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56 www.backstage.com.br REPORTAGEM RECUPERANDO RECUPERANDO a história a época de ouro do rádio brasileiro HISTÓRIA EM ACETATOS A Rádio Nacional foi fundada em 1936 pelo grupo editorial A Noite e tornou-se a referência fundamental para a história da comunicação de massa e da cultura popu- lar no Brasil. Em seu auditório, programas inesquecíveis como PRK-30 foram patrocinados por inúmeros e emer- gentes fabricantes da época e que, para se certificarem que seus anúncios iam ao ar, exigiam a gravação dos programas com os comerciais (que na época era ao vivo). Com isso, gerou-se um enorme acervo de ines- timável valor para o Brasil e para as suas fu- turas gerações. Por meio deste impressi- onante acervo é possí- vel, hoje, ter acesso às diversas manifestações da cultura brasileira, da música à dramaturgia, responsáveis pelo enriquecimento do imaginário de nossa gente. Sua importância, entretan- to, não se restringe a esses aspectos, tendo também contri- buído para a consolidação da própria idéia de nação, com seus noticiários e discursos políticos que moldaram o país. A coleção Rádio Nacional, hoje distribuída entre a Funda- ção Museu da Imagem e do Som (MIS) do Estado do Rio de Janeiro e a sede original da rádio no Rio de Janeiro, abriga [email protected] A este acervo histórico da emissora que, nas décadas de 40 e 50, liderou a audiência no Brasil tornando-se emblemá- tica para a inesquecível “Época de Ouro” do rádio brasilei- ro. A emissora lançou modas, projetou artistas em âmbito nacional, difundiu a cultura popular e integrou o país co- municando, por meio de suas ondas, um Brasil progressista de norte a sul. Em meados de 2004, o empresário Carlos de Andrade, só- cio da Visom Digital, uma das principais em- presas de áudio do Bra- sil, procurou a direção do MIS, na ocasião pre- sidido pelo maestro e compositor catarinense Edino Krieger, e propôs desenvolver um projeto para digitalizar o acervo de acetatos contendo estes programas, pois es- tes estavam se decompondo e, por falta de equipamentos adequados que permitissem sua audição, não conseguiam nem mesmo ser avaliados pelas museólogas da instituição. Assim, com o patrocínio da Petrobras, em fevereiro de 2005, começou a ser digitalizado um acervo com cerca de 5.000 acetatos gravados pela Rádio Nacional. Foram pro- gramas de auditório, como os de César de Alencar e Manoel Barcelos, programas de calouros, canções de ídolos A Visom Digital, a Rádio Nacional e o MIS com o patrocínio da Petrobras, desenvolveram o projeto de digitalização do acervo de acetatos da Rádio Nacional. Um projeto que visa guardar a memória da chamada época de ouro do rádio

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RECUPERANDORECUPERANDOa história

a época de ouro do rádio brasileiro

HISTÓRIA EM ACETATOSA Rádio Nacional foi fundada em 1936 pelo grupo

editorial A Noite e tornou-se a referência fundamentalpara a história da comunicação de massa e da cultura popu-lar no Brasil. Em seu auditório, programas inesquecíveiscomo PRK-30 foram patrocinados por inúmeros e emer-gentes fabricantes da época e que, para se certificarem queseus anúncios iam ao ar, exigiam a gravação dos programascom os comerciais (quena época era ao vivo).Com isso, gerou-se umenorme acervo de ines-timável valor para oBrasil e para as suas fu-turas gerações.Por meio deste impressi-onante acervo é possí-vel, hoje, ter acesso àsdiversas manifestaçõesda cultura brasileira, damúsica à dramaturgia, responsáveis pelo enriquecimentodo imaginário de nossa gente. Sua importância, entretan-to, não se restringe a esses aspectos, tendo também contri-buído para a consolidação da própria idéia de nação, comseus noticiários e discursos políticos que moldaram o país.A coleção Rádio Nacional, hoje distribuída entre a Funda-ção Museu da Imagem e do Som (MIS) do Estado do Rio deJaneiro e a sede original da rádio no Rio de Janeiro, abriga

[email protected]

