Poder Político y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

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fi A , caracter ís tica, própria do Estado capitali st a, de representa r o interesse ge ra l de um conjunto nacional-popular ndo constitui uma simples mi st ificaçaõ < enganadora , no sentido de que esse stado pode efe tivame n te satisf az er , abaixo desses limites, certos interesses ec onômicos de certas classe s dominadas ; ai nd a mais : pode fazê-Ia ; sem que, noenta n to , o poder político seja atingido. É de resto evidente que não é po ss ível traça r, de uma v ez por todas, esse limite de domi n açaõ hegemôn i ca : ele depende tanto da relaçdo das forças de luta ' como d as formas de Estado, da articulaçdo da s suas fuões , das relações entr e o poder econômico e o po der político, do funcionamento do aparelho de Estado. Nic os Poulantza s novasdire,ões po de r po ti co  . . e classes sociais Nicos Po ulantz as Mar tins Fontes /

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    fiA, caracterstica, prpria do

    Estado capitalista, de representar o interesse

    geral de um conjunto nacional-popular ndo

    constitui uma simples mistificaa

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    Ttulo Original:

    Pouvoir Politique ei Classes Sociales, Franois Maspero, Paris.

    Frana, 1968.

    CIP-Brasil. Catalogao-na-Fonte

    Cmara Brasileira do Livro, SP

    P894p

    Poulantzas, Nicos.

    Poder poltico e classes SOCIaIS;traduo de

    Francisco Silva; reviso de

    Carlos

    Roberto F.

    Nogueira. So Paulo, Martins Fontes, 1977.

    1. Capitalismo 2. Classes sociais 3. O Estado

    4. Poder (Cincias sociais) I. Ttulo.

    17.

    e

    18.

    17. e 18.

    17.

    18.

    CDD-301.44

    -320.1

    -330.15

    -330.122

    77-1150

    ndices para catlogo sistemtico:

    1. Capitalismo: Economia 330.15 (17.) 330.122 (18.)

    2. Cla~ses sociais : Sociologia 301. 44 (17. e 18.)

    3. Estado: Poder poltico 320.1 (17. e 18.)

    4. Poder polt ico do Estado 320.1 (17. e 18.)

    l.

    edio brasileira: novembro de 1977.

    Direitos adquiridos para o Brasil por

    LIVRARIA MARTINS FONTES EDITORA LTDA.

    01325 Rua Conselheiro Ramalho, 330/340

    Fones: 35-3373, 34-6643

    So Paulo - SP - Brasil

    (;

    NDICE

    INTRODUO .

    I. QUESTES GERAIS .

    1.

    Sobre o conceito de poltico

    I. Poltica e histria - o poltico e a poltica .

    lI. A funo geral do Estado .

    IlI. Modalidades da funo do Estado .

    2

    Poltica e classes sociais .

    I. O problema do estatuto terico das classes .

    lI. As classes num modo de produo e numa formao social

    IlI. O papel da luta poltica de classes na sua definio .

    IV. As classes distintas e as fraes autnomas de classe .

    V. Fraes - categorias - camadas .

    VI. Estruturas e prticas de classe: a luta de classes

    VII. Conjuntura - foras sociais - previso polt ica .

    3. Sobre

    o

    conceito de poder .

    I.

    O

    problema .

    11. O

    poder, as classes e os interesses de classe .

    IlI. Poder de Estado, aparelho de Estado, centros de poder ..

    IV. A concepo do poder como soma-zero .

    II. O ESTADO CAPITALISTA

    1. O

    problema .

    'L O Estado capitalista e as relaes de produo

    lI. O Estado capitalista e a luta de classes .

    IlI. Sobre o conceito de hegemonia .

    2. Tipologia e tipo de Estado capitalista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138

    r. A tipologia de M. Weber :................. 141

    lI. Tipos de Estado, formas de Estado e

    periodzao

    de uma

    formao social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 143

    III. Formas de regime e periodizao do poltico 149

    3

    O Estado absolut ista, Estado de t ransio .

    I. Tipo de Estado e problemas de transio .

    II. O Estado absolutista, Estado capitalista .

    4

    Sobre

    os

    modelos da revoluo burguesa .

    I. O caso ingls .

    9

    33

    35

    35

    42

    48

    55

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    68

    71

    74

    81

    83

    90

    95

    95

    100

    111

    113

    117

    119

    121

    126

    133

    153

    153

    157

    164

    164

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    H,

    O caso francs

    IlI. O caso alemo

    ......................................

    ......................................

    IlI. TRAOS FUNDAMENTAIS DO ESTADO CAPITALISTA

    1.

    o Estado capitolieta. e os interesses das classes dominadas ....

    2

    o

    Estado capitalista e as ideologias

    I. A concepo historicista da ideologia .

    11 .

    Ideologia dominante, classe dominante e formao social .

    IlI. A concepo Marxista das Ideologias .

    IV. A ideologia poltica burguesa e a luta de classes .

    V. O problema da legitimidade .

    3 o

    Estado capiialieta e a [ora

    4. O Estado capitalista e as classes dominantes . . . . . ..

    224

    I. O bloco no poder . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

    224

    lI. Bloco no poder, hegemonia e periodizao de uma forma-

    o: as anlises polticas de lVIarx 229

    IlI. Bloco no poder, alianas, classes - apoios 235

    IV. Periodizao poltica - cena poltica - classes reinantes

    - classes detentoras do Estado 240

    IV. A UNIDADE DO PODER E A AUTONOMIA RELATIVA

    DO ESTADO CAPITALISTA 249

    1.

    O problema e a sua enunciao terica pelos clssicos do mar-

    xismo

    2

    Alguns erros de interpretao e as suas conseqncias

    I. A teoria poltica geral .

    lI. A teoria poltica marxista .

    3

    O Estado Capitalista e o ca,rnpoda, luta de classes .

    I. O problema geral .

    lI. As anlises de Marx .

    lU. O chamado fenmeno totalitrio .

    4

    O Estado Capitalista e as classes dominantes .

    I. O bloco no poder ....................................

    lI. A separao dos poderes .

    251

    259

    259

    265

    271

    271

    275

    286

    I

    293

    1

    293

    300

    7

    169

    176

    183

    185

    189

    189

    195

    200

    204-

    216

    .220

    O problema nas [ormae de Estado e nas

    formas

    de regime: o

    executivo e o legislativo 305

    I. Formas de Estado, formas de legitimidade 305

    lI. Formas de regime, partidos polticos 314

    V. SOBRE A BUROCRACIA E AS ELITES

    319

    O problema e as teorias das elites

    321

    .

    .

    ~

    2.

    A posio 'ilta1'xista. e a questo da a,tlibuio de classe do apa-

    relho de Estado .

    327

    3

    Estado capitalista - burocratismo - buroc1'acia

    337

    4

    A bU1'ocracia e a luta de classes

    347

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    I

    I.

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    INTRODUO

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    (

    I

    I

    INTRODUO

    1) O marxismo constitudo por duas disciplinas unidas mas

    distintas, e cuja disti:no se fundamenta na diferena do seu objeto:

    9 material ismo dialtico e o material ismo histrico. 1

    O materialismo histrico - ou cincia da histria - tem como

    objeto o conceito de histria, atrvs do estudo dos diversos modos

    de roduo e formao sociais, da sua estrutura, da sua constitui-

    o e do seu funcionamento, em como as ormas e translao

    de uma formao social para outra.

    O materialismo dialtico - ou filosofia marxista - tem como

    objetivo prprio a produo dos conhecimentos, quer dizer a es-

    trutura e o funcionamento do processo de pensamento. A rigor, o

    materialismo dialtico tem como objeto a teoria da histria da pro-

    duo cientfica. Com efeito, se o materialismo histrico estabele-

    ceu, em um mesmo movimento terico, o materialismo dialtico como

    disciplina distinta, porque a constituio de uma cincia da hist-

    ria, quer dizer de uma cincia que define o seu objeto como cons-

    tituio do conceito de histria - materialismo histrico -, con-

    duziu definio de uma teoria da cincia que compreende a his-

    tria como parte constituinte de seu objeto prprio.

    Estas duas disciplinas so distintas: que existem, na verdade,

    interpretaes do marxismo que reduzem uma disciplina outra.

    Quer o materialismo dialt ico ao material ismo histrico -

    o caso

    tpico das interpretaes histricas, tais como as do jovem Lukcs,

    de Korsch, etc., para os quais o marxismo uma antropologia hist-

    rica, sendo a histria uma categoria originria e fundadora e no

    um conceito a construir; a reflexo das estruturas, a tomada de

    .conscincia do seu sentido , funo, por meio de uma interioriza-

    o medidora, dessas prprias estruturas. Quer o materialismo his-

    trico ao materialismo dialtico: o caso das interpretaes posi-

    tivistas-empiricistas que diluem o objeto prprio do materialismo his-

    trico, submetendo todo o objeto histrico na mesma lei abstrata ,

    universalmente vlida, modelo regulador de toda a concretizao

    histrica.

    O materialismo histrico, como Marx demonstrou na Introdu-

    o de

    57,

    no Prefcio

    Contribuio

    Crtica da Economia Po-

    1. Acerca destas questes, ver Althusser in Pour Ma1'X e tambm Lire

    le

    Capital, t . II; Matrialisme historique et matrialisme dialectique ,

    Cahiers Marxistes-Leninistes, n. 11; e Sur le travail thorique. Difficul-

    ts et ressources ,

    La Pense,

    abril 1967.

    11

    . .

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    litica e em O Capital - contm uma teoria geral definindo conceitos

    que comandam todo o seu campo de investigao (conceitos de modo

    de produo, de formao social, de apropriao real e de proprie-

    dade, de combinao, de ideologia, de poltica, de conjuntura, de

    transio) . Estes conceitos permitem-lhe definir o conceito do seu

    objeto: o conceito de histria. O objeto do materialismo histrico

    o estudo das diversas estruturas e prticas ligadas e distintas (eco-

    nomia, poltica e ideologia), cuja combinao constitui um modo

    de produo e uma formao social: podemos caracterizar estas

    teorias como teorias regionais. O materialismo histrico compreen-

    de, de igual modo, teorias particulares (teorias dos modos de pro-

    duo escravagista, feudal , capital ista, etc.) , cuja legit imidade est

    bas.eada na diversidade de combinaes das estruturas e prticas, que

    definem modos de produo e formaes sociais distintas. Esta

    01 -

    dem, que, por enquanto, apenas a de uma enumerao, ser mo-

    dificada e fundamentada a seguir .

    Sabemos que as duas proposies fundamentais do materialismo

    (dialtico e histrico) so as seguintes:

    1) A distino entre os processos reais e os processos de

    pensamento, entre o ser e o conhecimento.

    2) O primado do ser sobre o pensamento, do real sobre o co-

    nhecimento que dele se tem.

