O ESSENCIAL SOBRE
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O E S S E N C I A L S O B R E
O Teatro de Henrique Lopes de Mendonça
O E S S E N C I A L S O B R E
O Teatrode Henrique Lopes de MendonçaDuarte Ivo Cruz
Índice
I 7 Uma obra diversificada
II 13 A estreia prometedora
III 17 O grande teatro histórico
IV 39 As peças de atualidade
V 55 Comédias e provérbios — O Salto Mortal
VI 59 A Portuguesa, as peças de circunstância e o teatro musical
VII 71 Uma peça que não chegou a ser escrita
VIII 73 Um estudo sobre «a crise do teatro português»
IX 75 Um grande nome numa grande geração
77 As peças
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IUma obra diversificada
Os dramaturgos da transição do séculoxixpara o séculoxx sofrem a influência e refletem aconjuntura política e de mentalidade estética daépoca em que viveram e escreveram:aliás, nissonão há nada de novo, com as exceções de algunscriadoresepercursoresvisionáriosdasartesedasideias.Oqueemrigornãoéocaso.Masaconjun‑tura nacional, no que se refere aos dramaturgosportugueses da época, surge marcada por sinais ecoordenadas concretas que indiscutivelmente osinfluenciam,eparaládasdiferençasedasexpres‑sões próprias da criação, os relaciona na estética,na ideologia e no conteúdo.
Emprimeirolugar,aprópriatransiçãodrama‑túrgica, ainda muito influenciada pelo ultrarro‑mantismo, designadamente no temário históricoe na adoção do texto versificado, mas tambémdo realismo‑naturalismo e da análise, cada vezmais crua e direta, dos temas sociais, económicose políticos «de atualidade». Em segundo lugar, a
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conjuntura nacional:progressivo avanço do idealrepublicano, questionamento das instituições,patriotismoenacionalismo,designadamenteexa‑cerbado pelo trauma do Ultimato Inglês e, ligadoa esse quadro, a expansão e colonização de Áfricaeasgrandescomemoraçõesdasdatasevultoshis‑tóricos—Camões,VascodaGamaeviagemparaaÍndia,massintomaticamentemenos,PedroAlvaresCabral e a descoberta do Brasil. E, finalmente, ograndemomentocénicoeprofissionaldaatividadeteatral, servida e alimentada por uma geração deatoresdeprimeiraqualidade,porcompanhiasmaisoumenosestáveiseporprestígiojuntodopúblico.
Pode assim falar‑se de um grupo de drama‑turgos profissionais, mesmo quando obviamenteexerciam outras atividades na sociedade civilou militar. Precisamente, Henrique Lopes deMendonça (1�56‑1931) é Oficial da Armada. Maso seu caso mais se singulariza. Se é certo que aprática das coisas do mar, de que aliás se retirourelativamente cedo —Guarda‑Marinha em 1�71,reforma‑se como Capitão‑de‑Mar‑e‑Guerra em1912—,setraduz,comoveremos,notemárioenatécnicadramatúrgicadediversaspeças,acarreiraem África não se reflete tanto e tantas vezes noteatro como em outros dramaturgos que nuncalá estiveram…
Mas, em contrapartida, estamos perante umcientista da História e da técnica de navegação.Estamos perante um historiador da Idade MédiamassobretudodaExpansão.Eestamosperanteumromancistadeenormecolorido,fiel,aquitambém,aosubstratotemáticoeaorigorhistórico,insista‑‑se, da sua obra ficcional.
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Finalmente, como também veremos, Lopesde Mendonça, além de dramaturgo constante eassíduonospalcos,foiinterventordapolíticatea‑tral da época, em textos e atos de gestão muitasvezes polémicos e não raro ainda hoje certeiros.Oque, juntamente com o sucesso em carreirasconvergentes e coincidentes, também lhe valeumalquerenças e dissabores.
E,no entanto, o poema mais vezes decorado,entoado,citadoesentidodetodaaliteraturapor‑tuguesa é da autoria de Henrique Lopes de Men‑donça. Referimos evidentemente A Portuguesa,Hino Nacional desde 1911.
Uma cronologia
Masconcentremo‑nosnaobrateatraldeHen‑rique Lopes de Mendonça, começando com umacronologia.Temosototaldemaisde30títulos,aíincluindo,comoveremos,peçaspublicadasounão,peçasemcoautoria,revistas,textosdeopereta,umlibreto de ópera, traduções‑adaptações, pequenosatosdehomenagemoucircunstância,monólogos,tudo isto a par com grandes dramas e comédiasemprosaeemverso,temashistóricosoudeatua‑lidade,neorromânticosoupró‑realistas—natura‑listas, uns melhores que outros é certo. Mas tudocom indiscutível qualidade. Assim:
A Noiva—1��4O Duque de Viseu—1��6A Estátua—não publicadaA Morta—1�90
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As Cores da Bandeira—«a‑propósitopatriótico»commúsicadeAlfredoKeil—contémA Portugue‑sa—1�91
Zé Palonço—coautoriadeD.JoãodaCâmaraeGervásio Lobato— 1�92
O Burro em Pancas—coautoria de Eduar‑do Shwalbach, Moura Cabral e Jaime BatalhaReis—1�92
O Salto Mortal—1�94Paraíso Conquistado—1�95Um Empréstimo—1�95Sol Novo—1�96Afonso de Albuquerque—1�9�Serrana—ópera—músicadeAlfredoKeil—1�99Amor Loco—1�99O Alfenim—1902Tição Negro—«farsa lírica» sobre Gil Vicen‑
te—música de Augusto Machado— 1902O Sonho de um Príncipe—1903Nó Cego—1905O Azebre—1905Luz Perpétua—1909Auto das Tágides—1911A Herança—1911Saudade —1916Pierrot e Arlequim/Pierrot Anarquista—pan‑
tomima—1916O Crime de Arronches—1924Outras obrasDurante a TempestadeOs Bencasados —monólogoA Batalha EleitoralJoana
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Sganarelle e Dor de Cotovelo—traduções/adap‑tações de Molière
O Entremez da Mulher Casada—tradução apartir de Anatole France
Luís XI, de Delavigne—traduçãoHenrique III e a sua Corte, de Alexandre
Dumas—traduçãoRei Édipo, de Sófocles—com Júlio DantasO Milagre de Santo António,deMauriceMaeter‑
linck—traduçãocomD.JoãodaCâmaraeEduardoSchwalbach
Parte desta dramaturgia não está publicada,mas o conjunto permite uma avaliação de qua‑lidade e também imaginar o que seriam os títu‑los perdidos. Não faltam indicadores de estilo equalidade, adequados à fase de transição entre oromantismo e o realismo.
Emais:como é próprio da dramaturgia daépoca, estamos perante uma grande variedade deexpressões,doteatrohistóricoàpeçadeatualida‑de, da comédia ao drama realista e até ao elogiodramático e ao teatro musicado, em prosa ou emverso, mas sempre com qualidade.
Henrique Lopes de Mendonça é um grandedramaturgo,compeçasquenãoperdematualidade,coerentes com valores ideológicos e éticos.
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IIA estreia prometedora
«Estreia prometedora» diz Gustavo de MatosSequeira a propósito de A Noiva1. E, de facto,lida a peça na perspetiva da longa carreira sub‑sequente do autor, estamos perante uma estreia«prometedora»dasenormesqualidadesmastam‑bémdealgunsexcessosecertosdesviosdogostoemedidaqueposteriormentesurgirão.Registe‑sealiás as peças e traduções não publicadas quevimos acima.
E,nesse sentido, assuma‑se A Noiva comopeça inicial da análise. Este «drama em um atoemverso»oscilaentreaagilidade,quaserealistaapesardaexpressãopoética,dosexcessosdelin‑guagem e uma situação algo gran‑guinholesca, aresvalar para um certo dramalhão sentimentalmaispróximodoromantismo.Eassinale‑seentão
1 Gustavo de Matos Sequeira, História do Teatro Nacional de D. Maria II,vol.i,p.371.
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que a dramaturgia posterior, concretizada comovimos ao longo de mais de 40anos, não raro cainessasoscilações—oquepressupõe,noentanto,note‑se, um teor geral de qualidade por vezesnotável ainda hoje.
Temos portanto A Noiva como obra inicial.Epor isso mas não só, por um certo paradigma epor ser a peça de estreia, merece certo destaque.
Trata‑se do drama sentimental‑familiar deGarcia, da sua mulher Isabel, da filha Helena edo noivo desta, Alberto. Ora Isabel e Alberto fo‑ram amantes. Oquadro passado num «gabineteluxuoso em casa de Garcia» envolve ainda doiscriados,ajovemMarianaeovelhoJosé,oqualseencarregalogodeiníciodelevantardúvidasacercada situação:para ele «não partilha o noivo/Tãoprofundo sentimento.». Eessas são obviamentecertezasparaIsabel,queseexprimenumviolentolinguajar romântico:«quanta dor/sinto no peitoum conflito/Horrível!/que amor maldito!/Quenoivado aterrador!»
Nessaalturajáoespetadorsuspeitadanaturezado«crime».MasquemnãosuspeitasãooGarciaeaingénuaHelena.Apeçaganhaentãoforçaequa‑lidade alternando cenas próximas do naturalismocoloquial apesar do verso:
Garcia—Alberto! Estimo ver‑te por cá!
Alberto— Senhor Garcia! Apequena/Averjoias está/tão contente/Acorbeille é deslum‑brante/Ora essa! Extravagante!/Vais habituá‑lamal!…
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Eaexplicaçãosurgenoconfrontodosamantesarrependidosdo«amorfunesto»empleno«suplí‑cio reditivo», assim mesmo:
Alberto (irónico)—Perdão/Urge esquecero passado!/um crime lava outro crime!/Anovainfâmia redime/Apassada infâmia!/
Isabel (com violência)—Não!/Não zombes!Essaironia/Redobraanossaagonia/ComoumrirdeSatanás!/Poisdize!Nãotefatiga/Aconstantehipocrisia/Aque o mundo nos obriga/Sem nosdar em troco a paz?
Opior é que, num golpe gran‑guinholesco,a Helena e o Garcia acabam por ler uma cartacomprometedora. OGarcia tem uma tirada dedramalhão ultrarromântico e expulsa os amantesde casa. Rompe‑se o noivado: e para «Helena(pensativa)— o futuro…/(correndo para o pai em arrebatamento) És tu, meu pai!»
Com tudo isto, a peça revela uma mestria deescrita e um sentido de cena que as obras futurasconfirmarão. Veremos e exemplificaremos essaconstânciaparaládavariedadedegéneros,algunsdeles exemplificados na íntegra.
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IIIO grande teatro histórico
Oteatrohistórico,emprosaouemverso,éumareferênciaprimordialdadramaturgiadeHenriqueLopesdeMendonçaque,aliás,comojávimos,de‑senvolveuumaimportanteobradepesquisasobretemasdaHistóriadePortugal.Aspeçashistóricasdevem pois ser hoje apreciadas como o foram naépoca,naperspetivadorigorsubjacente.Epodemempartesê‑lotambémnoquerespeitaàqualidadeteatral, não obstante a desfasagem entre o estilocénico‑dramatúrgicodaépocaeodosnossosdias.Emqualquercaso,comasinevitáveisoscilações,aqualidade sempre subsiste.
No prefácio da 2.ªedição (1927) de A Morta,Lopes de Mendonça teoriza o teatro histórico,reivindica o rigor das fontes, cita Fernão Lopes erelacionaapeçacomO Duque de ViseueAfonso de Albuquerque, numa trilogia ou tríptico, conformediz.Econsideraesteconjuntocomo«Opontomaissubstancial da (sua) obra dramática». Registe‑setambém a opinião de Eduardo Shwalbach, como
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vimos «cúmplice» e coautor em outras aventurasdramáticas comuns:«De alto valor mental, foi ele(HLM)obraçofortequesustentounoteatropor‑tuguêsabrilhantíssimaépocadodramahistórico,com uma pujança de linguagem e vigor difíceisde exceder.»2
Eédenotar,insista‑se,quegrandepartedestemesmouniversohistórico,apartirdepersonagensesituações,surgenaobraromanescamastambémnos numerosos e valiosos estudos do autor.