A este acervo histórico da emissora que, nas décadas de 40 e50, liderou a audiência no Brasil tornando-se emblemá-tica para a inesquecível “Época de Ouro” do rádio brasilei-ro. A emissora lançou modas, projetou artistas em âmbitonacional, difundiu a cultura popular e integrou o país co-municando, por meio de suas ondas, um Brasil progressistade norte a sul.Em meados de 2004, o empresário Carlos de Andrade, só-

cio da Visom Digital,uma das principais em-presas de áudio do Bra-sil, procurou a direçãodo MIS, na ocasião pre-sidido pelo maestro ecompositor catarinenseEdino Krieger, e propôsdesenvolver um projetopara digitalizar o acervode acetatos contendoestes programas, pois es-

tes estavam se decompondo e, por falta de equipamentosadequados que permitissem sua audição, não conseguiamnem mesmo ser avaliados pelas museólogas da instituição.Assim, com o patrocínio da Petrobras, em fevereiro de2005, começou a ser digitalizado um acervo com cerca de5.000 acetatos gravados pela Rádio Nacional. Foram pro-gramas de auditório, como os de César de Alencar eManoel Barcelos, programas de calouros, canções de ídolos

A Visom Digital, a Rádio Nacional e o MIS com o patrocínio da Petrobras,desenvolveram o projeto de digitalização do acervo de acetatos da RádioNacional. Um projeto que visa guardar a memória da chamada época deouro do rádio

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da época, radionovelas famosas como“O Direito de Nascer” e “Em Buscada Felicidade”, as transmissões do fa-moso Repórter Esso, (a testemunhaocular da história) e suas emocionan-tes edições extraordinárias na voz deHeron Domingues, discursos de ilus-tres figuras da nossa história política,enfim, o Brasil dos anos douradoseternizado em acetato. Esse acervorevelou preciosidades como o discursode Getulio Vargas dando o direito devoto às mulheres e parcerias musicaisinusitadas como a de Louis Armstronge Sivuca, além de milhares de arranjos,composições e performances do imor-tal maestro Radamés Gnatalli.

REDESCOBRINDO AHISTÓRIANo decorrer do projeto MIS, hoje en-tregue à consulta e visitação da socie-dade, descobrimos que muitos pro-gramas, que então eram gravados emvelocidade de 33 rpm (rotações porminuto), em discos com base de me-tal ou vidro embebidos em acetatoenrijecido e com 16 polegadas de diâ-metro, ultrapassavam os 15 minutosde capacidade de gravação de cadalado do disco. Assim, em programasmaiores e para que a gravação não fos-se interrompida, era ativada uma se-gunda máquina que começava a gra-var o segundo acetato enquanto olado 1 do primeiro disco chegava aofim produzindo assim um conjuntode “bolachas” aonde um continha aspartes 1 e 3 e o outro as partes 2 e 4 decada programa. Quando foram divi-didos para armazenamento, partedestes acetatos foi depositada noMIS-RJ e a outra parte permaneceucom a Rádio Nacional em sua sede naPraça Mauá, Centro do Rio de Janei-

ro, que os preservou até agora.A Visom Digital, tomando a iniciati-va de preservar esta memorável his-tória de nosso país, procurou a dire-ção da rádio que, na época fazia partedo sistema Radiobrás, e, depois decumprir uma seqüência de protoco-los, foi autorizada uma apresentaçãodo projeto à Petrobras visando conse-guir o patrocínio da primeira etapa doprojeto para a complementação doprocesso de digitalização dos 4.500acetatos restantes deste segundoacervo, completando assim a coleção“Rádio Nacional – A Época de Ourodo Rádio Brasileiro”.

O PROCESSOPara que a Visom Digital pudesse ini-ciar o processo no Museu da Imagem edo Som foi necessário construir umestúdio adequado à transcrição desteacervo, posto que no processo inicialde digitalização as peças que seriamdigitalizadas não deveriam jamaisdeixar o seu local de guarda por perigode quebra, perda ou mesmo mudançasde temperatura e umidade drásticasque poderiam deteriorar a matéria or-gânica dos suportes em questão. As-sim, a empresa construiu uma ante-sala e instalou um sistema de ar-con-dicionado desumidificador no recin-to juntamente com uma quantidadede equipamentos como toca-discos

