O Menino Do Dedo Verde

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O Menino do Dedo Verde", de Maurice Druon, tornou-se um clássico da literatura para crianças e jovens em todo o mundo, e permanece atual há três décadas. Esta fábula trata de questões relacionadas com os conceitos de convívio social, ética e cidadania, e foi pioneira ao abordar o tema ecologia. Confira!

Transcript of O Menino Do Dedo Verde

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  • Maurice Druon

    ~ O menino do dedo verde

    Traduo

    D. Marcos Barbosa

    82lledio

    JOS OLYMPIO EDITORA

  • Ttulo do original T/S[OU LES POUCES VERTS @ Promotion et Diffusion Littraires 5.A., Genebra

    Reservam-se os direitos desta ediao EDITORA JOSt OL YMPIO L TDA. Rua Argentina, 171 - 1 andar - ~ Cristvao 20921-380 - Rio de Janeiro, RJ - Repblica Federativa do Brasil Printed in Brazil / Impresso no Brasil

    Atendemos pelo Reembolso Postal

    ISBN 978-85-03-00137-3

    Capa e projeto grMico: ISABELLA PERAOTIA Ilustraes: MARIE LooSE NERY

    MAURICE DRUON nasceu em Paris, em 1918, mas suas ra!zes estao plantadas no Maranhao, lugar de seus antepassados. Ex-ministro da Cultura da Frana, membro da Academia Francesa de Letras desde 1996. Dedicou-se ao ensaio, teatro e romance. Maurice Druon conhecido mundialmente pela nica histria que escreveu para crianas: O menino do dedo verde, de 1957, traduzida para dezenas de idiomas, um verdadeiro clssico para o pblico infanto-juvenil.

    MARIE Loose NERY nasceu na Su!a, vive no Rio de Janeiro e professora, coregrafa, figurinista e umas das pioneiras na arte de ilustrar. Para a televisao, criou os bonecos do Stio do Pica-Pau Amarelo.

    D86m

    00-0125

    CIP-Brasil. Catalogacrna-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Druon. MauOCe O menino do dedo verde; traduao de D. Marcos Barbosa /ilustraes

    de Marie L.ouise Nery-Bia ed. -Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2008. 1. Literatura infanto-juvenil.1. ntulo.

    CDD-028.5

    O menino do dedo verde

  • Ttulo do original T/S[OU LES POUCES VERTS @ Promotion et Diffusion Littraires 5.A., Genebra

    Reservam-se os direitos desta ediao EDITORA JOSt OL YMPIO L TDA. Rua Argentina, 171 - 1 andar - ~ Cristvao 20921-380 - Rio de Janeiro, RJ - Repblica Federativa do Brasil Printed in Brazil / Impresso no Brasil

    Atendemos pelo Reembolso Postal

    ISBN 978-85-03-00137-3

    Capa e projeto grMico: ISABELLA PERAOTIA Ilustraes: MARIE LooSE NERY

    MAURICE DRUON nasceu em Paris, em 1918, mas suas ra!zes estao plantadas no Maranhao, lugar de seus antepassados. Ex-ministro da Cultura da Frana, membro da Academia Francesa de Letras desde 1996. Dedicou-se ao ensaio, teatro e romance. Maurice Druon conhecido mundialmente pela nica histria que escreveu para crianas: O menino do dedo verde, de 1957, traduzida para dezenas de idiomas, um verdadeiro clssico para o pblico infanto-juvenil.

    MARIE Loose NERY nasceu na Su!a, vive no Rio de Janeiro e professora, coregrafa, figurinista e umas das pioneiras na arte de ilustrar. Para a televisao, criou os bonecos do Stio do Pica-Pau Amarelo.

    D86m

    00-0125

    CIP-Brasil. Catalogacrna-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Druon. MauOCe O menino do dedo verde; traduao de D. Marcos Barbosa /ilustraes

    de Marie L.ouise Nery-Bia ed. -Rio de Janeiro: Jos Olympio, 2008. 1. Literatura infanto-juvenil.1. ntulo.

    CDD-028.5

    O menino do dedo verde

  • Dados biobibliogrficos do autor

    ~ex-ministro da Cultura Maurice Druon - da Academia Francesa desde 1966 - nasceu a 23 de abril de 1918, em Paris. J em 1936 arrebatava prmios e menes honrosas por sua aplicao nos estudos secundrios, complementados no Liceu Michelet, de onde saiu para a Sorbonne e a Escola de Cincias Polticas. Aspirante de Cavalaria no incio da Segunda Guerra Mundial, participou ativamente da luta antinazista em 1940, quando chegou Inglaterra via Espanha, a fim de se engajar nas chamadas Foras Francesas de Libertao. t quando participa de programas de radiofuso e - com o tio tambm escritor Joseph Kessel em 1943 - compe a letra do canto Les partisans, ainda hoje ouvida com grande emoo pelo povo francs. Depois do desembarque aliado no continente europeu, Maurice Druon passa a correspondente de guerra no s no seu pas, mas igual-mente na Alemanha e Holanda.

    J conhecido pelos artigos publicados pela imprensa antes do confli-to, recebe o Prmio Goncourt pelo romance Les grandes familles, primeiro volume de uma saga histrica contando vrios tomos. Em 1953, a Comdie Franaise encena a sua pea Un voyageur. Fica bastante co-nhecido por seus recitais histricos, que sempre alcanam vasta audincia.

    Maurice Druon tem a sua obra marcada pela violncia e vigor carac-tersticos de sua vida pessoal, e - segundo crticos de seu pas - se dis-tingue pela honestidade com que soube aliar fico literria com Histria, onde o choque das armas e o trgico das paixes contam uma fase importante na literatura francesa contempornea. Entre seus princi-pais livros esto:

  • Mgare, teatro, 1942; Le sonneur de bien-aller, novela, 1943; Lef(res d'un europen, ensaio, 1944; La dernire brigade, romance, 1951;

    t

    Les grandes familles (La fin des hommes, 1), romance, 1948; La chute des corps (La findes hommes, li), romance, 1950; Rendez-vous aux enfers (La fin des hommes, Ili), romance, 1951; Remarques, ensaio, 1952; La volupit d'tre, romance, 1954; Un voyageur, teatro, 1954; Le ro de fer (Les rois maudits, 1), romance histrico, 1955; La reine etrangle (Les r1Jis maudits, li), romance histrico, 1955; Les poisons de la Couronne (Les rois maudits, Ili), romance histrico, 1956; L'htel de Mondez, novela, 1956; La foi des mles (Les rois maudits, IV), romance histrico, 1957, Tistou les pouces verts (O menino do dedo verde), infanta-juvenil, 1957; Alexandre !e Dieu, romance mitolgico, 1958; La louve de France (Les rois maudits, V), romance histrico, 1959; Les !is et !e Lion (Les rois maudits, VI), 1960; Des seigneurs de la plaine J'htel de Mendez, novelas, 1962; Les mmoires de Zeus, romance mitolgico, 1963; Paris, de Csar Saint-Louis, ensaio histrico, 1964; Bernard Buffet, ensaio, 1964; Le pouvoir, notas e mximas, 1965; Les tambous de la mmoire, texto comemorati-vo, 1965; Les rois maudits VI, romance histrico, 1966; Les mmoires de Zeus, li, romance histrico 1967; Le bonheur des uns, novelas, 1967; L'Avenir en dsarroi, ensaio, 1968; Grandeur et signification de Leningrad, ensaio, 1968; Lettres d'un Europen et Nouvelles Lettres d'un Europen, 1943-1970, ensaio, 1970; Une tglise qui se trompe de sicle, ensaio, 1972; Quand un ro perd la France (les rois maudits, VII), romance histrico, 1977; Obra completa, 25 volumes, compreendendo duas colees inditas: Au pas de la vie (4 vol.), Politique et civilisation, dis-cours (1 vai.), 1977; Vzelay, colline ternelle, novela, 1987; Lettre aux Franais sur leur tangue et leur me, novela, 1994; Circonstances poli-tiques, 1954-1974, 1998; Circonstances politiques, li, 1974-1998, 1999; La France aux ordres d'un cadavre, 2000; Ordonnances pour un tat ma/ade, 2002.

    Nota edio brasileira

    ~crtica francesa foi gratamente surpreendida por Maurice Druon. J consagrado por seus romances histricos, oferecia de repente s crianas uma obra-prima de pura fico, transbordante de humor e poesia. Renovava-se, de certo modo, o milagre de Saint-Exupry com O Pequeno Prncipe, hoje um clssico, e no s da literatura infantil. Creio que no exage-ramos. Pois certas obras no transcendem apenas as fronteiras dos pases, mas tambm as fronteiras das idades: disfarando a profundi-dade de suas mensagens na singeleza de um livro para crianas, dirigem-se realmente aos adultos. S eles compreendero mil coisas ditas entre as linhas ou sugeridas por vrios smbolos. Mas nem por isso tais livros deixam de dar o seu pleno recado s crianas, inclusive criana que sobrevive em ns ...

    Mas no param nesta rica ambivalncia as semelhanas entre Tistu e o Pequeno Prncipe. H outras ainda, que aproximam ambos da mais misteriosa personagem que j passou pela Terra, embora o seu nome no aparea uma s vez em todo o texto.

    Quando dizemos que um novo livro se assemelha a um outro de grande xito, comprometemos talvez o que apresentamos. Poder-se- pensar numa simples cpia ou transposio, ainda que bem-feita. No o que acontece neste caso. Tistu tem uma vidinha inteiramente sua e as proezas do seu dedo verde so inteiramente originais. Tradutor de ambos os livros, s depois de terminado o trabalho, j numa reflexo de ordem crtica, foi que dei pela semelhana. O livro alis dedicado a Dom Jean-Marie. Como na Frana os bispos so tratados

  • Mgare, teatro, 1942; Le sonneur de bien-aller, novela, 1943; Lef(res d'un europen, ensaio, 1944; La dernire brigade, romance, 1951;

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    Les grandes familles (La fin des hommes, 1), romance, 1948; La chute des corps (La findes hommes, li), romance, 1950; Rendez-vous aux enfers (La fin des hommes, Ili), romance, 1951; Remarques, ensaio, 1952; La volupit d'tre, romance, 1954; Un voyageur, teatro, 1954; Le ro de fer (Les rois maudits, 1), romance histrico, 1955; La reine etrangle (Les r1Jis maudits, li), romance histrico, 1955; Les poisons de la Couronne (Les rois maudits, Ili), romance histrico, 1956; L'htel de Mondez, novela, 1956; La foi des mles (Les rois maudits, IV), romance histrico, 1957, Tistou les pouces verts (O menino do dedo verde), infanta-juvenil, 1957; Alexandre !e Dieu, romance mitolgico, 1958; La louve de France (Les rois maudits, V), romance histrico, 1959; Les !is et !e Lion (Les rois maudits, VI), 1960; Des seigneurs de la plaine J'htel de Mendez, novelas, 1962; Les mmoires de Zeus, romance mitolgico, 1963; Paris, de Csar Saint-Louis, ensaio histrico, 1964; Bernard Buffet, ensaio, 1964; Le pouvoir, notas e mximas, 1965; Les tambous de la mmoire, texto comemorati-vo, 1965; Les rois maudits VI, romance histrico, 1966; Les mmoires de Zeus, li, romance histrico 1967; Le bonheur des uns, novelas, 1967; L'Avenir en dsarroi, ensaio, 1968; Grandeur et signification de Leningrad, ensaio, 1968; Lettres d'un Europen et Nouvelles Lettres d'un Europen, 1943-1970, ensaio, 1970; Une tglise qui se trompe de sicle, ensaio, 1972; Quand un ro perd la France (les rois maudits, VII), romance histrico, 1977; Obra completa, 25 volumes, compreendendo duas colees inditas: Au pas de la vie (4 vol.), Politique et civilisation, dis-cours (1 vai.), 1977; Vzelay, colline ternelle, novela, 1987; Lettre aux Franais sur leur tangue et leur me, novela, 1994; Circonstances poli-tiques, 1954-1974, 1998; Circonstances politiques, li, 1974-1998, 1999; La France aux ordres d'un cadavre, 2000; Ordonnances pour un tat ma/ade, 2002.

