PROGRAMAS DE PRESERVACIN Y CONSERVACIN DE ......Biblioteca Nacional A conservaçao das colecçôes...
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PROGRAMAS DE PRESERVACIÓN Y CONSERVACIÓN DE FONDOS BIBLIOGRÁFICOS
Biblioteca Nacional de España, Madrid, 24 Outubre 2007 A conservação das colecções: custos e benefícios na sua gestão Maria Luísa Cabral 1. Onde tudo começa Esta comunicação reflecte preocupações que fui acumulando no meu exercício como
responsável pelo Programa de Preservação e Conservação da Biblioteca Nacional de
Portugal entre Abril de 1997 e Abril de 2007. Dez anos em fui projectando e
dinamizando a realização prática de muitos projectos, a resolução no curto e médio
prazo de muitos problemas mas também dez anos em que assisti impotente à derrocada
de muitas propostas ou projectos. Dez anos que me fizeram interiorizar muitas questões
e durante os quais percebi, se é que tinha dúvidas, que a preservação e conservação se
encontra no coração da biblioteca; que o programa de preservação e conservação
equivale a uma corrida de fundo; que a preservação e conservação tem uma forte
componente política; que a preservação e conservação não se executa por decisões
voluntaristas; que a preservação e conservação tem um poderoso enquadramento teórico
e ético.
O que hoje trago aqui é um encadeamento de considerações e pensamentos com duas
finalidades distintas: por um lado, revelar alguma reflexão feita sobre uma experiência
concreta; por outro lado, sugerir caminhos alternativos para uma execução de sucesso
de projectos de preservação e conservação.
2. Seleccionar para preservar: um pouco de teoria
As bibliotecas nacionais assumem-se como bibliotecas patrimoniais por excelência.
Esta certeza inabalável implica que todos os documentos gráficos, audiovisuais ou
electrónicos à sua guarda devam ser considerados como “património”, logo,
inalienáveis. Até ao fim dos seus dias exigem cuidados, logo, despesa.
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Em termos de gestão, tem sido praticamente indiferente considerar todas as obras à
guarda das bibliotecas como património ou não. Hoje em dia, com a consciência aguda
para os problemas orçamentais e na perspectiva duma análise custo benefício, torna-se
oportuno rever o conceito de património.
Não é indiferente nem se trata de um preciosismo a clarificação sobre a abrangência do
termo “património” em relação às colecções das bibliotecas nacionais. Quem trabalha
numa biblioteca nacional, gosta de acreditar que aquelas vastas colecções constituem
“património” porque esta evidente complexidade se transforma num privilégio ao
colocar a biblioteca num patamar exclusivo e único. Em contrapartida, as situações
problemáticas crescem na relação directa, reflectindo-se na estratégia para a instituição
a longo prazo, na gestão financeira institucional, na gestão dos depósitos (questões
físicas), na gestão das colecções (questões de conteúdo), na qualidade dos serviços a
prestar aos leitores. Efectivamente, se as colecções não forem, na sua totalidade,
consideradas “património”, então, a forma de gerir a biblioteca terá de ser repensada,
pode mudar radicalmente e, quiçá, tornar-se mais eficaz.
Distinguir, portanto, se todas as obras à guarda da biblioteca merecem a designação de
“património” gozando os direitos inerentes torna-se, nos dias de hoje, uma questão
determinante.
A origem e a missão das bibliotecas nacionais por toda a Europa são idênticas. Fora da
Europa, pelo menos, têm uma mesma missão como denominador comum. E o mais
espantoso é que, apesar dos diferentes patamares de desenvolvimento dos respectivos
países, os problemas que as afectam são sempre os mesmos. Primeiro, o Depósito
Legal: âmbito, legislação, cumprimento; depois, as funções de agência bibliográfica
nacional; finalmente, as alternativas em matéria de preservação e conservação das
colecções. Se os documentos à sua guarda foram escritos em papel ou em casca de
árvore, se vêm em cadernos ou rolos, pouco importa. A única coisa a considerar é que
constituindo testemunho dum tempo, dum pensamento, duma cultura, esses registos
valem como “memória” e como tal têm de ser geridos e preservados.
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Mais sintomático ainda, é que esta missão de preservar acaba por ser uma
responsabilidade universal, isto é, o que a Dinamarca selecciona e guarda, por exemplo,
não lhe diz apenas respeito; afecta também as outras bibliotecas nacionais e, portanto, se
a agência bibliográfica dinamarquesa não é eficaz, a Argentina, por exemplo, poderá
justificadamente exigir mais. Ou seja, a preocupação com o “património” ignora
fronteiras e passa a ser uma questão de interesse geral à escala planetária. Sendo assim,
mais do que nunca é importante separar o principal do secundário e perceber se o nosso
tempo, as nossas energias, os nossos orçamentos estão a ser bem aplicados ou se por
incapacidade, comodismo ou incúria estão a ser desbaratados. Resumindo, deveremos
considerar todas as colecções à guarda numa biblioteca nacional como “património”,
com prejuízo da qualidade de serviço que se presta, ou teremos a coragem de considerar
umas obras mais “património” do que outras?
A preocupação de guardar os documentos escritos, escolhendo os mais notáveis entre
eles, só revela um espírito sábio, reflectindo, efectivamente, a capacidade e a
inteligência de quem escolhe e decide. Aquisições ad hoc enfraquecem e desvirtuam a
colecção. Os conceitos de “colecção” e de “património” tornam-se, portanto,
indissociáveis.
As colecções duma biblioteca nacional não são homogéneas e, não o sendo, não podem
ser tratados duma forma uniforme. Por vocação, uma biblioteca nacional é um museu do
livro mas também pode e deve ser um instrumento de pesquisa científica. “A
delimitação e a definição do objecto com valor patrimonial são imprescindíveis para
saber o que deve ser conservado e porquê. Nada se pode proteger que não tenha sido
investigado, delimitado nem valorizado” e “tão importante como conservar será
seleccionar adequadamente” (TUGORES TRUYOL; PLANAS FERRER, 2006).
Não se pretende excluir uma parte do acervo mas apenas agrupar obras duma forma
mais lógica permitindo a introdução duma gestão mais eficaz, com uma melhor
aplicação dos recursos humanos, técnicos e financeiros existentes. Cada biblioteca
nacional é uma biblioteca de último recurso, a reserva da reserva. Nada alterará este
estatuto e a instituição inteligentemente deverá actuar no sentido de lhe fazer jus.
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O que certamente não é possível nem desejável é continuar a considerar tudo igual, em
forma, em conteúdo, seja passado ou futuro, numa enorme amálgama. A conservação
das obras efectivamente significativas, que deverá preceder aquela de acordo com os
tais parâmetros, é tão decisiva como a própria selecção. “Antes de ser o lugar de
preservação da memória, o museu é um território de construção da memória, disputa
em torno do que deve resistir à corrosão do tempo” (RAMOS, 2004). Uma constatação
que me parece poder aplicar-se às bibliotecas.
