Revista de Sociologia e Política · REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 48: 19-50 DEZ....

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Revista de Sociologia e Política Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons. Fonte: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782013000400002&lng=pt&tln g=pt. Acesso em: 21 ago. 2020. REFERÊNCIA SILVA, Rafael Silveira e; ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. Ainda vale a pena legislar: a atuação dos agenda holders no Congresso brasileiro. Revista de Sociologia e Política , Curitiba, v. 21, n. 48, p. 19-50, dez. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782013000400002. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782013000400002&lng=pt&tln g=pt. Acesso em: 21 ago. 2020.

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  • Revista de Sociologia e Política Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob

    uma Licença Creative Commons. Fonte: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782013000400002&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 21 ago. 2020. REFERÊNCIA SILVA, Rafael Silveira e; ARAÚJO, Suely Mara Vaz Guimarães de. Ainda vale a pena legislar: a atuação dos agenda holders no Congresso brasileiro. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 21, n. 48, p. 19-50, dez. 2013. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-44782013000400002. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-44782013000400002&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 21 ago. 2020.

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 48: 19-50 DEZ. 2013

    RESUMO

    AINDA VALE A PENA LEGISLAR:A ATUAÇÃO DOS AGENDA HOLDERS

    NO CONGRESSO BRASILEIRO

    Rafael Silveira e Silva Suely Mara Vaz Guimarães de Araújo

    ARTIGOS

    Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 21, n. 48, p. 19-50, dez. 2013Recebido em 12 de julho de 2012.Aprovado em 15 de outubro de 2012.

    O artigo analisa a estratégia de atuação de parlamentares que se dedicam e se destacam na articulação política naarena de produção de leis, denominados agenda holders. O objetivo é apresentar os marcos analíticos e o delinea-mento desse conceito no âmbito dos Estudos Legislativos e propor estratégias metodológicas para a observação eanálise desses agentes políticos no Congresso Nacional. Foram empregadas três abordagens diferenciadas, cadaqual formulada no sentido de selecionar casos em que os parlamentares foram protagonistas nos processos legislativos.Analisaram-se vários exemplos, entre os anos 2007 e 2011, que envolveram o fenômeno da apropriação da agenda dopoder Legislativo, os processos legislativos realizados por meio das comissões especiais na Câmara dos Deputadose a participação dos relatores na tramitação das medidas provisórias. Tais abordagens metodológicas foram bemsucedidas, resultando em interessantes observações acerca dos requisitos compartilhados para a atuação do parla-mentar como agenda holder, tais como sua experiência pregressa e possíveis especializações, a seniority no Congres-so e sua capacidade de negociação. As análises também permitiram observar uma ligação consistente entre assumira condição de agenda holder e sobrevivência política, bem como as diferenças de atuação entre deputados e senado-res. Ademais, foi possível verificar a existência de parlamentares que podem assumir, de acordo com algumas circuns-tâncias, o papel de anti-agenda holders. Compreende-se que estudos sobre o comportamento dos agenda holderspodem enriquecer as análises que abordam as ações do poder Legislativo, enfatizando, ainda, a necessidade de umavisão mais apurada sobre a dinâmica da relação entre o Congresso e o poder Executivo. Além disso, explora-se poroutro prisma a construção de carreiras políticas, inserindo grau de relevância nas ações dos parlamentares noprocesso legislativo, a despeito de todas as dificuldades e limitações. Desse modo, também se resgata o lugar dosparlamentares na moldagem da agenda legislativa em senso estrito e na atividade primária de formulação das leis.

    PALAVRAS-CHAVE: agenda holder; parlamentares; carreira política; Congresso; metodologia.

    I. INTRODUÇÃO1

    Da forma que foi desenhado, o sistema políticobrasileiro assegura um controle da produção legal deforma quase imperial ao poder Executivo. Verifica-seque pelo menos 80% das leis federais são oriundas deproposições legislativas de autoria formal do Presidenteda República, considerando projetos de lei comple-mentar, projetos de lei ordinária e medidas provisórias(PEREIRA & MUELLER, 2000, p. 65; FIGUEIREDO& LIMONGI, 2001, p. 50-51; AMORIM NETO &SANTOS, 2003, p. 664; PEREIRA, POWER &RENNÓ, 2005, p. 403; AMORIM NETO, 2006, p.

    130). Em contraposição, apenas 1,9% das iniciativasdos parlamentares brasileiros foram convertidas emlei durante o período de 1990 a 2006 (GARCÍAMONTERO, 2009).

    Talvez o país que mais se assemelhe ao Brasil sejaa Argentina, onde as taxas de aprovação dos projetosde iniciativa dos parlamentares alcançou pouco maisde 4,2%, entre 1984 e 2007. No entanto, ao contráriodo que se pode esperar, os legislativos da maioria dospaíses latino-americanos conseguem converter seuspróprios projetos em lei, na média, a taxas superioresa 20%, mesmo contando com poderes executivosfortes na área legislativa (idem)2.

    1 Versão preliminar deste trabalho foi apresentada no I Seminá-rio Internacional Instituições, Comportamento Político e Geo-grafia do Voto (Geovoto), realizado em Brasília, em maio de2012, e no VI Congreso Latinoamericano de Ciencia Política deAlacip, realizado em Quito, em junho de 2012. Os autores agra-decem os comentários feitos pelos professores Marcelo Leiras,Lucio Rennó, Denilson Coêlho e Alejandro Bonvecchi, bem comoaos pareceristas anônimos da Revista de Sociologia e Política.

    2 De certa forma, quase todos esses países possuem presiden-tes fortes, mas a configuração institucional entre os poderes decada república determinam resultados legislativos variados. Bastacomparar o exemplo do Chile, cuja presidência é tão forte comoa brasileira em termos de capacidade legislativa, porém apresen-ta perfil bem diferenciado quanto à participação dos projetos delei dos parlamentares nos respectivos arcabouços legais.

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    No Brasil, esse quadro de preponderância doExecutivo sobre o Legislativo na esfera legiferante temsido explicado, principalmente, pelas regras presentesna própria Constituição Federal, que asseguram aoPresidente da República (i) a iniciativa exclusiva naapresentação das proposições legislativas quedisponham sobre a administração pública federal emsenso estrito ou sobre a questão orçamentária; (ii) aprerrogativa da adoção das medidas provisórias e (iii)o poder de solicitar urgência da tramitação dos projetosde lei complementar ou ordinária de sua autoria3, assimcomo pela capacidade de centralização do processodecisório no Congresso Nacional nos líderes dospartidos políticos que integram a base política dogoverno. O poder Executivo, na prática, em açãoarticulada com os líderes, seria o responsável peladefinição da agenda legislativa.

    A leitura mais frequente é a de um CongressoNacional integrado por parlamentares passivos, que“carimbariam” as propostas encaminhadas peloPresidente da República e chanceladas pelos líderesda base aliada. Os deputados federais e senadores, emgrande medida, delegariam a tarefa de legislar. Essanoção ainda é reforçada quando se considera que oExecutivo “detém a prerrogativa de iniciar a legislaçãode maior interesse e, dessa forma, pode explorarestrategicamente esse direito” (LIMONGI &FIGUEIREDO, 2009, p. 77), indicando que o raio deatuação do parlamentar é limitado por apenas agir apóso governo ter apresentado sua proposta. O elevadoíndice de sucesso das proposições legislativasapresentadas pelo Executivo costuma ser colocadocomo respaldo empírico dessa leitura.

    Nesse quadro, a atuação dos parlamentares na arenalegislativa, entendida aqui como a arena da produçãode leis4, tende a ser considerada pouco proveitosapoliticamente, dada a difícil obtenção de frutos geradosdiretamente no campo eleitoral. Para alguns, importariamais que os parlamentares mantivessem relações decordialidade com um Executivo que tem autoridadefinal sobre a alocação de verbas para o atendimentodas demandas das bases eleitorais, do que propriamentelegislar (AMES, 2003)5. Para outros, o que realmente

    conta é assegurar a coordenação necessária para aaprovação da “agenda da maioria”. Esta seria espelhadapor meio das propostas do Executivo e representaria avontade dos partidos membros da coalizãogovernamental (LIMONGI & FIGUEIREDO, 2009).

    Mesmo que a atividade parlamentar na arenalegislativa enfrente constrangimentos institucionais,defendemos que a análise mais detida sobre os trabalhosdo Parlamento pode lançar novas luzes sobre a interaçãoLegislativo-Executivo no que concerne à estruturaçãoda agenda governamental e à formulação das baseslegais das políticas públicas. Não se pode negligenciarque há parlamentares, de diferentes vínculospartidários, que assumem papel relevante em váriosprocessos que tramitam no Congresso Nacional,destacando-se na articulação sobre as matérias emdebate, bem como na tradução dessa articulação emtextos que garantem consistência política e técnica àsleis produzidas. Esses parlamentares seriam os agendaholders (SILVA & ARAÚJO, 2010; ARAÚJO & SILVA,2012).

    Neste artigo, buscaremos delinear o conceito e asestratégias metodológicas para mapear a atuação dessesparlamentares. As questões principais são (i) estudarcomo e em que condições um parlamentar se tornaum agenda holder, proporcionando uma visão maisdetalhada da relação entre os Poderes Legislativo eExecutivo; e (ii) identificar o que necessita ser analisadono processo legislativo movido pelos parlamentarespara a construção das próprias carreiras políticas, adespeito de todas as dificuldades e limitações. Dessemodo, também se resgata o lugar dos parlamentaresna construção da agenda legislativa e na atividadeprimária de formulação das leis.

