crítica que atacavam a noção de objetividade.

Em primeiro lugar, há a posição de que o conteúdo de uma notícia baseiase num conjunto de pressupostos políticos substantivos , pressu

postos cuja validade nunca é questionada. Os jornalistas adquirem estes

pressupostos de sua própria educação, de colegas jornalistas que cons

tantemente checam e disciplinam seus “julgamentos da notícia” e dos

oficiais sobre quem regularmente reportam. Esses pressupostos são a

mensagem oculta da “objetividade”. Jack Newfiled articulou este ponto

de vista:

Como consta, os homens e mulheres que controlam os gi-

gantes tecnológicos dos meios de comunicação de massa 

não são computadores neutros e imparciais. Eles têm uma 

inclinação. Têm estilos de vida e valores políticos definidos, 

ocultos sob a retórica da objetiv idade. Mas aqueles valores 

são organicamente institucionalizados pelo Times, pe\aAP, 

CBS  f...], em suas burocracias corporativas. Entre esses va-

lores, tácitos mas orgânicos, estão a crença no capitalismo

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Descobrindo a notícia 215

de bemestar, em Deus, no Ocidente, no puritanismo, na lei, 

na família, na propriedade, no sistema bipartidário e, talvez 

mais cruc ialm ente, na noção de que a vio lênc ia só é just if icá-

vel quan do em pr egad a pelo Estado. (Não con sigo pensar em  

nenh um co rrespo nd ente da Casa Branca ou analista de rede 

de televisão que n ão com partil he desses valores. E, ao mes -

mo t em po , que não sustente ser to talm ente ob jetivo49.

Essa primeira visão, portanto, sustenta que a forma oculta o conteú

do da notícia. Uma segunda posição é a de que a forma compõe o conteúdo,

que a form a da notícia incorpora as suas próprias tendências.  Isso é ilustrado em um ensaio de Paul Weaver em The Politics o f a News Story. 

Weaver argumenta que a típica notícia é politicamente tendenciosa -

mas não voltada para a direita, esquerda ou centro . Ao co ntrário, a ten

dência recai sobre a confirmação dos fatos, que são observáveis e inequí

vocos; sobre um vocabulário limitado e categórico - “dizer”, em vez de

“gritar” ou “insistir”; sobre um estilo de narrativa impessoal e a organização da “pirâmide invertida”, que obrigam a uma apresentação dos fa

tos com “tão pouca evocação de seu contexto do mundo real” quanto

possível”; sobre conflitos, em vez de acontecim entos m enos dramáticos;

sobre “eventos”, em vez de processos. Weaver alega que isso faz da notí

cia uma narrativa sobre conflitos do ponto de vista das diferentes partes

ativamente envolvidas nela - e somente essas partes50.Outros críticos afirmam que o formato da notícia que Weaver deli

neia reforça as estruturas de poder estabelecidas. Ele favorece as insti

tuições mais voltadas para “eventos” e com melhores condições de

con trolá-los, ou para a organização de pseudoeventos. Instituições po

derosas, particularmente o govern o, estão sintonizadas com a “orienta

ção para eventos” dos repórteres, e assim podem manipulá-los, enquanto os movimentos sociais e reformadores que exploram “uma ori

entação para as questões” tendem a ser ignorados pelos jornalistas,

49. NEWFIELD, J. "Jo urn alism : O ld, N ew and Corp orate" . In: WEBER, R. (org.). The Rep ór ter as 

 A r t is t :   A Look at the New J ourn alism. Nova York: Hast ings House, 1974, p. 56 [Originalmente 

em STERN, S. (org.). The Dutton Review.  Nova York: E.P. Dutton, 1970.

50. WEAVER, P. The Politics of a News Story. In: CLOR, H.M. (org.). The Mass Media and Mod em  

Democracy.  Chicago: Rand McNally, 1974, p. 85112.

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216 Coleção Clássicos da Comunicação Social

pelo menos até que eles também possam ganhar poder para organizar

ou participar dos “eventos”51.

