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    Janeiro, Fevereiro e Maro de 2008Periodicidade Trimestral

    Ano 5 - N. 19ISSN 1646-1819

    DirecodeServiosdeFormaoeAdaptaesTec

    nolgicas

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    ndice

    Fich

    aTcnica

    DIRECTORA Maria Jos de Jesus CamachoREDACO Servios da Direco Regional de Educao Especial e ReabilitaoREVISO Direco de Servios de Formao e Adaptaes TecnolgicasMORADA Rua D. Joo n. 57

    9054-510 FunchalTelefone: 291 705 860Fax: 291 705870

    E-MAIL [email protected] E PAGINAO Direco de Servios de Formao e Adaptaes Tecnolgicas

    ISSN 1646-1819IMPRESSO O LiberalFOTOS Direco Regional de Educao Especial e Reabilitao / Kelly Ward / Estdio Quattro

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    Editorial

    O Atendimento Educativo dos Sobredotados: Ritmos Diferentes nos

    Estados Unidos, na Europa e em Portugal

    Definio, Caractersticas e Educao de Alunos Sobredotados

    A Interveno Psicolgica na Sobredotao

    Uma Realidade... Diferentes Olhares

    Uma Ida ao Teatro Amor de Dom Perlimplim com Belissa em seu Jardim

    Espao

    Legislao

    Livros Recomendados

    TIC - Tecnologias de Informao e Comunicao

    Formao

    Notcias

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    Editorial

    Maria Jos CamachoDirectora Regional de Educao

    Especial e Reabilitao

    A ideia da existncia de uma inteligncia superior em determina-

    das crianas, jovens ou adultos constituiu-se, ao longo dos tempos, emcampo de pesquisa por parte de muitos investigadores, na tentativa de

    compreender e ajustar respostas educativas e sociais para esta popula-

    o especfica.

    Herdeira dos resultados que as novas descobertas, avanos cientfi-

    cos, conhecimentos e saberes introduziram na rea educativa, social e

    cultural, a sobredotao converteu-se num domnio de referncia, con-

    quistando um lugar proeminente na definio de prticas transversais e

    diferenciadas, protagonizadas por diferentes actores educativos.

    No entanto, pelas caractersticas de subjectividade que pode encer-

    rar, consideramos que a ideia de sobredotao ainda no conseguiu

    libertar-se totalmente dos mitos a que frequentemente aparece asso-

    ciada, tornando-se fundamental o derrubar de obstculos conceptuais

    neste campo e o reconstruir de um significado multidimensional e con-

    sensual que possibilite uma interveno eficaz, ajustada, diferenciada,

    respeitadora e atenta s especificidades, condies e necessidades

    desta populao.

    Neste nmero, para alm de uma anlise crtica ao Decreto-Lei n.

    3/2008, que define o Regime de Apoios Especializados na rea da Edu-

    cao Especial, deixamos aos nossos leitores a ocasio de estabelecerum confronto entre as opinies de investigadores e tcnicos e aqueles

    que, sentindo-se talentosos numa determinada rea, tal como Ferno

    Capelo Gaivota, afirmam, de viva voz, procurar horizontes mais vastos

    de realizao:

    A maior parte das gaivotas no se querem incomodar a aprender mais do

    que os rudimentos do voo, como ir da costa comida e voltar. Para a maior par-

    te das gaivotas, o que importa no saber voar, mas comer. Para esta gaivota,

    no entanto, o importante no era comer, mas voar.(Richard Bach, 1989).

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    Artigos

    Ao longo da histria da humanidade sempre houve

    pessoas capazes de um desempenho muito superiore excepcional em diversas reas (Colangelo & Davis,1997; Cropley, 1999; Tannenbaum, 2000). Por exem-plo, em Esparta, as competncias militares eram muitovalorizadas pelo que a sobredotao se caracteriza-va por excelentes desempenhos em combate, compe-ties de lutas e liderana. Em Atenas, os rapazes dasclasses mais altas frequentavam escolas particularesonde aprendiam contedos acadmicos e realizavamtreino fsico. Aos rapazes mais velhos, os sofistas tam-bm ensinavam Matemtica, Lgica, Retrica, Poltica,Cultura e Argumentao. Na Europa Renascentista,uma srie de personagens sobredotadas manifestou--se em vrias reas (artistas, arquitectos e escritores),destacando-se, por exemplo, Miguel ngelo ou Leo-nardo da Vinci (Colangelo & Davis, 1997).

    No entanto, a noo de comportamento sobredota-do, inerente ao conceito de sobredotao, relativa-mente recente. A esse respeito, Borland (2005) afirmaque as crianas sobredotadas existem as far as I cantell, in the second decade of the 20th century as a re-

    sult of a confluence of sociocultural and sociopolitical

    factors that made the creation of the construct useful

    (p. 3). Nesse sentido, compreendem-se os avanos erecuos que, por vezes, as polticas educativas, reflexode actos polticos, assumem perante a sobredotao(Gallagher & Gallagher, 1994; Rudnitski, 2000).

    A definio de sobredotao no est isenta deinseguranas e de controvrsias (Acereda & Sastre,

    1998). O conceito no esttico, est em constanteevoluo, sendo que a tendncia actual caracteri-zada pela considerao de outras variveis alm dascognitivas e da inteligncia (Gallagher, 2000; Heller,2007). A multiplicidade de conceitos acaba por traduzira multiplicidade de critrios a ter em conta na defini-o de sobredotao, implicando que a avaliao sejatambm multi-referencial, abrindo, consequentemen-te, um leque diversificado de propostas de interveno(Almeida & Oliveira, 2000).

    A Sobredotao nos Estados Unidos da Amri-ca

    Nos Estados Unidos da Amrica (EUA) o interesseactual pela sobredotao resultado da intersecode diversos movimentos educativos com alguns acon-tecimentos histricos. As primeiras medidas de aten-o sobredotao foram adoptadas no sculo XIX(iniciando-se em 1870, em Saint Louis), caracterizan-do-se, sobretudo, pela aplicao em alguns estados

    de vrias formas de acelerao escolar, que permitiamaos alunos brilhantes uma progresso mais rpida nosestudos em relao aos colegas (Colangelo & Davis,1997).

    No sculo XX (1901) foi criada a primeira escola es-pecial para alunos sobredotados em Massachusetts,seguindo-se a criao progressiva de aulas especiaisnoutros estados. No incio dos anos 20, mais de meta-de das grandes cidades tinham algum tipo de progra-ma de atendimento aos alunos sobredotados nos EUA.

    No entanto, durante as dcadas de 20 e 30 houve umadiminuio do interesse na educao destes alunos.Por um lado, as questes de igualdade e democracia

    O Atendimento Educativo dos Sobredotados:

    Ritmos Diferentes nos Estados Unidos, na Europae em Portugal

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    Artigosassumiram uma grande repercusso, colocando-se a

    tnica na acepo do indivduo comum, do que nose afasta da norma e, por outro lado, a Grande De-

    presso levou a que as pessoas se preocupassem,essencialmente, com questes de sobrevivncia, sen-do que a educao dos sobredotados no constituauma prioridade.

    O lanamento do satlite Sputnik pela Unio Sovi-tica, em 1957, revelou-se o acontecimento histricoque mais condicionou o empenho crescente dos EUAna promoo da educao dos alunos sobredotados.Para no serem ultrapassados, entraram em competi-o com os soviticos e desencadearam uma srie de

    medidas de identificao e de interveno com alunossobredotados (Colangelo & Davis, 1997; Tannenbaum,2000).

    A eleio de J. F. Kennedy, com as suas apostas nameritocracia, sobretudo no desenvolvimento cientficoe na lealdade ao Pas, contribuiu, no incio da dcadade 60, para a continuidade do investimento nas pes-soas sobredotadas. No entanto, esse entusiasmo foidiminuindo devido a outros acontecimentos que pres-sionaram o desvio da ateno dos sobredotados para

    essas problemticas (por exemplo, movimentos pelosDireitos Civis, pela integrao escolar e pela educa-o compensatria ou a guerra do Vietname) (Tannen-baum, 2000).

    Porm, na dcada de 70, verificou-se um novo in-teresse na temtica da sobredotao, o qual se temmantido e crescido at aos dias de hoje. Foi nessecenrio que Marland (1972) apresentou a primeiradefinio formal de sobredotao, a qual instigou osdiversos estados a constiturem mecanismos de aten-

    o educao dos sobredotados. Em 1990, todosos estados americanos j tinham decretado legislaosobre esta temtica (Prez & Losada, 2006). Mas, luzde uma educao inclusiva e igualitria no tem sidodefinido um suporte legal to extenso para os alunossobredotados como para os alunos com dificuldades(Karnes & Marquardt, 1997). Mais recentemente, em2002, a introduo da nova lei federal (Public Law107-110), conhecida pela designao No child left behind(NCLB), tem desencadeado alguma contestao nosEUA. Advoga que nenhuma criana seja deixada paratrs, mas no considera, claramente, as necessida-des dos alunos sobredotados. Gallagher (2004) refere

    que a ideia subjacente de melhorar a aprendizagemde todos os alunos e diminuir a distncia entre os alu-nos em risco e os alunos sobredotados deve alertar os

    educadores e os pais dos alunos sobredotados que,se estes ficarem sem a interveno necessria, po-dem ser os alunos que ficam, realmente, de fora. Mas,apesar das dificuldades de equilbrio entre a igualdadee a excelncia, em todos os estados dos EUA existelegislao e diversas escolas e comunidades tm pro-gramas e servios de atendimento aos alunos sobre-dotados (Gallagher, 2000; Prez & Losada, 2006).

    A Sobredotao em alguns Pases Europeus

    A Europa um continente de uma diversidade cul-tural, ideolgica e econmica muito grande, o quetambm se reflecte no sistema educativo e, conse-quentemente, na educao dos sobredotados, sendoque estes tm sido tratados com alguma ambivalnciaao longo dos anos (Mnks & Pflger, 2005; Persson,Joswig & Balogh, 2000). De acordo com alguns au-tores (Prez & Losada, 2006; Alonso et al., 2003), aateno educao dos alunos sobredotados recebeum especial destaque com a Recomendao do Con-

    selho da Europa n. 1248, em 1994. Mais concreta-mente, o Conselho da Europa recomenda que sejamtidas em conta, nas polticas educativas de cada Es-tado, as necessidades de legislao, de promoo dainvestigao, de formao de professores, de anliseda resposta educativa especfica dentro do sistemaescolar regular e das medidas que no promovam aatribuio de rtulos, prejudicando os alunos.

