Reanálise e mudança lingüística Rafael Saint-Clair Xavier Silveira Braga Heloísa Macedo Coelho...
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Reanálise e mudança lingüística
Rafael Saint-Clair Xavier Silveira Braga
Heloísa Macedo Coelho (CNPq-PIBIC)
XXVIII Jornada Giulio Massarani de Iniciação Científica
Orientadoras: Aniela Improta França Miriam Lemle
TEORIA E ANÁLISE LINGÜÍSTICA
Novembro de 2006w w w . l e t r a s . u f r j . b r / c l i p s e n
Arquitetura da GramáticaTraços Abstratos
[Det] [1ª] [pl] [CAUSA] [+ps][Raiz] [Relacionador] [Qu-]
[APLICATIVO] etc..
Enciclopédia(conhecimento não lingüístico)
cachorro: quatro patas, canino, animal doméstico,por vezes morde, etc...
No ambiente dar uma de __magro se referea uma entidade do discurso
que deixa a casa que está visitando tão logo tenha se alimentado
Peças do Vocabulário/cachorro/: [Raiz][+cont][+animado]...
/-s/:[Num] [pl].../ei/:[pst]...
/de/:[Relacionador]...etc...
Operações sintáticas por fases (Concatenar, mover, copiar)
Lista 1
Lista 2
Lista 3
Operações Morfológicas Forma Lógica
Forma Fonológica(Inserção de itens do vocabulário Reajustes e regras fonológicas)
Interface Conceptual(significado)
Spell-Out
MorfologiaDistribuída
Desencontro entre etimologia e a percepção do falante
restaurar restauranteVocê consegue enxergar algum parentesco semântico nessas palavras?
restaur restaur
restaur
Raiz
n
ntea
nome
restaur ar nteRaiz
v’
n’
v n
restaurarrestaur Latrestaurorestauranterestaur
Camada morfológica afetada
Etimologiafr. restaurant (1521) 'aquilo que repara as forças, alimento ou remédio fortificante', (1803)
'estabelecimento público para restabelecer as forças pela alimentação', part.pres. de restaurer 'renovar as forças pela alimentação'; ver restaur- ( Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)
A MD e a questão da reanálise lingüística
restaur ar nteRaiz
v’
n’
v n
restaur
Raiz
n’
ntea
Datação1845-1890 cf. CCBAss
hoje
n
Perda de uma camada morfológica...
acarreta outra leitura na Enciclopédia.
restaur
Raiz
n’
ntea
Datação1845-1890 cf. CCBAss
hoje
n
A minúcia do processo
Traços Abstratos[Det] [1ª] [pl] [CAUSA] [+ps]
[Qu-][APLICATIVO] etc..
Lista 1
[Raiz] [v]
v
Restaur arPeças do Vocabulário/cachorro/: [Raiz][+cont][+animado]...
/-s/:[Num] [pl].../ei/:[pst]...
/de/:[Relacionador]...etc...
Lista 2
[Raiz] [v]
restaur ar
[Raiz+1 morf.categorizador ]
v
Enciclopédia(conhecimento não lingüístico)
restaurar: reparar, recuperar,restabelecer
restaur ar
[Raiz] [v]
v
n[n]
nte
Interface Conceptual(significado)
restaur ar
[Raiz] [v]
v
n
nte
n
Interface Conceptual(significado)
Enciclopédia(conhecimento não lingüístico)
restaurarante: estabelecimento público para restabelecer as forças pela alimentação
Como o primeiro morfema categorizador é suprimido, a raiz passa a ficar concatenada a um outro morfema categorizador, neste caso o nominalizador (enezinho), que agora passa a ser o primeiro morfema categorizador. Logo a sintaxe fica mais rasa e tudo passa a ser interpretado como um bloco indiviso na Enciclopédia. Restaurante perde seu significado original e ganha uma outra leitura semântica na Enciclopédia.
A minúcia do processo
A MD e a questão da reanálise lingüística: alguns exemplos1) inerente havia em latim um verbo haereo, haeres,-si,-sum, haerere (prender, estar pegado a).Esse verbo caiu em desuso. Porém, temos derivados da raiz, combinada com vários prefixos: inerente, coerente, coesão, coeso, coesivo, aderir,aderente,adesivo, adesão
in ente
R a
a
co er entePr R a
R
a
co e s ãoPr R T n
R
T
n
co e s oPr R
T
aR
T
a
ir
v
v
s ão
TnT
n
s ivo
Ta
T
a
erPr R
R
Pr Rad
R
Pr Re
ad
R
Pr Re ad er e nte
v
v
a
a
ad
R
PrerR
O fato de que o verbo haereo caiu em desuso, possivelmente ainda no latim tardio, foi o quefez com que as gerações seguintes não analisassem mais como prefixos as partes in-, ad-e co- . Assim, estas palavras hoje são vistas como tendo muito menos estrutura interna doque a que tinham em latim antes de tornar-se obsoleto o verbo haereo.
2) excelente esse adjetivo se origina do verbo excello, -is, -ui, -ěre (vir do céu)
ex coel o
Pr R n
vn
R
v
O prefixo e o nome coelo passaram a ser interpretados como um bloco indiviso, com uma sintaxe bem mais rasa:
excel ente
R a
a
3) GraúdoO n de gra(n)uto caiu, um fenômeno de pura fonologia, perda de consoanteintervocálica, com isso ficou perdida a conexão do adjetivo com o nome grão.com a perda desta conexão, a nova geração reanalisou o input:
saco graudo saco grande, cheio de grãos
Geração 1: saco gra(n)udo
Geração 2: saco graúdo perda do [n] / v_v
Geração 3: saco graúdo saco grande
Análises possíveis:
R a
graud o
a
ouR a
gra udo
a
4) Contentecontineo, -es, -ui, contentum, continere - sustentar, conter
te(n)ere > ter - tida
continere > conter - contidaQuando o verbo tenere passou a teer>ter, e o particípio passado dele virou tido,a forma contentus não mais foi reconhecida como flexão do verbo ter.Assim essaforma ganhou a estrutura apropriada para receber uma leitura saussurianaarbitrária:
R a
a
content um
A interpretação “contente”que é a nossa leitura moderna pode talvez ser explicada
a partir da expressão contentus suis rebus, satisfeito com suas coisas.
Conclusão Ao adotar um modelo de gramática mais modular, neste caso a
Morfologia Distribuída, em que o léxico é montado fase a fase através da atividade dinâmica de três listas, cada uma delas responsável por uma tarefa, percebemos que é possível se explicar o fato de palavras etimologicamente aparentadas terem perdido o seu significado original. A razão para tal fato é a perda da camada morfológica com o primeiro morfema categorizador onde recaía a leitura primeira em que ocorre a negociação da arbitrariedade saussureana, a Lista 3, Enciclopédia. Com a perda desta camada a concatenação passa para a camada acima. A sintaxe por sua vez fica mais rasa e a leitura da integração da raiz com uma peça vocabular categorizadora passa a ser diferente da original, deixando o parentesco entre palavras muito mais distante em conseqüência da análise feita pelo falante nativo da nova geração.
Referências bibliograficas
HOUAISS, Antonio (2003). Dicionário Houaiss da
língua portuguesa. Editora Objetiva
LEMLE, Miriam (2005). Mudança sintática e sufixos
latinos. In:Lingüística: revista da Pós-Graduação
em Lingüística da UFRJ, Rio de Janeiro, v.1, n.1,
p. 5-44.
TORRINHA, Francisco (1937). Dicionário Latino
Português. Porto