    Consideramos que a realidade do CongressoNacional é complexa e que as variáveis geralmenteutilizadas nos estudos legislativos sobre o caso brasileironão conseguem captar todas as diferentes facetas doprocesso que perpassa a elaboração de leis (ARAÚJO& SILVA, 2012). Para que se alcance maior robusteznas análises sobre o Parlamento, exige-se umaprofundamento sobre o grau de repercussão daatuação do próprio parlamentar, que ultrapasse a leiturade atores agindo somente segundo o esquemadicotômico de apoio ou combate às propostas doExecutivo. Nesse esforço, parece indicada acombinação de estratégias metodológicas qualitativas

    3 A fundamentação desses mecanismos institucionais está nosarts. 61, § 1º, 62, 63, 64, § 1º, 165 e 166 da Constituição Federal.4 Consideramos como “arena orçamentária” toda atividade queenvolve a aprovação e a execução orçamentária.5 O poder de emenda aos projetos das leis orçamentárias res-tringe-se às verbas alocadas para investimento e não podemenvolver gastos destinados a pessoal e serviço da dívida (art.166 da Constituição Federal). Há limitações adicionais quantoao número e ao valor das emendas parlamentares impostas porregras internas do Congresso Nacional. De forma geral, são regi-

    mental e politicamente priorizadas as emendas coletivas(LIMONGI & FIGUEIREDO, 2009, p. 81). Se individualmen-te considerados, os membros do Legislativo estão sujeitos naarena orçamentária a limitações ainda mais fortes do que na arenalegislativa.

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    II. CAMINHOS PARA A ATUAÇÃO PARLAMENTAR

    Para avaliar-se a capacidade legislativa dosparlamentares, deve-se adotar como universo decomparação o conjunto de matérias cujo poder deiniciativa é compartilhado entre o Executivo eLegislativo6, bem como se faz necessário levar emconta as alterações realizadas pelos parlamentares nasproposições legislativas apresentadas pelo Presidenteda República, no curso do processo legislativo. Aindanão há banco de dados amplo disponível sobre essasalterações. No entanto, impõe-se compreender que ainiciativa das proposições legislativas não assegura, porsi só, que o produto final dos processos reflita aspreferências do Executivo. Não se podem gerarconclusões sobre a arena legislativa apenas em facedas restrições institucionais que moldam seufuncionamento, sem estudar também a sua dinâmicainterna na prática e respectivos outputs.

    No trâmite de projetos de lei, em grande parte dosprocessos gera-se substitutivo7, ou mesmo váriossubstitutivos. No caso das medidas provisórias,qualquer alteração, de pequena ou grande monta, impõea formulação de projeto de lei de conversão8. Sementrar no mérito das alterações, tomando-se paraanálise, por exemplo, as leis sancionadas no ano de2010, originadas de medidas provisórias, verificam-secasos concretos de ampla participação do Congressona configuração final da lei, especialmente nas matériasnão inclusas na esfera da iniciativa privativa doPresidente da República. Ao mesmo tempo, constata-se que, nas propostas relativas à gestão da máquinagovernamental, os parlamentares tendem a não fazeracréscimos ou mudanças significativas nas propostasdo Executivo (idem, p. 65-66). Há, também, muitoscasos em que as proposições encaminhadas peloPresidente da República são apensadas a propostassimilares de autoria de deputados ou senadores,

    previamente em trâmite no Congresso Nacional, assimcomo o fenômeno da apropriação, no qual projetos delei ou medidas provisórias do governo são inspiradosem propostas dos parlamentares previamenteapresentadas (SILVA & ARAÚJO, 2010; ARAÚJO &SILVA, 2012).

    Em face disso, no que tange à atuação parlamentar,deve-se ter cautela ao julgar resultados pelo quantitativode leis e sua autoria formal. É necessária maior atençãopara os processos legislativos e suas diferenças, bemcomo para os resultados de cada uma de suas etapas.

    Como destacado de início, mesmo havendodiferentes leituras sobre os mecanismos que norteiama atuação parlamentar em nosso presidencialismo decoalizão, predomina o entendimento de que o fortepoder legiferante do Presidente da República e acentralização do processo decisório nas mãos doslíderes partidários no Congresso Nacional tendem atornar inócua a ação independente e individual dosdeputados e senadores na produção de leis (ARAÚJO& SILVA, 2013). O curso de ação racional seria aatuação por intermédio dos partidos políticos, vistoscomo veículos praticamente obrigatórios para que ospolíticos tenham influência sobre as políticas públicase, dessa forma, pleiteiem mandatos junto ao eleitorado(FIGUEIREDO & LIMONGI, 2002).

    Embora coloque em evidência que o aumento dasprerrogativas do Executivo retira do Legislativocapacidade de efetivamente gerar contribuções para aformulação das políticas públicas, Santos (1997) admiteque os parlamentares possuem uma gama variada deestratégias para obter e defender seus mandatos. Dessaforma, mesmo que grande parte das matérias queganham destaque na pauta política sejam mediadas porum Presidente da República poderoso e por partidosfortes na arena legislativa, o referido autor não negaque pode haver oportunidades para ações parlamentaresindependentes e individuais.

    Entendemos que não pode ser desprezada arelevância do investimento dos parlamentares naapresentação de projetos de lei, a despeito das inúmerasbarreiras estabelecidas por nosso sistema político paraa aprovação dessas propostas. Devemos buscar talrelevância justamente na premissa de que o político,por razões individuais ou ideológicas, tem interesseem manter-se no poder, visando a reeleição ou aincrementar sua carreira política por diversos meios,entre os quais formular e aprimorar textos legais.

    Podemos traduzir essa atuação como uminvestimento em termos de capital político,especialmente quando há um reconhecimento dalegitimidade de determinado indivíduo para agir napolítica (MIGUEL, 2003). A lógica é simples: quanto

    6 Cerca de 40% das leis federais produzidas referem-se a atosnormativos pontuais, de iniciativa exclusiva do Presidente daRepública por força de previsão da Constituição Federal, refe-rentes a créditos orçamentários específicos. Cf. Silva e Araújo(2013).7 Formulam-se substitutivos quando as propostas de modifica-ção demandam muitas emendas pontuais e nas situações em quese intenta unificar em um único texto diferentes propostas.8 Ver art. 62, § 12, da Constituição Federal.

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    maior o capital político, maior legitimidade e maiordesenvoltura para atuar politicamente, permitindo aformação de redes partidárias e extrapartidáriasnecessárias à busca e manutenção do mandato eleitoral.

    Os atores procuram manter a capacidade detransitarem entre situações políticas distintas ou entreos partidos políticos, sem perderem suas posições dedestaque. Nessa perspectiva, ganha relevância oreconhecimento do significado de sua participação emprocessos que têm potencial para gerarem lei,atendendo à demanda de seus eleitores. Do ponto devista do parlamentar, o reconhecimento de sua atuaçãona aprovação de uma proposição legislativa, seja comoautor, seja como relator, coloca-o potencialmente emuma posição de destaque diante não somente doseleitores, mas também de seu partido político, dacoalizão de que faz parte (governista ou ou oposição)e de seu grupo temático, assim considerados as frentesparlamentares suprapartidárias organizadas em prol detemas específicos ou os grupos de pressão que tenhamvínculos com o parlamentar (ARAÚJO & SILVA,2013).

    Quando um parlamentar dedica-se a um ou maisprojetos de lei, seja como autor, seja como relator, elerealiza um investimento em seu capital político, quepoderá ter, direta ou indiretamente, repercussões noâmbito da conexão eleitoral. Com uma atuação eficaznessa linha, ele poderá ter ganhos políticos, tais comopassar a ser visto como interlocutor importante emdeterminado tema ou como um parlamentar“especialista”, ganhar expressão dentro do seu partidoou grupo partidário e, em decorrência, ser nomeadopara cargos no Legislativo, como a presidência decomissões ou postos nas mesas diretoras. Dependendoda questão em tela, também poderá chamar a atençãodo Executivo, obtendo acesso a importantes recursosna esfera daquele poder. Mesmo que se entenda que oque realmente conta é a agenda da maioria (LIMONGI& FIGUEIREDO, 2009), deve ser percebido que essedestaque poderá implicar a possibilidade de oparlamentar ser chamado a participar concretamentedo processo que delineia tal agenda.

    Dessa forma, torna-se relevante fazer parte dosprocessos de discussão e tomada de decisão sobre osprojetos de lei e outras proposições legislativas, nãoapenas no âmbito dos plenários das casas legislativas,mas também nas comissões permanentes e temporárias,especialmente quando o parlamentar está à frente dedeterminado processo, centralizando as negociaçõesem torno do futuro texto legal e servindo de ponto dereferência para o governo e os grupos organizados.Ou seja, aquele que está cuidando e orientando asdiscussões das matérias em tramitação, enfim, queconsegue atuar como agenda holder.

    III. AGENDA HOLDER: MARCOS ANALÍTICOS

    A primeira questão de pesquisa que se coloca ésaber diferenciar quem são os agenda holders e comoeles atuam, evitando distinções maniqueístas econsiderando a valorização do papel do Legislativo emsua função primária de formulação dos textos legais.Não se objetiva colocar em dúvida a relevância doExecutivo na produção das leis no país, mas sim trazerà tona elementos para que se compreendam ascontribuições dos parlamentares, que não se resumema aprovar propostas acordadas entre o governo e oslíderes partidários. Outra importante aspecto a serenfrentado é como estudar a atuação dos agendaholders.

    Essas questões configuram verdadeiros desafios,na medida em que a literatura não trata desse tema, anão ser quando, em estudos de casos, realizam-serastreamentos de processos que permitem observarcom detalhes as ações de alguns parlamentares. Aindaassim, nem sempre, nesses estudos de caso, consegue-se realmente aferir o grau de participação dos atorespolíticos na esfera legislativa.

    Abordaremos essas duas questões de formaintegrada neste trabalho, esperando despertar interessede outros pesquisadores para o conceito e a atuaçãodos agenda holders, para que se possam ampliar aspesquisas sobre o assunto.

    Considera-se que um parlamentar atua comoagenda holder quando, em determinadas matérias, “[...]centraliza articulações políticas entre os demaisparlamentares, o Poder Executivo e representantes doempresariado e da sociedade civil organizada, ematuação que tende a ter repercussões relevantes nostextos legais produzidos” (ARAÚJO & SILVA, 2013,p. 292).

