Nota conjuntura nacional - 18/ago/15

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Romper o cerco e passar à ofensiva: a necessidade do Projeto Popular para o Brasil Direção Nacional da Consulta Popular São Paulo, 18 de Agosto de 2015. Adentramos um período dinâmico e complexo da luta de classes em nosso país, exigindo precisão de análise e agilidade na ação das forças populares. Este documento se propõe, como parte do esforço amplo de lutadores e lutadoras de nosso povo, a analisar a conjuntura e unificar a esquerda em torno de um projeto que possibilite romper o cerco conservador e avançar na luta pelas transformações sociais que nosso povo exige. O que estamos vendo no Brasil é parte de uma ampla ofensiva do imperialismo em toda a América Latina, especialmente sobre os governos progressistas que avançaram em mudanças econômicas, políticas e sociais de caráter popular e enfrentaram as políticas neoliberais e imperialistas no continente. Tal ofensiva conservadora se faz presente no Equador, na Venezuela, no Chile e na Argentina e também contra as manifestações populares que têm tomado as ruas de Honduras e Guatemala. Em todos estes casos o imperialismo tem financiado e atuado na reorganização da direita no Continente, com apoio direto do governo estadunidense. No Brasil, esta ofensiva se dá em meio à confluência de três crises: crise econômica, crise social e crise política. Foram poucos os momentos de nossa história em que se conjugaram essas três crises, por isso é importante o esforço de entender e analisar os diversos e complexos aspectos que geraram esse momento e suas consequências para a organização da classe trabalhadora. A crise econômica, que explodiu nos países centrais do capitalismo em 2008, se arrasta e se aprofunda a cada dia em todo o mundo, e hoje atinge mais fortemente as economias periféricas e dependentes do capital internacional, como a brasileira. Há uma estagnação do crescimento econômico decorrente da desindustrialização e do esgotamento das políticas anticíclicas adotadas pelo governo até 2010. Como tais políticas não romperam com o modelo agromineral exportador, o desenrolar da crise internacional (com a consequente diminuição do crescimento econômico chinês), afeta diretamente as possibilidades de financiamento no Brasil. O setor rentista do capital é quem mais se beneficia com a crise, atraindo investimentos inclusive de setores da burguesia industrial. O próprio governo Dilma vem sendo atraído pela resposta neoliberal à crise, mantendo o pagamento de juros e investindo em políticas de ajuste fiscal e redução do gasto público. Tais políticas não apenas aprofundam a crise, como os países da Europa têm experimentado, mas transferem seus impactos penalizando a classe trabalhadora e os mais pobres pela crise gerada pela burguesia. Sem romper com a política econômica conservadora e os ditames do capital internacional, não há saída para a crise econômica. Já começam a aparecer graves consequências para o povo expressas no aumento do desemprego, no aumento da inflação - principalmente sobre os alimentos e tarifas de energia, que afetam diretamente a renda familiar - e os salários reais já não têm aumentado, afetando principalmente as famílias brasileiras com renda abaixo de dois salários mínimos. Aprofundam-se, dessa forma, os efeitos da crise social, potencialmente explosiva, embora latente e que ainda não se apresenta como revolta social generalizada. No entanto, problemas fundamentais - como o da terra, da moradia, do transporte público, dentre tantos outros – seguem atormentando o cotidiano de milhares de famílias brasileiras. Além disso, há um agravamento da violência institucional, naturalizada pela grande mídia que a incita dia a dia, principalmente contra a juventude pobre e negra. A juventude que foi às ruas nos últimos dois anos aprendeu com sua própria experiência que só com luta a vida muda. 1

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Romper o cerco e passar à ofensiva: a necessidade do Projeto Popular para o Brasil

Direção Nacional da Consulta PopularSão Paulo, 18 de Agosto de 2015.

Adentramos um período dinâmico e complexo da luta de classes em nosso país,exigindo precisão de análise e agilidade na ação das forças populares. Este documentose propõe, como parte do esforço amplo de lutadores e lutadoras de nosso povo, aanalisar a conjuntura e unificar a esquerda em torno de um projeto que possibiliteromper o cerco conservador e avançar na luta pelas transformações sociais que nossopovo exige.

O que estamos vendo no Brasil é parte de uma ampla ofensiva do imperialismoem toda a América Latina, especialmente sobre os governos progressistas queavançaram em mudanças econômicas, políticas e sociais de caráter popular eenfrentaram as políticas neoliberais e imperialistas no continente. Tal ofensivaconservadora se faz presente no Equador, na Venezuela, no Chile e na Argentina etambém contra as manifestações populares que têm tomado as ruas de Honduras eGuatemala. Em todos estes casos o imperialismo tem financiado e atuado nareorganização da direita no Continente, com apoio direto do governo estadunidense.