Uma terceira crítica, intimamente relacionada, percebe a forma da

notícia, não como uma forma literária, mas uma forma social intensa

mente condicionada pelas rotinas da captação de notícias. Aqui, o argu

mento é que o processo d a coleta de notícias, em si, constrói uma imagem  

da realidade que reforça o ponto de vista oficial.  Um analista após o outro

demonstraram que a tradição da objetividade no jornalismo tem favore

cido a visão oficial, fazendo dos jornalistas meros taquígrafos na transcrição autorizada da realidade social. Aqui, novamente, a ênfase não está

na influência intencional, mas nas conseqüências, intencionais ou não,

da forma e dos processos sociais. De acordo com essa perspectiva, a “ob

 jetividade” não é uma forte convicção dos jornalistas. Não é nem mes

mo, conform e já retratei em relação aos anos de 192 0 e 1930, uma cren

ça precária num processo em que não se pode esperar o acordo sobre arealidade substancial dos fatos e valores. No lugar disso, é uma prática,

ao invés de uma crença. É um “ritual estratégico”, como a socióloga

Gaye Tuchman a define, que os jornalistas usam para se defender dos er

ros e críticas. Sob esse ponto de vista, a objetividade é um conjunto de

convenções concretas que persistem, porque reduzem o grau em que os

próprios repórteres podem ser responsabilizados pelas palavras que escrevem. Assim, pode-se citar locutores em posições de reconhecida au

toridade, mas não se pode avaliar de forma independente o que eles di

zem, a não ser citando outra autoridade reconhecida. A adesão a estas

rotinas, escreve Tuchman, é “compulsiva”. Como no artigo de Douglass

Cater nos anos 1950 sobre a cobertura acerca de McCarthy, Tuchman

vê os jornalistas com o que am arrados numa camisa de força. E ela oferece uma explicação plausível sobre o porquê de os jornalistas estarem dis

51. TUCHMAN, G. The Except ion Proves the Rule: The Study of Rout ine News Pract ices. In:  

HIRSCH, P.; MILLER, P.V. & KLINE, F.G. (orgs.). Methodo log ica l S t ra teg ies for Communicat ions 

Research. Vol. 6. Beverly Hil ls: Sage, 1978. Um estudo que tão bem dem ons tra um po nto d e vis-

ta estreitamente conectado é o de MOLOTCH, H. & LESTER, M. Accidents, Scandals, and Routi  

nes: Resources for Insurgent Methodology. In: TUCHMAN, G. (org.). The TV Estab/ ishmen t. 

Englewood Cliffs, N.J.: PrenticeHall, 1974, p. 5365. Este apareceu pela primeira vez em The 

Insu rgent Soc io log is t,  3, 1973, p. 111.

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Descobrindo a notícia 217

postos a vestir uma camisa de força: eles querem se proteger dos feri

mentos autoinfligidos. Não desejam cometer erros que ameaçariam seus

empregos ou carreiras52. Talvez mais importante, ao, que me parece, é que

editores e proprietários de periódicos não querem que seus subordinados

cometam erros que ponham em perigo as suas  carreiras e instituições.

Na década passada, os críticos da objetividade jornalística com fre

quência viam a si mesmos com o solitários expoentes de um ponto de vis

ta sem sustentação nas tradições do jornalismo. Na verdade, porém, os

críticos foram capazes de entender e de captar o que Bernard C. Cohen

chamara as funções bootleg  (ilícitas) no jornalismo. Co hen descobriu em

entrevistas com correspondentes no exterior, entre 1953 e 1954 e em

1960, que os jornalistas mantinham duas concepções de seu papel, uma

como observador neutro e outra como participante. Curiosamente, a

ideologia aberta dos repórteres pregava somente a neutralidade. O jor

nalismo participante, “como uma bebida ilícita [...] é encontrado emtoda parte”, mas raramente é reconhecido53.

Isso levanta dois pontos importantes. Primeiro, sugere que se uma

mudança nos ideais do jornalismo ocorre, ele terá tradições submersas a

apoiá-lo. Forças dentro e em torno do jornalismo jogam contra o ideal da

objetividade e suas convenções e assim têm feito mesmo quando a ob jeti

vidade parecia ter influenciado a profissão da forma mais definitiva. Se

gundo, indica que alguns rituais e rotinas da prática profissional serão de

fendidos em uma ideologia global, enquanto outros podem não estar rela

cionados a nenhuma visão de mundo compreensiva ou compreensível.

