ANÁLISE FÍLMICA TOMATES VERDES FRITOS LETÍCIA BRAGA bragale14@gmail.com

Ficha Tecnica

Título Original: Fried Green TomatoesDireção: Jon AvnetProdução: Anne Marie Gillen, Jon AvnetRoteiro: Carol Sobieski, Fannie FlaggFotografia: Geoffrey SimpsonDireção de Arte: Larry FreltonEdição: Sabrina PliscoFigurino: Elizabeth McBrideGênero: Drama/Comédia.Ano: 1991Duração: 130 minutosMúsica: Thomas NewmanEmpresas envolvidas em set e distribuição: Universal Pictures, Act III Communications, Eletric Shadow Productions

Elenco:

Kathy Bates como Evelyn CouchMary Stuart Masterson como Idge ThreadgoodeMarie-Louise Parker como Ruth JamisonJessica Tandy como Ninny ThreadgoodeGaulard Sartain como Ed CouchStan Shaw como Big GeorgeCicely Tyson como SipseyChirs O’Donnell como Buddy ThreadgoodeNick Searcy como Frank BennettRichard Riehle como Reverendo ScrogginsMacon McCalman como Prosecutor Percy

Resumo

Toda semana, Evelyn visita a tia de seu marido Ed no hospital, mas não é bem recebida pela paciente. Num momento de tristeza, ela acaba conhecendo Ninny Threadgoode , uma senhora de 83 anos que adora contar histórias. Nestas conversas semanais, Ninny passa a lhe contar a história de Ruth e Idgie , duas moças que construíram uma forte amizade nos anos 20, provocando polêmica na cidade, principalmente por tratarem bem os negros.

Em torno do filme

“Tomates Verdes Fritos” é um filme delicado, que aborda com sutileza alguns assuntos potencialmente controversos. Sutileza, aliás, é a palavra que melhor define a direção de Jon Avnet, que conduz a narrativa com elegância desde o primeiro plano do filme, que remete ao assassinato de Frank Bennett, com o caminhão sendo retirado da água. É possível reparar ainda a perfeita composição do plano em que Ruth revela o olho roxo, surpreendendo o espectador quando vira o rosto para atender ao chamado do marido, revelando os problemas que ela tinha naquela conturbada relação. E além dos belos enquadramentos, Avnet mostra competência na condução de cenas marcantes, como a chocante morte de Buddy. Aparentemente inofensiva (vemos Buddy tentando pegar o chapéu que voa levemente sobre os trilhos), o tom da cena muda repentinamente quando o pé do rapaz se enrosca nos trilhos, mas o espectador mantém um fio de esperança de que no momento final Buddy vá escapar. Infelizmente, não é o que acontece, e o plano seguinte confirma a tragédia. Vale citar ainda a bela cena em que Ruth e Idgie jogam comida para os pobres de dentro do trem, com o rosto daquelas crianças esperançosas implorando por ajuda.

Certamente um dos destaques do longa, o roteiro escrito por Fannie Flagg e Carol Sobieski, baseado em livro de Fannie Flagg, demonstra coragem não apenas por abordar uma relação tão íntima entre duas mulheres, mas porque não maquia o repugnante preconceito que imperava na época, quando a sociedade tratava os negros como meros criados destinados a servi-los da melhor maneira. Além disso, a estrutura narrativa de “Tomates Verdes Fritos” abusa dos flashbacks, que neste caso funcionam bem, por causa da narração envolvente e da dinâmica montagem , que alterna entre passado e presente num ritmo delicado. E se claramente há um corajoso subtexto homossexual na amizade entre Ruth e Idgie, o longa jamais responde abertamente a questão (o que é coerente com o período em que a história se passa, quando o preconceito estava ainda mais arraigado nas pessoas), preferindo indicar sutilmente o sentimento que ambas nutriam através de pequenos gestos.

Exatamente por isso, quando vemos Ruth se preparando para a morte e Idgie, emocionada, repetindo a história do lago que foi parar na Georgia, é muito difícil conter as lagrimas, exatamente por acreditarmos no amor verdadeiro que elas sentiam. O espectador sabe que Idgie está perdendo mais que uma amiga naquele momento, está perdendo a pessoa mais importante da vida dela. E até mesmo o plano distante de Avnet demonstra profundo respeito pelo momento, como se o

diretor estivesse observando de longe aquela triste despedida, refletida até mesmo na fotografia obscura da cena. Ruth se destaca ainda na cena em que conta sobre as orações que de nada adiantaram para salvar sua mãe, transmitindo com exatidão a aflição que ela sentia por não ter reagido como deveria, provocando também a mudança de Evelyn, que em seguida reage às provocações de duas mulheres num estacionamento. A partir deste momento, Evelyn passa a pensar mais nela e menos no marido, começando a cuidar da saúde e a mudar tudo que lhe desagrada e, em seguida, entra empolgada no hospital, colocando pra fora todos os anos de repressão e angústia. É gritante a diferença desta Evelyn para a mulher que seguia cegamente as dicas do curso para esposas, se enrolando em papel para surpreender o marido, numa cena tragicamente engraçada, que expõe o quanto aquela relação estava deteriorada – algo que fica evidente também quando o marido sequer lhe dá atenção, preferindo assistir qualquer jogo que estiver passando na televisão. Aliás, até mesmo a forma física do casal evidencia que a preocupação em agradar ao outro já ficou no passado faz tempo. Mas a grande mudança na vida de Evelyn estava por vir – e o olhar dela para o café, sentindo o sopro do vento e imaginando o barulho do trem logo no início do filme, já indicava a importância que aquele local teria em sua vida, sem que ela jamais necessitasse pisar dentro dele. E o agente motivador desta mudança é Ninny, que renova o espírito de Evelyn (e do espectador) com sua forma direta e otimista de olhar para quase todas as situações e desafios de nossa jornada. Por isso, quando vemos Ninny deprimida olhando para sua antiga casa, a tristeza é inevitável. Só que até este momento de fraqueza engrandece Ninny, ao mostrar que ela é vulnerável como qualquer um de nós, mas ainda assim sempre busca uma nova maneira de sorrir.