Vejamoscomoeatéquepontoassimé,seguin‑do a ordem cronológica das principais peças.
O Duque de Viseu
Acronologia situa esta primeira grande peçadeLopesdeMendonça,estreadaem1��6—antesdelasótemosA Noiva—nocontextodosfinaisdoromantismoentãoaindadecertomododominante.Não é por isso uma peça retardada no tempo epor outro lado mantém a linha de coerência e decontinuidadecomoneorromantismoquepassaráoSéculo.Emqualquercaso,trata‑sedeumgrandeexercício dramatúrgico, desde logo na qualidadedo diálogo, nem sempre sustentado ao longo dapeça, mas com momentos brilhantes no domíniodo verso.
Precisamente neste aspeto, a cena inicial,com os fidalgos temerosos e (alguns) revoltados,aguardandoaexecuçãodoDuquedeBragançapor
2 EduardoShwalbach,À Lareira do Passado,Lisboa,1944,p.370.
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sentença inflexível de D.João, em que é notável aagilidade do diálogo:
Eça—Ruy de Pina!
Ruy de Pina (descendo) — Que pretendeis?
Eça—El‑rei por acaso não se inclina/À pie‑dade?/(movimento negativo de Ruy de Pina) MeuDeus! Não resta pois esperança?
Pina—Dentro em pouco, senhor, o duque deBragança/Há‑de entregar a vida ao cutelo da lei.
D.GuterresCoutinho(acercando‑se)—Epa‑trimónio e bens ao tesouro de El‑rei
Pina (olhando em roda)—Indiscrição!
Eça (assustado, afastando‑se)—Loucura!
D.Guterres (apontando para Eça, rindo) — Olhai D.Pedro de Eça/Com que vigor segura atrémula cabeça.
Pina—Não receais da vossa?
D.Guterres—Evós,quesoisamigo/DoDuque?
Pina—Nada temo. Ah! Bem sabeis! Operigo/Sónasalturaspaira.Osfracos,ospequenos,/Pos‑suem contra o algoz uma armadura, ao menos:/Ohumilde nascimento. Oferro que se apronta/Avingardumfidalgoacriminosaafronta,/Nãoseabaixa, senhor, ao colo de um vilão.
D.Guterres—Sois modesto.
Pina—Conheço a própria condição.
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Estas cenas têm o mérito de definir o am‑biente mas também o posicionamento históricoe político das personagens, abrindo a porta àconjura que envolve o Duque de Viseu, irmãoda Rainha Dona Leonor e o Arcebispo de Évora.Emais ainda:marca o perfil de algumas figurasreferenciais, como Ruy de Pina, uma espécie de«raisonneur»,oudePerodeAlenquer,muitoeficazcomo personagem, na rudeza cómica e corajosadas suas imprecações («com seiscentos milhõesde bombardas!» ou «nem sempre é mestre quemvai ao governo»). Imprecações de gente do mar,do Comandante Lopes de Mendonça ao universalCapitão Haddock do Tintin…
DenotaraliásqueLopesdeMendonçapublicouem 1�9� uns Apontamentos sobre o Piloto Pêro de Alenquer. É a fundamentação histórico‑científicade que temos falado.
Na peça, a contrapartida desta agilidade dia‑logal e cénica está no peso de muitas tiradas delinguagem assumidamente romântica, num estiloporvezesoperístico—porexemplo,mashátantosmais,osolilóquiodeMargarida,amantedoDuquede Viseu, já a antever a morte do protagonista:
Margarida—[…] Luta de amor! Fantás‑tica peleja!/Orgulhos, ambições, ódios, furor,vinganças,/Medonhos temporais soprando sobreas mansas/Ondas do meu viver! Ómonstros devermelhas/Faucesasacudirasrúbidascentelhas/Da pavorosa juba! Ah! Vejo‑vos erguer/Contramim,contramim,misérrimamulher/Dosúltimosconfins do lôbrego horizonte!/Nimbos que vêmrugirsobreestadébilfronte!/Raiosquevêmferir‑me
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o pobre coração!/Contra lutar eu só, contra aferoz legião/Que pretende roubar‑me a vida quecontem/Aminha vida inteira? Horror![…]
Oque queremosentãoaquisalientaréaalter‑nância das cenas dialogadas e das grandes cenasmonologadas,quepontuam,umaseoutras,todaapeça:eodiálogonuncaéprejudicadopelarigorosaversificação,comooleitor(eoeventualespetador)poderão sempre comprovar.
Enopontodevistade«teatrohistórico»apeçaconstitui um notável comprovante da análise his‑tóricaemesmoideológicadesteteatro.Ocontextoé bem definido e projetado para a época em quea peça foi escrita. Trata‑se efetivamente da lutaentre a velha nobreza e o alto clero, por um ladociosos dos seus direitos e poderes, e o poder realcentralizado:«TraidoréEl‑Rei,quedespedaçarosaforosdavelhafidalguia»dizoDuquedeViseuquemais adiante, numa longa tirada, traça o quadroda conspiração:
Duque de Viseu—Fidalgos e senhores/Vósnão vindes aqui como conspiradores./Nestestemposcruéisemquesobreopaís/Pesasangrentamãodobrando‑lheacerviz/Emqueésoberanooalgoz, moda as vestes de dó,/somos nós os leais,rebelde o cetro só![…]
Curiosamente,alegitimidadedeumasucessãoquese encaminharia parao DuquedeViseu podeenvolver uma representação popular, um poucona linha de D.JoãoI, e daí, mais tarde, a citação
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deFernãoLopes:àsdúvidasdoDuque,lembrandoque«temumfilhoEl‑Rei:aessededireitocabeocetro», responde Fernão Lopes:«porém, se eleitofordes pelo povo?». Situa‑se aqui também a ideo‑logia descontextualizada, no processo inauguradopor Garrett.
Atenda‑senasepígrafesdosAtos:«I—AExecução;II—OAtentado;III—OsConjurados;IV—AMen‑sagem; V—ORei Carrasco». «Os Conjurados»,designadamente,defineumalutadepoderes,mastambémumaconceçãohistóricaepolíticadapartedo próprio Rei. Ao executar o Duque de Viseu,D.JoãoII deixa pairar uma dúvida:«serei acasoenfim o Rei de Portugal?»Eo diálogo do Rei e doDuque, precedendo a execução, é exemplar:
El‑Rei—Ouvi,primo,arazãoporquevoschamo.
Duque (à parte)—Fátuas/Apreensões! Ah!Sim! Nada suspeita El‑Rei!
El‑Rei (como hesitante)—Vou dizer‑vos.
Duque (aparte)—Contudo, inspira‑me nãosei/Que indizível pavor dos três o negro vulto!
El‑Rei (aproximando‑se. Mais baixo)—Umadúvida tenho a resolver… Consulto/Ovosso bompensar.
Duque—Honrais‑me!/(à parte)Nadatem/Mi‑nha alma que temer.
El‑Rei ( baixo, como se tomasse uma súbita resolução)— Que faríeis a quem/Vos quisessematar?
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Duque (rápido)—Eu?… matava‑o primeiro!
El‑Rei—Foi mais que a tua mão o teu lábiojusticeiro:/Comojuizeréu,proferisteasentença(Arranca de um punhal e crava‑o vigorosamente sobre o coração do Duque).
Ofinal é gran‑guinholesco, mais para o ultrar‑romantismo, nas falas da personagem Margarida,que mata o irmão e lança uma maldição «históri‑ca»sobreoPríncipeD.Afonso,quemorreunumaqueda de cavalo e abriu a sucessão ao futuroD.ManuelI:«Não te maldigo a ti, já te maldisseDeus! Maldigo o filho teu, maldigo a tua raça!»
Mas há cenas de grande rigor histórico e atécientífico, por exemplo, o curioso diálogo entre oRei e Pêro de Alencar acerca da possibilidade deregressarem da Mina «navios que tenham velasredondas»afimdemanterapolíticadecaravelassecretas(ounãofosseoautorOficialdeMarinha),as referências a LuísXI de França que forneceu«Ovistoso modelo de cadafalso» utilizado nasexecuções, ou ainda, noutro plano, a empolgantedescrição do julgamento e condenação do Duque.
Eaindaduasreferências,umadecaráterestético,outradeconteúdo.Nopontodevistaestético,aflo‑ramjácertossinaisdeumsimbolismopercursor.Porexemplo:«Afagatuairmã,oseuterroranula,/Acei‑ta os votos dela, esperanças de ambição,/prendeem laços de amor o seu crente coração […]»
Noconteúdo,porexemploadurezadoRei:«Fuieuqueperdi,sobreosdegrausdotrono/Opoderdebanhar meu coração no sono/Feiticeiro de amor.Aindaojulgoestreito/paraoamordomeupovo[…]»
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Erealça‑seporfimavisãoproféticadeD.JoãoIIquanto à gesta das descobertas e da Expansão,numalongafaladepatriotismo,dequedamosumabreve passagem:
El‑Rei (só — com voz apaixonada)—Óglóriaque eu já sonho,/Hás‑de apagar no trono esselaivo medonho/Que o meu punhal gravou!Não é verdade ó glória?/Não há‑de sobre mimjorrar a luz da História, Acima das nações estanação gigante?/Óminha pátria! ó meu soberboPortugal!/Como é belo o provir! Omundo orien‑tal/Choverásobretiriquezaseperfumes,/Forosde mil sultões e joias de mil lumes! […]
Ea fala prossegue com referências aos «he‑roicos marinheiros (que)/Hão‑de vencer osmares/intrépidosobreiros/Doteupoderimenso[…] Veneza/Castela, o globo inteiro, ante a vossagrandeza,/Extáticas,virãocurvar‑seanossospés!»
EscreveuJoãoPedrodeAndrade:«Alinguageméporvezesultra‑romântica.Masnãosepodenegarforça dramática ao conflito, nem através das inci‑dênciasromanescas,plausibilidadeàinterpretaçãoda figura de D.JoãoII.»3
A Morta
Trata‑sedeInêsdeCastro:masopróprionomeda peça desde logo inculca uma das suas origina‑
3 João Pedro de Andrade, Reflexões sobre o Teatro Português,ed.Acontecimento,2004,p.44.
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lidades— precisamente a cronologia histórica ebiográfica,apartirdasituaçãodeD.Pedro,coroadoReieempenhadonamemóriaenatransladaçãodeInês. Não custa encontrar, no tom geral e mesmoem certas passagens, sinais difusos de um pré‑‑simbolismo, que António Patrício irá consagrarem Pedro o Cru (1913).
MasA Morta(1�90)retomatambémaevocaçãodoprocessodeexecuçãodeInês.EassimtemosasintervençõesnuclearesdeD.Pedro.Porexemplo,adescrição do suplício:«Ah! Também eu senti umadelíciaatroz/quandoosdentescraveinocoraçãodo algoz!»
Ou perante o corpo de Inês:
D.Pedro—Matar‑te?…não!Prefiroocrepitardalenha,/Debaixodosteuspés,eachamaquesetorce,/Lambendovorazmenteacarneadecompor‑‑se!/àfogueirateenvio,adúlteroprotervo!/Possanelaoteucorpoexpiar,nervopornervo,/óladrãoda minha honra, a sórdida lascívia!
E segue a tremenda invetiva por mais noveversos violentos, que terminam com um grito dealma de D.Pedro: «Infame! Infame! Infame!»
Ora,comtudooquehajadedatadoededifícilneste drama em 5atos em verso, apraz reconhe‑cer nele a capacidade teatral e a força do poema.Emais:certas passagens confirmam a segurançacénica do autor e a capacidade de dramatizaçãoenvolvendopersonagensetipossociaisdiferentes.
Veja‑se este diálogo passado «numa praça outerreiro, no Arrabalde de Lisboa, junto às Portasdo Mar» segundo minuciosíssima nota de cena,
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querevela,umavezmais,osentidodeespetáculoapartirdaevocaçãohistóricaglobal.Acenaenvolveo Rei e populares.