3. Conservação preventiva e gestão de colecções Para lá de alguns inevitáveis desencontros terminológicos, todos os autores colocam a
conservação preventiva no cerne das suas preocupações. Para mim, também, o objectivo
da conservação preventiva é reduzir os riscos da deterioração sem significar uma
intervenção de carácter físico-química, prolongando tanto quanto possível a vida dos
documentos à nossa guarda. Potencialmente esses riscos existem mas a sua eclosão
dependerá das condições ambiente, da forma como as colecções são mantidas e
protegidas, das condições de segurança, do recurso a suportes alternativos. Em todas
estas situações, o princípio dos vasos comunicantes funciona.
Não quero deixar de referir que não vou abordar questões relacionadas com o restauro.
Muitas vezes, em linguagem coloquial, referimo-nos às actividades de preservação e
conservação com o termo “restauro” o que é profundamente desadequado. Fosse apenas
uma facilidade terminológica e não era problemático. Mas o grave é que não se trata
apenas de mais outro termo. Por trás desta aparente confusão jazem um conceito e um
preconceito que é tempo de eliminar. O conceito escondido é o entendimento que se tem
de que se trata de intervenção pontual, circunscrita a um documento, visando
transformar o velho em novo para deleite dos utilizadores e orgulho dos técnicos;
preconceito porque se atribui a intervenção à habilidade de pessoas com muito jeito de
mãos, aperfeiçoadas pela prática e não necessariamente com qualificação académica.
Esta perspectiva contraria completamente a perspectiva de hoje e é inaceitável. O
restauro é, tenho a certeza absoluta, uma tarefa nobre e indispensável mas processa-se
num patamar distinto da conservação, sobretudo da conservação preventiva e esta
seriação prende-se directamente com a estratégia institucional. Se os recursos são
mobilizados para intervenções de restauro em algumas peças, milhares doutras
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insidiosamente vão-se perdendo para sempre. A passagem entre conservação e restauro
é muito estreita; se não a mantivermos aberta, as colecções à nossa guarda vão ressentir-
se para sempre.
Existe uma profunda articulação entre preservação e desenvolvimento das colecções.
Mais do que articulação, existe cumplicidade. Ainda que em bibliotecas a conservação
preventiva não se aplique apenas a documentos em suporte papel, vou deixar de lado a
conservação de documentos em suporte electrónico o que envolveria a análise das
questões da migração, da fiabilidade, da durabilidade. A minha preocupação neste
contexto prende-se com as grandes massas documentais gráficas à nossa guarda, os
dilemas que enfrentamos e as opções que temos de fazer. Conseguir equacionar o
problema, definir prioridades e um programa de acção. E tudo com os recursos ao nosso
alcance. Essa é a minha postura na prática. Assim, peguei na experiência adquirida e
vou tentar sintetizá-la aqui de forma organizada.
Muitos dos aspectos que abordarei não são exclusivos às bibliotecas; são também
verdadeiros para arquivos e museus já que somos todos membros duma mesma e grande
família na qual aquilo que nos aproxima é bem mais significativo do que aquilo que nos
separa. Em qualquer destas instituições, à espera da intervenção dos técnicos, está um
património acumulado em função do tempo. Se a instituição tem um passado mais
longo, o volume patrimonial tende a ser mais impressionante; se a instituição é mais
recente, o património é bem menor mas não obrigatoriamente menos valioso. Apesar de
toda a normalização, ainda não conseguimos estabelecer um princípio que diga “o valor
da colecção varia na relação directa da idade de instituição”. Porém, o que é verdade é
que uma menor volumetria documental não significa obrigatoriamente facilidades no
tratamento. Em qualquer caso, a acumulação de documentos muitas vezes não passou
pelo crivo da selecção e, portanto, predominou uma atitude passiva que é, em meu
entender, lesiva do património. Mas também das instituições e dos seus recursos, dos
profissionais e dos seus utilizadores. Uma política de preservação e conservação
começa, efectivamente, colocando ponto final nesta atitude passiva.
O problema da volumetria documental é sobretudo do domínio interno das instituições.
É no silêncio dos depósitos que os profissionais se vêm a braços com situações
dramáticas que não transpiram para o exterior. Na maior parte das bibliotecas, o acesso
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não é directo, logo, os utilizadores desconhecem a ginástica que às vezes é preciso fazer
para manter a casa arrumada; nos arquivos, onde o acesso aos depósitos será sempre
interdito, os utilizadores não entram. O silêncio que se instala é total e, para o exterior,
nada transparece: como expandir? Como arranjar mais espaço para comportar o
contínuo crescer das colecções? Onde colocar mais estantes sem fazer perigar a lógica
orgânica das estantes? Como prosseguir sem pôr em risco a segurança dos funcionários?
As instâncias superiores da hierarquia nem sempre são sensíveis a estas “pequenas”
questões: há 30 anos os problemas de segurança no trabalho não se colocavam e hoje
ainda se lida mal com eles. Quando levantamos estes problemas relacionados com
segurança ou com a limpeza e manutenção das espécies ou com o custo real do espaço
físico, não nos tornamos muito populares. Contudo reside aqui, bem no coração da
instituição, o princípio de qualquer programa de preservação e conservação e de gestão
das colecções.
Um posto de trabalho para garantir a limpeza diária das espécies e espaço afecto
(prateleiras e chão), incluindo mão-de-obra, produtos de limpeza e equipamentos,
electricidade e água, deverá rondar os 50 €/dia; a este valor temos de adicionar o custo
da luz e do aquecimento ou ar condicionado e ainda o valor equivalente ao aluguer do
metro quadrado do edifício. Para o bem estar das colecções, esta simulação do custo
diário deverá ser multiplicada por 365 dias, um ano e outro e outro até ao final dos dias.
Não temos o hábito de fazer estas contas e os políticos também ainda não. Garantir essa
verba tornaria o programa sustentável; no extremo mais ocidental da Europa de onde
venho, essa contas não se fazem. Aqui, na Província de Madrid, não sei. Mas
eventualmente as bibliotecas e os arquivos acabarão por passar a um patamar onde tudo
é mensurável. Para que bibliotecas e arquivos não percam o controlo, convirá tomarem
a iniciativa. Isto é, começarem a olhar para a sua gestão de uma forma objectiva a
rigorosa. Por razões diferentes das nossas, os políticos começarão a questionar as
facturas dos projectos de manutenção, da instalação e do próprio armazenamento.