    Para uma melhor caracterizao da situao a n-vel europeu, alm da Unio Europeia, recorremos aos

    dados de um estudo realizado por Persson e colabora-dores (2000), onde conseguiram informao relativa a25 dos 40 pases europeus. Seguimos, como os auto-res, agrupando os dados por trs grupos geogrficos:a zona Norte da Europa; a zona Central, Oeste e Sulda Europa e a zona Este da Europa, incluindo os Bal-cs e a Ucrnia.

    Zona Norte da Europa

    A zona Norte da Europa inclui a Escandinvia, as

    ilhas Britnicas, a Rssia e os estados do Bltico. NaEscandinvia, incluindo a Dinamarca, a Noruega, a Su-cia e a Finlndia, encontramos uma posio bastante

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    Artigos

    distinta dos outros pases europeus face educaodos sobredotados. Inserido num modelo caracterizadopor um ideal de interdependncia entre as pessoas e

    uma relutncia em criar um sistema de polticas querecompense ou promova a excelncia de uns sobre osoutros, a sobredotao, sobretudo na Dinamarca, naNoruega e na Sucia percebida sob a Law of Jan-te (expresso do novelista dinamarqus Aksel San-demose, em 1993), a qual significa a desadequaodo orgulho pessoal, ou seja, de que ningum se devesentir especial.

    Nas ilhas Britnicas a postura educativa um tan-to paradoxal. O reconhecimento e o desenvolvimento

    das altas habilidades tm sido uma parte integrante dasociedade inglesa (a tradio de escolas muito pres-tigiadas para uma elite). No entanto, este interesse fruto de uma espcie de separao de classes, quetem gerado alguns conflitos entre as classes de esta-tuto social mais elevado e as classes de estatuto so-cial baixo. Apesar destas escolas serem reconhecidaspela sua excelncia e terem muita tradio, no pa-recem contribuir para o reconhecimento da educaodos sobredotados como uma necessidade no sistema

    escolar nacional. O processo de reconhecimento dasnecessidades especiais dos sobredotados e da edu-cao inclusiva tem sido longo e, de alguma forma,separado das decises polticas e legislativas.

    Na Rssia e na antiga Unio Sovitica, antes daRevoluo de Outubro, em 1917, as crianas talento-sas nas reas de pintura, ballet e msica deslocavam--se para escolas com tradio, em Moscovo e em SoPetersburgo. No entanto, a crena de que a Rssiatem uma longa tradio na educao de sobredota-

    dos, por exemplo, em Cincias e em Matemtica, falsa. Uma ateno maior foi despoletada, como nosEUA, em consequncia da Guerra Fria, sendo que aprimeira escola especial de nvel secundrio, desta-cando o ensino da Matemtica, foi criada em 1959(Persson et al., 2000).

    Actualmente, alm do desenvolvimento de pro-gramas de enriquecimento (os russos chamam-lhesprogramas de aprofundamento em vez de programaspara sobredotados) existem escolas especiais e clas-ses especiais em vrias reas como, por exemplo, Ma-temtica, Cincia e Tecnologia (Jeltova & Grigorenko,2005; Persson et al., 2000).

    Zona Central, Oeste e Sul da Europa

    Nas zonas Central, Oeste e Sul da Europa, que in-cluem os seguintes pases: ustria, Blgica, Frana,

    Alemanha, Itlia, Portugal, Sua, Espanha e Holanda,a poltica educativa tende a ser inclusiva, defenden-do que, idealmente, a educao deve ser integradano sistema escolar regular, como tambm defende adeclarao de Salamanca (1994). Partindo da, em al-guns pases, a legislao generalista em relao aosalunos sobredotados, mas permite a interveno comos mesmos, na medida em que so alunos a quemdeve ser permitido o desenvolvimento do seu poten-cial. Alguns estados concebem a acelerao (entra-

    da antecipada ou avano de ano(s) lectivo(s) maisrapidamente) e o enriquecimento (diferentes formasde enriquecimento so desenvolvidas nestes pases)como medidas de interveno legisladas e reconheci-das para os casos de sobredotao.

    Zona Este da Europa

    Na zona Este da Europa, pases como a Bulgria,a Crocia, a Hungria, a Polnia, a Romnia, a Eslo-vquia, a Eslovnia e a Ucrnia reconhecem, de uma

    forma geral, a sobredotao na legislao. Legislaoesta que foi introduzida, sobretudo, nos anos 90, de-pois da era comunista. No entanto, j antes do pero-do comunista, havia a tradio de classes especiais,workshops e cursos, que foram tolerados e permitidospelas autoridades na condio de aqueles talentos se-rem embaixadores da promoo dos ideais do Es-tado Comunista a nvel internacional. Nesse sentido,as reas de eleio incluam o desporto, as artes eas cincias. Actualmente, tm sido notados grandes

    avanos e esforos na regulamentao e sustentaodestes pases na educao da sobredotao.

    A Sobredotao em Portugal

    Em Portugal esta uma problemtica que perma-neceu adormecida, na sociedade e no contexto esco-lar, durante muitos anos. S a partir da dcada de 80 aquesto foi sendo levantada por algumas associaesprivadas de pais e de professores (DaSilva, 1997).Mais recentemente, alguns tcnicos tm manifestado

    interesse em estudar esta problemtica, reflectindo-setambm este interesse em propostas de investigaoe de interveno, bem como na realizao de alguns

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    Artigosencontros cientficos e na criao de associaes (Mi-

    randa & Almeida, 2002; Mnks & Pflger, 2005). Porexemplo, em 1986, realizou-se a 1. Conferncia Inter-

    nacional sobre Crianas Sobredotadas, numa iniciati-va da Associao Portuguesa de Crianas Sobredo-tadas - APCS (associao criada nesse mesmo ano).Em 1989, em Lisboa, criado por pais e professoreso Centro Portugus para a Criatividade, Inovao eLiderana - CPCIL (Martins, 1997).

    Em 1996, o Departamento de Educao Bsica(DEB) lanou, em articulao com o CPCIL, o Pro-

    jecto de Apoio ao Desenvolvimento Precoce - PADP- com o objectivo de promover o desenvolvimento de

    alunos com precocidade intelectual ao nvel do ensi-no bsico em algumas escolas piloto (Martins, 1997).Dois anos mais tarde, o DEB organizou um programade Vero, convidando 150 participantes do 3. e 4.anos de escolaridade, o qual pode ser considerado oprimeiro programa oficial, no nosso Pas, para alunoscom altas capacidades (Persson et al., 2000). Nessemesmo ano, o Ministrio da Educao tambm fezchegar s escolas portuguesas um documento inti-tulado Crianas e jovens sobredotados: Interveno

    educativa com indicaes de caracterizao e de in-terveno com estes alunos (Senos & Diniz, 1998).Tambm em 1998, foi criada mais uma associao,a Associao Nacional para o Estudo e Intervenona Sobredotao ANEIS, tendo vrias delegaesespalhadas por vrias zonas do Pas.

    Actualmente, as quatro associaes referidascontinuam a desenvolver trabalho, tendo em comumalguns pontos: a formao de pais e educadores, aconsulta e apoio a alunos, a realizao de programas

    de enriquecimento e a organizao de encontros deformao. Existe, ainda, uma outra associao, que,dada a publicidade meditica que tem desenvolvido,tem sido bastante divulgada junto da populao. Refe-rimo-nos ao Instituto da Inteligncia e a valncia Aca-demia de Sobredotados, uma instituio privada quefunciona desde 1999.

    Do ponto de vista legislativo a considerao destesalunos ainda no clara. A Lei de Bases do SistemaEducativo (LBSE), a Lei n. 46/86, de 14 de Outubro,em vigor desde 1986, consagra e defende igualdadede oportunidades no acesso e sucesso escolares atodos os alunos (Miranda & Almeida, 2002). Nessa li-

    nha, os alunos com altas capacidades no podem sersegregados ou omitidos, devendo a escola procurarresponder s suas individualidades e promover o de-

    senvolvimento do seu potencial.No entanto, a legislao portuguesa no tem sido

    explcita em relao sobredotao, revelando-se adificuldade em legislar sobre este assunto (Pereira,2004) e no abarcando os alunos sobredotados no re-gime de educao especial redefinido recentemente(Decreto Lei n. 3/2008, de 7 de Janeiro).

    Encontra-se regulamentada a entrada antecipadano 1. ciclo ou a concluso do 1. ciclo com 9 anosde idade, podendo completar o 1. ciclo em trs anos,

    e o salto de um ano durante a frequncia do 2. oudo 3. ciclo de escolaridade (Despacho Normativo n.30/2001, de 30 de Junho), bem como a possibilidadede realizao de programas de desenvolvimento diri-gido aos alunos com resultados excepcionais (Despa-cho Normativo n. 50/2005, de 20 de Outubro).

    A Regio Autnoma da Madeira (RAM), no entanto,destaca-se em Portugal - face ao Continente - pelamaior tradio e trabalho feito nos campos da iden-tificao e apoio aos sobredotados. H mais de dez

    anos que na Madeira o tema justificou orientaes emtermos de polticas educativas, tendo inclusive dadoorigem formao de professores e outros tcnicosde apoio, em particular porque desde o incio se pro-curou apoiar as vrias formas de talento que no ape-nas o intelectual e o acadmico. Assim, a RAM adoptalegislao especfica para estes alunos (Decreto Re-gulamentar Regional n. 13-A/97/M, de 15 de Julho eDecreto Regulamentar Regional n. 16/2005/M, de 17de Dezembro), permitindo desencadear vrias aces

    em prol dos alunos sobredotados atravs de unidadesprprias dependentes da Direco Regional da Edu-cao Especial e Reabilitao (DREER).

    Concluso

    Durante o sculo XX, aconteceu o despertar para oestudo da sobredotao, sendo que a educao dosalunos sobredotados foi assumindo uma importnciacrescente. Para isso contriburam diversos movimen-tos educativos mas tambm alguns acontecimentos

    histricos. O interesse pela sobredotao parece estarassociado a determinados momentos da Histria, quepodem estimular ou inibir o investimento nesta rea.

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    Artigos

    Situaes de crise parecem despoletar o interesse pe-los alunos sobredotados, na medida em que deposi-tada neles a esperana da mudana face a determina-

    da problemtica (Gallagher & Gallagher, 1994).Por outro lado, parece difcil equilibrar a opo de

    poltica educativa pela excelncia e pela igualdade,tanto nos Estados Unidos da Amrica como na Europa.Na Amrica, apesar de alguma tradio na educaodestes alunos e dos vrios estudos realizados, pareceque, em termos de legislao federal, a referncia ex-plcita a estes alunos no tem acontecido nos ltimosanos. Na Europa, os diferentes pases tm adoptadodiferentes linhas de actuao. Na zona Central, Oeste

    e Sul da Europa, sob o ideal de uma poltica educati-va inclusiva, diversos pases tendem a formular umalegislao generalista face aos alunos sobredotados(Persson et al., 2000). Portugal integra-se neste grupode pases, onde no existem normativas especficasem relao aos alunos mais capazes (excepo feita Regio Autnoma da Madeira), revelando-se na es-cola uma dificuldade maior em desencadear procedi-mentos de identificao e de interveno sem enqua-dramento legal (DaSilva, 2000).

