Néstor García Canclini - Culturas híbridas

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  • Ensaios Latino.amerkanos 1 Nstor Garcia Canclini

    CULTURASHBRIDAS

    ESTRATGIAS PARA ENTRAR

    E SAIR DA MODERNIDADE

    [illJJ UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    P'e,\.iJellte Plinio Martins Filho (PrG-lc:mporel

    ReitfJr beques Mareovitch

    Vire.,,.jtll' Adolpho Jost Melfi

    Direloru Editorial Sih'an;J RirJ.lDi,erortl C"merr;al Eliana Ur bayashi

    Dir('wr Admi"'rar;l.'o Renilto Calbucci

    Editor'Cluilullfe Joo II:J.ndeira led;::

    7i;/)

    Tradu{do

    Ana Regina lessaHeloisa Pena Cintrao

    U ~l I tol [ PElIBLIO,F.CAI.

    I nO d3 .OQZ ..l~.:=:f?)..._..._I Cb'flada.El:l.;2.

  • culdade de historiadores e crticos para deixar de falar de forma e1itistada cultura moderna quando se deparam com a diferena entre o ingnuoe popular.

    Por outro lado, a arte do Ocidente, confrontada com as foras do

    mercado e da indstria cultural, no conscgu; sustentar sua ifldcpendn~cia. O "outro" do mesmo sistema mais poderoso que a alteridade de cul-

    turas distanlcs,j submetidas econltlica e politicamente, c tambm maisforte que a diferena dos subalternos ou marginais na prpria sociedade.

    66 CULTURAS HrSRIDAS

    -~.-. - -__ 1

    2..------------------ .

    CONTRADiES lATINO"AMERICANAS

    MODERNISMO SEM MODERNIZAOI

    A hiptese mais reiterada na literatura sobre a modernidade latino-americana pode ser resumida assim: tivemos um modernismo exuberan-te com uma modernizao deficiente. J vimos essa posio nas citacsde Paz e Cahntias. Circula em outros ensaios. em investigaes histricase sociolgicas. Posto que fomos colonizados pelas naes europias maisatrasadas, submetidos Contra.Reforma e a outros mO\~mcntos anti mo-dernos, apenas com a independncia pudemos iniciar a attlalizao de nos-sos pases. Desde ento, houve ondas de modernizao.

    ~o final do sculo XIXe incio do XX, impulsionadas pela oligarquia

    progressista, pela alfabetizao e pelos intelectuais europeizados; entre os

    anos 20 e 30 deste sculo, pela expanso do capitalismo e ascenso demo-cratizadora dos setores mdios e liberais, pela COllU"ibuiode migrames e

    pela difuso em massa da escola, pela imprensa e pelo rdio; desde os anos

    40, pela indlL,trializao, pelo crescimento urbano, pelo maior acesso edu-cao mdia e superior, pelas novas indsuias culturais.

    Esses rnO\~mcnlos, entretanto, no puderam cumprir as operaesda modernidade europia. ~o formaram mercados autnumos para cada

  • I. RelUlo Onil, .....\lodmIa TradirDBrrbtlma, So Paulo, Brasiljellse. 1988, pp. 2~28.I\'csle li\TO figuramasCifr.a.1 rrn- citadas.

    2. la"", p. 29.

    campo anstico, nem conseguiram uma profissionalizao ampla dos ar.tistas c escritores, nem o desen\'ohimento econmico capaz de sustentaros esforos de reool'ao experimental e democratizao cullllral.

    Algumas comparaes so rotundas. Na Frana, o odice de alfabe.tizao, que era de 30% no Antigo Regime, sohe para 90% em 1890. Os500jornais publicados em Paris em 1860 se onvenem em 2 000 em 1890.A Inglaterra, no incio do sculo XX, tinha 97% de alfabetizados; o Dail;Telegraph duplicou seus exemplares entre 1860e 1890,chegando a 300 000;Alire /la Pais das Marauilhasvendeu 150000 cpia, entre 1865 e 1898.Cria.se, deste modo, um duplo espao cultural. De um lado, o de circulao

    restrita, com ocasionais vendas numerosas, C0l110 a do romance de Lc\'v;sCarrolJ, espao em que se desenvolvem a literatura e as anes; de outro, ocircuito de ampla difuso, protagonizado na, primeiras dcadas do scu-

    lo XX pelos jornais, que ioiciam a formao de pblicos macios para oconsumo de textos.

