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F ENÔMENO PSI-IFEN 1 FENÔMENO PSI IFEN ANO 1 Nº 0 RIO DE JANEIRO JUNHO / 1997 Aspectos teórico-práticos na Ludoterapia Técnicas da Gestalt- Terapia aplicadas à Ludoterapia Técnicas do Psicodrama aplicadas à Ludoterapia na abordagem Fenomenológico- Existencial Um estudo de caso: do psicodiagnóstico à psicoterapia infantil LUDOTERAPIA LUDOTERAPIA

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FFEENNÔÔMMEENNOO PPSSIIIFEN

ANO 1 Nº 0 RIO DE JANEIRO JUNHO / 1997

Aspectos teórico-práticosna Ludoterapia

Técnicas da Gestalt-Terapia aplicadas àLudoterapia

Técnicas do Psicodramaaplicadas à Ludoterapia naabordagemFenomenológico-Existencial

Um estudo de caso:do psicodiagnóstico àpsicoterapia infantil

LUDOTERAPIALUDOTERAPIA

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Organização GeralMyriam Moreira Protasio

Conselho EditorialAna Maria Lopez Calvo de FeijooMyriam Moreira ProtasioMaria Bernadete Medeiros Fernandes Lessa

ColaboradoraCláudia Guimarães

Jornalista ResponsávelRegina Protasio - Mt. 15688

RevisãoCecília Moreira

Projeto GráficoSergio Laks

Editoração EletrônicaPapel & Tinta Editora

CirculaçãoIFENRua Conde de Bonfim, 99/603CEP 20520-050 - Tijuca - RJTel.: (021) 254-4641

Fotolito e impressãoBlue Chip Comunicações Ltda.

Tiragem500 exemplares

ÍNDICE

Editorial

Aspectos teórico-práticos na Ludoterapia

Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo

Técnicas da Gestalt-terapia aplicadas à Ludoterapia

Myriam Moreira Protasio

Técnicas do Psicodrama aplicadas à Ludoterapia na abordagem

Fenomenológico-Existencial

Maria Bernadete Medeiros Fernandes Lessa

Um estudo de caso: do psicodiagnóstico à psicoterapia infantil:

Ludoterapia

Claudia Guimarães

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EDITORIAL

O adulto se revela pela fala, onde o fato de discursar consiste numa

atividade lúdica. Homens e mulheres se juntam em grupos e per-

manecem a conversar por longos períodos de tempo. Ao se observar

este fato pode-se concluir que eles revelam satisfação nesta atividade.

As crianças também conversam com outras crianças e com adultos e

muitas vezes também revelam prazer nesta atividade. Na maioria das

vezes, entretanto, é no brincar que a criança mostra a plenitude de sua

satisfação. A partir desta constatação, o profissional deve ter em

mente que a proposta psicoterapêutica com a criança deve contar com

a atividade na qual este pequeno ser mais autenticamente se revela.

Heidegger afirma que a compreensibilidade do ser se funda no

processo escuta e fala. É por acreditar nas proposições deste filósofo

que se desenvolve, nesta revista, o tema da psicoterapia infantil

onde o processo escuta e fala utiliza como recurso o lúdico.

Brincando, a criança expressa todo o sentido articulado na sua

vivência como projeto.

O Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do Rio de

Janeiro vem neste ano de 1997 lançar sua primeira revista –

“FENÔMENO PSI” – com o tema Ludoterapia.

O conteúdo desenvolvido neste lançamento visa apresentar ao

profissional e estudante de psicologia os aspectos teóricos e práticos

da atuação do psicólogo com a criança num processo psicoterápico.

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Ludoterapia significa a apli-cação de procedimentos de psi-coterapia através da ação dobrincar, mais especificamente,é o processo psicoterapêutico,que lançando mão do brinque-do, vai, através, da brincadeiraconstituir-se na estratégia uti-lizada pelo psicoterapeuta, afim de que se possa rumar nosentido da autenticidade, aspec-to este que fundamenta a essên-cia da psicoterapia de basefenomenológico-existencial.

A psicologia dispõe de trêsmétodos básicos, através dosquais se desenrola toda a suaprática. São eles: o comporta-mental, o psicanálitico e ofenomenológico. Na ludotera-pia estes métodos também sãoaplicados.

No método comportamental,que tem no seu bojo os princí-pios positivistas, a terapêuticavai ocorrer através da sistema-

tização das contingênciasde reforço, frente aoscomportamentos desadap-tados de uma dada cri-ança. A partir de tal sis-tematização a criança vaireaprender os comporta-mentos, que se tornarãoadaptados.

Na prática psicanalíticao processo terapêutico sóocorrerá de fato com atransferência. Esta consti-tui a essência do método

psicanalítico, que tem comofundamento a interpretação apartir de seus princípios e axio-mas teóricos. A interpretaçãodas vivências da criança e a con-seqüente reelaboração das expe-riências passadas é o objetivo daterapêutica psicanalítica.

Na psicoterapia fenome-nológico-existencial, o discursoconstitui a essência do processopsicoterápico e ocorre narelação entre duas ou mais lin-guagens. É nesta relação deintersubjetividade que o psi-coterapeuta vai buscar, navivência conflitiva do cliente acoerência entre as condições doexistir. O psicólogo vai percor-rer nesta busca através de seurecurso básico de atuação: alinguagem.

É na linguagem que vai serarticulado o processo de psico-terapia. Heidegger afirma que éno discurso que o indivíduo

revela aquilo que ele oculta. Nalinguagem, o ser se revela, eaquilo que oculta se dá naestrutura do entendimento e dosentimento. Ainda segundo estefilósofo, o estado de queda oudecaimento acontece quando alinguagem, o sentimento e acompreensibilidade apresen-tam-se desarticulados. Por ou-tro lado, o dasein atua no mun-do de forma autêntica quandoas três condições do existirmostram-se em harmonia.

A diferença na aplicaçãodestes três métodos pode setornar clara a partir da seguinteexemplificação:

“Num determinado momento,um menino de nove anos quejá vinha há algum tempomostrando comportamentosagressivos na sessão deludoterapia. Pega um bonecopai, soca-o e depois isola-o dorestante dos bonecos, escon-dendo-o em uma caixa.”

Na concepção behaviorista aatitude deste menino teria sidoaprendida e as contingências domeio, provavelmente, refor-çaram-na. A estratégia terapêu-tica consistiria numa reapren-dizagem. Psicanaliticamente,provavelmente a revelação dacriança seria interpretada a par-tir de uma teoria de base que searticula numa vivência edípica.No enfoque fenomenológico-existencial todos os valores,

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Aspectos teórico-práticos na LudoterapiaAna Maria Lopez Calvo de Feijoo

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teorias e pressupostos seriamcolocados entre parênteses, edesta forma a situação poderáser compreendida no contextoem que a revelação se eviden-cie. A terapêutica se daria nosentido de criar condições paraque os sentimentos se mostrem,sejam eles de amor, de hostili-dade, de culpa ou outros.

Ao processo de escuta e fala,enquanto articulação do senti-do, que ocorre no brincar, vai sedenominar ludoterapia. A falano adulto, que por si só muitasvezes é suficiente, na criança,na maioria das vezes mostra-seinsuficiente, fazendo-se neces-sário o recurso do brinquedopara que desta forma o processopsicoterapêutico possa fluir. Nolúdico, a criança revela seussentimentos, suas vivências,enfim seus significados.

MÉTODO FENOMENOLÓGICOE OS PRINCÍPIOSEXISTENCIAIS

A abordagem fenomenológi-co-existencial lança mão dométodo fenomenológico uti-lizando os recursos da épochè,redução fenomenológica, cap-tação intuitiva e integração sig-nificativa, à luz da filosofiaexistencial com os princípiosde liberdade, responsabilidade,risco, angústia, desespero, mor-te e autenticidade.

Enquanto método, que pre-tende se diferenciar do positi-vismo, a fenomenologia propõeque, em contato com os fenô-menos, suspendam-se os juízos,os valores, as teorias, enfim, osprincípios teóricos acerca doque apresenta. A esta postura,

frente ao aparente, vai sedenominar épochè.

Na psicologia com esteenfoque, as intervenções dopsicoterapeuta vão se funda-mentar na redução fenome-nológica como a estratégia pelaqual o psicólogo vai buscar osentido do discurso do cliente.É neste aspecto que escuta efala se articulam, fundando oprocesso psicoterapêutico.

Ao psicoterapeuta cabe bus-car os significados que estãoimplicados no discurso docliente; para tanto, ele vai pau-tar-se nos princípios da cap-tação intuitiva e da integraçãosignificativa. Na primeira se dáa percepção apurada a partir dacondição de sentir do terapeuta.O sentido é captado, porém nãoé elaborado no nível reflexivo.Isto vai ocorrer num segundomomento com a integração sig-nificativa, quando o conteúdopassado pelo cliente se refletirána relação entre ambos.

Os princípios existenciaisvão possibilitar as reflexõesacerca da existência. A liberda-de ocupa lugar de destaque nes-tas reflexões, uma vez que é apartir das possibilidades dadasao existente que este se tornalivre para escolher. Enquantolivre o indivíduo torna-se res-ponsável pela possibilidade es-colhida. Ao se tornar respon-sável, sente-se culpado e an-gustiado frente às possibili-dades abandonadas e às que se-rão preteridas respectivamente.

Quando a criança chega àsala, o terapeuta se apresenta epergunta-lhe se sabe o porquêde estar ali. Apresenta-lhe o

espaço de ludo com todas assuas possibilidades: papel paradesenhar, lápis de cor, água,areia, barro, tesoura, quadronegro, jogos, livros infantis,fantoches, casa de bonecas, car-rinhos, entre outros.

Neste momento, cabe à cri-ança escolher. O princípio a sertrabalhado é o da liberdade.Não se escolhe pelo cliente; éele quem vai escolher; destaforma vai exercer a sua possi-bilidade de escolha.

Ele pode dizer: “não sei tia,escolhe qualquer coisa.”

O terapeuta pode responder:“você está dizendo que euposso escolher por você.”- É.- Você está dizendo que nãoquer escolher.- Não. Você pode escolher, eunão quero escolher.- Quando você me mandaescolher por você, sou eu quemvou definir a tarefa. Você entãose dispõe a fazer o que eu qui-ser. Então vamos fazer contasde multiplicar.- Não, mas isso eu não quero.- Mas você disse que eu poderiaescolher.- Mas multiplicar não.- Então tá. O que você escolhe?

Se a criança insistir em nãoescolher, o terapeuta pode con-tinuar escolhendo coisas que acriança provavelmente nãogostaria de fazer e então refle-tiria para ela: “quando a gentenão escolhe o que quer, deixa ooutro escolher e aí a escolha dooutro pode acabar por desa-gradar”. Nesse caso, trabalha-se a forma como ele constrói oseu ser no mundo: “é sempre

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assim com seus coleguinhas,eles escolhem por você?” / “éassim na sua casa?” Exploram-se todas as suas situações devida. Ao acabar a sessão, pede-se para que ele observe comoisso acontece lá fora. Nestasituação foi trabalhada a liber-dade de escolha. A responsabi-lidade também foi vista. Elaescolheu e é responsável peloque escolhe. Quando escolhenão escolher, continua respon-sável por não ter escolhido. Éresponsável por deixar que ooutro escolha por ela.

A angústia é o sentimentooriginal que se dá na aberturado ser para o mundo. Frente àspossibilidades oferecidas, aodasein cabe escolher. A opçãopor uma das possibilidadesencerra todas as outras. Istoacontece, por exemplo, quando,faltando poucos minutos paraterminar a sessão, a criançaainda deseja realizar muitastarefas que o tempo não permi-tiria. A criança deve fazer umaescolha, situação que vem car-regada de angústia, uma vezque ela terá que abrir mão deoutras possibilidades. Nestemomento, o psicoterapeutadeve atuar no sentido de nãoaliviar a angústia, pois se assimo fizer estará aniquilando asituação de crescimento.

A autenticidade caracteriza-se pelo fluir juntamente as trêscondições da existência. Sãoelas: sentimento, entendimentoe linguagem. O terapeuta atuano sentido de que tais condiçõesse articulem sem conflitos.

Na vivência dialética entre oeterno e o temporal, o terceiro

termo é a existência no tempo,onde a morte é a constantecompanheira da vida. Nestesentido, o temporal constitui-senum aspecto fundamental notrabalho da psicoterapia. A par-tir da consciência daco existência morte e vida, opsicoterapeuta atua de forma atrazer as limitações do existir.

RECURSOS METODOLÓGICOS

A ludoterapia constitui-senuma prática da psicologia,portanto vai se articular a partirde um método e de reflexõesteóricas. O fazer do psicólogoalém de utilizar-se destesinstrumentos, vai se dar a partirde alguns recursos metodológi-cos, tais como: atitudes, inter-venções, livros, jogos, fábulas,dinâmicas, entre outros.

Com relação às atitudes, aética deve ocupar o lugar cen-tral. A sua atuação deve serisenta de seus valores. Nãocabe ao terapeuta avaliar umaatitude feia, nem bonita, nemcerta ou errada, enfim, ele deveevitar ao máximo uma atitudede julgamento, uma direçãoquanto ao caminho que a cri-ança deve seguir. Deve estabe-lecer uma relação com a cri-ança pautada na autenticidade.Evitar, por exemplo, falar coma criança como se estivessefalando com alguém que nãocompreenda a linguagem co-mum, provavelmente se pensardesta forma não irá estabeleceruma relação de confiança. Opsicólogo brinca com a criança,mas fala a sua própria fala, aobrincar.

Virginia Axline, que adota ateoria de Rogers em sua atua-ção, descreve em seu livroDibs: em busca de si mesmoalgumas intervenções que sãoclassificadas por Rogers comorefletora de conteúdo verbal eclarificadora de vivência emo-cional. A primeira ocorre quan-do o cliente, ao brincar, revelaum significado incongruente eo psicólogo sintetiza o discursoe o devolve. Na segunda, o psi-cólogo extrai o sentimento quefoi explicitado naquela brin-cadeira e clarifica-o. Algunspsicólogos constróem as suasintervenções de forma afirmati-va. Virginia Axline o faz de for-ma inquisitiva. Cada um vaiconstruir seu próprio estilo esuas modalidades de interven-ções, desde que o método feno-menológico seja considerado.

ATITUDES DO PSICÓLOGO NALUDOTERAPIA

A atuação do psicólogomuitas vezes constitui-se numaarte muito mais do que numatécnica. Este aprendizado ocor-re na medida em que há aexperiência. Os aprendizes deludoterapia acabam por passarpor momentos difíceis, em quese separar da forma como lidamcom o cotidiano para assumiruma postura de psicoterapeutatorna-se uma tarefa árdua. Écomum, em psicólogos inexpe-rientes, ocorrerem alguns des-lizes, tais como, entrar em com-petição com a criança queassume no mundo uma posturaautoritária, levando o psicólogoa imbuir-se do lema: “vamosver quem é que manda!”. Agir

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desta forma implica em prejuí-zo do processo. Neste contextonão há lugar para disputa, arelação deve se estruturar comode ajuda. O psicólogo atua co-mo facilitador que junto com acriança cria condições de cres-cimento num ambiente que lhepermita no brincar a expressãodos seus significados.

No início pode ocorrer que oterapeuta tenha dificuldade emdar limites à criança. Com fre-qüência, a criança opõe-se aofato de ter que ir embora, aotérmino das sessões. Os limitestêm que ser estabelecidos e tra-balhados com a criança.

Outra questão à qual opsicólogo deve estar atento é acuriosidade: psicólogo nenhumdeve ser curioso, pois, se assimfor, não vai estar atento aooutro, estará atento a si mesmo.

Não se faz necessário insis-tir nos porquês, hábito bastantefreqüente nos novatos. Estetipo de questionamento muitasvezes acaba por irritar a cri-ança, que muitas vezes reagedizendo: “tia, pára de perguntaro porquê” ou “você perguntamuito”. O psicólogo deve sem-pre continuar o processo nalinha que a criança conduz. Aoinvés de ficar perguntando:“mas por que você disse isso?”ou “mas por que você prefereesse jogo?”, o psicólogo deve irjunto com a criança: “Ah, sim,você escolheu esse jogo”, edeixá-la continuar procedendosobre o jogo da forma que elaprópria escolheu.

O treinamento da épochèfaz-se necessário para que opsicoterapeuta atue de uma

forma própria que não se con-funda com a vivência cotidiana.Através da ação, do brincar, porexemplo, a criança vai expres-sando toda a sua hostilidade e oterapeuta vai criar um ambientepermissivo para que ela externeesses sentimentos. Não vai di-zer para ela que em pai não sebate. Se a criança, neste contex-to, quiser bater no pai, ela ofará. Essa forma de atuar vaidiferenciar o psicólogo das pes-soas comuns. As pessoas co-muns vão dizer: “o que é isso?Seu pai é tão bonzinho paravocê”, ao psicólogo no entantocaberá a compreensão destaexpressão.

A expressão dos sentimentosé muitas vezes ambígua e con-traditória. Ora sente culpa, orase sente ódio. A nós terapeutascabe remover a culpa para que osentimento de origem apareçaespontaneamente. Com culpa hárepressão dos sentimentos. Por-tanto, alimentar a culpa é termi-nantemente proibido no proces-so terapêutico. As intervençõesdo terapeuta deverão mobilizaros sentimentos de forma queestes apareçam através do brin-car, da ação e conseqüente-mente pela linguagem. Paratanto faz-se mister que o psi-coterapeuta mantenha “as ore-lhas em pé e os olhos abertos”.

ETAPAS DA LUDOTERAPIA

A ludoterapia se dá emdiferentes etapas. O início nor-malmente ocorre por um conta-to telefônico. Neste momento,se dá a escolha dos membros dafamília que irão participar daprimeira entrevista.

A participação dos membrosda família à primeira entrevistavaria de acordo com a metodo-logia de diferentes psicotera-peutas. Há profissionais quemarcam diretamente com a cri-ança. Outros iniciam com toda afamília. Há no entanto aquelesque preferem iniciar o trabalhocom os pais. Qualquer destesenfoques é válido, desde que oprofissional atue de acordo como seu projeto de trabalho.

ENTREVISTAS COM OS PAIS:ELABORAÇÃO ESISTEMATIZAÇÃO

A estratégia utilizada pelaautora tem início com umaentrevista com os pais. Ao falarcom os pais por telefone, solici-ta a sua presença enquantocasal ou pais. Dá início ao tra-balho através da presença dosdois. Pode acontecer de com-parecer a mãe, só o pai, afamília toda, podem dizer aindaque hoje quem vai ficar é a cri-ança apenas. Se isso acontecer,eles já estarão revelando umdado, dado este que pode tervários significados, tais como:falta de limites, dificuldade emlidar com as normas. Não sesabe o que é, mas já se deveficar atento para esta atuação dafamília. Caso apareça só a cri-ança, atende-se e marca-se umanova sessão com os pais. Seaparecer a família inteira, lem-bra-se a família do que haviasido combinado e que na próxi-ma sessão seria bom queaceitassem o convite de vir sóos pais. Pode acontecer que só amãe apareça. Assim sendo, napróxima entrevista pede-se a

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presença do pai. Pode acontecerainda de a mãe dizer: “ele nãoaceita vir de jeito nenhum”.Neste caso o terapeuta pedepara entrar em contato com opai. A insistência da mãe nestesentido pode ter um significa-do, tal como: manipulação damãe ou pode ser que o pai nãoqueira realmente ir, mas deve-se ficar atento, existe um sig-nificado que não se sabe qual é.Deve-se ficar atento ao tipo derelação estabelecida no proces-so terapêutico. As perguntasque se fazem têm como objeti-vo conhecer a forma como elesse relacionam, a dinâmica fa-miliar, a comunicação, a afe-tividade, o respeito mútuo.