    Parece-nos que, apesar dos avanos encontradosna literatura e da existncia de crianas e de jovenscapazes de realizaes excepcionais, a consagraodos seus direitos realizao plena ainda no estcontemplada nas polticas educativas de muitos pa-ses. Por isso, ainda se colocam desafios inerentes desmistificao da problemtica, percepo de eli-tismo e estigmatizao que da pode ocorrer.

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    Ana Antunes & Leandro Almeida - Professores

    Catedrticos da Universidade do Minho

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    Resumo

    A educao dos alunos sobredotados tem justifica-do uma preocupao crescente por parte dos polticose dos profissionais da educao, bem como dos in-vestigadores das reas da psicologia e das cinciasda educao. Algumas dificuldades surgem na delimi-tao conceptual, tendo em conta a complexidade e

    a multidimensionalidade que a prpria noo de so-bredotao envolve. Outras dificuldades surgem dadefinio dum processo apropriado de identificao ea consequente especificao das prticas educativasmais ajustadas a cada aluno sobredotado.

    Palavras-chave: definio de sobredotao, iden-tificao e caractersticas do sobredotado, educaodos alunos sobredotados.

    Definio de Sobredotao

    Durante muitos anos, psiclogos, nomeadamen-te os da rea da psicometria, seguindo os passos deLewis Terman, em 1916, associavam sobredotao1 aQIs elevados. Este legado sobreviveu at actualida-de, em que sobredotao e QI elevado continuam, porparte de muitos, a ser considerados sinnimos. Noobstante esta constatao, desde muito cedo, outros

    investigadores (e.g., Cattell, Guilford e Thurstone) sus-tentaram a hiptese de que a inteligncia no pode ser

    expressa de forma unitria e sugeriram mltiplas abor-dagens do conceito.

    Dados da investigao conduzida nos anos 80 e 90do sculo XX provam a existncia de mltiplas compo-nentes a integrar a noo de inteligncia. Este facto particularmente observado por Robert Sternberg e Da-vidson na sua obra Conceptions of Giftedness e nasobras de Howard Gardner (1983, 1993). As diferen-tes concepes de inteligncia apresentadas nestasobras, embora distintas umas das outras, esto inter--relacionadas de vrias formas. A maioria dos investi-gadores define sobredotao em termos de mltiplasqualidades e nem todas so de origem intelectual oucognitiva. O QI , por vezes, visto como uma medidainadequada da sobredotao. A motivao, a elevadaauto-estima e a criatividade so qualidades-chave nasdefinies de sobredotao apresentadas por estesautores.

    A definio de Joseph Renzulli (1978) uma dasque apresenta melhor fundamentao cientfica. A de-finio de Renzulli inclui comportamentos sobredota-dos em vez de indivduos sobredotados e compostapor trs componentes. O comportamento sobredotadoconsiste nos comportamentos que reflectem uma inte-raco entre trs clusters de caractersticas humanas:(1) capacidades acima da mdia, (2) nveis elevadosde envolvimento na tarefa e (3) nveis elevados decriatividade. Os indivduos capazes de desenvolver um

    comportamento sobredotado so aqueles que sendocapazes de desenvolver este trio de caractersticas,aplicam-no a uma determinada rea de performancehumana. Em consequncia, as pessoas que so ca-pazes de desenvolver uma interaco entre estes trsclusters requerem uma larga variedade de oportunida-des educacionais e servios que no so oferecidosno dia-a-dia escolar atravs dos currculos acadmi-cos regulares.

    Johnsen (2004) explicita que todas as crianas so-

    bredotadas apresentam um potencial de alta perfor-mance nas reas includas na definio federal ameri-cana2 de aluno sobredotado ou talentoso, ou seja,

    Definio, Caractersticas e Educao de

    Alunos Sobredotados

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    gifted and talented when used in respect to students,

    children, or youth means students, children, or youth

    who give evidence of high performance capability in

    areas such as intellectual, creative, artistic, or leader-ship capacity, or in specific academic fields, and who

    require services or activities not ordinarily provided by

    the school in order to fully develop such capabilities.

    (Johnsen, 2004, p. 388). Neste contexto, um aluno so-bredotado ou talentoso significa uma criana ou um

    jovem que mostra um potencial remarcvel e eleva-do nvel de performance, quando comparado com ospares da mesma idade, experincia ou origem social.So alunos que demonstram elevadas capacidades

    intelectuais, criativas ou artsticas, possuem uma ca-pacidade de liderana fora do comum e sobressaemnuma determinada rea acadmica.

    As principais caractersticas destas definies so,em suma, as seguintes:

    (a) a diversidade de reas em que a sobredotaopode ser demonstrada (e.g., intelectual, criatividade,artstica, liderana, acadmica), (b) a comparaocom outros grupos (e.g., com os pares da mesma ida-de, experincia ou origem sociocultural) e (c) o uso de

    termos que impliquem a necessidade de desenvolvi-mento de um talento (e.g., capacidade e potencial).

    Caractersticas dos Alunos Sobredotados

    Muitos estabelecimentos de ensino usam uma va-riedade de instrumentos para medir as capacidadesdas crianas sobredotadas (Johnsen, 2004). Estesinstrumentos incluem porteflios dos trabalhos esco-

    lares dos alunos, observaes na sala de aula, clas-sificaes acadmicas e testes de inteligncia. Muitosprofessores e psiclogos educacionais, especializa-

    dos no assunto, esto de acordo quanto ao facto deno existir uma medida isolada para identificar umacriana sobredotada.

    Nas medidas de identificao e diagnstico maisusadas esto os resultados obtidos nos testes de inte-ligncia que, se forem significativamente superiores mdia, podem indiciar casos de sobredotao.

    Alguns testes de QI vo mais longe e descrevem v-rios tipos de sobredotao (Gross, 1993): brilhante (1caso em 6; percentil 84); moderadamente sobredotado

    (1 caso em 50; percentil 97.9); altamente sobredotado(1 caso em 1000; percentil 99.9); excepcionalmentesobredotado (1 caso em 30.000; percentil 99.997) eprofundamente sobredotado (1 caso em 3.000.000;percentil 99.99997).

    A maioria dos testes de QI no apresentam esta ca-pacidade de discriminao de nveis e so talvez maiseficazes no diagnstico diferencial do que na distinode nveis de sobredotao.

    O prprio inventor da WAIS (Wechsler Adult Intelli-

    gence Scale) admitiu que a mesma seria usada paraavaliar sujeitos situados no intervalo da mdia (entre70 e 130) e no para avaliar os extremos da popula-o. O teste de inteligncia de Stanford-Binet formaL-M, actualmente fora de moda, foi o nico teste queteve um tecto suficiente para identificar a excepciona-lidade e a sobredotao profunda. Contudo, devido aofacto do instrumento estar ultrapassado, os resultadosobtidos atravs do mesmo geram dados inadequadosou inflacionados. O Stanford-Binet forma Ve a WISC-

    IV (Wechsler Intelligence Scale for Children - FourthRevision), ambos recentemente revistos, so, de mo-mento, os instrumentos mais adequados para avaliareste tipo de populao.

    A maior parte dos testes de QI so apenas poss-veis para crianas em idade escolar. Crianas maisnovas tm de ser cuidadosamente examinadas porpsiclogos educacionais especializados para deter-minar o nvel de QI. O mesmo cuidado ter que sertido com aqueles que apresentam talentos especiais,em reas como as artes e a literatura, pois tendem aapresentar fracos desempenhos em testes de QI, queapelam, em geral, a escalas verbais e matemticas.

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    Enquanto que muitas pessoas pensam que a so-bredotao uma mera diferena quantitativa, medidaatravs de testes de QI, um nmero significativo deestudiosos descreve a sobredotao como uma dife-rena fundamentalmente no modo de perceber o mun-do, que afecta todo o quotidiano do indivduo sobredo-tado. Estas diferenas no desaparecem quando ascrianas sobredotadas se tornam adultas ou quandoabandonam a escola.

    Crianas e adultos sobredotados so amplamentereconhecidos como populao especial, mas acimade tudo, eles continuam a ter necessidades especiaisa nvel psicolgico, social e emocional, motivadas pelaexcepcionalidade da sua inteligncia.

    A dimenso socioemocional, apesar da sua impor-tncia, tem recebido menor ateno dos estudiosos,do que a dimenso cognitiva (e respectivas respos-tas s necessidades educacionais do sobredotado).Entre outros aspectos, a assincronia entre distintas

    dimenses do desenvolvimento, o perfeccionismo, ahipersensibilidade, o sub-rendimento e factores a elesassociados so aspectos de particular relevncia naabordagem da sobredotao. , portanto, necess-rio favorecer o ajustamento pessoal e emocional dosobredotado, promover o seu desenvolvimento sociale fortalecer um autoconceito positivo (Tannenbaum,1983).

    Terman (1965) realizou um estudo longitudinal comuma amostra de 1528 indivduos sobredotados, iden-tificados atravs de testes de QI durante a infncia eacompanhados ao longo de vrias dcadas. Uma dasconcluses desta investigao o facto de que, con-

    trariamente s concepes prevalentes no incio dosculo XX, os sobredotados apresentavam, alm deuma inteligncia superior, um desenvolvimento fsico

    mais acelerado, eram mais ajustados socialmente emais estveis do ponto de vista psicolgico. No entan-to, a amostra investigada apresentava um QI mdio de150 e os participantes pertenciam a um estatuto scio-econmico mdio e muitos deles eram referenciadospelos seus professores para compor a referida amos-tra. O prprio Terman reconheceu que as crianas quetinham um QI extremamente elevado (acima de 170)apresentavam dificuldades de ajustamento social,sendo considerados pelos seus professores como

    solitrios e pouco hbeis no relacionamento com osseus pares (Burks, Jensen & Terman, 1930, citadospor Gross, 2002). Outros estudos, como o estudo cls-sico de Hollingworth (1942) e o de Gross (1993, 2002),com amostras de alunos com QI extremamente eleva-do (igual ou superior a 180), tm apontado problemasde ajustamento e dificuldades emocionais, que somenos frequentes entre sobredotados cujo QI estejana faixa de 130 a 170.