No Brasil, esta ofensiva se dá em meio à confluência de três crises: criseeconômica, crise social e crise política. Foram poucos os momentos de nossa históriaem que se conjugaram essas três crises, por isso é importante o esforço de entender eanalisar os diversos e complexos aspectos que geraram esse momento e suasconsequências para a organização da classe trabalhadora.

A crise econômica, que explodiu nos países centrais do capitalismo em 2008, searrasta e se aprofunda a cada dia em todo o mundo, e hoje atinge mais fortemente aseconomias periféricas e dependentes do capital internacional, como a brasileira. Háuma estagnação do crescimento econômico decorrente da desindustrialização e doesgotamento das políticas anticíclicas adotadas pelo governo até 2010. Como taispolíticas não romperam com o modelo agromineral exportador, o desenrolar da criseinternacional (com a consequente diminuição do crescimento econômico chinês), afetadiretamente as possibilidades de financiamento no Brasil. O setor rentista do capital équem mais se beneficia com a crise, atraindo investimentos inclusive de setores daburguesia industrial. O próprio governo Dilma vem sendo atraído pela respostaneoliberal à crise, mantendo o pagamento de juros e investindo em políticas de ajustefiscal e redução do gasto público. Tais políticas não apenas aprofundam a crise, comoos países da Europa têm experimentado, mas transferem seus impactos penalizando aclasse trabalhadora e os mais pobres pela crise gerada pela burguesia. Sem rompercom a política econômica conservadora e os ditames do capital internacional, não hásaída para a crise econômica.

Já começam a aparecer graves consequências para o povo expressas no aumentodo desemprego, no aumento da inflação - principalmente sobre os alimentos e tarifasde energia, que afetam diretamente a renda familiar - e os salários reais já não têmaumentado, afetando principalmente as famílias brasileiras com renda abaixo de doissalários mínimos. Aprofundam-se, dessa forma, os efeitos da crise social,potencialmente explosiva, embora latente e que ainda não se apresenta comorevolta social generalizada. No entanto, problemas fundamentais - como o da terra, damoradia, do transporte público, dentre tantos outros – seguem atormentando ocotidiano de milhares de famílias brasileiras. Além disso, há um agravamento daviolência institucional, naturalizada pela grande mídia que a incita dia a dia,principalmente contra a juventude pobre e negra. A juventude que foi às ruas nosúltimos dois anos aprendeu com sua própria experiência que só com luta a vida muda.

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Não é possível prever em que momento esta crise vai estourar. Mas a questão centralé de que forma os setores populares e a esquerda organizada vão se relacionar comesse descontentamento disputando as consciências para um projeto de poder. Osinimigos do povo brasileiro perceberam desde 2013 esse potencial e investem nadisputa desse descontentamento, tentando influenciar as manifestações nas ruas emsentido conservador.

A conjugação dessas duas crises aprofunda enormemente os efeitos da gravecrise política, que tem como raiz o sistema político-eleitoral clientelista, herdado daditadura militar e que segue atrelado aos interesses das grandes empresas. Emboraesse padrão seja generalizado, a maior expressão atual desta crise é a Operação Lava-Jato, que tem como objetivo criminalizar somente o PT e, ao mesmo tempo, desmontara política de prioridade ao capital nacional e abrir campo para a privatização de umdos maiores patrimônios do povo brasileiro, a Petrobras. A Operação e toda apropagação midiática em volta dela tendem a aprofundar cada vez mais a crisepolítica e nem mesmo os setores progressistas no parlamento tem coragem dedenunciar publicamente a podridão do sistema político brasileiro e propor uma urgenteReforma Política para o país.

Neste contexto de prisões e ataques às grandes empreiteiras, a burguesia interna,que havia se convertido na grande apoiadora dos governos petistas, perde força,aumentando a influência das posições neoliberais no interior do governo.

Essa situação nos leva a um momento de profundo impasse. O cerco que tem seformado nesta ofensiva está se fechando cada vez mais. A bandeira do impeachmentsurge como uma meta-síntese para impulsionar os setores conservadores, mas ocaminho a ser trilhado não unifica o conjunto da classe dominante.