    Um parlamentar que atua como agenda holder nãoo faz apenas quando é relator. Pode ser o próprio autorque acompanha a tramitação de sua proposição,participando ativamente das discussões e negociações,servindo de ponte ao(s) relator(es) ao longo doprocesso. Pode ser, também, o parlamentar noexercício de função similar à relatoria, como acoordenação de um grupo de trabalho ou mesmo opresidente de uma comissão, seja quando avoca a si arelatoria de uma matéria, seja quando contribuiativamente na condução das discussões.

    Fazendo algumas pontes com a literatura, julgamosque a figura do agenda holder supera a perspectiva dafunção de advisor ad hoc dos parlamentares,relacionada aos relatores por Santos e Almeida (2005),uma vez que o agenda holder não apenas especializa-se sobre determinada questão, contribuindo com

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    elementos informacionais, mas atrai para si parteimportante das negociações políticas. Ele pode,também, exercer a função de policy broker junto aoseleitorado e aos grupos interessados, reduzindo o graude conflito entre eles e contribuindo para que sealcancem outputs mais consensuais nos processos detomada de decisão relativos às bases legais das políticaspúblicas (SABATIER & JENKINS-SMITH, 1993;1999).

    Além disso, quando falamos de agenda holdersestamos vinculando a atuação do parlamentar ao méritodas propostas legislativas, bem como à viabilização daproposta para ser discutida e votada nas váriasinstâncias de cada casa legislativa. Isso pode remeter-nos, eventualmente, à figura do agenda setter. Noentanto, aqui temos de diferenciá-lo do agenda holder,na medida em que o primeiro exerce uma função formale específica que o capacita a inserir propostas nas

    pautas de discussão e votação de determinada arenadecisória. Isso, por si só, não garante que ele seja umagenda holder, a não ser que também tenha influêncianas discussões e nas articulações que favoreçam otrâmite legislativo.

    Deve ser dito que a condição de agenda holder nãodetermina que o parlamentar seja neutro, embora doponto de vista democrático e da qualidade legislativa,agir dialogando e interagindo com as partes interessadasem um projeto de lei, buscando solução de equilíbrio,pareça ser a atitude mais desejável para um parlamentarcom essa condição. O que se quer dizer é que, conduziruma agenda, ainda que com viés, atraindo a atençãodas partes envolvidas, entre elas o governo, e,principalmente, gerando produtos que podem envolverdesde a produção de um parecer até a construção deum texto que venha a se tornar lei, já torna o parlamentarum forte candidato a agenda holder.

    FIGURA 1 – NÍVEIS DE ATUAÇÃO DOS AGENDA HOLDERS

    FONTE: Os autores.

    De acordo com a Figura 1, o agenda holder queocupa a posição “AH1” é o que se vale da vantagem deser agenda setter para atuar ativamente sobre certamatéria e, concomitantemente, promove umaaproximação entre as partes interessadas, de maneiraa conduzir a matéria da maneira consensual possível.Desse modo, podemos visualizar alguns graus deatuação como agenda holder conforme a posiçãoinstitucional (agenda setter) e a forma de atuação entreuma posição mais conciliadora (policy broker) e umaposição mais favorável a algumas partes envolvidas(viés). Dada a quantidade restrita de posições deagenda setting, deveremos encontrar atuações mais

    frequentes nos níveis “AH2” e “AH4”.

    Cabe então verificar quais estratégias metodológicassão adequadas para mapear os agenda holders.Primeiramente, poderíamos observar o conteúdoveiculado pelos meios de comunicação como a formamais rápida para verificar a que os parlamentares sededicam. É fácil compreender essa abordagem, tendoem vista que, no fundo, todos os políticos querematrair a cobertura da mídia para si, além de a maiorparte deles construírem estratégicas específicas paraisso. Miguel (2003) é um dos autores que procuraobservar a mídia como fonte de obtenção de capital

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    político, assumindo que a visibilidade oferecida pelosmeios de comunicação é condição importante para oreconhecimento público. Desse modo, a mídiainterferiria na estrutura da carreira política por meioda produção de capital político, conformando “atalhos”que permitiriam a postulação de cargos mais elevadose acesso mais efetivo às estruturas de poder.

    A título de exemplo, tomamos dois parlamentaresde partidos com linhas ideológicas e de atuação bemdiferenciadas e que podemos considerar, pelo conceitopor nós adotado, como agenda holders consolidados.Esses dois casos evidenciaram-se nas primeirasinvestidas de cunho exploratório sobre o tema (SILVA& ARAÚJO, 2010), mesmo antes de o conceito deagenda holder avançar com contornos mais nítidos.

    Constitui fato público e notório que o Senador PauloPaim (PT-RS) é um parlamentar que atrai demandaspolíticas em torno dos temas afetos à questãotrabalhista e previdenciária. Sindicatos, associaçõespatronais e a imprensa tratam-no como um dosresponsáveis pelo assunto no Congresso Nacional. “OExecutivo sabe que esse parlamentar estará envolvidonas negociações em relação a esses temas, composicionamento crítico mesmo no período em que seupartido esteja no poder” (ARAÚJO & SILVA, 2013, p.296). Outro exemplo ilustrativo é o da Senadora KátiaAbreu (PSD-TO). A parlamentar, que possui grandeinfluência no âmbito da Confederação Nacional daAgricultura e Pecuária (CNA), tem atuação de destaquenas negociações sobre a pauta política relacionada, diretaou indiretamente, à agropecuária. A chamada bancadaruralista é historicamente numerosa e poderosa, masseus membros não têm o papel de articulação dasenadora. O Executivo e a imprensa têm consciênciadisso.

    Embora a importância da mídia seja inquestionável,sabemos que a seleção por parte de quem cobre asatividades parlamentares recai sobre o que mais chamaa atenção do grande público. Esse aspecto é maisvalorizado do que o cerne dos debates das centenas deassuntos que são debatidos no dia-a-dia do CongressoNacional. A imprensa sabe, seja pela história, seja pelaposição estratégica do congressista, a quem procurar.No entanto, não se pode desprezar que há um forteviés nessa seleção, especialmente nos temas abordados.Na maioria dos casos, o parlamentar que aparece namídia, posicionando-se sobre determinada matéria, éum ator relevante do Congresso. Isso não quer dizerque esse parlamentar seja um agenda holder.

    É importante entender que há parlamentares queatuam como agenda holder que não têm aespecialização temática, nem a força de articulação,tão em evidência quanto nos exemplos do Senador

    Paulo Paim e da Senadora Kátia Abreu. Por isso,percebemos a necessidade de adotar estratégiasmetodológicas alternativas e também complementarespara estruturar as análises nesse âmbito, qualificando-as em termos de maior precisão acerca do processolegislativo e do papel exercido pelo parlamentar.

    Julgamos que as abordagens para a observação daatuação dos agenda holders podem ser concretizadaspor meio da análise temática, que se aprofunda noconteúdo dos debates que ocorrem no Legislativo, oupor meio dos mecanismos de centralização geralmenteadotados para a tramitação de algumas proposições.

    A análise temática exige um conhecimento detalhadodos assuntos tratados no Congresso Nacional, o querequer familiaridade com os atores envolvidos e coma forma que geralmente o Legislativo funciona. Umdos recortes metodológicos que podemos adotar paraverificar a atuação dos agenda holders pelo tratamentotemático é observar seus papéis nos processos deapropriação da agenda do Legislativo, nos quaistambém se pode observar a atuação do Presidente daRepública. Os casos aqui abordados relacionados aesse primeiro recorte já haviam sido trabalhadosanteriormente, com olhar mais voltado para os detalhesda apropriação (SILVA & ARAÚJO, 2010; ARAÚJO& SILVA, 2013).

    Pelos mecanismos de centralização, propomos,neste trabalho, dois caminhos adicionais que podemevidenciar os agenda holders: (i) o processo legislativorealizado por meio das comissões especiais na Câmarados Deputados e (ii) a participação dos relatores natramitação das medidas provisórias. O recorte temporaldo estudo empírico das comissões especiais e dasmedidas provisórias foi a 53ª Legislatura (2007-2011).

    Na sequência, desenvolveremos cada uma dessastrês trilhas metodológicas. Como já referido, as trêsalternativas são complementares, e não exaurem aspossibilidades de outros caminhos para o estudo dosagenda holders.

    IV. AGENDA HOLDERS E A APROPRIAÇÃO DAAGENDA DO LEGISLATIVO9

    O fenômeno da apropriação da agenda é verificadoquando projetos de lei ou medidas provisórias dogoverno são inspirados em propostas que tramitam noParlamento. A apropriação pode assumir diferentesfeições e graus, variando da simples abordagem nasproposições do Executivo de políticas que estavamanteriormente sendo tratadas pelo Congresso até a

    9 Para uma visão sistematizada desta seção, recomendamos vero Anexo I.

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    adoção de cópias literais de dispositivos ou deproposições legislativas em trâmite. Com isso, tambémse contrapõe a noção de que as matérias de interessedo Executivo têm origem exclusivamente dos órgãosda administração pública (SILVA & ARAÚJO, 2010).Excetuando-se as proposições caracterizadas como deiniciativa exclusiva do Presidente da República,constata-se que, no período de 1995 a 2010, 18,5%das medidas provisórias e 40% dos projetos de lei doExecutivo surgiram por meio da apropriação da agendado Legislativo (ARAÚJO & SILVA, 2012).

    A condição de agenda holder pode alçar oparlamentar a um relacionamento especial com o poderExecutivo, quando a matéria da qual está cuidando, oua própria atuação do parlamentar, chama a atençãodesse ator político poderoso. É nesse ponto que podeocorrer a relação entre a figura do agenda holder e ofenômeno da apropriação da agenda: quanto mais bemarticulada e desenvolvida a ideia (e o texto) daproposição dentro do Parlamento, maiores as chancesde haver interesse direto e, consequentemente, de aproposição ser apropriada pelo Executivo.