    Se a segunda proposio bastante conhecida, necessrio in-

    sistir na primeira: a unidade dos dois processos - do processo do

    real e do processo do pensamento - est baseada na sua distino.

    Assim, o trabalho terico - qualquer que seja o grau da sua

    abstrao - sempre um trabalho referente aos processos reais.

    No entanto, este trabalho, que produz conhecimentos, situa-se in-

    teiramente no processo de pensamento: no existem conceitos mais

    reais que outros. O trabalho terico parte de uma matria-prima

    composta, no do real-concreto, mas antes de informaes, noes,

    etc., sobre este real, e trata-a utilizando certos instrumentos con-

    ceituais, trabalho cujo resultado o conhecimento de um objeto.

    Pode-se dizer que, no sentido rigoroso do termo, apenas exis-

    tem os objetos reais, concretos e

    s.ngulares,

    O processo de pensa-

    mento tem como fim ltimo o conhecimento destes objetos: a Frana

    ou a Inglaterra em um momento determinado do seu desenvolvi-

    mento. Por conseguinte, o conhecimento destes objetos parte da

    suposio de que estejam determinados na matria-prima visto se-

    rem precisamente ~ como conhecimento concreto de um objeto

    concreto - o resultado de um processo que Marx designa pelos

    12

    termos de sntese de uma multiplicidade de determinaes . Por

    outro lado, o processo de pensamento - se verdade que tem como

    objetivo final e como razo de ser o conhecimento dos objetos reais-

    -concretos - nem sempre se relaciona a esses objetos: pode de igual

    modo reportar-se a objetos que podemos designar como abstratos-

    -formais, os quais no existem no sentido rigoroso do termo, mas

    que so a condio do conhecimento dos objetos reais-concretos:

    o caso, por exemplo, do modo de produo.

    De acordo com o lugar rigoroso que ocupam no processo de

    pensamento e com o objeto de pensamento a que se referem

    2,

    po-

    demos distinguir os diversos conceitos segundo o respectivo grau de

    abstrao, desde os mais pobres em determinaes tericas, at aos

    mais elaborados e aos mais ricos. Os conceitos mais concretos, aque-

    les que conduzem ao conhecimento de uma formao social em um

    momento determinado do seu desenvolvimento, no so, tampouco

    quanto aos objetos reais-concretos, a matria-prima do processo de

    pensamento: nem so sequer deduzidos dos conceitos mais abstra-

    tos, ou submetidos nestes ltimos, juntando sua generalidade

    uma simples particularidade. So antes o resultado de um trabalho

    de elaborao terica que, operando sobre informaes, noes, etc.,

    por intermdio dos conceitos mais abstratos, tem como efeito a pro-

    duo dos conceitos mais concretos, que conduzem ao conhecimento

    dos objetos reais , concretos e singulares.

    Tomemos como exemplo dois conceitos fundamentais do ma-

    terialismo histrico que ilustram bem a distino entre objetos for-

    mais-abstratos e objetos reais-concretos: os de modo de produo

    e de formao social .

    Por modo de produo designaremos, no o que geralmente se

    indica como o econmico, as relaes de produo em sentido es-

    trito, mas uma combinao especfica de diversas estruturas e pr-

    ticas que, na sua combinao, aparecem como outras tantas instn-

    cias ou nveis, em suma, como outras tantas estruturas regionais

    desse modo. Um modo de produo, como de forma esquemtica

    o disse Engels, compreende diversos nveis ou instncias, o econ-

    mico, o pol tico, o ideolgico e o terico, subentendendo-se que no

    trata seno de um esquema indicativo e que possvel operar-se

    uma diviso mais exaustiva. O tipo de unidade que caracteriza um

    modo de produo o de um todo complexo com dominncia,

    em ltima instncia, do econmico: dominncia em ltima ins-

    tncia para a qual reservaremos o termo de

    determinao.

    2. Convm precis-lo, a fim de no cairmos no velho equvoco da abs-

    trao-concretizao positivista,

    13

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    A teoria geral do material ismo histrico 3 define um tipo geral

    de relaes entre instncias distintas e unidas - o econmico, o po-

    l t ico e o ideolgico; define assim, ao seu prprio nvel, e em relao

    necessria com os seus conceitos de modo de produo, de forma-

    o social, de estrutura com dominante, etc., conceitos relativamente

    abstratos destas instncias. Falando com propriedade, trata-se de

    conceitos circunscrevendo lugares formais atribudos a toda a estru-

    tura social possvel. Trata-se, por exemplo, do conceito mais abstrato

    de poltico, funcionando em todo o campo de investigao da teoria

    geral do materialismo histrico, a saber, nos modos de produo e

    formao sociais em geral, em particular divididos em classes.

    :e

    aqui que encontra o seu justo lugar terico o problema da relao do

    poltico com a histria, conceito cuja construo o objeto prprio

    do materialismo histrico.

    No entanto, a teoria regional do poltico s pode ascender aos

    conceitos mais ricos em determinaes tericas, localizando o seu

    objeto em um modo de produo dado. De acordo com os princ-

    pios que nos conduziram construo do conceito de modo de pro-

    duo, uma instncia regional - neste caso, o poltico - pode

    constituir um objeto de teoria regional, na medida em que re-

    cortado de um modo de produo determinado. A sua constituio

    em objeto de cincia, quer dizer a construo do seu prprio con-

    ceito, depende no da sua natureza, mas do seu lugar e da sua fun-

    o em uma combinao particular que especifica esse modo de

    produo. Pode-se dizer que esta instncia, assim localizada, ocupa

    o lugar atribudo formalmente ao poltico pelo seu conceito abstrato,

    dependente da teoria geral. Em particular, a articulao das ins-

    tncias, prprias deste modo de produo, que define a extenso e

    os limites desta instncia regional, atribuindo o seu domnio teoria

    regional correspondente. O econmico, o poltico, o ideolgico, no

    constituem essncias prvias que entrem em seguida em relaes

    externas de acordo com o es ueml;l amb uo - se tomado letra -

    a base e da superestrutura. A articulao, prpria estrutura do

    todo de um modo de produo, comanda a constituio das instn:-

    das regionais. Em suma, construir o conceito de objeto da cincia

    poltica, passando das determinaes tericas mais pobres s de-

    terminaes tericas mais ricas, supe a definio rigorosa do pol-

    tico como nvel, instncia ou regio de um modo de produo de-

    terminado.

    aqui que se opera a juno, no materialismo histrico, entre

    o que foi definido como teorias regionais, de que faz parte a teoria

    3. Teoria geral que preciso no confundir com o materialismo dialtico,

    visto este ltimo no ser a simples epistemologia do materialismo histrico.

    16

    do poltico, e teorias particulares, isto , as teorias dos diversos mo-

    dos de produo. Esta juno no um efeito do acaso, antes se

    opera de acordo com uma ordem legtima que a do processo do

    pensamento: a teoria regional do poltico no modo de produo

    capitalista pressupe a teoria part icular deste modo de produo. O

    lugar atribudo ao polt ico no modo de produo capitalista depende

    da teoria particular deste modo - do seu tipo especfico de arti-

    culao, do Seu ndice de dominncia e de sobredeterminao -

    tal como foi exposto por Marx em O Capital. A teoria particular

    do modo de produo capitalista possui os seus conceitos prprios,

    os quais funcionam no conjunto do campo da sua investigao, e

    CQ-

    mandam assim a produo dos conceitos prprios da teoria regional

    do poltico deste modo de produo.

    No entanto, quer o modo de produo capitalista, quer o pol-

    tico neste modo, por exemplo, o Estado capitalista ou as formas

    polticas de luta de classe neste modo, constituem objetos abstratos-

    -formais, pois que em sentido rigoroso apenas existem os Estados de

    formaes capitalisttas historicamente determinadas. Finalizando, a

    g.l --.

    (Informaes, no-

    es, etc., sobre o

    modo de produo

    capltalista)

    g.3

    (Conhecimentos j obtidos, pelo processo depen-

    samento, sobre o materialismo histrico: teoria

    geral de que faz parte o conceito mais abstrato

    do poltico como instncia de toda a estrutura)

    I

    .2

    -.

    g.3

    (Conhecimentos da teoria particular

    do modo de produo capitalista)

    I

    g.2

    g.3

    (Conhecimento da teo-

    ria regional do polti-

    co no modo capitalista

    de produo).

    ~

    g.l -.

    (Informaes, noes,

    etc., sobre o Estado

    capitalista, sobre a

    luta de classes no

    modo de produo ca-

    pitalista, etc:)

    (Anlise concreta

    de uma conjuntura

    poltica concreta).

    g.l -. g.2

    (Informaes

    sobre uma for-

    mao social

    capitalista e o

    seu nvel polti-

    co em particular)

    -. g.3

    (Conheci-

    mento do pol-

    tico nesta for-

    mao socal.)

    17

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    razo de ser do processo de pensamento - a produo dos conceitos

    mais concretos, isto , mais ricos em determinaes tericas, os quais

    permitem o conhecimento dos objetos reais, concretos e singulares,

    constitutivos de cada formao social sempre original. Esta ordem

    lgica que, dos conceitos mais abstratos, conduz aos conceitos mais

    concretos, trans ita dos conceitos da teoria geral do materialismo his-

    trico para os que permitem proceder, segundo a expresso de Le-

    nin, anlise concreta de uma situao concreta. 4

    3) Convm tomar igualmente em considerao os problemas

    relativos s informaes, noes, etc., que constituem a matria-

    -prima dos diversos escales do processo terico seguido neste tex-

    to, por um lado; e relativos ao estatuto dos textos dos clssicos do

    marxismo concernentes ao poltico, por outro.

    No que diz respeito matria-pr ima, somo' levados a procur-

    -Ia onde se encontra: nos textos dos clssicos do marxismo, nos

    textos polticos do movimento operrio, e nas obras contemporneas

    de cincia poltica. Fizemos, neste ltimo caso, uma primeira esco-

    lha, de acordo com o grau de seriedade destas obras; e, digamo-Io

    francamente, o carter marxista ou no-marxista dessas obras de

    modo algum constitui - no estado atual da investigao e no que

    diz respeito sua tomada em considerao como riatria-prima de

    investigao - um critrio pertinente da sua seriedade ou no-serie-

    dade. Obras de cincia poltica, concernentes em particular ao Es-

    tado capitalista, em primeiro lugar em lngua francesa; dado que

    esta cincia est relativamente pouco desenvolvida na Frana, re-

    corremos com freqncia a obras em lngua inglesa - inglesas e

    americanas - e em lngua alem. Obras relativamente desconheci-

    das na Frana; conhecido o provincianismo caracterstico da vida

    intelec tual francesa, da qual uma das caractersticas - e no a me-

    nor - consiste muitas vezes em arrombar portas abertas, isto , em

    acreditar se renamente na originalidade de uma _produo terica,

    quando esta j se encontra muito mais elaborada em autores es-

    trangeiros. No entanto, tomamos essas obras em considerao atra-

    vs de um trabalho crtico acerca do seu mtodo e sobre a teoria -

    muitas vezes implcita - que as sustenta. Alm disso, estas obras

    4. Adotando a terminologia de Althusser (in Pour Marx), e designando

    por g.l (generalidades l) a

    matria-prima

    do processo do pensamento,

    por

    g.2

    (generalidades II)

    os instrumentos ou meios de trabalho

    terico,

    e por g.3 (generalidades lJI) os conhecimentos, pode esquematizar-se a

    ordem lgica que vai dos conceitos mais abstratos - relacionados a obje-

    tos forma.s-abetratos - aos conceitos mais concretos - relacionados a

    objetos reais-concretos e singulares - , e, em poucas palavras, os diver-

    sos escales necessrios do discurso _terico, do modo seguinte:

    Tomemos, como objeto, a teoria do poltico no modo de produo capita-

    lista.

