Revista Teatro Viriato Artículo Claudia Dias

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    ABRIL 2013

    BOAUNIÃOREVISTA DE ARTES E CULTDO TEATRO VIRIATO

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    editada por:

    Centro de Artes do Espectáculo de Viseu

    Associação Cultural e Pedagógica

    NIPC504 570 870

    estrutura nanciada por:

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    VIRIATO TEATRO MUNICIPAL

    Viriato Teatro MunicipalLg Mouzinho de AlbuquerqueApartado 2087 EC Viseu · 3501-909 Viseu

    TEL. 232 480 110· FAX. 232 480 111E-MAIL [email protected]· www.teatroviriato.com

    NOVA SÉRIEANO 2013NÚMERO 5ANUAL · ABRIL 2013DISPONÍVEL EM VERSÃO DIGITAL EMwww.teatroviriato.comISSN 1645-7781DEPÓSITO LEGAL 200718/03

    DIRETOR

    Paulo Ribeiro

    COORDENAÇÃO

    Marisa Miranda

    COLABORARAM NESTE NÚMEROCarina Martins, Carlos Fernandes, Cláudia Dias,Fernando Giestas, João Teixeira Lopes,João Sousa Cardoso, José Alfredo, José Crúzio,José Maria Vieira Mendes, Luís Belo,Tiago Bartolomeu Costa, Tiago Guedes e Tiago Rod

    DESIGN Teresa Vale

    BOAUNIÃOREVISTA DE ARTES E CULTDO TEATRO VIRIATO

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    01EDITORIALPAULO RIBEIRO

    08CRIATIVOSJOÃO TEIXEIRA LOPES

    02E AGORA, PAÍS?TIAGO BARTOLOMEU COSTA

    09DENTRO DO MUNDOJOSÉ MARIA VIEIRA MENDES

    03CULTURA…[COMO A SOCIEDADE SE ESQUECE DELA PRÓPRIA] CARINA MARTINS

    10ESTÂNCIA(ESTAR + -ÂNCIA)CARLOS FERNANDES

    04BRASILEIROS E FRANCESES JOÃO SOUSA CARDOSO

    11DESAFIOS PARA A CIRCULAÇÃOINTERNACIONAL DA DANÇA PORTUGUESA

    TIAGO GUEDES

    05

    NARCISO EM MARCHA

    CLÁUDIA DIAS

    12 a 14CAPITÃO EMPÓRIO FERNANDO GIESTAS

    06UM PEQUENO ENSAIO SOBRE A CRIAÇÃO (OU COCRIAÇÃO?),COMUNIDADE E PÚBLICOJOSÉ CRÚZIO

    07DA JUNTA DE FREGUESIA À VIA LÁCTEA TIAGO RODRIGUES

    ÍNDICE00

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    EDITORIAL

    01A UNIÃO, UMA BOA UNIÃO É, SEM DÚVIDA, PREPONDERANTE PARA PENSARMOS,REPENSARMOS, AVALIARMOS E APRESENTARMOS ALTERNATIVAS PARA ESTAQUESTÃO DOMINANTE QUE É A DINÂMICA CULTURAL.“ “PAULO RIBEIRO

    COREÓGRAFO · DIRETOR-GERAL E DE PROGRAMAÇÃO DO TEATRO VIRIATO

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    Hoje temos um país paradoxalmente rico (em espe pobre em dinâmicas e circulação de artistas. Por isso, decemos o contributo de todos aqueles que, com enorme rosidade, aceitaram reectir sobre esta realidade (sempre

    sente) de como fazer mais e melhor em resposta ao momparticular que atravessamos. A união, uma boa união édúvida, preponderante para pensarmos, repensarmos, avamos e apresentarmos alternativas para esta questão domite que é a dinâmica cultural.

    O fazer cultura é como um ser vivo que ganha vidpria e deve ser orientado para se tornar sempre melhordemos falar de programação de autor, diplomacia culredes de programação, companhias residentes, co-produco-criações, enm, uma sucessão de possibilidades que pou não ser sinónimo de sucesso. Não existem fórmulas cnão existem receitas.

    Devemos considerar a actividade cultural um decolectivo que mantém num mesmo patamar quem faz e governa, quem produz e quem imagina... Um espaço co

    encarado sem preconceito ou segregação. Apesar de estacada vez mais marginalizados devido a uma série de facentre eles o esvaziamento de um ministério, a evidência vez mais agrante e ultrapassou completamente o domdo fazer ou não fazer cultura. Responsáveis maiores dotor económico, neste caso, o governador do Banco de Podefendeu, recentemente, que se queremos ser produtorebens com valor económico temos de estar na frente do q

    modernidade, do que é o imaginário.

    No entanto, há anos que me debato com a incomensão de como uma evidência tão motivadora não condeixar de ser um constante obstáculo, um constante entum constante factor de preconceito e de segregação ao dvolvimento do país.

    ESTE TEXTO FOI REDIGIDO DE ACORDO COMO ANTIGO ACORDO ORTOGRÁFICO.

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    E AGORA,PAÍS?

    02AO LONGO DOS ANOS FOMOS DESPERDIÇANDO TEMPO, DINHEIRO E RECURSOS.AGORA QUE TUDO ISSO ACABOU, O QUE VAMOS FAZER? AOS TEATROS MUNICIPAISPEDE-SE QUE SAIBAM ESTAR À ALTURA DA MUDANÇA“ “TIAGO BARTOLOMEU COSTA

    CRÍTICO· JORNALISTA

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    Não aprendemos nada. Vinte e dois anos depois dropália e do início da aventura da Nova Dança Portuguesaanos depois da inauguração de importantes centros cultque alteraram a paisagem criativa e a massa crítica naciDezanove anos depois da primeira Capital Europeia da Ctreze depois da segunda e meses após a terceira, não apremos nada. Quinze anos depois do regresso da cultura aotuto de Ministério, e ano e meio depois do regresso a Seria de Estado, não aprendemos nada. Vinte e três anos dda entrada na União Europeia, não aprendemos nada. Mvinte e cinco anos após a inauguração de centros de desevimento regional, não aprendemos nada. E, no entanto, nada, zemos, fez-se sempre, à custa do empenhamento tas vezes do aproveitamento, é certo), um tecido culturaltivo, político, no fundo, que deu mais do que aquilo qu

    dar e, à razão desse investimento, fez crer que se podia sempre mais com muito menos.

    Nunca se tratou, na verdade, de dinheiro, mesmtudo tenha sempre um preço. Tratou-se, sempre, de não seguir encontrar o preço justo a pagar por algo que, efemente, não tem preço. Como se calcula um investimenuma contradição nos termos económicos. Podem fazer-se

    jecções, podem supor-se margens de erro. Podem até, diimaginar os ganhos e as perdas. No fundo, pode especulMas como o fazer quando não há dinheiro, sobretudo quando o que urge é pagar as contas ao invés de abrir ncontas? No fundo, como se aprende a viver com o dinhenunca se teve?

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    Eis-nos chegado a um ponto em que as discussões sbre cultura são, sobretudo, discussões sobre nanças, e nãsobre economia. São discussões sobre escolhas e não sobpolíticas, sobre acções e não sobre estratégias. Eis-nos, enmchegados a um ponto onde o valor económico da arte, a scapacidade de multiplicação, é vista como um problema emmesmo, um valor tóxico, como se diz quando já não se quersolver o problema e este precisa ser passado para outras mãos

    Olhamos à volta e o que é dito, como um novo mantr

    que cabe à sociedade civil tomar conta do que lhe importa,seja, tudo aquilo que parecem ser bens secundários, de usufrto de dimensão privada, são objecto de uma demissão da reponsabilidade do Estado. O mesmo Estado que nunca se tencomportado como gura de bem, não acautelou as diferentordens de dependência, chamando a si a responsabilidade tudo fazer. Um Estado que, anal, nunca pediu qualquer rponsabilidade nanceira a essa sociedade civil que ajudou

    tornar-se dependente, e para a qual agora quer passar as suasresponsabilidades.

    Não é de dinheiro que se fala. É, sobretudo, e muito,responsabilidade.

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    Olhamos para o Orçamento de Estado e o que vemabsoluta ausência de uma estratégia. O preâmbulo que siza as opções no domínio cultural carece de pensamento tégico e evita apontar caminhos de estabilização das reldo Estado com a criação artística. Pelo contrário, quasemita a enunciar vias de escape que permitam que a gestãnanciamento da criação artística e da actividade cultuafaste da órbita das missões do Estado ou, pelo menos, dara de acção da Secretaria de Estado da Cultura. Senão veja ideia de formação de públicos é acantonada no desen

    mento dos Planos Nacionais do Cinema e da Música, a arcom o Ministério da Educação e Ciência; a internacionadeverá passar pelo envolvimento da Agência para o Investo e Comércio Externo de Portugal e do Ministério dos NEstrangeiros, que não têm resultado propriamente em prmas estáveis nos últimos anos; a Lei do Cinema, que dagora entrar em fase de regulamentação para ser aplicapartir do início de 2013, é nanciada com taxas aplicad

    operadores do audiovisual; o registo nacional de prossdo espectáculo apenas assumirá importância quando servbase para uma acção concreta do Ministério do EmpregSegurança Social; a ideia de rever a Lei do Mecenato, recada há anos pelas estruturas e que continua a car-se poesboço vago de intenção, tem como objectivo o increm

    EIS-NOS CHEGADO A UM PONTO EM QUE AS

    DISCUSSÕES SOBRE CULTURA SÃO, SOBRE-

    TUDO, DISCUSSÕES SOBRE FINANÇAS, E NÃO

    SOBRE ECONOMIA.

    ““

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    nanciamento privado das artes; relativamente ao património,verica-se o desejo de alienar a sua gestão com recurso a con-cessões; nalmente, o “Balcão + Cultura”, para além da suaorientação aparente para o domínio largo e indenível das in-dústrias criativas, parece colocar a tónica no co-nanciamentodos projectos através da sua empresarialização, orientando-separa novos projectos e para a sua relação com o mercado, nãocobrindo portanto aquilo que são as necessidades do tecido realde criação artística.

    Algumas destas medidas são inequivocamente positi-vas. Outras limitam-se a repetir argumentos muito utilizadosnos últimos anos para ir justicando as reduções sucessivas deorçamento, sem que alguma vez se tenha demonstrado a suaeciência.