    muito diferente o caso do Brasil, aponL' Renato Oniz'. Como osescritores e artistas podiam ter um pblico especfico se em 1890 hal;a 84%de analfabetos, 75% em 1920, e, ainda em 1940, 57%? A tiragem mdiade um romance era, at 1930, de I 000 exemplares. E dnrante muitas d.cadas posteriores, os escritores no puderam viver da literatura, tendo quetrabalhar como docentes, fuocionrios pblicos ou jornalistas, o que cri.

    ava relaes de dependncia do desenvoll"mento literrio com relao

    hurocracia eSL'tal e ao mercado de informao de massa. Por isso, conclui,

    no Brasil no se produz uma distino clara, como oas sociedades euro-

    pias, entre a cultura artstica e o mercado massivo, nem suas contradiesadotam uma forma to antagnica'.

    Trahalhos sobre Olllros pases latino-americanos mostram um qua-

    dro semelhante ou pior. Como a modernizao e a democratizao ahar.

    cam uma pequena minoria, possl'el formar mercados simblicos em que

    3.Jo5Joaqun BrunnC'r, -Cultura y UisisdC' Hegemonias-, emJJ.Brunntor e G. C'.auln, Ci"coEsludimJobrrCullurtJ J SitJiui, Santiago do Chile, Flano, 1985, p. 32.

    6'CONTRADiES lATINO-AMERICANAS

    podem crescer campos culturais autnomos. Se ser cuha no sentido mo-derno . antes de mais nada, ser letrado. em nosso continente isso eraimpossvel para mais da metade da populao em 1920. Essa restrio seacenluava nas instncias superiores do sistema educativo, que verdadeira-mente do acesso ao culto moderno. Nos anos 30 no chegavam a 10%os matriculados no ensino secundrio que eram admitidos na universida-de. Uma "constelao tradicional de elites", diz Brunner, referindo-se ao

    Chile dessa poca, exige pertencer classe dirigente para participar dossales liter.lrios. escrever nas fe\istas culrurais e nos jornais. A hegemoniaoligrquica se apia em divises da sociedade que limitam sua expanso

    modema, "ope ao desenl"oll;mento orgnico do Estado suas prprias li-mitaes constitutivas (a estreiteza do mercado simb61ico e o frdcionamen-to hohhesiano da classe dirigente) ".

    Modernizao com expanso restrita do mercado. democratizaopara minorias. renovao das idias mas com baixa eficcia nos processossociais. Os desajustes entre modernismo e modernizao so ftteis \i clas-ses dominantes pard preservar sua hegemonia, e s vezes para no ter quese preocupar em justific.la, para ser simplesmente classes dominantes. Nacultura escrita, conseguiram isso limitando a escolarizao c o consumode I\TOse re,istas. Na cultura I"sual,mediante trs operaes que po,-,i.

    biJitaram s elites restahelecer repelidas I"ezes, frente a cada transforma-

    o modernizadora, sua concepo aristocrtica: a) espiritualizar a produ-

    o cultural sob o aspecto de "criao' anstica, com a conseqi1ente dil;'

    so entre arte e artesanato; b) congelar a circulao dos bens simhlicosem colees, concentrando-os em museus, palcios e Outros centros ex-clusivos; c) propor como nica forma legtima de consumo desses bens essa

    modalidade tamhm espiritualizada, hiertica, de recepo que consisteem contempl-los.

    Se essa erd a cultura \isual que a\i escolas e os museus reproduziam)o que podiam fazer as l"anguardas? Como representar de outro modo-

    CULTURAS HfsRIOAS68

  • 4. Salil 'rhrkie\ich, "[I Arte de una Socit'dad tn Tramformacin~, elU Damin B.l)'n (rdonor), AmhiCllLtltItJ m SwArtn, 5. td .Mxico, Uncl
  • -:e !

    72 CULTURAS H/BRIDAS

    sociat que comeava a manifestar-se na Revoluo russa c em outros mo-"mentos sociais da Europa ocidental.

    A persistncia dos anri!1ls rrgimts e do academicismo que os acompanha,"o:I.pro-porcionou um conjunto critico de valores cuhurais contra os quai,~podi.1m bater.se asforas illSurgenles da arte, mas [ambm em (ermos dos quais elas podiam articularparcialmente a si mesmas_

    A antiga ordem, precisamente com o que ainda tinha de aristocrti-ca, oferecia um COl~UntOde cdigos e recursos a partir dos quais intelec-tuais e artistas, mesmo os inova.dores, \~amcomo possvel resistir s devas-tles do mercado como princpio organizador da cultura e da sociedade.