    18

    contm por vezes, no estado de elementos cientficos em um dis-

    curso ideolgico, conceitos tericos autnticos que esse trabalho cr-

    tico nos permitiu depurar .

    Quanto aos textos dos clssicos do marxismo, do ponto de vista

    do seu trat~m~nto c0 l l? informaes concernentes em particular ao

    Estado capitalista, fOI Igualmente necessr io complet-Ias e subme-

    t-Ias a um trabalho crtico particular. Devido ao carter no siste-

    mtico ~e~tes textos, as. informa?es que contm revelam-se por ve-

    zes

    parcrais,

    ou mesmo

    inexatas,

    a luz das informaes - histricas

    polticas - que estamos

    'altura de dispor atualmente. '

    . A segunda srie de problemas diz respeito aos textos dos cls-

    SICOS

    do n::arxismo, inclusivamente aos textos de Marx, Engels, Lenin

    ~ Gramsci referentes ao t ra tamento propriamente terico do pol-

    tico. Com efeito, necessrio constatar antes de tudo - e isto

    uma observao de carter geral - que eles no trataram a regio

    do poltico ao ?:el ?a sistematicidade terica. Por outras palavras:

    pres?~ ao exercicto direto da sua prpria prt ica polt ica, no fizeram

    exphcItan~ente a respectiva teoria no sentido rigoroso do termo. O

    que, no fim de. contas, se encontra nas suas obras um corpo orde-

    nado de con.ceItos no estado prtico, quer dizer, presentes no dis-

    cur~? e destinados, p~la sua funo, a dirigir diretamente a prtica

    poltica em uma conjuntura concreta, mas no teoricamente elabo-

    r,a?os; ou ainda

    elementos

    de conhec imento terico da prtica po-

    Itica e da superestrutura do Estado, i sto , conceitos elaborados

    mas no inseridos em um discurso terico sistemtico; quer, final-

    ~lente, UI~a concepo

    implcita

    do poltico em geral na problem-

    tica marxista, concepo que sustenta a produo dos seus conceitos

    com grande rigor, verdade, mas tambm de forma certamente alea-

    tria, caracterstica de todo o pensamento que no contemporneo

    de. si, n:esmo, isto , que no sistematicamente explcito nos seus

    prmcipios.

    Este, estado de coisas, que aqui se trata apenas de constatar,

    refere-se a ordem real do desenvolvimento - de fato - do materia-

    lism~ hstrico, que rio deve ,ser confundida com a ordem lgica _

    de direito - do processo teorico que acaba de ser exposto. Esse

    estado de coisas acarreta grandes dificuldades referentes

    organiza-

    o dos textos que iremos tomar em considerao.

    a)

    A primeira dificuldade diz respeito localizao da pro-

    blemtica original do marxismo nas obras de Marx e de Engels.

    Esta problemtica, que representa uma cesura em relao proble-

    mtica das obras de juventude de Marx, desenha-se a partir da

    19

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    11/178

    Ideologia Alem, texto de cesura que comporta ainda numerosas

    ambigidades. Essa cesura significa precisamente que Marx se tor-

    nou ento marxista. Por conseqncia, no tomaremos de modo

    algum em considerao, assinalemo-Io desde j, aquilo a que se

    conveio chamar as obras de juventude de Marx, a no ser a ttulo de

    comparao crtica, isto , como ponto de referncia, sobretudo para

    descobrir a pista das sobrevivncias ideolgicas da problemtica

    de juventude nas obras de maturidade. Isto particularmente im-

    portante para a cincia poltica marxista, dado que, como se sabe,

    as obras de juventude esto particularmente orientadas no sentido

    da teoria poltica. Sobrevivncias , dissemos, mas o termo fala-

    cioso. De fato, as noes das obras de juventude que encontramos

    nas obras de maturidade tomam, neste novo contexto, um sentido

    di ferente, quer como pontos de referncia indicativos de problemas

    novos, quer como simples palavras encobrindo abusivamente uma

    forma nova de colocar as questes, quer como obstculos pro-

    duo de conceitos novos: funcionamento

    este

    que trataremos de

    elucidar. Alm disso, a referenciao da problemtica assume igual-

    mente importncia para outros autores, nomeadamente para Gramsci ,

    cujas obras, a despeito das cesuras que nelas se encontram, mani-

    festam uma permanncia particular da problemt ica historici st a.

    b) Consideremos agora a obra terica maior do marxismo,

    que O

    Capital.

    Que podemos extrair dele no que concerne em

    particular ao estudo do poltico, nomeadamente do Estado capita-

    lista? O Capital contm, com efeito, entre outras coisas - mas OU

    limitar-me ao que principalmente nos interessa aqui -, por um lado

    um tratamento cientfico do modo de produo capitalista , da art i-

    culao e da combinao - da matriz - das instncias que o es-

    pecifica; por outro lado, um tratamento terico sistemtico da regio

    econmica deste modo de produo. E isto no porque, como du-

    rante muito tempo se pensou, nada de importante se passe nas ou-

    tras regies ou fosse secundrio o seu exame, mas porque - como

    veremos imediatamente - este modo de produo especificado por

    uma autonomia caracterstica das suas instncias, passveis de um

    tratamento cientfico particular, e porque o econmico desempenha

    neste modo de produo, alm da determinao em ltima instncia,

    o papel dominante. Assim, as outras instncias - o poltico, o ideo-

    lgico - esto sem nenhuma dvida presentes em O Capital - o

    qual, neste sentido, no uma obra exclusivamente econmica -,

    mas de algum modo indiretamente, isto , pelos seus efeitos na re-

    gio do econmico. Do mesmo modo que, em O Capital, no se

    encontra uma teoria sistemtica da ideologia no modo de produo

    capitalista - no podendo as notas sobre o fetichismo capitalista

    2

    pretender esse ttulo - no se encontra nele uma teoria do poltico ..

    Esta presena indireta do poltico em O

    Capital ser-nos-

    mui to til

    mas no nos poder levar muito longe. Encontramo-Ia tanto nos

    desenvolvimentos tericos propriamente ditos de O Capital, como nos

    exemplos concretos que Marx neles invoca a ttulo de

    ilustrao

    desses desenvolvimentos: por exemplo, as passagens concernentes ao

    papel do Estado na acumulao primitiva do Capital ou na legisla-

    o sobre manufaturas na Inglaterra. Estas observaes so ilus-

    traes da presena indireta do poltico no econmico - quer dizer,

    da teoria particular do M.P.C.

    * -

    e no se destinam a produzir

    conceitos mais concretos destinados, por sua vez, a conhecimentos

    das formaes sociais - como o caso do 18 Brumrio.

    c) Dispomos em seguida de uma srie de textos que se re-

    portam, parcial ou inteiramente, ao objeto da cincia poltica na sua

    forma abstrata-formal - quer o Estado em geral, quer a luta de

    classes em geral, quer o Estado capitalista em geral -, tais como

    a

    Crt ica do Programa de Gotha

    ou

    A Guerra Civil na Frana

    de

    Marx, o Anti-Dhring de Engels, O Estado e a Revoluo de Lenin,

    as

    Notas sobre Maquiavel

    de Gramsci. Estes textos so, no obs-

    tante, textos de luta ideolgica; foram concebidos como respostas

    urgentes a ataques ou a deformaes da teoria marxista, e os seus

    .autores foram, por isso mesmo, obrigados a colocar-se freqente-

    mente no terreno ideolgico dos textos a refutar. Apesar disso, estes

    textos contm com freqncia conceitos autnticos, obliterados em-

    bora pela sua insero na ideologia, e que s atravs de todo um

    traba lho crt ico podem ser descobertos.

    d)

    Debrucemo-nos, enfim, sobre os textos polticos propria-

    mente ditos. Como ressalta do que precede, a sua organizao

    muito complexa. Reportam-se em princpio a objetos reais-concre-

    tos, quer dizer, a formaes sociais, historicamente determinadas,

    por exemplo a Frana, a Alemanha e a Inglaterra em Marx e Engels,

    a Rssia em Lenin, a Itlia em Gramsci, em um momento determi-

    nado do seu desenvolvimento. Em particular, estes textos compor-

    tam uma anlise concreta de uma situao concreta , nomeada-

    mente da conjuntura dessas formaes. Neste sentido, contm efe-

    tivamente toda uma srie de conceitos mais concretos concernentes

    ao conhecimento dessa conjuntura. Isto, no entanto, no tudo:

    devido ausncia de obras tericas sistemticas neste domnio, es-

    ses textos reportam-se ao mesmo tempo, em uma mesma exposio

    discursiva no expl ici tada e anal isada, a obje tos abstratos-formais,

    * Modo de Produo Capitalista (N. T.).

    21

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    12/178

    e relevam de uma concepo do poltico na teoria geral e de uma

    teoria regional do poltico no modo de produo capitalista. Este

    fato indiscutvel muito importante. Com efeito, estas obras pol-

    t icas contm inclusive os conceitos mais abstratos, mas quer no es-

    tado prtico isto , sob uma forma que no est teoricamente ela-

    borada, quer sob uma forma mais ou menos elaborada, embora

    em estado elementar, isto , inseridos em uma ordem discursiva de

    exposio, que no a sua na ordem lgica da investigao.