Enquanto os orçamentos são, ano após ano, cada vez mais insuficientes mais se
questiona a falta de correspondência entre os custos a montante e o produto a jusante.
Quanto gastamos, para quê e como se gasta são perguntas recorrentes. Será inteligente
dispor da justificação quantitativa e do relatório qualitativo que refira os objectivos
alcançados.
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Um caso frequente nas bibliotecas que ilustra bem o que acabo de referir é o das
doações. Quantas vezes as bibliotecas aceitam doações ou ofertas ou incorporações
pressionadas por razões que não se prendem com os interesses reais da biblioteca. Se a
biblioteca não dispuser de uma política de selecção e aquisições, o crescimento e
desenvolvimento das colecções acontecerá de forma assimétrica acabando por
determinar um rumo dos acontecimentos fora de controlo. Os serviços de informação e
leitura perderão o seu desejado impacto por incoerência; a gestão das colecções, dos
conteúdos e dos espaços, será imprevisível; a utilidade daquela biblioteca
especificamente até pode mesmo ser posta em causa. Desconhecer como vai crescer
uma biblioteca levanta sérias dificuldades à execução dum plano de preservação e
conservação se não é que o condena em absoluto.
A existência de uma política de selecção e aquisições é uma questão sine qua non na
gestão duma biblioteca. Os arquivos já compreenderam esta relação e a legislação que
incentiva e favorece a triagem de documentos, proporciona a arrumação dos arquivos
enquanto introduz racionalização; os museus quando deixaram de ser armazéns de
objectos expostos e passaram a exibir de forma criteriosa, definindo áreas temáticas e
prioridades, equacionaram custos e recursos, iniciaram uma nova era. As bibliotecas, do
meu de vista, estão ainda numa fase de pré-racionalização mas a escassez de recursos,
os desafios e exigências da sociedade de informação não lhes vão conceder muito mais
tempo. Terão de definir prioridades, de seleccionar, et pour cause, de repensar na sua
preservação e conservação.
Para ter no terreno uma boa prática em preservação e conservação, é indispensável ter
um conhecimento profundo das colecções e este não se obtém nem por magia nem
mecanicamente. A receita também não consta dos manuais, isto é, não se ganha
familiaridade com os livros by the book. Conhecer as colecções exige calcorrear
quilómetros entre estantes compactas de livros, de caixas, de documentos atados com
cordas, na melhor das hipóteses com fita de algodão, jornais, encadernações que já
deixaram de o ser tantos são os anos de mau manuseamento. Poderão fazer-se
levantamentos estatisticamente baseados mas nada substitui o convívio regular com as
espécies. Parafraseando Eco, “converter a biblioteca numa aventura” também passa por
este convívio.
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Recusar a compra, a oferta ou a doação de espécies em mau estado de conservação
física é uma medida de precaução perante a qual só vale a pena hesitar quando
reconhecidamente se admite que o exemplar em causa é raríssimo e que não se apanha
no mercado da especialidade. Não pode interessar a nenhuma biblioteca a incorporação
de um exemplar cuja disponibilização à leitura vai obrigar, por exemplo, a uma
intervenção total de conservação e restauro cujo custo facilmente pode atingir, ou
mesmo ultrapassar, o valor da compra. Se isto acontecer, então, é razoável perguntar se
a compra terá sido bem decidida, se esse documento tão oneroso na sua recuperação
deve ser dado à leitura sem restrições ou, se pelo contrário, o deveremos imediatamente
transferir de suporte e apenas exibir em momentos especiais. Será mesmo justo
questionar se todo o esforço aplicado terá alterado a qualidade de serviço prestado pela
biblioteca ou, melhor dizendo, não será que uma análise custo-benefício acabará por
revelar que a decisão de aquisição foi tomada com alguma ligeireza?
Os caminhos da conservação estão, pois, intrinsecamente relacionados com a forma de
gerir as colecções e tanto faz que se trate de documentos mais ou menos antigos porque
todos os documentos gráficos necessitam de alguma forma de conservação. O que muda
é a estratégia de intervenção; um diagnóstico errado determina uma intervenção
desajustada, logo e em última instância, um mau serviço ao utilizador.
Em preservação e conservação são mais as circunstâncias a exigir solução singular do
que a pedir solução por copy paste. As variantes são dadas pelas características da
própria colecção e, por isso, é irrefutável esta interacção que tenho vindo a referir.
Independentemente do tipo de biblioteca ou arquivo, os cuidados em preservação e
conservação são uma constante e são da essência da organização. Hoje em dia com o
que já se sabe e conhece é imperdoável não considerar uma linha de intervenção para
preservação e conservação na orgânica e no orçamento de cada instituição. Os
documentos têm um ciclo de vida: nascem, vivem e morrem. Um processo silencioso
com as suas alegrias e os seus dramas que se desenrola nos depósitos à nossa guarda.
Sobretudo nas instituições patrimoniais, a missão dos seus profissionais é proporcionar-
lhes a eternidade reconhecendo que a preservação e conservação não se auto justifica e
que a gestão pontual e atomizada das colecções não vinga. Sem nunca esquecer o valor
cultural e histórico de cada documento, as colecções têm hoje de ser construídas com
dupla preocupação e, para mim, esta é a função mais nobre e mais exigente que espera
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por profissionais competentes. Pela própria colecção, pela valorização do património,
pelos serviços que potencia, pela contribuição que traz na construção do conhecimento.
4. Lançar um Programa de Preservação e Conservação A missão e os objectivos duma instituição estabelecem o quadro e definem o programa
de Preservação e Conservação. No âmbito deste, portanto, conclui-se que um programa
de conservação preventiva exige visão estratégica e planeamento. Por oposição a uma
interpretação institucional defensora do restauro, a conservação preventiva pressupõe
uma visão geral, articulada entre condições ambiente, manutenção do edifício e estado
das colecções (incluindo limpeza). Esta opção corresponde a uma visão global enquanto
a outra será sempre uma interpretação fragmentada e casuística cujo reinado deixou de
ser sustentável há décadas. Uma gestão que ignore uma visão global e articulada
privilegiará o restauro, a exibição de belas peças - ainda que descontextualizadas - como
se a reconstrução de algumas peças pudesse inverter a situação de deterioração
generalizada ao conjunto das colecções, ignorando ainda por cima que essas peças
maravilhosamente devolvidas a glórias passadas não sobreviverão num ambiente
adverso e descontrolado. Refiro condições ambiente mas também manuseamento e
condições de armazenamento e ainda reprodução. Sem acautelar tudo isto, o restauro
que é capaz de nos deslumbrar não só está em risco como corresponde a um desperdício
de recursos. Insistir no restauro per se deve ser questionado. As grandes bibliotecas que
investem minimamente no restauro começando por praticamente desactivar as
respectivas oficinas não apresentam resultados negativos na gestão das colecções. Esta
constatação deveria fazer os nossos políticos pensar maduramente no caso sem os levar,
claro, à conclusão simplista de que preservação e conservação podem ser dispensadas.