Virginia Satir sugere iniciara sessão questionando o casalsobre o porquê de, dentre tantaspessoas no mundo, eles seescolherem. Lança-se a pergun-ta e espera-se para ver quem vairesponder primeiro. Váriascoisas podem acontecer: podeum ficar empurrando para ooutro; pode um querer respon-der; podem responder afetiva-mente dizendo que foi tão legalou podem dizer que foi a piorcoisa que aconteceu na vida. Háalguns que dizem que foi oacaso, não foi uma escolhadeles. Assim, o terapeuta já vaitendo indícios acerca da formacomo se estabelece o vínculofamiliar; a cumplicidade, orespeito ao sentimento dooutro, os acordos. Enquanto ocasal fala, o terapeuta se mani-festa através das intervenções:refletoras de conteúdo verbal,clarificadoras de vivênciasemocionais e inquisitivas. Na

continuidade de suas questões,vai observando quem freqüen-temente toma a frente, quemrecua, enfim, como se dá adinâmica familiar. Muitas vezeso casal queixa-se: “meu filhonão tem o menor limite”. Aomesmo tempo o pai bota a cinzano cinzeiro, derruba a cinza, vaiao banheiro e deixa o papel forado lugar, lava as mãos e molhao banheiro todo, um manda ooutro se calar porque é sua vezde falar. A falta de limites estáinserida no contexto familiar.No relato dos pais, muitasvezes fica clara a dificuldade dese impor a disciplina. Dizem,por exemplo: “deixar, não dei-xo o meu filho fazer não, sabe,eu imponho a disciplina, masele insiste, aí ele faz”. A comu-nicação é contraditória: impõea disciplina, mas se ele querfazer, faz. Que disciplina foiimposta? Na verdade, nenhuma.

Depois, pergunta-se o se-guinte: aí o namoro continuou enum dado momento vocêsresolveram casar. Como foi essadecisão? Várias possibilidadesde resposta podem aparecer.Eles podem dizer que nãodecidiram pois ela ficou grávidae tiveram que casar ou que osdois decidiram, pois queriamficar mais tempo juntos. Após aresposta de um dos membros docasal, o terapeuta dirige amesma pergunta para o outro.Cada um dos membros do casalresponde de acordo com seussignificados e com a posturaque assumem na vida. O psicó-logo continua observando aforma como se dão os vínculosfamiliares, como é a atitude

frente às famílias de origem.Sabe-se muitas vezes que asfamílias de origem influenciamtanto o casal que aquela famílianuclear ainda não se formou. Ospais não se constituíram comotais, são todos irmãos. Destaforma pode-se concluir que afigura de autoridade inexiste.

Após todos esses dadosserem levantados, dá-se início àsessão livre. O terapeuta devemostrar a sala à criança e pedirpara que ela escolha a atividadeque deseja executar. A saladeve dispor de um rico reper-tório de recursos a fim deampliar as possibilidades deação da criança.

É imprescindível que oespaço lúdico conste de livrosinfantis que devem ficar à dis-posição das crianças e outrosque podem ser usados no tra-balho com a família.

Através do uso dos livrosinfantis pode-se mobilizar afamília para o processo tera-pêutico e para a orientação depais. Com a criança, tais livrospossibilitam trabalhar a sexua-lidade, a morte, a fragilidade, aagressão, a submissão e muitasoutras questões.

AS SESSÕES LIVRES

Deve-se dispor de jogos, osmais diferentes possíveis (da-ma, senha, jogo da memória).Nas sessões de psicoterapia,todas as questões existenciaisdevem ser tratadas: a escolha, aliberdade, a morte, a angústia.

Cada criança vai expressar oseu modo de ser e o terapeutavai acolher qualquer tipo deexpressão: agressivo, hiperati-

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vo, submisso, esnobe, tímido,calado. Um cliente esnobe,inteligente, por exemplo, queleva muitas charadas para suaterapeuta resolver e se diz omáximo, pois só tira nota dezno colégio, deve ser compreen-dido pelo terapeuta. Não cabe aeste sentir hostilidade ou achá-lo metido ou ainda pensar emdar uma charada que ele nãopossa responder.

Outro exemplo, como de umcliente hiperativo, que não pára,embora dê muito trabalho deveser compreendido na sua formade expressão. Se assim nãofosse, não estaria necessitandode ajuda. Quando a criança ou afamília vai ao consultório éóbvio que ela está vivendo umprocesso de inautenticidade,pois se ela estivesse bem, nãoprecisaria estar ali.

Cada um tem o seu signifi-cado frente ao mundo e é opróprio sujeito quem vaiexplicitá-lo. Cabe ao psicotera-peuta estabelecer o vínculo. Arelação deve se estabeleceratravés da confiança e daaceitação do cliente como elese revela: agressivo, tímido,hiperativo. Na medida em que oterapeuta o aceita como ele é,vai-se estabelecendo um víncu-lo de confiança em que a cri-ança vai se sentindo aceita.

A observação durante oprocesso de ludoterapia é desuma importância, pois permiteao terapeuta levantar dadosacerca de todo o estilo de ser dapessoa, a forma como ela serelaciona com o mundo, as suasdificuldades e seus recursos.

O estilo de trabalho pode

estar afetando o desempenhoescolar, como por exemplo,uma criança que tem dificul-dades de aprendizado e queapresenta um estilo de trabalhodo tipo ensaio-erro. Aí está adificuldade dela: não analisa asituação para resolver. Perdemuito tempo, não tendo tempohábil para resolver as tarefasescolares.

O processo de atenção e deconcentração deve ser observa-do durante a sessão, por exem-plo, através do jogo da me-mória, das leituras, da realiza-ção de jogos, dentre outros.

A memória vê-se através dojogo da memória e de fatosocorridos em sessões anteriores.

A ansiedade é verificada emdiferentes situações, tanto fren-te ao novo, quanto em momen-tos em que a criança vivenciaconstrangimentos.

A coordenação motora podeser vista durante as atividadescom jogos de montar.

A forma como lida com asdiferentes situações sociais re-vela se a sua maturidade mos-tra-se adequada à sua idadecronológica. Isto é muito bemobservado na forma comoresolve situações cotidianasque lhe são propostas.

A expressão da afetividade edos sentimentos ocorre durantetodo o processo lúdico, seja narelação com o psicólogo, sejanas situações de frustraçãofrente à realização de algumaatividade.

No grafismo e nos testesexpressivos tem-se a oportu-nidade de observar a represen-tação gráfica da criança. Quase

toda criança gosta de desenhar.Quando ela brinca, quando eladesenha ou pinta, o terapeutavai observando o seu grafismo.Pode-se observar também queno processo psicoterapêutico ografismo vai evoluindo, os bo-necos vão se tornando cada vezmais perfeitos, os detalhes vãoser cada vez mais evidenciados,o traçado vai ganhando umaforma.

A criança muitas vezescomeça a ludo desenhandomuitos círculos, que são otraçado mais primitivo e carac-teriza a imaturidade emocional,perceptiva e motora da criança.Na medida em que se dá oprosseguimento do trabalho,vai se percebendo a evoluçãodo traçado. O psicólogo vaiacompanhando a evolução dografismo e a forma de ex-pressão da criança. Se, no iní-cio ela usar apenas uma cor,isto pode indicar uma limitaçãono mundo de possibilidades,pois entre as diferentes coresque ela pode escolher, elaescolhe apenas uma. Ela secoloca no mundo numa posiçãode restrição. Não vê todas aspossibilidades. Na medida emque ela vai ampliando, usandomais cores, vai mostrando quejá pode lidar com o mundo con-siderando todas as possibili-dades ou mais possibilidadesque o mundo lhe oferece.

Os testes podem ser utiliza-dos como recursos terapêuticos,como quando se quer mobilizaralgum sentimento. Pode-se pe-dir que a criança desenhe a suafamília como objetos ou ani-mais. É um recurso utilizado

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para se trabalhar a dinâmicafamiliar. A criança pode, porexemplo, desenhar o pai comoum palhaço e o terapeuta podeintervir: “interessante, quandovocê desenhou seu pai, se lem-brou de um palhaço. O queexiste em seu pai que faz vocêlembrar um palhaço?”- Ah, você desenha o seu irmãoe lembra de um jarro.- É, nele ninguém pode tocar,ele é inatingível. Minha mãe éum rádio, porque não pára defalar. Quando ela fala todomundo tem que calar a boca.

A criança vai mostrando ossignificados que cada pessoa dafamília tem para ela, como serelaciona com estas pessoas equal a sua percepção da estrutu-ra familiar.

O teste de apercepçãotemática para crianças – CAT éum teste infantil que mostrasituações com animais ou compessoas. A primeira gravuramostra a sombra de uma gali-nha com três pintinhos comen-do. É apresentada esta figura epropõe-se à criança que inventeuma história. Na medida emque a criança conta a história, oterapeuta vai trabalhando toda aquestão familiar. O terapeutadeve estabelecer uma relaçãode ajuda. Então, se a criançaprecisar de recursos para poderse mobilizar no sentido de des-pertar seus sentimentos, o psi-coterapeuta deve trazer essesrecursos.

No existencialismo, a técnicaé um recurso que vai facilitar oprocesso, mas não é o fim, é algoque vai possibilitar a abertura.

A ORIENTAÇÃO DOS PAIS

A orientação dos pais acon-tece sempre que o terapeutaperceber que os estes não estãoatuando de forma a facilitar ocrescimento da criança. Os paisou boicotam o processo ou con-tinuam mentindo, ou ainda cas-tigando em demasia. No iníciopode-se chamá-los uma vez pormês. Depois, de acordo com asituação, pode-se espaçar asorientações. Neste momento, oterapeuta vai levá-los a refletirsobre a forma como as coisasestão acontecendo na família. Oterapeuta traz as situaçõesfamiliares conflitivas e todosrefletem sobre tais situações.Não diz diretamente o que deveser feito. Pede-se para eles quedêem sugestões do que se podefazer e aí vão refletindo emcada uma das sugestões edepois, juntos, descobrem qualé a orientação que eles acredi-tam que devem utilizar. Pode-seutilizar como recurso os livrosinfantis a fim de ampliar aspossibilidades de atuação.

Nesta etapa do trabalho,alguns itens merecem atençãoespecial: a forma como se dá adisciplina familiar. Através dechantagem? Os pais fazemchantagem com os filhos ereclamam que eles tambémestão fazendo? A dinâmica échantagem? A disciplina é rígi-da, se dá através da puniçãofísica? Não há disciplina? Nãohá limites? Na família tudovale? Tudo tem que ser traba-lhado. Muitas vezes os paisdizem: “não adianta, ele nãorespeita ninguém”, “não cumpre

horário”, “nunca chega cedo” eos pais sempre chegam atrasa-dos à sessão. Pode-se fazer umabrincadeira: “ah, nisso ele tem aquem puxar. Vocês tambémsempre chegam atrasados aqui”.Nesse caso, fala-se do atrasocomo uma característica fami-liar, ou seja, tira-se da criança opapel de bode expiatório elocaliza-se essa situação nafamília. Desta forma pode-setornar claro o modo como afamília atua frente às regras.Outra queixa comum: “ele émuito dependente. Imagina, elenão faz nada sozinho”. E o tera-peuta responde: “sim, mas eusoube que ele quis ir à padariasozinho e não lhe foi permiti-do”. Os pais replicam: “ah, masa padaria é perigoso. Lá nãoadianta que eu não deixo, dejeito nenhum”.

Então deve-se mostrar que aquestão da dependência é algoque serve à família. A criançautiliza, mas a família se servedisso. Vai-se trabalhando assima questão da dependência, entreoutras.

A comunicação, por exem-plo, do tipo paradoxal podeacabar por trazer conflitossérios na criança. Um exemplopode tornar clara a confusãoprovocada quando os paisassim se comunicam: “homemnão pode descansar”, diz a mãe.Logo depois pergunta: “filho,está cansado, quer colo?” A cri-ança fica na dúvida: afinal, souhomem ou não sou homem?

E os vínculos afetivos?Como se dão? Eles são dedependência? Não existem? Écada um por si e Deus por

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todos? São meio confusos, umahora há, outra hora não há? Orelacionamento em si e o rela-cionamento familiar como umtodo, como ele ocorre? Queinfluência exerce na vida dacriança?

Outros recursos podem serutilizados, como por exemplo,os livros infantis; fábulas, queàs vezes trazem questões quesão fundamentais, próprias àsituação vivida pela família oupela criança; crônicas quepodem ser usadas no trabalhocom os pais e com a criança. Aleitura pode ser feita em casaou na próxima sessão, pode-seler junto com a criança para vercomo ela lê, se ela tem com-preensão do que lê, como é oentendimento, o sentimento e aarticulação da linguagem.

A família na psicoterapiapermite estabelecer a hora daverdade, uma vez que são trazi-das questões que não sãorelatadas pela família. Nestemomento, o terapeuta lança aquestão e vê o que eles vãofazer com ela, como a famíliavai lidar com aquela verdade.

A partir da colocação claradas dificuldades vividas pelafamília, as coisas começam amelhorar porque a verdade édita e o objetivo é que esse diá-logo continue em casa, sem pre-cisar da ajuda de um terceiro.

O terapeuta vai pontuandoas questões levantadas deforma a intervir nos conflitos evai estimulando para que acoisa se resolva, para que nego-ciem aquela situação, sem, con-tudo, se intrometer ou dar a suaopinião.

O TÉRMINO DO PROCESSODE LUDOTERAPIA

O término do processo érealizado com a criança. Elamesma vai percebendo que jánão tem mais nada para traba-lhar, vai-se ao mesmo tempotrabalhando essas questões comos pais, mostrando que os con-flitos estão sendo resolvidos,que a criança não está apresen-tando mais aquelas dificuldadese que a família já consegue seestruturar como uma totalidade,onde a comunicação passou aser direta e aberta.

A leitura do livro A curiosi-dade premiada, por exemplo,permite aos pais entender oobjetivo da terapia e que sãopequenos detalhes que fazemuma família grande em quali-dade de relacionamento.

Na psicologia fenome-nológico-existencial o terapeu-ta não é o responsável pelo tér-mino do processo. Se assimfosse, estaria contrariando oprincípio básico de que a esco-lha do cliente compete a elepróprio. Portanto é o própriocliente quem vai se dar alta. Nocaso da criança, esta vai chegara um ponto em que vai dizer:“não preciso vir mais à tera-pia”. Ela está bem, o terapeutaentão levará a questão aos pais.Com freqüência, a criança dizque vai telefonar sempre para oterapeuta, que irá visitá-lo, oque na realidade acaba nãoocorrendo. Desta forma, revela-se o final do processo. O ideal éque não se tenha estabelecidouma relação de dependência. Acriança está pronta, foi à luta. O

terapeuta pode fechar o proces-so psicoterapêutico através deuma singela brincadeira: “eunão sei quem está mais louco,se é você para se livrar de mimou eu de você”. Desta forma,deixa claro que ambos se cons-tituem de forma independente,singular e portanto livre.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

AXLINE, Virginia. Ludoterapia. BeloHorizonte: Interlivros, 1984.

______. Dibs: em busca de si mesmo.Rio de Janeiro: Agir, 1989.

MALDONADO, Mª Tereza. Comuni-cação entre pais e filhos. Rio deJaneiro: Vozes, 1989.

SATIR, Virginia. Terapia do grupofamiliar. Rio de Janeiro: Fran-cisco Alves, 1976.

Ana Maria Feijoo é presidente e coorde-nadora dos cursos do IFEN, Psico-terapeuta em clínica particular, professo-ra e chefe do departamento de Psicologiada Universidade Santa Úrsula, professorada PUC-RJ e supervisora em PsicoterapiaFenomenológico-Existencial na USU eIFEN.

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A publicação desta imagem e do bilhete redigi-do por uma criança de 7 anos ao final doprocesso de Ludoterapia – remetido à suaPsicoterapeuta, autora desse texto – foi auto-rizada pela criança e por seus responsáveis.

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UMA BREVECONTEXTUALIZAÇÃO

A Gestalt-terapia é uma abor-dagem terapêutica cujos princí-pios básicos foram propostospor Frederick S. Perls, psiquia-tra alemão contemporâneo deFreud, Reich, Goldstein e outrosque, como não poderia ser dife-rente em sua época, orienta-seinicialmente pela psicanálise.

Durante o nazismo Perlssegue para a África do Sul onde,como psiquiatra do exército,começa a desenvolver suasidéias. De volta à Alemanhaencontra-se com Freud e decep-ciona-se por não encontrarespaço para as idéias inovadorasque pretende introduzir à psi-canálise. Posteriormente Perlsrompe abertamente com aPsicanálise e, anos depois, emi-gra para os EUA, onde faleceem 1970, não sem antes desen-volver um trabalho de reper-cussão internacional.

O embasamento inicial quefundamenta a Gestalt-terapiacoincide com a própria trajetóriade seu fundador. Os antecedentesintelectuais segundo JamesFadiman e Robert Frager são:

As principais correntes inte-lectuais que influenciaramdiretamente Perls foram a psi-canálise (principalmente Freude Reich), a psicologia daGestalt (Kohler, Wertheimer,Lewin, Goldstein e outros) e o

existencialismo e a fenome-nologia. Perls também incor-porou algumas das idéias de J.L. Moreno, um psiquiatra quedesenvolveu a noção daimportância do desempenhode papéis em psicoterapia. Deum modo menos explícito,Perls descreve a filosofia e aprática do Zen como umaimportante influência, particu-larmente em seus últimos tra-balhos. (op. cit., p. 127.)

Entre os pressupostos filo-sóficos que norteiam a Gestalt-terapia encontramos primeira-mente o humanismo, com anoção de que o ser humano temduas tendências básicas que lhesão inerentes, quais sejam, atendência a se preservar (auto-gerir-se e regular-se) e a ten-dência a crescer na direçãodaquilo que define o homemcomo homem, sua humanidade.

Algumas influências subs-tanciais do existencialismo e dafenomenologia podem ser iden-tificados: a noção de que omundo do indivíduo só pode sercompreendido através da des-crição direta que o próprio indi-víduo faz de sua situação única;a percepção de que o encontroterapêutico é um encontro exis-tencial entre duas pessoas, e nãouma relação nos moldes médi-co-paciente; a idéia existencia-lista de que cada pessoa cria econstitui seu próprio mundo.

O sentido dos atos psíquicos

ou intenções deve ser entendidofenomenologicamente, ou seja,através da descrição – todas asações implicam em escolhas, etodos os critérios de escolhasão eles próprios selecionadosdentre possíveis disponíveisàquele indivíduo particular.