52. TUC HM A N, G." Object ivity as Strategic Ritual: An Examinat ion o f Newsm en's Not ion s of  Object ivity".  A m er ic an J o u rn al o f So c io /o gy ,  77, jan./1972, p. 660679. Há agora uma vasta lite-

ratura qu e, sob diversas formas, pro va qu e o conteú do da notícia é uma funç ão da estrutura so-

cial da coleta de n otícias e das org anizações jornalísticas. A m aior p arte dessa literatura observa  

qu e o processo de "p rod ução d a notícia" favo rece os pon tos de vista of iciais. Cf., entre outros, 

os art igos em: TUCH MA N, G. (org.). The TVEstabl ishment   [s.n.t.j. • EPSTEIN, E.J. News From  

Nowhere . Nov a York: Rando m Hous e, 1973. • PHILLIPS, E.B. The Artis ts of Everyd ay Life: Jo ur  

nalists, Th eir Craft, Th eir Conscio usn ess. [s.l.]: Syracu se Univers ity, 1975 [Tese de dou torad o]. • 

SIGAL, L. Reporters an d Off icia/s.  Lexington, Mass.: D.C. Heath, 1973. • ROSHCO, B. Newsma- 

king.  Chicago: University of Chicago Press, 1975. • ALTHEIDE, D.L. Creat ing Reality.  Beverly  

Hills: Sage, 1976. • CANNON, L. Repor t ing : An Inside View. Sacramento: Cali fórnia Journal  

Press, 1977.

53. COHEN, B.C. The Press and For eig n Polit icy. Princeton : Prin ceton Univers ity Press, 1963, p. 20.

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218 Coleção Clássicos da Comunicação Social

Seja qual for a razão para isso, esse ponto sugere ao menos que há um pro

blema a ser investigado: se os conteúdos sociais não encontram, automati

camente, expressão ou justificação em formas culturais, então temos que

considerar como e por que eles conseguem isso, quando conseguem54.

Duas tradições submersas no jornalismo que se posicionam contra a

objetividade encontraram apoio renovado nos anos de 1960 - a tradição

literária e a tradição muckraking . A tradição literária tem raízes profun

das no jornalismo. Ela honra o desejo de escrever um bom artigo, não

um artigo inócuo ou objetivo, mas uma narrativa finamente trabalhada e

poderosa em seu impacto emocional. Nat Hentoff descreveu o “novo

 jornalism o” em 1968 como uma atividade “movida tanto pelo sentimen

to quanto pelo intelecto”, o tipo de jornalismo que “pode ajudar a rom

per a vidraça entre o leitor e o mundo em que ele vive”55. Nos anos

1960, a tradição da escrita elegante navegava sob a bandeira do “novo

 jornalismo”. Adquiriu expressão principalmente em revistas, em vez de

 jornais, incluindo uma série de revistas novas como a Rolling Stone, que

apostou num público plenamente favorável às manisfestações de uma

cultura de oposição. O “novo jornalismo” também abriu caminho na

forma de livros, mais notavelmente na narrativa de Norman Mailer so

bre a marcha rumo ao Pentágono de 1 967, Armies o f the Night. Indepen

dentemente do que os “novos jornalistas” registravam, eles estavamsempre escrevendo, de modo implícito, sobre a reportagem em si. No

 jornalismo tradicional, a forma é apenas um veículo para a reportagem,

mas no novo jornalismo, ou “metajornalismo”, como Davíd Eason o de

54. Para uma discussão pro veitosa sob re como as instituições sociais são e devem ser go -vernadas por um c onjunto de norm as conflitantes e não por um conjunto único e coerente, cf. 

MERTON, R. Socio/ogical Am biv a/ence and Other Essays  [Ambivalência sociológica e outros  

ensaios]. Nova York: Free Press, 1976). Merton não oferece nenhuma informação, no entanto, 

sobre o porquê de um conjunto de normas, em detrimento de outro, ser dominante.

55. HENTOFF, N. Behold the New Jou rnalis m lt's Corning A fter You! In: WEBER. " Repór ter as 

 A r i\s \" .Ever green Review , ju l./1968, p. 52. Que essa tradiç ão de valorizar narrativas b em escritas 

e co m impacto emo cional seja algo significante, isso está sugerid o no fato de os acadêmicos da 

Fundação Niem an de Harvard , em 19451946, solicitados a selecionar uma notícia para ilustrar  

seu ideal de m elhor repo rtagem , terem escolhido um ensaio altamente subjetivo, pessoal e to-cante do Ne w York Herald Tribune,  de autoria de Vincent Sheean, sobre o tratamento dos réus 

negros pelos tribunais do Sul. Cf. Nieman Reports,  1 (abr ./1947, p. 1617) e a co rrespond ência 

na edição seguinte: Nieman Reports,  1, j u l ./l 947, p. 2930.