    Nota edio brasileira

    ~crtica francesa foi gratamente surpreendida por Maurice Druon. J consagrado por seus romances histricos, oferecia de repente s crianas uma obra-prima de pura fico, transbordante de humor e poesia. Renovava-se, de certo modo, o milagre de Saint-Exupry com O Pequeno Prncipe, hoje um clssico, e no s da literatura infantil. Creio que no exage-ramos. Pois certas obras no transcendem apenas as fronteiras dos pases, mas tambm as fronteiras das idades: disfarando a profundi-dade de suas mensagens na singeleza de um livro para crianas, dirigem-se realmente aos adultos. S eles compreendero mil coisas ditas entre as linhas ou sugeridas por vrios smbolos. Mas nem por isso tais livros deixam de dar o seu pleno recado s crianas, inclusive criana que sobrevive em ns ...

    Mas no param nesta rica ambivalncia as semelhanas entre Tistu e o Pequeno Prncipe. H outras ainda, que aproximam ambos da mais misteriosa personagem que j passou pela Terra, embora o seu nome no aparea uma s vez em todo o texto.

    Quando dizemos que um novo livro se assemelha a um outro de grande xito, comprometemos talvez o que apresentamos. Poder-se- pensar numa simples cpia ou transposio, ainda que bem-feita. No o que acontece neste caso. Tistu tem uma vidinha inteiramente sua e as proezas do seu dedo verde so inteiramente originais. Tradutor de ambos os livros, s depois de terminado o trabalho, j numa reflexo de ordem crtica, foi que dei pela semelhana. O livro alis dedicado a Dom Jean-Marie. Como na Frana os bispos so tratados

  • por Monseigneur e os leigos por Monsieur, pergunto-me se Maurice pruon no ter homenageado um monge, quem sabe um antigo mestre, revivido no velho jardineiro com sua mensagem de paz. Se for assim, o tradutor se alegra ainda mais por ter descoberto e traduzido esta pequena obra-prima.

    D. Marcos Barbosa

    ..

    Sumrio

    No qual o autor, a r~speito do nome de Tistu, tece algumas consideraes da mais alta importncia, 13

    No qual apresentamos ao mesmo tempo Tistu, seus pais e a Casa-que-Brilha, 15

    No qual somos levados a conhecer Miraplvora, assim como a fbrica do Sr. Papai, 21

    No qual Tistu mandado escola, onde no fica, 23

    No qual a preocupao pesa sobre a Casa-que-Brilha e no qual se decide, para Tistu, um novo sistema de educao, 27

    Onde Tistu recebe uma lio de jardim e descobre, ao mesmo tempo, que possui polegar verde, 31

    No qual confiam Tistu ao Sr. Troves, que lhe d uma lio de ordem, 37 No qual Tistu tem um sonho horroroso, e o resultado disso, 41 No qual os sbios nada descobrem, mas o prprio Tistu faz uma descoberta, 47

    No qual Tistu, de novo com o Sr. Troves, recebe uma lio de misria, 51

    No qual Tistu resolve ajudar o Doutor Milmales, 57 No qual o nome de Miraplvora se transforma, 63

    No qual se procura distrair Tistu, 67

    No qual Tistu, a propsito da guerra, faz a si prprio novas perguntas, 71

  • por Monseigneur e os leigos por Monsieur, pergunto-me se Maurice pruon no ter homenageado um monge, quem sabe um antigo mestre, revivido no velho jardineiro com sua mensagem de paz. Se for assim, o tradutor se alegra ainda mais por ter descoberto e traduzido esta pequena obra-prima.

    D. Marcos Barbosa

    ..

    Sumrio

    No qual o autor, a r~speito do nome de Tistu, tece algumas consideraes da mais alta importncia, 13

    No qual apresentamos ao mesmo tempo Tistu, seus pais e a Casa-que-Brilha, 15

    No qual somos levados a conhecer Miraplvora, assim como a fbrica do Sr. Papai, 21

    No qual Tistu mandado escola, onde no fica, 23

    No qual a preocupao pesa sobre a Casa-que-Brilha e no qual se decide, para Tistu, um novo sistema de educao, 27

    Onde Tistu recebe uma lio de jardim e descobre, ao mesmo tempo, que possui polegar verde, 31

    No qual confiam Tistu ao Sr. Troves, que lhe d uma lio de ordem, 37 No qual Tistu tem um sonho horroroso, e o resultado disso, 41 No qual os sbios nada descobrem, mas o prprio Tistu faz uma descoberta, 47

    No qual Tistu, de novo com o Sr. Troves, recebe uma lio de misria, 51

    No qual Tistu resolve ajudar o Doutor Milmales, 57 No qual o nome de Miraplvora se transforma, 63

    No qual se procura distrair Tistu, 67

    No qual Tistu, a propsito da guerra, faz a si prprio novas perguntas, 71

  • 15 No qual Tistu tem uma aula de geografia, seguida de uma de fbrica, e no qual o conflito entre os Vouls e os Vaitimboras se estende de modo imprevisto, 75

    16 No qual se sucedem as mais espantosas notcias, 83

    1 1 No qual Tistu corajosamente denuncia a si prprio, 89 18 No qual algumas pessoas grandes acabam renunciando s

    suas idias estabelecidas, 93

    19. No qual Tis tu faz uma ltima descoberta, 99

    20. No qual ficamos sabendo finalmente quem era Tistu, 105

    O menino do dedo verde

    ~ A Dom Jean-Marie Charles-Roux

  • 15 No qual Tistu tem uma aula de geografia, seguida de uma de fbrica, e no qual o conflito entre os Vouls e os Vaitimboras se estende de modo imprevisto, 75

    16 No qual se sucedem as mais espantosas notcias, 83

    1 1 No qual Tistu corajosamente denuncia a si prprio, 89 18 No qual algumas pessoas grandes acabam renunciando s

    suas idias estabelecidas, 93

    19. No qual Tis tu faz uma ltima descoberta, 99

    20. No qual ficamos sabendo finalmente quem era Tistu, 105

    O menino do dedo verde

    ~ A Dom Jean-Marie Charles-Roux

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    mr consideraes da mais alta importncia

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    ~ istu um nome esquisito, que a gente no acha em ca-lendrio algum, nem do nosso pas nem dos outros. No existe um So Tistu. Mas havia, no entanto, um menino a quem todos chamavam

    Tistu ... E preciso explic-lo. Um dia, mal acabava de nascer e parecia um grande po no berci-

    nho de vime, fora levado igreja para ser batizado. Um padrinho de chapu preto e uma madrinha de mangas compridas declararam ao padre que ele se chamava Joo Batista. Nesse dia, como quase todos os bebs em idnticas circunstncias, o coitadinho protestou, gritou, ficou vermelho de chorar. Mas as pessoas grandes, que no com-preendem os protestos dos recm-nascidos e teimam em sustentar suas idias pr-fabricadas, garantiram com a maior firmeza que o menino se chamava mesmo Joo Batista.

    Mas em seguida, mal a madrinha de manga comprida e o padri-nho de chapu preto o recolocaram no bero, deu-se um fato curioso: as pessoas grandes j no conseguiam pronunciar o nome que lhe haviam dado, e puseram-se a cham-lo de Tistu.

    O fato, alis, no to raro assim. Quantos meninos e meninas foram registrados no tabelio ou na igreja com os nomes de Jos, Maria ou Antnio, e s so chamados de Juca, Cotinha ou Tonico!

    Isto prova simplesmente que as idias pr-fabricadas so idias mal fabricadas, e que as pessoas grandes no sabem mesmo o nosso nome, como tambm no sabem, por mais que o pretendam, de onde

    ..............................................................................................................................................................

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    ~ istu um nome esquisito, que a gente no acha em ca-lendrio algum, nem do nosso pas nem dos outros. No existe um So Tistu. Mas havia, no entanto, um menino a quem todos chamavam

    Tistu ... E preciso explic-lo. Um dia, mal acabava de nascer e parecia um grande po no berci-

    nho de vime, fora levado igreja para ser batizado. Um padrinho de chapu preto e uma madrinha de mangas compridas declararam ao padre que ele se chamava Joo Batista. Nesse dia, como quase todos os bebs em idnticas circunstncias, o coitadinho protestou, gritou, ficou vermelho de chorar. Mas as pessoas grandes, que no com-preendem os protestos dos recm-nascidos e teimam em sustentar suas idias pr-fabricadas, garantiram com a maior firmeza que o menino se chamava mesmo Joo Batista.

    Mas em seguida, mal a madrinha de manga comprida e o padri-nho de chapu preto o recolocaram no bero, deu-se um fato curioso: as pessoas grandes j no conseguiam pronunciar o nome que lhe haviam dado, e puseram-se a cham-lo de Tistu.

    O fato, alis, no to raro assim. Quantos meninos e meninas foram registrados no tabelio ou na igreja com os nomes de Jos, Maria ou Antnio, e s so chamados de Juca, Cotinha ou Tonico!

    Isto prova simplesmente que as idias pr-fabricadas so idias mal fabricadas, e que as pessoas grandes no sabem mesmo o nosso nome, como tambm no sabem, por mais que o pretendam, de onde

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    ...

  • foi que viemos, por que estamos aqui e o que devemos fazer neste mu~do.

    Esta observao muito importante e requer ainda algumas expli-caes.

    Se s viemos ao mundo para ser um dia gente grande, logo as idias pr-fabricadas se alojam facilmente em nossa cabea, medi-da que ela aumenta. Essas idias, pr-fabricadas h muito tempo, esto todas nos livros. Por isso, se a gente se aplica leitura ou escu-ta com ateno os que leram muito, consegue ser bem depressa pes-soa importante, igual a todas as outras.

    t bom notar que h idias pr-fabricadas a respeito de qualquer coisa, o que bastante prtico, permitindo-nos passar facilmente de uma para outra.