Conceitos da Psicologia daGestalt e sua adaptação ao setterapêutico:➧ O todo e a parte: a melhor

tradução para a palavraGestalt é todo, inteiro, con-figuração. Quando nos de-paramos com algo, a nossapercepção o capta como umtodo, e a seguir percebemossuas partes. Logo, o todo éanterior às suas partes. Éimportante para a compreen-são deste todo que se des-cubra e se conheça a relaçãoexistente entre suas partes.Todas as partes do campodesempenham algum papelna estruturação perceptual.Assim, para o gestaltista éimportante como o dado éestruturado, considerandoque as partes estão em ínti-ma relação com o todo. Oindivíduo traz-se à terapia apartir de suas partes (umador, uma queixa), mas é notodo que se pode encontrar osignificado. O olho do tera-peuta trabalha então em duasdireções: no todo e na parte,à espera de que a relação

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Técnicas da Gestalt-terapia aplicadas à LudoterapiaMyriam Moreira Protasio

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revele a totalidade, onde odiscurso psicoterapeuticocompleta-se e plenifica-se.

➧ Figura e fundo: a figura nãoé uma parte isolada dofundo, este existe naquela.O fundo revela a figura, per-mitindo que a figura surja.Assim, na relação terapêuti-ca o psicólogo estará cons-ciente de que o cliente é umtodo e deve estar atento aeste todo mesmo quando oque está sendo trazido é ape-nas uma parte; as duaspartes, ele todo e a partedele, continuam presentes,por baixo ou por trás; osujeito se identifica com aparte que está sendo foca-lizada, ou seja, sua partepequena coincide com suaparte grande, seu todo.Assim, a relação figura-fundo é extremamente flui-da, estando em constantemudança. As figuras surgemdo fundo para serem melhorelaboradas, e a ele retornamfortalecendo a estrutura dofundo, emergindo comonova figura. O que agora éfundo daqui a pouco poderásobressair-se como figura.

➧ Aqui e agora: diz respeito àpreocupação com as influên-cias sofridas pela pecepção deum objeto pela experiênciapassada ou projeções futuras.O aqui e agora, ou o presente,é fruto de um passado contí-nuo a que o sujeito pertence ede suas projeções e expectati-vas futuras. E é aqui e agoraque surge o dado, e é aqui eagora que deve ser vivido ecompreendido.

Por ser a Gestalt-terapiauma proposta de trabalho queenfatiza a vivência no set tera-pêutico como forma de levar ocliente à conscientização, inú-meras propostas técnicas forame continuam sendo desenvolvi-das, primeiramente por Perlsem sua atuação com grupos eposteriormente por seus segui-dores. A criatividade do tera-peuta é bastante estimuladaneste sentido.

O método fenomenológico éutilizado como instrumento decompreensão do indivíduo naGestalt-terapia. Existencialis-mo e Gestalt-terapia convergemneste sentido, o que nos auto-riza a permear nosso trabalhocom técnicas criadas e pre-conizadas por esta abordagemde atuação da psicologia.

A PROPOSTAFENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

O terapeuta existencial, noencontro com seu cliente, estarásintonizado com os princípiosbásicos de compreensão dohomem descritos pela filosofiaexistencial e pelo método fe-nomenológico. Assim, naquelemomento particular, estará per-cebendo seu cliente como serúnico, com uma forma própriade se colocar e se relacionarcom o mundo, que são reflexosde sua visão própria de mundo.Estará buscando compreenderaquele indivíduo considerandoa forma especial como elevivencia as categorias-fenome-nológicas: o tempo (passadovivido e futuro enquanto proje-to, convertidos no presente vivi-

do aqui e agora), o espaço (suacorporeidade, seus espaçopróprio), o outro (sua estranhe-za diante da diferenciação e darelação eu-outro, eu-mundo) e asua obra (sua ação no mundo, aforma própria escolhida por elepara se colocar em seu mundo).Estará sintonizado buscando ossignificados que aquele ser dáàs categorias existenciais: liber-dade, responsabilidade, autenti-cidade, angústia, medo, projeto,risco, morte, solidão, e buscarápromover a ampliação da cons-ciência e a construção de suaverdade na ação.

O instrumento de trabalhodo terapeuta existencial é a lin-guagem. Neste encontro deindividualidades, encontro exis-tencial, o terapeuta consideraránão só a linguagem formal, fa-lada, mas também a linguagemexpressa através de gestos,expressões, tom de voz, movi-mentação corporal.

No discurso buscará aquilode que trata o discurso: atemática do discurso, a forma eo conteúdo do discurso – as es-tratégias desenvolvidas para odiscursar. Partirá do discursopara a compreensibilidade, edaí para a disposição. A situa-ção terapêutica é a articulaçãode dois sentidos – um do clientee outro do terapeuta em que sedá a captação do sentido peloentendimento. Através do exer-cício da épochè – que é apreen-der o outro pelo sentido e arti-culação trazidos por ele e nãopelo terapeuta, com suspensãode juízos e valores, o terapeutaprepara-se para focar o sentidodo outro.1

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No curso de seu trabalho opsicólogo facilitará a exteriori-zação e expressão livre dos sen-timentos, buscando promover acongruência entre pensamento,sentimento e linguagem – açãono mundo.

LUDOTERAPIA EXISTENCIAL

A criança vai aos poucosaprendendo a desenvolver umaimagem de si. Primeiramenteforma o seu eu-corporal peladescoberta de seu corpo e dadiferenciação entre ela própria eo mundo. Posteriormente desen-volve o eu-social, provenienteda relação (gratificante ou não)estabelecida com este mundo.Aprende a se ver através dooutro e é “continuador passivoda história da família”. Padrõescomportamentais são adquiri-dos, mas chega o momento emque se defronta com a escolhabásica: continuar a história ouultrapassá-la em busca de umacriação de si-própria.

Desde cedo a criança de-monstra atitudes genuínas que,mesmo que aos poucos sejammoldadas pelo ambiente, a ca-racterizam individualmente co-mo ser vivente e íntegro. Osconflitos são, a princípio, basi-camente relativos às suas neces-sidades básicas e à luta pelaautonomia, confrontadas com oambiente em que vive. Emboracom esforço de vida restrito, aliberdade de escolha amplia-secom o desenvolvimento, e oespaço vai se abrindo emdireção ao ser genuíno que elapode construir em conseqüênciade sua atuação no mundo.

A psicoterapia com criançaspretende oferecer um espaço decontinência permissiva no quala criança experencie suas po-tencialidades, aclare seus con-flitos e vivencie uma relaçãoestimuladora de saúde.

Ludo significa jogo. Te-rapia, recurso para ajudar. Exsignifica para fora e istencialrevelar, sobressair, emergir.Ludoterapia existencial podeser então definida como: recur-sos para ajudar a criança aemergir e revelar-se em suaessência, através do jogo.

O primeiro recurso que o te-rapeuta tem é ele próprio, comsua disponibilidade e intencio-nalidade para aquele encontro.

Estando disponível para ocliente, o terapeuta o acompa-nha, e assim capta o mundocomo a criança o capta, aomesmo tempo em que, comoser separado, como Dasein, temsua própria integração signi-ficativa da vivência. Esta com-preensão da vivência é ofereci-da à criança como nova possi-bilidade em seu universo inte-grativo e em sua autocompreen-são. Ir-com a criança é deixá-lalivre para ir. O terapeuta acom-panha, segue a direção sugeridapela criança com sua inten-cionalidade como recurso detrabalho: seu olhar, sua escuta,únicos para aquela criança.

O espaço físico e os elemen-tos que o compõem são outrorecurso de que dispõe o tera-peuta. É difícil descrever oespaço ideal, mas o aconchegoe a presença de elementos per-tencentes ao mundo da criançaparecem favorecer a identifi-

cação e a integração dela aoespaço. A importância de cadaelemento não se encontra em sisó, mas na forma como cada umserá utilizado no processo.

ALTERNATIVAS TÉCNICAS E LUDOTERAPIA EXISTENCIAL

As técnicas devem ser com-preendidas aqui como maneiraou jeito de fazer algo, ou seja,recurso terapêutico utilizado pa-ra que se atinja o objetivo tera-pêutico: facilitar a expressão doser e promover condições parasua conscientização e expansão.Parte material ou conjunto deprocessos de uma arte, ou seja, aserviço da sensibilidade do tera-peuta. Qualquer conjunto de téc-nicas será considerado mera-mente um meio conveniente,instrumentos úteis aos propósi-tos da terapia, mas isentos de“qualidades sacrossantas”.

Violet Oaklander afirma:

Existe um número interminá-vel de técnicas específicaspara ajudar as crianças aexprimir sentimentos porintermédio do desenho e dapintura. Independente do que acriança e eu escolhemos fazerem qualquer sessão, o meupropósito básico é o mesmo.Minha meta é ajudar a criançaa tomar consciência de simesma e da sua existência emseu mundo. Cada terapeutaencontrará o seu próprio estilopara conseguir esse delicadoequilíbrio entre dirigir e orien-tar a sessão, de um lado, eacompanhar e seguir a direçãoda criança, de outro.(Oaklander, 1980, p. 69)

Ao utilizar recursos técnicoso terapeuta objetiva colocar-se

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e à criança num mesmo mo-mento histórico e num mesmocaminho de busca de sentido,reduzir sua ansiedade dirigin-do-a numa caminho familiar eseguro onde pode expressar-selivremente, facilitar-lhe a ex-pressão, ampliar sua consciên-cia e abri-la para novas possi-bilidades de existir.

Através da vivência e da re-presentação desta a criança arti-cula uma linguagem que possi-bilita a busca do sentido. Es-tando junto com a criança emseu percurso, o terapeuta vaibuscando os significados quantoàs categorias existenciais, quaissejam: autenticidade, liberdade,responsabilidade, angústia, me-do, risco, ampliando a consciên-cia e promovendo a construçãoda verdade de a criança no cursode sua ação no mundo. No aqui eagora da vivência terapêutica oterapeuta experimenta a formaprópria da criança estar-no-mundo, compreendendo a suamaneira de vivenciar o espaço(seu corpo), o tempo (suahistória), o outro (sua estra-nheza) e a obra (o seu fazer-se).

AS TÉCNICAS E SUASAPLICAÇÕES

Muitas técnicas que aquiserão descritas podem serencontradas em publicaçõesespecializadas em ludoterapiade base fenomenológica. Ou-tras foram desenvolvidas noprocesso diário do trabalhocom crianças e em cursos e gru-pos de troca. A algumas des-crições serão acrescidas situa-ções terapêuticas em que foramutilizadas.2

Desenho

As crianças estão em geralhabituadas a desenhar. O que oterapeuta fará é explorar a cri-ação da criança em busca dosentido ali expresso. Este tra-balho pode ser livre ou dirigido.Desenho livre: a criança mani-festa o desejo de desenhar. Oterapeuta acompanha o processode criação, observa e, junto àcriança, explora o sentido par-ticular expresso pelo desenho.Ao fazer isto o terapeuta estarápossibilitando a conscientizaçãoda criança de sua intencionali-dade, ou seja, daquilo que amotiva a criar este desenho, ausar estas cores, a posicionar asfiguras desta forma etc..Desenho dirigido: o clientecria e desenha livremente, maso tema é proposto ou sugeridopelo terapeuta. O objetivo doterapeuta é explorar através dodesenho questões pertinentesàquele cliente. Assim, podepedir, por exemplo, que a crian-ça desenhe sua família, seumundo, seu quarto, sua casa,sua rotina, dê cor aos seus sen-timentos, desenhe seus amigoscomo animais (adaptando obestiário) etc.. O bestiário éuma possibilidade bastante útilno sentido de conscientizar acriança de seus sentimentossobre as pessoas que a cercam.

Pode-se pedir a uma criançaque desenhe sua vida, assimpoder-se-á conhecer seus senti-mentos à respeito dela. Pode-sesugerir à criança que desenheseus amigos como animais. Pr.é uma menina que tem dificul-dades em estabelecer relaçõesde amizade. Seus sentimentos

sobre si mesma são difusos,mais ainda a respeito dos outrosque a cercam. Através destaadaptação do bestiário foi-lhepossível reconhecer que tinhaopiniões formadas sobre todosde sua turma, expressar suaspreferências e abrir mão de iso-lar-se ou tentar agradar a todos,estabelecendo relações com aspessoas pelas quais sentia-semais atraída ou identificava-se.

Vivências de fantasia

Se a criança expressa-selivremente na terapia empalavras ou em jogos ou brin-cadeiras o terapeuta acompanhaseu fluxo. No entanto, se lhe édifícil expressar-se e muitos deseus sentimentos não vêmespontaneamente à superfície, afantasia pode ser um recursovalioso de explorar estes senti-mentos. Através dela é possívelrelaxar a criança e deixá-lalivre para encontrar espaçosainda não explorados.

O primeiro passo em qual-quer vivência de fantasia é pro-mover o relaxamento. Estepode ser dirigido pelo terapeu-ta. Um modelo de relaxamentoque tem sido bastante útil édirigir a criança num passeiopor seu corpo. Pede-se que tireos sapatos, deite-se confor-tavelmente e feche os olhos.Muitas crianças não gostam detirar seus sapatos, outras dedeitar e muitas outras de manterseus olhos fechados. Seus limi-tes são sempre respeitadosdepois de uma rápida conversaque esclareça em que se consti-tui esta limitação. É importantelembrar que qualquer proposta

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trazida pelo terapeuta devecolocar-se sempre aberta para arecusa da criança. A reação dacriança deve ser utilizada paracompreender a forma como elaatua e promover a conscientiza-ção sobre sua forma de estar-no-mundo.

Retomando o relaxamento, épedido à criança que se deiteconfortavelmente e mantenhaos olhos fechados. O terapeuta,em voz pausada e suave, vaidirigindo-a a seu espaçopróprio, conscientizando-a deque existe um espaço somenteocupado por cada um de nós,que ninguém pode entrar amenos que seja convidado, fisi-camente ou por pensamentos.Neste espaço somente eledetém o comando. Pede-se àcriança que observe sua respi-ração, tente apreender seuritmo respiratório. O terapeutapode respirar no ritmo da cri-ança proporcionando maior sin-tonia entre os dois. É pedido àcriança que não interfira noritmo respiratório, apenas ob-serve, e em seguida ela é dirigi-da num passeio por seu corpo,que pode começar pelo dedão esola do pé e seguir até o alto dacabeça. No final deste trabalhoa criança deverá estar sufi-cientemente relaxada e o tera-peuta pode então levá-la para a“viagem de fantasia”. É dito àcriança que vai-lhe ser contadauma história, que ela vai“viver” esta história, e que,quando acabar o trabalho, vai-lhe ser pedido que desenhe ourelate o que encontrou no final.O terapeuta pretende conhecero mundo da criança relatado à

partir do trabalho, explorandosuas motivações e significados.

Fantasia da roseira

Consiste em pedir-se à cri-ança que imagine que é umaroseira. Muitas sugestões sãoentão dadas a título de estimu-lação objetivando facilitar aassociação e criação da criança.Pede-se à criança que imagineque tipo de roseira é, se émesmo uma roseira ou é outrotipo de flor, se tem espinho, seé grande ou pequena, alta oubaixa, magra ou gorda, se temraízes ou não, se estas são maisou menos profundas, se temfolhas, como são estas folhas,são muitas ou poucas, como sãoseu tronco e seus galhos, emque lugar está, se está só ouacompanhada, como são seuscompanheiros, como se senteneste lugar, o que vê em voltade si, árvores, flores, animais,pessoas, onde é este lugar,quem cuida dela? A criança éentão dirigida de volta de seuespaço próprio para nosso lugarcomum e é-lhe pedido quedesenhe a roseira que imaginousem preocupar-se com a quali-dade do desenho, pois poderádar as explicações que quisersobre o que desenhou.

Pr., de 10 anos, desenhouuma roseira num vaso com trêsflores diferentes e uma gaiolacom um pássaro. Foi-lhe pedi-do que se apresentasse como sefosse essa roseira e seu relatofoi o seguinte: “Eu sou umaroseira. Uma roseira commuitas rosas. Eu sou muitofeliz. Eu estou numa casa ondehá muita gente que gosta de

mim. O lugar onde estou émuito bom. Espero que eu nãomurche tão cedo porque nãoquero deixar o passarinho so-zinho, coitado.” Trabalhandosobre o conteúdo trazido pelacriança foi possível conhecersua preocupação em não morrerpara que sua mãe não ficassesozinha. E, a partir disto, sur-gem situações em que Pr. deixade ter vida própria para fazercompanhia à mãe, que temmedo de ficar só. A irmã maisnova pode sair nos finais desemana, ela não, para acompa-nhar a mãe. O terapeuta explorao que a faz ficar neste lugar. Acriança se conscientiza de seumedo de magoar a mãe, deprovocar-lhe “mais sofrimen-to”, e começa a explorar formasde proteger a mãe, preocupaçãosua, mas de também defenderseus próprios interesses.

Recursos artísticos: tinta,massa, argila, cola, água

Muitas vezes o terapeutapoderá trabalhar apenas o con-tato da criança com estes mate-riais, o que pode lhe ser bas-tante prazeroso ou uma expe-riência asquerosa. Parece ver-dadeiro que a criança menorlida mais livremente com estetipo de material. Mas criançasmaiores têm tido bastante pra-zer no reencontro com a mani-pulação de argila e tinta, comos quais tendem logo a cons-truir algo. Assim, a utilizaçãopode ser livre ou dirigida: a cri-ança pode criar livremente e oterapeuta buscará articular comela o sentido do que está viven-ciando, ou o terapeuta pode

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sugerir-lhe que expresse algumsentimento através da argila, ouutilizando tinta da cor de suapreferência.

Por ocasião do aniversáriodas crianças o terapeuta podesugerir-lhes que construam umpresente para si mesmas. Argilae tinta resultam num presenteconcreto bastante interessante.Fazer um presente para vocêmesmo não parece ser coisafácil, mas esta atividade temsido realizada com bastanteprazer pelas crianças, quelevam com bastante cuidadoseus presentes para casa. Umacriança fez um porta-lápis quelevou com muito cuidado paracasa. Passado um tempo a irmão quebrou acidentalmente. Acriança, muito sentida, pediupara fazer outro. Este objeto játinha um lugar especial em seuquarto que não gostaria queficasse vazio.

Enquanto a criança utilizaeste material é possível ao te-rapeuta atento perceber a formacomo ela utiliza o espaço, omaterial e como está sua motri-cidade fina e ampla.

Histórias e poesias

Eis algo que a criança emidade escolar se vê obrigada afazer diariamente. É certo quemuitos têm prazer nisto. A uti-lização na terapia pretende aexteriorização de sentimentos eidéias em palavras. Isto não éuma tarefa fácil para todas ascrianças, mas é um caminhobonito de ser trilhado.

Pode-se propor uma históriainterativa, construída em duplapelo terapeuta e o cliente.

Alguém começa, o outro com-pleta, depois o outro traz umanova frase, depois o outro, assimaté que considerem a históriaencerrada. Pode começar assim:“Era um dia especial...”.