Pero Dias (dirigindo‑se) a Moreima—Dize,moura galharda, um beijo quanto custa?
Moreima—Para um pobre qualquer, seis bo‑fetões à justa.
Pero Dias—Embora! Toma lá! ( beija‑a. Moreima bate‑lhe)
OGaleote—El‑rei é bem feliz:/Conhece aopaladar as terras do país.
OBesteiro—Já estou farto de vinho!
OGaleote—É que não tens na tripa/Unsescovéns, como eu. Dá‑me cá.
Henrique Lopes de Mendonça evoca AlfredoKeil a propósito da música de cena de A Morta.Como sabemos e como veremos, esta notávelparceria surge em obras como A Portuguesa e aSerrana, entre outras mais. Numa edição da peça,Lopes de Mendonça refere concretamente «trêsinspiradosnúmerosdemúsica:acançãodeAfonsoMadeira, no 1.ºato, feita sobre letra de um dosnossos cancioneiros medievais; a dança mouriscado 2.ºato; e a marcha fúnebre do 5.ºato».
Etermina a evocação de Alfredo Keil comexpressões bem próprias da época:«Em certaaltura da vida, por mais que se tente avivar cer‑tas ressonâncias de glória, logo as esmorecem asplangências da saudade […]»
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Afonso de Albuquerque
Mas a maior ligação da dramaturgia com ainvestigação e a efeméride histórica subjacenteencontramo‑la em 1�9� com Afonso de Albuquer‑que. Em primeiro lugar, pela própria conjunturade criação da peça, escrita para um concurso noquadrodeevocaçõesdaviagemdeVascodaGama.Mas também porque, anos mais tarde, Lopes deMendonça publicará dois estudos, denominadosUm Tio de Afonso de Albuquerque (1915) e Sobre Afonso de Albuquerque(1916),ambosnoâmbitodaAcademia das Ciências, de que foi membro desde1900 e presidente em 1915.
Vejamos a peça e os seus incidentes.José Augusto França, na reconstituição so‑
ciocultural do ano de 1�9�, dá o devido relevoao concurso e às comemorações em geral4.Concorreram nada menos do que 11peças e oprémio foi atribuído a Sousa Monteiro com odramaAuto dos Esquecidos.MarcelinoMesquitaapresentou‑secomO Sonho da Índia,quenãofoisequer representada, não obstante o prestígiodo autor.
ELopes de Mendonça nem sequer concorreu,envolvido numa questão de direitos autorais.Publicouapeçaem1�99equeixou‑sedaComissãonum Prólogo azedo.
Apeça só viria a ser representada em 1907,mas, não obstante a estrutura pesada em 5atos,
4 JoséAugustoFrança,Lisboa 1998,ed.LivrosHorizonte,2002,pp.63esegs.
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merecia‑oamplamentenaépocaeemrigoraindahoje:sobretudopelaconsagradamestriaeagilidadedo diálogo, entrecortado, como aliás já vimos nodrama anterior, por tiradas «operísticas» e movi‑mentações complexas de cena.
Ea tal respeito, assinale‑se uma vez mais —emaisofaremosadiante—aminúciadasdescriçõesdecena,aindaporcimadistribuídaspelageografiadoOrienteportuguêsdoséculoxvi:«Terreirodian‑tedeCochim»,«sítiopertodeBestorimchamadoAsDuasÁrvores»,«galeriaabertanascasasdeSa‑bioiemGoa,ondehabitaAfonsodeAlbuquerque»,«UmapraçaemOrmuz»efinalmente(esobretudo)«trecho da tolda da nau Flor da Rosa». Esta des‑crição é tão minuciosa e de tal forma relaciona ohistoriador, o dramaturgo e o Oficial de Marinhaque vale a pena uma transcrição do início:
Trecho da tolda da nau Flor de la Rosaem viagem, vista quase longitudinalmente deestibordo, supondo‑se o eixo do navio com aobliquidade de cerca de uns 30° sobre a linhadoproscénio.Àesquerdalevanta‑seochapitéu,cujaparedeanteriorfechaacenaporesselado.Sobreochapitéu,varandacorrida,comescadaaos dois bordos para a tolda, e mastro da me‑zena,cujavelatriangularaindasevêemparte,cortadapelasbambolinas.Entreessasescadas,duasportascomunicandocomoscamarotesdocapitão‑mor a bombordo e do capitão da naua estibordo […]
Ea nota de cena prolonga‑se numa descriçãorigorosa da estrutura da tolda da nau, manifes‑
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tamente escrita por quem, como o Comandante‑‑dramaturgoHenriqueLopesdeMendonça,sabiaconciliar as duas atividades/vocações profissio‑nais…
Edaí a peça conter cenas de mar minuciosís‑simas. Por exemplo:
Miguel da Estrinca (à marinhagem)—Umafusta, além, quase ao socairo/Da nau! (todos vãoà mareagem olhar para fora)
Francisco Pestana—Sim! Capai! (Miguel acena para fora com o barrete. Pestana volta‑se para o piloto) Vós, ponde a nau ao pairo!
O Piloto (gritando para a proa)—Mestre!
O Mestre (vindo da proa)—Pronto!
O Piloto—Alai braço a vante, isso a mo‑do/Quepaire…(O mestre faz um gesto de inteligên‑cia e corre para a proa. Ouvem‑se apitos. Marinhei‑ros e grumetes que estavam dormindo erguem‑se e correm para a proa). Timoneiro, orça todo!
A Voz do Timoneiro—Orça todo!
Miguel da Estrinca—Aproam para a nau!
Omaisinteressante,entretanto,éodesdobra‑mento de planos em que a peça se desenvolve.Desde logo, a própria geoestratégia da Expansãono Oriente e os conflitos políticos, religiosos emilitarescomaspotênciaseaspopulações,desdea Índia ao Golfo Pérsico.
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Ea capacidade militar está ligada à fé e aopatriotismo:
A n o s sa f o r ç a ! A c a s o a l g u m t e m p oa contáveis/Por soldados aos mil, hostesinumeráveis,/tremebundas legiões? Não!Anossa força inteira/Pousa no amor de Cris‑to e da nossa bandeira;/Por exíguo, precisaalentos bem fecundos/Onosso ventre para adigestão dos mundos!
A geopolítica europeia é vista com ceticismopelo Mouro Abdalle:
O Mouro Abdalle—Nazarenos,/Perante anossaforça,ah!Quantosoispequenos!/NãohádiaemqueovéudeCristonãoseesgarce:/Oimpériocontra a França, a Itália a esfacelar‑se,/Ruínas,dissecções, desde a Itália às Hespanhas,/Greisuicida a rasgar suas próprias entranhas!
MasosportuguesesnãolheficamatrásnoquerespeitaaoGolfoPérsico,pois«queistodeOrmuznão é qualquer lugar esconso/Onde possa passarem claro a manivesia/Porque o xeque Ismaelque hoje é sofi da Pérsia/Tem seu embaixadorde olhos à espreita, afim/De aproveitar qualquerrevolta […]»
A perspetiva de confronto religioso está sem‑pre presente, consubstancia‑se na figura de FreiDomingos de Sousa e aflora por exemplo na po‑lítica dos casamentos mistos. Tem expressão nosmonólogos repetidos com hindus e muçulmanos,mas assume um aspeto teatralmente espetacular
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na cena dramática do reencontro de Axura, «bai‑ladeira» inimiga de Albuquerque, e de sua filhaSitva, convertida ao cristianismo e batizada como nome de Matilde.
A corrupção, os chamados «fumos da Índia»,está bem presente e constitui uma das chaves daintriga:quando António Real, inimigo jurado deAlbuquerque,oacusadeesquecer«asofensas/queessevilSenhorim,desdeaprimeiraempresa/[…]tem cuspido em gente portuguesa»— ouve aacusação grave da boca do próprio Afonso deAlbuquerque:
Afonso de Albuquerque—Bem se sa‑be/Que as perdas, que na paz o rei de Cochimsofre;/Que a pimenta em Cochim vos deixa umbom pedaço,/Roubado à carga, que é de el‑reisomente […]
Justamente: o drama central da peça está nosconflitos entre alguns fidalgos e Afonso de Albu‑querque,doente,envelhecidoeenvolvidoemamo‑resambíguoscomaSitva/Matilde,oquepermiteevocar a política de casamentos de portuguesas eportuguesescom«gentios»—«matrimónioàmodade Goa» diz o próprio, a quem Frei Domingosresponde:«feitos/Avosso bel‑prazer, não con‑forme com os preceitos/Da Santa Madre Igreja,esses casamentos!»
De outro lado, temos então um grupo de fi‑dalgos intrigantes e corruptos, que conseguemderrubarAlbuquerqueefazê‑losubstituirporuminimigo:istoporque«maisumavezseapura/quea coroa não veda os fumos da loucura».
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Afonso de Albuquerque recebe a notícia dasua exoneração. Para ele, «a Pátria […] é na terrao amor mais santo».
Morre à vista de Goa, numa bela descrição.
Afonso de Albuquerque—Bendito sejaDeus!Quenãoseadensaanévoa/Damorteaindasobre a minha vista!— Cevo‑a/Rejubiloso em ti,cidade amada, empório/Por cujos nervos corre omeuvigorcorpóreo!/Omelhordomeusangueeudei para arrancar‑te/Das mãos turcas! Mas paraarrancar‑teoestandarte/Dasquinassobreosteusmuros, maior empresa/Foi guardar‑te depois daintriga portuguesa!/Ah! Parece que o ver‑te aminhadoracalma!/Queestaalmaatiseaferra,ópátria de minha alma!/Novo alento a banhar‑meo peito mo confirma!/Avida que eu te dei, venstu restituir‑ma!
Emorrecomaformidávelfrasequeatradiçãohistórica lhe atribui:
Comoshomensfiqueimal/poramordeel‑‑rei,malcomel‑reiporamor/doshomens[…]
Ora bem:há uma óbvia convergência temáticae ideológica com o Sonho da Índia de MarcelinoMesquita, que citamos acima. Também, comovimos, não foi premiada e nem sequer represen‑tada, talvez exatamente pela conflitualidade queenvolveuambasaspeçascontraacoroaecontraaautoridadedosprotagonistas.TalcomoD.JoãoII,tambémD.Manuelnãosaimuitobemdestasduaspeças:enãoobstanteatolerância,reconhecidapor
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ambososautores,deD.Carlos,ocertoéqueambaseram «politicamente incorretas»…
Registe‑seentretantoqueLopesdeMendonçapublicouem1925umaobraquedenominouVasco da Gama na História Universal.
O Sonho de um Príncipe
Amaior curiosidade desta peça será a am‑bientação histórica e geográfica:alta Idade Médiana Alemanha, envolvendo um conflito político esentimentalquepõeemcenapersonagensinéditasnesta dramaturgia:nada menos do que OtãoIII,«Imperador de Roma e da Alemanha», o PapaSilvestreII, o Morgrave Conrado de Thuringia eaindaEstefânia,patríciaromana,viúvadoConsulJoão Crescêncio, e Adelaide, criada da Estefânia.Eestamos perante um conflito sem dúvida pes‑soal e sentimental, mas marcado por problemase situações políticas que envolvem intervençõesnapolíticareligiosa,comoPapaGregórioexilado.
Otão ama Estefânia, viúva de Crescêncio,que Otão mandou executar e que é referidocomo «coração desleal, alma de italiano,/paraquem o punhal, o veneno, a traição/são armasusuais»… Estefânia finge ceder às propostaserótico‑sentimentais de Otão, que se exprime emmonólogos imensos. Exige porém uma «primeirarefeição» que constitua como que «um brindeà nossa felicidade». Eenvenena‑o! Eentretantodesenvolve‑se um conflito político‑religioso, como exílio do Papa Gregório.