A evolução teórica a que assistimos neste domínio tem o seu paralelo na forma como se
faz e escreve a história, por exemplo. Hoje é difícil aceitar uma interpretação histórica
que privilegie os chefes; o que importa perceber é o conjunto dos homens. Como é que
eles fizeram o que fizeram, com que meios, para atingir que fins. Panorama idêntico
com os documentos: a massa anónima também está lá a pedir muita atenção e embora
não a deixemos de dar àquelas peças que se destacam não podemos perder de vista o
conjunto com risco de contribuirmos para um esquecimento criminoso.
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No jogo em que todos estamos envolvidos, é importante sublinhar a fragilidade orgânica
dos documentos, logo, o seu carácter transitório. Se às debilidades orgânicas, somarmos
o constante manuseamento para consulta, as condições ambiente inadequadas, a
exposição frequente de [alguns] documentos, as diferentes intervenções de conservação
ao longo da sua vida institucional, logo se compreenderá a vulnerabilidade deste
universo e, portanto, estará justificada toda a atenção que lhes possamos dedicar.
Talvez possamos ganhar a causa dos documentos gráficos invocando casos muito
mediáticos cheios de glamour do campo da arqueologia. Quando o túmulo de
Tutankhamon foi aberto em 1919, parecia ter sido feito na véspera. Hoje, as visitas
foram canceladas: o número de visitantes, as oscilações das condições ambiente
provocaram a deterioração das pinturas; em Altamira, o colorido esvaneceu-se, as
visitas estão dificultadas. Durante milhares de anos até à contemporaneidade, as
pinturas daqueles locais mantiveram o seu brilho e fulgor porque estiveram,
naturalmente, ao abrigo de alterações das condições ambiente. Com os documentos
gráficos, o processo de deterioração é idêntico embora na maior parte das vezes apenas
perceptível pelo olho treinado do especialista. É este o limiar que não queremos
atravessar.
E passo a citar um texto meu escrito há uns anos: “No conjunto das colecções, algumas
peças terão honras de intervenção minuciosa. Não há tempo, não há técnicos em número
suficiente, não há recursos financeiros que possam alguma vez, seja onde for, estancar a
deterioração em marca. Só uma política de conservação preventiva que crie as
condições gerais de estabilização física e química pode dar garantias de maior
longevidade aos documentos. Trata-se de um tipo de intervenção menos apelativa mas
bem menos onerosa e mais eficaz do que qualquer outra alternativa. É a defesa desta
orientação que urge implementar criando as condições para que o trabalho de
conservação preventiva frutifique” (CABRAL, 2002).
Assim se entende que um programa de preservação e conservação tem absoluto
cabimento quer se trate ou não de uma instituição com colecções de documentos
gráficos mais antigos. Todos os documentos estão sujeitos à mesma lei da vida e nós,
profissionais, apenas fazemos o nosso melhor para lhes prolongar o tempo de vida. Ao
mesmo tempo, temos de os mostrar porque os mais valiosos atraem muitos visitantes e
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porque não os mostrando qual é o sentido de os possuir? Com certeza que há aqui uma
contradição mas temos de a saber pesar e, sobretudo, não ter medo de defender os
nossos princípios que eu resumiria numa única palavra: informar. Com regras, segundo
princípios de segurança, obviamente. Mas mostrar, deixar ver. Mesmo aplicando a regra
de oiro da museologia, isto é, limitando a exposição a 3 meses por ano a níveis de luz
inferiores a 50 lux, os documentos podem ser mostrados e apreciados. Adoptar uma
política de abertura também passa por aqui.
Enveredar pela conservação preventiva não é apenas uma opção. É a opção. No
hemisfério Norte, no Sul, para leste ou para oeste de Greenwich. Qualquer alternativa
noutro sentido está errada, não nos leva a sitio nenhum nem traz nada de bom. Tem os
dias contados. A execução dum programa de conservação preventiva obriga-nos a
definir as áreas de risco e, portanto, a projectar para cada uma destas áreas um
subprograma completo e detalhado. Na conservação preventiva o restauro não está
incluído. Cada instituição terá o seu programa de restauro mas a esta inevitabilidade
deverá contrapor um grande sentido de responsabilidade e de oportunidade. É fácil
ceder à tentação e inverter os termos ao quebrado. Isto é, deixar-se embalar pela beleza
que o restauro pode proporcionar e ir, de uma forma escorregadia, afectando mais e
mais recursos para o restauro acabando por desvirtuar as preocupações iniciais. A
melhor maneira de evitar que esta alteração tome conta dos nossos serviços, é constituir
equipas separadas com objectivos precisos em que uma é responsável por acções de
conservação preventiva e outra é responsável pelo restauro. Uma vez que a preparação
técnica é idêntica para que as pessoas não se sintam preteridas ou prejudicadas, ao fim
de algum tempo, as equipas podem trocar entre si.
Quando um técnico é incumbido de iniciar um programa de Preservação e Conservação
pode ser assaltado de muitas dúvidas entre as quais certamente definir por onde começar
não será a menor. Depois o terror de começar e não chegar a lado nenhum. Por isso, ao
começar é muito importante atribuir um objectivo, fixá-lo e desenvolver o trabalho
nesse sentido. Duas coisas eu recomendaria: não ter medo de fixar objectivos modestos
e não ter medo de reconhecer dificuldades. Mas também recomendaria outra coisa: é
absolutamente indispensável começar. Para já não mencionar os problemas técnicos que
precisam ser atalhados, em gestão não se pode esperar toda a vida para tomar uma
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decisão. Além do mais, às vezes é mesmo necessário enfrentar uma decisão errada para
perceber o que devia ter sido feito e não fez.
Mesmo que no papel consigamos desenhar um belo programa de Preservação e
Conservação, talvez nem sempre na prática o consigamos pôr todo em marcha. A falta
de prática pode explicar esta dificuldade mas também a falta de recursos humanos e
técnicos. Sobretudo o medo de errar pode ser completamente impeditivo de começar
mas então há que pegar naqueles pequenos projectos cuja execução menos canónica não
ponha em causa os documentos. Dou um exemplo: se vou limpar documentos não
preciso de começar pelos documentos mais deteriorados e frágeis cujo manuseio é
particularmente difícil; talvez possa escolher livros mais sólidos até ganhar aquela
agilidade que me irá dar a confiança para partir para casos mais difíceis.