A poesia é também interes-sante e pode ser trabalhada deforma interativa. Pode-se pedirà criança que escreva uma poe-sia comunicando à sua mãeseus sentimentos. A poesia dis-pensa muitas informações epode ser mais direta que umaprosa, o que torna o exercíciobastante emocionante.

A criança pode fazer umaredação com um tema propostopelo adulto. Outras vezes elaprópria escolhe sobre o queescrever. Uma criança escreveuuma vez:

“Minha autoconfiançaMinha autoconfiança é umadas minha melhores quali-dades. Mas, se eu não estouautoconfiante, eu estou inse-guro. Por causa disso, aindanão estou totalmente firmeemocionalmente. De outrolado, a autoconfiança foi aprincipal responsável para eume desenvolver emocional-mente e amadurecer.Eu sempre achei que se eu nãotivesse confiança em mimmesmo, não iria a lugar algum.Eu passei cada vez mais aacreditar em mim, e então fuichamando todas as responsa-bilidades a mim, e fui tomandoconta de toda elas, mas sempreacreditando em mim.Quando estou autoconfiante,me encho de vontade pararealizar com prazer as minhastarefas. E cada vez elas pare-cem mais fáceis.Se não fosse minha autoconfi-ança, eu não chegaria aondeeu cheguei.”

Livros infantis

O terapeuta pode ter em seuconsultório vários livros infan-tis. Hoje em dia é possívelencontrar textos com ilustraçõesbastante sensíveis explorandoinúmeros temas pertencentes aomundo das crianças. Quandouma criança escolhe um desteslivros abre-se um tema a serexplorado, um universo afetivoa ser compreendido.

Pr. e seu terapeuta encon-traram no livro CuriosidadePremiada a forma de explorarsua dificuldade de compreendera forma como sua família seorganizava. Este livro foi uti-lizado na devolução de psico-diagnóstico onde só estava pre-sente a mãe. Pr. ocupou-se emtrazer o pai um outro dia paraler-lhe o livro. Era-lhe impor-tante falar de sua necessidade deouvir explicações, de entender oque se passava. Sua famíliatinha muitos segredos (situaçõesresolvidas a portas fechadas),muitos conflitos com tios e avóse o pai tendia a deprimir-se pas-sando manhãs inteiras trancadoem seu quarto recusando-se a irtrabalhar. Pr. respondia a istosentindo-se muito insegura etendo muitas dores de barrigaquando longe da mãe.

O corpo

Como já foi dito acimaquando falávamos de relaxa-mento, cada pessoa tem umespaço próprio que é perceptí-vel externamente pela visão deseu corpo. As sensações, asemoções, os pensamentos, asimagens, os anseios e tudo o

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mais que diga respeito a umapessoa vive em seu corpo.Experimentar o corpo, movi-mentá-lo, é tocar neste universopróprio de cada um.

Na ludoterapia pode-se fazerbrincadeiras como “o macacomandou” ou imitar animais emseus movimentos ou sentimen-tos. Pode-se jogar bola, correr,pular, ir a um trepa-trepa. Pode-se dirigir a criança num rela-xamento onde ela imagina-secom uma lanterna na mão passe-ando por dentro de seu corpo.Pode-se-lhe pedir que parequando sentir um músculo maistenso ou uma dor e que entãodescreva o que está percebendoou sentindo. Ela pode deitar-sesobre um papel e o terapeutadesenhar seu contorno que serádepois “vestido”. Ela pode tam-bém fazer um desenho livre deseu corpo sobre um grandepapel. A parede pode ser usadapara registrar o crescimentodela. É sempre uma surpresaconstatar a mudança de tama-nho. O espelho também pode serutilizado. A criança pode gostarou não do que vê. Pode ser sim-pática ou agressiva a si mesmaatravés do espelho. O terapeutapode usar também o espelhopara demonstrar a incongruên-cia entre a fala e a expressão.

Uma criança descobriu quetinha uma postura “torta”- seuombro pendia para a esquerdadesenhando-se a si mesma numpapel. Ela não sabia, mas tinhaconsciência disto. Primeira-mente entrou em contato comseu corpo, imaginou como ofaria e em seguida o desenhou.Quando viu seu desenho sur-

preendeu-se. A terapeuta suge-riu que se olhasse no espelho ea criança constatou, surpresa,que era assim mesmo.

Uma outra deitou-se sobreum grande papel pardo e a tera-peuta desenhou seu contorno.Várias sessões foram usadasnum alegre trabalho de “vestir”seu desenho. E ficou claro comoela estava satisfeita consigomesma. Ela teve o cuidado dereproduzir roupas que tinha noarmário e ser o mais possível fielà realidade. Este desenho ela le-vou consigo logo depois, quandofinalizou seu processo terapêuti-co. A mãe e ela pretendiam pen-durar na parede de seu quarto.

Dramatização

A brincadeira da criançapequena é sempre uma dramati-zação. Ela dramatiza seu mundo– a escola, a casa, as relações. Acriança maior pode não fazê-loespontaneamente, mas demons-tra prazer nestas atividades.

A criança pode fazer umbrincadeira dramática livre uti-lizando os objetos da sala comoa casinha de bonecas, objetos decasinha, bonecas, fantoches, bo-necos, armas, carros etc.. Nestasbrincadeiras, quando o terapeutaé convidado a contracenar, éimportante que ele atue segundoinstruções da criança para quenão represente o personagempor seus próprios critérios, maspelos critérios da criança.

Geralmente a criança quecomeça uma terapia não sabe oque é isto e falar de sentimentosé algo alheio ao seu dia-a-dia.Dramatizar sentimentos temsido uma forma útil de familia-

rizá-la com o universo terapêu-tico. Ela pode imitar animaiscom medo, com raiva, felizes,inseguros, agressivos, ansiosos,agitados, calmos, doentes etc..Pode-se construir com a criançauma caixinha dos sentimentos.Criança e terapeuta juntos no-meam os sentimentos que co-nhecem que são então escritosnum papelzinho e guardados nacaixa. Posteriormente pode-sesortear um ao acaso e represen-tá-lo para que o outro adivinhedo que se trata. É uma forma deexercitar a criança a compreen-der os sentimentos dos que acercam e os seus próprios.

Testes projetivos

TPO – Teste projetivo Ômega,CAT –Teste de apercepçãotemática para crianças,Rorschach – Teste psicodiag-nóstico de Hermann Rorschache outros

No psicodiagnóstico estematerial é utilizado para reco-lher dados úteis na elaboraçãoda conclusão psicodiagnóstica.Na ludoterapia o terapeuta podeutilizá-los como recurso paraexplorar com a criança os sig-nificados externados. De formaque o material produzido é dis-cutido, pensado e questionado,e o que importa é o significadoemergente.

Jogos

Baralho, jogo da velha, me-mória, loto, ludo, boliche, bola-de-gude, belisca, risk, espião emuitos outros que se pode com-prar à vontade nas prateleirasde jogos para crianças.

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Têm a capacidade de colocara criança bastante à vontade ini-cialmente, por ser algo já conhe-cido. No processo terapêuticopode-se trabalhar a forma como acriança joga, conhecer sua formade raciocinar, como lida com acompetição, quais suas maiorespreocupações durante um jogoetc.. Outras vezes a criança éintroduzida num jogo não co-nhecido anteriormente e pode-seconhecer sua forma de lidar comestas situações. Serão descritasabaixo duas situações vividaspela mesma criança que podemilustrar a utilidade destes jogos.

Numa situação de orien-tação a terapeuta, desejosa deaproximar a mãe do universo dafilha, propôs-lhe um jogo debelisca, que é um jogo muitoantigo feito principalmente nointerior do Brasil. A mãe, ori-unda do nordeste do país,redescobriu felicíssima o prazerdesta atividade. Posteriormentea terapeuta propôs este jogopara a criança, que ficou sur-presa de saber primeiro que amãe o conhecia e depois, maisainda, que ela havia jogado ali,no mesmo espaço que ela esta-va utilizando. Algumas pedrasforam presenteadas às duas eum novo espaço de comuni-cação inaugurou-se.

Em outras ocasiões a tera-peuta ensinou a criança a jogarbaralho. Era uma criança com avida muito dura. A família pobrelutava com dificuldades e oprazer parece ter sido deixadode lado. A criança foi instruída apesquisar novas formas de jogarbaralho que depois eram ensi-nadas para a terapeuta e jo-

gavam juntas. Com o passar dotempo o baralho assumiu umaposição nobre no processo. Todavez que aquela criança queriadividir com a terapeuta algo quelhe estava ocupando o pensa-mento, intermediava a situaçãocom um jogo de baralho.Começava dizendo que hojequeria jogar. As duas passavama sessão jogando baralho, mas ojogo era o menos importante.Enquanto jogavam a criançafalava de si e do que a afligia.

Técnicas de grupo

Os grupos podem ser dirigi-dos, semidirigidos, autoplane-jados ou sem liderança. Emqualquer caso os recursos técni-cos são bastante úteis.Objetivos alcançados pelo tra-balho em grupo:

➧ Conscientização da subje-tividade.

➧ Percepção e conscientizaçãodo outro.

➧ Vivência da alteridade.

➧ Exploração das categoriasfenomenológicas (como eufunciono) e existenciais (co-mo me coloco no mundo).

Outras técnicas que podemser utilizadas como recurso tera-pêutico no trabalho com grupos:

A experiência da laranjaO terapeuta leva para o encon-

tro em grupo laranjas e facas emnúmero suficiente para cadamembro do grupo. Distribui aslaranjas e facas e pede que cadaum observe bem sua laranja.Olhe-a, toque-a, cheire-a, enfim,conheçam-na bem. Se quiserem

podem morder para sentir o gostoda casca (as laranjas foramlavadas previamente). Depois é-lhes sugerido começar a descas-car a laranja. Vivam esta expe-riência intensamente. Percebam oesforço de realizar esta tarefa, oque lhes ocorre neste momento?(Para muitas crianças é a primeiravez que realizam esta tarefa –descascar laranjas). O terapeutasegue instruindo que agoraexplorem a pele branca de sualaranja. Podem prová-la. Emseguida devem tirar esta pele.Novamente atentem para como sesentem fazendo isto, se encon-tram dificuldades e que dificul-dade é esta. Quando está total-mente descascada devem sentir-lhe o cheiro e separar os gomos.Gomos separados, que provemum. Busquem, ao mesmo tempoem que sentem o gosto do caldodescendo por sua garganta, aindacom a pele da laranja em suaboca, identificar como se sente,em que pensa, do que se lem-bram. Quando todos tiveremprovado, são estimulados a trocaros gomos com seus colegas. Cadaum deve começar a provar ogomo dos outro. Atentem para asdiferenças e semelhanças, para osgomos que mais lhes atraem epara aqueles que não lhes dáprazer em comer. Deixar que estemomento flua livre e alegrementeentre os membros do grupo.Quando estiverem saciados daatividade promover um papo emgrupo fazendo correlação entrelaranjas e pessoas – se já haviampercebido que também entre aspessoas há diferenças e seme-lhanças, o que os atraem nas pes-soas, o que os repulsam etc..

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Fantasia de ser um livroAs crianças são convidadas

a se deitar. Um relaxamento éorientado e depois é-lhes pedi-do que acompanhem o que oterapeuta está dizendo preen-chendo as lacunas com suaimaginação.

Imagine que você é umlivro. Qual seria um bom títulopara você, que captasse algo doque você é? Qual seu estilo eseu tom? Que tal sua capa e seuprefácio – será que as pessoassentir-se-ão atraídas a ler vocêe como serão elas? Vocêmostrará o que anuncia? Quaisde seus capítulos foram maisdifíceis de escrever? Que capí-tulos você gostaria que fossemsuprimidos? Depois que as pes-soas terminarem de lê-lo deponta a ponta, que acha quepensarão? Deixar a criançalivre com sua criação. Depoisde um tempo orientá-las devolta para o espaço de todos.

As crianças falam do livroque seriam e trocam impressõessobre si mesmas.

Um garoto de 12 anos disseque seu livro seria E o ventolevou e em seguida falou decomo ficou quieto deixando queas suas emoções fossem levadas.Uma questão desta criança eraque não reagia às provocaçõesexternas, a ponto de a mãe preo-cupar-se sobre algum compro-metimento psicopatológico.

Uma garota de 11 anos faloude si: A menina quieta da salade aula. Contou que tinha só umcapítulo, mas que talvez pudessecriar um novo, diferente.

Outra, de 13 anos apresen-tou-se como As duas fases.

Contou que tinha dois capítu-los. Um quando é tímida eoutro quando é extrovertida. Acapa não tem a ver com o con-teúdo, contou, dando-se contade sua vivência partida.

Pode-se propor um trabalhoem que se pede à criança queatribua um objeto ou animal auma ou mais pessoas de suafamília ou de seus amigos.Possibilita a troca de impressãoentre os membros. Com elepode-se trabalhar a conscienti-zação da impressão que cadaum causa, a forma como sepercebem e a forma como sãopercebidos.

O jogo de cabo de guerra,onde uma parte do grupo ficana ponta de uma corda e a outraparte do grupo na outra, puxan-do a corda no sentido oposto aodo primeiro grupo, é útil paratrabalhar situações-limite derisco e o esforço conjunto, alémde explorar como se sentem emsituações de competição.

As propostas anteriormentedescritas para trabalhos indi-viduais podem ser adaptadastambém para o trabalho emgrupo com igual proveito.

As técnicas aqui sugeridassão uma pequena amostra depropostas já desenvolvidas.Muitas outras são criadas dia-riamente no trabalho terapêuti-co, uma vez que qualquer inter-venção pode ser consideradaum recurso facilitador doprocesso do cliente.

O importante é não se perderde vista que o referencial dotrabalho psicoterapêutico deveestar focado no cliente e narelação estabelecida entre te-

rapeuta e cliente, no aqui-e-agora do set terapêutico. Asintervenções têm a função defacilitar a explicitação do senti-do do cliente, seja ele criançaou adulto.

NOTAS

1. FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvode. Apontamentos de aula da For-mação em Psicologia Fenomeno-lógico-Existencial do IFEN, móduloIII, Psicologia Fenomenológico-Exis-tencial, 1996.

2. Os dados de identificação serãosuprimidos.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

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FAGAN, Joen; SHEPHERD, IrmaLee. Gestalt-terapia: teoria, téc-nicas e aplicações. Rio deJaneiro: Zahar Editores, 1980.

FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de.Apontamentos das aulas e gruposde estudos. Rio de Janeiro: 1992a 1997.

OAKLANDER, Violet. DescobrindoCrianças. São Paulo: SummusEditorial, 1980.

RIBEIRO, Jorge Ponciano. Gestalt-terapia: Refazendo um caminho.São Paulo: Summus Editorial,1985.

YALOM, Irwing D. ExistencialPsycoterapy. USA, Basic Book,1980.

ZINKER, Joseph. El Proceso Crea-tivo em La Terapia Guestaltica.Buenos Aires: Editorial Paidos,1979.

Myriam Moreira Protasio é Psico-terapeuta em clínica particular na abor-dagem Fenomenológico-Existencial, mem-bro fundadora do IFEN e tem formação emGestalt-terapia pela Vita Clínica.

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PEQUENO HISTÓRICO DE JACOB LEVY MORENO E A PROPOSTA DOPSICODRAMA

O berço de Jacob L. Morenofoi uma família de origemjudaica da Península Ibérica.Nasceu em Bucareste, Romê-nia, no dia 20 de maio, nãohavendo, portanto, consenso naliteratura sobre o ano, variandode 1889, 1890 e 1892.

Contudo, havia para Morenouma outra visão de seu nasci-mento – seu nascimento psico-dramático. Ocorrera em umnavio sem bandeira que rumavapara um porto da Romênia.

Aos 4 anos imigrou paraViena onde viveu sua infância,adolescência e sua formaçãoacadêmica em medicina comespecialização em psiquiatria.Foi também palco de seusprimeiros ensaios psicodra-máticos. O primeiro ato psico-dramático particular ocorreu aos5 anos, quando, liderando a gu-rizada, propõe que todosestivessem no céu e ele seriaDeus, tendo a sua volta os anjos.A cena foi montada com váriascadeiras empilhadas umas sobreas outras, sobre uma mesa, eeste seria o lugar de Deus, quede lá do alto voaria. O desfechoda cena se deu com a fratura dobraço direito do protagonista. O

faz-de-conta que faz parte domundo virtual, vivenciado naação, pôde promover à criançaMoreno a constatação de seuslimites e possibilidades, em seumundo do real, onde se encontraconcretamente inserido.

Estudioso de mitologia egrande conhecedor das antigastradições religiosas da idademédia, Moreno escolhia desve-lar-se ao mundo recorrendo aosimbólico, que muitas vezes é poronde se percorre o trabalho te-rapêutico na ludoterapia. Tantona mitologia, o nascimento dospríncipes era na maioria dasvezes, lançados ao mar, e aureo-lados por grande magia, comonas antigas civilizações que glori-ficavam seus heróis, envolvendo-os em lendas. Neste mundo poéti-co e religioso, a travessia do marsugere que o homem, ao nascer,está lançado às contingências davida, onde alguns poderão esco-lher a paixão e a emoção emdetrimento da razão com a quebrado membro direito e a preser-vação da força do esquerdo.

Foi dentro de um contextolúdico, dinâmico e apaixonadoque Moreno traçou o projeto desua existência.

Presenciou as duas GrandesGuerras, sofrendo, portanto,conseqüências de tal contingên-cia histórica.

Assim como os principaisexpoentes existencialistas, vi-venciou uma época conturbadacheio de questionamentos acer-ca de sua própria existência eda forma como a ciência expli-cava o fenômeno de ser. De-senvolveu suas idéias sob ainfluência da psicanálise e domarxismo, apesar de refutá-los,e dos moldes de uma ciênciaclássica e determinista.

Nos EUA teve uma ligaçãocom o pragmatismo e o beha-viorismo.

Filosoficamente sua obrasofreu influência do Exis-tencialismo e também é bas-tante presente a influência dasidéias de um movimento ju-daico do século XVIII, chama-do Hassidismo.

Buscava compreender aexistência humana na sua con-cretude e inserida em seu con-texto, não podendo, assim, servista como objeto, essencial-mente opunha-se a uma filo-sofia pautada no racional.

A proposta teórica deMoreno parte do pressupostoque o homem é um ser espontâ-neo por natureza (a priori),capaz de atuar criativamentediante das contingências davida. Portanto, o núcleo funda-mental teórico do Psicodrama éa criatividade e a espontanei-

Técnicas do Psicodrama aplicadas à Ludoterapia naabordagem Fenomenológico-Existencial

Maria Bernadete Medeiros Fernandes Lessa

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dade. Tem como foco central “ohomem em relação”, onde este évisto como um ser social porquenasce em sociedade e precisa dooutro para reconhecer-se comotal, desenvolver sua singulari-dade e assim poder sobreviver.

Desenvolveu seu projeto desaúde mental preventiva atra-vés da utilização de técnicaspsicodramáticas que objetivamestimular a ação criativa eespontânea nas relações inter-pessoais dentro de pequenosgrupos, daí multiplicando-seaté atingir a humanidade.