    As situações que envolvem apropriação da agenda,o agenda holder pode estar na condição de autor daproposição legislativa ou de relator que tenha produzidosubstitutivo que sofreu apropriação. Se esse atorpolítico conseguir tirar proveito desse processo, ouseja, se conseguiu participar antes ou durante atramitação das propostas do Executivo que resultaramda apropriação, ele poderá impulsionar sua carreira esuas chances de continuar compartilhando poder.Assim, há de se considerar que o fenômeno daapropriação pode trazer, também, uma oportunidadede aquisição de maiores recursos políticos para oparlamentar, ampliando as possibilidades de ele pleitearou indicar cargos no Executivo, ou de ter mais acessoà aprovação e liberação de emendas orçamentárias(LEONI, PEREIRA & RENNÓ, 2003; PEREIRA &RENNÓ, 2007). Nessa leitura, o estudo do fenômenoda apropriação pode relacionar as proposiçõeslegislativas iniciadas pelos congressistas e carreiraspolíticas, com possibilidade de mútuo benefício paraatores do Parlamento e do Executivo quando háaproximação de suas preferências (ARAÚJO & SILVA,2013).

    Neste primeiro foco do estudo sobre os agendaholders foram selecionadas situações de apropriaçãoque já se encontravam descritas por Silva e Araújo(2010), cujo trabalho abrangeu várias legislaturas,desde 1995. Essa opção deu-se em razão tanto de aapropriação tender a evidenciar a efetividade dosparlamentares na produção das leis, quanto do fato deos respectivos processos legislativos estarem com seurastreamento previamente realizado. Trata-se apenas

    de uma amostra. Há um conjunto extenso de outroscasos de apropriação que poderão ser estudados como intuito de identificar e analisar a atuação de agendaholders.

    Após releitura e análise cuidadosa de toda adocumentação dos 20 casos de apropriação levantadospor Silva e Araújo (idem), concluiu-se que, em setedeles, estavam presentes indicações de parlamentarescom características de agenda holders.

    Cabe explicar que, nos casos de apropriação, exige-se que o pesquisador realize a análise de cada etapa doprocesso, de modo a visualizar, em primeiro lugar, qualproposição legislativa resultou da apropriação. Dessaforma, é importante distinguir qual foi o “produto”, equal foi o “objeto” da apropriação, especialmente emque estágio encontrava-se no momento da formalizaçãoda proposição pelo Executivo.

    IV.1. Casos de apropriação

    No primeiro desses casos, o produto da apropriaçãofoi parte da medida provisória que originou as regrasdo programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Essamedida provisória (MP 459/2009) teve o seu capítulosobre regularização fundiária totalmente baseado emum texto produzido na Câmara dos Deputados, noâmbito do processo em que se discute, há anos, a futuraLei de Responsabilidade Territorial Urbana (LRTU) (PL3 057/2000 e apensos). O objeto da apropriação foi osubstitutivo produzido pelo último relator, o DeputadoRenato Amary (PMDB-SP), que estava pronto para avotação em plenário.

    Amary era deputado federal de primeiro mandato,mas também era um político experiente, com passagempela Assembleia Legislativa do estado de São Paulo edois mandatos como prefeito de Sorocaba, uma dasmaiores cidades do estado de São Paulo. Além disso,como é empresário do setor imobiliário, era especialistanos assuntos debatidos no âmbito da LRTU.

    Esse parlamentar mostrou sua capacidade dearticulação política com a aprovação, em 2007, de seusubstitutivo pela comissão especial criada na Câmarapara tratar da matéria. O processo já havia passadopor três relatores sem sucesso. Trata-se de debate queenvolve conflitos entre loteadores e incorporadoresimobiliários, entidades que integram o movimento dareforma urbana, o Ministério das Cidades, o Ministériodo Meio Ambiente e organizações não governamentaisambientalistas, órgãos de defesa do consumidor,registradores imobiliários e outros atores (ARAÚJO,2008).

    Mesmo com a aprovação na comissão especial,Amary não teve força para assegurar a colocação deseu texto em pauta para votação final no plenário da

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    Câmara, situação que, provavelmente, decorreu doesfriamento da demanda política pela LRTU após aocorrência da apropriação e a consequente inclusãodas normas sobre regularização fundiária na Lei doPMCMV. Assim, apesar de ter atuado como um agendaholder nos debates sobre a LRTU, Amary não obtevesucesso na fase final do processo na Câmara. Como oparlamentar era, à época, filiado ao PSDB, a condiçãode oposicionista na coordenação de tema com relevanterepercussão social pode ter levado o Executivo aincorporar o assunto na referida medida provisória,auferindo os dividendos eleitorais potencialmentegerados pela autoria das normas nacionais sobreregularização. Em face do gigantesco número defavelas e outras ocupações irregulares nas cidadesbrasileiras, cabe considerar que a votação final daLRTU, que não ocorreu até hoje, poderia ter contribuídopositivamente para a reeleição do parlamentar. O seupouco tempo de Câmara é outro aspecto que necessitaser ponderado. Ele pode não ter tido oportunidade deconsolidar a rede de relacionamentos necessária parafazer avançar uma matéria complexa como essa(ARAÚJO & SILVA, 2013).

    No segundo caso em que foi identificada a presençade um agenda holder, o produto da apropriação foi amedida provisória que gerou as normas nacionais sobreo acesso a medicamentos a baixo custo (MP 154/2003).O objeto da apropriação foi um projeto de lei de autoriado Deputado Eduardo Jorge (PV-SP), que se propunhaa disciplinar as farmácias populares (PL 4 702/1994).

    Eduardo Jorge era um parlamentar especializadoem saúde e seguridade social, tendo posteriormenteestendido sua atuação para a questão ambiental. É umpolítico experiente, que reunia, à época, um mandatocomo deputado estadual e quatro como deputadofederal, então pelo Partido dos Trabalhadores (idem).

    Na documentação relativa a esse processolegislativo, não há indicativos de que Eduardo Jorgetenha sido chamado pelo governo para negociar aapropriação. Considera-se, contudo, que sua condiçãode agenda holder permitiu que ele auferisse proveitospolíticos da lei do Executivo que foi aprovada. A ideiada “farmácia popular” permaneceu ligada a ele.Registre-se que, no decreto que viria a regulamentar alei, a própria denominação “farmácia popular” foitextualmente aproveitada.

    No terceiro caso que apresenta interesse para aanálise sobre os agenda holders, o produto daapropriação foi parte do conteúdo da medida provisóriaque gerou a Lei do Fundo de Manutenção eDesenvolvimento da Educação Básica e de Valorizaçãodos Profissionais de Educação – (Fundeb) (MP 339/2006). O objeto da apropriação foi o estabelecimento

    de regras sobre controle social constantes emsubstitutivo de autoria da Deputada Fátima Bezerra (PT-RN), relativo a um projeto de lei que dispunha sobre oassunto (PL 241/1999).

    Bezerra é pedagoga, com dois mandatos comodeputada estadual e três como deputada federal.Considera-se que essa parlamentar é uma agendaholder especializada em educação e cultura,permanecendo hoje com essa qualificação (idem). Noprocesso de apropriação estudado, evidencia-se anegociação do Executivo com a parlamentar, uma vezque ela foi a relatora da medida provisória da Lei doFundeb.

    No quarto caso, tem-se como produto daapropriação o projeto de lei complementar de autoriado Executivo, apresentado em 2008, que dispunhasobre a cooperação entre os entes federados em termosde política ambiental (PLP 388/2007). O objeto daapropriação foi um projeto exatamente com o mesmoobjetivo, o PLP 12/2003, de autoria do DeputadoSarney Filho (PV-MA). A proposta do governo foiapensada ao processo previamente em curso, quegerou a lei complementar três anos depois. Não sepode dizer que o parlamentar obteve proveito políticocom a apropriação ocorrida. Ele participou diretamentedo processo de negociação do diploma legal aprovado,em atuação típica de agenda holder, mas sofreu derrotana votação final em relação a parte do texto. Essa leicomplementar tem recebido críticas de algumasentidades ambientalistas.

    Sarney Filho tem histórico familiar forte deenvolvimento na política, tem oito mandatosconsecutivos como deputado federal, com atuaçãoespecializada na questão ambiental. Foi Ministro doMeio-Ambiente entre 1999 e 2002 e coordena a FrenteParlamentar Ambientalista (idem).

    No quinto caso, o produto da apropriação foi amedida provisória que gerou lei concedendo pensãoespecial às pessoas atingidas pela hanseníase,submetidas a isolamento e internação compulsórios (MP373/2007). Trata-se de um caso de cópia literal deuma proposição pelo Executivo. O objeto daapropriação foi projeto de lei de autoria do SenadorTião Viana (PT-AC), o PLS 206/2006. O parlamentarparticipou do processo de apropriação, tendo assumidoa relatoria da referida medida provisória.

    Viana tem formação profissional em medicinatropical e foi governador do Acre. No banco de dadosdo Senado, constam duas centenas de processos porele relatados, o que indica a consolidação comoarticulador político, elemento básico da qualificaçãocomo agenda holder, independentemente daespecialização temática.

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    No sexto caso, o produto da apropriação foi oprojeto de lei de autoria do Executivo que gerou a Leida Política Nacional sobre Mudança do Clima (PL 3535/2008). O objeto de apropriação foram doisprojetos de lei, o PL 18/2007 e o PL 261/2007, deautoria respectivamente do Deputado Sarney Filho edo Deputado Antônio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP).

    Assim como Sarney Filho, Thame é umparlamentar especializado em meio ambiente, tendo seismandatos como deputado federal. Professoruniversitário na área de agronomia, ele foca com atençãoespecial as interfaces da questão ambiental com ostemas agricultura e energia. Coordena o grupo detrabalho sobre energias renováveis da FrenteParlamentar Ambientalista (idem).

    Thame foi relator do projeto de lei que foi produtoda apropriação. Note-se que a especialização doparlamentar e o fato de ele ser autor de proposta sobreo assunto contribuíram para que ele assumisse arelatoria de um processo de interesse direto doExecutivo, mesmo sendo um deputado da oposição.