    O que falta, no entanto, é o resto: a assunção política doque, num contexto de emergência económica, a Secretaria deEstado da Cultura se propõe fazer, como se propõe repartir osmeios exíguos que tem à disposição, em nome de quê, qual seespera que seja a situação ao m deste ano de 2013.

    Ao longo dos anos a ausência de um pacto para a cultura

    levou a que nos encontrassemos, agora, face a um problema deverbas e recursos que, na sua ausência, invalidam a continuidadede muitos programas com consequências prolongadas no tempo.As acções culturais, com planos de intervenção a curto, médio elongo prazo, não cabem nas decisões económicas por impossibi-lidade de identicação clara e sistemática do potencial de receitas.

    AO LONGO DOS ANOS A AUSÊNCIA

    PACTO PARA A CULTURA LEVOU A QENCONTRASSEMOS, AGORA, FACE A U

    BLEMA DE VERBAS E RECURSOS Q

    SUA AUSÊNCIA, INVALIDAM A CONTIN

    DE MUITOS PROGRAMAS COM CONS

    CIAS PROLONGADAS NO TEMPO.

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    Só isso explica que seja tão fácil começar por corcultura, mesmo que seja a cultura a primeira forma de venção no terreno. A começar pela construcção de equipatos. Acontece que essa construção, muito em voga duraperíodo em que foi possível acreditar que uma situaçãoaquela na qual o país se encontra, nunca viria a acontecerhoje, também ela, em perigo.

    Sem a possibilidade de construção e exibição decultura de exterior – protagonizada através da instalaçequipamentos culturais que possam cumprir um papel mtico e propagandístico – seria natural que o próprio Estadse através do exercício do poder central, fosse através danifestação do poder local, soubesse que o tempo é de cuiinternos. E que isso, por mais verbas que possam parecer

    a ser gastas, é o se espera de um Estado de Direito. E dEstado que se quer pessoa de bem.

    Olhamos para o território nacional e vericamosem que a regionalização tenha sido feita, pelo menos nopolítico e institucional, outras formas de regionalização desaproveitadas. E é esse, manifestamente, o caso dos temunicipais.

    Inscritos em regiões onde os hábitos de consumofruição são profundamente diversos, tentou-se, contudoformizar, manietar, manipular um tecido de recepção quesempre, porque na sua essência nem sempre pode, respocomo se esperava.

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    Hoje, quando à sociedade civil se pede que intervencionde o Estado quer sair, olhamos para os teatros municipae não sabemos exactamente como lidar com um problema presença e de responsabilidade.

    Por um lado, fechá-los seria admitir o erro em ter abeto muitos deles. Por outro, mantê-los sugere uma implicaçãdo poder político com a causa pública que, num Estado de dito, só pode ser gerido por terceiros.

    Contudo, sendo a fonte do problema o nanciamentoEstado vê-se perante dois problemas. Como resolver o probma de liquidez se o Estado não acautelou, cuidou, garantiusua ausência da esfera do investimento?

    Por um lado, é o próprio Estado que, sugerindo ummaior responsabilização nanceira das autarquias, co-criadres de um modelo de descentralização cultural, impõe limita essa mesma responsabilização, através da diminuição da idependência nanceira das autarquias. A lei dos compromissmunicipais, a intenção de extinguir as empresas municipaia alteração no programa de apoios às estruturas de criaçãolevaram a que o Estado conseguisse, ao mesmo tempo qu

    pede essa maior responsabilização, sufocar todas as formade nanciamento alternativas que possam existir. O Estado napenas sai como impede que outros entrem.

    Por outro lado, crente numa política de diversidade ecnómica, o Estado entende que caberá à sociedade civil, atrav

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    nomeadamente das empresas, a aplicação de fundos em que são da sua propriedade, não garantindo, contudo qudo mecenato possa, efectivamente, ser aplicada. O Estadoca fez uma avaliação cuidada da sua própria actuação junempresas. Do mesmo modo que nunca estudou articulpúblico-privadas na área da cultura. Pelo contrário, o Enanciou-se junto das empresas naquilo que era da sua inresponsabilidade, e sobretudo em empresas onde o Estado maior accionista. Ao procurar agora uma política de dtralização nanceira e económica, o que o Estado está a dprecisamente, o inverso daquilo que sempre praticou.

    Assim sendo, que soluções existem para os próequipamentos, elos de ligação entre o poder central e os tas, os mesmos que o Estado usa a seu bel prazer para co

    uma ideia de identidade cultural?

    A primeira hipótese seria uma paralisação automcom um caderno de responsabilidades que comprometepoder público, local e central, responsabilizando-o peladidas que viessem a comprometer o funcionamento dastuições.

    Uma paralisação, sugerindo um abandono de commissos futuros enquanto as condições de produção, crprogramação e circulação fossem, de facto, tornados osde acção dos diversos teatros. Uma paralisação que, no fchamasse à responsabilidade os decisores e desse aos cutantes um caderno de encargos claro, com um orçam

    ASSIM SENDO, QUE SOLUÇÕES EXISTEM

    PARA OS PRÓPRIOS EQUIPAMENTOS, ELOS

    DE LIGAÇÃO ENTRE O PODER CENTRAL E OS

    ARTISTAS, OS MESMOS QUE O ESTADO USA A

    SEU BEL PRAZER PARA COMPOR UMA IDEIA

    DE IDENTIDADE CULTURAL?

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    denitivo, interpartidário e consequente com osobjectivos traçados.

    A segunda hipótese passaria pela tomadade consciência, por parte dos equipamentos, quequestões como a deslocação de públicos, a ofertade programação e os meios disponíveis são, nestemomento, um bem escasso. E, correndo o riscode tudo deitar a perder, que fossem identicadosos elementos fortes de cada região, estabelecidoum plano de acção concertado e, na sua essência,intermunicipal, que permitisse a partilha de es-pectáculos, de equipas e de públicos. Nomeada-mente, que fosse atento a uma programação parauma região, ao invés de uma programação para

    uma cidade. Que fosse atento a um olhar sobre opaís a partir do território e não uma marcação deterritório no interior de um país. E que assumisse,anal, o país como mapa de acção. Ou seja, que seprocurassem modos de articulação e compensa-ção nas programações dos teatros que levassema uma concertação dos esforços e da oferta, demodo a poder compensar a escassez e recursos.

    Isto poderia bem passar pelo fecho temporáriode alguns equipamentos à condição de espaçosde apresentação, e apenas usados como lugar deresidências, ao passo que em outros teatros, osespectáculos poderiam ser apresentados em con-dições nanceiras e logísticas mais adequadas.

    Do mesmo modo, no que respeita à circlação de públicos, um trabalho complementar, ainvés de concorrencial, entre as diferentes programações, poderia permitir não apenas um controlo dos uxos de público, mas uma verdadeipolítica continuada de intervenção nesse mesmterritório.

    A oferta de equipamentos é demasiadvasta para o pequeno território que é o país. Nãforam acauteladas distâncias porque não foramsalvaguardados modelos distintivos. Antes se prcurou construir sem olhar a planos de continudade. E a conclusão a que se chega, antes de spoder dizer que o dinheiro se esgotou, é que exi

    tem demasiados equipamentos sem planos, semestratégia, sem equipas e sem meios, que melhofariam em se redenir do que em persistir numpresença-fantasma na região.

    Assim, eventualmente, tomando para a responsabilidade de reorganização do terrenotalvez fosse possível começar a perspectivar u

    caminho, uma solução, eventuais hipóteses dconciliação entre os recursos disponíveis e os o jectivos que se querem atingir.

    A inexistência de uma política integrade descentralização económica e cultural levou

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    uma apatia do próprio Estado relativamente às estruturas noterreno. Ao acordar da letargia onde tem vivido, por culpa deuma má gestão, o Estado está, anal, a reconhecer a sua inca-pacidade de organização.

    Podemos imaginar que, por um estranho caminho, é oEstado que está a pedir às estruturas regionais que se acanto-nem, se organizem, se fortaleçam e que reajam.

    Em nome de uma coesão do território, em nome deuma clara política de descentralização, em nome, anal, deuma verdadeira estratégia nacional para a cultura, o que ago-ra se espera, não é, não pode ser, uma vez mais, um pedidode compreensão e reconhecimento pelo trabalho feito. Essacompreensão e esse reconhecimento são, anal, a razão pela

    qual o Estado reconhece não ter meios para agir no território.Ora, para que sejam válidas, e públicas, as acções que leva-ram as estruturas regionais e municipais a substituirem-se aoEstado, mais do que nunca, há que olhar para trás, copiar osmodelos certos e agir com a certeza de que a independênciaé a única fonte segura de receitas. Por cada ideia livre, um diamais completo.

    AO ACORDAR DA LETARGIA ONDE

    POR CULPA DE UMA MÁ GESTÃO

    ESTÁ, AFINAL, A RECONHECER A

    PACIDADE DE ORGANIZAÇÃO.

    ““

    ESTE TEXTO FOI REDIGIDO DE ACO ANTIGO ACORDO ORTOGRÁFIC

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    CULTURA…[COMO ASOCIEDADE SEESQUECE DELAPRÓPRIA]

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    CARINA MARTINS

    TRADUTORA· FOTÓGRAFA

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    PARA EVITAR QUE OS TRANSEUNTES PUDATINGIDOS POR PEDAÇOS DO EDIFÍCIO, A FTEATRO NACIONAL SÃO JOÃO FOI PROTEGIREDE DE RESGUARDO QUE AINDA PERMANAO TEATRO POR FALTA DE FINANCIAMENTOLUXUOSO E IMPONENTE DA DECORAÇÃO INSALÕES E DA SALA DE ESPECTÁCULOS ESTÁ POR UM MANTO ONDE TRANSPARECE UM E

    CONTINUA A SOFRER DE PATOLOGIAS ESGRAVES QUE INSISTEM EM NÃO DESAPAREC

    TAMBÉM O CINETEATRO BATALHA, CONSTELEVADO VALOR ESTÉTICO E TÉCNICO, CCURVAS QUE REVELAM UMA IDEIA DE E DINÂMICA E ONDE SE REFLECTE UMACOLECTIVA, ESTÁ FECHADO E SEM DESTINO

    ESTE TEXTO FOI REDIGIDO DE ACORDO COMO ANTIGO ACORDO ORTOGRÁFICO.