    Estudos muito actuais apontam, de facto, para a

    necessidade de orientao ao sobredotado e suafamlia e de um sistema educacional que reconhea eatenda as necessidades desse aluno nas reas, nos cognitiva e intelectual, mas tambm social e emo-cional (Alencar, 2007).

    Educao de Alunos Sobredotados

    O facto dos alunos sobredotados dominarem algu-mas reas acima da mdia das crianas e jovens dasua idade pode contribuir para alguma excluso social

    por parte dos seus colegas da escola. A sua indepen-dncia rebelde e a procura de cada vez mais saberpode ser tambm um problema para os professores,uma vez que estes alunos se encontram num nvel su-perior ao dos seus colegas, necessitando de activida-des mais complexas e motivadoras. Quando o alunono est devidamente enquadrado, surgem comporta-mentos desajustados, de oposio de conduta, numatentativa de chamar a ateno sobre si (Serra, 2004).

    Estes alunos nem sempre so bem compreendidos

    e uma m gesto por parte do meio escolar, familiare/ou social poder levar a consequncias desastrosaspara a vida da criana ou do adolescente.

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    Serra (2004) apresenta-nos trs nveis de conse-quncias: a socioemocional, a escolar e a familiar.Na vertente socioemocional, as consequncias po-

    dem desencadear irritabilidade, sentimento de infe-rioridade, culpabilizao externa, isolamento, baixaauto-estima, rejeio de valores, descrena em siprprio, passividade, tendncias suicidas e procura demarginalidade. Na vertente escolar, as consequnciasduma m gesto podero resultar em insucesso aca-dmico, atitude negativa face escola, apatia, desa-teno, irreverncia, falta de persistncia, culpabiliza-o dos professores pelos insucessos, desinteresse,hiperactividade e preferncia pelos grupos marginais.

    Na vertente familiar, destaca-se o aparecimento daagressividade, instabilidade emocional, isolamento,arrogncia, intolerncia, desobedincia, infelicidade esentimento de rejeio.

    Para que cada caso possa ser tratado de forma con-veniente importante sensibilizar a escola, a famlia ea comunidade em geral, de forma a no desperdiaros talentos apresentados pelo grupo dito sobredota-do.

    A acelerao escolar pode constituir uma resposta

    educativa aos alunos sobredotados (Oliveira, 2007),assim como um meio essencial que garanta ao cre-bro a estimulao de que precisa, o que pode ser con-seguido atravs do currculo diferenciado (Mnks, &Pflger, 2005; Serra, 2004).

    Apresentam-se, de seguida, algumas sugestespara pais e profissionais de educao, dentro dasquais se salientam apenas as que se encontram re-lacionadas com as vrias etapas de escolarizao,desde a creche ao ensino secundrio, a saber: enri-

    quecer o vocabulrio atravs da leitura de histrias;enriquecer a experincia de vida em todas as poss-veis direces; elogiar e reconhecer o seu trabalho;estimular sempre a fazer mais e melhor, mostrando--lhe de que capaz; ajudar a lidar com o insucesso;permitir que experiencie uma variedade de tcnicas ede materiais; criar situaes problemticas motivandoa procura da resoluo; aumentar a sua autoconfian-a face aos outros; promover actividades que enrique-am as relaes entre os pares; aumentar o grau deresponsabilidade, fazendo-o cumprir o que se propee compromete a fazer; provocar situaes favorveisao desenvolvimento de capacidades de liderana

    (colocando-o a liderar um jogo, uma actividade ou arealizao de uma tarefa); originar momentos em queseja pedido para imitar pessoas, animais ou mesmo

    colegas; solicitar que faa uma histria ou relate umasituao; consciencializ-lo da capacidade de desen-cadear nos outros respostas emocionais diferentes,conforme a sua atitude.

    Nota Final

    Actualmente, o apoio educativo aos alunos sobredo-tados , de facto, uma realidade na maioria dos paseseuropeus. No sculo passado, a maioria era de opi-nio de que estes alunos no necessitavam de apoioseducativos especiais. Consequentemente, a hipte-se de desenvolver apoios educativos para os alunossobredotados foi completamente rejeitada. Apenasnas duas ltimas dcadas que foi amplamente re-conhecido e aceite que todas as crianas necessitamde apoio ajustado s suas capacidades, sejam elas

    baixas ou altas, no sentido de desenvolver as suaspotencialidades ao mximo possvel (Mnks & Pflger,2005). Como atrs foi exposto, os procedimentos paradesenvolver estas potencialidades exigem uma dedi-cao pessoal por parte dos educadores e das fam-lias e um tipo especial de suporte social. Um curricu-lum diferenciado indispensvel para a promoo daigualdade de oportunidades para todos. Este objectivos ser atingido se houver organizaes escolares fle-xveis, diversidade de mtodos e prticas pedaggicas

    e enriquecimento dos contedos programticos emdeterminadas matrias. Nestas condies, crianas eadolescentes sobredotados podem desenvolver-se de

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    O aluno com caractersticas de sobredotao visto, muitas vezes, como algum que apresenta umdesempenho excepcional em todas as reas, que temsempre boas notas nos testes escolares e que, por tercapacidades muito superiores mdia, no apresentadificuldades na escola ou noutros contextos. No outroextremo, outros vem-no como um aluno problemti-co, a quem faltam skills no relacionamento interpesso-

    al e qualidade no desenvolvimento socioafectivo.O que se verifica que a criana/jovem com carac-

    tersticas de sobredotao no um conjunto estticode esteretipos. Primeiro, uma criana/jovem, e sem segundo lugar apresenta caractersticas de sobre-dotao. Poder ser vista como uma criana normal,com uma capacidade acima da mdia, numa ou maisreas, com caractersticas e necessidades prprias,diferentes das demais.

    O sistema educativo parece perpetuar um pouco

    a ideia da diferena como algo negativo e da crianadiferente como a criana problemtica e desadaptada(Nogueira, 2002).

    A interveno do psiclogo no aluno com caracte-rsticas de sobredotao comea na avaliao psico-lgica. A pluralidade do conceito impe diferentes me-todologias de avaliao psicolgica. O direito de veto atribudo ao quociente de inteligncia (QI), contudo,esta medida criticvel como nico critrio, pelo quese recorre entrevista e histria de desenvolvimento

    da criana, a inventrios de comportamento preenchi-dos por pais e professores, a testes de aptides es-pecficas de criatividade e de desempenho escolar,

    A Interveno Psicolgica na Sobredotao

    acordo com as suas necessidades educativas e de-senvolvimentais.

    1 Na literatura da especialidade encontramos os termos highability, giftedness e talentque so usados como sinnimos.

    2 Esta definio foi adoptada por quase todos os estados ame-ricanos (e.g. 74th legislature of the State of Texas, Chapter 29, Sub-chapter D, Section 29.121).

    Referncias Bibliogrficas

    Alencar, E. (2007). Caractersticas scio-emocionais do superdotado:questes atuais, Psicologia em estudo, 12 (2) Maio/ago.

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    Gardner, H. (1993). Multiple intelligences. The theory in practice. NewYork: Basic Books.

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    Gross, M. U. M. (2002). Social and emotional issues for exceptionallyintellectually gifted students. In M. Neihart, S. M. Reis, N. M. Robinson & S.

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    Hollingworth, L. (1942). Children above 180 IQ: Origin and develop-ment. New York: World Books.

    Johnsen, S. K. (2004). Identifying Gifted Students: A Practical Guide.Waco, Texas: Prufrock Press, Inc.

    Mnks, F.J. & Pflger, R. (2005). Gifted Education in 21 EuropeanCountries: Inventory and Perspective, Nijmegen: Radboud University Nij-megen.

    Oliveira, E. P. (2007).Alunos sobredotados : a acelerao escolar comoresposta educativa, Tese de Doutoramento em Psicologia - rea de Espe-cializao em Psicologia da Educao, Braga: Universidade do Minho.

    Serra, H. (2004).Aluno sobredotado (O): a criana sobredotada, Porto:Legis Editora

    Tannenbaum, A. J. (1993). Gifted children. Psychological and educatio-nal perspectives. New York: Macmillan.

    Terman, L. M. (1965). The discovery and encouragement of exceptio-nal talent. In W. B. Barbe (Ed.), Psychology and education of the gifted:

    Selected readings (pp. 8-28). New York: Appleton-Century-Crofts.

    Margarida Pocinho - Professora Auxiliar da

    Universidade da Madeira

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    escalas de estilos cognitivos e de aprendizagem, deidentidade e auto-conceito, entre outras. H que aten-der tambm multiplicidade de caractersticas queestas crianas/jovens podem apresentar, bem como importncia de diversas fontes de identificao noseu diagnstico. No global, a avaliao destes alunosdever ser multi-referencial, contemplar vrias rease dimenses, utilizar diferentes instrumentos, meios eprocessos, atender aos diferentes contextos onde a

    criana opera e aos momentos/estdios de desenvol-vimento em que se encontra, particularmente quandoapresenta idades muito precoces (Almeida & Oliveira,2000).

    O bem-estar psicolgico do aluno com caractersti-cas de sobredotao depende, fortemente, da organi-zao dos ambientes e oportunidades socioeducativasque lhes forem proporcionadas (Campos, 2001). Emcasa, pais exigentes, hiper-estimuladores, que fazemuma planificao exagerada das actividades do filho,

    deixando-lhes muito pouco tempo livre ou que o ex-pem como forma de status social podem asfixiara criana, levando-a a situaes de stress, com receiode no corresponder s altas expectativas destes. Naescola, atitudes de descrena relativamente ao seudiagnstico, subestimao do potencial da criana,tarefas rotineiras, apoiadas na memria, na escrita eno pensamento convergente podem levar a um desin-teresse e aborrecimento pelas actividades escolares.Em ambas as situaes, limitam-se oportunidades dedesenvolvimento e crescimento harmonioso. Em am-bas as situaes poder ser necessria a intervenodo psiclogo.

    O psiclogo deve ter um papel fulcral ao nvel dapreveno, no despiste precoce de situaes de risco,pois ao detect-las pode iniciar imediatamente, por in-

    terveno directa ou indirecta, junto de pais e profes-sores, um percurso de potenciamento de recursos dacriana.

    Segundo Pereira (2006), so vrios os factoresde risco que se colocam a esta populao. Por fun-cionarem dentro de um esquema cognitivo diferentedo habitual, marcado pelo pensamento divergente etratamento no sequencial da informao, facilmentechocam com o ensino dito tradicional. Correm o ris-co de mais facilmente se deprimirem e de se isolarem

    socialmente, dados os interesses atpicos e as preo-cupaes esotricas que por vezes apresentam. Almdisso, para cederem fonte de presso dos pares, po-dero vir a funcionar em falso-self, no sentido da nor-malizao e de se sentirem mais aceites. No contex-to familiar podero ser alvo de adultomorfizao - tutens obrigao de compreender, gerar sentimentosde incompetncia paterna e desgaste psicolgico.