A burguesia não tem unidade em seu posicionamento de classe. Suas fraçõesse movem de forma diferenciada, revelando a atualidade da contradição entre oneodesenvolvimentismo e as políticas neoliberais ortodoxas. No entanto, uma parcelacada vez mais significativa da burguesia tem se unificado em torno do programa deausteridade como saída da crise econômica, que de forma difusa, aparece em seusmeios de comunicação. Podemos destacar três pontos principais desse programa:

1. Realinhamento da economia brasileira aos EUA, que retomaram suas pressõespor um Acordo Bilateral com o Brasil e também com a Argentina. O objetivo seria abrirainda mais o mercado brasileiro com possíveis acordos, aos moldes da antiga propostada ALCA.

2. Política de Estado Mínimo para os pobres e máximo para o capital, cortandogastos sociais, estagnação dos concursos públicos e fim da política de aumento dosalário mínimo. Tais políticas aparecem hoje camufladas em propostas como as docorte no numero de Ministérios;

3. Corte de Direitos dos trabalhadores, o famigerado custo Brasil, diminuindo ocusto da força de trabalho brasileira para posicionar o Brasil de forma maiscompetitiva com economias como as da China e da Europa. Este é o principal ponto deunidade entre os setores rentistas e a burguesia interna.

O desgaste do governo Dilma e a bandeira do impeachment configuram asestratégias de restauração deste programa. No entanto, a classe dominante e ospartidos de direita seguem divididos em que rumo seguir. De um lado, a grande mídiae setores do PSDB investem em impulsionar as manifestações de rua pró-impeachment (o que acaba levando às ruas bandeiras ainda mais conservadoras) parainviabilizar o governo no curto prazo. Com o aumento do prazo no Tribunal SuperiorEleitoral (TSE) para a aprovação das contas do governo e com a redução do número depessoas que foram às ruas no dia 16 de agosto, essa estratégia parece perder força.Porém, o golpismo segue organizado e atuante.

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A outra estratégia, ainda mais preocupante, é a de aumentar o cerco ao governofazendo com que ele assuma a política de seus oponentes. Para implantar aqueleprograma mínimo da burguesia, em tese, não seria necessário alterar a ordeminstitucional, com um impeachment do Governo Dilma. A burguesia e o imperialismoseguem pressionando o governo a adotar as medidas daquele programa. Isso severifica desde o início do mandato na composição conservadora dos ministérios (váriosdeles contam com figuras de confiança dos setores conservadores, cujos principaissímbolos são os ministros Joaquim Levy, Kátia Abreu e Gilberto Kassab), na propostade ajustes fiscais e, recentemente, no anúncio de mudanças na política internacional,a partir da visita de Dilma à Obama. Infelizmente, o governo Dilma segue se dispondoa implementar diversos pontos do programa que saiu derrotado das urnas em 2014, oque afasta ainda mais a base social que o elegeu.

Isso se expressa no chamado Plano de desinvestimento do Conselho deAdministração da Petrobras que, além de indicar um sinal totalmente contraditóriocom o discurso oficial de retomada econômica, inviabilizando o principal indutor docrescimento, deixa a empresa vulnerável aos ataques da direita e da grande mídia,fornecendo argumentos para o Projeto de mudança do Marco Regulatório do Petróleo,proposto por José Serra.

Cabe aos setores populares colocarem-se na ofensiva contra tais políticas, bemcomo organizar-se para se opor a quaisquer tentativas de retomada da ALCA ou dasnegociações referentes à base de Alcântara. Estes dois elementos compõem duas dasmais simbólicas conquistas dos setores populares no início dos governos Lula e voltamà tona na atual aproximação com os Estados Unidos.

A isso se acrescenta a reunião entre o Ministro Levy e o Presidente do SenadoRenan Calheiros apresentando a chamada “Agenda Brasil”, um claro retrocesso àsconquistas históricas da Constituição de 1988.

Este é um cenário terrível para as forças populares. Acreditamos que o desfechoda atual crise com o impeachment da presidenta representa uma derrota de toda aesquerda e dos setores progressistas, mas a adoção do programa derrotado nas urnase aproximação do atual governo a uma política claramente pró-imperialistarepresentaria uma derrota ainda maior.

Em outras oportunidades já destacamos os erros fundamentais que, em nosso ver,foram cometidos pelos Governos Lula e Dilma, mas vale a pena repeti-los aqui deforma sistemática, pois a situação atual confirma o esgotamento da estratégia deconciliação entre classes que marcou os governos do PT: não houve qualquerestratégia de articulação e organização de massas, que apoiasse as medidas degoverno benéficas à classe trabalhadora; ausência de linhas políticas para a disputados setores médios; adaptação à logica do sistema eleitoral e da doação empresarialde campanhas; e, por fim, ausência de um projeto de poder, capaz de superar asmedidas neoliberais, e retomar um projeto de soberania nacional.