    Mas, quando a gente veio terra com determinada misso, quan-do fomos encarregados de executar certa tarefa, as coisas j no so to fceis. As idias pr-fabricadas, que os outros manejam to bem, recusam-se a ficar em nossa cabea: entram por um ouvido e saem pelo outro, e vo quebrar-se no cho.

    Causamos assim muitas surpresas. Primeiro, aos nossos pais. Depois, a todas as outras pessoas grandes, to e.d.~ apegadas s suas benditas idias!

    ............................................................................ ~-. ............................................................................ ..

    fiNJ%~ifj)i No qual apresentamos ao mesmo tempo Tistu, seus ,;.}.''' pais e a Casa-que-Brilha

    .. .... fdfiiwx ...................... " .... " .... ";-- .......................................................................... ._ .. .

    ~ s cabelos de Tistu eram louros e crespos na ponta. Como raios de sol que terminassem num pequeno cacho ao tocar na terra. Tistu tinha grandes olhos dzuis e faces rosadas e macias. Todo mundo o beijava.

    Porque as pessoas grandes, sobretudo de nariz grande, rugas na testa e cabelo no ouvido, esto sempre beijando as criancinhas de face macia e rosada. Eles dizem que as crianas gostam, e isto outra das idias que inventaram. Porque so eles, os grandes, que gostam, e as cri-anas de face macia e rosada so muito boazinhas em prestar-se a isso.

    Todo mundo que via Tistu exclamava: - Oh, que garoto bonito! Mas Tistu no ficava vaidoso. A beleza lhe parecia uma coisa

    inteiramente natural. E at se surpreendia com o fato de todos os homens, todas as mulheres e todas as crianas no serem como seus pais e ele prprio.

    Porque os pais de Tistu, bom dizer logo, eram tambm muito bonitos. Foi de tanto olh-los que ele se habituou a pensar que o nor-mal ser bonito, enquanto a feira lhe parecia uma exceo e mesmo uma injustia.

    O pai de Tistu, que se chamava Sr. Papai, tinha os cabelos negros uidadosamente fixados com brilhantina; era alto e se vestia com 1puro; no se via gro de poeira na gola do seu palet, e perfumava-~e com gua-de-colnia.

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  • foi que viemos, por que estamos aqui e o que devemos fazer neste mu~do.

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    Se s viemos ao mundo para ser um dia gente grande, logo as idias pr-fabricadas se alojam facilmente em nossa cabea, medi-da que ela aumenta. Essas idias, pr-fabricadas h muito tempo, esto todas nos livros. Por isso, se a gente se aplica leitura ou escu-ta com ateno os que leram muito, consegue ser bem depressa pes-soa importante, igual a todas as outras.

    t bom notar que h idias pr-fabricadas a respeito de qualquer coisa, o que bastante prtico, permitindo-nos passar facilmente de uma para outra.

    Mas, quando a gente veio terra com determinada misso, quan-do fomos encarregados de executar certa tarefa, as coisas j no so to fceis. As idias pr-fabricadas, que os outros manejam to bem, recusam-se a ficar em nossa cabea: entram por um ouvido e saem pelo outro, e vo quebrar-se no cho.

    Causamos assim muitas surpresas. Primeiro, aos nossos pais. Depois, a todas as outras pessoas grandes, to e.d.~ apegadas s suas benditas idias!

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    ~ s cabelos de Tistu eram louros e crespos na ponta. Como raios de sol que terminassem num pequeno cacho ao tocar na terra. Tistu tinha grandes olhos dzuis e faces rosadas e macias. Todo mundo o beijava.

    Porque as pessoas grandes, sobretudo de nariz grande, rugas na testa e cabelo no ouvido, esto sempre beijando as criancinhas de face macia e rosada. Eles dizem que as crianas gostam, e isto outra das idias que inventaram. Porque so eles, os grandes, que gostam, e as cri-anas de face macia e rosada so muito boazinhas em prestar-se a isso.

    Todo mundo que via Tistu exclamava: - Oh, que garoto bonito! Mas Tistu no ficava vaidoso. A beleza lhe parecia uma coisa

    inteiramente natural. E at se surpreendia com o fato de todos os homens, todas as mulheres e todas as crianas no serem como seus pais e ele prprio.

    Porque os pais de Tistu, bom dizer logo, eram tambm muito bonitos. Foi de tanto olh-los que ele se habituou a pensar que o nor-mal ser bonito, enquanto a feira lhe parecia uma exceo e mesmo uma injustia.

    O pai de Tistu, que se chamava Sr. Papai, tinha os cabelos negros uidadosamente fixados com brilhantina; era alto e se vestia com 1puro; no se via gro de poeira na gola do seu palet, e perfumava-~e com gua-de-colnia.

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  • Dona Mame, loura e leve, tinha as faces macias como a pele das 1 flores, unhas vermelhas como ptalas de rosa, e espalhava em torno

    dela, quando saa do quarto, o perfume de um buqu. Realmente Tistu era um felizardo. Pois, alm do Sr. Papai e de Dona

    Mame, inteiramente dele, podia servir-se ainda da imensa fortuna de ambos.

    Com efeito, o Sr. Papai e Dona Mame, como j perceberam, .

    eram muito ricos. Habitavam numa casa esplndida, de muitos andares, com prti-

    co, varanda, escadaria, escadinhas, altas janelas dispostas de nove em nove, torrezinhas guarnecidas com chapus pontudos, tudo isso den-tro de um jardim maravilhoso.

    Em cada aposento da casa havia tapetes to espessos e macios que a gente andava sem fazer barulho. Para brincar de esconder era timo, como tambm para correr descalo - coisa proibida, que fazia Dona Mame dizer:

    - Tistu, calce os chinelos, voc vai se resfriar! Mas Tistu nunca se resfriou por causa dos tapetes. Havia tambm o corrimo da escada grande. Um corrimo em

    cobre, muito polido, imenso S maisculo que nascia nas alturas da casa e tombava como um relmpago de ouro sobre a pele de urso do vestbulo.

    Logo que se pilhava sozinho, Tistu montava no corrimo e desliza-va vertiginosamente. Esse corrimo era o seu tobog particular, o seu tapete voador, o seu caminho mgico, diariamente polido e lustrado com furioso ardor pelo criado Crolo.

    Pois o Sr. Papai e Dona Mame gostavam de tudo que brilha, e fazia-se grande esforo para que eles ficassem contentes.

    .............................................................................. ., ............................................................................ .

    ~~ . ~1~ ~r~ ~ 1 .\

    O cabeleireiro, graas brilhantina de que j falamos, conseguira fazer da cabeleira do Sr. Papai um capacete de mil reflexos, que todo mundo admirava. Os sapatos do Sr. Papai eram to bem engraxados, to bem lustrados, que davam a impresso, quando ele andava, de irem chutando fascas.

    As unhas cor-de-rosa de Dona Mame, polidas diariamente como o corrimo, brilhavam como dez janelinhas ao levantar do sol. Em torno do pescoo, orelhas, pulsos e dedos de Dona Mame, cintilavam cola res, brincos, pulseiras e anis de pedras preciosas. Quando saa noite, para teatro ou baile, as estrelas empalideciam.

    O criado Crolo, graas a um p que inventara, tinha feito do cor-rimo a obra-prima que j sabemos. Servia-se do mesmo p para lus-trar as maanetas das portas, os candelabros de prata, os lustres de cristal, bem como os saleiros, aucareiros e fivelas .

    ..............................................................................................................................................................

  • Dona Mame, loura e leve, tinha as faces macias como a pele das 1 flores, unhas vermelhas como ptalas de rosa, e espalhava em torno

    dela, quando saa do quarto, o perfume de um buqu. Realmente Tistu era um felizardo. Pois, alm do Sr. Papai e de Dona

    Mame, inteiramente dele, podia servir-se ainda da imensa fortuna de ambos.

    Com efeito, o Sr. Papai e Dona Mame, como j perceberam, .

    eram muito ricos. Habitavam numa casa esplndida, de muitos andares, com prti-

    co, varanda, escadaria, escadinhas, altas janelas dispostas de nove em nove, torrezinhas guarnecidas com chapus pontudos, tudo isso den-tro de um jardim maravilhoso.

    Em cada aposento da casa havia tapetes to espessos e macios que a gente andava sem fazer barulho. Para brincar de esconder era timo, como tambm para correr descalo - coisa proibida, que fazia Dona Mame dizer:

    - Tistu, calce os chinelos, voc vai se resfriar! Mas Tistu nunca se resfriou por causa dos tapetes. Havia tambm o corrimo da escada grande. Um corrimo em

    cobre, muito polido, imenso S maisculo que nascia nas alturas da casa e tombava como um relmpago de ouro sobre a pele de urso do vestbulo.

    Logo que se pilhava sozinho, Tistu montava no corrimo e desliza-va vertiginosamente. Esse corrimo era o seu tobog particular, o seu tapete voador, o seu caminho mgico, diariamente polido e lustrado com furioso ardor pelo criado Crolo.

    Pois o Sr. Papai e Dona Mame gostavam de tudo que brilha, e fazia-se grande esforo para que eles ficassem contentes.

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    ~~ . ~1~ ~r~ ~ 1 .\

    O cabeleireiro, graas brilhantina de que j falamos, conseguira fazer da cabeleira do Sr. Papai um capacete de mil reflexos, que todo mundo admirava. Os sapatos do Sr. Papai eram to bem engraxados, to bem lustrados, que davam a impresso, quando ele andava, de irem chutando fascas.

    As unhas cor-de-rosa de Dona Mame, polidas diariamente como o corrimo, brilhavam como dez janelinhas ao levantar do sol. Em torno do pescoo, orelhas, pulsos e dedos de Dona Mame, cintilavam cola res, brincos, pulseiras e anis de pedras preciosas. Quando saa noite, para teatro ou baile, as estrelas empalideciam.

    O criado Crolo, graas a um p que inventara, tinha feito do cor-rimo a obra-prima que j sabemos. Servia-se do mesmo p para lus-trar as maanetas das portas, os candelabros de prata, os lustres de cristal, bem como os saleiros, aucareiros e fivelas .

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  • Quanto aos nove carros que dormiam na garagem, quase era pre-~iso, para v-los, colocar culos escuros. Quando saam juntos pela estrada e entravam pelas ruas, o povo parava nas caladas. Era como se a Galeria dos Espelhos tivesse sado a passeio.

    - Gente, o Palcio de Versalhes! - exclamavam os mais cultos. Os distrados tiravam o chapu, pensando tratar-se de um enterro. As

    vaidosas aproveitavam para contemplar-se nas portas e retocar a pintura. Na cavalaria, nove cavalos lustrosos, cada qual mais belo que o

    outro. Aos domingos, quando havia visitas, instalavam os nove no jardim, para ornamentar a paisagem. O Negro ficava sob a magnlia, em companhia de sua mulher Belinha. O pnei Ginstico punha-se perto do quiosque. Diante da casa, sobre a relva verde, alinhavam-se os seis cavalos groselha, raa de cavalos vermelhos, extremamente raros, criados pelo Sr. Papai, que muito se orgulhava deles.