    A filosofia a adoptar com esta populao deve serprofilctica e proactiva.

    A preveno dever ser o elemento estruturante detoda a actuao neste domnio.

    Na prtica socioeducativa, este princpio deve tra-duzir-se na implementao atempada de estratgiasque devero actuar como factores protectores de umdesenvolvimento equilibrado.

    Bibliografia

    Almeida L. S., Oliveira E. P. & Melo A. S. (Orgs.). (2000).Alunos so-bredotados: contributos para a sua identificao e apoio. Braga: ANEIS.pp.107-113.

    Nogueira, S. (s/d). Ser que existem crianas sobredotadas em Por-tugal? InA pgina da Educao. Acedido em: htt://www.apagina.pt/artigo.asp?id=55

    O Portal da Educao. (2001). O sobredotado um aluno normal.Ace-dido em: htt://www.educare.pt/

    O Portal da Educao. (2001). Sobredotados.Acedido em: htt://www.educare.pt/

    Pereira, M. (2006). Educao e desenvolvimento de alunos sobredo-tados: Factores de risco e de proteco. In Revista Portuguesa de Pe-dagogia. Ano 39, n. 2. Coimbra: Faculdade de Psicologia e Cincias daEducao.

    Valentina Correia - Psicloga da Direco Regional

    de Educao Especial e Reabilitao

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    Grandes realizaes so possveis, quando se dateno aos pequenos comeos - Lao Tse

    com um olhar atento s potencialidades de cadajovem, que cada vez mais as polticas de juventude setm confinado, de forma a poder evidenciar em cada

    jovem, a sua individualidade e o seu talento.O Atelier Pintar com Pinta, parceria entre a Se-

    cretaria Regional dos Recursos Humanos, atravs daDireco Regional de Juventude e a Direco Regio-nal de Educao Especial e Reabilitao - Diviso Co-ordenadora de Apoio Sobredotao (DCAS), umexemplo salutar do incentivo ao desenvolvimento dasua criatividade e competncias artsticas, numa lgi-ca de reciprocidade e de parceria que, para alm depermitir realizar projectos mais abrangentes, resultamnuma mais-valia para os participantes e instituies.

    Efectivamente, conseguiu-se uma dinmica deexcepcional partilha de conhecimentos, valores, ex-perincias, aptides pessoais e entreajuda entre os

    jovens com nveis de dotao distintos na rea dapintura, que de outro modo, no se conseguiria ob-ter. Jovens com um sentido de partilha e de altrusmomais elevado, com mais conscincia cvica que dodesenvolvimento individual, que se transforma a co-

    lectividade. Como resultado, salienta-se a riqueza dasinteraces, exposies patentes ao pblico, vendade trabalhos, cujos donativos reverteram para asso-ciaes de apoio a crianas, oferta de quadros Uni-dade de Pediatria do Centro Hospitalar do Funchal.

    com profunda satisfao, que enquanto organis-mo ao servio da Juventude, avaliamos o resultado

    deste grupo de jovens criadores, que com os seus pe-quenos comeos, certamente iro continuar no trilhodas grandes realizaes!

    Jorge Carvalho - Director Regional de Juventude

    Uma Realidade... Diferentes Olhares

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    Mitos Clssicos: uma forma de conhecimento

    Existem diversas reas do saber que podem susci-

    tar o interesse e a curiosidade dos jovens. A mitologia, certamente, uma dessas reas devido ao fascnioque continuam a exercer as histrias mticas criadaspor Gregos e Romanos. Voltar aos mitos clssicos fazer uma viagem a um tempo que , simultaneamen-te, to distante de ns como to surpreendentementeparecido com a nossa realidade. Assim, conscientesdas potencialidades da mitologia, temos procuradoseleccionar, como pede Plato na Repblica, os mi-tos adequados motivao educacional: a viagem

    de Ulisses; Aquiles e Heitor, como heris com valoresdistintos; a relao do homem com a natureza (caro);o homem e os animais (a luta de Teseu com o Mino-

    tauro e o golfinho que salva o heri Aron); o labirintode Creta; o amor (expresso pelos cimes de Afrodi-te ou a desventura de Ariadne); o rapto de Europa; oesforo de Hracles; acontecimentos maravilhosos (onascimento de Adnis, as rosas vermelhas).

    Da mesma forma que o mito uma criao huma-na e uma tentativa de representar ou imitar a realida-de, a leitura e anlise de cada mito uma busca, nemsempre fcil, do conhecimento. Aprofundar o sentidode um mito lanar um olhar sobre um cdigo dopensamento e tentar decifr-lo. Por isso, o mito acabamuitas vezes por ser um caminho para chegarmos auma concepo mais concreta, que se confunde com

    a histria em geral, ou mesmo com a nossa prpriaexperincia de vida.

    Na verdade, a longa e fantstica viagem de regres-

    Testemu

    nhos

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    so de Ulisses a taca, aps a queda de Tria, repre-senta tambm a viagem que empreendemos em bus-ca dos nossos objectivos e das nossas metas mas

    a que reside um dos problemas dos jovens. Tereieu metas? Que objectivos orientam a minha vida? Sa-bemos que possvel encontrar a meta sem termosum caminho definido. , contudo, mais fcil e at maisrpido quando sabemos aquilo que desejamos alcan-ar. Note-se, deste modo, como possvel elaborar apartir do mito um pensamento profundo sobre a vidade cada um:preciso de conferir sentido minha exis-tncia. Nessa perspectiva, saber fazer til, mas no menos importante aprender a exercitar e a dialogar

    com o pensamento, numa fase prvia aco.Assim, imaginando-nos num laboratrio de mitos,

    decompomos a essncia e a mensagem de cada his-tria, experimentamos interligar as aventuras dos he-ris e das heronas e promovemos as nossas prpriascomposies ou criaes. Tal como Lus de Cames,Milton, Tiziano, Rafael, Rubens, Bernini, Gurin, G.Moreau, Rossetti, Rodin, Salvador Dali ou Hlia Cor-reia, da literatura s artes plsticas, reescrevemos osmitos clssicos, transportando para o nosso tempo as

    aventuras do passado e actualizando o seu significa-do. De facto, os mitos greco-latinos tm a faculdadeextraordinria de serem portadores de novas estrutu-ras de significado, que se ajustam ao modus vivendide cada sociedade.

    Por causa da sua ambiguidade e sentido enigmti-co, o mito como magistralmente expressou Fernan-do Pessoa o nada que tudo, e por isso abre umcampo infinito de interpretaes. Logo, o mito podeestimular a reflexo e o dilogo entre os jovens, num

    sistema de partilha de ideias que visa delinear os prin-

    cipais elementos. Com o amadurecimento desta me-todologia, os jovens ganham capacidade de anlisereflexiva e textual e, alm disso, como se expressam

    perante os colegas, desenvolvem uma retrica oralsuficientemente argumentativa. Tambm o facto depoderem ser autores de uma histria mtica os moti-va, aperfeioando-se, por essa via, a expresso escri-ta e a capacidade de estruturar e imaginar o percursode uma ou mais personagens.

    Se o mito o reflexo de uma memria colectiva,percebe-se, ento, que se torna indispensvel parao homem actual conhecer as suas razes e entenderque nada nasceu ontem, mas que as actuais formas

    de reflexo so o fruto de um contnuo processo detransformao e adaptao, em que passado e pre-sente se fundem na memria humana. Neste contex-to, a transmisso e a anlise de mitos no mais doque aprofundar um legado cultural que marcou deci-sivamente a histria do Ocidente e, em particular, daEuropa. Alguns pases mais informados e conscientesdesse passado, como a Alemanha, a Inglaterra ou aEspanha, concedem uma ateno especial mitologiaclssica, por meio de publicaes, de encontros de re-

    flexo, de representaes artsticas ou dramticas oumesmo com a introduo nos programas escolares dematrias relacionadas com a mitolgica greco-roma-na. Parece-nos que esses bons exemplos devem serimitados, mesmo que seja mediante uma actividadeparalela, de carcter facultativo, mas que pode: a) aju-dar os jovens a enquadrar temticas histricas e liter-rias (facilita, por exemplo, a leitura de vrias obras daliteratura europeia, como Os Lusadas ou D. Quixote);b) suscitar o interesse pelas razes da Civilizao Oci-

    dental; c) estimular a capacidade criativa; d) promovero debate de ideias; e) introduzir ou incrementar o gos-to pela msica clssica e pela arte; f) explorar o gostopela leitura e auxiliar a descoberta de outros autores.

    Em suma, acreditamos que a mitologia, como cer-tamente outras reas do conhecimento, um apoioimportante na estruturao mental do indivduo, umavez que ela valoriza a conscincia antropolgica eapura o engenho.

    Joaquim Pinheiro - Docente da Universidadeda Madeira

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    O ldico e o cultural entrelaam-se no Museu daQuinta das Cruzes

    Em Setembro de 2007 decorreram actividades deenriquecimento cultural de Vero, no Museu Quintadas Cruzes, preparadas pela equipa do Servio Edu-cativo em colaborao com a equipa da DCAS.

    Na sequncia das orientaes das tcnicas que jconhecem as preferncias ldicas e culturais e as ne-cessidades educativas destes alunos, foram realiza-das actividades.

    O objectivo deste intercmbio foi despertar para aimportncia que os espaos museolgicos tm sobrea qualidade das aprendizagens, como reas de frui-o, de educao, de emoes e de encontros.

    No primeiro encontro foi feita uma dinmica degrupo para nos conhecermos, designada A teia daamizade. Posteriormente, definimos em conjunto asregras de conduta, tendo em conta que todas as crian-as so diferentes.

    Atravs do concurso O Patrimnio do Museu emDilogo, sensibilizaram-se as crianas de modo aidentificarem elementos na paisagem que represen-tassem o valor cultural e patrimonial dos stios, in situ,desenvolvendo assim, o esprito crtico. A temticasobre a qual o concurso se desenvolveu foi inspiradanas Jornadas Europeias do Patrimnio cujo tema de2007 foi o patrimnio em dilogo.

    A visita temtica coleco de Mobilirio foi dedi-

    cada aos contadores, acompanhada por uma expli-

    cao pormenorizada dos segredos (ou gavetas invi-sveis)que estas peas apresentam. De seguida, foilanado o desafio de criar um contador em miniaturaa partir de caixinhas de fsforos, papis, colas e au-tocolantes.