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    CULTURA COMO METÁFORA DE UMA SOCIEDADE

    SEMPRE EM CONSTRUÇÃO

    (TEATRO NACIONAL S. JOÃO)

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    CULTURA COMO LIBERTAÇÃO DE

    CONSTRANGIMENTOS DO QUOTIDIAN

    (CINE-TEATRO BATALHA)

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    BRASILEIROSE FRANCESES04

    TODOS OS POVOS SÃO ARCAICOS E PREFEREM A VITALIDADE DO PEQUENO

    CÍRCULO DAS RELAÇÕES IMEDIATAS FUNDADAS NA CARNE, NA VIZINHANÇAE NA TRADIÇÃO ÀS FORMAS COMPLEXAS QUE NASCEM DA RUPTURA, EXIGEMAPRENDIZAGEM E VIVEM DA RELAÇÃO COM A ALTERIDADE.“ “JOÃO SOUSA CARDOSO

    ARTISTA

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    Ajuizar sobre a actual condição das artes no terrportuguês pressupõe pensar a qualidade da presença doszeres de charneira que caracterizam historicamente as ano contexto de um país que é, ele mesmo, um territórisubsiste na transição entre continentes geográcos e cultuNem africano nem absolutamente europeu, nem mediterrnem continental, nem oriental nem americano, nem selvnem verdadeiramente progressista, Portugal é um lugar modo (como tantos no mundo) onde nenhuma aristocramostrou capaz de fundear os alicerces duma tradição ilusta burguesia nunca ostentou o apoio ao talento dos artistas elegia da moral moderna, nem o regime democrático pareconsolidado práticas, circuitos e instituições na contemneidade que resistam aos primeiros abanos. A maioria dotugueses vive hoje como sempre viveu: desconada das

    do conhecimento e conservando-se afastada dos assuntoerudição. Escolhe a amenidade da conversa ao isolamenestudo e prefere a televisão na barafunda da casa ou o alvdo arraial ao espectáculo organizado nos seus códigos e ri

    Todos os povos são arcaicos e preferem a vitalidapequeno círculo das relações imediatas fundadas na carnvizinhança e na tradição às formas complexas que nasce

    ruptura, exigem aprendizagem e vivem da relação comteridade. Mas o empobrecimento a que assistimos do ededicado à crítica e à divulgação cultural nos órgãos de nicação social – da televisão pública à imprensa de refe– agrava hoje o fosso que nunca deixou de existir entre mas a que as elites têm acesso facilitado e as formas qu

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    capazes de conceber e procurar as classes médiae baixa da sociedade.

    As nossas classes dominantes toleram oshábitos populares (mas evitam que as suas ex-pressões entrem no círculo da cultura legitimada)tanto quanto são condescendentes para com asmanifestações das artes liberais e do livre pensa-mento que servem de animação nas noites de galae provam ao estrangeiro que não somos um povoapenas de agricultores e de pescadores na lutapela sobrevivência.

    Assim, os artistas em Portugal sempre sedesenvolveram num terreno ssurado entre uma

    elite económica que tradicionalmente os despreza,uma classe política que raramente os conhece (eao seu trabalho), uma população que suspeita dospressupostos das artes e da sua utilidade para avida pessoal.

    Num período de abastança como foram asduas últimas décadas em que se multiplicaram

    as obras públicas, as exposições ociais e toda asorte de comemorações, os artistas portuguesesforam muito solicitados para todo o tipo de colabo-rações e acreditaram, no entusiasmo do momento,que a nossa democracia precisaria doravante doseu talento e dos seus serviços para prosseguir no

    caminho do progresso social e de uma economdo saber. Acreditámos que um povo de operárie emigrantes poderia transformar-se, no intervalde uma geração, num povo intelectualmente exgente formado nas academias e com capacidadcriativa capaz de participar com desenvoltura mundo contemporâneo.

    Os teóricos e os artistas representariamnesta sociedade a que aspirámos, as guraexemplares da autonomia de espírito (como outrra o foram os médicos e os professores) e os agentes activos na construção das subjectividades, nelaboração da opinião pública e na mudança dmentalidades. O Estado português assumiria, p

    sua vez, a responsabilidade de nanciar os artistada nação que, dos consagrados aos emergentesconstituiriam uma vanguarda intelectual. Coeste gesto, e à imagem das Repúblicas do Renacimento ou da velha França, o Estado sustentara valorização do país, qualicaria novos modosrepresentatividade e a sua inuência (simbólicantes de mais) no mundo. Este ideal, com cer

    paternalismo e arriscando a propaganda dentro fora de portas, encerra alguma verdade e é umbela imagem.

    Num momento político como o presenno entanto, em que o governo português (como

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    maioria dos governos europeus) regressa a uma visão ocada dos seus programas e se concentra em medidas de cprazo, a ideologia da via única nega espaço à construção ca, à elaboração estética e à diversidade cultural. Os casociais que se distinguem pela produção de crítica e dização de debate são aqueles que as medidas aparentemisentas mais imediatamente procuram paralisar ou desmalar, na progressiva naturalização de uma lógica dominanexclusão.

    Ao mesmo tempo, a noção generalista de “criatde” tornou-se hoje um chavão que procura liquefazer opo (até aqui razoavelmente estável) da arte contemporâas “indústrias criativas” são um pretenso novo paradigmprocura reconduzir as instituições artísticas à ordem da fá

    assumindo enm a sua subalternização ao produtivismo, relação com o público assente no consumo, às regras praticas do mercado. Os museus de arte contemporânea nãvirgens nesta matéria, mas pressente-se no ar dos temposcrescente ressentimento (larvar por ora, mas que chegaródio) ao trabalho intelectual e artístico, que se reconhecebolsa de resistência à voragem da ideologia económica insda. Procura-se, então, isolar politicamente o trabalho do es

    e estigmatizá-lo aos olhos da sociedade como actividadesita ou traidora. Tudo isto nos lembra o “regresso à ordeprimeiro modernismo português, nos anos 30, quando AFerro defendia a modernidade útil e responsável contra “pela arte” ou os perigosos desvios da “loucura das formas

    AS “INDÚSTRIAS CRIATIVAS” SÃO UM PRE-

    TENSO NOVO PARADIGMA QUE PROCURA

    RECONDUZIR AS INSTITUIÇÕES ARTÍSTICAS

    À ORDEM DA FÁBRICA, ASSUMINDO ENFIM A

    SUA SUBALTERNIZAÇÃO AO PRODUTIVISMO,A UMA RELAÇÃO COM O PÚBLICO ASSENTE

    NO CONSUMO, ÀS REGRAS PRAGMÁTICAS DO

    MERCADO.

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    Neste cenário, a rede de cineteatros em Portugal (masonhada e construída do que efectivamente operacional) tede repensar, numa necessária articulação com as autarquiaspressupostos, metodologias e horizonte de ambição artísticsob pena de – diante do progressivo recuo do Estado e rodeda de populações empobrecidas – resvalar para o modelo um conjunto desarticulado de casas desqualicadas de quecómico destino a que foi votado o Rivoli, no Porto, é o exeacabado.

    Se o Estado desinveste no apoio à cultura, no contexde um país onde a lei do mecenato não dispõe de condiçõesfuncionamento como nas tradições italiana ou brasileira, escrise é a oportunidade para reconsiderarmos as estratégias dligação às comunidades imediatas e apostarmos numa aud

    ciosa actuação ao nível da micro-escala. E este novo enfoqnada tem de desânimo. Pelo contrário: Jorge de Sena lembraque o teatro moderno, no século do cinema e da televisão, etaria inevitavelmente votado à condição de uma actividade pcírculos restritos de espectadores como as religiões antigapara iniciados ou as primeiras igrejas cristãs. Evitando perda inscrição nas grandes rotas de circulação cultural que vrios dos cineteatros portugueses conquistaram, as instituiçõe

    municipais e regionais devem aprofundar uma reexão crítrelativamente às dissimetrias entre produção própria e acolhmento, a desproporção entre a importação de grandes nomedas artes e a diculdade em introduzir os autores portuguesenas mesmas rotas internacionais, a reduzida co-produção circulação de trabalhos entre cineteatros, o diálogo ainda ins

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    tisfatório entre as manifestações da alta cultura de raiz ure as manifestações de criatividade local, regional ou simmente rural.

    Nestes dias de depauperamento das sociedades pguesa e europeia, as instituições de pequena e média esão aquelas que, justamente pela exibilidade, podemfacilmente desembaraçar-se da concepção do centro cucomo templo, palácio ou escola que instala paradigmas dela o gosto de uma classe média que, ela própria, atrauma profunda metamorfose, sem certeza de perdurar coconhecemos.

    A intensidade da vida de rua recrudescerá, as foespontâneas e a vitalidade das margens conhecerão nov

    tensidade e as instituições – se não querem voltar costcomplexo tecido social em que existem e regressar ao edistinto do salão provinciano para passeata de elites locaiontem como hoje, associam artes e cultura a pompa e cirtância – terão de acompanhar activamente e espelhar estepanorama de desenvolvimento cultural.

    As estruturas de pequena e média dimensão sã

    que podem aventurar-se nas águas turvas do “ainda nãperimentado” e descobrir a interculturalidade dentro de ensaiando renovadas propostas do que poderão ser a criaa participação no nosso tempo.

    Algumas destas instituições têm manifestado disp

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    lidade em reavaliar o seu estatuto e a sua condiçãono território. A exigência deste trabalho de examee de imaginação deve, nas actuais circunstâncias,ultrapassar a boa consciência dos ideais iluminis-tas que guiam as massas impreparadas e assumira incomodidade das ideias que daí advenham. Há,entre as equipas destas estruturas, elementoscom o distanciamento crítico e a independênciade decisão sucientes para questionarem, a par-tir do interior, os princípios e as lógicas de funcio-namento das suas instituições. O seminário Artese Comunidades – Encontros, iniciativa do ServiçoEducativo do Centro Cultural Vila Flor, em Guima-rães, em cuja primeira edição tive a oportunidadede participar em Novembro de 2011 (com segunda

    edição anunciada para estes dias!) é uma notáveliniciativa na problematização das possibilidades deum teatro numa cidade tradicional de média esca-la a braços com a súbita desindustrialização e uminédito protagonismo na agenda cultural do país.

    Mas existem também equipas comprometi-das em consolidar redes de colaboração intermu-

    nicipal seja no plano da partilha duma programa-ção, como o Artemrede, associação de municípiosdo vale do Tejo; seja no plano da criação, como oprojecto de teatro prossional das Comédias doMinho, nanciado por vários concelhos da regiãoe, pelo que sei, caso único em Portugal. E existem

    ainda equipas apostadas em intensicar o intercâmbio transfronteiriço, numa aproximação critriosa a instituições congéneres em Espanha, comé exemplo o Teatro Municipal da Guarda e podeser exemplo – mas ainda não é – o Centro de Artde Bragança.