Poderemos cometer erros irreversíveis ao precipitar os acontecimentos. Em gestão
costuma dizer-se que “pressa, sim; precipitação, não”. Ora, no caso concreto em que
lidamos com objectos frágeis e fragilizados, nada de mais verdadeiro. Numa biblioteca
ou num arquivo é muito fácil estar sujeito a pressões: a exposição que tem de abrir
naquela data, o utilizador que quer consultar aquele documento ou ainda o outro leitor
que quer o microfilme feito em 24 horas ou quer levar aquela imagem já! Quantas vezes
não nos julgamos completamente incapazes porque não percebemos como ultrapassar
esta ou aquela dificuldade? Como compreender os sucessos de outras instituições, tudo
fácil e rápido? Este aspecto, pessoalmente, acho muito demolidor porque nos
esquecemos que não é hábito as instituições e os colegas deixarem transpirar os seus
insucessos o que pode acabar por provocar a desmotivação. Parece que todas as
dificuldades do mundo caíram exclusivamente na nossa bancada! É nestas ocasiões que
ficamos contentes por ter visitado outros locais de trabalho; deixamos de nos sentir tão
sozinhos e incapazes. Não há nada mais estimulante do que poder partilhar as derrotas e
as vitórias. Sobretudo os pequenos segredos que nos proporcionaram momentos de
glória. O que é mesmo importante é compreender que não há modelos únicos. No leque
de modelos e soluções uma coisa é indispensável: as opções deverão ser tomadas em
função da instituição, sempre no médio e longo prazo, deverão ser sustentáveis e
visíveis. Sempre de dentro para fora, num exercício de comunicação que distingue as
acções de preservação e conservação da actividade de restauro, virada para dentro,
individual, ignorando os problemas das grandes massas documentais.
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5. Múltiplas facetas do Programa de Preservação e Conservação Não me canso de repetir: não há um modelo único e não havendo um modelo único, não
há melhores ou piores programas de preservação e conservação. O padrão é a
instituição; cada instituição requer um programa de determinada extensão e
complexidade. Se o diagnóstico foi bem feito, a estratégia definida de acordo com os
recursos existentes, então entre prognóstico e eficácia tem que haver uma total sintonia.
Os objectivos são alcançados, debela-se a doença. O segredo do sucesso está em
conseguir identificar o problema, planear a intervenção e conseguir levar até ao fim a
execução do programa. Nem todas as soluções exigem avultadas verbas; nem todas as
intervenções exigem técnicos altamente qualificados ou equipamentos muito
sofisticados. Trata-se de uma área de trabalho em que acções bem pouco vistosas podem
fazer milagres.
Estão neste número de acções menos vistosas a limpeza das espécies, das estantes e
prateleiras e espaços de armazém. Não só são intervenções que não dão nas vistas como
ainda por cima o pessoal qualificado não gosta muito de executar. Deste ponto de vista,
tratam-se de trabalhos difíceis de executar. Está ainda muito enraizada a ideia de que
limpar os documentos não é mais do que limpar o pó e, portanto, pedir a um técnico
qualificado que limpe o pó assemelha-se mais a um castigo do que a uma tarefa de
mérito. Mas todos sabemos duas coisas: primeiro, que não se trata de desqualificar
ninguém e, segundo, que uma limpeza às espécies bem executada resulta em anos de
vida que devolvemos às espécies. A delicadeza desta operação, quer do ponto de vista
humano quer do ponto de vista técnico, leva-me a outra linha de trabalho que para além
de requerer a nossa iniciativa e boa vontade praticamente não exige mais nada. Refiro-
me à formação e sensibilização do pessoal da instituição. Limpar as espécies não requer
qualificação mas exige muita sensibilidade e bom senso. Nunca é fácil abordar técnicos
da instituição com 10, 15 ou 20 anos de “casa”. Olham-nos como se fossemos intrusos
e, portanto, não vale a pena começar por lhes explicar como se faz porque,
inevitavelmente, a resposta será “sei muito bem como se faz”. Pelo contrário, se lhes
pedirmos para nos mostrarem como costumam fazer, talvez possamos detectar de
imediato aquilo que não deve ser feito e, então, teremos espaço para semear alguma
solução nova.
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Escusado será sublinhar que a limpeza, mexendo com as próprias espécies, vai dar a
oportunidade para uma inspecção das próprias espécies e das prateleiras. Desde a
verificação de espécies fora do lugar, inclinadas, a pedir para serem envoltas em papel
acid free ou atadas com fita de algodão, fitas de algodão que precisam ser reajustadas,
remoção de bocadinhos de papel que foram colocados pelos leitores entre as páginas,
renovação de etiquetas, colocação de ampara-livros e eventualmente até a detecção de
insectos ou bolores. Ao reciclar os técnicos, é muito importante realçar estes aspectos
para que a limpeza do pó não seja apenas olhada como uma tarefa menor. Esta pintura
mais profissional pode introduzir toda a diferença quer na sensibilização quer nos
resultados.
Outra linha de trabalho que também não exige grandes recursos técnicos ou financeiros
é o da monitorização de pestes. Embora seja parte do Controlo Integrado de Pestes
(CIP), podemos ao mesmo tempo que progredimos para os depósitos com acções de
limpeza e de correcto armazenamento, ir colocando armadilhas no sentido de detectar a
existência ou aparecimento de insectos rastejantes.
Deixei para mencionar no fim deste conjunto de intervenções, o controlo das condições
ambiente não porque o não coloque no topo das nossas preocupações e exigências mas
porque exige alguma disponibilidade financeira. Se utilizarmos os velhos
termohigrógrafos, eles precisam de estar calibrados e, às vezes, este ajuste exige verba;
se quisermos recorrer a um controlo digital, teremos que adquirir os aparelhos e entre
estes, como sabem, quanto mais esperarmos deles mais sofisticados e dispendiosos
serão. Assim, recorrendo a aparelhos que já existam ou planeando a aquisição e
instalação de equipamentos mais actualizados, a preocupação com o controlo das
condições ambiente está tão interiorizada que precisamos da implementação no terreno
do controlo de condições ambiente como precisamos de oxigénio para sobreviver!
Temos, assim, duas ou três frentes de combate que, não exigindo o impossível, vão
consolidando a imprescindibilidade do programa de preservação e conservação.
Agora, as colecções propriamente ditas. Neste patamar, já se exige mão-de-obra
qualificada e treinada. Por exemplo, a manutenção e o acondicionamento das espécies.
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Com menores recursos, consegue-se executar os acondicionamentos na própria
instituição. Com recursos mais abastados, podem-se adquirir no mercado. Com modelos
mais simples ou mais perfeitos, as colecções agradecem sempre mesmo uma pequena
atenção. O mesmo é verdade para pequenas intervenções de conservação: pequenos
rasgões, lombadas a quererem soltar-se, cadernos soltos, sobrecapas a exigirem
protecção, etc. O que interessa é que as intervenções sejam pautadas por grande respeito
pela espécie e um pequeno programa prosseguido sistematicamente fará a diferença ao
fim de pouco tempo. Outra vez, o programa de preservação e conservação consegue
visibilidade e credibilidade, logo, garante uma posição no terreno.