Apeçaalternadiálogosdequalidadeedinâmicateatralcommonólogosdesmesurados:porexemplo
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o conflito verbal entre o Papa SilvestreII e Otãoprolonga‑sepordezenasdeversos,bemsimboliza‑dosnadesmesuradafaladoImperador,queconsti‑tuialiásumdesafioparaqualquerintérprete,masnão deixa de conter passagens de bravura teatralapreciável.Assim,temosporexemplooconfrontoentre Silvestre e Otão:
Silvestre—Senhor… Equem diz isto, estepeitoprofano/queemtinãocrê,oh!Deuspiedosoe profundo!/Éo rei da Alemanha, o imperadorromano,/Eomaisaltomortalqueexisteemtodoo mundo!/Oh! Não! Vela a tua face, a tua vistaaugusta/Desterra para longe! Esquece o atroz eestranho/Eco desta piedade e não ouças a injus‑ta/Boca que pronunciou sacrilégio tamanho!
Ea tirada de resposta de Otão «exaltado», deque damos um extrato, prolonga‑se por larguíssi‑mas dezenas de versos:
Othão (exaltado)—Sim!… Sou Imperador!Apurpura invejada/Dos Césares flutua aosmeus ombros triunfal!/Por sobre a minha fron‑te orgulhosa e sagrada/brilha e paira soberbaa águia imperial!/ASaboia, a Polónia, a Itália,a Hungria,/Submetem‑se ao tinir da minhaespada fria!/Omeu poder é grande, imenso,ilimitado!/Emais do que temido, eu sou talvezamado!/Os meus dias são sempre esplêndidose iguais,/Sou infeliz talvez—por ser feliz demais!/Comqueardor,comquefé,comqueânsiaestremecida,/Umaum,lentamente,euprocureinavida/Osgozosqueeladá,eacadaumdizia:/Che‑
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gouahora,enfim,emquevouserditoso/Masdeuma felicidade e de um tamanho gozo/Que sejapara mim cada século um dia! […]
Eprossegue o monólogo por mais dezenas deversos!
Mas a peça entremeia cenas de diálogo vivo etecnicamenteeficaz.Porexemplo,odiálogoamo‑roso entre Estefânia e Otão:
Estephania(aparte)—Palavrasdeumaunçãocheiasdeencanto!…(para ele):Sevosamo!…Aindamais! Eu beijo‑vos, senhor!/( beija‑o nos lábios, longamente)
Othão—Beijoestremo,subtil, ligeiroetrans‑parente…/Estephania—Quentecomoovibrardovossolábioquente!/Othão(começa a pronunciar as palavras com alguma dificuldade)—Aondesolu‑ça o amor e canta uma doçura…/Estephania—Pura como o temor da prece ainda mais pura!
Esegueumdiálogoentremeadodemonólogoseintervençõesdiversas,atéaumafalafinaldeOtão«lentamentecomesforço»atéque«Espira»,assimmesmo. E«Estephania (num grito)— Morto!…Meu Deus! Socorro!… Opríncipe morreu!» (Cai de joelhos. O pano desce ao tempo que entram, em tropel, os burgraves e cavaleiros…)
O Crime de Arronches
Depois de uma década sem produção teatralsignificativa, estreia em 1924 a última peça de
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Henrique Lopes de Mendonça, O Crime de Arron‑ches, em prosa, a qual constitui de certo modouma curiosa síntese das grandes linhas de feiturada sua obra dramática. Trata‑se efetivamente deumapeçadeambienteedataçãohistórica,passada«em meados do séculoxvi».
Mas desde logo a situação geográfica da açãoaponta para uma certa preocupação naturalista,coerentecomafasemaisatualdadramaturgiadoautor.Eessaambiguidade,aliássaudávelnopontode vista da construção dramática, faz da peça ummisto de drama histórico e, apesar da tragédia doenredo,decomédiadecostumesquasecontempo‑râneosdadatadefeitura.Alinguagemprocuraserarcaizante,maspercebe‑sebemqueoautornãosepreocupou demasiado com esse intento.
O«crime»propriamenteditoreconduz‑seàde‑fesadahonraporpartedeummaridoultrajado,oGasparPalhoça,«rendeiroeserviçaldoAlcaide»deArronches, D.André de Sousa. Margarida, mulherdo Palhoça, é uma heroína impoluta, ainda muitodo estilo oitocentista, como o são aliás todos osprotagonistas, com a exceção de um tal GomesTição, «criado do Bispo da Guarda», o qual, pre‑cisamente, tenta «agarrar e forçar» a Margarida.Ocarpinteiro Ventura é injustamente acusado docrime que entretanto corre. OGaspar assume aautoria do crime, mas acaba por ser ilibado poisafinalomóbildeumrouboqueentretantoseapu‑rou será assumido por um grupo de ciganos!
Sente‑se nesta peça um ambiente criticistamuitomaiscontemporâneo(naépoca)doquehis‑tórico,noregistodecomédia‑dramadecostumes.Esubjacenteàintrigaestáaliásarivalidadeentre
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oAlcaideeoBispodaGuarda,cadauminstigandoou defendendo os respetivos serviçais:sente‑sealiás um certo anticlericalismo que não é inéditonesta dramaturgia.
Mas o maior contraste, que aliás «salva» decerto modo a peça, é a consabida agilidade pró‑‑naturalista do diálogo, só entrecortado por alo‑cuções arcaizantes da linguagem, com clímax natirada histórica do Alcaide, essa bem na linha domelodrama:
Nãoháquetervergonha,antesglória!Por‑queavossageraçãohá‑deserhonrada!(aponta para a tapeçaria. — Exaltando‑se gradualmente)Honradacomoadaquelemeugrandeavoengoque alem se figura, vedes? Egas Moniz comsua família se entrega ao Rei de Leão pararesgate da sua palavra. Araça dos Egas Moniznão se extinguiu em nossa terra. Não o digopor mim, que tenho nas veias o seu sangue,mas por ti, Gaspar Palhoça, que tens na almaa sua lealdade!
Ora veja‑se o contraste com a agilidade de umdiálogo em torno de uma mesa de jogo:
Gomes—A vasa é minha!
Brás—Ninguém ta come! Mas agora o trunfoé meu!
Brás—Sim,homem!Nãovês?Adamadeespadas!
Gomes—Raio de damas! Sempre me dei malcom as mulheres.
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Ventura—Elas é que não querem nada con‑tigo. […]
E acrescentamos ainda a longa nota de cenacom que se inicia e situa este diálogo inicial, poisinclusivecorrespondeàopçãorealista‑naturalistaqueapeçaeadramaturgiadeHenriqueLopesdeMendonça, como vimos acima, também assume:
Gomes, Tição e Brás de Tagarrais namesaàesq.,jogandoàscartascompicheisdian‑te de si; Vasco Afonso à D.B., encostado aobalcão,comendoazeitonasdeumamalgaebe‑berricandonumpichel;conversandocomeles,doladointeriordobalcão,Brites;JoãoPiresealgunsfregueses,juntodamesaàE.,mirandoo jogo; Ventura, sentado ao F., frente para opúblico, cabeceando; outros fregueses, gentedo campo, postados ao pé da porta, abancadosà mesa do F., entrando e saindo durante partedo ato; o Raposinho, servindo os fregueses.
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IVAs peças de atualidade
Seguimosaquiaterminologiaherdadadoteatroultrarromântico, que contrapunha o teatro histó‑ricoaoteatrodeatualidade.NaépocaesobretudonadramaturgiadeHenriqueLopesdeMendonça,aterminologianãoserárigorosa,edesdelogopelaausência direta de uma problemática política eeconómica dominante nos dramas «atuais» daRegeneração,massobretudopelaheterogeneidadede estilo e de linguagem.
De tal forma que nos parece adequado distin‑guirdesdejáapeçaO Azebre,excelentedramadeexpressão claramente realista, até por que refleteesituamuitobemamentalidadeeasociedadedaépoca. Se o incluímos neste capítulo do estudo épelasequêncialógica,temáticaecronológica,mascomaressalvadecertaexcecionalidade,parame‑lhor,naqualidadeteatralemesmo,comasdevidasreservas, na atualidade.
Mas vejamos então as peças deste grupo.
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Amor Louco
Em 1900, Henrique Lopes de Mendonça asso‑ciou,numamesmaediçãoquedenominouTheatro Pittoresco,assimmesmo,duaspeçasqueemrigorpoucoounadatêmaverumacomaoutra:O Salto Mortal (1�94), um ato em verso com pitoresco evirtuosismonumcertofundosocialqueseráana‑lisado adiante, e Amor Louco (1�99), que de factomuda o ambiente. Trata‑se, esta, de um dramaem 4atos em prosa, ambientado na comunidadepiscatória da Ericeira «na segunda metade doséculoxix».
«Pitorescas» seriam as personagens se nãohouvesse um envolvimento dramático que porvezes resvala para o excesso neorromântico masque, em termos gerais, assume uma linguagemrealista de excelente qualidade e rigor. Isto apartir das descrições do cenário minuciosíssimo,numtotalde75linhasaanteciparoconjuntodos4atos (taberna, rua, beira mar, interior de umacasa) e reforçada por numerosas didascálias queorientamarepresentação:«meteocigarronaboca[…] ouve‑se à distância a cantilena gemebundados pescadores a encalhar os barcos na praia […]Aninhasencosta‑seuminstanteàombreira,comohesitante,batedenovocommaisforçaeacabaporabriraporta[…]Joãoparteumpedaçodepão,peganuma tigela e vai para ao pé da janela comendo opão molhado no café»… e assim por diante, numregisto realista que por vezes envolve dezenas depersonagens.
Eestes são característicos da ambientação,oscilando entre o cómico e o trágico com grande
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mestriadediálogo,mesmoquando,repita‑se,res‑valamparacertoempolamento.Éumacomunidadepiscatória,queoOficialdeArmadapelomenosemparteconheceriabem:ospescadores,umguardadaAlfândega,umpregueiroesuafilha,umtaberneiro,umfilhoqueestudaemLisboa,umalmocreve,um«corcunda» de mau caráter, e ainda uma espéciede vidente ou bruxa, avó do protagonista.
Porque o drama está aí:Paulo, o estudante,deve a vida a João. Mas ambos amam a Aninhas,queamaoPaulo.Sónofinalesteassumeapaixão,convencido de que João morreu num naufrágio.João, porém, não morreu:e é neste ambiente derenúncia e tragédia que Aninhas e Paulo acabamporsecasar,emplenaintrigadramáticamotivadapelo Charrouco.
A certa altura é citado Gil Vicente:«amorlouco. Eu por ti e tu por outro» (Auto Pastoril Português). Esse desencontro, que acaba com o«ressuscitado» João (foi salvo do naufrágio porum barco espanhol que o leva para Marrocos),assumearenúnciaaoamor,tornadacomplexapelaamizade recíproca com o rival, «vindo a cair nosbraçosdeMónica(aavósemi‑videnteesemi‑louca)a soluçar»:renúncia que fora também a posiçãodos outros dois apaixonados, tudo em nome daamizade e da gratidão.
OambientedepresságioeadivinhaçãodaMó‑nica,que«lênasestrelas»,tambémseconciliacomo teor realista da peça, dada a época e o meio emque se desenrola.
Interessa referir que o diálogo, quando alinhanum realismo de circunstância, é de excelente
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qualidade,porvezesmuitoengraçado.Veja‑seumacena na taberna:
Marçal—Eu o que sei é que este estabeleci‑mento… Ai!
Rocha—Oque é?
Marçal—É o raio da perna! Eu em me me‑xendo… este estabelecimento não se fez paradormitório.
Charrouco— Sim! Também o que se bebeaqui, nem faz sono nem o tira.
Marçal—Que tens tu que dizer ao vinho, óCharrouco?
Charrouco— Nada. Se lhe botassem sal, nãose diferençava do mar.
Nacenacrucialdarevelaçãodoamor,Aninhasquasetocaumenvolvimentoquenãoéhabitualnadramaturgia da época (transcrevemos também asnotas de cena):
Aninhas—Teimoso (corre para a borda do mar) Esta água tão transparente… (mergulha os pés na água — Rindo)Venhadaí!Querver?Pareceque tenho os pés embrulhados numa redezinhade ouro… e os fiozinhos a tremerem… Venha cá,venha… (Rindo muito) Olha! As malhas de ouro aenlearem‑se‑me nas pernas…
Paulo(subindo um pouco, como atraído)—Sãoos veios dourados do alabastro… Alua deixou‑se
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boiar à tona de água para te vir beijar os pés…Eque ternura no luar que os envolve!