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Descobrindo a notícia

fine, “a forma em si é parte do tema do relato,,S6. Nos anos 1930 tam

bém ocorrera uma percepção nascente de que a própria atividade da re

portagem era problemática, e de que a experiência da reportagem deveria ser incluída no relato - Let Us Now Praise "Pamous Men, de James

Agee, é o principal exemplo disso57. Mas, nos anos 1960, essa consciên

cia foi mais ricamente elaborada e mais amplamente endossada. Ela res

pondia ao público da cultura crítica - um público que ajudara a criar.

Embora o “novo jornalismo” não tenha tido muito impacto direto

sobre a redação da notícia nos jornais diários, ele apresentou efeitos indiretos. Alimentou a imaginação dos repórteres dos diários - a Rolling Stone, por exemplo, veio a ser lida nas redações de todo o país58. Mais

recentemente, os jornais têm se voltado com uma frequência maior para

as reportagens de cunho interpretativo ou para o estilo de redação das

revistas. O New York Times, o Chicago Tribune  e outros jornais agora

publicam seções especiais em estilo revista, em diferentes dias da semana.Ocorreu uma mudança correspondente no caráter do trabalho jornalístico

desde que os jornais passaram a contar mais com escritores  freelance  do

que membros da equipe regular, para os textos das revistas. Isso recompen

sa o talento, a personalidade, o estilo e a percepção e educa o gosto de

 jornalistas e seus leitores para a reportagem não objetiva.

A segunda tradição a se expandir na década de 1960, a tradiçãomuckraking, teve maior impacto sobre as “hard news” (“notícias quen

tes”) dos jornais. O muckraking  ou “reportagem investigativa” ou “jor

nalismo empreendedor” chamou a atenção do público de forma mais

destacada com a investigação do Washington Post no caso Watergate e o

romance que se cultivou em torno disso, por meio do livro e do filme

“Todos os Homens do Presidente” (Ali the Presidentas Men). No relatode sua própria reportagem, Bob Woodward e Carl Bernstein insistiram

56. EASON, D.L. Metajournal ism : The Problem o f Reporting in the Nonfi ctio n Nov el, [s.!.]: Sou t-

hern Illinois University, 1977 [Tese de doutorado]. Cf. tb. HOLLOWELL, J. Fact and Fiction. Cha-pei Hífl: University of North Carolina Press, 1977.

57. AGEE, J. & EVANS, W. Let Us No w Praise Famous M en.  Nova York: Ballantine Books, 1966 

[Boston: Houg hton Mifflin, 1941]. Cf. o prim oroso c om entário sob re o livro em SCOTT, W .Docu- 

m entary Expression an d Thirt ies Am erica.  Nova York: Oxford University Press, 1973.

58. CANNON. Reporting. Op. cit., p. 54.

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220 Coleção Clássicos da Comunicação Social

não ter feito nada de excepcional. Negaram que seu estilo de reporta

gem fosse distinto; para eles, “reportagem investigativa” não passa de

simples reportagem. Estavam, em suma, apenas fazendo o seu trabalho59. Se Todos os Homens do Presidente  é lido como um conjunto de

instruções, um manual para aspirantes ao jornalismo (e, inquestionavel

mente, está sendo lido dessa maneira), isso prevê um conselho de pru

dência. Nas ocasiões em que Woodw ard e Bernstein tomaram liberdades

com a lei ou as normas de confirmação da informação recebida, eles se

desculpam. Q uando seguiram as normas - com o a diretriz que estabeleceram de confirmar toda acusação importante com o testemunho de

pelo m enos dois informantes - eles se orgulham. Produzem um caso de

 jornalismo fiel a um ideal de objetividade e infiel às falsas convenções

 justificadas em nome dele. N ão é um jornalismo pessoal e nem um jo rna

lismo de defesa; se existe um elemento pessoal nisso, não é a opinião ou

a convicção, mas a energia. Enquanto o jornalismo literário contrapõe apaixão à objetividade “fria”, a tradição investigativa distingue sua agres

sividade da passividade da reportagem objetiva.