    Por fim, no sétimo caso, coloca-se como produtoda apropriação a medida provisória que alterou a Leide Licitações, dispondo sobre o limite da área ruralque pode ser transferida sem licitação na Amazônia(MP 422/2008). Trata-se de outro caso de cópia literalde uma proposição pelo Executivo. O objeto daapropriação foi projeto de lei de autoria do DeputadoAsdrúbal Bentes (PMDB-PA), o PL 2 278/2007.

    Bentes é advogado com histórico de atuação emquestões fundiárias. Deputado Federal com seismandatos, um número relevante de relatorias estãoregistradas em seu nome. No caso em tela, ele atuoucomo relator do produto da apropriação, o que indicarelações diretas de coordenação com o Executivo. Háindicativos de que os benefícios auferidos por ele apartir do processo de apropriação foram significativos.Ele foi escolhido para relatar, posteriormente, umamedida provisória bem mais ampla sobre aregularização das ocupações em terras da União naAmazônia (MP 458/2009).

    IV.2. Comentário dos casos

    Os achados da análise dos agenda holdersidentificados nos processos em que ocorreuapropriação da agenda do Legislativo apontam que “[...]para ser e se estabelecer ao longo do tempo comoagenda holder, são relevantes (i) o passado doindivíduo, sua biografia, suas possíveis especializações(que aqui também tratamos como o tema focalizadopelo parlamentar); (ii) a seniority no Congresso; e (iii)sua capacidade de negociação” (ARAÚJO & SILVA,

    2013, p. 306).

    Entende-se que, para que sejam auferidos benefíciospara a carreira política, a condição de agenda holderexige um esforço inicial do parlamentar no sentido deconstrução de uma rede de relacionamentos noCongresso Nacional, que pode ser alcançada pelaespecialização temática e pela habilidade de negociaçãocom seus pares. Dos sete parlamentares citados acima,seis deles, em maior ou menor grau, podem serconsiderados como especialistas, com atuação políticadirecionada a assuntos determinados. Em certosmomentos, essa especialização impulsiona até mesmoa diluição da barreira entre partidos da base e daoposição, como no caso de Thame.

    Apenas Viana surge como um parlamentar que, maisdo que especialização, buscou-se consolidar na funçãode relator. Contudo, a importância desse perfil para aqualificação como agenda holder não pode serdesconsiderada, em face do reduzido número de casosanalisados neste tópico. Além disso, os parlamentares“especialistas” estudados também acumulavamhistórico com número relevante de relatorias.

    Praticamente todos os agenda holders identificadostinham bastante tempo de Congresso Nacional. Amaryé exceção, mas seu pouco tempo no Legislativo federalpode ter sido exatamente um dos fatores que dificultouque ele fosse bem sucedido tendo em vista a votaçãofinal da LRTU.

    V. AGENDA HOLDERS E AS COMISSÕESESPECIAIS DA CÂMARA10

    De acordo com o art. 34 do Regimento Interno daCâmara dos Deputados, as comissões especiais sãoconstituídas para dar parecer sobre: (i) proposta deemenda à Constituição; (ii) projeto de código e (iii)proposições que versarem matéria de competência demais de três comissões que devam pronunciar-sequanto ao mérito, por iniciativa do presidente daCâmara, ou a requerimento de líder ou de presidentede comissão interessada. Nesse último caso, pelomenos metade dos membros titulares da referidacomissão deve ser formada por membros titulares dascomissões permanentes que deveriam ser chamados aopinar sobre a proposição em causa. Como regra geral,passa a ser atribuição da comissão especial o examede admissibilidade e do mérito da proposição em tela edas emendas que lhe forem apresentadas, podendoainda ter poder conclusivo para alguns casos, se nãohouver recursos para deliberação pelo plenário.

    10 Para uma síntese dos casos aqui tratados, recomendamos aleitura da tabela constante no Anexo II.

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    Há impactos potenciais sobre a alternativa pelascomissões especiais, em substituição às de comissõespermanentes. Comandadas apenas por um presidentee um relator, elas constituem um mecanismo decentralização das decisões. É justamente por isso queesse expediente tem sido sistematicamente usado peloExecutivo como forma de garantir rapidez e reduzir aspossibilidades de mudança em suas proposiçõesencaminhadas na forma de projetos de lei. O controledos líderes governistas na indicação dos nomes para acoordenação dessas comissões e no resultado final dostrabalhos, não resta dúvida, é maior do que no trâmitenormal nas comissões permanentes. Desse modo,ganha relevo a questão da disciplina partidária e doposicionamento do partido político frente à matéria emanálise.

    Nos últimos anos, essa ferramenta tem sido usadacom bastante frequência, notadamente em temas deimpacto na sociedade, tendo levado ao esvaziamentoda pauta de determinadas comissões permanentes. Esseuso estratégico das comissões especiais na Câmara,constituídas nos processos que envolvem matéria domérito de mais de três comissões, ainda não mereceuatenção da Ciência Política. Registre-se que esseinstrumento não existe no Senado.

    Entende-se que essas comissões especiais sãoarenas privilegiadas para a análise de agenda holders.Como um relator apenas, que se manifestará tantosobre o mérito quanto sobre a admissibilidade jurídicae, se for o caso, orçamentária, elas potencializarão aatuação parlamentar no sentido da articulação política,de negociação com os diferentes gruposgovernamentais e não governamentais envolvidos nodebate de cada assunto. Basta observar que a realizaçãode audiências públicas é atividade sistemática nessascomissões11. Na análise realizada sobre as 33comissões especiais constituídas na 53ª Legislatura naCâmara dos Deputados, verificou-se que apenas trêsdelas não realizaram audiências públicas.

    Com variações naturais em razão dasespecificidades do objeto de cada comissão, em geralforam ouvidos nessas reuniões tanto representantesdos diferentes poderes da república, com destaquenatural para o Executivo federal, quanto representantesdo empresariado, da sociedade civil e da academia12.

    Mesmo considerando os limites da 53ª Legislatura,constam três casos de deputados que trabalharam narelatoria de duas comissões especiais, o que configuraforte indício de atuação como agenda holders. Vejamosesses casos.

    O Deputado João Maia (PR-RN) é deputado desegundo mandato13, mas vem de cargos importantesno Executivo em diferentes níveis de governo. Nosistema de controle da Câmara, constam dez projetosde lei ordinária de sua autoria e 59 processos relatados,o que parece indicar uma opção pela atividade derelatoria. O parlamentar foi relator da comissão especialque se debruçou sobre a Lei do Gás (PL 334/2007 eapensos) e da comissão especial que analisou um dosprojetos de lei relacionados à exploração do Pré-Sal, aproposta relativa ao exercício das atividades de pesquisae lavra de petróleo, de gás natural e de outroshidrocarbonetos fluidos pela Petrobrás (PL 5 941/2009).Em ambos os casos, houve seis audiências públicas eformulação de substitutivo às proposições originais pelorelator. Esses processos contribuíram na publicaçãoda Lei 11 909/2009 e da Lei 12 276/2010. Sem prejuízoda necessidade de análise de outros fatores envolvidos,o sucesso na aprovação do texto em lei evidencia opapel de um relator que atua como agenda holder compapel de relevo nas negociações políticas e, também,ameniza o grau de conflito entre os atores envolvidos,também funcionando como policy broker (SABATIER& JENKINS-SMITH, 1993; 1999) A confirmaçãoefetiva dessa atuação demandaria estudo detalhado dosdois processos legislativos.

    Outro caso é do Deputado Carlos Zarattini (PT-SP). No seu segundo mandato14, com mandatoanterior no legislativo estadual, possui registrados comode sua autoria 22 projetos de lei ordinária e 29 processosrelatados. O parlamentar foi relator da comissãoespecial referente à tarifa social de energia elétrica (PL1 921/1999 e apensos) e da comissão especial quetratou da desoneração tributária do transporte (PL 1927/2003 e apensos). Em ambos os casos, houve seteaudiências públicas e formulação de substitutivo às

    11 É preciso destacar que não resta dúvida acerca da atuação deagenda holders nas comissões permanentes. Ocorre que a cen-tralização provocada pela criação de comissão especial tornamais perceptível o trabalho desses atores. As atividades dosagenda holders nas comissões permanentes devem ser estuda-das caso a caso, demandando uma análise dos atores na tramitaçãode cada matéria, que frequentemente passa por mais de umacomissão e, portanto, pelas mãos de mais de um relator. Issoexige do pesquisador um esforço de investigação mais detalhadoainda para distinguir as ações dos parlamentares e verificar ograu de influência de cada um no processo. A estratégia de estu-dar casos de apropriação é uma das formas de analisar a atuaçãodos agenda holders também no âmbito dos processos que tra-mitam pelas comissões permanentes.

    12 Para a lista dos nomes ouvidos nas audiências públicas, cf.Brasil (2013).13 Legislaturas de 2007-2011 e 2011-2015.14 Legislaturas de 2007-2011 e 2011-2015.

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    proposições originais pelo relator. O primeiro processorepercutiu na publicação da Lei 12 212/2010 e osegundo ainda tramita, tendo sido o texto do relatoraprovado na comissão especial e remetido diretamenteao Senado. Nos dois processos, manteve-se o poderconclusivo da comissão que o analisou, ou seja, nãohouve aprovação de recurso para análise pelo plenário,o que indica consenso sobre os textos produzidos.

    O Deputado Jorginho Maluly (DEM-SP) surgecomo relator na comissão especial sobre contratos deseguro privado (PL 3 555/2004 e apensos) e dacomissão especial da reforma universitária (PL 4 212/2004 e apensos). Esse caso é interessante, pois mostraque a repetição de atuações na relatoria, isoladamente,não pode ser adotada como caracterização do agendaholder. Se na comissão da reforma universitária foramouvidos atores relevantes em seis audiências públicas,bem como produzido parecer pelo parlamentar, quenão chegou a ser votado, na comissão sobre contratosde seguro privado foram realizadas três audiências,mas sequer foi apresentado parecer. Registre-se queMaluly não foi reeleito.