Aninhas—Sério?…Eeufujo‑lhe…fujodarededeouro…(Recua até quase cair nos braços dele)Mastragoessaternuracomigo…cuidoquemeensopeinela… (Agarrando‑se‑lhe ao braço) É sim, é a luaque se fez água para correr para nós…
Paulo (afastando‑a brandamente)—Devemosfugir, Aninhas… que é bem perigoso o encanta‑mento…
Aninhas (suplicante)—Fugir, não! Fugir, não,Paulo!…Tenhoesterecalmãonaminhatormenta…e ainda mo queres encurtar? Não sejas mau paramim, Paulo… Olha para o céu, e agradece‑lhe oseres outra vez criança, como eu sou…
AcertaalturaécitadacomalgumaironiaA Lua de Londres, de Soares de Passos. Eprecisamen‑te:apeçadeLopesdeMendonçaporvezesderrapa,comoaliásjáodissemos,paraumneorromantismoque prejudica mas não destrói o interesse atual.Tais desvios são amplamente compensados pelafluidez realista dos diálogos, ou ainda pela pode‑rosa descrição do naufrágio, que antecede cenassemelhantes, por exemplo no Tá‑Mar, de AlfredoCortez, no Mar, de Miguel Torga, ou em certaspeças de Bernardo Santareno. Veja‑se a grandetirada de Manuel:
Manuel—Eunemseibem,abemdizer!Aqui‑lo, nós fomos levantar a armação, muito à pressa,quejáestávamosàesperadotemporal.Vaidepois,
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recolhemos o peixe… por sinal que era pouco eruim… Neste comenos, principiava a alevantar‑seo vento, e o mar a engrossar, a engrossar… Eraainda lusco‑fusco… mas veio uma nuvem negraquelambeuocéutodo…GritámosaoJoãoqueeramelhorsafarmo‑noscomtempo…Vaieledisse‑nosque viéssemos nós andando… e ele lá ficava nobote, mais o José Gandaia… o tio ali da Rosária…coitadita! […]
É uma dramatização escrita por um Oficial deMarinha,queconheceomar…Mas,dizumperso‑nagem— «não amaldiçoes o mar!»
Nó Cego
E,agora,apetecerepetirqueestapeça,estrea‑da em 1905, constitui ela também uma espéciede síntese de maiores ou menores qualidadesteatrais:qualidade de diálogo, alternando compassagens pesadas e tiradas a puxar para o melo‑dramático;ouumsentidomuitoeficazdocómicoe pitoresco, sobretudo do personagem José Gas‑par, e um excesso de solilóquios em recordaçãoou tempo real; e, ainda, uma sentimentalidadedesequilibrada:subtil e bem alcançada no amorpaternaldosprotagonistasFernandoMaiaeDonaEmíliaPedroso,eumadefesadodivórcioecríticadolorosa à indissolubilidade do casamento.
Emqualquercaso,esclareça‑seque,aocontráriodeoutraspeçasdoautor,nãosevislumbraaquiumaposiçãodigamosanticlerical,antespelocontrário,e isto apesar da rigidez ortodoxa mas coerente erespeitável do Padre Campelo, Prior de Benfica.
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E já agora: esta referência ao Prior de Benfi‑ca também lembra o Frei Luís de Sousa. Ea falafinal da adolescente Graça lembra a formidávelfala final da pobre Maria de Noronha:«Esta é aminha mãe, este é o meu pai… Que me importa amim o outro?»:
Graça—Não, papá, deixe‑me… Não queroexplicações… Oque eu quero é que ela não se váembora… ouviste como ela me chamou? «Minhafilha!»Éaminhamamã,éela…Háquemdigaqueeu já tive outra… não sei se pára neste mundo ounooutro…Masestaéqueeuquero…Esta!Estadequeeugostotanto!Possolápassarsemela!(choro prolongado e ruidoso) se ma tiram, morro!
Destas sucessivas tiradas de dramaticidadeprejudicada pela própria extensão e pelo pesoda linguagem resulta um clima ambíguo e algoindefinido, que contrasta, uma vez mais se diga,com a agilidade de alguns diálogos e que, nessaaltura da carreira do autor, derivam também doseu empenhamento como dramaturgo.
Mas o tema é dramático no sentido literal dotermo e algo ousado para a época. Os protagonis‑tas Filipe e Emília não podem consumar o amorporque a religião os proíbe. Oapelo de Graça nãoparece suficiente para resolver a questão.
Apeçaassumeposiçõespolítico‑religiosasqueemsimesmasnãotraduzemnecessariamenteop‑ções pessoais, mas refletem, ou na dramaticidadeounumregistoirónico,osconfrontosentãojádo‑minantes.Assim,porexemplo,odiálogodoPadreCampelocomoJoséGaspar,oqualassume,emfa‑
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lasdiversas,assuasopçõesexistenciais:«maçon…etenhomuitahonranisso!»,dizcertaaltura.Edeixauma nota político‑religiosa:«nós já não estamosnostemposominososdaInquisição,graçasaDeuse mais ao Saldanha!»
E veja‑se então uma passagem significativade uma discussão entre José Gaspar e o PadreCampelo:
Padre(impacientado)—Homem!Vocênãomedeixará?
José Gaspar—Não deixo, enquanto o Padrenão responder aos meus argumentos.
Padre—Já lhe respondi, homem de Deus!
José Gaspar—Qual respondeu! Atirou‑me àcara com essa patacoada dos padres da igreja…
Padre (enchendo‑se da paciência)—Uma pa‑tacoada que há quase vinte séculos dirige metadedo género humano.
José Gaspar—Ametade pateta, é o que é!
Padre(contendo‑se)—Valha‑oNossaSenhora!
Merece aqui referência a minúcia das didas‑cálias e das descrições de cenários. Os três atosencadeiam‑senumdescritivoarticuladoemqueoatoisepassanojardim,maspelajanelavê‑seasaladacasa.Eoatoiipassa‑seprecisamentena«saletade entrada que no 1.ºato se via através da janela.EssajanelaficaráagoraàD.dacenaeportantoaoF.aportasobreo jardim.SecretáriaàD.frenteda
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janela. Abaixo e acima da secretária, duas portaspara o interior. Acima da janela um piano. Mesaredondaquaseaocentro.PoltronaàE.esobreelaumespelho.»Efinalmenteoatoiiipassa‑senacasade jantar, também minuciosamente descrita.
Mas as próprias didascálias, como dissemos,descem a uma minúcia que, se por um lado com‑provamoprofissionalismocénicodoautor,chegamapesardissoalimitesdeinexequibilidade,quandosetraduzememindicaçõesdiretasàinterpretaçãodas personagens. «Passa um relâmpago nos olhosde Emília», lê‑se a certa altura!
E há aqui, ainda, um curioso registo cultural,quando se refere que na «secretária […] está lá oCamões, o Diogo Bernardes, o frei Agostinho daCruz» e este surge como referencial.
E finalmente:o apelo a África como redençãoindividualoucomoprogramanacionaldeumaco‑lonizaçãoalgodesenvolvimentistarefletetambémavivênciadesteOficialdaArmadaquetrazparaacena as suas experiências pessoais.
O Azebre
Trata‑se,nanossaopinião,damaisconseguidapeça de Henrique Lopes de Mendonça, escritanum poderoso naturalismo que contorna certasoscilações de linguagem e que assume por vezescertagíriapopulardaépocaecertoempolamentoneorromântico:mas tudo isto com qualidade eforça teatral. Recorde‑se a propósito que a peçadata também de 1905.
É oportuno lembrar que este registo realista‑‑naturalista do protagonista, a partir de certa
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boémia pretensamente crapulosa mas afinal bon‑dosa,alémdecontrastarcomoegoísmosuperficialdas classes dominantes, marcada por uma Lisboapopular e boémia, com «lepes» e mundanas dapassagem do século, fará época e perdurará nadramaturgia:veja‑seporexemploOrdinário, Mar‑che(1913),deBentoMântua,ouO Lodo,deAlfredoCortez(1923),ouainda,numplanomaisendinhei‑radoemenospopular,A Casaca Encarnada(1922),deVitorianoBraga,ounolimiteaté,A Salvação do Mundo (1949), de José Régio— mas aí já estamosnoutra época e também noutra estética.
O Azebre é uma das peças mais interessantesemaisatuaisdeLopesdeMendonça,peseembo‑ra, como é evidente, as mudanças que atingiramdesignadamente os meios sociais e musicais, sese permite a qualificação. Trata‑se de um músi‑co, Fidélio, que vive em plena boémia com umaprostituta, Adélia, tocando violino em tabernas.Afilha, Isolda, casa com um amigo de Fidélio,Francisco Sousel, de alto nível social. Têm umfilho. Tudo se complica com o contraste social,num ambiente cénico marcado pelo recurso auma tremenda tempestade. Sucedem‑se os en‑contros e desencontros que, insista‑se, mantêmhoje qualidade teatral.
Em qualquer caso, o que mais se impõe nestapeça é a capacidade de diálogo e a descrição dosambientes. E, repita‑se, é interessante a compa‑ração da forma e do desenvolvimento de diálogoentre os dois planos sociais que se confrontam.Note‑seorealismo‑naturalismoeatécnicadodiá‑logo, numa expressão que se pretende adequada
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às personagens e ao meio social urbano‑populare boémio.
Assim,nosótãoondeFidéliovivecomaAdélia:
Adélia—Ah! É a Manuela! Deixa ficar issoaí fora um instante que já de dou a chave. Fidé‑lio—(que tem ido pôr a rabeca sobre a cómoda)Esperaaífora?Queéláisso?AManuelahojevemcear comigo.
Adélia—Cear contigo? Eentão eu?
Fidélio—(encolhendo os ombros)— Tu tam‑bém ceias, se quiseres.
Adélia—Ese eu não quiser?
Fidélio— Se não quiseres, deita‑te ao pé.
Adélia—Isso lá é que não gruda!
Fidélio—Nãogrudaoquê?(senta‑se ao pé da mesa e agarra num copo) Ó Manuela dá‑me daíuma garrafa de cognac que vem no cesto. Estoucom as goelas secas (Manuela tira a garrafa do cabaz)
Adélia—(arrancando‑lhe a garrafa da mão)Abaixoaspatas!Nãoprecisodeajudasparaserviro meu homem! (deita cognac no copo)
Fidélio—Oteuhomem?Ondeéqueestáisso?
Adélia—És tu.
Fidélio (engasgando‑se com riso)—Eu? Eu?Éboaasneira.Quemteencasquetouissonosmiolos?Eucánãosoudeninguém.Eusouumhomemlivre,
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comfumosdesuper‑homem.Paraissoéqueenchia cabeça e despejei o coração. Percebes, ó cara deparva?Omeucoraçãoestá…assimcomoestecopo.Enche lá outra vez, idiota».
Masvamosagoraverocontrastedelinguagemque acompanha e sublinha o contraste social.Acenapassa‑sena«saladereceção»deFrancisco,com amigas que visitam o filho recém‑nascido, oqual se chama Parsifal:
Matilde (afagando a criança)— Que apetite!Que apetite!
Isolda—Mandei‑o aqui para esta alcova paraestar mais próximo de mim esta noite.
Ama—Acordou agora mesmo.
Uma senhora—Coitadinho!
Matilde—Os luzios que ela deita! Parece‑secom a mãe!
Isolda—Por ora não se sabe.
Matilde—Que gorducho! Veja, mamã… asrosquinhas das pernas…
Viscondessa—Muito bem criado, realmente!
A senhora—Uma perfeição!
Matilde—Uma beleza…
O leitor‑espetador atual não se revê em ex‑pressões e situações muito da época, mas a dra‑
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matização,apaixãodoavôpelonetoeapaixãodaAdélia pelo amante mantêm viva a peça e corretaa linguagem e técnica teatral.
AsreferênciasaoParsifalsãoinesperadas,masháqueterpresenteodistanciamentoirónicoincul‑cadopeloautor.«Indês»,«luzios»,«pinta‑coeiros»,«boião de carne», são expressões utilizadas comum distanciamento irónico:mas a paixão do avôpelo neto é impressionante.