    Os moos da cavalaria, uniformizados de jquei, corriam de um cavalo ao outro com a escova na mo, pois era preciso que brilhassem tambm, sobretudo aos domingos.

    - Meus cavalos devem ser como jias! - dizia o Sr. Papai a seus jqueis.

    Mas esse homem, to amigo do fausto, era tambm um homem bom, e todos se esforavam por obedecer-lhe. De modo que os jqueis escovavam cuidadosamente os cavalos: nove plos para um lado, nove para o outro. Tanto que as garupas dos cor de groselha davam a impresso de enormes rubis.

    As crinas e as caudas eram tranadas com papel prateado. Tistu adorava todos esses cavalos. De noite, sonhava que estava

    dormindo com eles na palha dourada da cavalaria. Durante o dia, ia a todo momento visit-los .

    .............................................................................. ., ........................................................................... .

    ..

    Quando comia chocolate, guardava cuidadosamente o papel prateado, que entregava ao jquei do pnei Ginstico. Porque, de todos os animais, Ginstico era o predileto. E isto se compreende, pois Tistu e o pnei eram quase' do mesmo tamanho.

    Assim, vivendo na Casa-que-Brilha, junto ao cintilante Papai e a perfumada Mame, no meio de belas rvores, belos carros e belos ca-valos, Tistu era um menino imensamente feliz.

    ~

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  • Quanto aos nove carros que dormiam na garagem, quase era pre-~iso, para v-los, colocar culos escuros. Quando saam juntos pela estrada e entravam pelas ruas, o povo parava nas caladas. Era como se a Galeria dos Espelhos tivesse sado a passeio.

    - Gente, o Palcio de Versalhes! - exclamavam os mais cultos. Os distrados tiravam o chapu, pensando tratar-se de um enterro. As

    vaidosas aproveitavam para contemplar-se nas portas e retocar a pintura. Na cavalaria, nove cavalos lustrosos, cada qual mais belo que o

    outro. Aos domingos, quando havia visitas, instalavam os nove no jardim, para ornamentar a paisagem. O Negro ficava sob a magnlia, em companhia de sua mulher Belinha. O pnei Ginstico punha-se perto do quiosque. Diante da casa, sobre a relva verde, alinhavam-se os seis cavalos groselha, raa de cavalos vermelhos, extremamente raros, criados pelo Sr. Papai, que muito se orgulhava deles.

    Os moos da cavalaria, uniformizados de jquei, corriam de um cavalo ao outro com a escova na mo, pois era preciso que brilhassem tambm, sobretudo aos domingos.

    - Meus cavalos devem ser como jias! - dizia o Sr. Papai a seus jqueis.

    Mas esse homem, to amigo do fausto, era tambm um homem bom, e todos se esforavam por obedecer-lhe. De modo que os jqueis escovavam cuidadosamente os cavalos: nove plos para um lado, nove para o outro. Tanto que as garupas dos cor de groselha davam a impresso de enormes rubis.

    As crinas e as caudas eram tranadas com papel prateado. Tistu adorava todos esses cavalos. De noite, sonhava que estava

    dormindo com eles na palha dourada da cavalaria. Durante o dia, ia a todo momento visit-los .

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    Quando comia chocolate, guardava cuidadosamente o papel prateado, que entregava ao jquei do pnei Ginstico. Porque, de todos os animais, Ginstico era o predileto. E isto se compreende, pois Tistu e o pnei eram quase' do mesmo tamanho.

    Assim, vivendo na Casa-que-Brilha, junto ao cintilante Papai e a perfumada Mame, no meio de belas rvores, belos carros e belos ca-valos, Tistu era um menino imensamente feliz.

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    ;;JiN4ilt:i! No qual somos levados a conhecer Miraplvora, u .. ~:-:JJ/ ' WW%i assim como a fabrica do Sr. Papai ""'""tfi@ilJ"'""'''""""'"""""':"~ .......................................................................................... _

    1'1 iraplvora era como se chamava a cidade onde Tistu nascera. Sua reputao e prestgio provinham da casa e, sobretudo, da fbrica do Sr. Papai. Miraplvora, primeira vista, era uma cidade como as outras: igreja, cadeia, quar-tel, mercado, butique. Mas essa cidade como as outras era conheci-da no mundo inteiro. Porque era em Miraplvora que o Sr. Papai fa-bricava canhes de todos os calibres, grandes ou pequenos, muito procurados. Canhes de bolso ou com rodas; para trens, avies, tan-ques ou barcos; para atirar por cima das nuvens ou dentro d'gua. Sem falar na variedade de ultraleves, para serem transportados a lombo de burro ou camelo nas regies demasiado pedregosas, onde no se pode abrir estrada.

    Numa palavra, o Sr. Papai era negociante de canhes. Desde que se entendia por gente Tistu ouvia repetirem: - Tistu, meu filho, nosso negcio excelente. Canho no como

    guarda-chuva, que ningum quer comprar quando faz sol. Ou como chapu de palha, que fica na vitrina quando chove. Canho sempre se vende, seja qual for o tempo!

    Quando Tistu estava sem apetite, Dona Mame o levava janela e mostrava de longe, bem no fundo do jardim, para l do quiosque onde ficava o pnei Ginstico, a monumental fbrica do Sr. Papai.

    Dona Mame fazia Tistu contar as nove imensas chamins que lanavam fogo ao mesmo tempo; em seguida, trazia-o de volta ao prato, dizendo:

    " '"""""""'""''""""""""""""'''"'' "''''''"'"""""_. ............................................................................. .

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    1'1 iraplvora era como se chamava a cidade onde Tistu nascera. Sua reputao e prestgio provinham da casa e, sobretudo, da fbrica do Sr. Papai. Miraplvora, primeira vista, era uma cidade como as outras: igreja, cadeia, quar-tel, mercado, butique. Mas essa cidade como as outras era conheci-da no mundo inteiro. Porque era em Miraplvora que o Sr. Papai fa-bricava canhes de todos os calibres, grandes ou pequenos, muito procurados. Canhes de bolso ou com rodas; para trens, avies, tan-ques ou barcos; para atirar por cima das nuvens ou dentro d'gua. Sem falar na variedade de ultraleves, para serem transportados a lombo de burro ou camelo nas regies demasiado pedregosas, onde no se pode abrir estrada.

    Numa palavra, o Sr. Papai era negociante de canhes. Desde que se entendia por gente Tistu ouvia repetirem: - Tistu, meu filho, nosso negcio excelente. Canho no como

    guarda-chuva, que ningum quer comprar quando faz sol. Ou como chapu de palha, que fica na vitrina quando chove. Canho sempre se vende, seja qual for o tempo!

    Quando Tistu estava sem apetite, Dona Mame o levava janela e mostrava de longe, bem no fundo do jardim, para l do quiosque onde ficava o pnei Ginstico, a monumental fbrica do Sr. Papai.

    Dona Mame fazia Tistu contar as nove imensas chamins que lanavam fogo ao mesmo tempo; em seguida, trazia-o de volta ao prato, dizendo:

    " '"""""""'""''""""""""""""'''"'' "''''''"'"""""_. ............................................................................. .

  • !r

    - Tome sua sopa, Tistu, porque voc precisa crescer. Um dia voc ser o dono de Miraplvora. Fabricar canhes muito cansativo, e

    no h lugar para maricas em nossa famlia! Ningum tinha a menor dvida: Tistu ficaria com o lugar do

    Sr. Papai na direo da fbrica, como este sucedera ao Sr. Vov, de rosto emoldurado por uma barba brilhante e a mo sempre pousada numa carreta de canho, suspenso parede da sala num retrato a leo.

    E Tistu, que era um bom menino, se esforava por engolir a sopa de tapioca.

    ~

    ............................................................................. ., ............................................................................ .

    .

    .ill~i JrJ" 1ifilii~i No qual Tistu mandado escola, onde no fica ....... .!1W.!J.4.~f ~ .. ................... :.~ ................................................................................. .

    ~ t os oito anos, Tistu no soube o que era escola. Dona Mame, com efeito, tinha preferido comear em casa a Instruo do filho, ensinando-lhe os rudimen-ros da leitura, da escrita e do clculo. Os resultados, preciso reco-nhecer, no eram maus. Graas a belas figuras compradas especial-mente, a letra A se instalara na cabea de Tistu sob a aparncia de um Asno, depois de uma Andorinha, depois de uma Aguia. A letra B, sob .i forma de uma Bota, de uma Bola, de um Balo etc. Quanto s con-tas, serviam-se de andorinhas pousadas nos fios dos postes. Tistu aprendera no somente a somar e a subtrair, mas chegava mesmo a dividir, digamos, sete andorinhas por dois fios ... o que dava trs ando-rinhas e meia para cada fio. Como essa meia andorinha podia equili-orar-se num fio, eis um outro problema que todos os clculos do mundo jamais podero explicar!

    Quando Tistu atingiu os oito anos, Dona Mame considerou sua tdrefa terminada. Era necessrio confiarTistu a um professor de verdade.

    Compraram pois para Tistu um belo avental de xadrez, botinas 11ovas que lhe machucavam os ps, uma pasta, um tinteiro preto com l1guras japonesas, um caderno de uma linha e outro de duas, e man-daram-no, acompanhado pelo criado Crolo, escola de Miraplvora, que gozava de excelente reputao.

    Todo mundo esperava que um menino to bem vestido, com pais tao belos e ricos, e que sabia dividir e esquartejar andorinhas, rea-li1asse prodgios nas aulas.

    ....................................................................... ~ ............................................................................. .

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    - Tome sua sopa, Tistu, porque voc precisa crescer. Um dia voc ser o dono de Miraplvora. Fabricar canhes muito cansativo, e

    no h lugar para maricas em nossa famlia! Ningum tinha a menor dvida: Tistu ficaria com o lugar do

    Sr. Papai na direo da fbrica, como este sucedera ao Sr. Vov, de rosto emoldurado por uma barba brilhante e a mo sempre pousada numa carreta de canho, suspenso parede da sala num retrato a leo.

    E Tistu, que era um bom menino, se esforava por engolir a sopa de tapioca.

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    ~ t os oito anos, Tistu no soube o que era escola. Dona Mame, com efeito, tinha preferido comear em casa a Instruo do filho, ensinando-lhe os rudimen-ros da leitura, da escrita e do clculo. Os resultados, preciso reco-nhecer, no eram maus. Graas a belas figuras compradas especial-mente, a letra A se instalara na cabea de Tistu sob a aparncia de um Asno, depois de uma Andorinha, depois de uma Aguia. A letra B, sob .i forma de uma Bota, de uma Bola, de um Balo etc. Quanto s con-tas, serviam-se de andorinhas pousadas nos fios dos postes. Tistu aprendera no somente a somar e a subtrair, mas chegava mesmo a dividir, digamos, sete andorinhas por dois fios ... o que dava trs ando-rinhas e meia para cada fio. Como essa meia andorinha podia equili-orar-se num fio, eis um outro problema que todos os clculos do mundo jamais podero explicar!