Também é importante ponderar a avaliação científica do estado de conservação física
das colecções. Não se trata de uma novidade mas são poucas as bibliotecas ou arquivos
que algum dia fizeram esta avaliação. Este tipo de levantamento fornece dados
matemáticos e estatísticos permitindo fundamentar a estratégia a definir para o
programa de preservação e conservação. Apesar das vantagens evidentes, também me
parece que em bibliotecas médias ou pequenas não compensará lançar um levantamento
desta natureza porque implica muitos recursos humanos e exige muito tempo. Se as
instituições têm falta de pessoal certamente não se poderão dar a este luxo.
Poderemos depois, e muito em função do tipo de biblioteca, projectar um programa de
encadernação de obra corrente para bibliotecas com muito serviço de leitura como é o
caso das bibliotecas públicas ou universitárias. Este é um tipo de trabalho que tem como
objectivo preparar as obras para um manuseamento muito intensivo seja pela leitura seja
pela fotocópia. Se não prepararmos as obras estas deixam de ter condições de
durabilidade e resistência para circular e, obviamente, não é para isso que as obras estão
nas bibliotecas. Claro que a nossa atenção deve dirigir-se para as características
estruturais do livro e não para o embelezamento do livro. O maior problema, no meu
entender, para prosseguir a encadernação corrente prende-se com a necessidade absoluta
de dispor de técnicos experimentados. A instituição poderá não ter oficina própria mas
se não dispuser de técnicos capazes de observarem estruturalmente o livro, como é que
pode avaliar o trabalho mandado fazer fora? Hoje em dia manda-se executar muito
trabalho por concurso público mas na retaguarda as instituições obrigatoriamente terão
de dispor de infraestruturas adequadas: é responsabilidade destas infraestruturas
conhecer as colecções, seleccionar as peças, indicar os problemas e as soluções que
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pretendem e, finalmente, verificarem a qualidade do trabalho executado. Acreditar que
basta entregar o trabalho a uma empresa para depois receber e arrumar os livros, é
loucura.
Um programa que se encontra no mesmo patamar é o da desacidificação em massa.
Dependente obrigatoriamente de um conhecimento do estado físico da colecção, este é
um programa adequado para arquivos e bibliotecas mas é um programa que exige
grandes montantes financeiros. Trata-se de uma intervenção de grande envergadura e
através da sua prática talvez se encontre a solução para os problemas da fragilização que
afectam o papel. Regra geral, as bibliotecas e os arquivos não dispõem de instalações
próprias para fazer este trabalho e, portanto, nesta área, os concursos públicos são a
resposta aceitável. Como noutras circunstâncias, é indispensável garantir o
acompanhamento por pessoal da instituição e não entregar completamente o processo
nas mãos da empresa.
Finalmente, a transferência de suporte. Talvez um dos maiores pomos de discórdia entre
oficiais do mesmo ofício! É um campo que dá sempre azo a grandes discussões e
confusão. A oferta varia entre a microfilmagem e a digitalização ou as duas alternativas
em simultâneo. Não vou equacionar prós e contras de cada uma das alternativas mas,
julgo, que todos concordaremos que cada uma delas tem as suas vantagens e
desvantagens e que as opções têm a ver com os objectivos e também com o
financiamento disponível e também com a sustentabilidade que cada instituição estiver
apta a assumir. Muitas instituições têm grandes laboratórios mas dado o volume de
documentação a processar mesmo assim recorrem a empresas exteriores. Neste caso, só
uma pequena chamada de atenção para a necessidade de preparar cadernos de encargo
muito firmes e também para a necessidade de garantir muito acompanhamento por parte
do arquivo ou da biblioteca. Deixar a avaliação da qualidade para uma fase derradeira
do projecto pode resultar em desastre completo.
A reunir a este conjunto de grandes projectos, acho que não ficará deslocado considerar-
se a elaboração do plano de emergência. Qualquer biblioteca ou arquivo à semelhança
do que acontece para hospitais, escolas, instituições as mais variadas não pode
prescindir do desenho e implementação das medidas que lhe permitam responder
adequadamente ao deflagrar dum desastre. Há que munir as nossas instituições culturais
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dos equipamentos apropriados e da formação específica de modo a que se o desastre
ocorrer nem as pessoas nem as colecções sejam abandonadas. Bastará lembrar a
imprevisibilidade duma inundação ou de um incêndio para se perceber a urgência do
plano de emergência.
O Programa de Preservação e Conservação é poliédrico: inúmeras facetas que se
complementam ou reflectem conferindo-lhe uma dinâmica a que nenhum departamento
da biblioteca, arquivo ou museu fica imune. Não é uma actividade que se limite a um
departamento e que funcione segundo uma ordem hierárquica tradicional. Pelo
contrário, é um trabalho que corta a instituição na transversal, para o qual concorrem
todos os sectores e que só encontra semelhança nos próprios programas de
informatização das instituições. É por isso que eu acho que tem uma forte componente
política.
6. Avaliar custos e benefícios Numa época em que somos obrigados a quantificar o nosso trabalho, é indispensável
precisar o tipo das tarefas que desempenhamos mas ainda é mais importante pesá-las e
quantificá-las.
O termo “restauro” na sua acepção mais pura leva-nos ao passado quando o “restauro”
significava a intervenção individualizada, peça a peça, pontual, destinada a salvar e
valorizar um determinado documento gráfico. Independentemente do que viesse a
acontecer aos outros documentos gráficos compagnons de route, a hora de glória havia
soado para o documento seleccionado para ser sujeito a restauro. Talvez devido a um
maior valor histórico; talvez porque foi escolhido para figurar numa exposição; talvez
porque a sua temática estivesse mais em voga. Tudo bons motivos para uma selecção
sempre nominal que distinguia aquele documento da massa anónima, proporcionando-
lhe uma maior expectativa de vida. Nesses dias e nessa perspectiva pouco interessava,
efectivamente, o destino da colecção. Se hoje a gestão das colecções ainda sofre tantas
contrariedades, há 25-30 anos, o conceito era completamente desconhecido como
também o conceito de conservação preventiva era inexistente o que só piorava a
situação.
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A suportar esta interpretação, técnicos dedicadíssimos devolviam tanto quanto possível
à condição original, num processo silencioso e tranquilo, os documentos que eram
depositados nas suas mãos. Todos os que lidamos com património conhecemos casos
exemplares desse “restauro” de fraca qualidade e pouca ética. Sem perigo de errar, os
conhecimentos científicos que sustentavam esse restauro eram na razão inversa da
dedicação aplicada.