Nos anos 19 60 , o jornalismo investigativo estabeleceu importantes

cabeças de ponte institucionais nos meios de comunicação. Revistas de

 jornalism o ofereciam um fórum para crít ica e autocrítica jornalística. A

com eçar pela Chicago Journa lism Review,  em 1968, mais de duas dezenas de revistas surgiram no espaço de poucos anos. Com exceção da

 More,  em Nova York, fundada em 1971 , as revistas não sobreviveram ao

declínio da atividade política radical no início dos anos 1970. Mas a

 M ore é bastante lida. Uma nova revista, Washington Journa lism Review ,

começou a ser publicada em 1977, e alguns dos semanários “subversi

vos” inaugurados nos anos 1960 e que se tornaram bem-estabelecidos e

59. WO OD W A RD , B. & BERNESTEIN, C .A Hth e P res iden t 'sMen  [Todos os homens do presiden-

te]. Nov a York: Simo n and Schus ter, 1974 [Warn er Books, 1975). Cf. tb. o discur so de Carl Bernstein 

aceitando o grau de do uto r em d ireito na Universid ade de Boston (abr. /1975), in: LUBARS, W. & 

WICKLEIN, J. (orgs.). Invest igat ive Report ing :   The Lessons of Watergate. Boston: Boston Uni-

vers ity Schoo l of Public Comm un icat io n, 1975, p. 913. Para um a discussão sob re os hábitos de 

t rabalho e as ideias jornalís t icas d e Wo od w ard, Bernstein e outros pro eminentes repórteres in 

vest igat ivo s con temp orân eos, cf . DOW NIE, L. The NewMuc k rakers . Washington: NewRepu bl ic  

Books, 1976. AH t he Pr es iden t 's M en  e The New Muckrakers  são rev isados po r Michael Schu d 

son em " A M at ter of Sty le" . Work ing Papers fo r a New Soc iety , 4, verão de 1976, p. 9093.

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Descobrindo a notícia 221

prósperos nos anos 1970, regularmente publicam críticas dos jornais e

televisão locais60.

Outra mudança institucional foi o desenvolvijnento de equipes derepórteres investigativos em muitos dos principais diários metropolita

nos do país, vários anos antes da investigação do Watergate.  Em feverei

ro de 1967, o Newsday  estabeleceu uma equipe de três repórteres, um

editor e um secretário-investigador, exclusivamente para dar seguimen

to a trabalhos investigativos. A equipe tinha seu próprio escritório e ar

quivos. Ela produzia três grandes reportagens por ano, cada uma circulando no jornal por mais de 5 dias. O Boston Globe  inaugurou, em 1 97 0,

sua equipe “de destaque”, nos moldes do grupo Newsday.  A investiga

ção no New York Times, de acordo com o correspondente de Washing

ton, Robert Semple, partiu, no final dos anos 1960, de uma base “faça

como puder” para uma “proposta  fulltim e”. O Cleveland PlainDealer  

manteve uma equipe de 1974 até 1977, mas abandonou-a em seguidapor considerá-la muito cara. O Chicago Tribune  estabeleceu sua for

ça-tarefa investigativa em 1968, que ainda tem sua identidade própria,

escritório e missão61.

Havia uma mudança correspondente mesmo na  Associated Press. 

Com o estabelecimento do serviço de notícias do Washington PostLos 

 Angeles Times no início dos anos de 19 60 , e o cresc imento do antigo serviço de notícias do New York Times , a AP sentiu-se pressionada a se dis

60. Cannon (Report ing, p. 54) testem un ha o vasto público leitor de Mor e. 0 Chicago Reader e o 

Vil/age Voice  (uma publicação que antecede a década de 1960 em alguns anos) estão entre as  

public ações com colunas regulares de crít ica da imprens a. A Coiumbia Journa l ism Rev iew, q ue 

co m eçou em 1962, é a única revista séria de crí tica da imprens a qu e não está int im amente co -

nectada à cultura de oposição d os anos 1960. Um a boa discussão sobre o cr escim ento das re-

vistas de jorn alism o no f inal da década d e 1960 está em A RONSO N, J. Deadl ine for the Media. 

Indi anápolis : Bo bsMerril l, 1972, p. 93122, 299300.

61. Sob re Newsday   cf. McWILLIAMS, C. "Is Muckraking Corning Back?" Columbia Journal ism  

Review, 9, out./1970, p. 12. Sobre o Boston Globe,  cf. a discus são de " City and State Investigati 

ve Repo rting ". In: LUBARS & WICKLEIN. Invest igat ive Report ing , p. 38. Sob re o Ne w York Times, 

cf. SEMPLE JR., R.B. The Necessity of Convenc ional Journ alism: A Blend of the Old and the 

New. In: FLIPPEN, C.C. Liberating the Med ia : The N ew Journal ism. Washing ton: Acropo l is Bo 

oks, 1974, p. 8990. Sobre o Cleveland Plain-Dealer  e para uma discu ssão geral sobre o tópico  

das equipes invest igat ivas, cf . CONSOLI, J. " Invest igat ive Reporters Deb ate Use of Teamw ork " . 