    Damo-nos conta, assim, dos difceis problemas colocados por

    estes textos em virtude da sua organizao. Sendo assim, neces-

    srio, ao l-Ios, colocar as questes pertinentes na ordem terica do

    processo de pensamento acima definido. Por outras palavras, trata-

    -se de remeter - atravs de uma elaborao, e no de uma mera

    extrao - os diversos conceitos contidos 'nesses textos para o lugar

    que, de direito, lhes cabe no processo de pensamento, processo este

    que permite definir rigorosamente o grau de abstrao respectivo,

    isto , a sua extenso e os seus limites precisos: veremos assim que,

    por vezes, o seu campo no de modo nenhum aquele que os seus

    autores pensavam atribuir-lhes. E, al is, evidente que, atravs deste

    trabalho, estes conceitos sofrero transformaes necessrias. Em

    suma, e exemplificando, tratar-se- de descobrir em que medida

    certos conceitos, que aparecem no estudo do poltico de uma for-

    mao social capitalista concreta, funcionam de fato - devidamente

    transformados ou no - no campo do poltico no modo de pro-

    duo capitalista, e valem assim para as formaes sociais capita-

    listas em geral - rigorosamente, para todas as formaes capitalis-

    tas possveis - (assim, o conceito de bonapartismo, produzido a

    propsito da Frana de Louis Bonaparte e cujo campo

    o tipo ca-

    pitalista de Estado); ou em que medida certos conceitos, expostos

    nos textos concementes a formaes sociais diferentes, se aplicam

    ao modo de produo capitalista e s formaes sociais capitalistas

    (assim como o problema colocado pelos textos de Lenin sobre a

    frente nica ou o burocratismo na U. R. S . S. durante o perodo de

    transio para o socialismo); ou, ainda, em que medida alguns des-

    ses conceitos tm como campo o pol tico em geral; ou mesmo, final-

    mente, em que medida certos conceitos, a que os seus autores atri-

    buram como campo o poltico em geral, apenas tm de fato como

    campo o poltico no modo de produo capitalista (assim como o

    conceito de hegemonia de Gramsci, etc.) .

    de resto intil insistir no fato de que, neste estado de coisas,

    nos defrontamos muitas vezes, quer com conceitos contraditrios;

    quer com simples palavras tomadas por conceitos pelos seus autores,

    22

    mas que de fato apenas podem servir como indicadores de proble-

    mas; quer tambm - e forosamente - como noes ideolgicas.

    4) Algumas notas breves com respeito ordem de exposio.

    De fato, como Marx sublinhou, a ordem de exposio dos conceitos

    parte integrante de todo o discurso cientfico. A cincia um

    discurso demonstrativo, no interior do qual a ordem de exposio

    e de apresentao dos conceitos depende das suas relaes neces-

    srias, as quais necessrio evidenciar - essa ordem que liga os

    conceitos e atr ibui discursividade cientf ica o seu carter sistem-

    tico. Esta ordem de exposio distingue-se, por um lado, da ordem

    de investigao e de pesquisa mas tambm, por outro lado,e

    o

    que importa, da ordem lgica - de direito - do processo de pen-

    samento. Por outras palavras, se a sistemtica da ordem de exposi-

    o se relaciona ligao e s relaes dos conceitos no processo

    de pensamento, esta primeira ordem no constitui nem o percurso

    nem a simples repetio da segunda - o que , de resto, ntido no

    plano de exposio de Marx para O Capital. A defasagem entre as

    duas ordens depende, no nosso caso, sobretudo do fato do sistema

    do processo de pensamento - que o objeto prprio do materia-

    lismo dialtico - no poder estar explicitamente presente na expo-

    sio de um texto que se refere ao materialismo histrico, devido

    distino entre as duas disciplinas. 5

    Se possvel, assim, descobrir no nosso texto uma ordem geral

    de exposio, a concepo do poltico em geral, a teoria particular

    do modo de produo capitalista, a teoria regional do poltico neste

    modo de produo, o exame de formaes sociais capitalistas con-

    cretas, a sua sistematicidade dever ser considerada segundo a sua

    prpria necessidade, e no segundo o seu grau de reproduo do

    processo de pensamento. Manifestar-se-o defasagens entre as duas,

    nomeadamente no que se refere teoria geral do materialismo his-

    trico, cujos conceitos sero introduzidos de acordo com e ,medi~a

    da necessidade da ordem de exposio de um texto referente a teona

    regional do poltico no modo de produo capitalista. Igualmente

    se manifestaro defasagens na apresentao da teoria particular deste

    modo de produo, a qual, dado o objeto deste texto, dever j

    estar presente no exame da concepo geral do poltico. Alis;

    preciso no ignorar o fato de que estas defasagens so igualmente

    decorrentes do estado atual das investigaes, quer dizer, da conjun-

    tura terica do materialismo histrico, o qual, pelo menos no que

    conceme teoria geral e s teorias particulares, est ainda longe de

    uma elaborao sistemtica satisfatria.

    5. Ver tambm, neste sentido, A. Badiou : Le recommencement du ma-

    trialisme dialectique, in C?'itique, maio, 1967.

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    13/178

    5) Estas dificuldades levaram-me a tomar, neste texto, algu-

    mas precaues indispensveis. Em particular, as anlises referentes

    ao poltico na teoria geral no aspiram seno a uma sistematicidade

    relat iva e de modo algum poderiam ser consideradas exaustivas. In-

    sisto, com efeito, em marcar as minhas reservas a respeito de uma

    tendncia demasiado em voga atualmente, e acerca da qual se pode

    dizer que pe o carro frente dos bois , na medida em que con-

    funde a ordem de pesquisa e de investigao com a ordem lgica do

    processo de pensamento, e em que sistematiza - no vazio - a teoria

    geral, antes de proceder a suficientes pesquisas concretas, justamente

    aquilo contra o que Marx nos preveniu. Nesta ocorrncia, pareceu-

    -me particularmente ilusrio e perigoso - teoricamente, entenda-se

    - avanar mais 'na sistematizao do poltico na teoria geral, na

    medida em que atualmente h falta de suficientes teorias sistemticas

    regionais do poltico nos diversos modos de produo, ou mesmo

    de suficientes teorias sistemticas part iculares dos diversos modos

    de produo.

    Se verdade que nos concentramos aqui sobre a teoria regional

    do poltico no modo de produo capitalista, igualmente tomamos

    em considerao, no apenas na pesquisa mas tambm na exposio,

    formaes sociais capitalistas concretas. Esta tomada em conside-

    rao na exposio operou-se a dois t tulos dist intos: quer a ttulo

    de ilustrao da teoria regional, quer a ttulo de produo de con-

    ceitos concretos, que conduzem a conhecimentos da conjuntura po-

    ltica destas formaes. Se de um ou de outro que se trata, isso

    ressaltar nitidamente do contexto.

    De igual modo, e com conhecimento de causa, deixamos pro-

    blemas em aberto: assim, tendo embora fixado ou estabelecido os

    conceitos que funcionam no campo do polt ico do modo de produo

    capitalista, e conseqentemente, das formaes sociais capitalistas,

    ou ainda, do polt ico de formaes capital istas concretas, no quise-

    mos entrar no exame das possibilidades do deslocamento, ou das

    torses e transformaes destes conceitos em outros modos de pro-

    duo e formaes sociais, nomeadamente em uma formao em

    transio para o socialismo, ou no modo de produo e em uma for-

    mao socialista . Por outras palavras, se tentamos situar exatamen-

    te os conceitos na ordem do processo de pensamento, isso foi feito

    sempre em funo dos limites do objeto do texto. Mas, deixar o

    problema em aberto no apenas uma precauo decorrente do es-

    tado da pesquisa; decorre tambm da tomada de posio terica que

    consiste na referenciao de uma dificuldade - terica - que mui-

    tas vezes se tende a escamotear: a da especificidade da regio do

    poltico consoante os modos de produo e as formaes sociais

    consideradas.

    24

    ,.I

    j

    ,

    6) Necessitamos, por fim, de definir certos conceitos suple-

    mentares da teoria geral do materialismo histrico e situar o quadro

    da teoria part icular do modo de produo capitalista (que doravante

    designaremos pelas iniciais M.P.C.). Estas definies e notas sero

    a seguir justificadas no prprio corpo do texto.

    Assinalamos acima que a matriz de um modo de produo, a

    art iculao das instncias que o especifica, determinada em ltima

    instncia pelo econmico. Ora, como que esta determinao fun-

    ciona em geral, e no M.P.C. em particular?

    Tal como toda a instncia, o econmico em geral constitudo

    por certos elementos - invariantes - 9.ue, de f~~o, s existem na

    sua combinao - varivel. Marx assinala-o nit idamente quando

    diz: 6

    Quaisquer que sejam as formas socia~s da produ~, os seus

    fatores so sempre os trabalhadores e os meios de produao (Marx

    acrescenta seguidamente o no-trabalhador). Mas, tanto uns como

    outros apenas o so virtualmente, e?quanto /Rermanecerem ~epa:a-

    dos. Para uma produo qualquer, e necessana a sua com~m~ao.

    :

    a forma especial como esta combinao se opera que distingue

    as diferentes pocas econmicas por que passou a est~tur~ socia~'.

    Se, por conseguinte, se trata realmente de uma combinao e nao

    de uma combinatria, porque as relaes entre os elementos deter-

    minam a sua prpria natureza, a qual modificada conforme a

    combinao. 7

    Os elementos invariantes do econmico em geral so os se-

    guintes:

    1 - O trabalhador - o produtor direto - isto , a fora

    de trabalho;

    2 - Os meios de produo, isto , o objeto e os meios de

    trabalho;

    3 - O no trabalhador, que se apropria do excedente de tra-

    balho, isto , do produto.

    Estes elementos existem em uma combinao especfica, a qual

    constitui o econmico em um dado modo de produo, combinao

    esta que por sua vez composta por uma dupla relao desses

    elementos.

    6. Le Capital (Editions Sociales), L. 1, t. I, pg. 38.

    7. Ver, a este respeito, Balibar, in Lire le Capital, t. II e Ch. Bettelheim,

    La transition vers l'conomie socialiste, 1967. Devo assinalar, entretanto,

    que me limito a expor aqui as relaes econmicas e a sua combinao na

    sua forma ma1'Ssimples. Bettelheim, no seu curso intitulado Le Cal~ul

    co-

    nomique social, 1967 (redigido mas ainda indito) que teve a gentileza de

    me comunicar e que de uma importncia deciswa, demonstra de for:na

    pertinente a complexidade (o duplo aspecto) que revestem estas relaes

    e a sua combinao.

    25

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    14/178

    1) Uma relao de apropriao real (s vezes designada por

    Marx pelo termo de posse): aplica-se relao entre o trabalha-

    dor e os meios de produo (isto , ao processo de trabalho), ou

    ainda ao sistema das foras produtivas.

    2) Uma relao de propriedade: relao distinta da primeira,

    uma vez que implica a interveno do no-trabalhador como pro-

    prietrio, quer dos meios de produo, quer da fora de trabalho,

    quer de ambos, e conseqentemente do produto.

    esta relao que

    define as relaes de produo propriamente ditas.