Embora a situação tenda a inverter-se, em mais casos do que seria desejável, o restauro
continua ainda a ser encarado como a solução para os problemas que o património
documental enfrenta. A maneira como é encarado o problema, a forma como é
procurada uma solução, denota uma atitude intelectual e técnica ultrapassada. É preciso,
pois, demonstrar que essa opção não se coaduna com os tempos de hoje não porque não
valorizemos o trabalho de restauro mas porque os custos são proibitivos e o tempo corre
contra nós. Por isso, é preciso reavaliar e recolocar o restauro numa escala de
prioridades e é inadiável reequacionar a maneira como encaramos e gerimos a massa
documental gráfica à nossa guarda.
No passado, o restauro sobrevivia numa espécie de cultura do silêncio, acarretando um
enorme preconceito quer porque representava os primórdios duma verdadeira disciplina
quer porque transmitia a ideia preconceituosa de que aquelas pessoas capazes de
resultados tão exímios não estavam aptas a emitir uma opinião ou a assumir outro tipo
de responsabilidade. A sua mais preciosa qualificação era o dom natural, não a
qualificação e os conhecimentos acumulados esquecendo-se que nascer com uma
habilidade natural de mãos não faz um técnico de restauro. Como noutras áreas, é sobre
os conhecimentos, simultaneamente académicos e práticos, que se alicerça o seu
desempenho que alguns teimosamente apelidam de “habilidade”. O técnico de restauro,
independentemente da formação académica, precisa apenas que a oportunidade lhe seja
dada para colocar a sua prática e conhecimentos ao serviço do colectivo, isto é, das
colecções. Se, pelo contrário, o técnico de restauro for confinado à oficina de restauro,
perdem mais a instituição e a comunidade do que ele próprio. É também porque não
podemos desperdiçar recursos humanos que temos de recolocar o restauro na escala de
valores disciplinares a que pertence.
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Enquanto a opção prioritária for a do restauro e a aposta for num trabalho a conta gotas,
as instituições, o público em geral assistirão à deterioração da massa documental num
ritmo galopante de efeitos multiplicadores sem hipótese de retorno. A degradação dos
documentos gráficos é contínua; o manuseamento incorrecto ou intenso apenas acelera
essa deterioração. Ironicamente, optar pelo manuseamento muito esporádico ou raro,
também não resolve a situação. O documento corre o risco de se perder sem que
ninguém dê por isso.
Não há nenhuma biblioteca ou arquivo imune aos problemas que provocam a
deterioração das colecções. Conforme os casos, os factores podem variar de intensidade
mas eles são sempre os mesmos e, pior, são constantes. A qualidade do papel e ou da
tinta, as condições ambiente, as pestes, o manuseio, a reprodução impiedosa. Às vezes
mais uns do que outros, às vezes todos à uma a justificar uma intervenção estratégica,
global para o património documental gráfico a qual deverá ponderar os custos e
benefícios da intervenção de restauro por oposição aos custos e benefícios de uma
intervenção com carácter preventivo e globalizante.
Com o restauro é sempre uma ínfima parte da vasta massa documental que é
considerada e, por isso, o restauro não pode nunca constituir o objectivo final. O
objectivo final nesta vigilância constante que exercemos sobre as colecções é conseguir
prolongar a vida pelo máximo de tempo possível ao maior número de peças. Aos
profissionais, simples mortais, cabe passar a nossa responsabilidade de geração em
geração na vã esperança de que um dia se descubra o elixir da vida eterna. Talvez que o
restauro seja uma forma superior de intervenção e tratamento, mas quanto custa? Como
é que vamos defender o restauro puro e duro, em nome de quê e, sobretudo, em
detrimento de quê? É absolutamente indispensável ter sempre presente o binómio custo-
benefício e perceber o que perdemos enquanto salvamos algumas peças. Recusar o
restauro constituiria um verdadeiro atentado contra o património mas ao avançar para
um programa de restauro, colocando-o no topo das prioridades, é obrigatório ter a clara
consciência da opção feita e das suas consequências
Um manuscrito do século 16 com 66 fólios, apenas texto, sem danos causados por tinta
ferrogálica, medianamente deteriorado, isto é, exigindo uma intervenção através de
limpeza por via mecânica, remoção de restauros anteriores, estabilização físico-quimica
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do suporte, reintegração do suporte. O tratamento desta unidade gráfica vai exigir um
mês de trabalho continuado (22 dias úteis), ou seja, cerca de 2 000 € em salário a que é
preciso acrescentar uma percentagem para cobrir o desgaste do equipamento ou para a
utilização da oficina ou para as matérias primas. Se àquele montante adicionarmos 20%,
o custo final de 2 400 € não estará inflacionado. Enquanto este esforço decorre apenas
sobre um documento individual, quantos outros em situação idêntica aguardam alguma
atenção, enquanto continuam à mercê das condições ambiente, do pó ou da luz,
correndo o risco de serem afectados por algum desastre maior? Ou seja, se quisermos
equacionar a questão doutra forma, com os 2 400 € o que é que poderíamos
alternativamente fazer em prol da colecção?
No mesmo período de tempo, podiam-se alternativamente, por exemplo, ocupar dois
técnicos profissionais a proceder à higienização e manutenção de 50 documentos
consistindo esta manutenção na execução de pequenas intervenções de reforço com a
subsequente realização de caixas para acondicionamento das espécies. Ou podíamos,
ocupar esses mesmos técnicos profissionais numa intervenção de carácter preventivo
sobre 120 documentos. Ou podíamos providenciar com a higienização e limpeza de 120
corpos de estante (6 prateleiras x 80 cm) repletas de livros. Ou podíamos ainda planear a
desinfestação de 15 m3 de documentação.
Ou seja, enquanto um técnico superior com funções exclusivamente de restaurador
poderia assegurar o tratamento integral (corpo + encadernação) de 50 documentos
gráficos no espaço de um ano, na presunção de que os problemas seriam de pouca
monta, com investimento idêntico, dois técnicos profissionais, consoante a alternativa
escolhida, poderiam resolver o problema de dezenas ou centenas de peças. Se
continuarmos a explorar a lógica desta relação directa, cujo simplismo acentuo aqui
propositadamente, ao fim de dois ou três anos, a diferença será enorme, o aspecto geral
da colecção mudou, o conhecimento sobre a colecção mudou, a nossa percepção sobre
as necessidades da colecção mudou e o serviço final que prestamos ao leitor mudou
também. Pelo contrário, se prosseguirmos a apostar na linha do restauro, as nossas
instituições estarão cada vez mais débeis e fragilizadas. A nossa credibilidade corre
riscos e o mesmo é dizer que a nossa capacidade de negociar orçamentos, solicitar
mecenatos, alvitrar reajustamentos ou propor novas soluções orgânicas, irá
progressivamente enfraquecendo. Não advogo que desistamos dos nossos propósitos
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profissionais e éticos por razões de ordem financeira; o que estou a afirmar é que não
podemos actuar como se as verbas abundassem e o património documental gráfico fosse
eterno. Estou a introduzir alguma avaliação mensurável neste intrincado mundo da
conservação e restauro sobre o qual pendem grandes exigências e responsabilidades
para que possamos sentir a seriedade das nossas decisões.