E o sentido teatral de Lopes de Mendonçaatinge aqui, repita‑se, um pleno de virtuosismo.A«invasão» de Adélia transformada em «sou‑brette», a implorar que Fidélio a não denuncie;o impedimento moral e sentimental da presençade Parsifal; ou a angústia de Fidélio durante umacena de trovoada; ou ainda uma cena passada du‑rante um concerto falhado e a mestria com que oautorreproduzadesatençãodopúblico—públicodo concerto, não da peça, note‑se— constituemmomentosdegrandeteatro,aindahoje.Sósecom‑preende menos, nessa bela situação de conflito ehonradoartistadesprezado,aofensaqueconstituitocar «As Irmãs de Caridade»…
No ponto de vista psicológico, a peça tambémsobealto,numacaracterizaçãosólidadecarateresesituações.Afinal,aculpadeFidéliotercaídona«estúrdia» da sua boémia alcoólica está no com‑portamentodeFrancisco,hojeseugenromasqueseduziu e foi amante da Isolda.
OFidélio é um artista de grande talento com«umafantasiadeconcertopublicadaporumacasadeLeipsig»—emsuma«umaglórianacional».Porseu lado, o Francisco é «um deputado de largofuturo […] na carreira de Ministro», apoiado pelo
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toscoConselheiroqueconfundeWagnercomVerdie compara Sarasate com «um maneta que tocavacom os pés» mas que «dispõe de uma influênciapreponderante»eatéofereceaoFidélio«umaca‑deiranoConservatório!»IstoapesardeoFranciscosódeixarosogrotocaremconcertosdecaridade!
E,no meio disto tudo, temos o amigo Ricardo,misto de deus ex‑máquina e de «raisoneur», queprocuramasnãoconsegueresolveraqueleconfli‑to ético:a boémia do Fidélio, o amor pelo neto, ocomportamento do Francisco.
Oautorteriaanoçãodequeestaéasuamelhorpeça? «Drama quase modelar, sobretudo para aépoca, na definição dos ambientes», escrevemosna «História do Teatro Português», salientando aanálisepsicológicaeamestriadacondução.«Esta,designadamente, é muito cuidada na definiçãopsicológicaedosconflitosquejánãocaemnogran‑‑guignolepelamestriadacondução»,reconhecen‑do entretanto que «o ponto de partida comportarisco:Fidélio,violistaboémioedecadente,easuaamanteAdéliapreferemapenúriadasuavidaqua‑semiserávelaoconvencionalismodesafogadoquea filha e o genro Fidélio lhes poderiam oferecer atrocodaseparação.Oamorpelonetodáumanotasentimentalaestedramaquasemodelar,sobretudopara a época, na definição de ambientes»5.
5 Cf. Duarte Ivo Cruz, Introdução ao Teatro Português do Sé‑ culo XX, ed.Espiral, 1969; Introdução à História do Teatro Português, ed. Guimarães, 1969; Repertório Básico de Peças de Teatro, ed.SEC, 19�6; e como síntese geral História do Teatro Português,ed.Verbo,2001.
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Trata‑se efetivamente de «uma das mais im‑pressionantes criações do nosso naturalismo cé‑nico» escreveu Luiz Francisco Rebello em Teatro Naturalista, recordando que a peça «tinha sidorecusadapelaempresadoteatroD.Amélia,eaqueocomissáriodoTeatroNacionalimpôscortesqueoautornãoaceitou.Emaisescreveem«TrêsEspe‑lhos—UmaVisãoPanorâmicadoTeatroPortuguêsdo Liberalismo à Ditadura (1�20‑1926):«Eram defactochocantesparaaestreitamoralconservadoradaépocaotemadapeçaeatesequenelasusten‑tavaLopesdeMendonça(equenofundoeraaindauma concessão ao gosto romântico)»…6
6 Cf. Luiz Francisco Rebello, especialmente Breve História do Teatro Português, ed.PEA, 5.ªed., 2000, O Teatro Naturalista e Neo‑Romântico, ed.ICP, 197�, 100 Anos de Teatro Português (1880‑1980), ed.Brasília, 19�4, Três Espelhos — Uma Visão Panorâmica do Teatro Português do Liberalismo à Ditadura — (1820‑1926)eTeatro Naturalista,ed.INCM,2013.
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VComédias e provérbios O Salto Mortal
Musset é citado e expressamente assumidonumalinhadramatúrgicadecomédiaseprovérbiosque provam, uma vez mais, o virtuosismo cénicoe poético e mesmo a cultura teatral de HenriqueLopes de Mendonça. Vamos aliás encontrar maisadianteamesmacapacidadeemtextosdecircuns‑tância, adaptados a estilos diversos e a situaçõesespecíficas.
Vimos já que em 1900 Lopes de Mendonçapublicou, sob a epígrafe de Theatro Pittoresco,duaspeçasque,emrigor,nadatêmaverumacoma outra. O Salto Mortal é uma comédia em versoescritaem1�94.Amor Louco,quejáencontramos,é um drama em 4atos, em prosa, datado de 1�99.Só por razões de ordem editorial se justificaráesta associação de textos, a menos que se queiradar à expressão «pitoresco» um sentido muitoespecial.
Emqualquercaso,O Salto Mortaltemavirtudeda sua própria singeleza e virtuosismo da escrita
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e até de espetáculo. Não sem fundamento, a peçafoi repetidas vezes encenada e interpretada porgrandes atores da época.
E compreende‑se que assim seja, face à quali‑dade e agilidade dos versos, em contraste, curio‑samente, com o detalhe realista das didascálias edas indicações expressas aos atores.
Por exemplo:
(Luísa tem ido buscar os objetos pedidos. Apenas volta com eles, Doroteia começa a fazer a cama sobre a arca, pondo primeiro a esteira em guisa de enxerga, e por cima o cobertor e o colchão. Tudo é feito durante as falas seguintes, conforme se vai deduzindo do diálogo.)
Raimundo, a João—Para que eu não ador‑meça/Puxa lá pela memória,/Conta praí umahistória.
João—Ado macaco?
Raimundo—Sim, essa.
João—Era uma vez um macaco…
Raimundo— Assim como tu…
João (malicioso)—Maior!/Do seu tamanho!
Raimundo(rindo) — Velhaco,/Levasparaoteutabaco,/se me troças.
Oprópriotextoporvezesaproxima‑sedeumatoada «realista» se tal se pode dizer, com grandemestriadapassagemdocómicoparaodramático.
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Veja‑se ainda o diálogo entre Doroteia e a filhaLuísa que se prepara para fugir de casa com umpalhaço chamado Pepito:
Doroteia—Então,/Perdoe‑me a Virgem seeu peco,/Não é nome de cristão.
Luiza—É o mesmo que José/disse‑me ele.
Doroteia—Estás maluca!
Luiza—Palavra!
Doroteia—Não lhe dou fé! É cá da terra?
Luiza—Não é.
Doroteia—Donde veio? Em que trabuca?
Luiza—É espanhol!…
Doroteia—Como? Espanhol!/de Espanhanãovembomvento,/Dizem,nembomcasamento.
Luiza—Gosta de mim.
Afinalo«palhaçoespanholPepito»édeAveiro,e,segundocontaJoão,eleprópriofugidodocircoparanãofazero«saltomortal»,ofalsoPepitotemas piores intenções relativamente à Luísa.
LuísajánãofogedecasaeoJoãoconcluicomuma moralidade irónica:
João— É que a menina é tal qual/Como eu!Não tinha talento/Para dar o salto mortal!
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VIA Portuguesa, as peças de circunstância e o teatro musical
Henrique Lopes de Mendonça deixou um con‑junto de textos dramáticos escritos em funçãode situações ou circunstâncias específicas, de ho‑menagens e celebrações de efemérides, e aindalibretos de ópera, revistas e até o que na época sechamava uma mágica. Já enumeramos e identifi‑camos esses textos, pelo que agora só se fará re‑ferência aos que chegaram até nós e se destacam.
Esse conjunto distingue‑se ainda do restanteteatroprecisamentepelaadequaçãooumotivação,noquadro de momentos específicos, de homenagens ecelebraçãodeefeméridesdavidanacionaloudavidateatral.HácomoqueumatradiçãoquevempelomenosdasArcádiaseporvezesdelasseaproximanaforma,aindaquesemprereveleumgrandesentidodecena.
A Portuguesa e a colaboração com Alfredo Keil
Não se torna necessário insistir no óbviosentido patriótico e valor e qualidade da música
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e da letra do que é desde 1911 o Hino Nacional.Diremos somente que música e letra assumem aimensa e bem conhecida expressão artística, noquadro simbólico que amplamente justificou aconsagração.
Naorigem,tratou‑sedeumchamado«a‑propó‑sitopatriótico»ou«quadromarítimo»denominadoAs Cores da Bandeira, música de Alfredo Keil eletra de Henrique Lopes de Mendonça, apresen‑tado em 1�91 por ocasião e como protesto contraoUltimatoInglês.Oimpactofoitremendo:AlbinoForjazdeSampaioconsideraque«aspalavras[…]estavam abalando o trono»!…, Rui Ramos, PauloVieira de Castro e António Rodrigues descrevemtodo o processo de criação, citando Rui Ramos,designadamente, um artigo memorial publicadopor Lopes de Mendonça em 19107.
Seja como for, a qualidade verdadeiramenteadmirável de A Portuguesa —letra e música— écomprovadaatéhoje,emerecemóbviareferênciaas três estrofes que Lopes de Mendonça escreveusobre a mesma música de Alfredo Keil:o HinoNacional adaptou apenas a primeira.
Mas justifica‑se aqui a transcrição do poemana íntegra e tal como Lopes de Mendonça o
7 ÉobviamentevastíssimaabibliografiareferenteaA Portugue‑sa como expressão dramático‑musical e como Hino Nacional.Citamos aqui designadamente Rui Ramos, O Cidadão Keil, ed.D.Quixote,Lisboa,2010,emespecialpp.57esegs.,73e127;Paulo Ferreira de Castro, «APortuguesa», in Alfredo Keil em Sintra 100 Anos Depois,ed.CMSintra,pp.59esegs.,eAntónioRodrigues,Álbum Alfredo Keil,ed.IPPA,pp.�0esegs.;alémdasdiversashistóriasdamúsicaportuguesa.
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escreveu, pois as estrofes que não foram consa‑gradas no Hino Nacional merecem amplamenteesta evocação.
Heróis do mar, nobre povo,Nação valente, imortal,Levantai hoje de novoOesplendor de Portugal!Entre as brumas da memória,Oh Pátria ergue‑se a vozDos teus egrégios avós,Que há‑de guiar‑te à vitória!Às armas, às armas!Sobre a terra, sobre o mar,Às armas, às armas!Pela Pátria lutar!Contra os canhõesMarchar, marchar!Desfralda a invicta bandeira,A luz viva do teu céu!Brade a Europa à terra inteira:Portugal não pereceu!Beija o teu solo jucundoO oceano a rugir de amor;E o teu braço vencedorDeu mundos novos ao mundoSaudar o sol que despontaSobre um ridente porvir;Seja o eco de uma afrontaO sinal do ressurgir.Raios dessa aurora forteSão como beijos de mãe.Que nos guardam, nos sustêmContra as injúrias da sorte.
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A Morta, de Lopes de Mendonça, que já vimosacima, foi estreada em 1�90 com música de cenade Alfredo Keil. Eem 1�99 estreou a ópera de Keila Serrana, libreto e texto de Lopes de Mendonça,escritoapartirdanoveladeCamiloCasteloBrancoComo Ela Amava. Aópera fez carreira também emteatroseuropeuseseriarepostaem1975noTeatroda Trindade. «Caso aparte na nossa História daMúsica:pode‑se dizer, com segurança, ser a únicagrandecomposiçãooitocentistadeautoriaportugue‑saque,desdeaestreia,continuajánoséculoxxiumaimpressionantecarreiradesucessoemdiversospal‑cosepúblicos»afirmounumaconferênciaManuelIvo Cruz, citando também João de Freitas Branco.