Edi tor and Publ isher ,  25/06/1977, p. 5, 13. Tb. informação sobre o Chicago Tr ibune a partir de 

entrevis ta com u m edi tor do Tribune, jan ./1978.

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tanciar da reportagem convencional. Em 1967, a agência criou uma

“equipe de designação especial”, para relatar “a dimensão oculta” das

atividades do governo. Em 1968, o grupo produziu 268 artigos, incluindo o fracasso do desenvolvimento do rifle M -1 6 e a revelação de um re

latório secreto sobre a corrupção do governo em Saigon62. Não só as or

ganizações jornalísticas investiram tempo e talento no trabalho investi-

gativo, mas os repórteres investigativos começaram a ver a si mesmos

como um grupo de interesse por direito próprio. Em 1975, uma série de

repórteres investigativos fundou a Investigative Reporters an d Editors,para compartilhar inform ações e proteger a reportagem investigativa de

se tornar um “m odism o” e “atrair repórteres em busca de notoriedade”.

A IRE em meio a críticas consideráveis, chegou até mesmo a empreender

sua própria investigação colaborativa sobre a morte de um de seus mem

bros, o repórter do Arizona Don Bolles6í.

Outra instituição de jornalismo não convencional é o Fundo para Jornalism o Investigativo (Fund f o r Investigative Journa lism ), criado em

1969 “com o propósito de aumentar o conhecimento público sobre os

ocultos, obscuros ou complexos aspectos dos assuntos que afetam signi

ficativamente o público”. O Fundo se comprometeu a ajudar redatores

que “sondassem abusos de autoridade ou avaria de instituições e siste

mas que prejudiquem o público”. Suas doações são pequenas - 5 0 0 dólares é a quantia típica. Embora a maioria das reportagens que o Fundo

apoia apareçam em revistas, a instituição ajudou Seymour Hersh em sua

62. WITCOVER, J. " Washin gton : Th e Workh ors e Wir e Services" . Columbia Jou rnal ism Review, 

8, verão de 1968, p. 13. A respeito das pressões sobre as agências de notícias para que expan-

dissem a sua cobertura de "notícias convencionais" em direção a uma reportagem mais inter 

pretat iva e m esm o in vest igat iva, ver o art igo s obre as agências de notícias no Wall S t reet Jou r

na l , de 28/01/1969. Os anos 1960 geraram diversas novas p equenas agências de notícias d edi-

cadas ao jornal ism o agressivo. A State News Serv ice teve início em 1973, em Wash ing ton . Mais 

tarde, no m esm o ano, nascia a Capito! HiH New s Serv ice, sub sidiada, a princípio, po r Ralph Na 

der, e cons agrada à reportag em " não p assiva". Os dois grup os associaramse em m aio de 1978. 

Juntos, fornecem uma cob ertura aprofun dada dos assuntos de Washing ton af inados com os in-

teresses específ icos das localidades dos 77 pequeno s e méd ios jornais aos quais prestam s ervi-

ço. Cf. ROSENBERG, J.S. "Imperiled Experiment: Capitol Hill News Service". Columbia Journa

l ism Rev iew,  16, set.ou t./1977, p. 5964. • " Sale of Small New s Servi ce in Capital to Have a Big 

Effect". N ew York Times,  12/05/1978.

63. MENCHER, M. " The Arizona Project: A n A ppraisal" . Columbia Journa l ism Rev iew,  16, 

n o v,dez./1977, p. 3842, 47. Cf. tb. W ENDL A ND, M.F. The A rizon a Project. Kansas City'.* Sheed  

 A n d rew s an d Mc Meel, 1977.