    Estas duas relaes (de apropriao real e de propriedade) so

    distintas, e podem, consoante a sua combinao, tomar formas di-

    ferentes. No que concerne relao de propriedade, notemos que

    pertence estritamente

    regio do econmico e que preciso distin-

    gui-la nitidamente das formas iurid.cas que reveste - da propriedade

    jurdica. Nas sociedades divididas em classes, esta relao de pro-

    priedade instaura sempre uma separao entre o trabalhador e os

    meios de trabalho - propriedade do no-trabalhador, o qual, como

    proprietrio, se apropria do excedente de trabalho.

    Em contrapartida, no que concerne relao de apropriao

    real, ela pode instaurar, nas sociedades divididas em classes, quer

    uma unio do trabalhador e dos meios de produo - o caso dos

    modos de produo pr-capita1istas ; quer uma separao entre os

    trabalhadores e esses meios - caso do M.P.C. -, separao essa

    que

    intervm

    no estgio da grande indstria, e que Marx designa

    pela expresso de separao entre o produtor direto e as suas con-

    dies naturais de trabalho .

    Estas duas relaes pertencem, pois, a uma combinao nica

    - varivel - que constitui o econmico em um modo de produo:

    a combinao entre o sistema das foras produtivas e o sistema das

    relaes de produo. A combinao caracterstica do M.P.C. con-

    siste em uma homologia das duas relaes: a separao na relao

    de propriedade coincide com a separao na relao de apropriao

    real; a dos modos pr-capitalistas de produo consiste em uma

    no-homologia das duas relaes: separao na relao de proprie-

    dade, unio na relao de apropriao real. 8

    A determinao, em ltima instncia pelo econmico, de um

    modo de produao, da artIculaao e do ndIce de dommncIa das

    suas instncIas, depende precIsamente das formas que a combinao

    assinalada assume. Marx indica-o, de uma forma geral, nos dois

    textos seguintes de O Capital: A forma

    economica

    especfica, na

    qual extorquido excedente de trabalho no-remunerado aos pro-

    dutores diretos, determina a relao de dependncia (poltica) tal

    como decorre diretamente da prpria produo, e reage por sua vez

    sobre ela de forma determinante;

    a base de toda a forma de co-

    munidade econmica sada diretamente das relaes de produo, e,

    ao mesmo tempo, a base da sua forma poltica especfica. sempre

    na relao imediata entre o proprietrio dos meios de produo e o

    produtor direto que preciso procurar o segredo mais profundo, o

    fundamento oculto do edifcio social e, conseqentemente, da forma

    poltica assumida pela relao de soberania e de dependncia, em

    suma a base da forma especfica que o Estado reveste em um dado

    perodo ... . 9 Esta combinao - o econmico - determina igual-

    mente a instncia que, em um modo de produo, assume o papel

    dominante. Vejamos como Marx responde s objees que lhe fo-

    ram feitas: Segundo estas objees, a minha opinio de que o mo-

    do de produo da vida material domina em geral o desenvolvi-

    mento da vida social , pol tica, intelectual, justa para o mundo

    moderno, dominado pelos interesses materiais, mas no para a Idade

    Mdia, onde reinava o catolicismo, nem para Atenas ou Roma, onde

    reinava a poltica . .. O que claro que nem a primeira poderia viver

    do catolicismo nem a segunda da poltica. As condies econmicas

    de ento explicam, pelo contrrio, por que razo em uma o cato-

    licismo, em outra a poltica desempenhavam o papel principal ...

    10.

    Ora, se verdade que Marx faz nas suas obras uma anlise

    especfica dos efeitos da combinao que caracteriza o econmico

    do M.P.C. - homologia das duas relaes, uma vez que existe se-

    parao nas duas - sobre a matriz deste modo, se constitui assim

    uma teoria particular ,do M.P.,C., no faz contudo, a teoria daquilo

    que designa como modos de produo pr-capitalistas ou formas

    que precedem a produo capitalista. Por outras palavras, Marx

    no constitui teorias particulares destes outros modos de produo,

    . especificados - segundo ele - por formas diferenciais de uma

    combinao de no-homologia entre as duas relaes - separao

    na relao de propriedade, mas unio na relao de apropriao

    real. S examina esses outros modos de produo segundo duas

    ticas precisas: por um lado, enquanto simples ilustraes da sua

    tese geral, segundo a qual todo o edifcio social repousa sobre for-

    mas diferenciais desta combinao (deste ponto de vista, as suas

    anlises apenas contm indicaes tericas); por outro lado, enquan-

    8. Homologia/no-homologia: no confundir com correeporuinciaf no-

    -correepondncia (que encontraremos no caso da

    transio),

    uma vez que

    uma combinao de no-homologia pode perfeitamente consistir em uma

    correspondncia das duas relaes. Sobre o que est recoberto pelo termo

    metafrico de homologia (que emprego falta de melhor e que fui busca'

    a Balibar), ver Bettelheim, op. cito

    9. Le Capital, L. 3,

    t.

    III, p. 171.

    10. Le Capital, L. 1, t. I, p. 93 (nota).

    26

    27

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    15/178

    to pontos de comparao descritivos com o M.P.C., isto , com a

    finalidade de mostrar as analogias formais dos modos de produo

    ( pr-capitalistas) que repousam sobre uma combinao de no-

    -homologia e esto situados em relao a um modo (capitalista)

    que repousa sobre uma combinao radicalmente diferente - de

    homologia. Havemos de voltar a esta importante questo; notemos,

    no entanto, desde j, que este tratamento - por Marx, ---< dos outros

    modos de produo, se por um lado contribui para evidenciar com

    nitidez os traos part iculares do M.P.C., contm por outro graves

    ambigidades: no s porque este tratamento foi muitas vezes con-

    siderado como o que ele no

    (quer dizer, como um exame siste-

    mtico das teorias particulares dos outros modos de produo), mas

    tambm porque, atravs deste tratamento analgico no explicitado,

    Marx chegou por vezes a fazer idias realmente mticas acerca

    destes modos de produo.

    Esta autonomia tem conseqncias tericas no objeto do nosso

    trabalho: toma possvel uma teoria regional - em sentido rigoroso

    - de uma instncia deste modo de produo, por exemplo, do

    Estado capitalista; permite a constituio do poltico como objeto

    de cincia autnoma e especfica - como sabemos, Marx mostrou-o

    em O Capital a propsito do econmico e da cincia econmica.

    A rigor, esta autonomia legitima a ausncia - em uma exposio

    discursiva concernente a uma instncia do M.P.C. - das teorias

    concernentes s suas outras instncias.

    Consideremos resumidamente os textos de Marx, tendo em con-

    ta estas observaes. Que se passa nos modos de produo - pr

    -capitalistas - em que a relao de apropriao real caracteri-

    zada pela unio entre o produtor direto e os meios de produo?

    Em todas as formas em que o trabalhador imediato permanece

    possuidor dos meios de produo e dos meios de trabalho ... , a

    relao de propriedade vai fatalmente manifestar-se simultaneamente

    como uma relao (poltica) entre senhor e servo; o produtor ame-

    diato no portanto livre: mas esta servido pode atenuar-se, desde

    a servido com obrigao de corvia at ao pagamento de um sim-

    ples foro. .. Nestas condies, so necessrias razes extra-econ-

    micas, qualquer que seja a sua natureza, para os obrigar a efetuar

    trabalho por conta do proprietrio titular das terras... So, por-

    tanto, absolutamente necessrias relaes pessoais de dependncia,

    uma privao de liberdade pessoal. .. em suma, necessria a ser-

    vidona plena acepo da palavra ... .

    11

    Marx ir at mesmo di-

    zer que, nestes casos, a relao poltica entre senhor e servo,

    uma parte essencial da relao de apropriao

    12 -

    relao esta

    pertencente combinao econmica.

    Nos Fundamentos da Crtica da Economia Poltica - e no

    Capital, no que concerne ao modo de produo feudal - Marx vai

    ainda mais longe, fornecendo-nos indicaes acerca do poltico nos

    diversos modos de produo pr-capitalistas . As suas anlises so

    interessantes por duas razes:

    a) Marx relaciona as diferentes formas polticas destes modos

    com a combinao que especifica o econmico em cada modo. No

    entanto, estes modos tm em comum o fato de que a relao de

    apropriao real reveste essencialmente uma forma invariante: unio

    entre o produtor direto e os meios de produo. As formas espec-

    ficas que o processo de trabalho reveste nestes modos, e que deter-

    minam as formas especficas de propriedade (econmica) , so

    apreendidas como variaes nos limites desta invariante.

    7) Vejamos o problema mais de perto, tomando esquematica-

    mente em considerao apenas as instncias econmica e poltica

    (particularmente as do Estado), e deixando provisoriamente de lado

    a instncia do ideolgico, Marx estabelece, tanto nos Fundamentos

    da Crt ica da Economia Polt ica (os Grundrisse zur Krit ik der politi -

    schen Oekonomie) - em particular na parte intitulada Formas que

    precedem a produo capitalista - como em O Capital, as ca-

    ractersticas seguintes da matriz do M.P.C.:

    1) A articulao do econmico e do poltico neste modo de

    produo caracterizada por uma autonomia (relativa) especfica

    destas duas instncias.

    2) O econmico desempenha, neste modo, no apenas a de-

    terminao em ltima instncia, mas igualmente o papel dominante.

    Marx

    deduz

    a primeira caracterstica pela oposio do M.P.C.

    aos modos pr-capitalistas : estes apresentariam, em relao ao

    M.P.C., o que ele designa

    C01?10

    miscigenao , ou relaes or-

    gnicas e naturais (expressas por

    vezes

    pelo termo de SImul-

    tneas ), entre o econmico e o poltico.

    preciso, repitamo-lo

    mais uma vez, no tomar estas observaes letra, o que muitas

    vezes se fez e que conduziu a toda uma mitologia marxista, a res-

    peito, por exemplo, do modo de produo feudal. Podemos em

    compensao estabelecer, no plano cientfico, que o M.P.C. espe-

    cif icado por uma autonomia caracterstica do econmico e do pol-

    . tico, a qual estabelece uma diferena radical das suas relaes, em

    comparao com as que mantm nos outros modos de produo (o

    que, de fato, no quer dizer que, nos outros modos, estas instncias

    no possuam uma autonomia relativa, mas antes que esta reveste

    formas diferentes) .

    11. Le Capital, L. 3, t. lIl , pp. 171-172.

    12. F'ondements ..., p. 154. Cito este texto a partir da edio alem de

    Rowohlt: Karl Marx, Texte zur Meihode und Praxie, t. lIl.