    Na lista de comissões especiais da 53ª Legislatura,surge o Deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que foi relator na comissão especial de uma daspropostas legislativas relacionadas ao Pré-Sal (PL 2502/2007 e apensos). Alves relatou, também, a medidaprovisória que gerou a Lei do PMCMV, citada nos casosde apropriação por envolver parte do conteúdo dafutura LRTU.

    Esse parlamentar, certamente um dos maisexperientes do Congresso Nacional, com 11 mandatosde deputado federal15, tem assumido relatorias deprocessos com maior relevância nos últimos anos,firmando-se como articulador político independente-mente de tema. Note-se que nem todos os líderespartidários buscam relatorias de relevo, o que parecereforçar a qualificação de Alves, pelo menos atualmente,como um agenda holder.

    Como mencionado anteriormente, há alguns casosde parlamentares que, no decorrer dos anos, firmamatuação em torno de temáticas específicas,consolidando-se como agenda holders especializados.Os principais atores envolvidos nesses temas depolíticas públicas sabem, de antemão, que asnegociações sobre as propostas legislativas, comoregra, passarão por determinado parlamentarespecializado. Na lista de relatores das comissões

    especiais da 53ª Legislatura, podemos citar a DeputadaRita Camata (PSDB-ES). Especialista nas causasrelativas a mulheres, crianças e adolescentes, aparlamentar foi relatora na comissão especial doatendimento socioeducativo (PL 1 627/2007), emprocesso no qual ficou caracterizada a atuação comoagenda holder e que gerou a Lei 12 594/2012. Apesarde não ter sido reeleita para a atual legislatura, Camatavinha de vários mandatos como deputada federal16.

    Na relatoria da comissão especial do Estatuto daJuventude (PL 4 529/2004 e apensos), tem-separlamentar que também parece estar seguindo ocaminho da especialização, a Deputada ManuelaD’Ávila (PCdoB-ES). No referido processo legislativo,parece caracterizada a atuação como agenda holder,com concentração das negociações nos entesgovernamentais, que estiveram presentes empraticamente todas as oitivas públicas.

    Merece ser analisado em particular o polêmicoprocesso da nova lei florestal, também objeto decomissão especial da Câmara na 53ª Legislatura (PL1.876/1999 e apensos). Foram realizadas 14 audiênciaspúblicas para o debate do projeto, além de um bomnúmero de reuniões públicas nos estados. Não se podecolocar em dúvida que o relator, Deputado Aldo Rebelo(PCdoB-SP) envolveu-se com vigor nas negociaçõescom um conjunto grande de atores governamentais enão governamentais. No entanto, a atuação comoagenda holder circunscreveu-se pela evidenciadapostura a favor das demandas das entidadesrepresentativas dos produtores rurais, o que pareceter contribuído para o acirramento dos conflitos entreos atores partícipes dos debates, não para sua redução.Dessa forma, foi um agenda holder que se distancioudo papel de policy broker.

    Avalia-se que, em determinados processos, o fortecontrole do Executivo não favorece a atuação do relatorcomo agenda holder, mesmo que tenham ocorridoalgumas audiências públicas e votação. Esse é o casodas comissões do PL 3 960/2008 (cargos no Bacen epesca), do PL 5 939/2009 (Pré-Sal/Petrosal) e doProjeto de Lei Complementar (PLP) 001/2007 (limitesde despesa com pessoal).

    Fator fundamental para a ausência de caracterizaçãodo agenda holder, evidentemente, é a não apresentaçãode parecer pelo relator, em processos nos quais houvetempo hábil para isso ocorrer. Ademais, deve-se atentarpara o fato de que nem sempre o relator é o único

    15 Legislaturas de 1971-1975, 1975-1979, 1979-1983, 1983-1987, 1987-1991, 1991-1995, 1995-1999, 1999-2003, 2003-2007, 2007-2011 e 2011-2015.

    16 Legislaturas de 1987-1991, 1991-1995, 1995-1999 e 2007-2011. Mencione-se que, em 2009, a parlamentar saiu do PMDBapós mais de 25 anos de militância no partido.

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    agenda holder no processo. Nas comissões especiaisanalisadas, há casos em que há indicativos de que opresidente do órgão colegiado atuou como articuladordas negociações e viabilizou a votação. Para aconstatação do que coube exatamente ao relator e aopresidente, todavia, faz-se necessário rastreardetalhadamente cada processo legislativo17.

    VI. AGENDA HOLDERS E AS MEDIDAS PROVI-SÓRIAS18

    Sabe-se que, por diversos motivos, até além dosautorizados legalmente, o governo recorre aoinstrumento das medidas provisórias (MPs), queconstituem uma maneira imediata para efetivar-se umainovação jurídica e, ao mesmo tempo, obter umadecisão do Legislativo em um prazo extremamentecurto. Nesse quadro, há de se lidar com asconsequências imediatas da norma para estabeleceremendas ao texto. Isso impõe um grande custo e umamplo desafio para os parlamentares que estiveremrelatando a proposta em cada uma das casas doCongresso Nacional.

    Nos processos das MPs, o governo age no sentidode diminuir ao máximo os riscos de alteração indesejadano texto, atuando, assim, de maneira importante naescolha dos relatores. No entanto, como já foi dito, aalteração no texto é bastante comum, o que leva a umquestionamento: será que existe um problema de seleçãoadversa dos relatores ou o processo legislativo é de talforma controlado pelo Executivo, que todas asalterações são autorizadas? Na verdade, esses doisaspectos representam extremos de um espectro depossibilidades que acontecem no dia-a-dia dasdiscussões das MPs. E, certamente, entendemos quehaverá espaço para encontramos os agenda holdersnesse espectro.

    Primeiramente, deve-se levar em consideração quea tramitação das MPs envolve processos bastanteconcentrados (assim como nas comissões especiaisabordadas na seção anterior), o que, tendo em vista os

    curtíssimos prazos de discussão, impõe umacapacidade de responsabilização extra aos relatores.Isso ocorre tanto pela característica do processo dasMPs em si como pelo interesse e pressão do Executivo,em situações que podem direcionar encaminhamentosdo tipo “aprovar sem acatar mudanças”, “em algumaspartes, podem-se abrir negociações” ou até mesmo”preciso de você para articular esses temas polêmicose conciliar os interesses do Congresso e os nossos”.Cada um desses exemplos reflete um tipo de posturae, principalmente, depende do perfil do parlamentaratuando na relatoria, do que se depreende a relevânciada seleção desses parlamentares. Serão escolhidos,nessa perspectiva, os bons delegados ou os bonsarticulares.

    Em segundo lugar, quando se observa a atuaçãodos parlamentares, é fundamental as idiossincrasiasda Câmara e do Senado, não apenas pelas diferençasconhecidas sobre perfil, funções, tipo de eleição e regraspróprias, entre outros pontos, mas também pelasdiferenças nos padrões de condução da tramitação dasMPs. Por exemplo, sabe-se que o Senado pode atéfazer alterações no texto aprovado pela Câmara, masestá limitado a ver se suas propostas são aceitas ounão pela câmara baixa19. No entanto, a questão quemais vem impondo condições mais ou menos adversasao Senado (e, ao respectivo relator) são os prazos detramitação distorcidos entre as duas casas doCongresso. Como está estabelecido na Constituição, oCongresso Nacional tem 120 dias de prazo para votara MP20, prazo esse que não conta durante o recessoparlamentar. Ocorre que a Câmara dos Deputadosutiliza muito mais desse tempo para as suas discussões,como até era de se esperar, tendo em vista a quantidadede parlamentares e a complexidade que isso implica.Não obstante, o tempo utilizado pelas casas vem sendocada vez menos favorável ao Senado, conformepodemos verificar no Gráfico 1.

    Observe-se que os prazos menores estabelecemcondicionamentos relevantes aos relatores do Senado,especialmente no ano de 2010, onde houve umrecrudescimento da diferença entre as casas e,naturalmente, uma menor frequência observada nasmudanças realizadas pelos senadores relatores. Issomostra que, na Câmara, os relatores tinham muito mais

    17 Recomendamos a leitura do Anexo II, onde estão sistemati-zadas todas as informações coletadas acerca das comissões es-peciais durante a 53ª Legislatura.18 Ver Anexo III. Entre setembro de 2001 e março de 2012, oCongresso Nacional não formalizou, na prática, as comissõesmistas previstas na Constituição Federal para análise das MPs.A primeira data refere-se à Emenda Constitucional 32/2001, quemudou o prazo de validade desses atos. A segunda data dizrespeito à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obri-gou o Legislativo a observar a regra das comissões mistas. Asanálises inclusas nessa seção tomam como material empírico asMPs da 53ª Legislatura. Assim, consideram as regras de tramitaçãoque valeram até março de 2012.

    19 Cabe lembrar que todas as proposições apresentadas peloPoder Executivo passam primeiramente pela Câmara dos Depu-tados, por previsão da Constituição Federal.20 Após a Emenda Constitucional 32/2001, a MP vale porsessenta dias, prazo que pode ser prorrogado uma vez por maissessenta dias. Na prática, essa prorrogação tem sido realizada deforma automática.

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    espaço de ação que no Senado, casa na qual tal açãodepende não só da capacidade técnica ou de

    articulação, mas de lidar com tempo hábil para realizaro trabalho.

    GRÁFICO 1 – PRAZOS DE TRAMITAÇÃO DAS MPS EM CADA CASA LEGISLATIVA (2007-2010)

    FONTE: Os autores, com base em dados da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.

    NOTAS:

    1. As curvas de tendências foram obtidas por meio de média móvel para os prazos de cada MP coletados em cadacasa legislativa.

    2. Os pontos de dados significam os prazos de tramitação, ocorridos no Senado, de textos que sofreram alteraçãoe retornaram à Câmara.