    Quando Tistu atingiu os oito anos, Dona Mame considerou sua tdrefa terminada. Era necessrio confiarTistu a um professor de verdade.

    Compraram pois para Tistu um belo avental de xadrez, botinas 11ovas que lhe machucavam os ps, uma pasta, um tinteiro preto com l1guras japonesas, um caderno de uma linha e outro de duas, e man-daram-no, acompanhado pelo criado Crolo, escola de Miraplvora, que gozava de excelente reputao.

    Todo mundo esperava que um menino to bem vestido, com pais tao belos e ricos, e que sabia dividir e esquartejar andorinhas, rea-li1asse prodgios nas aulas.

    ....................................................................... ~ ............................................................................. .

  • Mas que decepo! A escola produziu em Tistu um resultado imprevisvel e lamentvel.

    Quando comeava o lento desfile das letras que caminham a passo pelo quadro-negro, quando comeava a se desenrolar a mon-tona corrente dos trs-vezes-trs, dos cinco-vezes-cinco, dos sete-vezes-sete, Tistu sentia uma coceira no olho esquerdo e logo caa no mais profundo sono.

    No que ele fosse burro ou preguioso, nem que estivesse cansa-do. Estava cheio da maior boa vontade.

    "Eu no quero dormir, eu no quero dormir", repetia Tistu consi-go mesmo.

    Pregava os olhos no quadro e colava os ouvidos voz do profes-sor. Mas sentia que a coceirinha estava chegando ... Tentava, por todos os meios, lutar contra o sono. Cantava bem baixinho uma bela cano que inventara:

    Um quarto de andorinha ... Ser a sua pata ou ser uma asinha? Se fosse uma empada, eu comia todinha!

    No adiantava. A voz do professor ia se transformando numa cano de ninar; a noite descia sobre o quadro-negro; Tistu ouvia o teto cochichar: "Por aqui, por aqui, belos sonhos!", e a aula se trans-formava em aula de sonhar.

    - Tistu ! - gritava de repente o professor. - No foi de propsito, professor - respondia Tistu, acordando

    num sobressalto.

    .............................................................................................................................................................

    - Isso no interessa. Repita o que acabo de dizer. - Seis empadas .. divididas por duas andorinhas. - Zero! No primeiro dia de aula Tistu voltou para casa com o bolso reple-

    to de zeros. No segundo dia, ficou de castigo por mais duas horas, isto , ficou

    mais duas horas a dormir na aula. Na tarde do terceiro dia, o professor entregou a Tistu uma carta

    para seu pai. Na dita carta o Sr. Papai teve a desdita de ler estas palavras: "Prezado Senhor, o seu filho no como todo mundo. No pos-

    svel conserv-lo na escola." A escola devolvia Tistu a seus pais.

    .. .......................................................................................................................................................... ..

  • Mas que decepo! A escola produziu em Tistu um resultado imprevisvel e lamentvel.

    Quando comeava o lento desfile das letras que caminham a passo pelo quadro-negro, quando comeava a se desenrolar a mon-tona corrente dos trs-vezes-trs, dos cinco-vezes-cinco, dos sete-vezes-sete, Tistu sentia uma coceira no olho esquerdo e logo caa no mais profundo sono.

    No que ele fosse burro ou preguioso, nem que estivesse cansa-do. Estava cheio da maior boa vontade.

    "Eu no quero dormir, eu no quero dormir", repetia Tistu consi-go mesmo.

    Pregava os olhos no quadro e colava os ouvidos voz do profes-sor. Mas sentia que a coceirinha estava chegando ... Tentava, por todos os meios, lutar contra o sono. Cantava bem baixinho uma bela cano que inventara:

    Um quarto de andorinha ... Ser a sua pata ou ser uma asinha? Se fosse uma empada, eu comia todinha!

    No adiantava. A voz do professor ia se transformando numa cano de ninar; a noite descia sobre o quadro-negro; Tistu ouvia o teto cochichar: "Por aqui, por aqui, belos sonhos!", e a aula se trans-formava em aula de sonhar.

    - Tistu ! - gritava de repente o professor. - No foi de propsito, professor - respondia Tistu, acordando

    num sobressalto.

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    - Isso no interessa. Repita o que acabo de dizer. - Seis empadas .. divididas por duas andorinhas. - Zero! No primeiro dia de aula Tistu voltou para casa com o bolso reple-

    to de zeros. No segundo dia, ficou de castigo por mais duas horas, isto , ficou

    mais duas horas a dormir na aula. Na tarde do terceiro dia, o professor entregou a Tistu uma carta

    para seu pai. Na dita carta o Sr. Papai teve a desdita de ler estas palavras: "Prezado Senhor, o seu filho no como todo mundo. No pos-

    svel conserv-lo na escola." A escola devolvia Tistu a seus pais.

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  • ............................................................................................................................................................

    No qual a preocupao pesa sobre a Casa-que-Brilha e no ):~; qual se decide, para Tistu, um novo sistema de educao

    ........ ~ ............................................................................................................................... _

    ~preocupao uma idia triste que nos comprime a cabea ao despertar e permanece ali o dia todo. A preocupao se serve de qualquer meio para pene-11 nos quartos; ela se insinua como o vento no meio das folhas,

    monta a cavalo na voz dos pssaros, desliza pelos fios da campainha. Naquela manh, em Miraplvora, a preocupao se chamava:

    N.Jo como todo mundo." O Sol no se decidia a levantar-se. " bem aborrecido ter de acordar esse pobre Tistu", dizia ele.

    Logo que abrir os olhos, vai lembrar-se que foi expulso da escola ... " O Sol ps um abafador no seu dnamo e lanou uns raiozinhos de

    n,1Ja, embrulhados em bruma; o cu permaneceu cinzento em cima de Mi 1 a plvora.

    Mas a preocupao dispe de outros recursos; d sempre um jeito de hirnar a ateno. Ela se infiltrou, dessa vez, na grande sirene da fbrica.

    E todo mundo em casa ouviu a sirene gritar: No como todo mu-un-undo! Tistu no como todo mu-un-undo!

    1 oi assim que a preocupao penetrou no quarto de Tistu. "Que ser de mim?", perguntou a si prprio. E afundou a cabea

    o travesseiro, mas no conseguiu adormecer de novo. Era desespe-dor, reconheamos, dormir to bem na aula e to mal na cama!

    S1 Amlia, a cozinheira, resmungava sozinha, acendendo o forno: Nosso nstu no como todo mundo? E quem que prova? Tem Joi~ braos, duas pernas ...

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    No qual a preocupao pesa sobre a Casa-que-Brilha e no ):~; qual se decide, para Tistu, um novo sistema de educao

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    ~preocupao uma idia triste que nos comprime a cabea ao despertar e permanece ali o dia todo. A preocupao se serve de qualquer meio para pene-11 nos quartos; ela se insinua como o vento no meio das folhas,

    monta a cavalo na voz dos pssaros, desliza pelos fios da campainha. Naquela manh, em Miraplvora, a preocupao se chamava:

    N.Jo como todo mundo." O Sol no se decidia a levantar-se. " bem aborrecido ter de acordar esse pobre Tistu", dizia ele.

    Logo que abrir os olhos, vai lembrar-se que foi expulso da escola ... " O Sol ps um abafador no seu dnamo e lanou uns raiozinhos de

    n,1Ja, embrulhados em bruma; o cu permaneceu cinzento em cima de Mi 1 a plvora.

    Mas a preocupao dispe de outros recursos; d sempre um jeito de hirnar a ateno. Ela se infiltrou, dessa vez, na grande sirene da fbrica.

    E todo mundo em casa ouviu a sirene gritar: No como todo mu-un-undo! Tistu no como todo mu-un-undo!

    1 oi assim que a preocupao penetrou no quarto de Tistu. "Que ser de mim?", perguntou a si prprio. E afundou a cabea

    o travesseiro, mas no conseguiu adormecer de novo. Era desespe-dor, reconheamos, dormir to bem na aula e to mal na cama!

    S1 Amlia, a cozinheira, resmungava sozinha, acendendo o forno: Nosso nstu no como todo mundo? E quem que prova? Tem Joi~ braos, duas pernas ...

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  • O criado Crolo, polindo raivosamente o corrimo da escada, fica- va repetindo:

    - Tistu no ser como os otrros ... Crolo, fazemos questo de declarar, tinha um leve sotaque

    estrangeiro. Na cavalaria, os jqueis cochichavam: - No como todo mundo, um garoto desses ... Voc engole essa? E como os cavalos participam das preocupaes dos homens, at

    os puros-sangues groselha pareciam nervosos, batiam com as fer-raduras, davam arrancas nas rdeas. Trs fios brancos apareceram de repente entre a crina da Bonita.

    S o pnei Ginstico permanecia alheio a toda essa agitao e comia tranqilamente o seu feno, mostrando os seus belos dentes.

    Mas exceto esse pnei, que bancava o indiferente, todo mundo perguntava o que ia ser de Tistu.

    E os que se faziam essa pergunta com aflio maior eram, claro, os pas do menino.

    Diante do espelho, o Sr. Papai passava brilhantina no cabelo, mas sem nenhuma alegria, quase automaticamente.

    11 Eis um menino 11 , pensava ele, "que parece mais difcil de educar do que um canho!"

    Rosada entre os travesseiros rosados, Dona Mame deixou cair uma lgrima dentro do caf com leite.

    - Se adormece na aula, como poder aprender? - perguntava ela ao Sr. Papai.

    - Talvez a distrao no seja uma doena incurvel - respondeu ele. - Em todo caso, menos perigoso que a bronquite - continuou

    Dona Mame .

    ............................................................................................................................................................

    - Mas, de qualquer modo, preciso que Tistu se torne um homem disse o Sr. Papai.

    Aps esse violento dilogo, calaram-se um momento. 11 Que fazer? Que fazer?", pensavam os dois, cada um em seu canto.

    O Sr. Papai era homem de decises rpidas e enrgicas. Dirigir uma fJbrica de canhes retempera uma alma. Por outro lado, amava muito o filho.

    - t muito simples - declarou ele. - Achei a soluo. Tistu no .1prende nada na escola? Pois bem, no vai mais pisar em escola algu-ma! Se os livros o fazem dormir, fora com os livros! Vamos experi-mentar com ele um novo sistema de educao, j que no como todo mundo! Ele aprender as coisas que deve sabe r, olhando-as com os prprios olhos. Ensinar-lhe-o, no local, a conhecer as pedras, o Jdrdim, os campos; explicar-lhe-o como funciona a cidade, a fbrica, 1' tudo que puder ajud-lo a tornar-se gente grande. A vida, afinal, a melhor escola que existe. Vamos ver o resultado!

    Dona Mame aprovou com entusiasmo a deciso do Sr. Papai. Ouase lamentou no possuir outros filhos nos quais pudessem aplicar urn sistema educativo to sedutor.