As primeiras constataçõessobre suas idéias se deram comgrupos de crianças nos Parquesde Viena. Moreno, através dehistórias que contava, estimula-va as crianças a vivenciaremativamente as dramatizações ea escolherem o curso e o desfe-cho do conto. Tanto suas idéias,como suas escolhas eramrespeitadas, permitindo entãoque a imaginação e a criativi-dade fluíssem. O lúdico ganhanova dimensão. O jogo, o brin-car é visto como mais uma pos-sibilidade de estímulo para amanutenção ou também para arestauração da saúde mental dohomem. Moreno atuava comoagente facilitador de auto co-nhecimento, favorecendo a am-pliação do leque de possibili-dades do grupo, dentro de suaspróprias demandas existenciais,através da ação dramática.

“Psicodrama pode ser definidocomo a vivência que explora a‘verdade’ através de métodosdramáticos. Trata de relaçõesinterpessoais e de mundos par-ticulares.” (J. L. Moreno)

Contendo um rico repertóriode recursos técnicos, o psico-drama pode ser aplicado diver-sificadamente, como nas esco-las, nas empresas, nas institu-ições religiosas e até nas mi-litares, dependendo do objetivoque se queria alcançar, quepode ser de integração, dedesenvolvimento das relaçõesinterpessoais, formação deequipes e auto conhecimento,como tantos outros.

Alguns pontos da teoriamoreniana devem ser conheci-dos para que suas técnicas pos-sam ser utilizadas de forma cor-reta e mais segura. Seus pontossão o método psicodramático eos momentos que constituem avivência ou ato psicodramático.

O Método psicodramáticoutiliza-se de cinco instrumen-tos: cenário, protagonista, ego-auxiliar, diretor e público.

O Palco ou Cenário constituio campo terapêutico do psico-drama ou sociodrama. É ondese constrói o contexto dramáti-co e se opera com técnicasespeciais. É o lugar da ação psi-codramática onde o sujeito ou ogrupo, vão ao encontro dodesvelamento dos significadosde suas vivências ampliandoassim seu nível de consciência.

Protagonista, ator ou sujeitoé o nome dado à pessoa cujavida, ou aspecto dela, está sen-do investigada através de umavivência psicodramática. Emer-ge tanto escolhido pelo grupocomo também pelo terapeuta,tendo a aprovação do grupo.

O grupo também pode ocu-par o lugar de protagonista,sendo que o tema será a relação

grupal ou questões que aflijamtodo o grupo.

O psicoterapeuta é chamadode diretor e vai coordenar toda asessão psicodramática, tantonos seus aspectos verbais,dramáticos como também psi-cológicos. O ego-auxiliar atuacomo ator, e representa papéis,é o interlocutor do protagonista.Público são os demais partici-pantes da sessão psicodramáti-ca. Tem a função de dar respal-do afetivo ao protagonista.

Pode-se observar algunsmomentos específicos na Açãopsicodramática: o aquecimento,a dramatização e o compartilhar.

O Aquecimento consistenum conjunto de procedimen-tos que objetivam relaxar ogrupo (incluindo o diretor),diminuindo o estado de tensãoe ansiedade, facilitando assim ainteração grupal para a vivênciadramática. Tem importânciaprimordial no processo.

É o momento em queemerge o protagonista e este seprepara para dramatizar.Auxiliado pelo diretor vaiescolher a cena a ser dramatiza-da, construindo o contextodramático, escolha de perso-nagens que irão intervir.1

A dramatização é a etapa emque ocorre a ação dramáticapropriamente dita. O protago-nista devidamente aquecidocomeça a representar, no con-texto dramático. É constituídopela realidade dramática no“como se”, pelo tempo fenome-nológico, subjetivo, virtualconstruído sobre o espaço con-creto devidamente marcado.

O processo terapêutico se dá

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em muitas situações nas quais odiretor realiza suas inter-venções terapêuticas, objeti-vando alcançar o insight dra-mático ou catarse de inte-gração, facilitando o elucida-mento e encaminhamento ouresolução do conflito exposto.

Após o desfecho da dramati-zação, volta-se para o grupo afim de elaborar todos os aspectosdo processo vivenciado, não sópelo protagonista como tambémpor todos os membros do grupo.É o momento em que as vivên-cias e as lembranças de cada umsão expostas e elaboradas. Tantoprotagonista como público sãocúmplices de uma vivência que apartir deste compartilhar per-tence não só ao protagonista quese expôs ao vivenciá-la, mas atodos, que de formas diferentesforam mobilizados como umtodo; o diretor permanece atento,acompanhando e intervindo,quando necessário, a todo esseprocesso vivencial do grupo.Este momento no psicodrama échamado de Shering ou compar-tilhar, sem o qual o processo psi-codramático não se completa.

AS TÉCNICAS DOPSICODRAMA APLICADAS ÀLUDOTERAPIA

A práxis psicoterapêutica naabordagem Fenomenalógico-Existencial tem como ferra-menta básica de trabalho a lin-guagem, que é por onde todo oprocesso terapêutico vai searticular. Entretanto, o psicólo-go que trilha este caminhofenomenológico e iluminadopelo existencialismo pode dis-por de recursos técnicos advin-

dos de outras abordagens dapsicologia, desde que taisrecursos não se oponham aosprincípios teórico-filosóficosque o fundamentam.

O Psicodrama é uma propos-ta teórica que possui um ricorepertório de técnicas e apre-senta pontos em comum com osconceitos existencialistas.

A práxis psicodramática ébasicamente vivencial, levandoo sujeito à ação, saindo domundo da experiência, onde sedá a dicotomia sujeito-objeto,para um mergulho no mundovivencial, onde a relação se fazúnica entre EU e TU. Assim, apossibilidade da utilização dastécnicas do Psicodrama apli-cadas à Ludoterapia poderácontribuir otimizando o que setem de mais rico e abundante noprocesso terapêutico com cri-anças, que é o brincar, o jogo.

O convite à ação, a partir dedramatizações de histórias clás-sicas, inventadas ou situaçõesdo seu cotidiano, possibilitaráao psicólogo detectar e intervirnas vivências inautênticas que acriança apresenta, adotando apostura de facilitador na buscada autenticidade, onde a lin-guagem também é expressadapela ação e o sentimento peloentendimento se articula noprocesso vivido.

Outro aspecto importanteque deve ser considerado é aalternativa que se dá à criançade explorar formas diferentesde experimentar situações deseu cotidiano estimulando a uti-lização de todos os recursosdisponíveis em seu meio,aumentando assim seu leque de

possibilidades e reconhecendoseu próprio horizonte.

Portanto, esta proposta deveser vista como mais um recursono processo de ludoterapia queobjetiva facilitar a revelação doser, que vai através da açãodramática estimular a expres-sividade e criatividade da cri-ança na sua forma de perceber erelacionar-se com o mundo.

No desenrolar de uma vivên-cia em que se utilizam técnicaspsicodramáticas pode-se identi-ficar alguns conceitos teóricoscomuns à teoria moreniana e àfenomenológico-existencial.

Com relação à ação, tantoMoreno quanto Sartre posi-cionaram-se da seguinte forma:o homem se faz na ação. A par-tir desta constatação, Morenoformula a teoria da ação, naqual enfatiza o sentido da açãopela criação e pela espontanei-dade com que, uma vez corres-pondendo aos verdadeirosanseios do sujeito, este pos-sivelmente vislumbrará me-lhores condições do existir.

Para Sartre, o existencialis-mo é a filosofia da ação. “É naação, no existir que se tornapossível compreender a vivên-cia humana. O homem não seconstitui em potência mas simem ato.” (Aristóteles).

A psicologia fenomenológi-co-existencial parte da crençade que o homem só toma cons-ciência de si próprio a partir darelação que estabelece com ooutro, da intersubjetividade. Ofoco central da obra de Morenoé o “Homem em relação”, e esteé um ser social que nasce emsociedade e precisa do outro

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para sobreviver e se reconhecerenquanto homem social.

M. Merleau Ponty afirma:

“O sentido do outro não tem omesmo sentido para ele e paramim. Para ele são situaçõesvividas, para mim situaçõesapresentadas”.

Husserl descreve o métodofenomenológico em dois movi-mentos, e ao primeiro denomi-nou captação intuitiva, que é oprimeiro sentimento que se dá narelação, antes de qualquer pen-samento ou reflexão, enquantoque Moreno definiu tele como acapacidade de se perceber deforma objetiva o que ocorre nassituações e o que se passa entreas pessoas. Acrescenta tambémque é a percepção interna mútuaentre dois indivíduos.

A criança, ao brincar,expressa seus sentimentos e oentendimento que dá às situ-ações vivenciadas. É a partirdessa articulação que o terapeu-ta poderá avaliar se existe ounão harmonia entre as con-dições do existir, propostas porHeidegger.

O homem é livre para fazersuas escolhas, portanto éresponsável pela construção desua própria existência. E, àmedida que ousa vivenciarnovas possibilidades, amplia seucampo de atuação no mundo.

Para Moreno, Encontro

“exprime que duas pessoasnão somente estão juntas, masque elas se vivem, se apreen-dem, cada uma com todo o seuser. Significa estar junto, unir-se, estar em contato corporal,ver e observar, tocar, sentir

partilhar e amar, compreender-se, conhecer intuitivamenteatravés do silêncio ou domovimento, da palavra ou dogesto, tornar-se ‘um’”.

Na teoria Moreniana, otermo Criatividade é indisso-ciável da espontaneidade. Aespontaneidade é um fator quepermite ao potencial criativoatualizar-se e manifestar-se.

Criatividade é a possibili-dade de modificar ou estabele-cer uma nova situação.

A revolução criadora queMoreno propõe é a de recupe-ração da espontaneidade e dacriatividade através do rompi-mento com padrões de compor-tamentos estereotipados, comvalores e formas de parti-cipação na vida social que acar-retam a automatização do serhumano e o obscurecimento desua consciência.

Na teoria de Moreno,Espontaneidade é definidacomo a capacidade de agir demodo “adequado” diante desituações novas, criando umaresposta inédita ou renovadoraou, ainda, transformadora desituações preestabelecidas.

Para Moreno, o 1º ato espon-tâneo do homem é o de nascer.

Moreno formula a hipótesede que a ansiedade é função daespontaneidade, onde quantomaior for o nível de ansiedadeapresentado na conduta dosujeito, menor será a presençade espontaneidade.

Num sentido mais amplo, aespontaneidade faz parte de umautêntico encontro existencialdo ser.

TÉCNICAS BÁSICAS DOPSICODRAMA

As Técnicas Básicas doPsicodrama fundamentam-seno que Moreno chamou deMatriz de Identidade, que estárelacionada com o nascimento edesenvolvimento da criança.

1ª Fase:

A criança ainda não se dis-tingue do mundo que a circun-da, é totalmente dependente damãe para sobreviver.

Técnica do Duplo

Descrição:O terapeuta se expressa, cla-

rificando para a criança os senti-mentos que naquele momentoela não consegue expressar ouaté mesmo identificar.

O terapeuta deve posicionar-se ao lado do cliente, e com amão em seu ombro usa opronome pessoal EU, ao fazer aintervenção clarificadora devivência emocional. Deve ado-tar a postura corporal, o tom devoz, a forma peculiar de ocliente falar e se expressar,objetivando expressar ao máxi-mo a sintonia emocional.

O DUPLO pode fazer per-guntas, questionar sobre taissentimentos e idéias a fim deque ocorra uma identificaçãopor parte do cliente com o “seuduplo”.

Objetivos:

➧ Aprofundar a questão que seapresenta buscando o sig-nificado da situação vividapara a criança.

➧ Possibilitar a ampliação da

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consciência, através da cons-cientização dos sentimentosapresentados na sessão deludoterapia.

➧ Promover a autenticidade,onde pensamento, sentimen-to e ação estejam em harmo-nia e sejam verbalizados deforma clara.

Quando usar:Esta técnica pode ser utiliza-

da tanto individualmente comoem grupo, e em qualquer etapado processo terapêutico.

2ª Fase:

Nesta fase a criança começaa se separar do mundo e tam-bém a distinguir os objetos epessoas. Estranha-se ao ver suaimagem refletida no espelho.Experimenta então reconhecer-se fazendo caretas...

Técnica do Espelho

Descrição:O terapeuta toma o papel do

cliente e atua, e este o observafora da cena. A performance doterapeuta é a mesma do clienteno falar e na expressão. Logo aseguir, averigua-se com ocliente como este se sentiu aover como atua no mundo ounaquela situação.

Pode-se também atuar juntocom o cliente, tendo atitudes oufazendo gestos, ou até mesmoconduzindo-se da mesma formanas situações, sem que seja re-velada para o cliente a intençãodo terapeuta.

Outra forma de se começar ausar esta técnica é apenas defla-grando expressões como: ba-

lançar de pé, pés contidos emuito juntos, mãos fechadas,testa franzida, forma de sentar-se, bocejos constantes etc.,fazendo-se a seguinte pergunta:se este... falasse o que vocêimagina que estaria dizendo?ou o que você imagina que eleteria a lhe dizer ?

Outra possibilidade é uti-lizar as mesmas estratégias quea criança usa em determinadassituações: para se sair bem, nojogo de memória, por exemplo,levanta rapidamente a peça sempegá-la realmente, escolhendooutra. Na eminência da perda,estraga o jogo, desmanchando-o ou arranjando qualquer justi-ficativa para parar.

Objetivo:

➧ Clarificar para o cliente suascontradições no que verbali-za, a forma como se expres-sa corporalmente e gestual-mente.

Quando usar:É necessário que o vínculo

entre cliente e terapeuta já este-ja estabelecido e esta técnicadeve ser seguida de inter-venções compreensivas. Podeocorrer que o cliente se irritesentindo-se perseguido.

Pode ser usado individual-mente e em grupo.

3ª Fase:

Reconhecimento do outroÉ o momento em que se

começa a jogar com esses obje-tos e pessoas e a aprender adesempenhar um papel comeles. No desenvolvimento dessepapel, há um momento em que

a criança consegue inverter opapel, ou seja, brinca com aboneca como sendo mãe desta ea trata como sua filha. Primeirojoga com objetos e depoisinverte papéis com pessoas,como quando pega a chupeta oua mamadeira e oferece à mãe; emostra-se bastante feliz quandoesta aceita.

Técnica da Inversão dePapéis

Descrição:Esta técnica consiste em a

criança (ou protagonista) tomaro papel do outro e este tomar oseu papel. Desta forma só háuma verdadeira inversão depapéis quando as duas pessoasestão presentes.

Objetivos:

➧ Proporcionar à criança apercepção de que é a partirdo desempenho de papéisque o homem se relacionacom o mundo.

➧ Desenvolver a consciênciade autoridade (o meu eu quese constitui através de umprolongamento do outro).

➧ Ampliar a consciência dacriança para as diferençasindividuais.

➧ Propiciar o desenvolvimentode inter-relações mais autên-ticas e saudáveis.

➧ Levar a criança a constatar ovariado leque de possibili-dades de papéis que se podedesempenhar na vida e tam-bém a variedade de modoscomo se pode fazê-lo.

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Quando usar:Pode ser usado tanto no

processo de terapia individualcomo também no de grupo.

Outras técnicas:O Psicodrama utiliza-se de

vários recursos que poderãopermitir à criança um maiordesenvolvimento de suascapacidades, principalmenteexpressando-se através da açãode forma espontânea e criativa.

Solilóquio

Descrição:Consiste em se pedir à cri-

ança que pense alto (como sefosse possível haver um alto-falante em sua cabeça), diantede situações que possa estardramatizando ou descrevendo.É um “monólogo em situação”.A criança reflete em voz alta eassocia livremente em torno daação ou da representaçãodramática, onde ele seenriquece de pensamentos esentimentos que não expressouno diálogo ou durante a drama-tização.

Quando usar:Esta técnica é mais indicada

para crianças mais velhas.

Maximização

Descrição:A proposta é pedir ao cliente

que maximize um gesto, umaforma verbal, uma postura cor-poral que se apresente durante aexpressão de seu conflito.

Exemplo de um caso:Menina de 9 anos apresenta-

va movimento estereotipado de

enrolar um chumaço do seucabelo com os dedos e levá-loao nariz e logo em seguida àboca, de forma muito rápida.Numa dada sessão, ao constatarque havia sido deflagrada,promete não fazer mais. Aocontrário, é pedido que façabastante vezes, e o mais rápidoque puder.

A princípio fica desconfiadacom o pedido, já que todos arecriminam pelo fato, mas logodepois atende. Faz repetidasvezes, velozmente. Quando éperguntado o que vem à suacabeça, alguma lembrança, ficaem silêncio e depois de algumtempo, lembra-se de suas chu-petas que foi obrigada a largar...

Concretização

Descrição:Consiste na materialização

de objetos inanimados, emoçõese conflitos, partes corporais eoutros através de imagens,movimentos ou falas dramáti-cas. O terapeuta pede que ocliente lhe mostre concreta-mente o que estas coisas fazemcom ele e como fazem.

Em grupo, os outros mem-bros fazem o papel da con-cretização, na individual pede-se que o cliente tome o papel doconcretizado e escolha algopara ficar em seu lugar simboli-camente.

Objetivos desta técnica:

➧ Ampliação da consciência.

➧ Utilização de indícios parase chegar ao sentido do con-flito vivenciado pela criança

Trabalho com Imagens ouEsculturas

Descrição:Consiste na produção de uma

escultura ou imagem pela cri-ança com qualquer materialapropriado e disponível tendocomo objetivo simbolizar o sen-timento desencadeado pela situ-ação vivida através da escultura.À partir dela, pode-se trabalharde várias formas: invertendopapéis, fazendo solilóquio etc..Pode ser usado como forma defacilitar o amadurecimento desentimentos ou situações queestão confusos ou difíceis para acriança. Pode ser usada tambémcomo fechamento de uma sessãoonde foram trabalhados conteú-dos bastante significativos parao cliente.

Quando usar:Esta técnica é mais apropri-

ada para crianças mais velhas.

Exemplo de caso:Menino com 10 anos em

regime de internação semanal emclínica psiquiátrica. Apresentavaproblemas neurológicos, queacarretavam distúrbios de lingua-gem e aprendizagem. Sua ex-pressão verbal era de difícil com-preensão. De um modo geral, eracooperativo, amistoso, não apre-sentando comportamentos agres-sivos desde de que não fosseestimulado agressivamente.

O trabalho desenvolvido nolugar de onde esta sessão foiretirada era de Socialização, e oespaço reservado para essesencontros era o quintal da clíni-ca, local bastante agradável earborizado.

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Neste encontro todos osmembros estavam presentes,em número de 8 meninos. Foiaproveitado pelos terapeutas otema trazido pelo grupo, queera a possibilidade e a con-cretização de alguns fre-qüentarem a escola tradicional.Pr. era um dos meninos que nãovislumbrava tal possibilidadenaquele momento.

Como seria a nova escola, ouniforme, material, os novosamigos, o que gostavam e o quenão gostavam da situaçãoforam questões levantadas,além de outras.

Pr. quase não se posicionou,apenas fazendo, vez ou outra,em virtude de sua desavençacom o colega por causa de umbrinquedo quebrado.

Pediu-se ao grupo que cadaum, com os recursos de que dis-púnhamos (caixa de sucata),montasse uma imagem de suanova escola.