    Em nenhum dos projectos citados a redobrada atenção ao local implicou o isolameto cultural ou o rebaixamento dos critérios paragradar ao gosto mediano. Compromete, pecontrário, uma rede alargada de colaborações dmodo a alimentar sinergias e discussão, solicinovas estratégias para um diferente envolvimenda população e origina, consequentemente, nov

    paradigmas de representação. As Comédias do Mnho têm frequentemente convidado dramaturgoencenadores e compositores de dimensão nacional no âmbito de projectos que acabam levadoscena em cafés, associações ou praças de lugarejoe freguesias que não dispõem duma sala de espectáculos convencional. O investimento económdeverá, assim, centrar-se no trabalho de estaleiro

    colectivo (incluindo o da transmissão cultural peexperiência do fazer), com meios de produção ves e em lugares informais.

    Por outro lado, os próprios espaços convencionais (os poucos centros de arte contemp

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    rânea e os vários teatros municipais) encontram-se, não rarasvezes, sobrecarregados de sinais que enfatizam a separaçãodo seu contexto relativamente ao quotidiano das populações: ariqueza dos materiais de construção, a qualidade da ilumina-ção, o ambiente depurado, os reconhecíveis juízos de selecçãoe de exclusão que servem de moldura às elites da terra numcostumeiro processo de distinção social. Mas, não foi contraisto que, em 10 de Junho de 1974, se encenou o enterro doMuseu Soares dos Reis, no Porto, com um cortejo fúnebre des-de a Cooperativa Árvore até à porta encerrada da instituição?Mulheres e homens ostentavam divertidos cartazes onde seexigiam novas formas para uma nova museologia: “o ciclo ne-crólo do Porto cumpre o saudável dever de enterrar o museusoares dos reis”, “o museu não é um jazigo”, “quem não querser conservador não lhe veste a pele” e, entre outros cartazes,

    o de uma criança com o seu protesto: “quero poder lanchar ealmoçar no museu: umas torradinhas e leite com chocolate”.

    Urge hoje, de novo, reconsiderar estatutos adquiri-dos, relativizar os modelos institucionais do centro da Europa,muitos herdados ainda do consulado de André Malraux no Mi-nistério da Cultura e que perlhámos, muitas vezes, de modopassivo ou seguidista, decalcando o modelo sem atender à ne-

    cessária adaptação às idiossincrasias do lugar. Há, pois, quesermos mais desenvoltos, ágeis no terreno e apostarmos narealização com as populações.

    A este propósito, assinalo a singular radicalidade daexposição “Para Além da História”, comissariada por Nuno

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    Faria, mostra programática que prenuncia as directrizes poque se deverá futuramente pautar a actividade do Centro Iternacional de Artes José de Guimarães. Esta exposição – sa inuência de Aby Warburg que desarmou os fundamentoshistória da arte e ensaiou a montagem como modo de ilumnação das formas entre si – propõe um modelo museológiinédito em Portugal, procurando uma leitura comparativa etre representações provenientes de áreas geográcas, grupoculturais e períodos cronológicos aparentemente inconciliáve“Para Além da História” congrega representações díspares (o jectos votivos e máscaras de tribos africanas, tecidos de prodção ameríndia, artefactos e escultura da antiguidade chinesarte contemporânea portuguesa e elementos da cultura popular vimaranense, integrando motivos das festas gualterianasnicolinas), convida o espectador a um exercício desassombra

    de relação não mediada com as formas e favorece a compreesão de parentescos estéticos insuspeitos, numa ampla leiturdas grandes continuidades culturais que permite compreendeenm, a sobrevivência do arcaico. Esta exposição (que dispcom certeza, de um orçamento de produção generoso, mas nexiste por causa dele) ultrapassa a rotina e o impasse em que ainstituições portuguesas dedicadas à arte contemporânea subsistem nos últimos anos e abre, com o rasgo e o prazer cont

    giante do risco, as portas do novo século cultural no nosso paValerá a pena Guimarães, as outras cidades e todas as instituções artísticas dedicarem a esta proposta a atenção que merece mostrarem-se à altura deste exemplo de independência.

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    Talvez o recente entendimento entre aselites políticas e o povo brasileiro (a reconcilia-ção com as elites culturais acontecera há muito,com o primeiro modernismo de Tarsila do Amarale Oswald de Andrade, vindo a consolidar-se, nadécada de 60, com o movimento do Tropicalismo)nos possa inspirar a procuramos estas formasesclarecidas de fraternidade onde as instituiçõesse associam à vida de todos os dias e os cidadãosas sentem, por sua vez, como suas estas casas dacultura. Que prazer é entrar no Museu da LínguaPortuguesa, na Estação da Luz, em São Paulo (quetanto brado suscitou em Portugal, no ressenti-mento de nos vermos ultrapassados pela iniciativaalheia) que, sendo uma instituição modesta, nos

    surpreende com a graça duma projecção onde onosso arqueólogo Cláudio Torres discorre brilhan-temente sobre as inuências árabes na culturaportuguesa, ladeado por excertos de novelas daGlobo, gentes do interior brasileiro com linguaja-res híbridos e criativos (diz uma cozinheira dian-te do fogão, depois do ensopado levantar fervura:“agora vou tampar a panela!”), samba, carnaval e

    outras tantas coisas sérias do mundo.

    Se no campo da teoria do pensamentocontemporâneo, os cruzamentos e as contamina-ções culturais constituíram um objecto privilegia-do na análise das nossas sociedades, é chegado

    o tempo de fazer transbordar este entendimrenovado da cultura – como natural fenómemestiçagem, numa incessante construção, por todos e com todos – para o plano das cas institucionais. Onde existe preparação o debate e capacidade para a construção exa competência para saber acolher as formaschamadas baixa e alta culturas, as manifestadas periferias e doutros grupos sociais emertes, promovendo encontros mobilizadores quneciarão a vida em comunidade em toda extensão, sem deixar de proporcionar novas tunidades para os ofícios e para as artes. No npaís fronteiriço, de cultura instável e novampobre, valerá a pena hoje experimentarmo

    brasileiros, mais do que franceses. Tanto maia liberdade é o que nos resta. E é – foi semprque verdadeiramente interessa.

    ESTE TEXTO FOI REDIGIDO DE ACO ANTIGO ACORDO ORTOGRÁFIC

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    NARCISOEM MARCHA05

    INVENTAR UM FUTURO IMPLICA PENSAR E AGIR NÃO APENAS ENQUANTO AR-

    TISTAS MAS SOBRETUDO ENQUANTO CIDADÃOS - PRODUTORES E FRUIDORESCULTURAIS NUM MESMO CORPO. POIS AS POLÍTICAS SECTORIAIS SÃO APENASUM AFLUENTE DE UMA POLÍTICA CENTRAL.“ “CLÁUDIA DIAS

    COREÓGRAFA · PERFORMER · DOCENTE

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    O futuro de Portugal foi, desde cedo, o “lá fora”, a cia, nossa ou alheia. Foi a Índia, o Brasil, a África, recente a vários títulos, a Europa. Hoje, é a primeira vez que Pe os portugueses têm de desenhar, de conceber, de invense dar um futuro a partir de si mesmos. Mas estão tão habdos a ter um futuro como dádiva da Providência – embortantas vezes com suor e lágrimas – que sem querer, têm tudo para não encarar de frente esta ideia simples: não tum futuro se eles próprios o não inventarem.1

    Mas como inventar esse futuro, quando o presenencontra tão atomizado e a indiferença e descrédito peracoisa pública é apenas a face mais visível da ideologia nadominante, sem que se apresente como tal?

    Como mobilizar para a construção de um futuro, e

    já poucos acreditam, ocupados como estão com a gestão dpresente?

    Como sonhar um sonho não psicologizado, orinão para a realização individual do desejo mas para a edicolectiva? - Narciso obcecado por si próprio não sonha.2

    Não andaremos demasiado obcecados e atarefado

    busca dos nossos caminhos individuais e grupais, em mna satisfação dos nossos interesses mais imediatos?

    Não faremos nos nossos micromundos o que os ssivos governos em Portugal têm vindo a fazer, à macro enos últimos 36 anos?

    1 EDUARDO LOURENÇO (1997),NÓS COMOFUTURO, LISBOA: ASSÍRIO E ALVIM.2 GILLES LIPOVETSKY, A ERA DO VAZIO, LISBOA:RELÓGIO D’ÁGUA.

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    No micromundo da actividade artística, fazemos micro-espectáculos, dirigidos a micropúblicos e realizamos, muitasvezes, microencontros para discutir microquestões, assumin-do a responsabilidade de encontrar as soluções que não noscompete encontrar, quando nos desresponsabilizamos pelodiscurso e pelo gesto capazes de tornar efectiva a expressãodemocracia representativa.

    Envoltos mas espartilhados numa rede de ligações deinteresses miniaturizados3 , falta-nos o discurso agrupo, uní-voco, e o gesto em conformidade capaz de nos recentrar, deresgatar o nosso homo politicus e de nos conduzir para fora daesfera apolítica que, impotente, impotentes nos tornará.

    Inventar esse tempo que virá implicair para trás na di-

    recção do futuro4 . Voltar a fazer de novo. No qual o novo se en-contra apenas no fazer e não na ideia de fazer algo novo. Repe-tir, sem medo dodémodé. Pois tudo o que repetirmos estará,inevitavelmente, a acontecer pela primeira vez. Será, por isso,sempre diferente.

    Repetir como condição para prosseguir. Repetir a pa-lavra e o gesto em conformidade. Mas que palavra é essa?

    Será aquela capaz de mobilizar “toda a inteligência, todaa criatividade, toda a liberdade, toda a cólera contra uma políti-ca que chama austeridade à imposição de um brutal retrocessohistórico em todas as áreas da vida social”5 . Impedir este re-trocesso histórico é condição prévia para inventar esse futuro.

    3 IDEM.

    4 A EXPRESSÃO ORIGINAL: “ LOOKINGFORWARD TO THE PAST AND LOOKINGINTO THE FUTURE.” BRIAN MASSUMIPARABLES FOR THE VIRTUAL: MOVEMAFFECT, SENSATION, DURHAM, DUKEVERSITY PRESS.5 MANIFESTO EM DEFESA DA CULTURDEZEMBRO DE 2011.