    Com esta parceria, tentmos criar um ambientedesinibidor, onde os alunos desenvolvessem carac-tersticas de criao de novas formas e mtodos derealizao. Nestas propostas, mostraram persistnciana prossecuo dos objectivos.

    Finalizmos a semana com um convite aos pais efamiliares a assistir a um pequeno vdeo resumindotodas as actividades desenvolvidas com este grupo.

    Ana Bonito - Tcnica Pedaggica do Servio Educativo

    Os alunos sobredotados na escola

    A promoo do sucesso de todos os alunos s possvel atravs da flexibilidade das respostas educa-tivas. Hoje, a escola confrontada com uma hetero-geneidade social e cultural, o que implica outra con-cepo na organizao escolar que ultrapasse a vidada uniformidade e reconhea o direito diferena.

    A preocupao da escola em responder s especi-ficidades dos alunos obriga-a a uma descoberta e par-ticipao nas vertentes cognitiva e social, assim como criao de um clima que passe pelo reconhecimentodo professor, do aluno enquanto pessoa, com os seusinteresses, necessidades, saberes, experincias e di-

    ficuldades. Este reconhecimento alarga-se ao grupoturma onde a heterogeneidade se evidencia e exige

    que no se ensine todos os alunos como se fossemum s, mas que se crie condies para um ensino in-dividualizado (Benavente, 1992; Perrenoud, 1995). A

    aceitao da diversidade exige o desenvolvimento deuma pedagogia diferenciada com estratgias de ensi-no adaptadas aprendizagem de cada um (Meirieu,1998; Perrenoud, 1995). Esta preocupao ganhauma expresso maior quando os alunos se destacame apresentam um desempenho superior e excepcio-nal em diversas reas (Colangelo & Davis, 1997).

    O aluno sobredotado no algum que sabe tudo,que auto-suficiente e que no precisa de ajuda.Tambm no correcto pensar-se que, face s suas

    altas habilidades e talentos, o sobredotado tenha deser excelente em todos os domnios da sua pessoa,comportamento cognitivo e aprendizagem. A sua in-

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    cluso na sala de aula requer por parte dos profes-sores estratgias pedaggicas adequadas s suasnecessidades. Ao contrrio do que habitualmente se

    pensa, os alunos sobredotados podem apresentar in-sucesso escolar. Este facto no recente, j em 1909,Binet referia que os alunos sobredotados por vezesno tiram proveito do seu potencial, sendo necessrioimplementar medidas pedaggicas especiais.

    Segundo Pereira (2000), estes alunos esto sujei-tos a trs factores de risco: aborrecimento provocadopela exposio magistral do professor (na explicaode uma hora o que eles aprendem apenas em algunsminutos); disparidade entre o amadurecimento afecti-

    vo e intelectual (frequentemente h uma imaturidadeafectiva resultado de imposies que lhes colocame que lhes fecha o estatuto de criana) e por ltimo,discrepncia entre o desenvolvimento intelectual e de-senvolvimento motor. Uma das constataes que fre-quentemente mais nos surpreendem no seu desem-penho escolar o desfasamento entre a capacidadeda leitura precoce e as diferenas de desempenho daescrita.

    De modo geral, o aluno com caractersticas de so-

    bredotao visto como algum que revela um de-sempenho saliente em todas as suas actividades, quedemonstra um talento especial para uma ou vrias ex-presses artsticas ou que, no domnio do seu desem-penho acadmico est sempre bem preparado nosexames, entusiasta, motivado e sem dificuldades, ouque possui uma inteligncia acima da mdia.

    Pese embora a relevncia das suas qualidades par-ticulares, muitas das vezes estes alunos possuem di-ficuldades vrias. Diversos estudos tm demonstrado

    que existem alunos com altas habilidades que passamdespercebidos, por vezes rotulados de problemticos,com dificuldades no seu comportamento (ateno, in-teresses, tarefas escolares, desempenho social, ).

    Sendo a sobredotao um processo, pretende dis-tanciar-se dos mitos em que se encontra envolto, sen-do necessria uma definio multidimensional e con-sensual que possibilite uma interveno eficaz.

    importante relembrar que o direito diversida-de contemplado na LBSE - Lei n. 46/86, de 14 deOutubro, refere que o sistema educativo e os profes-sores devero atender s caractersticas intelectuaisdo aluno. A conveno sobre os direitos da criana

    (1989) estabelece que a educao da criana deverser orientada para desenvolver a sua personalidade,as suas aptides e a capacidade mental e fsica at o

    mximo das suas potencialidades.Segundo Correia (2003), a incluso pretende en-

    contrar diferentes formas de aumentar a participaode todos os alunos, de acordo com as suas caracters-ticas individuais. Assim, os alunos com caractersticasde sobredotao tm o direito a uma interveno edu-cativa que respeite as suas especificidades.

    A legislao refere que os alunos sobredotados de-vero beneficiar de um programa educativo que con-temple medidas que podem passar pela antecipao

    ou acelerao no percurso escolar e enriquecimentocurricular e extracurricular (Despacho n. 173/91; Des-pacho Normativo n. 1/2005 e Portaria n. 611/93). Altima medida dever incidir sobre uma estratgia in-tegradora baseada na individualizao do ensino; naelaborao de um plano educativo prprio; na flexibi-lizao dos contedos; nos protocolos/parcerias comoutras instituies; no alargamento das fronteiras docurrculo; na incluso de novas unidades de estudo(compactao curricular) e na investigao em temas

    diversificados.Para promover as capacidades e maximizar o po-

    tencial dos alunos, a escola deve respeitar a individua-lizao, contribuindo para uma escola de qualidade.

    Bibliografia

    Almeida, L., Oliveira, E. & Melo, A. (2000). Alunos sobredotados: con-tributos para a sua identificao e apoio. Braga: ANEIS.

    Almeida, L., Oliveira, E., Silva, M. & Oliveira, C. (2000). O papel dosprofessores na identificao de crianas sobredotadas: impacto de vari-veis pessoais dos alunos na avaliao. In Sobredotao. Vol. 1, n 1 e 2.pp. 83-95.

    Direco Geral dos Ensinos Bsicos e Secundrios. (1992). CrianasSobredotadas: Interveno Educativa. Lisboa: ME.

    Falco, I. (1992). Crianas sobredotadas, que sucesso escolar? Porto:Edies ASA.

    Mettrau, M. & Almeida, L. (1994). A Educao da Criana Sobredotada:a necessidade social de um atendimento diferenciado. In Revista Portu-guesa de Educao, 7, pp. 5-13.

    Palhares, C. & Oliveira, E. & Melo, A. (2000). ANEIS: Programas deEnriquecimento. In Sobredotao, 1 (1 e 2), pp. 191-202.

    Pereira, M. (2000). Sobredotao: a pluralidade do conceito. In Sobre-dotao. Vol. 1, n 1 e 2. pp. 147-171.

    Silva, M. (1992). Sobredotados: suas necessidades educativas espe-

    cficas. Porto: Porto Editora.

    Jacinta Jardim - Docente Especializada da DivisoCoordenadora de Apoio Sobredotao

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    Aprender a aprender nas Artes Visuais

    Desde 2005, e durante dois anos, estive respon-

    svel pelo Atelier Actividades de Enriquecimento Ex-presso Plstica/Pintura (organizado pela DirecoRegional da Juventude e pela Direco Regional deEducao Especial e Reabilitao - DCAS). O objecti-vo foi desenvolver as potencialidades de um grupo decrianas e jovens na rea das Artes Visuais.

    Os dotes artsticos de cada pessoa manifestam-seduma maneira particular e sempre diferente, o que tor-na muito complexo e, ao mesmo tempo, maravilhoso

    o ensino do desenho e da pintura. Este um processoindividual, que pode ser partilhado numa experinciade grupo de forma profcua, pois aprendemos muito

    com as dificuldades e diferentes solues dos colegasperante os problemas que vo surgindo.

    Quem ensina tem de estar atento s especificida-des de cada um, aos seus problemas e pontos fortes,dado que cada estudante segue um caminho diferen-te. Quais so os contedos desta aprendizagem?

    Por um lado, dominar os materiais, por outro, re-flectir sobre os contedos.

    Para consolidar estes objectivos, trabalhmos acermica, a pintura sobre azulejo, o leo, concentran-

    do-nos essencialmente em trs tcnicas: o desenhocom diversos tipos de lpis, o pastel e o acrlico.

    Durante estes dois anos, o grupo cresceu notavel-mente no nvel do desenho e da pintura, atingindo umamadurecimento na concepo de trabalhos diversifi-cados. Tambm se instaurou uma dinmica interacti-va que fomentou os laos de amizade e o esprito depesquisa em grupo.

    Marcos Milewski - Professor de Expresso Plstica

    e Pintura

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    No h receitas preciso respeitar a individuali-dade de cada jovem

    Ana (nome fictcio) tinha 10 anos e frequentava o6. ano na EB 2/3 Bartolomeu Perestrelo. Tinha sidosinalizada como sobredotada no 1. Ciclo. O seu casofoi-me apresentado pela colega da Educao Espe-cial que a seguiu no ano lectivo anterior. Reconheo

    que no me sentia muito vontade, pois ia ser a mi-nha primeira experincia na rea.

    A primeira sesso foi um pouco frustrante mas, aomesmo tempo, tive uma sensao de alvio. Estava espera de encontrar algum que deveria ser ou teralgo diferente. No, esta menina tinha um ar reser-vado, desconfiado at, aparentava ser tmida e pare-cia medir as palavras. Fiquei com a impresso de quea avaliao, que lhe foi feita no 1. Ciclo, no corres-pondia realidade.

    Nas sesses seguintes, no foi fcil trabalhar comela pois tive de a conquistar, uma vez que era difcildescobrir se tinha ou no gostado de uma actividade,

    ou se considerava ser boa ideia abordar determinadoassunto. Por um lado, e j no final do 2. perodo, co-mecei a perceber que a Ana era uma jovem exigente,perspicaz, curiosa, vida por saber coisas novas quea desafiassem, com um raciocnio lgico bastante de-senvolvido, atendendo faixa etria, e que manifes-tava um esprito crtico extremamente apurado, apa-

    rentando a maturidade de uma adolescente que estprestes a entrar na vida adulta. Por outro lado, atravsdas nossas conversas, pude vislumbrar uma jovemcom algumas atitudes, receios e dvidas prprias daidade, pois muitas vezes esquecia e ainda esqueoque muito jovem.