    Outro aspecto que deve ser levado em conta é queos senadores já têm acesso a todas as informaçõessobre o processo decisório ocorrido na Câmara e, nãoraro, também participam indiretamente dele, implicandoum conhecimento prévio sobre os detalhes da matériae incluindo a avaliação relativa à necessidade real defazerem-se mudanças no texto. Tais consideraçõesfazem-nos crer que, a princípio, poderia haver maiorocorrência de atuação de parlamentares com perfil deagenda holders na Câmara que no Senado. Por fim, éimportante ressaltar que, por serem MPs, haveráclaramente uma predominância de relatores dos partidosque constituem a base do governo.

    Espera-se que o relator seja um agenda holderquando forem observados elementos de que ele exerceucapacidade de articular as demandas dos parlamentares(e, indiretamente, nos setores interessados) e osinteresses do governo.

    Dado esse panorama, apresentaremos algumasmaneiras de estudar a atuação dos agenda holders nas

    MPs. Para esse exercício, adotaremos o corte da 53ªLegislatura (2007-2010), como foi feito em relação àscomissões especiais. Além disso, realizamos umaseleção na base de dados, eliminando situações ondenão faria muito sentido buscar atuação de agendaholders, tais como (i) MPs rejeitadas, revogadas ouque foram consideradas sem eficácia e (ii) proposiçõesde créditos extraordinários (em relação às quais oCongresso nunca realizou nenhuma mudança).Retirados esses processos, para o período proposto,foram analisadas 115 medidas provisórias21.

    Na Câmara, os relatores são escolhidos após aapresentação das emendas à MP, apresentadas tanto

    21 É importante destacar que as análises levaram em considera-ção a ordem e as circunstâncias impostas pelo processo legislativodas MPs, o que incorpora abordagens específicas para cada umadas casas legislativas. Para obter o levantamento completo dasmedidas provisórias e os agenda holders durante o período de2007-2010, cf. Silva e Araújo (2013).

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    AINDA VALE A PENA LEGISLAR

    por deputados quanto por senadores. Entendemos que,para verificar a situação de agenda holder, é precisoconjugar a complexidade do trabalho e o nível de sensi-bilidade política perante as demandas demonstradaspelo Congresso. Dessa forma, dois fatores serãoimportantes para determinar o curso da ação do relator:(i) a quantidade de dispositivos do texto, que indica acomplexidade da matéria e (ii) o número de emendasapresentadas, que representa o interesse do Congresso.Com esses dados, criaremos dois parâmetros deavaliação: a atratividade e a aceitação.

    A atratividade corresponde à simples razão entre aquantidade de emendas apresentadas e a quantidadede artigos do texto da MP22. Seu resultado retorna umnível aproximado do interesse despertado pela MP etambém mostra o grau de desafio do relator para lidarcom as demandas existentes. A aceitação é o resultadodo trabalho do relator, pois é a razão entre a quantidadede emendas aceitas e o total de emendas. Ela representao grau de atendimento das demandas dos parlamentares.Assim, estabelecemos critérios para verificar se o rela-tor pode ter exercido ou não o papel de agenda holder,expostos no Quadro 1.

    QUADRO 1 – MPS E AGENDA HOLDERS: CRITÉRIOS DE ANÁLISE NA CÂMARA

    Atratividade (At) Aceitação (Ac) Papel do relator Descrição

    (grande) (grande) Agenda holder Demonstrou capacidade dearticular as demandas em questões.

    (grande) (pequena) Anti-agenda holder Não foi sensível às demandas.

    (pequena) (grande) Neutro, de acordo comA característica do processo não

    (pequena) (pequena) o esperado pelo governo

    revelou nenhuma necessidadede articulação demandas

    vis-à-vis complexidade do tema.

    FONTE: Os autores.

    A distinção dos critérios entre “grande” ou“pequena” dependerá da amostra analisada. No nossocaso, para diferenciar a atratividade, levamos emconsideração o resultado que representou o primeiroquartil de nossa amostra, que foi a razão de atratividadede 1,4 (At = 1,4). Essa escolha justifica-se pelo fatode que poderíamos ter excluídas MPs de grandecomplexidade e que tiveram demanda em proporçãosemelhante ao número de artigos. Relativamente àaceitação, levamos em consideração que deveríamosescolher um parâmetro que refletisse minimamente aatuação ativa de um parlamentar em aceitar alteraçõesno texto baseadas nas emendas. De acordo com ascaracterísticas de nossa amostra, julgamos que a adoçãoda mediana seria interessante, apresentando uma razãode aceitação de 0,08 ou 8% (Ac = 8%).

    De acordo com essas informações, tivemos apresença de aproximadamente 43% de agenda holders,33% de anti-agenda holders e de 24% de parlamentarescom perfil neutro. O que chamou a atenção foi apresença de anti-agenda holders de partidos daoposição, o que reflete, nesses casos, uma aproximaçãode preferências entre governo e esses parlamentares.Observamos uma grande correlação entre as matériase os interesses dos parlamentares (pelo tema em si,por ligações regionais etc.) e também verificamosrepetições de alguns parlamentares nas relatorias. Tal

    aspecto, no entanto, não implicou repetição dos mesmospapéis.

    A título de exemplificação, notamos doisparlamentares da Câmara bastante presentes nasrelatorias, os deputados André Vargas (PT-PR) e Rosede Freitas (PMDB-ES). Segundo nossos parâmetros,nos três casos em que atuou como relator de MP na53ª Legislatura, o Deputado André Vargas foi, em todos,um agenda holder, enquanto a Deputada Rose deFreitas apresentou variação nas três oportunidades,servindo de agenda holder, anti-agenda holder e neutra.Essa questão é interessante, na medida em que oparlamentar pode assumir missões diferentes,obedecendo ou não a um padrão de comportamento.Implica dizer, conforme defendemos desde o começo,que é relevante a complementaridade dos métodos parajulgar se tal ou qual parlamentar é um “legítimo” agendaholder. Por enquanto, baseamo-nos nos processoslegislativos.

    Outro destaque nos relatores mais frequentes é odo Deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN),

    22 Neste trabalho, não foi possível realizar o cálculo por meiodo número de dispositivos (artigos, incisos, alíneas e parágra-fos). Entendemos que avanços nessa linha refletirão melhor acomplexidade do texto das MPs.

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    pois além de ter sido agenda holder em duas MPs, eletambém apresentou esse perfil no que tange aosexemplos estudados na seção sobre as comissõesespeciais. Nesse caso, confirmou-se, mediante maisde uma metodologia, o perfil de agenda holder, pelomenos nos anos mais recentes da carreira desseparlamentar.

    Para os senadores a situação altera-se um pouco.Quando se trata de MPs, qualquer alteração do Senadoimplica o retorno do texto para a avaliação da Câmara,especificamente naquilo que foi alterado na câmara alta.Isso impõe um custo de transação mais alto aogoverno, o que implica uma pressão maior sobre osenador relator. Outro aspecto interessante, decorrentedesse primeiro, é que o relator tem de conciliarinteresses da Câmara, do próprio Senado e do governo.Dessa forma, embora tenda a ter uma “cargainformacional” maior que o relator da Câmara, aconciliação de interesses torna-se mais complexa. Aisso se adiciona o fator tempo, que acaba também

    condicionando a ação do relator senador.

    Nessa perspectiva, continuaremos a adotar a razãode atratividade (Ac) como parâmetro de determinaçãodo nível de interesse do Congresso, conciliado com acomplexidade do tema, para observar a atuação dorelator senador. Ao outro parâmetro chamaremosreceptividade (Rc), que representa o número deemendas aprovadas pelo Senado que foram acatadasao retornar à Câmara dos Deputados. A receptividademostra a capacidade do senador relator em terarticulado mudanças que representassem a vontade dasua casa de origem e que não ferissem os interessesda Câmara. Daí pode-se também inferir que houve umaarticulação bem sucedida com as partes interessadasexternas ao Congresso ao longo da etapa final dediscussão do texto.

    Estabelecemos critérios para verificar se o senadorrelator pode ter exercido ou não o papel de agendaholder, expostos no Quadro 2.

    QUADRO 2 – MPS E AGENDA HOLDERS: CRITÉRIOS DE ANÁLISE NO SENADO

    Atratividade (At) Receptividade (Rc) Papel do relator Descrição

    (grande) (grande) Agenda holderDemonstrou capacidade de articular

    as demandas das duas casaslegislativas, do possível público

    externo e do governo.

    (grande) (pequena) Anti-agenda holder

    Não foi bem sucedido naavaliação das demandas, pois

    não conseguiu conciliar diferentesinteresses entre as casas

    legislativas ou foi totalmenteinsensível às novas demandas.

    (pequena) (grande) Agenda holder

    Levando-se em conta que qualquermudança do Senado não pode serdesprezada, pois provoca o retornoà Câmara, a elevada receptividade

    demonstra um trabalho de articulaçãoque também não pode ser desprezado.

    (pequena) (pequena) Neutro, de acordo comA característica do processo não

    o esperado pelo governorevelou nenhuma necessidade de aptidão em articular demandasvia-à-vis complexidade do tema

    FONTE: Os autores.

    Manteremos a mesma razão de atratividade (At =1,4). Com relação à receptividade, levamos emconsideração que deveríamos escolher um parâmetroque refletisse minimamente o esforço de articulaçãodo senador relator em vista da dificuldade de exercero papel de agenda holder na câmara alta. Dessa forma,optamos por adotar o primeiro quartil da amostra,apresentando uma razão de receptividade de 0,46 ou

    46% (Rc = 46%).

    Os dados do Senado revelam a presença de 20%de agenda holders, 58% de anti-agenda holders e deaproximadamente 22% de parlamentares com perfilneutro, o que correspondeu às nossas expectativastendo em vista o contexto da relação entre as duascasas legislativas na tramitação das MPs.