    Apesar de as energias da mecanizao terem sido um poderoso est-mulo para a imaginao do cuhismo parisiense e do futurismo ir.aliano,essas correntes neutralizaram o sentido material da modernizao tecno-lgica ao abstrair as tcnicas c os artefatos das relaes sociais de produ-

    o. Quando se observa o conjunto do modernismo europeu, diz Ande! ....son, ad"ene-se que este floresceu nas primeiras dcadas do sculo em um

    espao onde se combinavam "um passado clssico ainda utilizvel, um

    presente tcnico ainda indeterminado e um futuro poltico ainda impre-,;sh'el [...l, Surgiu na interseco de uma ordem dominante semi-aristo-crtica lima economia capitalista semi~industrializada c um mO\'imcntooperrio semi-emergcnte ou semi-insurgente".

    Se o modernismo mlo a expresso da modernizao socioeconmi~ca mas o modo C01fU) as elites se encarrega m da interseciio de difere1tles temporalida-des histricas e tratam de elaborar com elas um projeto globa~ quais so essas tem-poralidades llaAmrica Latina e que contradies seu cruzamento gera? Em

    que sentido essas contr.ldies entorpeceram a realizao dos projetosemancipador, expansionisla, renovador c democratizador da modernidade?

    Os pases latino-americanos so atualmente resultado da sedimen-tao,jus~lposio e entrecruzamento de tradies indgenas (sobretudo

    nas reas mesoamericana e andina), do hispanismo colonial catlico e das

    aes polticas educativas e comunicacionais modernas. Apesar das ten-tath", de dar cultura de elite um perfil moderno, encarcerando o ind-gena e o colonial em setores populares, uma mestiagem interclassista

    7lCONTRADiES LATINO-AMERICANAS

    llil essa longa citao porque mostra a mescla de obscn"es acer-t.:ldascom distores mecnicas c precipitadas a partir das quais somos in-terpre~1dos nas metrpoles, e que muitas rezes repetimos como sombras,Contudo, a aulise de Anderson sobre as relaes entre modernismo e

    modernidade to estimulante que o que menos nos interessa critic-lo. necessrio questionar, antes de mais "nada, essa mania quase em

    desuso nos pases do Terceiro Mundo: a de falar do Terceiro Mnndo e

    colocar no mesmo saco a Colmbia, a ndia e a Turquia, A segunda coisa

    que incomoda que se atribua a CnnAnos d'Solido-gracejo deslumbrdn-te com nosso suposto realismo fantstico - o sintoma do nosso modernis-mo. A terceira reencontrar no texto de Andcrson, um dos mais inteli.gentes nascidos do debate sobre a modernidade, o rlstico determinismo

    segundo o qual certas condies socioeconmicas produziram as obras-primas da arte e da literatnra,

    Ainda que esse resduo contamine e infecte \oirios trechos do artigode Anderson, h nele exegeses mais sUlis, Em uma delas Anderson afir-

    ma que o modernismo cultural no expressa a modernizao econmica,como demonstra o fato de qne seu prprio pas, a Inglaterra, precursorada industrializao capitalista, que dominou o mercado mundial durdnte

    cem anos, "no produziu nenhum mm;mento nativo de tipo modernista"rlUalmente significatiro nas primeiras dcada, deste sculo", Os mml-

    mentos modernistas surgem na Europa continental, no onde ocorremtransformaes modernizadoras estmturais, diz Anderson, mas onde exis-tem conjuntnras complexas, "a interseco de diferentes temporalidadeshistricas". Esse tipo de conjuntnra apresentou-se na Europa "como um

    campo cultural de fora triangulado por trs coordenadas decisi,,,s": a) acodificao de Um academicismo altamente formalizado nas artes "suaise nas Outras, institucionalizado p~r ESlados c sociedades nos quais dom i-

    n""m classes aristocrticas ou proprietrias de terras, superadas pelodescnvohlmento econmico, mas qne ainda davam o tom poltico e cu 1-lUral antes da Primeira Guerra Mundial; b) o surgimento nessas mesmassociedades de tecnologias geradas pela Segunda Revoluo Industrial (te-

    lefone, rdio, automrel etc.); c) a proximidade imaginativa da revoluo

  • gerou formaes hbridas em todos os estratos sociais. Os impulsos sectt~larizadores e renovadores da modernidade foram mais eficazes nos gru-pos "cultos", mas cenas elites preservam seu cnraizamento nas tradieshisp;lnico-callicas e, em zonas agrrias, tambm em tradies indgenas,como recursos para justificar prililgios da qrdem antiga des;iados pelaexpans..io da cultura massiva.