    Para Tistu, adeus empadinhas comidas s pressas, pasta a carregar nil) costas, carteira onde a cabea tombava sozinha e punhados de 1.ero a escorrerem do bolso! Comeava uma vida nova.

    E o Sol se ps de novo a brilhar.

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  • O criado Crolo, polindo raivosamente o corrimo da escada, fica- va repetindo:

    - Tistu no ser como os otrros ... Crolo, fazemos questo de declarar, tinha um leve sotaque

    estrangeiro. Na cavalaria, os jqueis cochichavam: - No como todo mundo, um garoto desses ... Voc engole essa? E como os cavalos participam das preocupaes dos homens, at

    os puros-sangues groselha pareciam nervosos, batiam com as fer-raduras, davam arrancas nas rdeas. Trs fios brancos apareceram de repente entre a crina da Bonita.

    S o pnei Ginstico permanecia alheio a toda essa agitao e comia tranqilamente o seu feno, mostrando os seus belos dentes.

    Mas exceto esse pnei, que bancava o indiferente, todo mundo perguntava o que ia ser de Tistu.

    E os que se faziam essa pergunta com aflio maior eram, claro, os pas do menino.

    Diante do espelho, o Sr. Papai passava brilhantina no cabelo, mas sem nenhuma alegria, quase automaticamente.

    11 Eis um menino 11 , pensava ele, "que parece mais difcil de educar do que um canho!"

    Rosada entre os travesseiros rosados, Dona Mame deixou cair uma lgrima dentro do caf com leite.

    - Se adormece na aula, como poder aprender? - perguntava ela ao Sr. Papai.

    - Talvez a distrao no seja uma doena incurvel - respondeu ele. - Em todo caso, menos perigoso que a bronquite - continuou

    Dona Mame .

    ............................................................................................................................................................

    - Mas, de qualquer modo, preciso que Tistu se torne um homem disse o Sr. Papai.

    Aps esse violento dilogo, calaram-se um momento. 11 Que fazer? Que fazer?", pensavam os dois, cada um em seu canto.

    O Sr. Papai era homem de decises rpidas e enrgicas. Dirigir uma fJbrica de canhes retempera uma alma. Por outro lado, amava muito o filho.

    - t muito simples - declarou ele. - Achei a soluo. Tistu no .1prende nada na escola? Pois bem, no vai mais pisar em escola algu-ma! Se os livros o fazem dormir, fora com os livros! Vamos experi-mentar com ele um novo sistema de educao, j que no como todo mundo! Ele aprender as coisas que deve sabe r, olhando-as com os prprios olhos. Ensinar-lhe-o, no local, a conhecer as pedras, o Jdrdim, os campos; explicar-lhe-o como funciona a cidade, a fbrica, 1' tudo que puder ajud-lo a tornar-se gente grande. A vida, afinal, a melhor escola que existe. Vamos ver o resultado!

    Dona Mame aprovou com entusiasmo a deciso do Sr. Papai. Ouase lamentou no possuir outros filhos nos quais pudessem aplicar urn sistema educativo to sedutor.

    Para Tistu, adeus empadinhas comidas s pressas, pasta a carregar nil) costas, carteira onde a cabea tombava sozinha e punhados de 1.ero a escorrerem do bolso! Comeava uma vida nova.

    E o Sol se ps de novo a brilhar.

    ~ .................................................................................................................................................

  • ......................................................................... ,_., ............... : .......................................................... ,

    """ Onde Tistu recebe uma lio de jardim e descobre, ao ,; \ mesmo tempo, que possui polegar verde *~~% ............................................................................................................................ .. :;:7

    ~istu ps chapu de palha para ir aula de jardim. Era a primeira experincia do novo sistema. O Sr. Papai havia julgado melhor comear por a. Uma lio de jardim, 11 de contas, uma lio de terra, essa terra em que caminhamos, produz os legumes que comemos e o capim com que os animais limentam, at ficarem bastante gordos para serem comidos ... A terra, tinha declarado o Sr. Papai, est na origem de tudo. "Tomara que o sono no venha!", dizia Tistu consigo mesmo, a

    minha da aula. O Jardineiro Bigode, prevenido pelo Sr. Papai, j esperava o aluno stufa. O jardineiro Bigode era um velho macambzio, de pouca conver-c no l muito amvel. Uma extraordinria floresta, cor de neve, tava lhe entre o nariz e a boca. Corno descrever os bigodes de Bigode? Uma das maravilhas da

    turPza. Nos dias de vento, quando o jardineiro passava de p ao bro, era um verdadeiro espetculo: pareciam duas chamas que lhe

    cm do nariz para queimar-lhe as orelhas. Tistu bem que gostava do velho jardineiro, mas tinha um pouco de

    do. Bom-dia, Sr. Bigode - disse Tistu, tirando o chapu. Ah! Voc j chegou ... Vamos ver do que capaz. Est vendo este

    nrr de terra e estes vasos? Voc vai encher os vasos de terra e en-r o polegar bem no meio, para fazer um buraco. Depois ponha tudo

    ......................................................... 4- .. ..

  • ......................................................................... ,_., ............... : .......................................................... ,

    """ Onde Tistu recebe uma lio de jardim e descobre, ao ,; \ mesmo tempo, que possui polegar verde *~~% ............................................................................................................................ .. :;:7

    ~istu ps chapu de palha para ir aula de jardim. Era a primeira experincia do novo sistema. O Sr. Papai havia julgado melhor comear por a. Uma lio de jardim, 11 de contas, uma lio de terra, essa terra em que caminhamos, produz os legumes que comemos e o capim com que os animais limentam, at ficarem bastante gordos para serem comidos ... A terra, tinha declarado o Sr. Papai, est na origem de tudo. "Tomara que o sono no venha!", dizia Tistu consigo mesmo, a

    minha da aula. O Jardineiro Bigode, prevenido pelo Sr. Papai, j esperava o aluno stufa. O jardineiro Bigode era um velho macambzio, de pouca conver-c no l muito amvel. Uma extraordinria floresta, cor de neve, tava lhe entre o nariz e a boca. Corno descrever os bigodes de Bigode? Uma das maravilhas da

    turPza. Nos dias de vento, quando o jardineiro passava de p ao bro, era um verdadeiro espetculo: pareciam duas chamas que lhe

    cm do nariz para queimar-lhe as orelhas. Tistu bem que gostava do velho jardineiro, mas tinha um pouco de

    do. Bom-dia, Sr. Bigode - disse Tistu, tirando o chapu. Ah! Voc j chegou ... Vamos ver do que capaz. Est vendo este

    nrr de terra e estes vasos? Voc vai encher os vasos de terra e en-r o polegar bem no meio, para fazer um buraco. Depois ponha tudo

    ......................................................... 4- .. ..

  • em fila, ao longo do muro. Ento a gente coloca nos buracos as .

    sementes que quiser. As estufas do Sr. Papai eram admirveis e dignas, em tudo, do

    resto da casa. Sob a proteo dos vidros cintilantes, mantinha-se, graas a um aquecedor, um ar mido e quente. Ali mimosas flores-ciam em pleno inverno, cresciam palmeiras importadas da frica, e cultivavam-se lrios pela sua beleza e jasmins pelo seu perfume. E at orqudeas, que no so belas nem cheiram, por um motivo inteira-mente intil para uma flor: a raridade.

    Bigode era o senhor daquele recinto. Quando Dona Mame, aos domingos, trazia as amigas para ver a estufa, ele postava-se porta, de avental novo, to amvel e falante quanto um cabo de enxada.

    A menor tentativa de acender um cigarro ou tocarem numa flor, Bigode saltava sobre a imprudente:

    - Era o que faltava! Ser que as senhoras querem sufocar e estrangular minhas flores?

    Tistu, ao realizar o trabalho que Bigode lhe confiara, teve uma agradvel surpresa: esse trabalho no lhe dava sono. Ao contrrio, dava-lhe um grande prazer. Ele achava que a terra tinha um cheiro gostoso. Um vaso vazio, uma p de terra, um buraco com o dedo, e o servio estava pronto. Passava-se logo ao seguinte. Os vasos iam-se alinhando rente ao muro.

    Enquanto Tistu prosseguia o trabalho com afinco, Bigode dava lentamente uma volta pelo jardim. E Tistu descobriu aquele dia por que que o velho jardineiro falava to pouco com as pessoas: ele con-versava com as flores.

    .............................................................................................................................................................

    Vocs compreendem facilmente que depois de cumprimentar cada osa de um ramo, cada cravo de uma touceira, j no h voz que chegue

    1 3ra distribuir "Boa-noite, n;eu senhor!" ou "Bom apetite, minha senha-' i ! " ou "Sade!" quando algum espirra -, todas essas coisas, enfim, que fazem os outros dizerem: "Como ele bem-educado! "

    Bigode ia de uma flor a outra, preocupando-se com a sade de tcida uma.

    - Ento, rosa-ch, sempre fazendo das suas! Guarda os botes Pscondidos para faz-los abrir quando ningum espera... E voc, trepadeira, est pensando que a rainha da montanha, querendo tugir pelo alto dos caixilhos ... Veja se isso so modos !

    Em seguida, virou-se para Tistu e gritou-lhe de longe: - Ento, para hoje ou para amanh? - Um pouco de pacincia, professor! S fa ltam trs vasos -

    r1spondeu Tistu. Apressou-se em terminar e foi ao encontro de Bigode, na outra

    11onta do jardim. - Pronto, acabei. - Bom, vamos ver - resmungou o jardineiro. Voltaram devagarinho, porque Bigode aproveitava, ora para

    1 umprimentar uma grande penia pelo seu belo aspecto, ora para ncorajar uma hortnsia a se tornar mais azul ... De repente, eles

    pt1raram imveis, boquiabertos, estupefatos, fora de si. - Ser que eu estou sonhando? - disse Bigode, esfregando os

    olhos. -Voc est vendo o mesmo que eu? Estou, Sr. Bigode.

    Ao longo do muro, ali mesmo, a poucos passos, todos os vasos que fotu enchera haviam florescido em menos de cinco minutos!

    . ............................................................................................................................................... ..

  • em fila, ao longo do muro. Ento a gente coloca nos buracos as .

    sementes que quiser. As estufas do Sr. Papai eram admirveis e dignas, em tudo, do

    resto da casa. Sob a proteo dos vidros cintilantes, mantinha-se, graas a um aquecedor, um ar mido e quente. Ali mimosas flores-ciam em pleno inverno, cresciam palmeiras importadas da frica, e cultivavam-se lrios pela sua beleza e jasmins pelo seu perfume. E at orqudeas, que no so belas nem cheiram, por um motivo inteira-mente intil para uma flor: a raridade.

    Bigode era o senhor daquele recinto. Quando Dona Mame, aos domingos, trazia as amigas para ver a estufa, ele postava-se porta, de avental novo, to amvel e falante quanto um cabo de enxada.

    A menor tentativa de acender um cigarro ou tocarem numa flor, Bigode saltava sobre a imprudente:

    - Era o que faltava! Ser que as senhoras querem sufocar e estrangular minhas flores?