O grande desafio atual das forças populares é superar o fosso que as separa dajovem geração de trabalhadoras e trabalhadores que se colocaram em luta nos últimosanos, fruto das possibilidades de ascensão abertas pelos governosneodesenvolvimentistas e que vêm se fechando no período em curso. Para que issoseja possível se fará necessária mais uma vez a unidade de todas as forças deesquerda em torno de um projeto comum. Hoje a esquerda segue dividida em trêsposturas diante da atual correlação de forças:

Uma primeira postura busca conter a polarização social, baseando sua ação nadefesa incondicional do governo. Confunde-se a defesa da legalidade e legitimidade domandato com a defesa da governabilidade nos moldes do atual sistema político. Talposição acaba por tentar justificar as atuais políticas que retiram direitos comonecessárias buscando a retomada da conciliação de classes, característica do períodoanterior. Desnecessário dizer que tal política desarma totalmente a esquerda diante daprópria classe trabalhadora que começa a sentir os impactos dos ajustes econômicosna própria pele.

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Uma segunda posição, embora minoritária, configura uma armadilha perigosa àsforças populares. É aquela que investe na polarização nos moldes em que estácolocada, acreditando que em uma eventual queda do governo do PT, o que emergiriaseria outra alternativa de esquerda mais progressista. Tal postura messiânica ignoracompletamente a atuação das forças conservadoras e a atual força do imperialismo eacaba por entrincheirar-se no lado errado da luta de classes.

A posição com a qual nos identificamos e que colocamos para o debate é, semdúvida, a mais difícil e complexa, mas também a que acreditamos mais consequentedo ponto de vista histórico. Trata-se de apostar na polarização social em torno deprojetos antagônicos de país, buscando saída unitária desse processo, defendendo ademocracia e a legalidade, mas sem apoiar quaisquer políticas do governo que retiremdireitos dos trabalhadores. Acreditamos que a única forma de furar e enfraquecer oatual cerco conservador é relacionando as atuais lutas econômicas por direitos a umprojeto de superação tanto do neoliberalismo quanto dos limites doneodesenvolvimentismo, relacionando a um projeto de poder próprio dostrabalhadores que precisa ser construído de forma unitária. A isso chamamos deProjeto Popular para o Brasil.

Essa posição se expressa concretamente em diversas iniciativas que temosconstruído nacionalmente, no sentido de acumular forças, fortalecer a unidade dossetores populares e passar à ofensiva, alterando a correlação de forças. Nesse sentidodestacamos algumas das principais bandeiras e ações que são nossos desafios para opróximo período:

1. Defender a democracia, a legalidade e legitimidade do mandato de Dilma,mas não podemos defender toda a política desse governo. Defender a legalidade domandato não pode significar a aceitação do Ajuste Fiscal, onde as contas da crise sãojogadas nas costas da classe trabalhadora. Isso tem que se converter numa orientaçãobem clara para a militância popular. Para isso, propomos potencializar e massificar aslutas do próximo dia 20 de Agosto, em todos os estados brasileiros, em torno dadefesa da democracia e dos direitos da classe trabalhadora.

2. É necessário articular o conjunto das lutas de defesa dos direitos com umcaminho que nos coloque na ofensiva, desarticule a ação dos setores conservadores eatraia o descontentamento popular. Essa proposta segue sendo a mudança da políticapor meio de uma Constituinte Popular capaz de dar um rumo concreto de realizaçãopara as reformas estruturais e para um Projeto de Democratização do EstadoBrasileiro. Para isso, convocamos toda a militância à mobilizar e construir o EncontroNacional e Popular pela Constituinte, no próximo dia 04 de Setembro de 2015, emBelo Horizonte.

3. Valorizar e fortalecer os Fóruns Estaduais de Luta de Massas e diversasarticulações unitárias das lutas em cada região articulando nacionalmente umaunidade programática em torno de um projeto comum de longo prazo. Para isso,saudamos e nos propomos a mobilizar e construir a Frente Brasil Popular,participando do Encontro dia 05 de Agosto de 2014, também em Belo Horizonte.

Reafirmamos, por fim, a necessidade dos lutadores e lutadoras de nosso povo emcorresponder com convicção, ousadia e coragem aos desafios dessa tão complexaconjuntura. São nesses momentos de teste que a História nos impõe que podemos darsolução à crise de destino de nossa nação. Cabe construir nossa unidade em torno deum Projeto Popular para o Brasil como caminho para romper o cerco e passarmos àofensiva. O futuro de nosso país pertence e será decidido por seu povo organizado emprojeto de poder.

PÁTRIA LIVRE! VENCEREMOS!

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