    Hoje deparo-me com uma situao em que me sin-to mais uma tutora, conselheira, cujo objectivo o dedesenvolver as capacidades da aluna, no s ao nvelde competncias acadmicas, como sociais, nomea-damente: pensar em nveis conceptuais mais elabora-dos; apreciar e discutir noes de moral e tica; pro-duzir trabalhos diferentes do habitual; entre outros.

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    Um grupo de alunos extraordinrios

    Antes de iniciar o trabalho, idealizei o que iria fa-zer com aquela turma. Mesmo sem conhecer as suascapacidades e aptides, imaginava as aulas, as activi-dades, as estratgias, a relao com os pais... Como

    motiv-los de modo a que o ensino no se tornassefastidioso ou desinteressante? Sabia apenas que ia teruma aluna que dominava a leitura, o que me fez reflec-tir acerca das estratgias a desenvolver para que estano se desmotivasse e consolidasse os conhecimen-tos. Nos primeiros dias senti dificuldade em disciplin--los, pois o respeito pelas regras era difcil de cumprir.

    Eu via, na maioria dos alunos, muita inteligncia,capacidade de aprendizagem e um excelente desem-penho. Um grande grupo revelou, desde logo, muito

    interesse pelo trabalho desenvolvido e aprendia comfacilidade e rapidez os contedos das diferentes re-as. Chegava a ser, por vezes, bastante stressante,pois nem sempre havia tempo para dedicar quelescom maiores dificuldades. Felizmente, eram poucos esentiam-se forados a avanar, incentivados pelos ou-tros, para quem aprender era perfeitamente natural.

    Recordo com satisfao essas aulas, discutiam-se

    mtodos, processos, respostas, enfim, havia debatede opinies e reflexo sobre diferentes temas e pro-blemticas. Era desafiante ver como se interessavam

    e se empenhavam para aprender mais, pesquisar eadquirir novos conhecimentos.

    Ao longo do tempo, mantive um contacto privilegia-do com os pais, em reunies mensais, onde os infor-mava das dificuldades e progressos dos seus educan-dos, aspecto fundamental para o sucesso de todos.

    Se me perguntarem o que fiz, porque fiz ou comofiz, simplesmente poderei dizer que a minha preocupa-o era levar os alunos a adquirirem as competnciasnecessrias para continuarem a sua caminhada naaventura do saber. Costumo dizer que cabe ao profes-sor apresentar o caminho adequado aos seus alunos,mas cabe aos alunos arranjarem pernas para o per-correr, como tambm cabe ao professor juntamentecom os encarregados de educao amparar os seusalunos para que estes no fracassem.

    A sobredotao era uma rea sobre a qual eu poucoou nada sabia, ou seja, no tinha preparao tcnicapara identificar se alguns alunos eram sobredotados.S notava que eram alunos bastante inteligentes, comos quais se tornava, de certa forma, fcil de trabalhar.Quando me pediram para fazer um despiste dos alu-nos com maiores capacidades de aprendizagem, fi-losem quaisquer reservas. Os seleccionados integraramum programa de enriquecimento Ensinar a pensar.

    Mesmo depois de eu saber que este grupo tinha

    caractersticas de sobredotao, no mudei a minhaforma de estar com eles, nem a forma de intervir, poisachei que estava adequada s suas capacidades.Como tal, dei simplesmente continuidade ao trabalhorealizado. Os resultados obtidos foram bastante satis-fatrios e recordar estes alunos sempre uma emoo,por vezes com alguma saudade. Os grupos nunca soiguais mas h sempre aqueles que nos marcam, fican-do para sempre como ponto de referncia, enchendocada dia a vida de um professor.

    Maria Benvinda Mendona - Docente da EB1/PE

    da Nazar

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    H ainda muito trabalho a fazer, na medida em queela prpria autocritica as suas capacidades e as dosoutros, menospreza o seu potencial, aparenta insatis-

    fao e, por vezes, devido ao seu grau de exigncia,torna-se intolerante com os pares. No h receitas

    cada jovem um jovem com caractersticas prprias e preciso respeitar a sua individualidade.

    Alcia Franco - Docente Especializada da EB2/3da Bartolomeu Perestrelo

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    Dar importncia ao SER DIFERENTE

    Sou me de uma jovem sobredotada de 16 anos.

    Sempre achei a minha filha inteligente, mas nuncapensei que fosse sobredotada at porque desco-nhecia o conceito de sobredotao. Hoje apercebo--me que a Ana deve ter passado momentos menosbons na escola, sem ter algum que a ajudasse e quea compreendesse na sua maneira de ser e estar.

    A Ana nasceu prematura, sentou-se com 5 mesese comeou a andar aos 9. Aos 18 meses j possuaum bom vocabulrio e uma boa construo frsica.

    Aos 2 anos e meio, desenhava muito bem a figurahumana e aos 4/5 anos questionava assuntos rela-cionados com a morte, com Deus e com o mundo. Eurespondia duma forma clara e simples pois achava-amuito nova. Contudo, comecei a perceber que ela nose contentava com as respostas. Na verdade, isso dei-xava-me angustiada porque no fundo no sabia comohavia de lhe responder. A minha famlia questionavase no estaria a exigir muito dela.

    Aos 6 anos, a Ana foi para o 1. ano, onde passoulogo s letras, pois j as conhecia muito bem, e jun-tava-as com muita facilidade, formando palavras. Noincio, no queria ir para a escola pois achava que aprofessora estava sempre a repetir as mesmas coisase no gostava de fazer os TPCs. No final do ano, a do-cente estava impressionada, a Ana tornara-se lder daturma, fazia tudo com muita perfeio e estava apta atransitar para o 3. ano. A minha dvida era se ela nose adaptasse ou se no conseguisse acompanhar osoutros, por isso continuou na mesma turma.

    Nessas frias, a Ana leu o Principezinho, e aoquestion-la sobre a histria, comeou a desbobinar

    e a falar da importncia da amizade. Foi ento que meapercebi que ela no era apenas inteligente... A partirda, a Ana comeou a ler obras de Alice Vieira, de So-phia Mello Breyner, entre outras. Posteriormente, co-meou a gostar de enciclopdias, de livros cientficose de pesquisar. Ela era feliz com os livros.

    No dia em que fui buscar a sua avaliao do 5. ano,a directora de turma comunicou-me que a Ana tinhapassado o ano inteiro sem amigos e isolada do grupoe que estava espera que melhorasse esse compor-

    tamento, mas como tal no aconteceu, foi obrigada adar satisfaz no comportamento. Fiquei muito revolta-da e sa da escola a chorar e a tentar justificar o seu

    isolamento, uma vez que ela era boa aluna e nunca

    me causava problemas. A Ana recusava a psicloga,dizendo que no tinha problemas e que os colegas daturma que faziam conversas, sem nexo, s falavamde novelas e a prpria psicloga tambm no a perce-bia. Mudou para outra, e apesar de uma melhoria no6. ano, o problema manteve-se at ao 9. ano. Tinhaum ptimo relacionamento com os professores, con-tinuava a tirar boas notas, fazia trabalhos com umaperfeio fora do comum, fazia parte dos clubes daescola, elaborava artigos para o jornal escolar, narra-

    tivas e poesias para o suplemento das escolas do JM.Todavia, continuava a no se identificar com os seuscolegas de turma.

    Um dia, a Ana falou-me da DCAS e do seu desejode fazer os testes para ver se era sobredotada. Acheiestranho, mas compreendi. A partir dessa data, pas-sou a ser mais feliz, conheceu crianas e jovens comoela, foi a conferncias, integrou-se em alguns projec-tos na UMa, participou num campo de frias (ETC).

    Como me, acho que a famlia fundamental no

    acompanhamento destes jovens. Muitas vezes, elessabem que so diferentes mas no sabem porqu.

    Embora haja mais conscincia da diferena, aindah pouca clarificao sobre a sobredotao, quer porparte dos pais, quer por parte dos professores queensinam todos da mesma forma. Cada um um sernico e, como tal, tem que ser tratado duma formadiferente. Esta concluso agradeo minha filha, poisfoi ela quem deu o primeiro passo e tirou-me da igno-rncia. Vamos aceitar a diferena como um desafio e

    comear a dar importncia ao SER DIFERENTE.

    Manuela Henriques - Encarregada de Educao

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    melhor passarmos quase despercebidos

    H uma grande desconfiana e ignorncia sobre

    esta temtica. Se ao menos as pessoas estivessemmais informadas e fossem mais sensveis perante adiferena, seria meio caminho andado...

    Pergunto-me se todas as pessoas percebem queexistem particularidades diferentes ao nvel da facili-dade de aprender, compreender, relacionar informa-o, maturidade, relativamente sua idade? claroque a escola tem a funo de transmitir conhecimen-tos e o melhor ser standard e adaptar-se aos seuscurrculos, sem tratamentos especiais...

    Porque que os professores no so capazes dereconhecer e assumir as diferenas? Por exemplo, oprofessor de Piano, desde a primeira aula, disse quenotava que estava perante um aluno que poderia irlonge pois tinha facilidade em aprender...

    Com a mudana de escola, em que exigido maistrabalho e estudo, o meu filho at veio a beneficiar. Ac-tualmente, gosta mais dos colegas, de disciplina e exi-gncia, muito bom aluno em todas as reas e adap-ta-se aos programas e estratgias da sala de aula.

    Muito sinceramente, fiquei farta de comentrios do

    gnero: os outros tambm chegam l ou como elesh mais, etc. O tipo de respostas habituais...

    No me sinto na obrigao de provar o que para

    mim uma evidncia. No podemos obrigar ninguma concordar connosco. Embora seja, acima de tudo,uma questo de justia, sensatez ou boa vontade,mesmo assim, no podemos sequer esperar que issoacontea. Este tipo de alunos motivo de desconfian-a. O meu filho tem a vantagem de saber esperar, discreto, e no tem pretenses de se exibir e essa sim, uma boa forma de reagir e enfrentar a situao, evi-tando os comentrios depreciativos e desmotivantes.

    Cheguei pois concluso que na escola, tal como

    na vida, melhor passarmos quase despercebidos,tendo sempre a nossa prpria opinio sobre o que nosrodeia, pois tudo o que foge aos padres normaisdefinidos pela sociedade, no visto com bons olhos,mas sim com descrdito. Esta minha viso pessimista fruto da sensao vivida desde o incio de todo esteprocesso, aps a primeira reunio na escola.

    Agradeo os esforos da DREER no sentido deajudar. Muito obrigada!

    Susana Mendes - Encarregada de Educao

    Qual a importncia de saber quem somos?

    Serei a nica que pensa assim? No uma ques-to comum no dia-a-dia, mas tem um significado mui-to especial para aqueles que, assim como eu, foramidentificados como sobredotados. Para todos, conhe-cer outras pessoas com os mesmos interesses e pre-ocupaes vital para um bom relacionamento inter-

    pessoal, o que, por sua vez, importantssimo, querpara o sucesso da nossa carreira, como para a nossavida em geral.