É um drama algo «siciliano» de amores con‑trariados, passado em 1�20, poderoso na musica‑lidade e com cenas líricas e dramáticas no textobemadaptadoàsexigênciasdapartitura.Eháporvezeslampejosdecertosimbolismo.Porexemplo,o monólogo (área) de Zabel:
Zabel (só)—Noite medonha! Tudo escuro…Escuro!/Como pastor do inferno, o vento alas‑tra/Nascampinasdoazuloseurebanho/denuvensnegras.—Assim,noseufuturo/acumulatristezasodestino./Porvezesumrelâmpago/Rasgaastrevas.Também/umclarãorepentino/deesperançanami‑nhaalmasobrevivem/Oh!MeuPedro!Acode!Salva‑‑me!/Meu amor! Minha estrela! Meu só bem! […]
Outras peças
Em1�95,HenriqueLopesdeMendonçaescreve Paraíso Conquistado—fantasiadramática,umato
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em verso, diálogo entre um estudante desiludidocomaCiênciaeumavelha«alcachinadaetrôpega»que, sem mais nem menos, invade a «sala numvelhocasteloarruinado(com)paredesbolorentase escalavradas» onde o estudante se lamenta:
O estudante (depois de um silêncio, erguendo a cabeça) — Estudarparaquê?…Láforaoscampos
Bebem os raios do luar;E na sombra dos bosques, os pirilamposSão como as luzes dum altar.Eu, solitário, na abstinência,Da vida livre, urge que estude,E nos abrolhos da ciênciaLacere a minha juventude (levanta‑se)Estas paredes que escalavraA mão do tempo, humilde e negra,Nunca somente uma palavraDe amor, os beija ou alegra.
Sol Novo(1�96)constitui«umquadroalegóricodestinado à celebração das recentes vitórias dosPortugueses na África Oriental», com música deCiríacodeCardoso.ÉacampanhadeMouzinho,ea alegoria remete à tradição setecentista:«Acenarepresenta um cárcere sombrio», onde o Lusus«velhoguerreiro»dormitaenquantoseouve,fora,um «coro de vátuas» proclamar:
Os vátuas—Guerra aos brancos nas terrasde Gaza
Do Limpopo às origens do Vaal!Que os devore a campina erma e rasaE as florestas em volta do kraal!
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Rufa, tambor!As mangas chamam em lufa‑lufa!Na selva escura já se atufaTroante rumor!Rufa, rufa, rufa,Rufa tambor!
O Luso desespera, mas vem em seu auxílio aÍndia, que pede «Piedade! Piedade!» em nomede Varuna. Ea Europa proclama que «no mundosó há direitos/No seio do canhão». OGénio daPátria,esse,citaAfonsodeAlbuquerqueeinspirao sentido bélico do Luso:
Astros do céu não há, cuja lucidezUmnimbotenebrosoalgumaveznãocerque…Velada a estrela vês que foi fanal do GamaOluzeiroimortaldeAfonsodeAlbuquerque.
Curiosamente, o «quadro alegórico» terminacom três estrofes muito semelhantes, no estilo enoespírito,àletradeA Portuguesa:masabandeiraque «se arvora no Mundo inteiro sem par» é, ob‑viamente,dadaadata,«branca,dacordaaurora»e «azul, da cor do mar!»
Oraprecisamente,oAuto das Tágides,alegoriacomemorativadoprimeiroaniversáriodaRepúbli‑caPortuguesa,dedicadoaManueldeArriagacomo«homenagem de um velho democrata e oferta deumvelhoamigo»,escritoparaumarécitadecele‑bração,em5deOutubrode1911,põeemcenaumaTágide,acidadedeLisboa,eaindaoutrasTágidese«gentedopovo»aosomde«A Portuguesaentoadapor um coro de populares».
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E«apareceLisboa,seguidadeumagrandeturbaderevolucionários»,e,antecedendo«A Portuguesaque todos entoam», declama uns versos heroicos:
Lisboa—Aauroraéqueenrubesceabandeiraondulante,
No sangue derramado em guerra fratricida;Nem há triste livro no verde fecundanteQue é o viço da planta, a esperança, a glória,
a vida.[…] Teve a palavra a morte. Agora, nesta terra,mal haja quem cantar sobre os irmão vitória!Entoemos a canção que nos guiou na guerracomo um hino de amor, de liberdade e glória!
Totalmentecircunstancialseráomonólogoemverso Durante a Tempestade, editado no Rio deJaneironumacoleçãode«piramidaledescomunalsortimento de peças teatrais», diz rigorosamenteassimumareferênciaàedição,queanunciaaindaoutro monólogo de Lopes de Mendonça, Os Ben‑casados, o qual se perdeu.
Durante a Tempestade, de que localizámos umexcerto, terá reflexos de dramas do mar que oOficialdaArmadacertamenteconheceuenoutrostextos refletiu. Aqui, porém, corre tudo pelo me‑lhor, pois a tempestade atira o protagonista paraos braços da «doce e pálida Maria» com quem secasará, pois:
O balanço fez que ela se curvassePara o meu lado, aproximando assimDo meu rosto a pura faceSua face de meigo querubim
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Num transporte do amor que me acendiaEubeijei‑a…MeuDeus!Nãofoipormal![…]
Nestalinhasesituarátambémumcuriosotex‑to,Luz Perpétua—éclogaàmemóriadeD.JoãodaCâmara(1909),falecidonoanoanterior,versosdeLopesdeMendonçaemúsicadeAugustoMachado,editada com um desenho de Columbano. Dialo‑gam Délia e Silvana, acompanhadas por um coro.Otom é elegíaco, no sentido rigoroso do termo.Mas o mais curioso será o desfile de personagensevocativasdasgrandespeçasdeD.JoãodaCâma‑ra —Afonso VI, Os Velhos, Meia Noite, O Pântano,A Rosa Enjeitada, Alcácer Quibir— personagensessasque,transformadasem«turbadefantasmas»,lançamfloressobre«aimagemdopoeta»,surgida«entre moitas iluminadas pelo Luar». Vejamos aúltima estrofe do «coro interno»:
Teu fulgurante espírito persisteComo um final de paz.Na alma dos portugueses, meiga e triste,Poeta meigo e triste viverás.
E diz a didascália:«Durante o coro, todas asfiguras agitam plumas e lançam flores sobre aimagemdopoeta,enquantoumaluzviva,jorrandosobre ele, completa a apoteose.»
Em 1916 a Escola de Arte de Representar doConservatório Nacional apresentou e posterior‑mente publicou Pierrot Anarquista —pantomimade Henrique Lopes de Mendonça, música deHermínio Nascimento— representada no TeatroNacional na noite de 17 de janeiro de 1916. Oque
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noschegoufoiumtextolongo,emprosa,encenadona Escola por António Pinheiro, e representadopor12atorese6bailarinas:masoúniconomequeperdura é o do ator Vital dos Santos.
E o texto corresponde efetivamente a um ro‑teiro de pantomima a partir da situação de «Pan‑talone de Veneza (que) tem uma filha, Sylvia, equer casá‑la com o rico capitão Spavento, espéciede Scaramuccia fanfarrão e covarde, que andasempre agarrado à sua grande rapière de Toledoe não é capaz de matar uma mosca. Mas Sylviadetesta‑oeamaArlechino»,dizotexto,quepros‑segue com a chegada de «Pierrot todo de branco,cheiodelirismoefome[…]»Enofinal,«Hymeneuchega, rodeado de Amores cor‑de‑rosa, e numballet‑pantomimal, casa os dois pares de amoro‑sos: Arlechino e Sylvia, Pierrot e Columbina».
E finalmente:numa zona de charneira entre acomédia histórica em verso e a obra de circuns‑tância está Saudade, escrita para a festa artísticado ator Eduardo Brazão, realizada no Teatro deD.MariaIIem4demaiode1916.Ohomenageado,nas suas memórias, agradece «cheio de profundoreconhecimento a honra imerecida que sempreme deu, escolhendo‑me para intérprete das suasimortais criações»�.
Num enredo plausível, situado no séculoxvi,o poderoso Prior do Hospital Conde de Atouguiaencontra Guiomar, sua apaixonada há 23anos.Um pai tirano obstou ao casamento:e o então
� Memórias de Eduardo Brazão,comprefáciodeHenriqueLopesdeMendonça,1925,p.137.
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jovem futuro Conde parte a combater os turcos.Em Rodes, será feito Prior da Ordem.
Mas vejamos esta descrição dos amores frus‑trados da Guiomar:
Guiomar—Esqueceste‑te, minha ama,Queoconvíviodomundoembaldemereclama.Só por obedecer à vontade paternaNão antecipei num mosteiro a paz eterna.
(senta‑se de novo no poial, reflexiva, deixando‑se pouco a pouco dominar pelos seus devaneios)Sóporisso?… Meu Deus! Perdoai‑me se minto!
No turvo coração mal percebo o que sinto.Vindo por esse atalho eu tinha a cada passoAilusão de um braço a cingir‑me este braço.Cada moita falava… ah! Deus Meu! Que sau‑
dade!…Aembalar‑me com a voz da minha mocidade.
Em contrapartida, o diálogo, não obstante avacuidade de certas cenas e o peso de outras nosalexandrinos, mostra a segurança e o traquejo doautor, seguro no seu profissionalismo de escritateatral. Veja‑se só como exemplo:
Fr.Cosme(sempre a querer atalhar a torrente de palavras)— Mulherzinha, escuta! Joana (ira‑cunda)— Não boquejeis mais nela,
Aliás a unha e dente, eu salto a defendê‑la!Juro a Deus…
Frei Cosme (aplacando‑a)—Não salteis!Recolhei dente e unha!
Aleivosa! Esta boca é sagrada; protesta
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Que jamais conheceu pessoa mais honesta.‘Stais contente?
Joana (suspirando)—Mercê de Deus!
Frei Cosme—Ora caluda!/Que deveis ter alíngua esfalfada!
Eatécalhabemoelogioaumaobramenor,poisaqualidadepercorretodooconjuntodadramatur‑gia de Henrique Lopes de Mendonça!
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VIIUma peça que não chegou a ser escrita
Em 2011, Elsa Rodrigues dos Santos publicao estudo intitulado Teatro. História. Contex‑to — Identidade e Tempo de Mediação no Drama Histórico Português (1824 a 1924)ondedánotíciadesenvolvidadeumprojetodeHenriqueLopesdeMendonça que não chegou a realizar‑se.
Tratava‑se então de uma peça destinada a co‑memoraradescobertadocaminhomarítimoparaaÍndia.OprestígiodeLopesdeMendonçaeasuaatividadecomooficialdemarinhaecomodrama‑turgo,mastambémcomohistoriador,justificavama escolha:mas tal acabou por não se concretizar.
Basicamente, houve um problema de direitosautorais:Lopes de Mendonça pede uma remunera‑ção de 1500mil reis «pelo texto escrito e pela suaeventual representação, além de uma percentagemsobre os lucros de publicação e principalmente so‑licitaqueoencargosejaconsideradoserviçooficial»(sic)eainda«quesejaeleadecidiroscenárioseosadereços, e reserva‑se a escolha do tema da peça,
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comprometendo‑seapenasalimitar‑seaoperíododosDescobrimentosportuguesesdosséculosxviexvii».
Olivro de Elsa Rita dos Santos desenvolvelargamente o assunto, e reproduz uma carta deLopes de Mendonça dirigida à Comissão, notávelaté pelo pitoresco da escrita:
Conquantoeu,comolhedisse,tivessepen‑sadoemassuntoqueseprendiamenosdireta‑mente com o facto centenalmente celebrado,calaram‑menoânimoasobservaçõesfeitaspelomeuamigo,evimparacasamatutandonocaso.Das minhas lucubrações proveio‑me a convic‑çãodequepoderiafazeralgumacoisacomjeitonosentidoquemeinsinuava,tomandoVascodaGama como protagonista da ação dramática…
Mas diz‑nos Elsa Rita dos Santos que «quantoaosdireitosdeautor,LopesdeMendonçanãopodetransigirvistoqueéumdosescritoresmaisreivin‑dicativos.Dequalquerforma,acedênciadeLopesdeMendonçaemrelaçãoaumadascondiçõesearesposta chamando a atenção da comissão para ofactodassuascondiçõesserempropostasenãoexi‑gências,portantosujeitasanegociação,eque,en‑quantotais,nãodeviamtersidoexcluídasconjuntae categoricamente, não evitam que o convite quelheforainicialmentedirigidosejaretiradoeasulte‑riorestentativasdeconciliaçãododramaturgocon‑tribuam para endurecer a posição da comissão»9.