Análise

O longa trabalha com dois tipos de amizade, a fraterna e a romântica, sendo a segunda subjetiva com algumas pistas pelo filme. Mas ambas são empoderadoras, onde uma mulher inspira a outra a não depender do marido, a se defender, se sustentar e a ser positiva.

A sugestão romântica na segunda amizade começa quando Idge era criança, fazendo uso de roupas masculinas. O filme é repleto de cenas a serem interpretadas pelo telespectador como quando Ruth diz para Idgie que aquele tinha sido o melhor aniversário de sua vida e dá um beijo na amiga após falar que vai se casar em breve e Idge não disfarçar o desgosto. Muitos anos mais tarde, diante de um júri e da sociedade local, ela declararia que Idgie era sua melhor amiga e que a amava. Já Idgie era mais espontânea, não hesitando, por exemplo, em arrancar Ruth das mãos de seu violento marido, chegando a ameaçá-lo de morte. Há também a cena do piquenique e da guerra de comida que contam com conotações sensuais e demonstrando intimidade. E até o filho de Ruth leva o sobrenome de Idge, indicando que elas poderiam ser um casal.

A trama apresenta dois mistérios, sendo um revelado no filme e outro deixando o espectador suspeitando. O primeiro grande mistério é sobre quem matou Frank Bennet, apesar de durante boa parte do filme, quem assiste acredita que foi mesmo Idge quem o matou. A resolução é surpreendente, pois ninguém esperava uma personagem secundária ser uma heroína.

O segundo mistério que por sua vez não é claro, é se Ninny é Igde.Ninny em alguns momentos conta suas histórias na primeira pessoa do plural, sugerindo que ela estava presente na história. Ela apresenta traços de Idge como espontaneidade e ser inusitada e positiva. Além de contar sobre as personagens com muitos detalhes que dificilmente alguém de fora saberia, ela tem vários retratos de Idge e Ruth no seu quarto no hospital. Ela também diz que teve filho logo antes da menopausa, ou seja, com idade já avançada, que contribui para a teoria de que após a morte de Ruth, Idge pode ter se casado com um homem e ter tido um filho. E também fala pra Evelyn que Ruth costumava dizer que existe um Deus separado para crianças, e em um momento posterior o filme retrata Ruth dizendo isso para Idge. Mas é só uma teoria.

O filme, apesar de ter um atmosfera amena, faz várias críticas à sociedade e ao senso comum da época. Criticam a hipocrisia da igreja, o machismo, a instituição casamento e se destaca na crítica ao racismo também.

Considero as personagens mais complexas sendo Evelyn e Idge, que o filme revela com sutiliza suas respectivas psicologias.

Evelyn desde o começo já é retratada demonstrando ansiedade, compulsividade e reprimidão, tudo descontado nos doces. No início mesmo já revela seu sobrenome e do marido: Couch (sofá, em inglês), que muito há a dizer sobre a vida do casal e do relacionamento deles, que é preguiçoso e está no comodismo com a saúde e um com o outro. Até que Evelyn ouve toda a história e lentamente vai se inspirando em Idge e renascendo, assim como aconteceu com Ruth. Assim que Ninny começa a falar de Idge, ela já revela algo importante quando diz "para 'compreender' Idge, é preciso falar sobre seu irmão, Buddy", ou seja, o palpite é que sua vida vai girar em torno da perda do querido irmão. Essa admiração profunda que tinha por Buddy pode ter contribuído para que adquirisse um sentido de proteção aguçado pra não perder mais ninguém. Um reforço em sua postura "masculina" tentando desempenhar o papel de Buddy para ela mesma. Ela também pode ter "herdado" o sentimento de Buddy para Ruth, então quis amar e proteger Ruth como seu irmão faria. {Assim como Ruth pode ter se apaixonado por ver tantos traços físicos e emocionais como de contar histórias de Buddy nela}. Ela também diz gostar de trens mas pode ser uma forma de querer de aproximar do irmão. E assim como ela assumiu o papel de Buddy para si quando ele se foi, ela pode ter assumido as posturas "femininas" de Ruth quando ela morreu também e se tornado Ninny, como sugere em uma cena deletada, ela de vestido na formatura de Buddy Jr.

Concluindo, é preciso considerar que a sociedade atual é muito maliciosa e sexualiza até as atitudes mais simples de demonstração de afeto e carinho. Porém a sociedade que o filme retrata era conservadora demais para enxergar nas duas um caso homossexual. Idge protegia com unhas e dentes qualquer um que fosse seu amigo, como Big George, por exemplo. E é preciso ressaltar que como a história é narrada, tudo o que é contado e que decide de quais personagens vamos gostar ou não, é manipulado por Ninny, mas não no sentido pejorativo.