Pr. descreve sua obra comouma árvore que nasceu caída epor isso não daria frutos, e aínão servia para nada. Ao serquestionado pelos outros cole-gas sobre a escola, onde elaestava, respondeu que depoisque arrancassem a árvore, iriamconstruir uma grande escola...

Átomo Social

Descrição:Para Moreno o átomo social

é o núcleo de todos os indivídu-os com quem uma pessoa estárelacionada emocionalmente ouque, ao mesmo tempo, estãorelacionadas com ela.

Pede-se que a criança esco-

lha um membro do grupo ou,caso seja individual, algo noambiente que a simbolize eposicione no meio do palco.Tendo sua posição como refer-ência, deve-se escolher outrosmembros do grupo ou objetosque simbolizem os demaismembros de sua família ou con-texto em questão, localizando-os espacialmente de acordocom a distância afetiva quesente em relação a eles. Apóscolocadas todas as pessoas, ani-mais ou coisas, pedir que à cri-ança substitua a pessoa ou obje-to que a simboliza e olhe emvolta. Pedir que fale do senti-mento ao se ver com estas pes-soas à sua volta, o que senteparticularmente por cada uma eimagine o que cada uma destassente por ela e o que diria sobreela se estivesse presente.

Caso a criança já consigafazer a inversão de papéis,fazê-lo com todos os membros.Para se manter o aquecimentoda vivência o terapeuta devefazer perguntas como se esti-vesse conversando com aquelaspessoas sobre a criança. Aofinal pedir que a criança seafaste da cena montada e, juntocom ela, buscar os sentimentose pensamentos que surgemdiante do que é vista.

Para facilitar o engajamentoda criança a este processo, oterapeuta pode utilizar consig-nas de brincadeiras como“Mamãe Mandou”, onde a dis-tância entre a criança e quemela traz pode ser feita atravésde “passos” (– quantos passos?– Dez passos de formiguinha, –Cinco passos de elefante...).

Objetivos:

➧ Visa explorar o contextosociométrico que a criançatem como referência naque-le momento.

➧ Pode ser utilizada logo nocomeço do processo tera-pêutico, objetivando avaliaro nível das relações esta-belecidas por ela.

➧ Pode-se também detectarindícios de relações confli-tuosas entre membros dafamília e a criança.

Imagem da Família ouÁtomo Sócio-Familiar

Descrição:Pedir à criança que construa

uma imagem de sua famíliacom o material disponível. Aofinal da construção o terapeutadeve explorar os aspectos daimagem como: o nome da ima-gem, como foi construir, o quelevou a escolhê-la, se cadamembro está definido, o quepensa sobre esta imagem, o quegostaria de dizer a ela, o quegostaria de mudar etc..

Objetivo:

➧ Exploração e conscientiza-ção dos sentimentos que acriança nutre por sua família.

O Outro me Apresenta

Descrição:Pedir à criança que tome o

lugar de uma pessoa que a co-nheça bem ou que esteja pre-sente em suas questões, poden-do também ser objetos, brin-quedos ou animais seus. Neste

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papel, o terapeuta pede que estese apresente e fale o que sabe eo que sente sobre a criança.Após finalizar a entrevista oterapeuta deve despedir-se dapessoa, agradecendo sua pre-sença e então voltar a chamar acriança pelo seu nome inician-do assim a exploração davivência com ela.

Objetivo:

➧ Averiguar a auto-percepção ea expectativa em relação aoque o outro pensa sobre si.

Fotografia

Descrição:Consiste em trabalhar com

fotos que a criança traga espon-taneamente ou por solicitaçãodo terapeuta. A criança falaráda forma que quiser sobre asfotos, sendo estimulada a con-tar as situações e o sentimentovivido em cada uma. Pode-sepedir que escolha a que maislhe agrada ou a que menosagrada e explorar o critério uti-lizado para a escolha. Outraalternativa é pedir que elaescolha uma foto significativapara ela e convidá-la então amontar a cena, ou fazersolilóquio da situação: o quevocê acha que estava pensandoou sentindo nesta hora? E asoutras pessoas? E agora? etc..

Objetivo:

➧ Explorar cenas vividas pelacriança, servindo comofacilitadoras da expressãode sentimentos por pessoas esituações de seu cotidiano.

Jogo do Fantoche

Descrição:Consiste em um diálogo

entre dois personagens anta-gônicos, produto dos conflitosou situações vivenciadas pelacriança. A criança deve terclaro aquilo que está evitando,e o terapeuta então marcarácom imagens de fantochesescolhidas pela criança o queencarnará a situação temida e aoutra, a situação desejada. Acriança travará uma conversaentre as duas situações, ou comuma das situações de cada vez,e o terapeuta entrevistará taispersonagens assim como a cri-ança diante da situação viven-ciada.

Objetivo:

➧ Visa ajudar a enfrentar umasituação temida a partir daavaliação de seus possíveisdesfechos e conseqüências.

Interpolação de Resistências

Descrição:Consiste em montar a cena

modificando radicalmente aatuação dos papéis comple-mentares. Exemplo: uma cri-ança constantemente se queixada situação repetitiva e monó-tona na rotina familiar. A modi-ficação do papel complementaré a oportunidade para que elaexperencie sua capacidade paraperceber, bem como para trans-formar, o que é decorrente desuas próprias atitudes, na inter-relação da qual se queixa. Ébastante utilizada, porque sãofreqüentes as brincadeiras que

propiciam que o terapeuta façao papel complementar.

Objetivo:

➧ Possibilitar à criança a cons-tatação da possibilidade deampliação de seu leque depossibilidades e desenvolvera flexibilidade em sua con-duta.

Psicograma(REPRESENTAÇÃO DO PSIQUISMOATRAVÉS DE IMAGENS GRÁFICAS –LUIZ DE MORAES A. SILVA FILHO)

Descrição:Consiste na utilização do

desenho combinado a outrosrecursos psicodramáticos emsessões de ludoterapia. É umadramatização realizada comdesenhos.

É uma técnica bastante acei-ta pois associa-se ao desenho,que é uma atividade corriqueirae fácil para a criança.

Objetivos:

➧ Ampliação da consciência.

➧ Facilitação do uso do recur-so psicodramático sem ne-cessariamente montar acena, por limitações comotempo, espaço e indisponi-bilidade do cliente.

Torna-se importante chamara atenção para algumas consi-derações, partindo do ponto devista de que a técnica deve serencarada e conseqüentementeusada como um recurso e nãocomo fim.

Um dos alicerces da relaçãoterapêutica é o respeito pelolimite do outro, portanto, a cri-ança ou o grupo devem ser con-

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vidados à ação e só a partir daaceitação por parte destes é queo trabalho deve ser iniciado. Epara que isso ocorra, tantocliente como terapeuta devemestar “aquecidos” para inicia-rem a ação dramática, podendoassim caminharem juntos. Énecessário que o terapeuta cam-inhe junto por toda a trajetóriada sessão para que possa, quan-do necessário e possível, inter-vir, fazendo então, sucessivasreduções fenomenológicas(épochè) e assim chegar ao sen-tido que o cliente atribui a suavivência.

Por último, o manejo ade-quado da utilização do tempo,por parte do terapeuta, éextremamente importante, im-pedindo assim que situaçõesmobilizadoras não possam serdevidamente manejadas emfunção do limitado tempo quese dispõe para tal vivência.

NOTA

1. É o mesmo processo e tem a mesmaimportância quando ocorre apenas comuma pessoa.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Wilson Castelo. Moreno:encontro existencial com as psi-coterapias. São Paulo: Ágora,1990.

BUSTOS, Dalmiro M. O Psicodrama.São Paulo: Summus, 1982.

FONSECA, José S. Filho. Psico-drama da loucura. São Paulo:Ágora, 1980.

GONÇALVES, Camila Sales. Liçõesde Psicodrama. São Paulo:Ágora, 1988.

MORENO, J. Levy. Quem sobre-viverá? Goiás: Dimensão, 1992.

______. Psicodrama. São Paulo:Cultrix, 1991.

______. Fundamentos do Psico-drama. São Paulo: Summus,1983.

______. Psicoterapia de grupo ePsicodrama. Rio de Janeiro:Mestre Jou, 1974.

REVISTA DA SOCIEDADE DE PSI-CODRAMA DE SP. SOPSP, AnoIV, agosto 1992, nº 4.

SCHUTZENBERGER, Anne Ancelin.O teatro da vida - Psicodrama.São Paulo: Duas Cidades, 1970.

SOEIRO, Alfredo Correa. Psicodra-ma e Psicoterapia. São Paulo:Ágora, 1995.

WILLIANS, Antony. PsicodramaEstratégico. São Paulo: Ágora,1994.

Maria Bernardete Medeiros FernandesLessa é Psicoterapeuta em clínica parti-cular na abordagem Fenomenológico-Existencial, membro fundadora do IFEN,tem formação em Psicodrama pelo CPRJ-FEBRAP, consultora autônoma emRecursos Humanos e professora univer-sitária.

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As sessões terapêuticasreunidas neste artigo represen-tam os passos fundamentais daatuação do psicólogo fenome-nólogo-existencial. São apenasuma pequena parte do que ocor-reu no setting terapêutico, contu-do a explanação se dá no sentidode concentrar os temas centrais,na visão da fenomenologia exis-tencial na psicoterapia infantil.

A fenomenologia como mé-todo neste trabalho aborda adinâmica da criança tal como seapresenta, possibilitando comoponto de partida a compreensãoda vivência daquele ser que serevela imediatamente na relação.

Para encaminhar-se na di-reção do ser particular e concre-to desta criança, fez-se impor-tante ir de encontro a sua totali-dade como ser e assim juntartodos os pedaços de sua experi-ência. Foi assim que teve inícioo trabalho de psicodiagnósticode João. Neste trabalho, foramabordados os seguintes aspec-tos: inteligência, cognição, de-senvolvimento psicomotor, di-nâmica e estrutura familiar,relacionamento interpessoal,aspectos da personalidade evivências afetivas e emocionais.

“O essencial não é aquilo quese fez do homem, mas aquiloque ele fez daquilo quefizeram dele”.

Sartre

A HISTÓRIA DE JOÃO1

João chega ao consultóriocom a queixa de chupar emorder a língua até criar feri-das, auto-mutilação, nervosis-mo e agressividade. O psicodi-agnóstico foi solicitado peloneuropediatra com o parecer detranstorno hipercinético de con-duta, tiques e fobia.

João, segundo relato da mãe,foi criado muito preso. Queixa-se ainda de que João apanhamuito na rua e apresenta umcomportamento “estranho”, istoé, afeminado. A mãe revelaconceitos rígidos, fazendo umaseparação entre “coisas de mu-lher e coisas de homem”. Afigura materna reage a esta si-tuação de forma agressiva e opai, de maneira omissa.

O PSICODIAGNÓSTICO

1.DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:

Nome: JOÃOIdade: 6 anosEscolaridade: C.A - Alfabetização

2.INSTRUMENTOS UTILIZADOS:➧ Entrevista de anamnese com

os pais➧ Entrevista psicossosial com

os pais➧ Sessões livres com a criança➧ Teste projetivo Ômega➧ Técnica desenho da família➧ Teste gestáltico viso-motor

Lauretta Bender

3. MOTIVO DA CONSULTA:

A partir de diagnósticomédico, a criança apresentatranstorno hipercinético. Ospais relatam comportamentoagressivo e auto-mutilação.

4. SÍNTESE DIAGNÓSTICA:

João apresenta bom desem-penho escolar, não revelandodificuldade nessa área. Sua idadecronológica apresenta-se com-patível com a idade viso-motora.Mostra dispersão, desatenção,apresentando dificuldade de con-centração. Revela boa memória.

A dinâmica familiar revela-se desarmoniosa e com víncu-los afetivos conflituosos. De-monstra uma estrutura derelação tensa e confusa, pre-dominando a hostilidade, ondehá acusações e desqualificaçõesmútuas e diretas. Não hádenominador comum sobre ocontrole das situações, gerandosofrimento e indefinição depapéis, principalmente da figu-ra de autoridade.

A disciplina familiar se dáatravés da agressividade e dapunição. João sente-se oprimi-do em relação à dinâmicafamiliar, respondendo de formaagressiva e através de compor-tamento egocêntrico, objetivan-do chamar a atenção. João re-vela dificuldade de respeitar asnormas e a disciplina familiar.

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Um estudo de caso: do psicodiagnóstico à psicoterapiainfantil: Ludoterapia

Claudia Guimarães

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Apresenta sentimento de rejei-ção e necessidade de proteção,estimando a aceitação da fa-mília. Demonstra conflito afeti-vo em relação à família, oradesejando a reestruturação, oradesejando a destruição damesma.

Quanto ao relacionamentointerpessoal, este parece não tersido prejudicado pelo aspectoemocional. João revela harmo-nia com os muitos amigos quemantém em geral.

Em relação à área afetiva,João apresenta ansiedade, inse-gurança, agressividade e insta-bilidade emocional. Revela-seuma criança emocionalmentedesestruturada. Frente às difi-culdades e situações de conflitofica paralisado, não encontran-do possibilidades para superá-las. A partir de tanta tensãoemocional, a criança somatiza eauto-mutila-se.

5. RESPOSTA AO MOTIVO DACONSULTA:

Sua agitação, auto-muti-lação e o comportamento agres-sivo parecem estar diretamenterelacionados a uma resposta emrelação à dinâmica familiartensa e conflitiva.

6. CONCLUSÃO:

João apresentou-se como opaciente psicoterapêutico quefoi facilmente identificado.Contudo, a família como umtodo demonstra desestruturaçãoemocional.

7. INDICAÇÃO:

Tendo em vista a instabili-dade e perturbação emocionalda criança e a desestruturaçãoda dinâmica familiar, indica-se

PSICOTERAPIA INFANTIL:LUDOTERAPIA e TERAPIAFAMILIAR.

Na devolução do laudo dopsicodiagnóstico o casal concor-da com o tratamento psicote-rapêutico para João, contudoalegam dificuldade financeirapara iniciarem a terapia familiar.

O PROCESSOPSICOTERAPÊUTICO - ALUDOTERAPIA

Sessão A

João chega ao consultórioem sua primeira sessão de psi-coterapia e escolhe.J: Vamos jogar basquete.T: Ok, vamos jogar basquete.

Revelava ansiedade, quandoa terapeuta não acertava dizia:deixa que eu acerto para você.T: Você quer jogar por mim.J: É, você não acerta, deixa queeu acerto para você.T: Então você quer acertar pormim.

Depois decide brincar depintura a dedo. João faz umacasa toda preta, depois um solamarelo e uma mulher de ver-melho.T: Você gostaria de falar do seudesenho para mim?J: Esta vai ser a minha casa nofuturo.T: Esta será a sua casa nofuturo.J: É, e essa daqui é a minha mãebem velhinha de cabelos bran-cos.T: Esta é a sua mãe no futuro.J: É, ela está indo me visitar,mas só que eu não estou emcasa.

Este desenho de João apre-senta-se expansivo, não respei-tando os limites da folha.

Neste relato, João parecepossibilitar uma projeção dofuturo, onde se vê com umavida independente da mãe.

Sessão B

Nesta sessão, João chega aoconsultório extremamente agi-tado. Psicoterapeuta e clientetrabalham com pintura a dedo.J: Vou desenhar os PowerRangers.T: Ah, você vai desenhar osPower Rangers.J: Vou, a que eu mais gosto é ade rosa.

Procura a tinta rosa e se dáconta de que não há esta cor nacaixa.J: Não tem tinta rosa.T: É, não tem tinta rosa.

A terapeuta trabalha comJoão as suas possibilidades e asua paralisação diante delas.T: E agora?J: Deixa para lá.T: Você não vai mais desenharporque não tem a tinta rosa?J: Sei lá, vou desistir.T: De que outras maneiras vocêpoderia fazer o desenho ouentão conseguir a tinta rosa?J: Não sei.

Diante da sua dificuldade emenxergar outro modo de realizaro trabalho, a psicóloga amplia oseu leque de possibilidades.T: Você já pensou que mistu-rando as cores você conseguiriachegar à cor rosa ou então emusar outro material para fazer oque você quer?J: Misturar as tintas?T: Seria uma forma.

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J: É, mas que cores?T: Não sei, só tentando paraver. Você quer tentar?J: Você tem certeza?T: Não, não tenho, você querexperimentar?J: Quero.

Então se diverte na misturadas cores, João e a terapeutafazem várias tentativas e mistu-ram as tintas. Até que na mis-tura do branco com o vermelhosaiu a cor rosa.J: Ah, tia Claudia, você é omáximo.T: Eu não, você conseguiu orosa com as misturas que vocêfez, eu só dei a idéia.

A terapeuta trabalha a res-ponsabilidade de João pela suaprópria construção, isto é, fazcom que João reflita sobre serautor do seu projeto, tornandoele mesmo consciente do lequede possibilidades à sua frente edono de uma consciência inten-cional. A terapeuta só o ajudoua ampliar esta consciência.

Sessão C

Hoje João decide jogar ojogo da memória. Então mon-tam o tabuleiro.J: Eu vou começar.T: Você vai começar.

João começa e quando a te-rapeuta vai jogar João não aespera e começa a jogar.

Na terceira vez, a terapeutaatua como o cliente, e não oespera.J: Ah, tia Claudia espera, vocênão está me esperando terminarde jogar.T: É, eu não estou esperandovocê jogar e você não me espe-rou jogar.

J: Então agora eu vou esperarvocê jogar e você me espera.T: Você vai me esperar jogar equer que eu espere você.

O objetivo da terapeuta comesta intervenção foi fazer comque João percebesse a suamaneira de atuar e se sentisseresponsável por isso, bem comolivre para atuar desde que cons-ciente das suas possíveis conse-qüências.

Depois, João decide brincarcom os carrinhos.J: Esses carrinhos são meus eesses são os seus.T: Esses são meus e esses sãoos seus.J: Você vai estacionar os seuscarrinhos aqui e vai sair comesse.T: Você quer que eu estacioneos meus carrinhos aqui e saiacom este.J: É, tem que ser assim.T: Parece que tudo tem que serdo seu jeito. Você escolhe osmeus carrinhos e diz o que eudevo fazer com eles. É assimtambém com os seus amigui-nhos?

A partir da situação que seapresenta no consultório, a te-rapeuta investiga a maneira deJoão atuar fora do setting tera-pêutico, verificando em queoutras situações isto ocorre. Oobjetivo é fazer com que Joãoreflita sobre o seu modo de sere as conseqüências que istopode lhe trazer em suasrelações interpessoais. Via-bilizando o seu auto-conheci-mento, tornar-se-á possívelmais uma vez trabalhar aresponsabilidade pelas suaspróprias escolhas.

J: É, eu que começo nas brin-cadeiras e decido tudo, só nãocomeço quando é pique-esconde, porque aí tem quecontar e procurar.T: Você começa nas brin-cadeiras e decide tudo, masquando é pique-esconde quevocê tem que contar e procurarvocê não quer. E se os seusamiguinhos não aceitarem?J: Aí eu saio da brincadeira.T: Quando não é do seu jeitovocê sai da brincadeira.J: É, eu falo que não quero maisbrincar.T: E então fica sem brincar comos seus amiguinhos.