de 16 polegadas, pré-amplificadorespara transcrição, conversores ana-lógico/digital/analógico, sistema decomputador com programa específi-co para digitalização de áudio e grava-dor de CD-Rs, bem como sistema ati-vo para a monitoração de áudio. Nocaso da transcrição do acervo manti-do pela Rádio Nacional, a construçãode um estúdio não foi necessária, pos-to que a instituição dispunha de umasala apropriada para nossa instalação,necessitando apenas a colocação deum ar-condicionado que mantivessea temperatura adequada do ambientee de equipamentos adequados ao ser-viço que fossem idênticos aos utiliza-dos no MIS por força de padronizaçãode processos.

PASSO A PASSOA primeira fase de um processo detranscrição é o levantamento e a cata-logação do acervo. Os engenheiros daVisom, em parceria com os do MIS, pro-cederam esta catalogação de forma acriar uma rotina para o trabalho prio-rizando os discos mais antigos e prestesa se decomporem, mas deixando os al-tamente danificados para o final doprocesso, já que a transcrição destes de-manda uma atenção diferenciada mui-tas vezes obrigando a restauração físicapreviamente à digitalização.O segundo passo é a higienização dos

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discos que são lavados com água de PHbalanceado e temperatura controladapara não causar choques térmicos quedesestabilizem a matéria dos suportes,sabão neutro e panos anti-estáticospara sua secagem. Álcool, silicone,produtos de limpeza e outros artifíciosnão podem ser utilizados na higiene deprodutos fonográficos, pois estes dani-ficam terminalmente os discos. O ter-ceiro passo refere-se ao processo,metodologia e equipamentos a seremusados para a transcrição dos discos eestes estão elucidados a seguir.Uma vez que não se produzem maistoca-discos que comportem discos de16 polegadas de diâmetro, a Visom en-trou em contato com fabricantes ame-ricanos especializados em aparelhospara transcrição de discos e encomen-dou para ela uma máquina movida apolia e com um braço que permitisse atangência correta de um disco de mai-or diâmetro que um LP e a capacidadede variar sua velocidade de 16 a 96 ro-tações por minuto. Assim, foi adquiri-do o Transcriber II e os toca-discosEsoteric (agora representados no Bra-sil pela Visom Digital).Em um segundo momento, seriam ne-cessárias agulhas para tocar os largossulcos destes acetatos e agulhas especi-ais deveriam ser adquiridas. Assim,entra em cena um dos mais impressio-nantes joalheiros do mundo. Especi-alizado em desenvolver agulhas espe-cíficas para discos de 78 rotações, a in-glesa Expert Stylus Company, vem hádécadas produzindo agulhas elípticas,cônicas ou esféricas em diamante e sa-fira, e a diferença sonora destas agu-lhas para as demais produzidas em sé-rie é impressionante. As agulhas destaempresa já haviam sido utilizadas em2001 na memorável restauração do

acervo Humberto Francceschi deposi-tado no Instituto Moreira Sales do Riode Janeiro e foram mais uma vez enco-mendadas para compor o jogo de uni-dades de transcrição deste projeto comdiâmetros que variavam de 2,2 a 4milésimos de polegadas. Essas agulhasforam montadas em cápsulas Shure,Stanton e Grado, tendo cada uma suautilização específica, ou seja, para dis-cos mais arranhados uma agulha maisgrossa que lesse a superfície do discocom menor susceptibilidade a distor-ções físicas do material e para os discosmais conservados as agulhas mais fi-nas que pudessem ler as paredes maisprofundas do acetato e dele extrair amelhor qualidade de reprodução pos-sível. As características sonoras dascápsulas mostraram-se imprescindí-veis para a correta transcrição de ma-teriais diversos. Assim, cápsulascomo a Grado mostraram-se maisadequadas para transcrição de orques-tras, a Stanton se revelou mais interes-sante na transcrição de música canta-da e dramaturgia e a Shure, ideal para areprodução de depoimentos, discursose noticiários.O peso sobre as cápsulas é também defundamental importância e a traçãocentrífuga (anti-skating) determi-nante na qualidade da reproduçãomecânica do sulco do disco, pois mui-tas dessas gravações eram feitas dedentro para fora da superfície do dis-co e o “anti-skating” nesse caso deveser invertido ou não existente, poisforçaria a agulha contra a parede dosulco deteriorando o suporte e crian-do uma quantidade de distorções em