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Descobrindo a notícia

investigação do massacre de My Lai, em 1969; apoiou-o novamente em

1970, em uma investigação sobre as reivindicações conflitantes dos Esta

dos Unidos e Vietnã do Norte, quanto aos prisioneiros de guerra norte-americanos; auxiliou Jam es Polk, em 1 97 1, nüm exam e cuidadoso so

bre as contribuições de campanhas políticas que revelou as transações de

Robert Vesco e que valeu a Polk o Prêmio Pulitzer em 1974. O Fundo

não é, absolutamente, uma grande influência no jornalismo dos Estados

Unidos. No entanto, é uma organização estável e um emblema convin

cente, sugerindo que o desenvolvimento no final dos anos 1960 de um jornalismo não convencional pode ser sustentado64.

As reportagens de Watergate coroaram, em vez de inaugurar, a onda

do jornalismo investigativo, mas fizeram isso de forma tão impressionante

que Watergate pode se tornar um símbolo de importância permanente

para a atividade do jornal. O fato de que as reportagens de Woodward c

Bernstein, seu livro sobre a investigação de Watergate e o filme referenteao livro têm glamourizado a “reportagem investigativa” além de todos

os limites, e têm se mostrado um fator de atração, para um crescente nú

mero de jovens, às escolas de jornalismo, representa um fenômeno dc

curto-prazo com concebíveis conseqüências de longo alcance. No mo

mento, há um ponto comum de referência, “Watergate”, que confirma a

importância do jornalismo empreendedor. Ele empresta à colcha de retalhos das mudanças institucionais provisórias que conduzem a um dis

tanciamento das convenções da objetividade uma identidade cultural dc

força considerável. Nunca antes existiu um símbolo nacional de reporta

gem investigativa com conteúdo e alcance - e efeito - comparáveis, mes

mo remotamente.

A reportagem investigativa continua a ser um empreendim ento muito precário. É cara, mas deve sobreviver em jornais com consciência

64. Do relatório do Fund for Journ a l ism Investigative  [Fundo para o Jornalismo Invest igat ivo) 

[mimeo.J, 1977, sob re suas doaç ões, e do panf leto pub licitár io explic ando sob re o Fundo. Em 

1976, a Fundação Sab re, organizada em 1969, estabeleceu o The Jou rnal ism Fund , para forna* 

cer pequenas subvenções para os jornal is tas que invest igam abusos do governo e divulgam  

seu trabalho em publicações associadas. As publicações associadas incluem The New Repu 

büc, Inq uiry , Washington Mon thly , Progressive, Hum an Events, f íeaso n  e Nat ion al Enterpr ise   

um grupo mais ecumênico.

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224 Coleção Clássicos da Comunicação Social

crescente dos custos. Estabelece uma elite jornalística potencialmente

em conflito com a geralmente democrática sala de redação65. É um tra

balho muito duro, com resultados raramente tão fascinantes quanto umimpeachment.   Muitos investigadores acabam desiludidos. Que o traba

lho investigativo tenha sido institucionalizado, em certa medida, na dé

cada an terior, não é garantia de que sobreviverá. Em bora os investigado

res possam ter um lugar na sala de redação, isso não lhes garante um pos

to igualmente permanente no jornal em si. Nesse sentido, a grande ino

vação dos anos 19 30 - o colunista - garantiu uma posição mais segurano jornalismo do que o jornalism o de investigação da década de 1 960 . O

colunista é apoiado por sua reputação entre os leitores da comunidade

local ou nacional; os repórteres investigativos raramente têm seguido

res, e seu apoio vem unicamente da atmosfera do jornalism o em si. Ape

nas isso, e a contínua potência do símbolo “Watergate”.

O que é provável acontecer nas escolas de jornalism o e nas redaçõesde todo o país, à medida que novos recrutas entrarem em campo, é que

lhes será pedido que esqueçam o romantismo da atividade do jornal e

aprendam as velhas regras básicas do quem, o quê, onde e quando da re

portagem. Serão incentivados a renovar os rituais da reportagem objeti

va. O jornalismo de investigação, como a reportagem interpretativa,

pode ter suas tradições e sua recompensa, mas não terá os seus manuais.Ele requer uma subjetividade madura, uma subjetividade temperada por

encontros com as opiniões de outros profissionais expressivos na ativi

dade, e uma consideração para com eles; e uma subjetividade amadure

cida por encontros com os fatos mundiais, e um respeito por eles. Não

existe um livro que ensine isso. M esm o o clássico de Curtis MacD ougall,

Interpretative Reporting, na verdade, dedica apenas um pequeno capítulo aos problemas de interpretação; o título do livro é uma filosofia, mas

não um programa.