    Neste mbito, no Vero de 2006, participei numcampo de frias especial, cujo nome - ETC (Estmuloao Talento e Cooperao) - marca j a diferena. Estecampo de frias, organizado pela ANEIS - AssociaoNacional para o Estudo e a Interveno na Sobredota-o - especialmente dirigido a jovens sobredotados,embora esteja aberto a todos quantos queiram partici-

    par. As actividades desenvolvidas vo ao encontro dealgumas lacunas que encontramos durante o resto doano nas escolas que no esto aptas a tratar casos

    como os nossos, ou que no so flexveis em termosde currculos alternativos. Esta seria uma mais-valiapara melhorar o nosso interesse e a motivao na es-cola pois, ao contrrio do vulgarmente pensado pormuitos profissionais de educao, um problema comque nos debatemos numa base regular.

    Antes de mais, para compreender um ETC pre-

    ciso viv-lo! Nas palavras dos meus queridos amigos:Ns, o ETC, fizemos com que pessoas que j tinhamperdido a alegria de viver renascessem, com apenasumas horas que no nos custaram nada!!!. A distri-buio de sorrisos e abraos, a fora e o amor que aGeringona criou e espalhou ficar sempre em todosos coraes tocados pela magia, que certamente des-pertaram para a necessidade de ajudar o outro sempedir nada em troca. No espao-tempo de uma sema-na vivemos um mundo, da por mais que escrevesse,

    ficaria certamente um infinito de coisas por dizer.

    Uma jovem sobredotada

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    Prolas

    Lembro-me de um homem a quem chamavam

    poeta obscuro. Li seus versos como quem entra nasombra, quando em mim as palavras ainda estavampor depurar. Soube depois que ele nascera na minhaterra, e desde ento senti mais prximo o tear noc-turno da poesia, talvez um poeta obrasse no meio dainsnia, num redil mais perto da minha morada. Lem-bro-me ainda que, tempos mais tarde, a respeito deuma rua minha conhecida desde que me conheo, sedisse aqui nasceu um poeta obscuro, e logo soubeque essa rua ganharia, a meus olhos, um misticismo

    imperecvel. Tinha-o encontrado, pensei, muito antesde compreender que os poetas reescrevem a sua mo-rada de nascena. Antes de reconhecer que queriaerigir pela escrita, com letras tmidas, um lugar.

    H homens que nascem revelia dos mapas. An-tes mesmo de o saberem ou de serem encontrados,aceitam um pacto vitalcio com a eternidade. So osarquitectos do porvir. Erguem cidades entre a glria ea queda, e constroem-nas sempre acima do cho, naesperana de adiar o p com a beleza. Nascem para

    o sonho sem sono de as construir. Homens que socomo lugares mal situados, escreveu Daniel Faria,poeta luminoso que a fatalidade cedo quis calar, masque ainda hoje respira dentro de versos sem razesterrenas.

    por isso que nunca os soube situar nos lugaresexternos. Penso que, desde cedo, oscilo entre a ve-emncia de uma vida interior demasiado grande, e aexiguidade das concretizaes que alcano. As qui-meras no conhecem propores reais, e certo que

    no esto vedadas glrias cimeiras queles a quemo engenho e a arte ensinaram a mover. Mas esteo maior desequilbrio daquele que almeja, esculpe econtempla a obra, porque sente que lhe foi legado,no sabe porqu, como ou quando, um fardo que as-sume como misso. E que a hipottica obra, a existir,receber um dia o seu nome vo.

    Falemos de dotao, e hesitarei. H eptetos queintimidam, mesmo antes de nos serem dedicados. E,no entanto, no hesitarei em reconhecer que h ho-mens que no caminham, pairam. No hesitarei emdizer que desconheo a arte, o engenho, a cincia empotncia, se isso no existir j entre ns. Latentes, h

    homens latentes espera de aprenderem a emergir.De serem encontrados, escrevi. E podem s-lo muitocedo, com a maturidade em boto, guiados por luzesmais altas que lhes revelam o espao em volta. E po-dem s-lo mais tarde, quando percebem que o desas-sossego rplica de um sismo maior. E podem nuncao ser. Tememos sempre fazer parte dos setenta, dossetenta vezes sete homens que ficaram por ser. Por

    irromper. A arte o ofcio da inquietude. E to difcil oamainar do anseio, as casas devastadas pela asce-se precoce, o espao informe que ocupa no magouma simples ideia de elevao. Uma chaga abertapela inspirao. E, por vezes, no encontrar mos va-zias. Cresceu-me uma prola no corao / mas estous, muito s, no tenho a quem a deixar, escreve AlBerto, e a voz que ouo a de um homem a quem avirtude no deixou lugar.

    Estes so os homens sobre quem desceu a dife-rena. Sobre eles descer, com ela, o peso dos visio-nrios, a avidez de horizontes, o desenquadramento.Sobre eles dever descer, tambm, o amparo. Segu-rem-lhes as mos, recolham-lhes a cabea ardentenum peito mais longe da solido, digam-lhes que noso menos iguais por serem diferentes. Estes homenspodem ser os sobredotados. Eu sei que so prolas.

    Joana Aguiar-Aluna da Escola Secundria

    Jaime Moniz

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    Testemu

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    Quero continuar a procurar, descobrir, aprender.Quero criar um novo estilo.

    No acredito no dom. Pelo menos em algumasreas. Pelo menos como o idealizam. Um presente deDeus nascena. A no ser que ao dom chamem ascircunstncias da vida que permitiram o desenvolvi-mento do talento. Esse o verdadeiro dom todos osestmulos que recebemos do ambiente que nos leva-ram deciso. Mas no tem este talento mais valor doque o outro? No tem mais mrito aquele que luta poruma bolsa de estudo do que aquele que, sem esforo,lhe pagam a universidade?

    No sei o que me levou a desenhar desde peque-na. Sei que no infantrio fiz a promessa a mim mesmade fazer um desenho diferente todos os dias para queatingisse a mestria nessa rea. Simplesmente decidique queria ser boa naquilo que gostava e fazer dissoa minha vida. Estranho dizer isto para quem est noagrupamento 1. Todos pensam que tenho dvidas so-bre o que quero fazer no futuro. Nunca duvidei, nome satisfaz muito a ideia de ser professora. Quero ti-rar Belas Artes para ser pintora e um curso alternativopara ajudar financeiramente, por exemplo Psicologia.

    A nica diferena entre psicologia e a arte quenuma, emergimos a identidade das outras pessoasatravs de interpretaes dialogadas, e noutra emer-girmos a nossa prpria e a de outros atravs da tela,sendo as interpretaes uma identidade incerta a pai-rar em vez de algo indispensvel para o acto. Gostode acreditar na incompreensibilidade e transcendenta-lidade humanas. So umas das nicas coisas que nosrestam acreditar.

    At agora sou como uma clula indiferenciada en-

    tre outras. Nada mais fiz do que copiar a realidade.Considero que para um artista iniciar a jornada pelasua auto-descoberta, tem que dominar o realismo. Um

    artista que no o saiba correctamente antes de criaras suas obras de qualquer que seja o movimento ar-tstico, como um Guilherme Tell que sem experinciade arco e flecha derruba a ma na cabea do filho.Todos diriam Um golpe de sorte! At eu poderia terconseguido!, o que uma das coisas piores que sepode ouvir. O realismo, alm de base, a desculpa doartista para o seu movimento cujo mrito polmico(ex.: minimalismo). Mas eu quererei us-lo como basee nunca como desculpa.

    Irritam-me as limitaes da capacidade mental hu-mana. Sinto-me frustradssima por perder tempo a es-tudar o que talvez nunca precisarei em vez de Arte.Outro rumor: a teoria causalista de que o artista studo o que j viu com pequenas variaes que acu-muladas se disfaram de mudanas na histria dahumanidade. De que a criao humana uma ilusoporque um artista para criar necessita de matria-pri-ma; no pode criar sem nunca ter contactado com ou-tras obras; no pode criar do nada. Contrario dizendo

    que o outro ngulo de viso do assunto o de quea criao humana no pode nascer individualmente.Para criar e evoluir recomeamos do ponto em que onosso patrimnio at ento alcanado, foi deixado. Secomessemos do zero novamente a curta duraodas nossas vidas no permitiria a evoluo. Pormconcebe-se hoje em dia que apareceu o bloqueio detodas as Artes; de que no pode haver inovao. Que-ro provar o contrrio. No essa crena sinnima deaproximao do declnio e consequente fim humano?

    O nosso apocalipse s pode ser digno caso interrom-pa um fluxo de criao humana infinitamente potenciale no sendo uma consequncia do esgotamento dasreservas humanas. No quero que sejamos finitas re-servas. Quero continuar a procurar, descobrir, apren-der. Quero criar um novo estilo. Os clssicos conside-ravam-nos (aos estilos) um indcio de egocentrismo,de falta de humildade, uma quebra na servido da es-ttica. Mas todos se esquecem que a arte mais doque um agrado simptico vista.

    Carlota Galvo -Aluna da Escola Secundria

    Jaime Moniz

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    Testemunhos

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    Artigos

    Certo dia, desloquei-me ao Teatro Municipal Balta-zar Dias, juntamente com os restantes colegas e coma docente Margarita Cmara.

    Este programa social e cultural tinha os seguintesobjectivos:

    - sensibilizar e mobilizar a comunidade escolar paraa semana da pessoa com deficincia;- conhecer as actividades desenvolvidas pela Di-

    viso de Arte e Criatividade da Direco Regional deEducao Especial e Reabilitao;

    - conhecer a participao de pessoas com deficin-cia nas actividades artsticas;

    - contactar com pessoas com necessidades educa-tivas especiais (NEE).

    Enquanto me deslocava em direco ao teatro

    no sabia que pea iria assistir, sendo isso, motivo degrande ansiedade e curiosidade. Ao chegar ao local doespectculo, deram-nos um folheto em que constavao nome da pea Amor de Dom Perlimplim com Belisaem seu Jardim e a professora que nos acompanhavainformou-nos que alguns dos actores eram portado-res de deficincia, pois aquela semana era dedicada pessoa com deficincia. Ao saber desta informao, aminha curiosidade tornou-se maior, porque no sabiao que esperar perante esta nova experincia.

    Quando as luzes se apagaram e o pano se abriufiquei encantada com o cenrio, apesar da sua simpli-cidade, uma vez que com pequenas e poucas coisas

    podemos fazer algo bonito. medida que a pea de-corria, senti-me uma privile