    Tistu, ao realizar o trabalho que Bigode lhe confiara, teve uma agradvel surpresa: esse trabalho no lhe dava sono. Ao contrrio, dava-lhe um grande prazer. Ele achava que a terra tinha um cheiro gostoso. Um vaso vazio, uma p de terra, um buraco com o dedo, e o servio estava pronto. Passava-se logo ao seguinte. Os vasos iam-se alinhando rente ao muro.

    Enquanto Tistu prosseguia o trabalho com afinco, Bigode dava lentamente uma volta pelo jardim. E Tistu descobriu aquele dia por que que o velho jardineiro falava to pouco com as pessoas: ele con-versava com as flores.

    .............................................................................................................................................................

    Vocs compreendem facilmente que depois de cumprimentar cada osa de um ramo, cada cravo de uma touceira, j no h voz que chegue

    1 3ra distribuir "Boa-noite, n;eu senhor!" ou "Bom apetite, minha senha-' i ! " ou "Sade!" quando algum espirra -, todas essas coisas, enfim, que fazem os outros dizerem: "Como ele bem-educado! "

    Bigode ia de uma flor a outra, preocupando-se com a sade de tcida uma.

    - Ento, rosa-ch, sempre fazendo das suas! Guarda os botes Pscondidos para faz-los abrir quando ningum espera... E voc, trepadeira, est pensando que a rainha da montanha, querendo tugir pelo alto dos caixilhos ... Veja se isso so modos !

    Em seguida, virou-se para Tistu e gritou-lhe de longe: - Ento, para hoje ou para amanh? - Um pouco de pacincia, professor! S fa ltam trs vasos -

    r1spondeu Tistu. Apressou-se em terminar e foi ao encontro de Bigode, na outra

    11onta do jardim. - Pronto, acabei. - Bom, vamos ver - resmungou o jardineiro. Voltaram devagarinho, porque Bigode aproveitava, ora para

    1 umprimentar uma grande penia pelo seu belo aspecto, ora para ncorajar uma hortnsia a se tornar mais azul ... De repente, eles

    pt1raram imveis, boquiabertos, estupefatos, fora de si. - Ser que eu estou sonhando? - disse Bigode, esfregando os

    olhos. -Voc est vendo o mesmo que eu? Estou, Sr. Bigode.

    Ao longo do muro, ali mesmo, a poucos passos, todos os vasos que fotu enchera haviam florescido em menos de cinco minutos!

    . ............................................................................................................................................... ..

  • Mas preciso explicar: no se tratava de uma tmida florao, t hastes plidas e hesitantes. Nada disso! Em cada vaso se avolumavam

    as mais soberbas begnias. E todas formavam, alinhadas, uma espessa sebe vermelha.

    - inacreditvel! - dizia Bigode. - preciso pelo menos dois meses para begnias assim!

    Um prodgio um prodgio. Primeiro, a gente o constata. Depois, procura explic-lo.

    Tistu perguntou: - Mas, se no se havia posto semente, Sr. Bigode, de onde que

    saram estas flores 7 - Mistrio, mistrio ... - respondeu Bigode. Em seguida, tomou bruscamente nas suas mos calejadas a mo

    zinha de Tistu. - Deixe ver o polegar! Examinou atentamente o dedo do menino, em cima e embaixo, na

    sombra e na luz. - Meu filho - disse enfim, aps madura reflexo - ocorre com

    voc uma coisa extraordinria, surpreendente! Voc tem polegar verde ...

    - Verde! - exclamou Tistu muito espantado. -Acho que cor-de rosa, e at que est bem sujo! Verde coisa alguma!

    Olhou seu polegar, muito normal. - claro, claro que voc no pode ver - replicou Bigode. - O

    polegar verde invisvel. A coisa se passa por dentro da pele: o que se chama um talento oculto. S um especialista que descobre. Ora, eu sou um especialista. Garanto que voc tem polegar verde .

    ............................................................................................................................................................ ,

    - E para que serve isto de polegar verde? - Ah! uma qualidade maravilhosa - respondeu o jardineiro. -

    Um verdadeiro dom do cu! Voc sabe: h sementes por toda parte. , No s no cho, mas nos telhados das casas, no parapeito das janelas, nas caladas das ruas, nas cercas e nos muros. Milhares e milhares de sementes que no servem para nada. Esto ali esperando que um vento as carregue para um jardim ou para um campo. Muitas vezes elas morrem entre duas pedras, sem ter podido transformar-se em flor. Mas, se um polegar verde encosta numa, esteja onde estiver, a flor brota no mesmo instante. Alis, a prova est a, diante de voc! Seu polegar encontrou na terra sementes de begnia, e olhe o resultado! Que inveja que eu tenho! Como seria bom para mim, jardineiro de profisso, um polegar verde como o seu!

    Tistu no pareceu muito entusiasmado com a descoberta. - J vo dizer de novo que eu no sou como todo mundo -

    resmungou. - O melhor - replicou-lhe Bigode - no falar nada com

    ningum. Que adianta despertar curiosidade ou inveja? Os talentos ocultos, em geral, trazem aborrecimentos. Voc tem o polegar verde, ttst acabado. Mas guarde para voc, e fique em segredo entre ns.

    E no caderninho de notas, entregue pelo Sr. Papai e que Tistu devia l .1zer assinar no fim de cada aula, o jardineiro Bigode escreveu apenas:

    11

    Este menino revela boas disposies para a jardinagem. 11

    ~~ ~ ......................................................................................................................................................

  • Mas preciso explicar: no se tratava de uma tmida florao, t hastes plidas e hesitantes. Nada disso! Em cada vaso se avolumavam

    as mais soberbas begnias. E todas formavam, alinhadas, uma espessa sebe vermelha.

    - inacreditvel! - dizia Bigode. - preciso pelo menos dois meses para begnias assim!

    Um prodgio um prodgio. Primeiro, a gente o constata. Depois, procura explic-lo.

    Tistu perguntou: - Mas, se no se havia posto semente, Sr. Bigode, de onde que

    saram estas flores 7 - Mistrio, mistrio ... - respondeu Bigode. Em seguida, tomou bruscamente nas suas mos calejadas a mo

    zinha de Tistu. - Deixe ver o polegar! Examinou atentamente o dedo do menino, em cima e embaixo, na

    sombra e na luz. - Meu filho - disse enfim, aps madura reflexo - ocorre com

    voc uma coisa extraordinria, surpreendente! Voc tem polegar verde ...

    - Verde! - exclamou Tistu muito espantado. -Acho que cor-de rosa, e at que est bem sujo! Verde coisa alguma!

    Olhou seu polegar, muito normal. - claro, claro que voc no pode ver - replicou Bigode. - O

    polegar verde invisvel. A coisa se passa por dentro da pele: o que se chama um talento oculto. S um especialista que descobre. Ora, eu sou um especialista. Garanto que voc tem polegar verde .

    ............................................................................................................................................................ ,

    - E para que serve isto de polegar verde? - Ah! uma qualidade maravilhosa - respondeu o jardineiro. -

    Um verdadeiro dom do cu! Voc sabe: h sementes por toda parte. , No s no cho, mas nos telhados das casas, no parapeito das janelas, nas caladas das ruas, nas cercas e nos muros. Milhares e milhares de sementes que no servem para nada. Esto ali esperando que um vento as carregue para um jardim ou para um campo. Muitas vezes elas morrem entre duas pedras, sem ter podido transformar-se em flor. Mas, se um polegar verde encosta numa, esteja onde estiver, a flor brota no mesmo instante. Alis, a prova est a, diante de voc! Seu polegar encontrou na terra sementes de begnia, e olhe o resultado! Que inveja que eu tenho! Como seria bom para mim, jardineiro de profisso, um polegar verde como o seu!

    Tistu no pareceu muito entusiasmado com a descoberta. - J vo dizer de novo que eu no sou como todo mundo -

    resmungou. - O melhor - replicou-lhe Bigode - no falar nada com

    ningum. Que adianta despertar curiosidade ou inveja? Os talentos ocultos, em geral, trazem aborrecimentos. Voc tem o polegar verde, ttst acabado. Mas guarde para voc, e fique em segredo entre ns.

    E no caderninho de notas, entregue pelo Sr. Papai e que Tistu devia l .1zer assinar no fim de cada aula, o jardineiro Bigode escreveu apenas:

    11

    Este menino revela boas disposies para a jardinagem. 11

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  • ............................................................................ _., ............................................................................ .

    mw No qual confiam Tistu ao Sr. Troves, que lhe d 1}XY uma lio de ordem

    .......... ,,r. ............................................................................................................................. .

    ~ temperamento explosivo do Sr. Troves provinha sem dvida de um longo convvio com toda espcie de canho. O Sr. Troves era o brao direito do Sr. Papai. O Sr. Troves tomava conta dos vrios empregados da fbrica, con-

    tando-os cada manh, para ter certeza de que no faltava nenhum; inspecionava cuidadosamente o interior dos canhes, para verificar se no estariam tortos; vistoriava as portas todas as noites para certifi-car-se de que estavam bem fechadas. E freqentemente ficava traba-lhando at altas horas, a controlar o alinhamento dos algarismos nos grandes livros de contas. O Sr. Troves era o homem da ordem.

    Foi por isso que o Sr. Papai pensou nele para prosseguir, no dia seguinte, a educao de Tistu.

    - Hoje ser a lio de cidade e a lio de ordem! - gritou o Sr. Troves, de p no vestbulo, como se estivesse falando com um regimento.

    Convm lembrar que o Sr. Troves estivera no exrcito antes de passar aos canhes. E, se no descobrira a plvora, ao menos sabia us-la.

    Tistu deixou-se escorregar pelo corrimo da escada. - Faa o favor de subir de novo - disse-lhe o Sr. Troves - e de

    drscer pelos degraus. Tistu obedeceu, embora lhe parecesse intil subir para descer de

    novo, uma vez que j estava embaixo .

    ..................................................................... ~ ............................................................................. .

  • ............................................................................ _., ............................................................................ .

    mw No qual confiam Tistu ao Sr. Troves, que lhe d 1}XY uma lio de ordem

    .......... ,,r. ............................................................................................................................. .

    ~ temperamento explosivo do Sr. Troves provinha sem dvida de um longo convvio com toda espcie de canho. O Sr. Troves era o brao direito do Sr. Papai. O Sr. Troves tomava conta dos vrios empregados da fbrica, con-

    tando-os cada manh, para ter certeza de que no faltava nenhum; inspecionava cuidadosamente o interior dos canhes, para verificar se no estariam tortos; vistoriava as portas todas as noites para certifi-car-se de que estavam bem fechadas. E freqentemente ficava traba-lhando at altas horas, a controlar o alinhamento dos algarismos nos grandes livros de contas. O Sr. Troves era o homem da ordem.

    Foi por isso que o Sr. Papai pensou nele para prosseguir, no dia seguinte, a educao de Tistu.

    - Hoje ser a lio de cidade e a lio de ordem! - gritou o Sr. Troves, de p no vestbulo, como se estivesse falando com um regimento.