sua reprodução. Um aparelho de fun-damental importância no processode transcrição de discos de 78 rpm eacetatos de rádio é o pré-amplificadorde “phono” responsável por elevar onível de saída das cápsulas de gravaçãoao nível de linha. Todavia, pré-amplifi-cadores normais têm em seu projeto autilização dos parâmetros de equa-lização estabelecidos pela “RecordingIndustry Association of América”, a fa-mosa curva RIAA, que, para uma com-preensão básica de sua função, aumen-ta os graves e diminui os agudos, in-vertendo a resposta obtida pelo con-junto cápsula/agulha /braço. Assim,neste projeto, apesar dos toca-discosKAB terem um pré-amp de phono em-butido, este foi desconectado e substi-tuído por um pré-amplificador específi-co da marca Souvenir, que utiliza umaquantidade de parâmetros como con-trole de capacitância, equalizações di-versas por época de fabricação, controlede lateralidade e verticalidade da leitu-ra dos sulcos e cujo resultado nas com-binações permitiu aos engenheiros daVisom extraírem o máximo de sinalpossível destes discos.Para a digitalização foram utilizadosconversores Apogee Mini-Me e Mini-DACs ligados a placas Lynx L22 eprogramas de computador modeloWavelab 6.0 fabricados pela Steinberg.O pré-amplificador foi ligado ao Mini-Me que por sua vez, e por meio de co-nexão padrão AES, estava conectado àplaca Lynx L22 capturando os áudiosgerados em padrão BWF, com 44.1 Khzde freqüência de amostragem e 16 Bitsde extensão da palavra digital subse-

Pré-amplificador ELBERG, alternativa ao Souvenir que não é mais fabricado.

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qüentemente gravados em formatoáudio PCM em mídias CD-R MitsuiGold Archive, sempre em duplicidade,para armazenamento em locais distin-tos objetivando assim a preservação eacondicionamento deste acervo, man-tendo estas transcrições a salvo da açãodo tempo e suas variações e de eventu-ais acidentes como incêndio, inunda-ção ou desabamento.Estes discos foram produzidos com refe-rência de capa e fundo de estojo “amarra-dos” às informações do banco de dadosdesenvolvido em formato access sempreem consonância com as determinaçõesdo PRODERJ e em similaridade ao ban-co de dados desenvolvido para o cadas-tramento do acervo do MIS, facilitandoassim sua futura integração dos acervos edisponibilizando uma ferramenta debusca simples e de fácil manuseio que

permita aos futuros pesquisadores loca-lizarem peças importantes por meio depalavras-chaves como, por exemplo, in-térprete, evento, nome de programa,data, apresentador, tema, número dodisco, entre outros.

EQUIPE TÉCNICAOs engenheiros responsáveis no MISpor esse importante trabalho foram:Sérgio Nascimento (coordenador téc-nico e transcritor chefe), Marcos Joséda Costa Campos (transcritor e res-ponsável pela manutenção dos compu-tadores), Marcos Siqueira (transcritor eresponsável pelo banco de dados),Maurício Ambrósio (coordenador téc-nico e transcritor chefe), DanielaBenevides (transcritora e responsávelpelo banco de dados) e Ricardo No-gueira (transcritor e responsável pela

manutenção dos computadores). Am-bos os projetos tiveram a supervisãotécnica de Daniel Lins, sócio da VisomDigital, e o projeto Rádio Nacional tevea supervisão geral de Maria Clara Bar-bosa, musicista e produtora cultural. Acoordenação administrativa dos proje-tos ficou a cargo de Fabíola Furtado, as-sistente administrativa do InstitutoSarapuí (parceiro da Visom nestes pro-jetos) e Edmea Dias, gerente adminis-trativa da Vison Digital.A importância na observação dos pro-cessos de elaboração do banco de dados,catalogação, metodologia e qualidadetécnica do processo de digitalização ede armazenamento dos produtos resul-tantes devem ser os observados com amaior seriedade e o foco do projeto de-verá estar sempre na preservação destesacervos históricos.