9 Elsa Rita dos Santos, Teatro. História. Contexto — Identidade Nacional e Tempo de Meditação no Drama Histórico Português (1898 a 1924),ed.Colibri,201�,pp.125esegs.
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VIIIUm estudo sobre «a crise do teatro português»
Em1901,HenriqueLopesdeMendonçaprofe‑riuepublicounaimprensaumaconferênciasobre«ACrise no Teatro Português». Aanálise é aindahoje em diversos aspetos algo pertinente.
Mas não em todos:Lopes de Mendonça con‑sidera o primeiro sintoma da crise a ausência depúblico.Masaíquasesecontradiz,aoreconhecerque «proporcionalmente, raras serão as capitaisem que a população indígena (sic) sem o auxílioda flutuante que entre nós é mínima, concorrecommaiorou menorassiduidade aos espetáculospúblicos».
Enumera como razão principal dessa relati‑va crise a falta de apoio aos dramaturgos e aosescritores, aos «trabalhadores do espírito», quenem sequer são consultados sobre o que lhesdiz respeito. Econsidera que, relativamente agerações anteriores, o problema se agravou, in‑clusivepelodesconhecimentodaprópriaautoriadas peças.
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Refere a articulação dos interesses legítimosdas empresas com o apoio recebido do Estado:já na altura o problema se punha… e descreve aação e programação de entidades públicas, de‑signadamente o Teatro de São Carlos. ComparacomoquesepassaemFrança:eculpaemparteaimprensa pela situação!
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IXUm grande nome numa grande geração
Henrique Lopes de Mendonça entronca numageraçãodramatúrgicaquefazatransiçãodosécu‑loxixparaoséculoxx.NessageraçãoseinscrevemnomeseobrascomoMarcelinoMesquita,decertomodo Raul Brandão ou mesmo Júlio Dantas, estemais novo, mais desigual e, na nossa opinião, me‑nosqualificado.Nãoobstante:LopesdeMendonçaapreciava‑o,tendomesmoescritoacertaalturaqueDantasera«ummagodasletras,omaispoderosoagente expansivo do génio português no mundoespiritual moderno», o que, reconheça‑se, é umenorme exagero 10!
Não entramos aqui nesse género de análisesrelativas. Objetivamente, a transição do séculorepresentou um momento alto na dramaturgiaportuguesa:e,nessatransição,aobravastaequali‑
10 In Júlio Dantas — Esboço de Perfil Literário, ed.Portugal Bra‑sil,p.5.
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ficadadeHenriqueLopesdeMendonçasobressai,e de que maneira, até hoje.
Mas há que ter bem presente o momento derutura.Eesse,nanossaopinião,temdesercredi‑tadoaomovimentoglobalque,tambémnoteatro,se seguiu ao aparecimento do Orpheu, mesmoreconhecendo‑sequeamodernidadenosescritoresdomovimento,noquetocaaoteatro,encontra‑sesobretudo em Almada Negreiros.
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As peças
A Noiva—1��4—1atoO Duque de Viseu—1��5—5atosA Morta—1�90—5atosAs Cores da Bandeira—1�91—(Hino Nacio‑
nal)— 3estrofesO Salto Mortal—1�94—1atoParaíso Conquistado— 1�95—1atoAfonso de Albuquerque—1�9�—5atosAmor Louco—1�99—4atosNó Cego—1905—3atosO Azebre—1905—3atosAuto das Tágides—1911—1atoPierrot e Arlequim (pantomima)—1916—1atoO Crime de Arronches—1924—4atos
O Essencial sobre
1 Irene Lisboa Paula Morão
2 Antero de Quental Ana Maria A. Martins
3 A Formação da Nacionalidade
Ana Maria A. Martins
4 A Condição Feminina Maria Antónia Palla
5 A Cultura Medieval Portuguesa (Sécs. XI a XIV) Maria Antónia Palla
6 Os Elementos Fundamentais da Cultura
Jorge Dias
7 Josefa d’Óbidos Vítor Serrão
� Mário de Sá-Carneiro Clara Rocha (2.ªediçãorevistaeaumentada)
9 Fernando Pessoa Maria José de Lancastre
10 Gil Vicente Stephen Reckert
11 O Corso e a Pirataria Ana Maria P. Ferreira
12 Os «Bebés-Proveta» Clara Pinto Correia
13 Carolina Michaëlis de Vasconcelos MariaAssunçãoPintoCorreia
14 O Cancro José Conde
15 A Constituição Portuguesa Jorge Miranda
16 O Coração Fernando de Pádua (2.ªedição)
17 Cesário Verde Joel Serrão
1� Alceu e Safo Albano Martins
19 O Romanceiro Tradicional J. David Pinto‑Correia
20 O Tratado de Windsor Luís Adão da Fonseca
21 Os Doze de Inglaterra A. de Magalhães Basto
22 Vitorino Nemésio David‑Mourão Ferreira
23 O Litoral Português Ilídio Alves de Araújo
24 Os Provérbios Medievais Portugueses
José Mattoso
25 A Arquitectura Barroca em Portugal Paulo Varela Gomes
26 Eugénio de Andrade Luís Miguel Nava
27 Nuno Gonçalves Dagoberto Markl
2� Metafísica António Marques
29 Cristóvão Colombo e os Portugueses
Avelino Teixeira da Mota
30 Jorge de Sena Jorge Fazenda Lourenço
31 Bartolomeu Dias Luís Adão da Fonseca
32 Jaime Cortesão José Manuel Garcia
33 José Saramago Maria Alzira Seixo
34 André Falcão de Resende Américo da Costa Ramalho
35 Drogas e Drogados Aureliano da Fonseca
36 Portugal e a Liberdade dos Mares
Ana Maria Pereira Ferreira
37 A Teoria da Relatividade António Brotas
3� Fernando Lopes-Graça Mário Vieira de Carvalho
39 Ramalho Ortigão Maria João L. Ortigão
de Oliveira
40 Fidelino de Figueiredo A. Soares Amora
41 A História das Matemáticas em Portugal
J. Tiago de Oliveira
42 Camilo João Bigotte Chorão
43 Jaime Batalha Reis Maria José Marinho
44 Francisco de Lacerda J. Bettencourt da Câmara
45 A Imprensa em Portugal João L. de Moraes Rocha
46 Raul Brandão A. M. B. Machado Pires
47 Teixeira de Pascoaes Maria das Graças Moreira de Sá
4� A Música Portuguesa para Canto e Piano
José Bettencourt da Câmara
49 Santo António de Lisboa Maria de Lourdes Sirgado
Ganho
50 Tomaz de Figueiredo João Bigotte Chorão
51/ Eça de Queirós52 Carlos Reis
53 Guerra Junqueiro António Cândido Franco
54 José Régio Eugénio Lisboa
55 António Nobre José Carlos Seabra Pereira
56 Almeida Garrett Ofélia Paiva Monteiro
57 A Música Tradicional Portuguesa
José Bettencourt da Câmara
5� Saúl Dias/Júlio Isabel Vaz Ponce de Leão
59 Delfim Santos Maria de Lourdes Sirgado
Ganho
60 Fialho de Almeida António Cândido Franco
61 Sampaio (Bruno) Joaquim Domingues
62 O Cancioneiro Narrativo Tradicional
Carlos Nogueira
63 Martinho de Mendonça Luís Manuel A. V. Bernardo
64 Oliveira Martins Guilhermed’OliveiraMartins
65 Miguel Torga Isabel Vaz Ponce de Leão
66 Almada Negreiros José‑Augusto França
67 Eduardo Lourenço Miguel Real
6� D. António Ferreira Gomes Arnaldo de Pinho
69 Mouzinho da Silveira A. do Carmo Reis
70 O Teatro Luso-Brasileiro Duarte Ivo Cruz
71 A Literatura de Cordel Portuguesa
Carlos Nogueira
72 Sílvio Lima Carlos Leone
73 Wenceslau de Moraes Ana Paula Laborinho
74 Amadeo de Souza-Cardoso José‑Augusto França
75 Adolfo Casais Monteiro Carlos Leone
76 Jaime Salazar Sampaio Duarte Ivo Cruz
77 Estrangeirados no Século XX
Ana Paula Laborinho
7� Filosofia Política Medieval Paulo Ferreira da Cunha
79 Rafael Bordalo Pinheiro José‑Augusto França
�0 D. João da Câmara Luiz Francisco Rebello
�1 Francisco de Holanda Maria de Lourdes Sirgado
Ganho
�2 Filosofia Política Moderna Paulo Ferreira da Cunha
�3 Agostinho da Silva Romana Valente Pinho
�4 Filosofia Política da Antiguidade Clássica Paulo Ferreira da Cunha
�5 O Romance Histórico Rogério Miguel Puga
�6 Filosofia Política Liberal e Social
Paulo Ferreira da Cunha
�7 Filosofia Política Romântica
Paulo Ferreira da Cunha
�� Fernando Gil Paulo Tunhas
�9 António de Navarro Martim de Gouveia e Sousa
90 Eudoro de Sousa Luís Lóia
91 Bernardim Ribeiro António Cândido Franco
92 Columbano Bordalo Pinheiro
José‑Augusto França
93 Averróis Catarina Belo
94 António Pedro José‑Augusto França
95 Sottomayor Cardia Carlos Leone
96 Camilo Pessanha Paulo Franchetti
97 António José Brandão AnaPaulaLoureirodeSousa
9� Democracia Carlos Leone
99 A Ópera em Portugal Manuel Ivo Cruz
100 A Filosofia Portuguesa (Séculos XIX e XX)
António Braz Teixeira
101/ O Padre António Vieira102 Aníbal Pinto de Castro
103 A História da Universidade Guilherme Braga da Cruz
104 José Malhoa José‑Augusto França
105 Silvestre Pinheiro Ferreira José Esteves Pereira
106 António Sérgio Carlos Leone
107 Vieira de Almeida Luís Manuel A. V. Bernardo
10� Crítica Literária Portuguesa (até 1940)
Carlos Leone
109 Filosofia Política Contemporânea (1887-1939) Paulo Ferreira da Cunha
110 Filosofia Política Contemporânea (desde 1940) Paulo Ferreira da Cunha
111 O Cancioneiro Infantil e Juvenil de Transmissão Oral
Carlos Nogueira
112 Ritmanálise Rodrigo Sobral Cunha
113 Política de Língua Paulo Feytor Pinto
114 O Tema da Índia no Teatro Português
Duarte Ivo Cruz
115 A I República e a Constituição de 1911
Paulo Ferreira da Cunha
116 O Capital Social Jorge Almeida
117 O Fim do Império Soviético José Milhazes
11� Álvaro Siza Vieira Margarida Cunha Belém
119 Eduardo Souto Moura Margarida Cunha Belém
120 William Shakespeare Mário Avelar
121 Cooperativas Rui Namorado
122 Marcel Proust António Mega Ferreira
123 Albert Camus António Mega Ferreira
124 Walt Whitman Mário Avelar
125 Charles Chaplin José‑Augusto França
126 Dom Quixote António Mega Ferreira
127 Michel de Montaigne Clara Rocha
12� Leonardo Coimbra Ana Catarina Milhazes
129 Pablo Picasso José‑Augusto França
130 O Diário da República Guilhermed’OliveiraMartins
131 Vergílio Ferreira Helder Godinho
132 A Companhia Nacional de Bailado Mónica Guerreiro
133 Os Ballets Russes em Lisboa Maria João Castro
134 Dante Alighieri António Mega Ferreira
Olivroo essencial sobre o teatro de henrique lopes de mendonça
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