O exercício do julgamento não é algo que os editores desejam confi

ar aos repórteres novatos. Mesmo jornalistas veteranos que acreditam

na necessidade da interpretação instigam os jovens repórteres a com eçar

65. Cf. CONSOLI. "Investigative Reporters". Op. cit., p. 5.

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Descobrindo a noticia 225

em uma editoria de cidades ou uma agência de notícias, aprendendo a

escrever notícias convencionais, de acordo com as mais estritas normas do

 jornalismo objetivo. Separar fatos de opiniões ainda é uma das primeirascoisas que os jovens repórteres aprendem e uma das únicas que podem ser

ensinadas em forma de catecismo. Não é provável que isso mude.

O que não significa que as mudanças da década passada não terão

influência duradoura no jornalismo.

Não consegu imo s crer que alguém

faça algo melho r,

escreveu Robert Lowell em “For Eugene M cC arthy”. Apesar do apaixo

nado comprometimento político do final dos anos 1960, ainda assim

não ocorria naturalmente a muitas pessoas acreditar que alguém pudesse

fazer algo melhor. Isso fez de MacCarthy um simbolo perfeito, pois era

um homem que de forma bastante óbvia tinha, ele próprio, dificuldades

de acreditar nisso. Depois que a onda dos anos de 1 96 0 passou, nós nosperguntamos mais uma vez se alguém fez algo melhor e se, de fato, algo

mais do que momentaneamente melhor ocorreu, apesar das exaltações e

aflições, da coragem e da loucura da última década.

N o jornalismo, o declínio dos movimentos sociais dos anos de 1 96 0

esgotaram os recursos psíquicos e organizacionais que sustentavam um

alto volume de crítica jornalística e reformas. Há pouco apoio agorapara o tipo de jornalismo de defesa mobilizado que floresceu nos jornais

underground. Muito da análise crítica sobre o jornalismo se extinguiu.

Esforços incipientes em “democracia na redação” desapareceram 66. Mas

o resíduo da reforma continua impressionante. Exceto por uma intensi

ficada guerra fria ou alguma outra mordaça cultural e política sobre a di

vergência, podemos esperar que a cultura crítica continue como umavoz no jornalismo e como um mercado para seus produtos. Não existe

um novo ideal no jornalismo que desafie com sucesso a objetividade,

mas há a expectativa por algo novo, uma insatisfação latente em relação

à reportagem objetiva. Não houve nenhum salto mágico além da difícil

66. DREIER, P. "Newsroom Democracy: A Case Study of an Unsuccessful Attempt at Worker  

Control" [mimeo], 1977.

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226 Coleção Clássicos da Comun icação Social

compreensão de que as percepções humanas são subjetivas, e nenhuma

solução fácil para o dilema de que os eventos que se relata são pré-fa

bricados por instituições poderosas - e, todavia, há mais tolerância e incentivo em relação a uma variedade de formas de conhecimento e escrita.

O Boston Herald , antigo  penny paper , escreveu, em 1847, que seu

principal propósito era “dar voz ao espírito da época”. Pretendia ser

“um historiador zeloso do período” e proclamava sua intenção de “agru-

 par   e retratar   os eventos do momento e imprimi-los para o alcance dos

olhos do público, em linhas que não se apagam”. Hoje suspeitamos dapropensão do agrupamento e da retórica da retratação; percebemos as

mentiras na fotografia e o astigmatismo dos olhos do público. Mesmo a

promessa do Herald  de um “retrato fiel e realista” da sociedade seria

questionada em nossa época de autoconsciência, em que o ceticismo em

relação aos dogmas se estende a outros dogmas que proclamam o ceticis

mo. Que prospecto se poderia escrever para um jornal hoje?Eu não sei. Só sei que é algo importante. Os jornalistas, como outros

investigadores, devem aprender a confiar em si mesmos e em seus pares

e no mundo, o suficiente para assimilar tudo, enquanto desconfiam de si

mesmos, dos outros e das aparências do mundo o suficiente para que

não sejam engolidos por tudo. Eles se recusariam, então, como alguns

deles fazem agora, seja a se render ao relativismo seja a se submeter acri-ticamente a convenções arbitrárias estabelecidas em nom e da objetivida

de. Isso requer uma tolerância, tanto pessoal como institucional, da in

certeza, e a aceitação do risco e do compromisso de cuidar da verdade.

Se tal atitude é difícil no jornalismo , não obstante torna-se mais essenci

al, uma vez que as convicções cotidianas dos jornalistas refletem e se tor