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    De pouco nos servirá discutir sobre estratégias de in-ternacionalização das artes, sem discutirmos que modelo dedesenvolvimento queremos para o nosso país; De pouco nosservirá discutirmos sobre a orientação programática das es-truturas culturais, sem que as mesmas sejam justa e digna-mente nanciadas, nomeadamente através da afectação de 1%do Orçamento do Estado (OE) para a Cultura6 . Mas de pouconos servirá discutir sobre o orçamento para a Cultura peran-te um OE que prevê o desmantelamento do próprio Estado; Depouco nos servirá discutir sobre a rede de teatros municipaissem desconstruir a repescagem neoliberal do conceito de in-dústria cultural, que constitui uma falácia e é ideologicamenteantagónica a uma visão humanista e progressista da sociedade,misturando cultura com entretenimento e criação artística compossibilidade de negócio; De pouco nos servirá discutirmos o

    modelo de nanciamento para a Cultura sem discutirmos aprópria visão da Cultura, nomeadamente a sua crescente eliti-zação e a meritocracia a ela associada.

    Inventar um futuro implica pensar e agir não apenas en-quanto artistas mas sobretudo enquanto cidadãos - produtorese fruidores culturais num mesmo corpo. Pois as políticas secto-riais são apenas um auente de uma política central.

    No momento presente em que vivemos, mais uma vezenvoltos em suor e lágrimas, inventar um futuro implica, ne-cessariamente, derrubar este Governo. Repeti-lo as vezes queforem necessárias. E agir em conformidade.

    6 ORIENTAÇÃO DA UNESCO PARA COM UM NÍVEL DE DESENVOLVIM

    SIMILAR AO PORTUGUÊS 1% DO P

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    UM PEQUENOENSAIO SOBREA CRIAÇÃO (OUCOCRIAÇÃO?),COMUNIDADE

    E PÚBLICO

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    JOSÉ CRUZIO

    ARTISTA MULTIDISCIPLINAR· DOCENTE

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    A COMUNIDADE TORNA-SE, TAMBÉM, UM LVIVO.

    COM AS SUAS SUB-CULTURAS E TRANSVERSRELAÇÕES. OS SEUS INTERVENIENTES SÃO CPARTICIPAR NA CRIAÇÃO. NÃO COMO COCRMAIORIA DAS VEZES; MAS COMO MEROS EXEPROCEDIMENTOS PRÉ-DEFINIDOS. AINDA QU

    É CERTO.

    O RISCO É GRANDE E A VONTADE DE ARRMENOS. COMPREENSIVELMENTE.

    O CONTEXTO INCERTO, DE FUNDOS RESTRIAVALIAÇÃO (VAGA) E IDEOLOGIA (DA MAOBRIGA.

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    POST-SCRIPTUM: ALGO MAIS E QUE JUS

    PELA SUA PERTINÊNCIA NO SEIO DA C

    CÉNICO-PERFORMATIVA (OU NÃO), É BEM

    OBVIAMENT

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    ASSIM, EXIGE-SE UMA ESTRUTURA FLEXÍVEL E

    MINIMIZADA. ATIVIDADES COMO COMPLEMENTOS

    TRANSVERSAIS, NÃO ESTRUTURANTES MAS

    NECESSÁRIOS. CRIAM-SE REDES. PARCERIAS NÃO

    UTÓPICAS MAS EXEQUÍVEIS.

    INVOCA-SE A HISTÓRIA DA COMUNIDADE OU DE UM

    LUGAR SEM QUE A CRIAÇÃO TENHA ORIGEM NELE.

    TRANSFIGURA-SE A CRIAÇÃO, ADAPTANDO-A AO

    NOVO LUGAR OU COMUNIDADE, MAS NÃO ABDICANDO

    DOS PRESSUPOSTOS FUNDADORES. E ASSIM,

    DESLOCALIZANDO-SE AD INFINITUM... OU ATÉ ONDE

    DER. ATÉ ONDE DER, É VÁLIDA. A ESTRATÉGIA.

    E AINDA A COMUNIDADE... É O SEU PRÓPRIO

    PÚBLICO.

    IRONIA? ALGO MAIS? OU OUTRA COISA?

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    DA JUNTA DEFREGUESIAÀ VIA LÁCTEA

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    HISTORICAMENTE, O MEIO ARTÍSTICO PORTUGUÊS TEM OCUPADO O VAZIO DEIXA-DO PELA OMISSÃO DE VERDADEIRAS POLÍTICAS CULTURAIS. ALÉM DE ESTAREMENTREGUES À CRIAÇÃO, OS ARTISTAS PORTUGUESES TÊM TAMBÉM SIDO OS PIO-

    NEIROS DE TODAS E QUAISQUER ESTRATÉGIAS PARA A CULTURA, SENDO QUE,NALGUNS CASOS, OS GOVERNOS VIRIAM MAIS TARDE EMPUNHAR ESSAS BANDEI-RAS COM ATITUDE SURPREENDENTEMENTE MILITANTE.

    “TIAGO RODRIGUES

    DRAMATURGO E ATOR· DIRETOR ARTÍSTICO DO MUNDO PERFEITO

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    A criação não usa as mesmas unidades de medida economia, a sociologia ou a política. Esta é a raiz de equívocos, mas também a sede da liberdade de pensamenque a criação artística não pode abdicar, sobretudo em teem que o discurso dominante reclama “alinhamento estgicos” que poderiam levar a perigosas uniformizações. Umizações de ideias, de soluções, de esperanças e de unidde medida.

    Ao passo que a política e a economia continuambalhar às escalas nacional e continental (Portugal e a Eura criação contemporânea, sobretudo no caso das artes pemativas, trabalha às escalas local e global. A criação coporânea só tem duas áreas de actuação delimitadas: a comtária e a planetária. Isto aplica-se também à sua relação c

    outro – o público – que está presente “aqui” ou, potencial“em todo o lado”. É o oito e o oitenta, sem meios termosas fronteiras administrativas, geográcas e scais que exentre a junta de freguesia e a Via Láctea são menos relevpara a criação do que outras idiossincrasias mais subjetiuídas, como sejam os dialectos, o urbanismo ou o folclo

    OS NÓMADASNão são os marcos geodésicos ou os sacralizado

    tings que denem as centralidades da criação artística. se há paradigma em constante mutação no campo da prodartística é o da centralidade. Tem sido assim em todas a

    A CRIAÇÃO CONTEMPORÂNEA SÓ TEM DUAS

    ÁREAS DE ACTUAÇÃO DELIMITADAS: A COMU-

    NITÁRIA E A PLANETÁRIA.

    “ “

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    ses de renovação da criação europeia e deveria ser assim paraPortugal, país que não pode resignar-se com a sua condiçãoperiférica e que deveria aprender que os “novos centros” são oslugares de passagem, os corredores entre culturas e realida-des. Os artistas e os agentes culturais portugueses da área dasartes performativas aprenderam essa lição durante as últimasduas décadas.

    Aquilo a que chamo a “obsessão imobiliária” das gera-ções anteriores – cada um com o seu teatro, como garante deindependência – originou vagas posteriores de artistas nóma-das. Alguns deles sedentarizaram-se, aderindo à tradição de“possuir” o seu espaço de apresentação. No entanto, foram su-cientes e sucientemente relevantes os artistas que se manti-veram nómadas, a ponto de darem, enm, sentido à existência

    dos teatros públicos que foram nascendo em todo o territórioportuguês. Teatros cujo funcionamento com o mínimo de quali-dade depende, em muitos casos, do facto de estar nas mãos dostais nómadas que se foram sedentarizando.

    Ainda assim, o Estado, mesmo ao m de quase 20 anos,não sucede em compreender estes nómadas. São agentes cul-turais que cresceram alimentados pela programação interna-

    cional, que se foi tornando cada vez mais parte da vida culturalportuguesa e não só em Lisboa ou no Porto. São artistas que,nalguns casos, têm mais anidade com um artista de Beiruteou de Oslo, do que com um outro artista, também português,que mora no mesmo bairro. E que encaram isso como um factonormal da vida de um criador do nosso tempo, servindo-se da

    AQUILO A QUE CHAMO A “OBSESSÃO

    LIÁRIA” DAS GERAÇÕES ANTERIORES

    UM COM O SEU TEATRO, COMO GARA

    INDEPENDÊNCIA – ORIGINOU VAGAS

    RIORES DE ARTISTAS NÓMADAS.

    ““

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    mobilidade artística tanto quanto são reféns da precarieque implica o seu nomadismo.

    Na sua grande heterogeneidade estética, as artes formativas contemporâneas do nosso país têm em comdesígnio da internacionalização. Alguns projetos têm cirmais ou menos regularmente fora de Portugal, por vezecom relativo protagonismo, mas nunca conquistando umcativo nas programações europeias. No entanto, esta intcionalização é muito mais que um mecanismo de sobrevem tempos de crise ou uma ambição prossional. É a expvisível de um pensamento “internacionalista” inscrito nogenético das mais recentes gerações de artistas portugue

    AS FORNALHAS DA INTERNACIONALIZAÇHistoricamente, o meio artístico português tem ocu

    o vazio deixado pela omissão de verdadeiras políticas cuAlém de estarem entregues à criação, os artistas portugutêm também sido os pioneiros de todas e quaisquer estratpara a Cultura, sendo que, nalguns casos, os governos vmais tarde empunhar essas bandeiras com atitude surpr

    dentemente militante. Foi assim com o trabalho realizadas escolas, a formação de públicos, os serviços educatitrabalho com a comunidade e o próprio desenvolvimeconceito de programação de equipamentos culturais. Ostas foram fazendo esse trabalho estratégico e tornando-parte integrante do seu discurso artístico, desbravando c

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    nho para que o governo e as autarquias viessem adoptar ideias,à boleia de experiências de sucesso. Isto para mencionar osraríssimos e felizes casos em que tal acontece. Um deles, é ainternacionalização.