O restauro representa uma intervenção de última linha. Quando tudo se julgava perdido,
o restauro pode operar milagres. São muitas as maravilhas que se têm conseguido;
certamente continuarão a conseguir-se outras tantas. O que propomos, no entanto, é que
tenhamos a coragem de dizer, em cada instituição, que o número de maravilhas a
realizar vai ser menor, que o restauro não é a tábua de salvação das instituições. Pelo
contrário, o número de intervenções mais globalizantes deverá aumentar evitando o
avanço daqueles males que tão danosamente afectam os documentos gráficos.
Um programa de conservação preventiva não é tão sedutor como um programa de
restauro e, no entanto, torna-se imperativo que a sua concretização seja assumida por
profissionais académica e especificamente preparados. Um jovem profissional tem de
encarar várias hipóteses de trabalho com o mesmo entusiasmo e expectativa: restauro,
conservação preventiva, investigação ou gestão. Em nome da salvaguarda das
colecções, deveremos aceitar que o restauro é um trabalho de excelência que poucas
instituições estarão aptas a realizar sendo que, mesmo essas, não o poderão aplicar à
totalidade das colecções respectivas.
O trabalho de restauro é, as mais das vezes, solitário. Um brevíssimo contacto com o
bibliotecário ou com o arquivista não chega para envolver o técnico de restauro na
problemática da gestão das grandes massas documentais. Depois, o trabalho prossegue
na tranquilidade do laboratório. No entanto, cada vez mais o que se pede, e o que se
espera, do jovem profissional é a sua participação em equipas multidisciplinares que
têm a seu cargo a salvaguarda de volumes consideráveis de documentos gráficos. E ao
profissional de conservação e restauro não só se exige a capacidade de análise como a
capacidade para propor soluções exequíveis, pragmáticas ainda que rigorosas nas quais
a análise custo benefício desempenha papel significativo. Constantemente o profissional
de conservação e restauro tem de fazer opções e, portanto, tem de avaliar o que pode ser
deixado para trás sem prejuízo da solução técnica adequada. Trata-se de obter o justo
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equilíbrio entre a eficácia e a ética, sem fundamentalismos mas também sem abdicar dos
princípios teóricos e conhecimentos científicos. Toda a intervenção de conservação e
restauro representa um compromisso entre saberes a bem da prorrogação de prazo de
vida de cada documento. Como noutras disciplinas científicas, as intervenções de
conservação e restauro baseiam-se em investigação prévia cuja transposição directa para
situações práticas exige alguma adaptação. Esta flexibilidade outorga ao profissional de
conservação e restauro uma muito maior visibilidade e responsabilidade. Longe, muito
longe do espaço reservado ao restauro, o técnico de conservação e restauro passa a
mover-se agora pelo espaço que a própria instituição ocupa. A actividade de
conservação e restauro não pode ser confinada a umas peças, a umas pessoas ou a um
espaço. Desenvolver programas de combate às pestes, dinamizar programas de
monitorização de condições ambiente, dinamizar o diálogo com profissionais de outras
áreas incutindo ideias sobre problemas de segurança, tornar a inspecção das espécies e
dos espaços de armazenagem uma rotina, são novas facetas duma mesma profissão a
desempenhar pelo técnico de conservação e restauro. Uma vez na posse destes dados,
nada de mais natural que os analise e proponha programas ou projectos para os resolver.
Incluindo, claro, a consideração das componentes em recursos financeiros, técnicos e
humanos. Um salto para que o profissional de conservação e restauro adicione à sua
preparação vincadamente técnica uma faceta de gestão. Tanto mais imprescindível
quanto maior for a instituição e a massa documental a preservar.
7. Conclusão Depois de ter enumerado os múltiplos programas que se compõem o grande Programa
de Preservação e Conservação; depois de ter mesmo feito uma breve incursão ao reino
do restauro acho que consegui ir apontando os custos de cada um e os respectivos
benefícios. Nada se consegue duma forma linear e sempre de maneira cumulativa; às
vezes é preciso com inteligência dar um passo atrás para voltar a ganhar velocidade.
Nesta área de trabalho, também. Sobretudo teremos que aprender a utilizar os recursos
existentes, a maximizar o seu alcance, somando mais valia após mais valia. Deveríamos
ter a coragem de abraçar programas sistemáticos e sustentáveis, transversais à
instituição, impondo o interesse institucional estratégico à gestão do pontual. Tudo, tudo
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oferecendo aos técnicos de conservação e restauro responsabilidades de gestão nas
bibliotecas, nos arquivos e nos museus rentabilizando os vários saberes disponíveis.
Bibliografia
CABRAL, Maria Luísa – Conservação preventiva: o que é. Informação BN. S.2, 4 (Set-Dez 2002), p. 2 Directrizes da IFLA para a conservação e o manuseamento de documentos de biblioteca. Ed. Edward P. Adcock; colab. Marie-Thèrese Varlamoff, Virginie Kremp; Trad. Maria Luísa Cabral ... [et al.]. Lisboa : BN, 2004. 160 p. The evidence in hand: report of the task force on the artifact in library collections. Washington DC: Council on Library and Information Resources, Nov. 2001. 114 p. RAMOS, Francisco Régis Lopes – A danação do objecto : o museu no ensino de história. Chapecó, Santa Catarina : Argos, 2004. 178 p. TEIJGELER, René – Conservação preventiva da herança documental em climas tropicais : uma bibliografia anotada. Trad. Lisboa : BN, 2007. 398, [2] p. TUGORES TRUYOL, Francesca; PLANAS FERRER, Rosa – Introducción al patrimonio cultural. Gijón : Trea, 2006. 179 p. Breve glossário
Português Castellaño fita de nastro cinta de algodón laboratório(s) taller(es) manuseamento manoseo média mediana utilizadores usuarios
Outubro 2007
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1. Onde tudo começa2. Seleccionar para preservar: um pouco de teoria3. Conservação preventiva e gestão de colecções4. Lançar um Programa de Preservação e Conservação5. Múltiplas facetas do Programa de Preservação e Conservação6. Avaliar custos e benefícios7. ConclusãoBibliografiaBreve glossário