    Em casas

  • 16 CULTURAS HIBRtOAS(ONTRAOrOES lATINO-AMERICANAS 17

    Como foi po~,vel que a Declarao do, Direito, Humanos fosse IIans-crita em parte na Con,tituio brasileira de 1824, enquanto continuavaexistindo a escr"ido? A dependncia que a economia agrria latifundi-ria tinba com o mercado externo fez chegar ao Brasil a racionalidade

    econmica burguesa Com sua exigncia de fazer o trabalho em um mni-mo de tempo, mas a classe dirigente - que baseava sua dominao no

    di,ciplinamento integral da vida dos escrams - preferia prolongar o tra-

    balho ao mximo de tempo, e assim COntrolar todo o dia dos submetidos.

    Se desejamos entender por que essas contradie, eram "dispensveis" e

    podiam conviver com uma bem-sucedida difuso inteleclual do liberalis-

    mo, diz Schwarl, preciso levar em conla a instilucionalizao do favor.A colonizao produziu trs seWrcs sociais: o latifundirio, o escra-

    vo e o "homem linc". Entre os dois primeiros, a relao era clara. Mas amuhido do, terceiros, nem proprietrios nem proletrio" dependia mate-rialmente do favor de um poderoso. Atravs desse mecanismo se repro-duz um amplo setor de homens livre,; alm disso, o favor se prolonga emoutras reas da \o"ida social c envolve os outros dois grupos na administra-o e na poltica, no comrcio e na ind,tria. At as profisses liberai"como a medicina, que na acepo europia no dc\iam nada a ningum,no Brasil eram governadas por eSSe procedimento que se tntllsforma "cmnossa mediao quase universal".

    O favor to antimoderno quanto a escravi{i;io, porm "mais sim-p,lico" e ,uscetivel de unir-se ao liberalismo por seu componente de ar-

    btrio, pelo jogo fluido de estima e aut-estimaao qual submete o interes-

    se material. verdade que, enquanto a modernizao europia se baseiana autonomia da pessoa, na universalidade da lei, na cultura desinteres-sada, na remunerao objetiVa c sua tica do trabalho, o fav'or pratica a

    dependncia da pessoa, a exceo regra, a cultura interessada e a remn-

    nerao de servios pessoais. Mas, dadas as dificuldades para sobreviver,"ningum no Brasil leria a idia e principalmente a fora de ser, digamo"um !\ant do favor", batend-sccom as contradies que implicava.

    O mesmo ocorria, acrescenra SCh''I'-afZ, quando se pretendia criar umE,tado burgus moderno sem romper com as relaes cliente listas; quan-

    do 'e colavam papis de parede europeus ou se pintaVam motivos arqui-

    tetnicos grec-romanos em paredes de barro; c at na letra do hino da

    Rephlica, escrila em 1890, plena de emoes progressis~1S, mas despre-ocupada de sua correspondncia com a realidade: "Ns nem cremos q'le es.cravos outrora/ Tenha havido em to nobrepas" (ou/rora era dois anos antes,j que a Abolio ocorreu em 1888).

    Avanamos pouco 'c acusamos as idias liberais de falsas. Por acasoera possvel de,can-Ias? Mais intere~'nle acompanhar seu jogo simul-

    tneo com a verdade c a falsidade. Aos princpios liberais no se pede que

    descrevam a realidade, mas que dem justificati,"", prestigiosas par., o ar-btrio exercido nos intercmbios de favores e para a "coexistncia estabi-lizada" que permite. Pode parecer dissonante que se chame "independn-

    cia a dependncia, utilidade o capricho, universalidade ar,; excees, m-rilo o parentesco, igualdade o privilgio" para quem cr que a ideologialiberal tem um valor cognoscitivo, mas no para os que \;vem constante-mente momentos de "presl..1.oc contraprestao - panicularmcnte noinstante-ehave do reconhecimento recproco _'O, porque nenhuma dasduas partes est disposta a dcnunciar a OUITa, ainda que tenha todos oselementos para faz-lo, em nome de princpios abstratos.

    h,e modo de adotar idias alheias com um sentido imprprio e'tna base de grande parte de nossa literatura e de no~," arte, no Machado

    de Assis analis"lo por Schwarz; em Arlt c Borges, segundo revela Piglia em

    seu estudo que logo citaremos; no teatro de Cabntjas, por exemplo Ei DiaQue Me Quieras, quando faz dialogar, numa casa caraquenha do, anos 30,um casal fantico por morar num colcs smitico, frente a lun visitante toadmirado como a Revoluo russa: Carlos Gardel.