    Antes de se ter tornado uma palavra preciosa nas ora-tórias de políticos em inaugurações de centros culturais, umemblema retórico usado quase sempre ao lado da expressão“indústrias criativas”, já a internacionalização das artes per-formativas portuguesas era laborada no terreno pelos agentesculturais. Festivais que se dão ao trabalho de trazer programa-dores estrangeiros a Portugal e os guiam pela cena nacional;artistas que insistem em trabalhar em rede com outros artistasestrangeiros; programações portuguesas que estendem pon-tes para programações internacionais – estas são as verdadei-

    ras fornalhas da internacionalização. E ela tem sido cozinhadalentamente pelos agentes culturais, com uma grande tolerân-cia perante a frustração, acreditando que a cena europeia teriaque ser o habitat natural de armação e reconhecimento dacriação portuguesa. Este trabalho, já realizado, é o que priori-tariamente deveria merecer o apoio especíco do Estado paraa internacionalização. Isto, porque a intervenção do Estado de-veria servir para amplicar e solidicar as iniciativas civis que

    já constituem uma verdadeira internacionalização das artesportuguesas.

    A INTERNACIONALIZAÇÃO DE GABINETEInfelizmente, não são apenas as unidades de medida de

    espaço que diferem na criação e na política. Também a relação

    (...) A INTERVENÇÃO DO ESTADO D

    SERVIR PARA AMPLIFICAR E SOLIDIFI

    INICIATIVAS CIVIS QUE JÁ CONSTITU

    VERDADEIRA INTERNACIONALIZAÇ

    ARTES PORTUGUESAS.

    ““

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    com o tempo é distinta. Um dos grandes factores de instabili-dade provocado pelo corrupio ministerial que tem assolado aCultura na última década e meia, resulta da vontade de colo-car em prática rapidamente novas ideias e estratégias que nãoestão assentes numa reexão ponderada e numa proposta alongo prazo para uma política cultural para o país.

    Depois de muitos anos e trabalho dedicados pelosagentes culturais à internacionalização, com algum preciosomas insuciente apoio institucional, surge agora (nalmente)um expressivo programa de apoio governamental nesta área.No entanto, no que toca às artes performativas, revelou-se de-sadequado e desconhecedor tanto das reais necessidades dacomunidade artística como das verdadeiras vias de internacio-nalização ao dispor da cena portuguesa.

    Esquivos a aprenderem com os agentes culturais noterreno, os decisores políticos optaram por apoiar a sua pró-pria ideia de internacionalização das artes, usando critériosque podem ter validade no universo da economia, mas quesão inecazes para a exportação da arte portuguesa. Tam-bém aqui, as diferentes medidas deviam ser reconhecidas. Umexemplo disso, é a decisão de beneciar projetos de interna-

    cionalização para África, América Latina, Ásia e Oceânia, talvezao abrigo da convicção de que é nos países continentais comeconomias em crescimento (Brasil, China, Índia) que estão asoportunidades de negócio para o mercado único europeu. Naverdade, há aqui um duplo equívoco. Nem o Portugal artísticoalguma fez realmente parte dessa Europa única – aspiração

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    ainda por conquistar – nem as oportunidades de exportação arte portuguesa estão sobretudo nos destinos não-europeus –onde, em muitos casos, a programação internacional é ainmais exclusiva do que no território europeu e, portanto, menpermeável aos artistas portugueses. Não se trata de defendeuma linha completamente europeísta, mas sim uma estratégique pense Portugal como um novo centro, ponte privilegiaentre o Norte e o Sul. Da mesma forma que é importante crilaços com o Sul, ou reforçar os que as anidades culturaisevidenciam, continua a ser urgente a armação da criação potuguesa na Europa.

    Numa lógica de programação, faz todo o sentido semos o antrião de um encontro Norte/Sul, transformandPortugal nessa “nova centralidade”. Isso implica uma apos

    acrescida na arte contemporânea originária de países em desenvolvimento. Há vários projetos de programação que nãodefendem esta ideia como a têm colocado em prática de formexemplar. E isso tem, com certeza, alguma inuência na intenacionalização da criação portuguesa. No entanto, o uxo apresentação internacional das artes performativas portuguesas só pode ser constante e forte se começar por armar-se naEuropa e, depois, fazendo uso do nosso estatuto privilegiado

    “nova centralidade” espalhar-se por outros territórios. Um dilogo profundo com o sector teria alertado os decisores políticpara esta fundamental distinção entre programação internacional e internacionalização da criação.

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    O risco de pensar a internacionalização desde cisem articulação profunda com os fazedores do que sea internacionalizar, é estar a investir no fogo de artifíciimpressiona efemeramente em vez de criar as bases defuturo mais sustentável para a criação portuguesa. A anos destinos não-europeus é apenas um sintoma. Há outrxação de uma data para um concurso em vez da manutde uma linha de apoio aberta ao longo do ano, é também plo desta desadequação. Assim como a exclusão de probeneciários de outro tipo de apoios estatais, como se foprioridade não fosse exatamente a de internacionalizar já é considerado um serviço público digno de apoio e viinternacionalmente o que já justicou um investimento nheiros públicos em território nacional.

    Estas lógicas acabam por fazer o contrário daquildevia fazer um programa de apoio à internacionalizaçãvez de servirem de estímulo à internacionalização que já éconsolidando-a, acabam por promover a invenção de prartísticos propositadamente para obter este apoio (sobrenestes tempos de falência nanceira do tecido artístico) e bricar” de parcerias que não existiriam sem este programapoio e que não têm base de sustentação para lá dele. Tra

    de internacionalização por decreto. A longo prazo, pese ealguns benefícios pontuais, pode até atrasar uma verdadeiternacionalização da criação contemporânea portuguesa.

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    AS PERGUNTAS POR RESPONDERA efetiva internacionalização das artes performativ

    portuguesas é um trabalho lento, que continua a ser feito, etoda a sua diversidade e em várias frentes. Ao reconhecer issoao consertarem as suas estratégias com os agentes mais relevantes nessa área, os decisores políticos compreenderiam quembora o apoio nanceiro seja essencial, há todo um trabalde diplomacia cultural que é igualmente fundamental.

    Qual é o lugar da criação contemporânea numa comiti

    do Presidente da República ou do Primeiro Ministro em visitaestado a outro país? O que conhecem e pensam os nossos embaixadores e adidos culturais do teatro e dança contemporânos do país de que são representantes plenipotenciários? Quasão os espaços de maior armação do teatro e dança portuguses no estrangeiro e como reforçar essa ação? Quais as maiecazes parcerias estratégicas entre agentes e equipamentoculturais portugueses e estrangeiros que poderiam ser alar

    gadas? Que trabalho é feito pelos teatros e centros culturaestatais no plano da internacionalização?

    Responder a este parágrafo de perguntas e agir sobras respostas obtidas, articulando essa ação com os agenteculturais independentes, seria o caminho para uma estratégi

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    abrangente e ecaz no plano da internacionalização. No eto, seria imperdoável omitir a necessidade de um apoioforte à criação para que haja, anal, o que internacionaUma lógica de nanciamento às artes que continue a bciar o statu quo em detrimento da renovação do tecido aco, será meio caminho andado para que o trabalho de intcionalização se transforme na antecâmara da emigraçãoprossionais das artes.

    Para que a internacionalização das artes performa

    portuguesas seja um fenómeno e não uma coleção de studies, é necessário apoio estatal e, fundamentalmentepensamento bilingue por parte dos decisores políticosvez duma política monoglota, que só entende o vocabuleconomia, é preciso política bilingue para as artes e a Cra. É preciso a ponte entre o mensurável economicamenaspecto incomensurável que está sempre presente nas arIsto signica, para os decisores políticos, não ceder à ten

    de medir toda a criação em unidades de medida que nãovem para a criação. Signica não ocializar a criação noa apoiar, mas apoiá-la naquilo que traz de único à sociedser outra forma de pensamento e conhecimento, que imprisco e o erro para ser uma verdadeira ferramenta de pensmundo às escalas local e global.

    ESTE TEXTO FOI REDIGIDO DE ACORDO COMO ANTIGO ACORDO ORTOGRÁFICO.

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    CRIATIVOS?08

    ASSIM, A ARTISTIZAÇÃO DO CAPITALISMO PODE SER ENCARADA COMO UMA

    FÓRMULA ADAPTATIVA QUE LHE PERMITE MOBILIZAR OS TRABALHADORESCRIATIVOS, DORAVANTE ESSENCIAIS PARA A PRODUÇÃO, CIRCULAÇÃO E DES-TRUIÇÃO DE MERCADORIAS EM REGIME DE ACUMULAÇÃO FLEXÍVEL.

    ““

    JOÃO TEIXEIRA LOPES

    SOCIÓLOGO· PROFESSOR NA FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO

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    Na história das mutações do capitalismo, BoltanChiapello encontram três tipos-ideais: o primeiro espírittemente ligado ao ethos burguês tradicional de base fame paternalista, em que o detentor do capital era uma conhecida pessoalmente pelos seus empregados; o segespírito, no essencial associado ao capitalismo organizaLash e Urry e, nalmente, a partir dos escombros dos mentos sociais da década de sessenta do século passadoembate dos choques petrolíferos de 1973-75, o terceiro espróprio da economia mundializada.

    Ora, na tentativa de conciliação entre a herança dotismo protestante e o hedonismo da sociedade de consumoterceiro espírito vai apropriar-se das críticas pós-materia(tão vibrantes no activismo de classe média do Maio de

    nas manifestações contra a guerra do Vietname, que fascinMarcuse) em oposição aos modelos organizacionais do XX (fordismo; capitalismo organizado), no que tal signaversão às tradicionais hierarquias, através de um fervorinstitucional, anti-organizacional e anti-burocrático, fortemoldado pela conguração ideológica do individualismo pderno, em articulação e em compromisso com as constelvalorativas anteriores. Sob esse pano de fundo (“sedução-

    tência-busca de autojusticação”) estrutura-se o que os auapelidam de “crítica artista” do capitalismo, ancorada na percepção de perda de sentido da modernidade e de revolttra o desencantamento do mundo, de que Weber (2001) falcontra a alienação enquanto desligamento do ser-da-espécsenda de um Marx (2007) ainda com resquícios hegeliano

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    A versatilidade do capitalismo no seu terceiro espíritoconsistiria, então, na incorporação parcial da crítica artística,moldando-se aos valores e representações pós-materialistas,descartando a crítica social, de base classista e assente na lutacontra as desigualdades e a exploração.

    Ora, Boltanski e Chiapello encontram na genealogia dacrítica artística o modelo do poeta maldito e da boémia (comBaudelaire à cabeça), no seu elogio do nomadismo, da mobili-dade, da ânerie.