Sessão D

Hoje João escolhe brincar depega-varetas. Começa ganhan-do.J: Vou colocar um zero aquipara você.T: Você vai colocar um zeropara mim, mas o jogo ainda nãoacabou.

Logo depois, João mexealgumas varetas e passa a vezpara a terapeuta. A psicólogapega várias varetas, porém depontos mais baixos. J: Quantas varetas você tem?T: Dez, e você?J: Nove, desisto não quero maisjogar.

João mostra-se paralisadofrente à primeira dificuldade. Ojogo ainda não havia acabado,contudo a ansiedade de João oimpede de chegar ao final dojogo.T: Você não quer mais jogarporque eu estou com dez vare-tas e você com nove, só que ojogo ainda não acabou, por que

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não jogamos até o final, paraver quem vence?J: Está bem.

O jogo continua e valeressaltar que, embora a terapeu-ta tivesse mais varetas, Joãotinha mais pontos.

João então joga até o final edepois conta os pontos com aterapeuta.J: Tia Claudia eu ganhei.T: É você ganhou, mas se nãotivesse jogado até o fim etivesse desistido no início, vocênão saberia.J: É verdade.

A ansiedade de João oimpossibilita de vivenciar otempo presente. João estavaansioso por viver o resultado dojogo, sem tentar chegar ao finaldo mesmo. Desta forma, a te-rapeuta o traz para a vivênciado presente, mostrando que éna vivência do presente queJoão poderia agir e modificar oseu projeto. Além disso, a te-rapeuta trabalha a conscientiza-ção das possíveis perdas quevivencia quando se paralisafrente às dificuldades. Comisto, impulsiona João a arriscar-se em sua ação no mundo, aoinvés de evitar a frustração ouevitação da mesma frente aosobstáculos.

Sessão E

J: Vamos brincar de carrinho.T: Ok, vamos brincar de carri-nho.

João pega a caixa de car-rinhos.J: Esses são os meus e esse sãoos seus.T: Você escolhe os meus car-rinhos e os seus.

J: É, você vai passar por aqui eestacionar ali.T: Você escolhe o que eu devofazer com eles.J: É assim que tem que ser.

Nesta situação que se repete,a terapeuta atua de uma outraforma. Transgride as regras eobserva a reação de João. Destavez, trabalha a liberdade deescolha de João em conflitocom a liberdade de escolha dooutro.T: É assim que eu vou fazer (aterapeuta não obedece ospadrões impostos por João).J: Tia Claudia, eu já não faleique não é assim?

Pega os carrinhos da tera-peuta com raiva e começa abater neles.T: Você está batendo nos car-rinhos, parece estar com raiva.J: Estou sim.

Então pára e conversa comos carrinhos.J: Está tudo bem? (pergunta aoscarrinhos)J: Então toma! (dá mais pan-cadas nos carrinhos)T: Você está com raiva mesmo.

João então se acalma comose nada tivesse acontecido ediz: vamos brincar de outracoisa.

Parece claro, nesta situação,que quando os sentimentos eatitudes da criança são expres-sos através das palavras, dosbrinquedos e das atitudes, aexperiência pode ser encaradaobjetivamente e desta formatrabalhada no aqui-e-agora.

A experiência terapêutica éuma experiência de descobertae portanto de crescimento, quepermite que a criança evidencie

o seu modo de ser no mundo ecom os outros. Nesta situação,foi dada a João a oportunidadede experimentar no setting te-rapêutico a vivência dos seussentimentos e por assim dizerde se libertar de suas tensões,se desfazendo por conseqüên-cia dos seus sentimentos pertur-badores e, assim fazendo, deganhar uma compreensão maisampla de si mesmo em suasrelações. Através desta expe-riência na ludoterapia, João vaidescobrindo a si mesmo comouma pessoa livre e responsávelpor sua liberdade. Além disso,tirará o véu de novos caminhosque lhe permitam uma novapossibilidade de ser no mundoe em seus relacionamentosinterpessoais.

Na mesma sessão ocorreuma situação similar. Escolhejogar pega-varetas.J: Eu começo.T: Você sempre que começa.J: Eu gosto de começar.T: Você gosta de começar. Eugostaria de começar desta vez.J: Não, eu vou começar.T: Você gosta de começar, eugostaria de começar e você vaicomeçar.

Então João começa.Durante o jogo, João pega a

vareta preta.J: A vareta preta vale mil pon-tos, ganhei o jogo.T: Você pegou a vareta preta eagora ela passou a valer milpontos.J: É.

Na outra partida eu pego avareta preta.T: Já tenho mil pontos, ganhei ojogo.

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J: Ah tia Claudia não vale,devolve aqui.T: Valeu para você e não vaivaler para mim.J: É, essa daí agora só vale cempontos.T: Então as regras são dife-rentes para nós dois. Para vocêa vareta preta vale mil pontos epara mim cem pontos.J: Eu não quero mais brincardisso não, devolve aqui, vamosguardar.

Então, em outra situação amesma dinâmica se repete e aterapeuta novamente trabalha omodo de ser de João na relação,isto é, a sua postura egocên-trica.

Sessão F

Nesta sessão João decidefazer trabalhos com recortes ecolagens. O mais interessante éque João conseguiu ficar asessão inteira fazendo umamesma atividade, o que é sur-preendente.J: Tia Claudia, eu vou te ensi-nar a fazer envelope.T: Ah, você vai me ensinar afazer envelope.J: É (mostrou como se faz).T: Ficou um barato esse enve-lope. Sabe, existem outros tiposde envelope, que tal se nós ten-tássemos fazer outros modelosde envelope?J: Essa idéia é legal.

Assim, terapeuta e clienteconstróem juntos outros en-velopes.

João até aquele momento sóenxergava uma possibilidade deconstruir envelope e a terapeutaamplia mais uma vez o seuleque de possibilidades, crian-

do com a criança vários outrostipos de envelope. João demons-trava fascinação em descobrircoisas novas.

Com a experiência terapêu-tica, espera-se que João não sóconsiga ver novas possibili-dades na sala de brinquedoscom a terapeuta, como tambémperceba outras formas de ser ede agir em sua vida cotidiana.

Durante este trabalho, a te-rapeuta dá uma sugestão à João.T: Que tal se nós enchêssemoscada envelope com recortes edesenhos e déssemos paraalguém?J: Eu vou dar o meu para a pes-soa que eu mais gosto.T: Você gostaria de falar dessapessoa.J: É você tia Claudia.T: Ah, para mim.J: É para você, e você tiaClaudia, vai dar o seu paraquem?T: Eu vou dar o meu para umapessoa que eu gosto muito.J: Quem?T: No final você vai saber.

Então João enche o seuenvelope de coisas: foto depraia, comida, flores, carros,aviões etc..J: E você tia Claudia, não vaiencher o seu envelope?T: Você quer que eu encha omeu envelope como o seu?J: Não, eu só queria saber.T: No final, quando eu terminareu te digo.

João fica intrigado, mascontinua a encher o seu en-velope.J: Vamos tirar par ou ímparpara ver quem fala do envelopeprimeiro.

T: Você quer tirar par ou ímparpara ver quem começa.J: É.

A terapeuta começa.T: O meu envelope eu vou darpara uma pessoa que eu gostomuito e essa pessoa é você.Aqui tem um coração em bran-co e uma foto com as quatroestações do ano. O coração embranco é para você preenchercom as coisas que você maisgosta, que mais te agradam e sóvocê poderá preencher. As qua-tro estações são as diferenças,as mudanças e o quanto é difícildiante de tantas coisas dife-rentes saber qual você iriagostar mais, então eu coloqueitodas as estações: primavera,verão, outono e inverno. Qual aque você gosta mais?J: Outono.T: Está vendo, diante de tantasestações é muito difícil saber aque você iria gostar mais, sóvocê poderia saber, então eurecortei todas para você.

A atuação da terapeutamostra que ela não pode esco-lher por João, trabalha assim aliberdade e responsabilidadepor suas escolhas e por sipróprio.

Além disso, João poderáconstruir diante do nada (repre-sentado pelo coração vazio) edas possibilidades (as estaçõesdo ano) o seu próprio referen-cial e seu modo de viver, que éacima de tudo singular.

João pega o envelope feliz.J: Obrigado tia Claudia, euadorei, em casa eu vou colocarcoisas no meu envelope que eugosto.T: Eu gostaria de ver, se você

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quiser traga-o para mim, assimvou te conhecer cada vez mais.J: Eu trago sim. Agora eu voudar o seu. Eu coloquei muitascoisas, eu não sei se você vaigostar.

Então começa a falar dasfotos: praia etc..T: Ah eu gostei muito do enve-lope que você me deu e dascoisas que estão dentro dele.

Sessão G

uma nota importante sobreuma das orientações feita comos pais.Mãe: João está mais calmo, sófica agressivo quando a gentebate nele ou quando os amigoso provocam.T: Nessas situações a respostade João parece adequada, poishá motivo para reagir de formaagressiva.Pai: É, ele melhorou bastante.Mãe: Quanto a isso tudo bem, oproblema são essas maniasdele, esse jeito estranho que eunão gosto.T: Que manias, que jeito estra-nho?Mãe: Dançar funk, dançarrebolando na boquinha da gar-rafa, brincar de boneca com aMichele. Agora eu estou cor-tando tudo isso, não quero maisele andando com menina, senão ele fica com essa manias.Vai acabar virando bicha. Vocêacha que é a melhor solução?T: Isolar João do seu convíviosocial, como dançar, brincarcom meninas, só vai prejudicá-lo na sua troca com o meio.Hoje você o isola da companhiafeminina, amanhã não poderáisolá-lo da compania masculi-

na, nem impedi-lo de fazerescolhas. Futuramente Joãodecidirá sobre a sua opção se-xual. Você não acha cedo pararotular como homossexualismoa conduta de João?Pai: Eu concordo com aClaudia, você dá uma dimensãogrande a esse assunto.Mãe: Eu chamo a atenção deleporque eu me preocupo com avizinhança, o que as pessoas vãofalar desse jeito de bichinha.T: Você está preocupada com acrítica dos outros?Mãe: É, eu me preocupo, euestou muito nervosa, de qual-quer forma eu vou pensar nascoisas que você me falou.

Esta sessão com os paismerece comentário especial,pela função que exerce nospadrões de masculino e de fe-minino da criança. João sofrepressões da mãe, que revela umapostura machista, em conflitocom as transformações sociais.Um dos membros do grupo quedança a música da boquinha dagarrafa é um homem e João ficaperdido mediante referenciaistão distintos. Mais tarde issoaparecerá em sua fala, marcadapelo preconceito até de cores,como por exemplo, cores demulher: rosa, vermelho, entreoutras; e cores de homem: azul,verde e outras. A terapeuta dequalquer forma tenta conscienti-zar a mãe quanto ao rótulo queela mesma dá ao filho.

Sessão H

Na sessão seguinte, Joãoleva o envelope que a terapeutalhe deu, preenchido com ascoisas de que mais gostava.

J: Tia Claudia, eu trouxe oenvelope para você ver ascoisas que eu mais gosto. Eugosto dos Power Rangers, daBarbie, de flor, de desenho, deboneco etc..T: Ah, que legal, agora eu seirealmente das coisas que vocêmais gosta.

Foi interessante perceber ointeresse de João em falar dele,das coisas de que mais gostavapara a sua terapeuta. Pareceuextremamente importante paraJoão compartilhar esta vivên-cia, falar das próprias escolhase do seu referencial. Ele mostraque de fato quer cada vez maisdar a mão a sua terapeuta nessetrilhar e levá-la para conhecer oseu mundo. Mostrava confiançae segurança ao fazer isto.J: Vamos jogar dama.T: Ok, vamos jogar dama.Na última partida, a terapeutaperde.J: Vou te dar mais uma chance.T: Você quer me dar mais umachance.J: É.T: Quando você perdeu eu nãote dei chance.J: Mas eu vou te dar.

É interessante perceber queJoão começa a vivenciar a suasingularidade quando deixaentendido: você não me deu,mas eu vou te dar uma chance.

Começa a se dar conta dasua vivência concreta e particu-lar, emergindo das coisas queestão aí, saindo da generaliza-ção, do impessoal e buscandosua própria singularidade nomundo. Assim inicia uma buscapela autenticidade.J: Eu trouxe para você essas

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figurinhas da Barbie que eucoleciono. Você gosta?T: Ah, sim, são lindas.J: Aonde você vai colar?T: Na minha agenda.J: Então pega a agenda que eucolo para você.T: Você gostaria de colar paramim?J: É, posso colar para você?

Nessa pergunta, percebe-seque João começa a se rela-cionar de forma a se posicionar,e ao mesmo tempo, respeitandoa liberdade do outro, o quepode trazer benefícios em seusrelacionamentos.T: Sim, pode, deixa eu escolherum lugar. Pode colar aqui.

Então João cola as figuri-nhas.

Cabe comentar sobre o feed-back dos pais durante as orien-tações, onde relatam que Joãotem melhorado sensivelmenteem relação a sua ansiedade, asua auto-mutilação e a suaagressividade.

Sessão I

Nesta sessão, João escolhedesenhar.J: Vamos desenhar.T: Vamos. E já que você querdesenhar eu tenho uma su-gestão. O que você acha de agente desenhar o que gos-taríamos de ser como bicho, porexemplo, se eu fosse um ani-mal, que animal eu seria? Se eufosse um carro que carro euseria? Então a gente vai dese-nhando e falando dos nossosdesenhos. O que você acha?J: Legal tia Claudia. Vamosdesenhar.

T: Vamos. Qual que a gente vaifazer primeiro?J: Um animal.

João desenha um esquilo.T: O que no esquilo faz lembrarvocê?J: Porque eu adoro subir emárvore, do jeito dele brincar eele gosta do que ele come.T: Então você seria um esquiloporque gosta de subir emárvore como ele, gosta do jeitodele brincar e você tambémgosta do que você come.J: É, e o esquilo é divertido e eutambém o gosto.

Depois desenha um carro.T: Ah, você seria uma carroquadriculado, preto e vermelho.J: É, porque eu adoro andar pelarua, passear de noite, ver corri-da, correr. Eu gosto de quadri-culado de preto e vermelho.T: Você, como carro, gostariade ser um carro quadriculadode preto e vermelho e passear ecorrer pela rua.J: É, mas eu não faria issoporque as pessoas iam rir demim.T: Então você não andariacomo esse carro na rua porqueas pessoas iam rir de você.J: É.T: Você deixaria de fazer o quegosta para as pessoas não riremde você. O que te faz achar queelas vão rir?J: Porque ninguém tem umcarro assim.T: Então se ninguém tem, vocêtambém não pode ser diferente.J: Eu ia ficar com vergonha.T: Com vergonha de passearcom o carro de que gosta.J: Das pessoas falarem que eusou ridículo.

T: Então você ficaria preocupa-do em ser chamado de ridículo.J: É, mas eu não ia ligar não.

João mostra a ambivalência,caracterizando a inautentici-dade, em que o seu sentimento,linguagem e ação não semostram articulados.

Neste discurso, João seperde no anônimo, no impes-soal, preocupado em fazer oque todo mundo faz. A terapeu-ta trabalha a sua autenticidade,em busca do seu próprio refe-rencial.T: E se você fosse um móvel decasa?J: Isso eu não seria porquemóvel é estátua e eu não gostode ficar parado.

Vale lembrar que João veiocom o parecer do neuropediatrade transtorno hipercinético. Emsua fala, mostra autoconheci-mento.T: Você não gosta de ficar para-do.J: É, e se eu fosse um boneco(ele mesmo pergunta e res-ponde)? Eu seria o He man.T: Ah, você seria o He man.J: É, eu adoro lutar, ficar desunga, de bota, de colete,metralhadora, ficar sem camisa,gosto de cabelo grande.

E você tia Claudia, queboneca você seria?T: Ah, eu seria a Lu Patinadora.

A terapeuta participa dabrincadeira a partir da solici-tação de João, reforçando ovínculo e contribuindo para queJoão se revele cada vez mais.J: Ah, vamos fazer agora com ofundo do mar?T: Se fosse algo do fundo domar?

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J: É.T: Está bem.

João faz o seu desenho.T: Você gostaria de falar sobre oque você seria do fundo do mar?J: Eu seria o pai da Ariel. Elefaz festas no fundo do mar, látem lugar gelado, camarão(João é proibido de comercamarão, pois é alérgico), elenada e manda no mundointeiro, faz chover, faz sol, elemanda no mar inteiro.T: Então você gostaria de serele para mandar no mundointeiro, fazer chover, fazer sol,fazer festas.J: Ah, eu queria.T: Mas, já que você não é o paida Ariel, o que você pode fazersendo você mesmo?J: Eu posso fazer festas, possonadar, posso me fantasiar desereia.

A terapeuta trabalha comJoão as suas possibilidadesconcretas, e portanto o limitedas situações. Na realidade ascoisas que coloca não estãodentro das suas possibilidadesde realização, mas o que pode-ria estar ao seu alcance

Sessão J

Nesta sessão cabe ressaltarque João tem obtido progresso,mostrando-se calmo, tranqüiloe com grande diminuição desua carga de ansiedade. Jo-gamos dama e foi importantepoder perceber que João paravapara raciocinar a cada jogada,observando e se concentrando,o que parecia impossível nosnossos primeiros encontros.J: Eu brinco com o meu irmão dedama, mas ele não sabe direito.

T: Ah, você brinca com ele dedama, mas ele não sabe direito.J: Às vezes ele me enche osaco, mas eu gosto dele.

Ao final da sessão escreveno quadro João e Tadeu.

João começa a recriar sig-nificados do seu relacionamen-to com o irmão; o que antesparecia inviável, hoje é possí-vel: sentar para brincar junto.

Depois faz referência ao sen-tido que dá às cores, de mulhere de homem, diferenciando-as.J: Massinha vermelha nas suaspeças e verde nas minhas.T: É verdade, as minhas peçasestão com massinha vermelha eas suas com massinha verde.J: É porque vermelho é cor demulher e verde é cor de homem.T: Então existem cores de mu-lher e cores de homem.J: É.T: Então homem não pode usarvermelho e mulher não podeusar verde.J: Vamos jogar tia Claudia.

João não revelava disposiçãoem mexer nesta questão, por-tanto o seu momento, bemcomo a sua escolha foramrespeitados pela terapeuta.

Sessão L – outra orientaçãode pais

Desta vez a mãe traz um fatonovo: a presença de Michele, aprima de João no mesmo turnode aula, contudo em turmadiferente. Conta que João temsentido ciúme exagerado daprima.T: O que o leva a sentir ciúmeda Michele?Mãe: Ele tem estado desorgani-zado com os cadernos, sua

leitura piorou e ela só tira dez,lê muito bem. A verdade temque ser dita.T: De que forma você se com-porta em relação a isso?Pai: Ela elogia a Michele otempo todo na frente de João,agora diz para Claudia o quevocê diz ao João.Mãe: Às vezes eu fico nervosacom ele.Pai: E diz que ele é burro, quenão sabe ler.T: Parece então, Valéria, quevocê tem contribuído para ociúme de João com as suas ati-tudes.Mãe: É, eu sei que eu tenho queter mais calma com ele, eu voupensar nisso, talvez eu estejamesmo reforçando esse ciúme.