    28

    29

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    16/178

    b) Marx atribui a analogia das relaes entre o economico

    e o poltico nestes modos a esta caracterstica comum das suas com-

    binaes econmicas. Esta analogia particularmente apreendida da

    seguinte maneira: ao contrrio do M.P.C., a insero do trabalhador

    e do no-trabalhador em uma comunidade (entendida esta, no caso

    das sociedades divididas em classes, no sentido de comunidade pol-

    tica, de forma de relaes polticas) um pressuposto da sua inser-

    o nas relaes de apropriao real - ou de posse - e de

    propriedade. A suposta miscigenao do econmico e do pol tico

    catalogada enquanto pol tico pressuposto do econmico . As-

    sim, no caso dos modos pr-capitalistas , a atitude face

    terra

    como propriedade do indivduo ... , s ignifica que um homem aparece

    desde o incio como algo mais que a abstrao do i ndivduo tra-

    balhador ; que ele tem um modo objetivo de existncia na sua pro-

    priedade da terra que constitui o pressuposto da sua atividade e no

    surge como mera conseqncia dela: um pressuposto da sua ativi-

    dade do mesmo modo que a sua pele, os seus sentidos. .. Aquilo

    que constitui a mediao desta atitude . .. a existncia do indiv-

    duo como membro de uma comunidade . 13.

    No caso do modo de produo asitico, em que de fato se trata

    de uma propriedade da terra por parte de pequenas comunidades -

    relao de propriedade -, mas que assume a forma de posse here-

    ditria da terra por estas comunidades - relao de apropriao

    real -: a unidade que compreende as outras (as pequenas comu-

    nidades), e que se encontra acima de todos estes pequenos organis-

    mos comunais, pode surgir com os seus possuidores hereditrios ...

    Por isso perfeitamente possvel que esta unidade surja como algo

    de superior e separado das numerosas comunidades part iculares ...

    Uma parte do excedente de trabalho pertence comunidade superior ,

    que, em ltima anlise, surge como uma pessoa. .. O dspota surge

    aqui como o pai de todas as numerosas comunidades particulares,

    como realizando a unidade comum de todas .

    14

    No modo de produo antigo,

    *

    t rata-se de uma coexistncia

    de propriedade de Estado e de propriedade privada: Ser membro

    da comunidade continua a ser um pressuposto para a apropriao

    da terra, mas na sua capacidade como membro da comunidade o

    indivduo um proprietrio privado... . O fato de lhe pertencerem

    as condies naturais do seu trabalho mediatizado pela sua exis-

    tncia como membro do Estado, pela existncia do Estado como um

    pressuposto considerado como divino ...

    15

    13. F'ondemente ..., op. cit., p.

    138.

    14. Ibid.,

    p. 132.

    *

    Isto , da Antigidade Clssica (N. T.).

    15. Ibid.,

    p. 133.

    30

    No que Marx designa como forma germamca de produo e

    de propriedade, trata-se de uma coexistncia de propriedade comu-

    nal e de propriedade privada: Entre os Germanos, em que famlias

    isoladas se instalam nas florestas, separadas por longas distncias,

    de um ponto de vista externo a comunidade existe simplesmente em

    virtude de cada ato de unio dos seus membros,

    se bem que a unidade

    destes exista em si, instaurada pela hereditariedade... A comuni-

    dade aparece assim como uma associao, e no como unio; como

    um acordo, cujos sujei tos independentes so os proprietrios da ter-

    ra, e no como unidade. Efetivamente, a comunidade no tem por

    isso diretamente uma existncia como Estado, como entidade pol-

    tica, tal como acontecia entre os antigos... Para que as comuni-

    dades adquiram uma existncia real, os proprietrios da terra tm

    de realizar uma assemblia, ao passo que a comunidade existente em

    Roma independente destas assemblias .. . .

    16

    Finalmente, no que diz respeito ao modo de produo feudal:

    Em vez do homem independente, encontramos aqui toda a gente

    dependente, servos e senhores, vassalos e suzeranos, laicos e cl-

    rigos. Esta dependncia caracteriza tanto as relaes de produo

    materiais quanto todas as outras esferas da vida, s quais serve de

    fundamento .

    17

    No M.P.C., em contrapartida, assistimos a uma combinao de

    homologia entre a relao de propriedade e a relao de apropria-

    o real. Esta homologia instaura-se graas separao entre pro-

    dutor direto e meios de produo na segunda relao - o que

    Marx 'designa como separao entre o produtor direto e as suas

    condies naturais de trabalho - e que intervm no estgio da gran-

    de indstria.

    nomeadamente desta separao, a qual faz do prprio

    trabalhador um elemento do capital e do trabalho uma mercadoria,

    16. Ibid.,

    p. 130.

    17. Le Capital,

    L. 1, t. I, p. 85. Se tivermos em conta o fato de que:

    a) O modo de produo um conceito que implica na presena de todas

    as instncias sociais; b) o modo de produo feudal no apresenta a

    mesma autonomia de instncias que o M.P.C.; e c) O poltico assume

    muitas vezes o papel dominante no modo de produo feudal; podemos

    fundamentar a legitimidade da designao por Marx deste modo de

    produo como

    feudal.

    Efetivamente - como j muitas vezes fizemos

    notar -, esta designao refere-se sobretudo s relaes polt icas deste

    modo feudal . (Sobre este assunto,

    J.

    Marquet, Une Hypothse pour

    l ' tude des soci ts africanes , in

    Cahiers d'tudes Afr:'cains,

    6, 1961;

    M. Rodinson, Islam et capitalisme, 1966, p. 66 e segs., etc.) O que, em

    contrapartida, cria problema, a representao que Marx fazia des-

    tas relaes polticas feudais: tomada ao p da letra, ela conduziria

    a excluir do modo de produo feudal formaes sociais com base na

    servido, mas cujas relaes polticas no cor respondem a essa repre-

    sentao.

    31

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    17/178

    que decorre o carter do econOIDICOdeste modo como processo de

    produo da mais-valia. Esta combinao determina uma autonomia

    especfica do poltico e do econmico, que Marx apreende nas suas

    duas manifestaes. Por um lado, nos seus efeitos sobre o econ-

    mico: por exemplo, o processo de produo no M.P.C. funciona de

    forma relativamente autnoma, no havendo necessidade de inter-

    veno, caracterstica para os outros modos de produo, de ra-

    zes extra-econmicas; o processo de reproduo alargada - .como

    Rosa Luxemburgo o fez justamente notar - principalmente deter-

    minado pela razo econmica de produo da mais-valia; as crises

    puramente econmicas surgem, etc. Por outro lado, Marx apreende

    essa autonomia nos seus efeitos sobre o Estado capitalista.

    Esta combinao especfica do econmico do M.P.C. - como

    determinao em ltima instncia -, atribui igualmente ao econmico

    o papel dominante neste modo de produo. Isto - como sabemos

    - foi estabelecido tanto pelas anlises de Marx em O Capital a

    respeito deste modo como pelas suas observaes comparativas a

    respeito de outros modos de produo em que o papel dominante

    incumbe ao pol tico ou ao ideolgico.

    Esta introduo permitiu-nos definir o objeto e o mtodo deste

    ensaio, assim como a teoria que sustenta a pesquisa e a exposio.

    Permitiu-nos igualmente definir certos conceitos fundamentais e es-

    tabelecer assim o quadro terico do texto que se segue. Estas ob-

    servaes introdutrias encontraro a a sua justificao.

    32

    , I

    I

    I

    QUESTES GERAIS

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    18/178

    1. SOBRE O CONCEITO DE POLlTICO

    I. Poltica e Histria - O Poltico e a Poltica

    J dispomos de um nmero suficiente de elementos para tentar

    descrever o conceito de poltico em Marx, Engels e Lenin, e as suas

    relaes com a problemtica do Estado. : , contudo, necessrio fazer

    duas observaes prvias:

    1) Tentaremos, neste captulo, enunciar os problemas da

    teoria marxista geral acerca do Estado e da luta poltica de alasses.

    Este captulo, que diz sobretudo respeito ao problema geral do Es-

    tado, precede na ordem da exposio o captulo sobre as classes

    sociais e a luta de classes. E no fazemos isto por acaso: no

    porque, evidentemente, se possa compreender, na ordem lgica, um

    exame do Estado sem referncia direta e conjunta luta de classes,

    ou que esta ordem de apresentao corresponda a uma ordem hist-

    rica de existncia do Estado antes da diviso da sociedade em clas-

    ses, mas porque as classes sociais constituem o efeito, veremos em

    que sentido, exatamente, de certos nveis de estruturas, das quais o

    Estado faz parte.

    2) J introduzimos a distino entre a superestrutura jurdico-

    -poltica do Estado, aquilo que podemos designar como o poltico,

    e as prticas polticas de classe - luta poltica de classe - aquilo

    que podemos designar como a poltica. Devemos contudo ter em

    vista que esta dist ino ser esclarecida no captulo seguinte acerca

    das classes sociais, onde ser possvel fundamentar a distino e a

    relao entre as estruturas, por um lado, e as prticas de classe, ou

    seja, o campo da luta de classe, por outro.

    O problema do poltico e da poltica est ligado, em Marx,

    Engels e Lenin, ao problema da histria. Com efeito, a posio

    marxista a este respeito decorre das duas proposies fundamentais

    de Marx e Engels no Manifesto Comunista, segundo as quais: a)

    1 fT

    oda a luta de classes uma luta pol tica

    e

    b) A

    luta de classes

    o motor da histria. Torna-se ntido que podemos fazer uma

    primeira leitura, de tipo historicista, da relao entre estas duas pro-

    posies. Esta leitura pressupe, no fim de contas, o tipo hegeliano

    de totalidade e de histria : trata-se, em primeiro lugar, de um

    tipo de totalidade simples e circular, composta de elementos equi-

    valentes, que se distingue radicalmente da estrutura complexa com

    35

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    19/178

    valor de dominante que especifica o tipo marxista de unidade; tra-

    ta-se, em segundo lugar, de um tipo linear de historicidade, cuja

    evoluo est desde logo contida na origem do conceito, sendo o

    processo histr ico identificado como o devir do autodesenvolvimento

    da Idia. Nesta totalidade , a especificidade dos diversos elemen-

    tos em questo reduzida a este princpio de unidade simples que

    o Conceito, de que eles constituem a objetivao; a histria re-

    duzida a um devir simples, cujo princpio de desenvolvimento a

    passagem dialtica da essncia existncia do conceito.

    Portanto, pode efetivamente fazer-se uma leitura histor icis ta das

    proposies marxistas que acabamos de citar. Qual seria o resul-

    tado? Ficariam ento compreendidos no domnio do poltico

    no

    um nvel estrutural particular e uma prtica especfica,

    mas em geral

    o aspecto dinmico - diacrnico de todo o elemento pertencente

    a qualquer nvel de estruturas ou prticas de uma formao social.