    Assim, a artistização do capitalismo pode ser encara-da como uma fórmula adaptativa que lhe permite mobilizar ostrabalhadores criativos, doravante essenciais para a produção,circulação e destruição de mercadorias em regime de acumu-

    lação exível. Todos esses trabalhadores, enm, que fazem doseu quotidiano uma obra de arte, antes mesmo de fazerem asobras de arte, e que constituem hoje um núcleo relativamen-te numeroso e central do novo pessoal dos serviços com fortependor intelectual e cientíco, juvenilizado e tendencialmenteprecário. Não falamos, pois, apenas do violoncelista, do es-cultor, do pintor ou do escritor. Falamos, também, de todos ostécnicos superiores que trabalham na criação de conteúdos e

    no manuseamento de informação, frequentemente para gran-des grupos económicos globais. Prossionais que conciliam,no seu habitus, “o impulso para resistir” e “a fantasia da auto-nomia” incorporando discretamente os valores da acumulaçãoexível em nome de um pendor libertário e anti-burocrático;prossionais que se representam como autónomos, libertos de

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    constrangimentos (horários, rotinas, patrões) e sob a lógica nó-mada do projecto. Prossionais que transformam as cidades,reciclando espaços urbanos residuais, intersticiais ou vaziosnuma lógica cultural e artística, gerando novos contextos físi-cos e organizacionais para as suas práticas (casas e fábricasabandonadas, velhos armazéns, etc.), inserindo-se em novascategorias, tantas vezes de dupla pertença (empreendedoresem part-time e assalariados precários, por exemplo), criandonovos ambientes organizacionais e cenários de interacção quedenem comoco-working ou open-spaces; formando coopera-tivas e associações, saltando da restrita esfera da arte para asmais largas atmosferas estetizantes. Prossionais adaptáveis,num capitalismo em metamorfose parcial. Prossionais, emsuma, que vivem o paradoxo, assinalado por Beck (2009), de secriarem a si próprios por obrigação social, pressuposto do indi-

    vidualismo institucionalizado da segunda modernidade:

    “Convidam-se as pessoas a constituírem-se como indi-víduos. A planear, a entender, a desenhar-se como indivíduose, em caso de fracasso, a culparem-se a si mesmos. De formaparadoxal, a individualização implica, por conseguinte, um esti-lo colectivo de vida” (Idem: 14).

    Mas tal resistência “vê-se assim deslocada e tornadainócua”, como acertadamente aponta Richard Lloyd aos neo-boémios. Iludidos (alienados?), participam no sistema, aindaque explorados, resolvendo o dilema do capitalismo artístico,assinalado por Castoriadis:

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    “O sistema capitalista só pode sobreviver tratando reduzir continuamente os assalariados a simples executantee só pode funcionar na medida em que esta redução não opere. O capitalismo está obrigado a solicitar constantementparticipação que ele mesmo trata, por outro lado, de impossiblitar (Castoriadis apud Bolstanski e Chiapello, 2002: 53).

    Parafraseando o título de um artigo de Peterson Anand, carreiras caóticas (e que valorizam o caos, acrescetaria), podem criar campos prossionais estáveis, ordenade…lucrativos, onde é intensa a valorização de um capital soquer de tipo exclusivo (de forte solidariedade grupal e produzdo reciprocidade), quer de tipo inclusivo (usando a terminogia de Putnam), neste último caso ligando diversas redes entsi (aglutinando o diverso; acumulando informação e recur

    multiformes e multi-localizados); conjugando laços for(afectivos) e laços fracos (funcionais) com manutenção de uindividualidade saliente; promovendo novas recompensasmecanismos de consagração com ênfase em mecanismos mútiplos, descentralizados e informais, concomitantes com umpluralidade de motivações e de construção de reputações (Boges e Costa, 2012) muitas vezes à margem do Estado e navgando na instabilidade, no provisório e no pós-linear (precár

    possibilitando, em suma, a criação de um “estilo de vida crivo comunitário” (Menger, 2005) onde o artista e o trabalhapós-taylorista se fundem no prossional criativo, assinalandmundo artístico como modelo para o trabalho qualicado (ebora precário) e as organizações do capitalismo tardio.

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    BECKER, HOWARD (1982), ART WORLDS. BERKELEY: UNIVERSITY

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    LA MODERNITÉ. III , PARIS, MÉTAILIÉ, 1996,

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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    DENTRODO MUNDO

    09A ARTE É O IMPÉRIO, NÃO TEM PRIVILÉGIOS INTELECTUAIS OU POLÍTICOS. NÃOÉ A REFLEXÃO QUE FALTA AO TEMPO. É MAIS UM DENTRO DO MUNDO A TESTARA SUA SOBREVIVÊNCIA OU POSSIBILIDADE.“ “JOSÉ MARIA VIEIRA MENDES

    DRAMATURGO· MEMBRO DO TEATRO PRAGA

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    A relação entre arte e instituição, arte e império, oue no caso europeu, arte e democracia (termo consensual ecientemente abrangente), exige, aos artistas e teatros, coência, perversidade e cinismo. Que Estado me nancia?é que não é nanciado? Porque fui eu escolhido? Que tenho, ser arte do regime? Quem me apoia? Quem me apl

    Aquele que faz o espetáculo não é observador dia ver de fora, do alto da torre. Somos todos criminosos. é o império, não tem privilégios intelectuais ou políticoé a reexão que falta ao tempo. É mais um dentro do mutestar a sua sobrevivência ou possibilidade. Por isso a artprovoca “roturas” nem “interrompe”, como pretende allosoa. A interrupção é prevista pelo próprio sistema eos leitores, espectadores, artistas e demais familiares atuA esta suposta interrupção o sistema chama arte, e com

    delimita o seu campo. O público sabe ao que vem. O seué respeitado. Não há imprevistos.

    CASO 1Um Curador/Artista do projeto BMW Guggenhe

    (parceria entre a multinacional BMW e a “instituição”

    nheim) relata uma experiência de vida. Este projeto dedoria habita uma cidade por um período de dois anos. Cçou em Nova Iorque, depois Berlim, e seguirá para BomO conceito assenta nas palavras “mobilidade” e “provie corresponde à vontade do museu sair do seu espaço flimitado e previsível, para dentro da cidade. Trata-se de u

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    curso recorrente na contemporaneidade e trans-versal a várias áreas artísticas. Vem a isto atreladaa “vontade de estar mais próximo das pessoas”, a“procura de novos públicos”, a “desmiticação daarte” e outros nobres objetivos.

    Uma das componentes do projeto BMW Gu-ggenheim Lab, a mais visíviel, é a montagem deuma estrutura provisória num local público, cons-truída para albergar eventos vários, palestras, etc.A estrutura (sempre a mesma, seja em Nova Ior-que, Berlim ou Bombaím) não tem paredes nemfronteiras, é simbolicamente e, na sua arquitetura,“aberta” ao cidadão.

    O Curador/Artista em causa tem como fun-

    ção pensar a instalação desta estrutura em Ber-lim. Com que atividades, subordinada a que temae, sobretudo, em que local? Decidiu tomar comoassunto uma zona da cidade pertença do municípioe cujos terrenos estão a ser vendidos a privadospara cobrir as diculdades nanceiras. A vendado património, segundo o próprio Curador/Artista,tem como consequência a descaracterização da-

    quele lugar, mas também assalta os direitos e in-teresses dos moradores do bairro, questão muitocara aos berlinenses. Com as melhores intenções,o projeto BMW Guggenheim Lab pretende entãochamar a atenção para o problema plantando aquia sua estrutura provisória. Quer colocar-se ao lado

    dos moradores, contra o grande capital e as soluções urbanísticas de argumentação económica

    Acontece que, assim que a imprensa dvulga a intenção, rompem inesperadamente amanifestações. Os moradores não querem a BMe o Guggenheim nas suas beiras. Conotam o pr jeto com desígnios capitalistas e especulativos,acusam-no de provocar o aumento do preço dterrenos, das rendas dos apartamentos, das pro-priedades. As manifestações sucedem-se, requepolícia no local, há primeiras páginas de jornala boa intenção cai por terra. Uma semana depoiantes sequer de ser montada a estrutura provisória, o Guggenheim, passando à frente do Curado

    Artista, resolve relocalizar o projeto e ocupar ulugar menos controverso.

    O Curador/Artista defende-se assim doargumentos dos moradores: Eu sei que trabalhpara a BMW e para o Guggenheim mas utilizei tes meios para dar visibilidade a uma pretensã justa e anti-capitalista. Estou ao serviço do sist

    ma, é verdade, mas podemos fazer uso do sistempara lutar contra o sistema.

    E tem razão. O Artista/Curador não esfora do sistema. O artista é o sistema. Por issa sua ação não pode ser pensada com o objetiv

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    de defender a causa dos pobres, dos menos poderosos oativistas anti-capitalistas. Não vale de nada simplicar odo e agir com o intuito de fazer o bem, porque a complevolta-se contra a simplicação. A intervenção do artista ça precisamente com as manifestações que despontam, cpolémica e a gestão da polémica, com a confrontação, a cgência e o risco gerados pela sua ação.

    Porque o artista não é o bom a lutar contra os maarte não é a solução política. Não é o discurso sobre os oNão é a luz que ilumina, não é a coisa esclarecida a destada realidade embrutecida. Não é a ponderação num mundtempo para o pensamento como não é a profundidade no dto da supercialidade. Não é o espelho da realidade. É a prealidade. Faz parte do reexo do mundo. Está nele inc

    No mesmo mundo dos moradores, da câmara municipaespeculadores. Defender os desprotegidos com uma instaé ingenuidade panetária, é julgar que se pode resolver oblema quando apenas se pode enfrentar a incerteza.1

    (Não chega os liberais a defender sozinhos o liberaou os ambientalistas a defender o ambiente ou os socialidefender o estado social. Não chega os artistas a defen

    arte nem os teatros a defender os teatros nem os capitala defender o capitalismo nem os anti-capitalistas a defenanti-capitalismo (cf. Solterdijk, Stress e Liberdade). Um assim é um mundo estagnado. Não podemos circular etmente. Há que sair do círculo. Provocar curtos-circuitos.

    1 FOI COM A INCERTEZA QUE POR EXEM-PLO SCHLINGENSIEF SOUBE LIDAR NAFAMOSA AÇÃO DE RUA “AUSLÄNDER RAUS!SCHLINGENSIEFS CONTAINER” NO FESTIVALWIENER FESTWOCHEN DE 2000.

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    A citação de Paul Klee diz: “A arte não reproduz o visível,ela torna visível.” Não reproduz o visível, sim, mas também nãoo torna visível: inventa-o, consciente de que a invenção é o visí-vel. Não há inocência.