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    AINDA VALE A PENA LEGISLAR

    Muito mais do que na Câmara, a repetição derelatores é comum no Senado, embora a variação deposição do relator tenha sido igualmente encontrada.Deve-se destacar o papel da liderança do governo noSenado na ocupação dessas relatorias. O então líder, oSenador Romero Jucá (PMDB-RR), esteve comorelator em 18 oportunidades, das quais sete comoagenda holder e sete como anti-agenda holder. Pode-se inferir que o líder que faz papel de agenda holdertambém atua fortemente em função das necessidadesdo governo, uma vez que sempre é possível haverajustes (que igualmente podem ser demandas externas)não devidamente atendidos durante a tramitação daCâmara.

    Outro caso interessante chama a atenção para anecessidade de verificarmos mais de um método paraconstatarmos categoricamente a condição de agendaholder. O Senador Tião Viana (PT-AC) foi umimportante agenda holder na formulação da Lei 11 520/2007, que dispõe sobre a concessão de pensão especialàs pessoas atingidas pela hanseníase que foramsubmetidas a isolamento e internação compulsórios.Esse senador não foi apenas o autor da propostapraticamente copiada pelo Executivo, como tambémfoi o relator, no Senado, da MP 373/2007 que resultouna lei. Na oportunidade da tramitação, houve umapequena alteração na Câmara, provocando aformulação de um projeto de lei de conversão (PLV).Quando chegou à câmara alta, o Senador Tião Vianausou de um recurso estratégico, preferindo que avotação da MP precedesse à do PLV. Assim, de acordocom os critérios para as MPs, o Senador foi um anti-agenda holder, pois a questão suscitou procura doParlamento, mas ele, conciliando seus interesses comos do governo, usou da estratégia da não aprovaçãode qualquer alteração. Em nossa opinião, esse resultadonão invalida nossos parâmetros, mas, novamente,desperta atenção para a necessidade de conciliação entreas diferentes metodologias de apuração da função deagenda holder.

    VII. CONCLUSÕES

    No campo dos estudos legislativos, muitas vezesas variáveis utilizadas para descrever as atividades doParlamento não conseguem alcançar toda acomplexidade do jogo político e da arena de produçãode leis. Os atores mais importantes de cada processo,as proposições de autoria dos próprios parlamentares,as emendas apresentadas aos textos em trâmite e osrelatórios, entre outros aspectos que descrevem eexplicam o processo legislativo, são raramenteanalisados. Entendemos que esse quadro colabora deforma relevante para que se alcance uma compreensãoapenas parcial da atividade legislativa e de seusprodutos, da relação entre os poderes e das carreiras

    políticas. Dessa forma, a dinâmica do exercício práticoda representação política permanece com muitospontos ainda a serem desvendados.

    Assumimos aqui o desafio de trabalhar um temapouco explorado, qual seja, estudar os parlamentaresque assumem destaque na articulação política na arenada produção de leis, os quais tem sido denominamosagenda holders. Os casos estudados neste trabalhoevidenciam o papel-chave desses atores políticos emvárias propostas, viabilizando-as a se tornarem leis, ecomo sua atuação fortaleceu suas carreiras políticas,seja para alçar patamares superiores nas hierarquiasdo poder, seja para manter-se nessa esfera.

    Foi possível perceber que o trabalho de mérito sobremudanças de legislação realizado pelos agenda holdersapresenta diferentes características, de acordo com aposição institucional que ocupa (agenda setting) e dadisposição para ouvir e conciliar as partes interessadasem cada matéria (policy brokering). Ademais, segundouma lógica de “agente/principal”, podemos verificarque os agenda holders podem ser agentes de atoresespecíficos, tais como grupos de interesse e até opróprio governo. Isso também levanta a questão deque a neutralidade não deve ser vista como condiçãopara ser um agenda holder, ainda que seja algo desejávelquando observada a ótica da representação e dademocracia.

    Ninguém “nasce” dentro do parlamento agendaholder. Para tanto, exige-se um esforço na arenalegislativa que vai desde a atuação especializada, aseniority no Congresso e um bom trânsito intra e inter-partidos políticos. Os dados e as observações coletadaslevam-nos a inferir que há uma relação deretroalimentação entre o status de agenda holder e ascarreiras políticas. Por um lado, ser agenda holder éum fator que agrega capital político e fortalececarreiras. Por outro, quanto mais consolidada é acarreira política, maiores possibilidades tem o ator deassumir a condição de agenda holder. Nesse sentido,ser agenda holder pode ser visto como uma identidadepolítica, um reconhecimento por parte de outros atorespolíticos.

    Na pesquisa, foi relevante destacar algumas ponde-rações vinculadas à figura das lideranças e das relato-rias. Mesmo um parlamentar que exerça função formalde liderança partidária não necessariamente tem atuaçãoativa nas negociações internas ao Congresso Nacionale com o Executivo. Nem todos os líderes são negocia-dores de destaque nas matérias. O mesmo raciocínioaplica-se aos relatores. Há um número extenso de parla-mentares que atuam nos milhares de processos legis-lativos em curso no Congresso Nacional. Apenas umaparte deles efetivamente realiza trabalho de articulação

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    REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 21, Nº 48: 19-50 DEZ. 2013

    política com os demais parlamentares, o governo e asociedade em escala que implique contribuições efetivaspara a produção legislativa.

    A atividade legislativa representa um jogo de múlti-plas etapas, idiossincrasias, atores diferenciados e pre-ferências heterogêneas, que demandam a associaçãode diferentes metodologias para poderem ser compreen-didas. Por isso houve a preocupação de levantarmosalgumas alternativas objetivas para se estudarem osagenda holders ou, no mínimo, criar condições deseleção de casos para aprofundamento subsequente.

    Empregamos, neste trabalho, três abordagens dife-renciadas, que incluem estudos de caso e também es-forços de cunho quantitativo. Foram abordados osexemplos que envolveram apropriação da agenda doLegislativo, o processo legislativo realizado por meiodas comissões especiais na Câmara dos Deputados ea participação dos relatores na tramitação das medidasprovisórias.

    Na análise dos exemplos de apropriação, ainvestigação envolveu detalhamento de casosespecíficos. Mesmo assim, puderam ser identificadosalguns padrões sobre a atuação dos agenda holders eas implicações em termos de carreira. Verifica-se que,para o estabelecimento ao longo do tempo comoagenda holder, são importantes o passado do indivíduoe suas possíveis especializações, a seniority noCongresso e sua capacidade de negociação. Essesachados necessitam agora ser testados por outrospesquisadores em outros casos. Considera-se que osprocessos legislativos em que ficou caracterizada aapropriação são especialmente promissores para aanálise da existência e atuação de agenda holders. Assituações de apropriação referem-se a proposiçõeslegislativas cuja relevância pode ser depreendida dopróprio fato de terem atraído o interessegovernamental. Elas tenderão, também, a estarassociadas a quadros de relação entre os poderesExecutivo e Legislativo, e de negociação política, quemerecem ser descritos e compreendidos.

    Nas comissões especiais da Câmara, ficou evidenteque a negociação política não se limita ao Legislativo eao Executivo. Ela envolve os diferentes representantesda sociedade, que participam formalmente do processonas audiências públicas e informalmente nos esforçosde convencimento dos tomadores de decisão. O grandenúmero de audiências públicas que ocorrem nessascomissões especiais, incluindo um conjunto bastantecomplexo de atores, aponta para a necessidade deestudos específicos tanto sobre as comissões especiais,quanto para as audiências públicas que acontecem nascomissões permanentes. Em nosso estudo, essasreuniões evidenciaram o trabalho concreto de agenda

    holders e, também, de atores que fazem o papel inverso,os anti-agenda holders.

    Nos processos das medidas provisórias, optou-sepor um recorte mais geral, com a proposta de adotaropções metodológicas para a seleção de parlamentaresagenda holders. Avalia-se que os critérios de análisedesenhados para a Câmara dos Deputados e o SenadoFederal geraram achados próximos à realidade. Aquestão que se coloca é que esses critérios não devemser aplicados isoladamente de esforços complementaresem perspectiva mais qualitativa. Eles funcionam comouma primeira etapa na identificação dos agenda holderse de seu papel. Se e como podem ser aplicados emfóruns diferentes dos processos atinentes às medidasprovisórias, são perguntas em aberto. Note-se, nesseponto, que a recente determinação do Supremo TribunalFederal para o funcionamento da comissão mista paraa apreciação das medidas provisórias pode estabelecerum novo equilíbrio entre deputados e senadores noque tange à possibilidade de atuação como agendaholder. Há fortes possibilidades de que tal comissãoretire do relator da Câmara e do plenário daquela Casaas vantagens gozadas até então. Trata-se de uma boaagenda para a continuidade desta pesquisa.

    A conjugação de ferramentas metodológicas é umesforço necessário para garantir a robustez dos achadosde pesquisa. Apresentamos algumas propostas quedialogam entre si, mas não esgotam os esforços parao estudo dos agenda holders, atores políticos para osquais julgamos que a Ciência Política brasileira poderiadar mais atenção dada sua importância para o desenrolarde matérias relevantes dentro do Congresso Nacionale para uma compreensão mais precisa do nosso sistemapolítico.

    Relativamente aos estudos comparados, verifica-se que há uma promissora agenda de estudo sobre ocomportamento dos parlamentares no campolegislativo23, pesquisas as quais compartilham domesmo objetivo deste trabalho, qual seja, o de descobrircomo, quando e o quanto atua um congressista nalegislação de seu país, e que tipo de parlamentar assumeposição de relevo nesse sentido. Deve-se observar queas características da relação entre os poderes, bemcomo a estrutura e funcionamento das instituiçõeslegislativas será determinante no desenvolvimento demetodologias adequadas na detecção de prováveisagenda holders argentinos, chilenos, mexicanos eoutros. Este trabalho buscou dar um passo nessadireção.

    23 Recentes trabalhos da professora Algazi (2012) e dos pro-fessores Ana Maria Mustapic, Alejandro Bonvecchi e JavierZelasnik (2012) apontam essa tendência.

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    AINDA VALE A PENA LEGISLAR

    Rafael Silveira e Silva ([email protected]) é Doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília(UNB).

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