    Sendo o marxismo, para o historicismo, uma cincia gentica do

    devir em geral, sendo a poltica o motor da histria, aquele ficaria

    sendo em ltima anlise uma cincia da poltica - ou seja, uma

    cincia da revoluo - identificada com este devir unilinear sim-

    ples, do que decorrem vrias conseqncias:

    a)

    uma identificao

    da poltica e da histria; b) o que se pode designar como a sobre-

    politizao dos diversos nveis das estruturas e das prticas sociais,

    cuja especificidade, autonomia relativa e eficcia prpria seriam re-

    duzidas ao seu aspecto dinmico-histrico-poltico. O poltico cons-

    tituiria aqui o

    centro,

    ou o denominador comum e simples, tanto da

    sua unidade (totalidade) como do seu desenvolvimento: exemplo

    part icularmente manifesto deste resultado, a famosa

    sobrepolitizao

    do nvel terico que conduz ao esquema cincia burguesa - cincia

    proletria ; c) uma abolio da prpria especificidade do poltico,

    a sua decomposio em todo o elemento indistinto que viesse rom-

    per o equilbrio da relao de foras de uma formao. Estas con-

    seqncias tm como resultado tornar suprfluo o estudo terico das

    estruturas do poltico e da prtica poltica, o que conduz inva-

    riante ideolgica voluntarismo-economicismo, s diversas formas de

    revisionismo, de reformismo, de espontanesmo, etc.

    Resumindo, o poltico, em uma concepo historicista do mar-

    xismo, desempenha o papel que, afinal de contas, assume o Con-

    ceito em Hegel, No me ocuparei aqui das formas concretas que

    esta problemtica reveste. Apresentarei apenas duas citaes, a fim

    de situar o problema.

    Uma extrada de Gramsci, cujas anlises polticas, ainda va-

    liosas, so muitas vezes afetadas pelo historicismo de Croce e La-

    briola. Esta ilustra as conseqncias assinaladas: A primeira ques-

    36

    to a colocar e a resolver em uma exposio sobre Maquiavel a

    questo

    do p,o tico como cincia autnoma, quer dizer, do lugar que

    a CIenCIa poltica ocupa ou deve ocupar em uma concepo do mun-

    do sistemti~a ... , em uma filosofia da prxis. O progresso, a que,

    a e~~e r.espelt~,. Croce o?rigou aos estudos sobre Maquiavel e sobre

    a ciencra poltica, consi ste sobretudo... no fato de ter dissipado

    uma srie de falsos problemas, inexistentes ou mal formulados. Croce

    baseou-se na distino entre os momentos do esprito e na afirma-

    o de um momento da prtica, de um esprito prtico, autnomo

    e independente, embora ligado circularmente a toda a realidade pela

    dialtica dos distintos. Em uma filosofia da prxis, a distino no

    ser certamente entre os momentos do Esprito absoluto, mas antes

    entre os graus da superestrutura e tratar-se- assim de estabelecer

    a posio dialtica da atividade poltica (e da cincia corresponden-

    te) como grau determinado da superestrutura: podemos dizer, a t-

    tulo de primeira indicao e de aproximao, que a atividade poltica

    precisamente o primeiro momento ou primeiro grau, o momento

    em que a superestrutura est ainda na fase de simples afirmao

    voluntria, indist inta e elementar .

    Em que sentido se poder esta-

    belecer uma identidade entre a poltica e a histria, e, por conse-

    guinte, entre o conjunto da vida e a poltica? Como se poder con-

    ceber, neste caso, todo o sistema de superestruturas como distin-

    es da poltica, e como se justificar ento a introduo do conceito

    em uma filosofia da prxis? .. Conceito de bloco histrico , isto

    , unidade entre estrutura e superestrutura, unidade dos contrrios

    e dos distintos ... . 1

    Vemos desde j manifestarem-se, nesta citao de Gramsci,

    as conseqncias assinaladas do historicismo, que aqui conduzem _

    como foi, de resto, o caso do esquerdismo terico dos anos vinte

    (Lukcs, Korsch,etc.) - a uma sobrepolitizao de carter volun-

    tarista, que corresponde simetricamente ao economismo na mesma

    problemtica.

    2

    A minha segunda citao extrada de T. Parsons, mestre da

    tendncia funcionali sta da soc iologia atual , tendncia a que vol ta-

    remos demoradamente, na medida em que, influenciada pelo histo-

    ricismo de Max Weber, ela orienta as anlises da cincia poltica

    moderna 3, e acerca da qual interessante constatar que, devido

    1. Este texto citado conforme s Oeuvres choisies, das Ed. Sociales

    (p. 1967 e segs.). Acerca da identificao, em Gramsci, da cincia e

    da filosofia da prxis com a pol tica, ver

    Il materialismo storico e

    10 ,

    filosofia di B. Croce, Einaudi, p. 117 e segs., e Note sul Mach/aoeli, sul-

    Ia polit ica e sullo Stato moderno, Einaudi, p. 79 e segs., 142 e segs.

    2. Sobre este assunto, remeto para as anlises de Althusser em Lire le

    Capital, 1965, t. lI.

    8. The Social System, Glencoe, 1951, p. 126 e segs.

    37

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    20/178

    precisamente aos seus princpios tericos comuns com o historicismo

    marxista, conduz a resultados anlogos a respeito do poltico e da

    poltica: .. . no poderamos abordar o estudo da poltica apoian-

    do-nos numa concepo terica restrita a este problema, pela sim-

    ples razo de que a poltica constitui um centro de integrao de

    todos os elementos analt icos do sistema social, e porque ela prpria

    no poderia ser reconhecida como um desses elementos parti-

    culares .

    4

    Veremos seguidamente que Q funcionalismo constitui, de fato,

    no plano epistemolgico, a continuidade direta da concepo histo-

    ricista geral; evidente a reduo do poltico gue da decorre, tor-

    nando-se este, alis, enquanto princpio simples da totalidade social,

    o princpio do seu desenvolvimento, na perspectiva sincronia-diacro-

    nia gue caracteriza o funcionalismo.

    Em uma concepo anti-historicista da problemtica original do

    marxismo, devemos situar o poltico na estrutura de uma formao

    social, por um lado, enquanto nvel especfico, por outro, contudo,

    enquanto nvel crucial em que se refletem e se condensam as con-

    tradies de uma formao, a fim de compreender exatamente o

    carter anti-historicista da proposio segundo a qual a luta po-

    ltica de classes que constitui o motor da histria.

    Comecemos por este ltimo ponto, posto em evidncia por AI-

    thusser. Althusser demonstrou - como nos lembramos - que, para

    o marxismo, no um tipo universal e ontolgico de histria, um

    princpio de gnese, referido e a um sujeito, que consti tui o princpio.

    de inteligibilidade do processo de transformao das sociedades, mas

    antes o conceito teoricamente construdo de um dado modo de pro-

    duo enquanto todo-complexo-com-dominante. . a partir deste

    conceito, que nos determinado pelo materialismo histrico, que

    se pode construir o conceito de histria, em nada se referindo a um

    devir linear simples. Os nveis de estruturas e de prticas, exata-

    mente do mesmo modo que apresentam, no interior da unidade de

    um modo de produo e de uma formao social historicamente de-

    4. Com efeito, esta corrente no s diretamente se filia no historicismo,

    como tambm se apresenta - atravs da importncia que assume-

    como a alternativa ao marxismo, tal como W. Runciman o assinala no

    seu excelente livro Social Science and Political Theory, 1965, (p. 109):

    ...Em cincia poltica s existe, de fato

    exceo do marxismo, um ni-

    co candidato srio a uma teoria geral da sociedade... Os seus partid-

    rios declaram que existe uma srie alternativa de proposies gerais

    que fornecem uma melhor explicao do comportamento polt ico que o

    marxismo ... Trata-se do funcionalismo : ou ainda (p. 122): Subsiste o

    fato de que certa espcie de funcionalismo a nica alternativa corren-

    te ao marxismo como base de uma teoria geral em cincia poltica .

    38

    terminada, uma especificidade prpria, uma autonomia relativa e

    uma eficcia particular, apresentam tambm temporalidades com

    ritmos e escanses diferenciais. 5 Os diversos nveis de uma forma-

    o social so caracterizados por um desenvolvimento desigual, trao

    essencial da relao destas temporalidades diferenciais na estrutura,

    por defasagens que so o fundamento da intel igibilidade de uma for-

    mao e do seu desenvolvimento. Nesta medida, as transformaes

    de uma formao e a transio so apreendidas pelo conceito de

    uma histria com temporalidades diferenciais.

    Tentemos determinar o lugar que cabe, neste contexto, ao po-

    ltico, e particularmente

    prtica poltica. O conceito de prtica

    assume aqui o sentido de um trabalho de transformao sobre um

    objeto (matria-prima) determinado, cujo resultado a produo

    de algo de novo (o produto) que constitui freqentemente, ou pelo

    menos pode constituir, uma cesura com os elementos j determinados

    do objeto. Ora, qual , a este respeito, a especificidade da prtica

    poltica? Esta prtica tem por objeto especii.co o momento

    atual 6, como dizia Lenin, isto , o

    ponto nodal onde se condensam

    as contradies dos diversos nveis de uma formao nas relaes

    complexas regidas pela sobredeterminao, pelas suas defasagens e

    desenvolvimento desigual. Este momento atual assim uma con-

    juntura, o ponto estratgico onde se fundem as diversas contradies

    enquanto reflexos da art iculao que especifica uma estrutura com

    valor de dominante. O objeto da prtica poltica, tal como aparece

    no desenvolvimento do marxismo por Lenin - o lugar onde, em

    ltima anlise, se fundem as relaes entre as diversas contradies,

    relaes que especificam a unidade da estrutura; o lugar a partir

    do qual se pode, em uma situao concreta, decifrar a unidade da

    estrutura e agir sobre ela com vista sua transformao. Queremos

    dizer com isto que o objeto a que se refere a prtica poltica est

    dependendo dos diversos nveis sociais - a prtica poltica tem

    como objeto simultaneamente o econmico, o ideolgico, o terico e

    o poltico em sentido estrito - na sua relao, a qual constitui

    uma conjuntura.

    Decorre disto uma segunda conseqncia no que diz respeito

    poltica nas suas relaes com a histria. A prtica poltica o

    motor da histria na medida em que o seu produto constitui afinal

    a transformao da unidade de uma formao social, nos seus di-

    versos estgios e fases. Isto, porm, no em um sentido historicista:

    6. Para a distino entre modo de produo e formao social - essen-

    cial para o problema do conceito de histria - ver a Introduo.

    6. La dialectique matrialiste , in Pour Mar, conveniente assina-

    lar, no entanto, que este conceito de prtica no ainda, no estado atual

    das pesquisas, seno um conceito prtico (tcnico).

    39

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    21/178

    a prtica poltica quem transforma a unidade, na medida em que

    o seu

    objeto

    constitui o ponto nodal de condensao das contradi-

    es entre os diversos nveis, com historicidades prprias e desen-

    volvimento desigual.