    So essas relaes contraditrias da cultura de elite com sua sacie.dade um ,imples resultado de sua dependncia das metrpole,? A rigor,

    diz Schwan, esse liberalismo deslocado e desafinado "um elemento in-

    terno c ativo da cultura" nacional, um modo de experincia intelectual

    destinado a ~,umir conjuntamente a estrutura conflitiva da prpria socie-

    dade, sua dependncia de modelos estrangeiros e os projetos de transfor-m-Ia. O que as obras artsticas fazem com esse triplo condicionamento-

  • S.Aracy A Amar.d, ~8ra.\il: Del Moc:lt'rni\nloa IaAbslr.lccin. 191o-195W,em Ualllin Ba}'n (ed.),AruModmwnI ,i.mhira 1.AJUI,Madrid, Tauru5, 1985, pr. 2io-281.

    connitos internos, dependncia exterior c utopias Iransformadoras _ uti-

    lizanno procedimentos materiais e simblicos especficos, no se deixaexplicar mediante as interpretaes irracionalistas da arte c da literatura.

    Longe de qualquer "realismo mara,ilhoso" que imagina na hase da pro-

    du:io simblica uma matria informe e desconccrtantc, o estudo socio-antropolgico mostra que as obras podem ;er compreendidas se abran-

    germos simultaneamente a explicao dos processos sociais em que senutrem e dos procedimentos com que os artistas os retrabalham.

    Se p~l~samospara ali artes plsticas, encontramos c\idC:'ncias de queessa inadequao entre princpios concebidos nas metrpoles e a realidadelocal nem sempre um recurso ornamental da explorao. A primeira faliedo modernismo latino-americano foi promO\ida por artislaS e escritores queregressavam a seus pascs logo depois dc lima temporada na Europa. No

    foi tanro a influncia direta, tTallsplanlada, das vanguardas europias o que

    SllscitOlla veia modenli1.adora nas artes plsticas do continente, mas as per-

    guntas dos prprios latino-americanos sobre como tornar compatvel sua

    experincia iJHcrnacional com ali tarefas que lhes aprescnL.wam sOcil'dadesem descll\"olrimento e, em um caso, o mexicano, em plena revoluo.

    Aracy Amaral faz notar que o pintor russu Lasar Sega 11no encon-tra eco no mundo artstico demasiadamente provinciano de So Paulo

    quando chega em 1913, mas Oswalrl de Andrade teve grande repercuss.'ioao regrcssar nesse mesmo ano da Europa com o manifesto futurista deMarineui e confrontar-se Com a indll~trializao que decola com os imi-

    grames italianos que se instalam em So Paulo. JUnto COmMrio de An-

    drade, Anita Malfatti, que volta fovista depois de sua estada em Berlim, eoutros escritores e artistas, organizam em 1922 a Semana de Arte Moder-

    na, no mesmo ano em que se celebra o centenrio da Independncia.-, Coincidncia sugestiva, para ser culto j no indispensvel imitar,

    como no sculo XIX, os comportamentos europeus e rechaar "comple-xadamentc nossa"i caractersticas prprias", diz Amaralll; o moderno se

    9. Mirko Lauer.lnh"oduuill a la Pintura PmlalUl dA Sigio X,Xma. Mosca AlUI. 1976.

    79CONTRAOIOES LATINO-AMERICANAS

    cOl~uga com o intcresse por conhecer c definir o brasileiro. Os modernis-mos beberdm em fontes duplas e antagnicas: de um lado, a informaointcrnacional, sobretudo francesa; de outro, "um nalhislI10 que se c\iden-

    daria na inspirao e busca de nossa,; razes (tambm nos anos \iIHC co-

    meam as im'estigaes de nosso folclore)". Essa CtInfluncia se observa

    em As Meninas de Guaratingllet, de Di Cavalcanti. em que o cubismo do vocabulrio pard pintar mulatas; tambm nas obras de Tarsila, que mo-

    dificam o que aprendeu de Lhole e Lger, imprimindo esttica constru-tiva uma cor e uma atmosfera representativas do Brasil.