A mãe sempre quis umafilha menina, quando Joãonasceu, num primeiro momen-to, apresentou sentimentos derejeição, alegando que a cri-ança estava trocada no hospital.Mesmo em sua segundagravidez não conseguiu umamenina.

Os pais têm apresentadodivergências em relação à edu-cação de João. Trabalho aquestão da comunicação entreeles. A mãe acha que o pai pro-tege o João. O pai acha queJoão não pode bater no irmãoporque é menor.

De forma geral, os paisrelatam que João tem apresenta-do melhoras em casa e em seusrelacionamentos mostra-se maisflexível. A sua relação com oirmão melhorou. Os pais, junta-mente com João, também vêmcrescendo. O crucial é o esforçoque vem sendo feito a no com-

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prometimento com a psicotera-pia e com a orientação de pais.

Sessão M

Nesta sessão, mãe pede parafalar comigo antes de Joãoentrar. Peço autorização a ele.João permite.Mãe: João hoje está muitoagressivo, bateu nos primos, noirmão e me desafiou e eu batinele. Isso é normal?T: Interessante Valéria, quandovocê o trouxe aqui, uma dasqueixas era de que João apa-nhava de todo mundo e hoje elebate.Mãe: É, mas ele saiu de umextremo para o outro.T: É normal que isso aconteça,assim como ele teve a possibi-lidade de sair de um extremopara o outro, ele também terá apossibilidade de encontrar parasi uma situação de equilíbrio.Tudo isso, Valéria, faz parte deum processo de descobertas etransformações e é importanteque nós possamos respeitar oritmo de João. É como arrumaro armário, ele está tirando tudode dentro do armário e arru-mando ao seu modo. Entãovamos permitir que ele faça istono seu tempo.Mãe: Obrigada Claudia, agoraeu estou mais tranqüila, eu mequestionei hoje se eu deveriatrazê-lo, mas quando fui falarcom ele, ele disse que viria dequalquer jeito, que ele gostavade vir aqui e eu não podiaimpedir.

Então João entra e dá umafigurinha da Barbie para a tera-peuta e a abraça como de cos-tume.

J: Vamos jogar este.T: Você quer jogar Top letras.J: É.

Com criatividade e perspicá-cia João constrói as palavras.Tenta criar palavras que nãoexistem, troca letras, pedeletras emprestadas.T: Eu acho que essa palavra nãoexiste.J: Existe sim.T: O que é que ela significa?J: Ah não sei tia Claudia.T: Mesmo não sabendo vocêquer montar esta palavra.J: A gente pode inventar.T: Ok, então a gente podeinventar palavra.J: É.

A terapeuta pretendeu cons-cientizar João de que estavatransgredindo as normas do jogoque ele mesmo se propôs ajogar. Quando ele argumentacom a terapeuta e revela o dese-jo de inventar, ele mesmo criauma nova possibilidade no jogo.

Então decide jogar pega-varetas. Pega as varetas e joga.J: Primeiro as damas.T: Você quer que eu comece.J: É.J: Não valeu, elas estavammuito separadas, vou jogar denovo.

Pega as varetas e joga-as denovo da mesma maneira.J: Agora eu vou começar.T: Não vale, elas estão muitoseparadas.J: Vale sim.T: Não valeu para mim, só valepara você.J: É.T: Parece que tem que ser comovocê quer. É assim tambémcom seus amiguinhos?

J: É, mas até que eu estou me-lhor, mas tenho fama demandão.T: E como é ter esta fama demandão?J: Às vezes é bom, às vezesnão, sou assim também em casacom a minha família. Às vezes!Vamos jogar.

João não permite a con-tinuidade da conversa. Con-tudo, o importante é que hojeJoão percebe a si mesmo eassume responsabilidade pelaconstrução que faz de simesmo. Cabe a ele a decisão detransformar isso ou não.

Sessão N

A terapeuta sugere hoje queJoão desenhe o seu própriomundo, como ele é.2

J: Eu adoro desenhar, na escolaeu fiz um desenho só assim(mostrou com formas geométri-cas) e ficou lindo. Os desenhosmais bonitos vão para o muralda escola e o meu foi.T: Como você se sentiu quandoo seu desenho foi para o mural?J: Ah, eu fiquei muito feliz.

Enquanto desenhava, co-mentava sobre o desenho doseu mundo.J: O desenho está todo sujo,está feio.T: Você acha que o seu desenhoficou sujo e feio.J: É, está sujo, mas não temproblema, eu não vou mostrarpara ninguém mesmo.T: E se mostrasse, o que pode-ria acontecer?

A terapeuta trabalha comJoão então o risco de aventurar-se, de ser no mundo em suatotalidade.

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J: As pessoas vão rir de mim, aíeu também vou ter que rirdelas.T: Por que você acha que elasvão rir de você?J: Por causa do desenho sujo,vão me sacanear.T: Você só mostra então osdesenhos limpos e bonitos, senão vão te sacanear.J: Nem sempre, mas eu gostode mostrar os desenhos bonitospara não me sacanearem. Outrodia na escola, uma garota mesacaneou com uma resposta eeu respondi também, se mebatem, eu bato também. Nemque seja o meu irmão pequenocom um tapinha na bunda, eutenho que devolver.

João mostra preocupação coma crítica e o juízo do outro. A te-rapeuta vai trabalhando a suapreocupação com o outro e pro-movendo de certo modo o risco.

Nesse momento, João haviapedido a terapeuta que dese-nhasse um homem e uma mu-lher, olha para o desenho e diz:por que você não coloca umclima romântico, faz eles numlugar romântico.T: Você quer que eu faça elesnum lugar romântico.J: É.T: Que lugar?J: Assim, olhando o mar.T: Você quer que eu os desenheolhando para o mar.

A terapeuta desenha, con-forme a solicitação de João.J: Ah, tia Claudia, agora pinta.

A terapeuta começa a pintara calça do homem de azul.J: Tia Claudia, por que é quevocê sempre pinta a roupa dehomem de azul?

T: Na verdade João, eu nuncadesenhei para você antes umhomem de roupa azul, mas esteeu estou desenhando.

Propositalmente, a terapeutapinta a camisa do homem derosa.J: Não, homem não usa rouparosa, vai ser chamado de bicha.

A terapeuta trabalha a situa-ção na pessoalidade, na vivên-cia particular e concreta deJoão.T: Você não usa roupa rosa?J: Não, só em casa, se não vãome chamar de bicha na rua.T: Então, você só usa rouparosa em casa, se não vão techamar de bicha na rua.J: É.T: Ninguém nunca te viu deroupa rosa?J: Só um amigo meu que foi láem casa, mas ele não contoupara ninguém.T: E se ele contasse?

Terapeuta investe em traba-lhar o risco com João.J: Ele não vai contar.T: Engraçado, eu conheçohomens que usam roupa rosa enão são bichas, o meu maridopor exemplo usa camisa rosa; econheço bicha que usa roupaazul.

Neste momento, terapeutadá um auto-relato ao clientevisando trabalhar a singulari-dade frente à generalização.J: Mas rosa é cor de mulher,existem cores de mulher e coresde homem, tem cores, cinza epreto, que os dois podem usar.Rosa é de mulher, azul e verdeé de homem.

A terapeuta volta em suaintervenção.

T: Eu conheço bicha que usaazul e conheço homens queusam rosa.J: Eu não uso.T: Ah, então você não usa.

João quando diz isso, elepróprio sai da generalização epercebe-se singular, afinal é elequem não quer usar.

Olha para o desenho da te-rapeuta e percebe algo maisfora de seus padrões.J: Ah, tia Claudia, você pintouo vestido dela de verde, tinhaque ser rosa.T: É eu pintei de verde, sabeque eu gosto de usar verde.J: Tudo bem, o desenho é seumesmo.

Então João percebe-se sin-gular e começa a respeitar asingularidade do outro também,neste caso o referencial da te-rapeuta.

Sessão O

Hoje a terapeuta sugere aJoão a técnica da roseira.3

T: Eu tenho uma brincadeiraque é de faz de conta. Vocêquer brincar?J: Como é?T: É assim, você fecha os olhose imagina que é uma roseira(João fecha os olhos). Entãocomo é a sua roseira, grande,pequena, como ela é, quemcuida dela, onde ela mora...(continua a estimulação com asconsignas) PAUSA. Agoradesenhe a roseira que vocêimaginou que seria.

Com a roseira já desenhada,cliente e terapeuta conversam.T: Então, você gostaria de falarde que tipo de roseira você é?J: É uma planta, a minha planta

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é daquelas que vão crescendo,crescendo e sobem em tudo.Ela vive dentro de casa.

Interessante o comentário deJoão sobre a sua planta, que vaicrescendo, crescendo.T: E quem cuida dela?J: A minha mãe e ela está indopara o outro lado, eu desenheierrado.T: Ah, a sua mãe cuida de você,mas ela está indo para o outrolado, você desenhou errado.J: É.T: Mais alguém cuida de você?J: Eu não desenhei, mas temoutras pessoas que vivem aqui,meu pai e meu irmão.T: E a sua planta gosta de quetempo?J: De chuva.T: Ih, eu estou vendo um solaqui.J: Gosta dos dois. Agora vamosdesenhar um animal.T: Você quer desenhar um ani-mal?J: É, o que você acha?T: Acho legal.J: Então vamos.

João desenha um tigre.T: Você quer falar do animalque desenhou?J: Eu queria ser um tigre,porque ele é todo pintado.T: Ah, você gostaria de ser umtigre porque ele é todo pintado.O que é isso? (a terapeuta per-gunta apontando para as gradesque parecem de uma jaula).J: É uma jaula.T: Você vive dentro da jaula?J: Eu não gosto de ficar dentroda jaula, eu fujo dela. Vamosjogar, vamos jogar.

João não permite conti-nuidade ao assunto. Lembrando

do tigre inicial, quando revela-va um desejo de destruição dafamília, agora o tigre tem outrosignificado.

Sessão P

Hoje, João chega, pega umafolha e diz: vamos desenhar?T: Você quer desenhar?J: Quero que você desenhecomigo também.T: Você quer que eu desenhecom você também.

Então João faz vários rabis-cos no papel, rabiscos colori-dos. João parecia extremamentesatisfeito em rabiscar o papel,porém o fazia com agressivi-dade.

A terapeuta arrisca:T: Você parece estar com raiva.J: É, sempre que eu fico comraiva eu gosto de desenhar.T: E agora, você está comraiva?J: Agora não, mas é muito bomfazer isso.

Então terapeuta e clientefazem rabiscos em papeldurante toda a sessão.

Ao final, João pede à tera-peuta: me dá o seu desenho?T: Dou.J: Então escreve uma men-sagem atrás para mim.T: Você quer que eu escrevauma mensagem atrás paravocê?J: É, você escreve?T: Escrevo sim.

A mensagem da terapeutapara João: “Com carinho para omeu cliente. Te gosto muito.Beijos da sua psicoterapeuta.Claudia.”

Enquanto isto João desenhauma caixa em formato de

coração e dá à terapeuta juntocom os seus rabiscos e umamensagem.J: Eu adorei o que vocêescreveu, eu te amo muito,obrigado.T: De nada, você conquistouisto, fico feliz que você tenhagostado.

João abraça a sua terapeuta evai embora, parecia feliz. Odesenho, o rabisco, enfim todasas formas de expressão possi-bilitam à criança a revelaçãodaquilo que sente.

Cada vez mais João revelasegurança e menor carga deansiedade.

O vínculo entre João e a suaterapeuta mostra-se tão funda-mentado e delimitado, que foipossível sem receio que a tera-peuta dissesse a ele o quantoela gostava dele.

Sessão Q

João decide nesta sessãobrincar com as sucatas.J: Vamos brincar com essascoisas (pega o saco de sucatas).

João pega a caixa de ovo deisopor.J: A gente pode fazer um com-putador, essa parte é de escre-ver (mostra referindo-se aoteclado).T: Você gostaria de montar umcomputador.

Mexe no saco de material.J: Tive uma idéia melhor, vocêfaz um presente para mim e eufaço um para você.T: Você quer que eu faça umpresente para você e você vaifazer um para mim.J: É.T: Está bem.

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Então com o materialdisponível, terapeuta e clientefazem em parceria, visto queJoão solicitava, pedia opiniões.

Então criam duas bonecascom cara de Barbie.

A terapeuta constrói a delacom vestido verde e azul e Joãofaz a dele com vestido rosa.

João comenta: vestido ver-de, ficou bonita!T: É, eu adoro verde, hoje estouvestida de verde.J: Nem tinha reparado tiaClaudia. A minha está de rosa,eu gosto de rosa.T: Está muito bonita a suaboneca, mas você já pensou setodo mundo gostasse só derosa, ou só de verde?J: É, tem gente que gosta, temgente que não.

Depois faz um porta-retratocom as sucatas e diz que é umpresente para a terapeuta.T: Obrigada João, muito criati-vo o seu porta-retrato.

Assim, terapeuta e João con-tinuaram o seu caminhar nestarelação. A terapeuta acompa-nhava cada cultivo e cada co-lheita de João, auxiliando-o acada passo, a cada descoberta.Cada vez mais João, assimcomo a sua planta, crescia ecrescia. Em cada atitude ia seassumindo e se revelando. Acada escolha, uma nova con-quista, novas possibilidades.Passado o tempo, aproximada-mente de um ano e meio, Joãochega ao consultório, enfim,com um novo desafio. Haviadecidido, já em tempo, comple-tado oito anos de idade, cami-nhar sozinho, sem o auxílio desua terapeuta.

Neste dia sugere uma ativi-dade artesanal.J: Vamos brincar de artesanato?T: Você gostaria de brincar deartesanato?J: É, eu vou fazer uma coisa evocê vai me copiando. Quero teensinar a fazer uma coisa.

Enquanto fazem a dobradurade papel, conversam.J: Tia Claudia, eu andei pensan-do, sabe eu gosto de vir aqui,mas acho que é cansativo paraminha mãe me trazer aqui todasemana. Acho que eu não vouvir mais.T: Você não quer vir maisporque é cansativo para a suamãe.J: Também, mas na verdadeacho que eu não preciso maisda terapia.T: E o que te faz acreditar quevocê não precisa mais da te-rapia?J: Eu estou bem melhor.T: De que forma você se sentemelhor?J: Está vendo (mostra a boca),eu não mordo mais a língua e aboca. Não sou mais nervosocomo era antes. Agora já nãotenho mais medo. Eu já mesinto bem.T: Então você realmente já sesente bem.J: É, agora se eu quiser voltar,eu posso?T: Sim pode, mas eu espero quevocê não volte, prefiro que vocênão precise mais de mim, afinalnão sei quem está mais cansadoda cara do outro, se é você demim, ou eu de você, afinal vocêtoda semana aqui (a terapeutadá um ar de brincadeira e de li-bertação à situação).

João rindo: É verdade.Então João pergunta: gostou

do gatinho que eu te ensinei?T: Gostei muito. Ficaram lindos.J: Vamos trocar.T: Você quer trocar?J: Quero.T: Vamos colocar os dois paraconversarem?J: Vamos.T (como gatinho): E então ga-tinho o que você gostaria dedizer antes de ir embora?J: Que você me ajudou muitoaqui e que eu vou sentirsaudades, obrigado por tudoque você fez por mim.T: Na verdade foi você quemfez por você, eu só te dei umamãozinha.

João desenha uma mala ecola no seu gatinho.J: Eu vou levar comigo nestamala tudo de bom que eu fizaqui com você e aqui (pega umpapel e anota um número detelefone) é o telefone da casa daminha tia, se você quiser podeligar para mim.T: Ah, sim quando você quiserpode ligar para mim tambémpara me contar sobre você, eurealmente vou querer sabernotícias suas.J: Pode deixar que eu vou teligar. Eu trouxe também umafoto minha para você guardarde recordação, você pode botarse quiser naquele porta-retratoque eu fiz aqui e queria umafoto sua.T: Você quer uma foto minha?J: Quero.T: Mas eu não tenho foto aqui.J: Então você me manda pelocorreio.T: Está combinado.

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Conforme combinado, trêsmeses depois a terapeuta enviauma foto para João. Passadoalgum tempo, logo depois doúltimo Natal, João liga e dizque está com saudades, mostrainteresse e pergunta se pode vera terapeuta. Então marcam umdia no consultório.

O encontro foi um sucesso,João mostrava-se muito bem emsua caminhada e não demonstra-va nenhum desejo ou necessi-dade de voltar para terapia, con-tou que passou de ano na escolae falou das coisas novas quehaviam acontecido. Vale ressal-tar que, já há algum tempo, Joãonão tomava mais medicação,pois com a sua melhora foi sus-pensa pelo próprio neuropediatraque o acompanhava.

Neste momento, cessa a vi-vência terapêutica, uma escolhado próprio agente deste processo,o cliente que, agora conscientedas suas possibilidades, cami-nhará com os seus próprios péscomo guia, o que nunca deixoude fazê-lo, porém agora assumin-do a responsabilidade pela rédeado destino em suas própriasmãos. Inicia então o árduo cami-nho por vivenciar a sua própriaverdade, antes velada pela cole-tividade, pelo anonimato, pelaimpessoalidade. O desvenda-mento do ser em si mesmo acon-tece como um processo comJoão, em sua singularidade, espa-cialidade e temporalidade, eis oobjetivo da psicoterapia.4

“Produzir diante de si mesmoo mundo é para o homemprojetar originariamente suaspróprias possibilidades.”Martin Heidegger

NOTAS

1. A publicação das sessões com Joãofoi autorizada pela mãe do próprio,sob a condição de que os nomes e osdados de identificação citados durantea explanação fossem fictícios, paraque possamos manter a idoneidade esigilo do cliente, portanto, qualquersemelhança é mera coincidência.

2. Técnica da Violet Oaklander do livroDescobrindo Crianças.

3. do livro Descobrindo Crianças, deViolet Oaklander.

4. Agradecimentos especiais aos profis-sionais e amigos que contribuíram parao sucesso do tratamento de João, comoAna Maria Lopez Calvo de Feijoo comas supervisões deste caso, e Dr. Jair Luizde Moraes como neuropediatra de João,o responsável pela indicação e pelotratamento medicamentoso. Agradeci-mento aos pais pelo comprometimentocom as orientações, com o cumprimentodas sessões e pela autorização da publi-cação. A João por ter possibilitado aoportunidade de atendê-lo e me permitirentrar em seu mundo, enriquecendocada vez mais o meu aprendizadoprofissional.

REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS

AXLINE, Virginia. Ludoterapia. BeloHorizonte: Interlivros, 1984.

FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de.Apostilas do curso de formaçãodo IFEN. Rio de Janeiro: 1996.

FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de.A psicologia fenomenológico-existencial. Rio de Janeiro:Informativo USU do curso depsicologia, 1995.

OAKLANDER, Violet. Descobrindocrianças. São Paulo: Summus,1980.

SATIR, Virginia. Terapia do grupofamiliar. Rio de Janeiro:Francisco Alves, 1976.

Claudia Guimarães é Psicoterapeuta, fazpsicodiagnóstico e orientação vocacional,é aluna do curso de Formação do IFEN etrabalha com violência doméstica naABRAPIA .

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