    Convm lembrar que o Sr. Troves estivera no exrcito antes de passar aos canhes. E, se no descobrira a plvora, ao menos sabia us-la.

    Tistu deixou-se escorregar pelo corrimo da escada. - Faa o favor de subir de novo - disse-lhe o Sr. Troves - e de

    drscer pelos degraus. Tistu obedeceu, embora lhe parecesse intil subir para descer de

    novo, uma vez que j estava embaixo .

    ..................................................................... ~ ............................................................................. .

  • - O que isso que voc tem na cabea? - perguntou o Sr. Troves. - Um bon de xadrez ... - Ento coloque-o direito. No pensem que o Sr. Troves fosse mau. S que tinha orelhas

    muito vermelhas e zangava-se por um d-c-aquela-palha. 11 Eu bem que preferia continuar minha educao com o Bigode! 11 ,

    pensava Tistu. E ps-se a caminho ao lado do Sr. Troves. - Uma cidade - comeou o Sr. Troves, que preparara bem sua

    aula - uma cidade se compe, como voc pode ver, de ruas, monu-mentos, casas e pessoas que moram nas casas. Na sua opinio, o que mais importante numa cidade?

    - O jardim - respondeu Tistu. - No - replicou o Sr. Troves. - O mais importante numa cidade

    a ordem. Vamos, portanto, visitar primeiro o edifcio onde se man-tm a ordem. Sem a ordem, uma cidade, um pas, uma sociedade no passam de um sopro e no podem sobreviver. A ordem uma coisa indispensvel. E, para manter a ordem, preciso punir a desordem!

    11 Decerto o Sr. Troves tem toda a razo", pensou Tistu. "Mas para que gritar desse jeito? Que voz de trovo! Ser preciso fazer tanto barulho para manter a ordem?"

    Nas ruas de Miraplvora, os transeuntes voltavam-se para eles, e Tistu se sentia constrangido.

    - Tis tu, no se distraia! Que a ordem? - perguntou o Sr. Troves em tom severo.

    -A ordem? quando a gente est contente - respondeu Tistu. 11 Hum, hum!", resmungou o Sr. Troves, e suas orelhas ficaram

    mais vermelhas que de costume.

    ............................................................................................................................................................

    - Eu j reparei - prosseguiu Tistu sem se intimidar - que o meu pnei Ginstico, por exemplo, quando est bem alimentado, bem pen-teado e tem a crina tranada com papel de chocolate, se mostra muito

    1

    mais contente que quando est coberto de lama. E sei tambm que o iardineiro Bigode sorri para as rvores que esto bem podadas. A ordem no isso?

    Parece que esta resposta no satisfez ao Sr. Troves, cujas orelhas tornaram-se ainda mais vermelhas.

    - E que se faz com as pessoas que espalham a desordem? - per-guntou ele.

    - claro que devem ser castigadas - respondeu Tistu, que sups que "espalhar a desordem" fosse alguma coisa como espalhar os thinelos pelo quarto ou os brinquedos pelo jardim.

    - So postos aqui, na cadeia - disse o Sr. Troves, mostrando a Tistu, num largo gesto, uma imensa parede cinzenta, sem uma nica 1dnela, o que no muito normal numa parede.

    - Cadeia isso? - perguntou Tistu. - Sim, isso - disse o Sr. Troves. - o edifcio que serve para

    manter a ordem. Eles foram acompanhando a parede e chegaram diante de uma

    qrade preta, muito alta, toda eriada em pontas. Atrs da grade preta i.1am-se outras grades pretas, e atrs da parede triste, outras paredes tristes.

    - Por que que os pedreiros puseram essas horrveis pontas de f,rro por toda parte? - perguntou Tistu.

    - Para impedir que os prisioneiros fujam.

    .. ................................................................................................................................................. ..

  • - O que isso que voc tem na cabea? - perguntou o Sr. Troves. - Um bon de xadrez ... - Ento coloque-o direito. No pensem que o Sr. Troves fosse mau. S que tinha orelhas

    muito vermelhas e zangava-se por um d-c-aquela-palha. 11 Eu bem que preferia continuar minha educao com o Bigode! 11 ,

    pensava Tistu. E ps-se a caminho ao lado do Sr. Troves. - Uma cidade - comeou o Sr. Troves, que preparara bem sua

    aula - uma cidade se compe, como voc pode ver, de ruas, monu-mentos, casas e pessoas que moram nas casas. Na sua opinio, o que mais importante numa cidade?

    - O jardim - respondeu Tistu. - No - replicou o Sr. Troves. - O mais importante numa cidade

    a ordem. Vamos, portanto, visitar primeiro o edifcio onde se man-tm a ordem. Sem a ordem, uma cidade, um pas, uma sociedade no passam de um sopro e no podem sobreviver. A ordem uma coisa indispensvel. E, para manter a ordem, preciso punir a desordem!

    11 Decerto o Sr. Troves tem toda a razo", pensou Tistu. "Mas para que gritar desse jeito? Que voz de trovo! Ser preciso fazer tanto barulho para manter a ordem?"

    Nas ruas de Miraplvora, os transeuntes voltavam-se para eles, e Tistu se sentia constrangido.

    - Tis tu, no se distraia! Que a ordem? - perguntou o Sr. Troves em tom severo.

    -A ordem? quando a gente est contente - respondeu Tistu. 11 Hum, hum!", resmungou o Sr. Troves, e suas orelhas ficaram

    mais vermelhas que de costume.

    ............................................................................................................................................................

    - Eu j reparei - prosseguiu Tistu sem se intimidar - que o meu pnei Ginstico, por exemplo, quando est bem alimentado, bem pen-teado e tem a crina tranada com papel de chocolate, se mostra muito

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    mais contente que quando est coberto de lama. E sei tambm que o iardineiro Bigode sorri para as rvores que esto bem podadas. A ordem no isso?

    Parece que esta resposta no satisfez ao Sr. Troves, cujas orelhas tornaram-se ainda mais vermelhas.

    - E que se faz com as pessoas que espalham a desordem? - per-guntou ele.

    - claro que devem ser castigadas - respondeu Tistu, que sups que "espalhar a desordem" fosse alguma coisa como espalhar os thinelos pelo quarto ou os brinquedos pelo jardim.

    - So postos aqui, na cadeia - disse o Sr. Troves, mostrando a Tistu, num largo gesto, uma imensa parede cinzenta, sem uma nica 1dnela, o que no muito normal numa parede.

    - Cadeia isso? - perguntou Tistu. - Sim, isso - disse o Sr. Troves. - o edifcio que serve para

    manter a ordem. Eles foram acompanhando a parede e chegaram diante de uma

    qrade preta, muito alta, toda eriada em pontas. Atrs da grade preta i.1am-se outras grades pretas, e atrs da parede triste, outras paredes tristes.

    - Por que que os pedreiros puseram essas horrveis pontas de f,rro por toda parte? - perguntou Tistu.

    - Para impedir que os prisioneiros fujam.

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  • - Se esta cadeia no fosse to feia - disse Tistu - talvez eles 1 tivessem menos vontade de fugir.

    As faces do Sr. Troves ficaram to vermelhas quanto as orelhas. "Que menino esquisito!", pensou ele. "Toda sua educao est

    por ser feita." E acrescentou em voz alta: -Voc devia saber que um prisioneiro um homem mau. - E colocam o prisioneiro aqui para curar sua maldade? - Experimentam. Tentam ensinar-lhe a viver sem matar e roubar. - Mas eles aprenderiam bem mais depressa se o lugar no fosse

    to feio! "Ah, ele cabeudo!", pensou o Sr. Troves. Tistu viu, atrs das grades, prisioneiros caminhando em roda, de

    cabea baixa e sem dizer palavra. Pareciam terrivelmente infelizes, com a cabea raspada, as roupas listradas e os sapatos grosseiros.

    - O que que eles esto fazendo? - Esto em recreio - disse o Sr. Troves. "Imaginem!", pensou Tistu. u Se o recreio deles assim, o que no

    sero as horas de aula! Esta priso mesmo muito triste." Sentia vontade de chorar, e no disse uma s palavra no caminho

    de volta. O Sr. Troves interpretou esse silncio como um bom sinal e pensou que sua lio de ordem comeava a produzir frutos.

    Mesmo assim, escreveu no caderno de notas de Tistu: " preciso vigiar de perto este menino; ele pensa demais!"

    M~ ~ ............................................................................... .............................................................................

    s~~~~;~;i;'.~;=~= .. -..~:~:~::::~:~ :.-. Mo h a menor dvida. Tistu fazia a si mesmo muitas perguntas. At mesmo dormindo. Na noite da lio de ordem ele teve um terrvel pesadelo.

    claro que sonho sonho, e no devemos dar aos mesmos uma im-portncia exagerada. Mas ningum pode evitar os sonhos.

    Ora, Tistu ql:lando estava dormindo, viu seu pnei Ginstico inteiramente raspado e andando em roda entre altas paredes escuras. E, atrs dele, os puros-sangues groselha, tambm de cabeas ras-padas, vestidos com roupas de listras e os ps enfiados em ridculas botinas, rodavam sem parar. De repente o pnei Ginstico, olhando direita e esquerda para verificar que ningum o estava observando, tomou um impulso e deu um salto para transpor a grade, mas foi cair iustamente em cima das pontas de ferro. Plantado l em cima,

    '~sperneava com seus quatro sapatos e relinchava de dor ... Tistu acordou sobressaltado, com a fronte banhada em suor e o

    corao aos pulos. "Felizmente isso no passa de um sonho", disse logo consigo

    rnesmo. "Ginstico est na cavalaria e os puros-sangues tambm." Mas no conseguiu adormecer de novo. "O que seria to triste para cavalo deve ser ainda pior para gente", p1~nsou ele. "Por que tornarem to feios aqueles pobres prisioneiros? Isso ri.o pode ajud-los a melhorar ... Tenho certeza de que, se me fechassem lli, mesmo sem ter feito nada de ruim, eu acabaria muito mau. Que ser que a gente podia fazer para que eles sofressem menos?"

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  • - Se esta cadeia no fosse to feia - disse Tistu - talvez eles 1 tivessem menos vontade de fugir.

    As faces do Sr. Troves ficaram to vermelhas quanto as orelhas. "Que menino esquisito!", pensou ele. "Toda sua educao est

    por ser feita." E acrescentou em voz alta: -Voc devia saber que um prisioneiro um homem mau. - E colocam o prisioneiro aqui para curar sua maldade? - Experimentam. Tentam ensinar-lhe a viver sem matar e roubar. - Mas eles aprenderiam bem mais depressa se o lugar no fosse

    to feio! "Ah, ele cabeudo!", pensou o Sr. Troves. Tistu viu, atrs das grades, prisioneiros caminhando em roda, de

    cabea baixa e sem dizer palavra. Pareciam terrivelmente infelizes, com a cabea raspada, as roupas listradas e os sapatos grosseiros.

    - O que que eles esto fazendo? - Esto em recreio - disse o Sr. Troves. "Imaginem!", pensou Tistu. u Se o