    No Peru, a ruptura com o academicismo fei~l em 1929 por anis-tas jovcns preocupados tanto com a liberdade formal quanto em comen-tar artisricamente as qucstcs nacionais do momento e pintar tipos huma.

    nos qlle correspondesscl11 ao "homem anciino". Por isso fordm chamados

    "indigenis~IS". ainda '1ue fossem alm da identificao com o folclore,

    Queriam instaurar uma no\'a arte, representar o nacional situando-o nodesenvohimento csttico modcrno9

    significativa a coincidncia de historiadores sociais da arte quan-do relatam o surgimento da Illoderniza;io cultural em vrios pases lati-

    no-americanos. No se trata de um transplante, sobretudo nos principais

    artistas plsticos e escritores, mas de reelaboraes desejosas de CtIntribuir

    com a transformao social. Seus esforos para edificar campos artsticosautnomos, secularizar a imagem c profissionalizar seu trabalho no im.

    plica enclausurar.se em um mundo csreticiSla como fizeram algumas van-

    guardas europias inimigas da modernizao social. ~Ias em todas as his-trias os projetos criadores indi\iduais tropeam com a atrofia da burgue-

    sia, com a falta de IIIll mercado artstico indepcndente, com o prO\incia-

    nismo (mesmo nas cidades de ponta, Buenos Aires, So Paulo, Lima, Mxi-

    co), com a rdua competio com acadcmicistas, com os rallos coloniais,

    com o indianismo e o regionalismo ingnuos. Frente s dificuldades para

    assumir simultaneamcnte as tradies indgenas, as coloniais e as novas

    CULTURAS HfBRIDAS78

  • 80 CULTURAS HfBRIDASCONTRADIES LATlNO.AMERICANAS 81

    tendncias, muitos sentem o que Mrio de Andrade sintetiza ao trminoda dcada de 20: dizia que os modernistas eram um grupo "isolado e es-tudado em sua prpria com;co",

    [... ] o imico setor da na;'io que faz do problema artslico nacional um caso dt: preocu-pao quase exclusiva. Apesar disso, no representa" nada da realidade brasileira. Estfora do nosso ritmo sodal, fOId da IIOS$.1 inconstncia econmica, fora da preocupa-o brasileirct. Se essa minoria eSl aclimatada dentro da realidade brasileira e \;ve emintimidade com o Brasil, a realidade brasileira, ao wnlrrio, no se acostumou a \lverem intimidade com ela1o

    Informaes complementares nos permitem hoje ser menos durosna avaliao dessas vanguardas. Mesmo nos pases onde a histria tnica egrande pane das (radies foram arrasadas, como na Argentina, os artis-tas "adeptos" dos modelos europeus no s,io meros imitadores de esttica'\importadas, nem podem ser acusados de desnacionalizar a prpria cultu-ra. Nem com o passar do tempo se revelaram sempre como as minoriasinsignificantes que eles Supuseram em seus textos. Um movimento tocosmopolita como o da rcvis[aAlartnFienvem BuenosAircs, nutrido peloullrasmo espanhol e pelas "lIlguardas francesas e italianas, redefine essasinnuncias em meio aos connitos sociais e culturais de seu pas: a emigra-o e a urbanizao (to presentes no primeiro Borges), a polmica com

    as amoridades literrias anteriores (Lugones e a tradio criollista'), o re-alismo social do grupo Boedo. Se pretendemos continuar empregando

    I ... J a metfora da traduo como imagem da operao intelc([ual tpica das elites li-terrias de pases capitalistas perifricos com respeito aos centros cuhurais[dizem Alta.mirano e $arlo] , necessrio observar que COSlumaser todo o campo o que opera comomatriz de traduoll

    10. Cilado por A Amilral no leXIOmenoonado, p. 274 .

    CriolJiJmo: tendncia a t'xa!lar os traos lpicos da Arnrrica hisp;inica t'm oposio aos da melrpole.[N.d .T.]

    J 1. Carlos Allamirano e Beal'Ii1:Sarlo,l.iJmJtura/Sodtdad, Buenos Aires, ifacheue, 1983. pp. 8s.89.

    Por precria '1ue seja a existucia desse campo, funciona como pal-co de reelabor.o e como estrutura reordenadora dos modelos externos.

    Em vrios casos, o modernismo cultural, em vez de ser desnaciona-lizador, deu o impulso e o repertrio de smbolos para a construo da

    identidade nacional. A preocupao mais intensa com a "brasilianidade"

    comea com as vanguardas dos anos 20. "Sseremos modernos se formosnacionais", parece seu slogan, diz Renato Ortiz. De Oswald de Andrade construo de Braslia, a luta pela modernizao foi um mO\;mento para

    construir criticamente uma nao oposta ao que qucriam as foras oligr-quicas c conservadoras e os dominadores externos. "Omodernismo umaidia fora de lugar que se expressa como projeto "".