    Estas anlises so importantes para situar o conceito do pol-

    tico, e, em particular, da prtica poltica, na problemtica original

    do marxismo. preciso contudo complet-Ias em um ponto. Com

    efeito, estas anlises respeitantes ao

    objeto

    e ao

    produto

    da

    prtica

    poltica, no bastam para situar exatamente a especiiicidade do po-

    ltico: devem ser completadas por uma concepo adequada da su-

    perestrutura poltica.

    7

    Pois que, de fato, se nos contentarmos em

    definir o poltico apenas como prtica com objeto e produto defini-

    dos, corremos sempre o risco de diluir a sua especificidade, de iden-

    tificar afinal como poltico tudo o que transforma uma unidade

    determinada. Se negligenciarmos o exame terico das estruturas po-

    lticas, arriscamo-nos tambm a no acertar com o momento atual

    da conjuntura e a fracassar nesse momento de que Gramsci fala-

    va, enunciando o problema com nitidez. Em suma, se quisermos

    superar definitivamente um certo historicismo na concepo do pol-

    tico, no basta limitarmo-nos anlise terica do objeto da prtica

    poltica; preciso tambm situar, no interior de uma formao so-

    cial, o lugar e a funo especficos do nvel das estruturas polticas

    que constituem o seu objetivo: somente nesta medida a sobredeter-

    minao pelo poltico poder aparecer nas suas relaes com uma

    histria diferencial.

    Entremos no mago da questo. As estruturas polticas - o

    que se designa como superestrutura poltica - de um modo de

    produo e de uma formao social consistem no poder institucio-

    nali zado do Estado. Com efeito, sempre que Marx, Engels, Lenin

    ou Gramsci falam de luta (prtica) poltica distinguindo-a da luta

    econmica, consideram expressamente a sua especiiicidade relativa

    ao seu

    objetivo

    particular, que o

    Estado

    enquanto nvel especfico

    de uma formao social. Neste sentido encontramos de fato, nos

    clssicos do marxismo, uma definio geral da poltica. Trata-se,

    7. Trata-se daquilo que podemos designar como

    superestrutura jur-

    dico-politica do Estado , na condio de assinalarmos que este termo en-

    globa, muito esquematicamente, duas realidades dist intas, dois nveis

    relativamente autnomos, a sa-ber: as

    estruturas jurdicas - o direito

    - e ai>

    estruturae polticas - o Estado.

    O seu emprego legtimo na

    medida em que os clssicos do marxismo estabeleceram efetivamente a

    relao estrei ta entre estes dois nveis: este emprego no nos deve fazer

    esquecer entretanto que este termo recobre dois nveis relativamente dis-

    tintos cuja combinao concreta depende do modo de produo e da for-

    mao social considerados. Devemos ter em conta esta observao sem-

    pre que empregarmos este termo.

    de um modo preciso, da concepo indicada da prtica poltica: esta

    tem por objeto o momento atual, produz as transformaes - ou,

    por outro lado, a manuteno - da unidade de uma formao, na

    nica medida, contudo exata, em que tem como ponto de impacto,

    como objetivo estratgico especfico, as estruturas polt icas do

    Estado.

    8

    Neste sentido Marx diz: O political movement da classe ope-

    rria tem ... como objetivo final - Endzweck - a tomada do po-

    litical power ,

    tambm precisamente neste sentido que devemos

    entender a frase de Lenin: No basta dizer que a luta de classes

    s se torna uma luta verdadeira, conseqente, aberta, no dia em que

    abrange o domnio da poltica. .. Para o marxismo, a luta de clas-

    ses

    s

    se torna uma luta inteiramente aberta ao conjunto da nao

    no dia em que, no apenas abrange a poltica mas tambm se prende

    ao essencial neste domnio: a estrutura do poder de Estado .10 O

    que de fato ressalta desta citao que este objetivo do poder de

    Estado a

    condio

    da especificidade da prtica poltica. A este

    respeito, assinalemos ainda a posio de Lenin nos seus textos de

    1917 relativos ao problema da dualidade do poder , do Estado e

    dos Sovietes. De fato, a palavra de ordem todo o poder aos So-

    vietes est ligada, no pensamento de Lenin ao fato de considerar

    os Sovietes como um segundo Estado . Veremos a distino entre

    poder de Estado e aparelho de Estado; o que aqui nos interessa

    que esta palavra de ordem no decorre do fato de os Sovietes esta-

    rem sob o controle dos bolcheviques - na ocorrncia, os sovietes,

    no momento desta palavra de ordem, estavam sob o controle dos

    mencheviques -, mas do fato de os Sovietes constiturem um apa-

    relho de Estado assumindo funes do Estado oficial, do fato de cons-

    t iturem o Estado real. Donde, a concluso: necessrio fortalecer

    este segundo Estado e ter como objetivo conquist-lo enquanto Esta-

    do: ... A essncia verdadeira da Comuna no est onde em geral a

    procuram os burgueses, mas na criao de um tipo particular de Es-

    tado. Ora, um Estado deste gnero j nasceu na Rssia: so os So-

    vietes . .. . 11 Estas anlises de Lenin decorrem da sua posio terica

    a respeito da dist ino - e da relao - entre a luta econmica e a

    luta poltica, tal como o havia essencialmente definido no Que Fazer?:

    8. Podemos assim subscrever perfeitamente a definio que M. Verret

    d da polt ica: Prtica pol tica a prtica de direo da luta de clas-

    ses no Estado e por ele (Thorie et politique, Ed. Sociales, 1967,

    p. 1944). Abordaremos a seguir a questo da relao entre a poltica e

    o Estado, tal como formulada pela antropologia poltica atual.

    9. Carta a Bolte, de 29 de novembro de 1871.

    10. Lenin,

    Oeuvres completes,

    Ed. Sociales, t. 19.

    11.

    Thsee d'Avril,

    Lettre sur Ia tact ique .

    41

  • 8/9/2019 Poder Poltico y Clases Sociales (Nicos Poulatzas)

    22/178

    A social-democracia dir ige a luta da classe operria ... nas suas rela-

    es no apenas com um grupo de patres, mas tambm com ...

    o Estado como fora pol tica organizada. Donde se segue que os

    sociais-democratas no podem limitar-se luta econmica ... , ou

    ainda as denncias polticas so uma declarao de guerra

    ao go-

    verno da mesma maneira que as denncias econmicas so uma de-

    clarao de guerra aos industr iais .

    12

    nuteno da unidade de uma formao, de um dos seus estgios ou

    fases, isto , a sua no-transformao visto que, no equilbrio ins-

    tvel de correspondncia / no-correspondncia de nveis defasados

    por temporalidades prprias, este equil brio jamais realizado en-

    quanto tal pelo econmico, antes mantido pelo Estado (neste caso,

    a prtica poltica tem como objetivo o Estado enquanto fator de ma-

    nuteno da coeso desta unidade); ou ento a prtica polt ica pro-

    duz transformaes tendo como objetivo o Estado como estrutura

    nodal de ruptura desta unidade, na medida em que ele o seu fator

    de coeso: neste contexto, o Estado poder alm disso ser encarado

    como fator de produo de uma nova unidade, de novas relaes

    de produo.

    11. A Funo Geral do Estado

    Esta tese coloca, contudo, tantos problemas quantos os que

    resolve. Com efeito, por que razo uma prtica que tem como

    objeto o momento atual e produz transformaes da unidade apre-

    senta de especfico o fato do seu resultado no poder ser produzido

    seno quando tem como objetivo o poder do Estado? Esta questo

    de maneira alguma parece evidente, como o mostra por um lado a

    tendncia economicista - trade-unionista - (esse objetivo seria o

    econmico), por outro lado a tendncia utpica - idealista (esse

    objetivo seria o ideolgico). Formulando o problema em termos

    diferentes, por que razo a concepo fundamental de Marx, Engels,

    Lenin e Gramsci relativa passagem ao socialismo se distingue de

    uma concepo reformista na medida em que exige que o Estado

    seja radicalmente transformado e o antigo aparelho de Estado des-

    trudo, isto , pela teoria da ditadura do proletariado? Em suma,

    por que razo, segundo os termos exatos de Lenin, o problema fun-

    damental de uma revoluo

    o poder do Estado?

    Com efeito, j podemos descobrir um ndice desta funo do

    Estado no fato de que, para alm de fator de coeso da unidade de

    uma formao, tambm a estrutura na qual se condensam as con-

    tradies entre os diversos nveis de uma formao. O Estado

    assim o lugar no qual se reflete o ndice de dominncia e de sobre-

    determinao que caracteriza uma formao, um dos seus estgios

    ou fases. Por isso o Estado aparece como o lugar que permite a

    decifrao da unidade e da articulao das estruturas de uma forma-

    o. Isto no ser esclarecido no momento em que analisarmos a

    relao entre as estruturas e o campo das prticas de classe, e si-

    tuarmos a relao part icular entre o Estado e a conjuntura que cons-

    titui o lugar de decifrao da relao entre as estruturas e o campo

    das prticas.

    :

    a partir da relao entre o Estado, fator de coeso

    da unidade de uma formao, e o Estado, lugar de condensao das

    diversas contradies entre as instncias, que podemos assim decifrar

    o problema poltica - histria. Esta relao designa a estrutura do

    poltico, simultaneamente como nvel especfico de uma formao e

    como lugar das suas transformaes, e a luta poltica como o motor

    da histria tendo como objetivo o Estado, lugar de condensao

    das contradies entre instncias defasadas por temporalidades pr-

    prias.

    Para resolver o problema, necessrio regressar concepo

    marxista cientfica da superestrutura do Estado e mostrar como, no

    interior da estrutura de vrios nveis defasados por desenvolvimento

    desigual, o Estado possui a funo particular de constituir o fator

    de coeso dos niveis de uma formao social. : precisamente o que

    o marxismo exprimiu, concebendo o Estado como fator da ordem ,

    como princpio de organizao , de uma formao, no no sentido

    corrente dos nveis de uma unidade complexa, e como fator regula-

    dor do seu equilbrio global enquanto sistema. Pode ver-se assim

    por que razo a prtica poltica, que tem como objetivo o Estado,

    produz as transformaes da unidade e assim o motor da hist-

    ria : precisamente por intermdio da anlise deste papel do Es-

    tado que se pode estabelecer o sentido anti-historicista dessa pro-

    posio. De fato, ou a prtica poltica tem como resultado a ma-

    contudo necessano precisar alguns pontos. Esta enunciao

    do problema do Estado permite resolver um problema capital da

    teoria marxista do poltico. De acordo com toda uma tradio mar-

    xista, tal fundamentao, em teoria, da relao entre a luta poltica

    e o Estado seria cair em uma concepo maquiavlica do polt ico.

    No condenou Marx, nas suas obras de juventude, a concepo do

    exclusivamente pol tico , a concepo que reduz a polt ica sua re-

    lao com o Estado? No deveria a prtica poltica ter como ob-

    jetivo, no o Estado, mas a transformao da sociedade civil ,