    (Quem é o meu público? E eu respondo: Ninguém.)

    CASO 2Chegou-me um email de um programador a propósito

    do espetáculo do Teatro PragaIsrael (criação de Pedro Penimcom Catarina Campino). Diz assim:

    Finally I have come to the conclusion, that I am nottotally convinced. Maybe it is given to the fact, that I have

    not seen the performance live myself. But the subject is adelicate one, and becoming even more ‘explosive’ in everysense of the term right now of course. And in this context Ido not feel sure enough about the approach of the piece tobe able to fully stand up for it.

    A recusa apenas importa porque permite denunciar umacontradição argumentativa a que o espetáculoIsrael tem dado

    particular visibilidade. Dizem (artistas, programadores, espec-tadores iluminados e família do ramo): aceitamos a arte comoo lugar onde se fazem perguntas, onde há espaço para a in-denição e para o pensamento. Exigimos da arte que nos levepelo desconhecido, que não pense por nós, isto é, aceitamos ereproduzimos todos os lugares comuns de um discurso da to-

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    lerância e da educação artística contemporânea (não há mause bons, preto e branco, o mundo é complexo e cinzento, a artepolítica tem de ser sosticada e não panetária, etc.). Mas atéonde defendemos ou agimos em concordância com as palavrasque produzimos? Até que ponto reconhecemos o seu conteúdo?Ou melhor: o que querem estas palavras dizer quando nos ve-mos perante a necessidade de fazer escolhas, ou diante de umtema bicudo?

    O espetáculoIsrael faz tudo para olhar para um paíscomo ele nunca é olhado em circunstâncias públicas (espetá-culos, obras de arte, artigos de jornais, livros, documentáriose por aí fora): como uma palavra disposta a ser reinventada,abusada, rescrita. O espetáculo aproveita-se da palavra “Israel”e fá-la destinatária de uma carta de amor, transforma-a num

    objeto monstruoso, estranho, atraente, histórico, não linear.Recolhe a palavra “Israel” e pessoaliza-a, reveste-a de uma in-timidade que publicamente nunca lhe reconhecemos.Israel éum espetáculo que não escolhe a política imediata da palavra(a sua narrativa mediática), antes inventa a visibilidade, mostra,com a concretização em objeto performático, os escolhos destaescolha e não esquece o facto de o elefante (a palavra “Israel”) apairar sobre o público2 , contagiar qualquer leitura, retirar liber-

    dade, limitar o espectador.Israel conhece as suas diculdades,pensou o seu contexto, sabe-se dentro do mundo.

    Quando se recusa este espetáculo por não se sentir nelea certeza de uma abordagem que tenha em conta o conito bé-lico e político (o elefante, a palavra mediática “Israel”), está-

    2 NO ESPETÁCULO, POR CIMA DO PAIRAVA UM ELEFANTE INSUFLÁV

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    se a eliminar a possibilidade de invenção. Fixa-se o olhar noelefante e não se dá oportunidade à intimidade singular. Portrás da recusa está a incapacidade (moralista? moral?) de con-siderar sequer o objeto que faz de um discurso aparentementeapolitizado a sua política, o objeto artístico que, entendendo oseu lugar no mundo, percebeu que a política possível está narelação singular, ideológica, amorosa, apaixonada.

    Esta incapacidade deve-se à interposição de uma expec-tativa precisa, a de encontrar uma resposta à pergunta “De quelado estás?”. Sendo que a pergunta que este espetáculo colocaé: Será possível eu,Israel, existir sem essa pergunta?

    Não querendo linchar uma recusa que em tão poucas

    linhas se justicou (e assumindo que a tomo como cobaia paraeste texto e que corro nisso o risco de ser injusto), dirijo entãoagora o foco para quem pensou o espetáculo de modo a nãodeixar escapar a pergunta “será possível eu existir?”. O elefanteque paira na sala (não o cenográco mas o que este simboliza)intimida o leitor, dirige-o. A palavra “Israel” (o elefante) des-perta a pergunta que aqui não se quer colocar. E, no entanto,o espetáculo insiste na palavra, coloca-a no título porque só é

    possível reinventar a palavra expondo-a. É no confronto entrea intimidade política do espetáculo e a sua política pública queIsrael opera. Com uma ambição eventualmente desmesurada esobretudo muito vulnerável. E a sua vulnerabilidade é reconhe-cer a sua impossibilidade. Porque reconhece o seu contexto eparadoxo: o de se chamar “Israel” e o de ser teatro.

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    ESTÂNCIA(ESTAR + -ÂNCIA)

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    CARLOS FERNANDES

    ARTISTA PLÁSTICO· ASSISTENTE DE PRODUÇÃO NO TEATRO VIRIATO

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    UM ESPAÇO DESABITADO ASSOMBRA-NOSOMNIPRESENÇA.

    UM “NÃO LUGAR” QUE APENAS É CRIADO NEM QUE NOS DEIXAMOS HABITAR E TRAN

    UM TERRITÓRIO INÓSPITO, DESCONHECIFIANTE AOS SENTIDOS, MOTIVADOS PARA

    NELE A NOSSA IDENTIDADE.

    UM PALCO QUE ENCONTRA EM CADA UMLUGAR PRÓPRIO, DEIXANDO O ANONIMATPORTANDO-NOS PARA UMA ESTÉTICA QUE

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    NÃO LUGAR

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    NÃO LUGAR #2

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    NÃO LUGAR #3

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    DESAFIOS PARAA CIRCULAÇÃOINTERNACIONADA DANÇAPORTUGUESA

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    PORTUGAL DEPARA-SE COM UM PROBLEMA DE ESCALA OU, SE PREFERIRMOS, INEVITABILIDADE DE ESCALA NO QUE DIZ RESPEITO AOS CIRCUITOS DE APRESENTAÇÃAS ARTES PERFORMATIVAS EM GERAL E PARA A DANÇA EM PARTICULAR.“ “TIAGO GUEDES

    COREÓGRAFO· DIRETOR ARTÍSTICO DA MATERIAIS DIVERSOS E DO TEATRO VIRGÍNIA

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    O seguinte texto tenta diagnosticar os principais pmas e equívocos que têm (des)ajudado a circulação internal da dança portuguesa. Ele será parcial e imbuído da mexperiência como criador, como programador e como ptor. Tentará lançar pistas tendo como referência exemplboas práticas com as quais me tenho deparado e que tantoajudado a internacionalização de artistas baseados em ppróximos do nosso.

    Portugal depara-se com um problema de escala opreferirmos, uma inevitabilidade de escala no que diz rto aos circuitos de apresentação para as artes performaem geral e para a dança em particular. Os teatros e festonde a dança contemporânea pode ser apresentada semforam poucos, embora nos últimos anos se tenham ntransformações signicativas. Essa situação tem sido co

    nada com o interesse de vários teatros em programar dcontemporânea, nomeadamente através das múltiplas rde programação e circulação criadas com os apoios do nos últimos cinco anos. Esse facto tem viabilizado uma dnacional mais efectiva das obras coreográcas criadas ptistas em Portugal, permitindo o contacto com um públicalargado. Os festivais que foram surgindo no país tambécontribuído para esta presença mais assídua da dança em

    tios onde raramente ela era apresentada. O mapa de circunacional foi recongurado nos últimos anos e às já cotes Lisboa, Porto, Viseu, Guimarães, Faro, Montemor-oe Montemor-o-Novo juntaram-se cidades como Coimbrdo Conde, Torres Novas, Minde ou Castelo Branco qsido lugares de passagem obrigatória para muitos proje

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    No entanto, voltando à questão de escala, seriamuito importante rever a forma como os apoios àinternacionalização são facilitados em Portugal ecomo a diplomacia cultural, a meu ver, não estáa resultar.

    A circulação internacional é fulcral paraque artistas e companhias optimizem os seusrecursos, prolonguem o tempo de vida dos seusespectáculos e entrem no mercado global dos cir-cuitos de dança contemporânea. Infelizmente, vejoos apoios à internacionalização confundidos comapoios à circulação, nomeadamente, apoios a des-locações. Ora, para um projecto, para um artistaou para uma companhia se deslocarem tem queexistir todo um trabalho prévio que fará com que

    essa circulação aconteça. Na realidade, quando seapoiam viagens não se estão a apoiar os artistasportugueses, mas sim os festivais e teatros inter-nacionais que, desta forma, poupam dinheiro comdespesas logísticas. Não quero com isto dizer queos apoios existentes sejam maus, mas são insu-cientes e só beneciam deles quem já se movi-menta no circuito internacional.

    Não obstante o grave contexto nacional quea falta de políticas culturais acertadas e concerta-das tem gerado nos últimos anos, passamos umperíodo de grande invenção coreográca. Tal comona música portuguesa, a dança contemporânea

    está a passar um período com excelentes espectáculos, artistas motivados, particulares e que poderão em muito beneciar de uma diplomacia cutural e de acções com vista à internacionalizaçãmais concertadas. Por isso, deixo algumas pistaque intuo poderem ajudar:

    1. VISIBILIDADEOs artistas portugueses, para circularem

    internacionalmente, têm que ser vistos, descobertos, conhecidos, questionados e confrontadose possível em contextos onde o seu trabalho sedefendido. Nenhum artista sairá do país se o setrabalho não for descoberto. Essas descoberta

    podem ser mais ou menos ociais, mas pressupõem sempre dois contextos – ou que venham anós ou que sejamos nós a ir ao encontro de queprograma. Tomo como exemplo a ONDA – ONacional de Diffusion Artistique, não pelo fascpelo modelo francês (falível) mas por conhecbem as acções e resultados efectivos que são produzidos. Este organismo do Ministério da Cultu

    francês dedica-se exclusivamente à difusão nacional e internacional pluridisciplinar dos artistfranceses. As suas acções mais interessantes sãosempre coordenadas com outras instituições/organismos/festivais de forma a que a promoção dprojectos que defendem seja sempre associada

  • 8/16/2019 Revista Teatro Viriato Artículo Claudia Dias

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    mecanismos próprios do trabalho de programador – reuniões,encontros, espectáculos. Em território nacional, associam-sea eventos catalizadores ou criam em conjunto acontecimentosque captem a atenção dos mais relevantes prossionais. Anual-mente, o Encontro de Dança da ONDA, em Paris, convida cente-nas de programadores para assistirem a uma programação deartistas franceses associada a um festival. Internacionalmente,a ONDA torna-se parceiro de festivais de forma a que, paralela-mente ao programa o