    Depois da Revoluo mexicana. vrios mO\;mentos culturais realizamsimultaneamente um trabalho modernizador e de desenvo";mento nacio-

    nal autnomo. Retomam o projeto ateneista, iniciado durante o porfiris-

    mo, com pretenses s vezes desencontradas, por exemplo quando Vascon-celos quer usar a dintlgao da cultura clssica para "redimir os ndios" elibert-los de scu "atra,o". ~Ias o confronto com a Academia de San Carlos

    e o engajamento nas transformaes ps-revolucionrias tm o propsitopara muitos artistas de rediscutir di,;ses fundamentais do desenvo"imento

    desigual e dependente: as que opem a arte culta e a popular, a cultura eo trabalho, a experimentao de vanguarda e a conscincia social. A ten-

    tativa de super.lr essas dhises crticas da modernizao capitalista esteve

    ligada, no Mxico, formao da sociedade nacional. Junto difusoeducativa e cultural dos saberes ocidentais nas classes populares, preten-

    delHe incorporar a arte e o artesanato mexicanos a um patrimnio que sedesejava comum. Riverd, Siqueiros e Orozco propuseram snteses icono-grficas da identidade nacional inspiradas ao mesmo tempo nas obra, de

    maias e astecas, nos retbulos de igrejas, nas decoraes de botecos, nos

    desenhos e cores da cermica tpica dos povoados, nas lacas de Michoacne nos avanos experimentais de vanguardas europias.

    12. ~Ilato Oniz. A .\lotUnla Tradi{IlBmsift.ira, pp. 34-36.

  • Essa reorganizao hbrida da linguagem plstica fo apoiada portransformaes nas relaes profissionais entre os artistas, o F.stado e as

    classes populares. Os murais em dificios pblicos, os calendrios c os car-lazes e fc\istas de grande circulao foram resultado de uma poderosa afir-mao das novas tendncias estticas dCl1u:o do incipiente campo cu1Lu-ral, e dos \nculos inO\dores que os artistas foram criando (o,m os admi-

    nistraclores da educao oficial. com sindicatos c movimentos de base.

    A histria cultural mexicana dos anos 30 a 50 mo,tra a fragilidade

    dessa utopia e o desg-a'te que foi sofrendo por causa de condies intra-artsticas e sociopolticas. O campo das artes plsticas, hegelOoni,ado pclo

    realismo dogmtico, pelo cOlllcudismo c pela subordinao da arte po-ltica. perde sua \italidade anterior e aceita poucas inovaes. Alm dis-

    so, era difTcilporeneializar a ao social da arte quando o impulso revolu-

    cionrio tinha sido "institucionalizado" ou sobrc\l\ia precariamente emmovimentos marginais de oposio.

    Apesar da peculiar formao dos campos culturais modernos noMxico e das oportunidades excepcionais de acompanhar com obras

    monulllentais e massiras o processo transformador, quando a nora fase

    modernizadora irrompe nos anos 50 e 60, a situao cultural mexica-na no era radicalmente diferente da de outros pases da Amrica

    Latina. Permanece o legado do realismo nacionalista, ainda que j

    quase no produza obras importantes. Um ES~ldo mais rico e estvel

    que a mdia do continente continua tendo recursos para construir

    museus e centros culturais, elar bolsas e suhsdios para intelectuais.escritores e artistas. Mas esses apoios ro se diversificando para fomen-

    tar tendncias inditas. As principais polmicas se organizam ao re.

    dor de eixos semelhantes aos de outras sociedades latino-americanas:como articular o local e o cosmopolita, as promessas da modernida-

    de e a inrcia das tradies; como podem os campos culturais conquis-

    tar maior autonomia e, ao mesmo tempo, tornar essa vontade de in.

    dependncia compatvel com o desenvolvimento precrio do merca-do artstico e literrio; e de que modo a reorganizao industrial dacultura recria as desigualdades.

    13.Jean Fr.tnco, La Clllll.ITlJ .\tt:Wnlil rn Amirira 1tinll, Mxico, Grijalho, 1986, p. 15.

    Deremos concluir que em nenhuma dessas sociedades o rnodernis.mo foi a adoo mim tica de modelos importados, nem a busca de solu.

    es meramente formais. At os nomes dos mm;mentos, observa Jean

    Franco, mostram que as vanguardas tireram um enraizamcnto social: ell.

    quanto na Europa os renovadores escolhiam denominaes que indica.

    vam sua ruptura com a histria da arte - impressionismo, simbolismo,

    cubismo -, na Amrica Latina preferem ser chamados por palavras quesugerem respostas a fatores externos arte: modernismo, novomundismo,indigcnismou,

    verdade que esses projetos de insero social se diluram parcial-mente em academicismos, variantes da cultura oficial oujogos do merca.

    do, como ocorreu em diferentes medidas Com o indigenismo peruano, o

    lIluralismo mexicano, e Portinari no BrasiL Mas suas frustraes no se

    devem a um destino fatal da arte, nem ao desajustc com a moderniza;losocioeconmica. Suas contradies e discrepncias internas expressam a

    heterogeneidade snciocultural, a dificuldade de realizar.sc em meio aosconflitos entre diferentes temporalidades histricas que convivem em um

    lJlesmo presente. Pareceria ento que, diferentemente das leituras obc~

    caelas em tomar partido da cultura tradicional ou das vanguardas, seda

    preciso enlender a sinuosa modernidade latino-americana repensando osmodernismos como tentativas de intervir no cruzamento de uma ordem

    dominante semi~ligrquica, lima economia capitalista semi.inclustrializa.da e mO\lmentos sociais semi transformadores. O problema no reside emque nossos pases tenham adotado mal e t.1rde um modelo de moderni-

    zao que na Europa teria sido realizado impecarelmente. nem consiste

    em procurar reagir teutando ill\'CIlt.1ralgum paradigma alternativo e in-dependente, com tradies quej tenham sido transformadas pela expan-

    so mundial do capiL1lismo. Sobretudo no perodo mais recente, quando

    a transnacionalizao da economia e da cultura nos torna "contempor.

    flCOS de todos os homens" (Paz), e mesmo assim no elimina as tradies

    83CONTRADlOes lATlNO'AMERICANASCULTURAS HIBRIDAS8,

  • CULTURAS HIBRIDAS CONTRADIOES lATINO-AMERICANAS .snacionais, oplar de forma excludente entre dependncia ou nacionalis-mo, entre modernizao ou tradicionalidade local, uma simplificaoinsustentvel.

    EXPANSO DO CONSUMO E VOWNTARISMO CULTURAL

    Desde os anos 30 comea a organizar-se nos pases latino-america-nos um sistema mais autnomo de produo cultural. As camadas mdi-as surgidas no Mxico a partir da remluo, as que tm acesso expres-so poltica com o radicalismo argentino, ou em processos sociais seme-lhantes no Bra,i1 e no Chile, constituem um mercado cultural com din.

    mica prpria. Sergio Miceli, que estudou o processo brasileiro, fala doincio da "substituio de importaes"" no setor editorial. Em todos es-

    ses pases. migranlcs com experincia na rea e produtores nacionaisemergentes vo gerando uma indstria da cultura com redes de comer-

    cializao nos centros urbanos. Junto com a ampliao dos circuitos cul-turais que a alfabetizao crescente produz, escritores, empresrios e par-tidos politicos estimulam uma importante produo nacional.

    Na Argentina, as bibliotecas dns trabalhadores, os centros e ateneus

    populares de estudo, iniciados por anarquistas e socialistas desde o inciodo sculo, expaodem-se nas dcadas de 20 e 30. A editora Claridad, que

    publica edies de 10 000 a 25 000 exemplares nesses anos, responde a um

    pblico em rpido crescimento e conuibui para a formao de uma cul.

    tura poltica, assim como osjornais e as re,istas que elaboram intelectual-

    mente os processos nacionais em relao s tendncias renovadoras dopensamento internacionaJl5,

    14. Sergio Micrli. /ntrlmluti.J I ClantDirigm/l no Bm.l (192().19-1;J, So Paulo-Rio de Janeiro, Difrl. 19i9,p.72.

    15. IJ.li\ Alberto Rumefo, L"bros BaraIot) CulJum lU 1oJ.Ydom Pupularrs.. 8ue'nosAirn, lie"d, 1986; EmilioJ. Corbie~, Gmlros c CulJura l'ufmJrrJ, 8uenosAires, Ctntro de Estudios de Amrica latina. 1982.

    Mas ao comear a segunda metade deste sculo que as elites dascincias sociais, da arte c da literatura encontram sinais de firme moderni-zao socioeconmica na Amrica Latina. Entre os anos 50 c 70 ao menoscinco tipos de fenmenos indicam mudanas estruturais:

    a. O incio de um desenmhimento econmico mais slido e diversificado,

    que tem sua base no crescimento de indstrias com tecnologia avanada,no aumento de importaes industriais e de emprego de assalariados.

    b. A consolidao e expanso do cresciluento urbano iniciado na dcadade 40.

    c. A ampliao do mercado de bens culturais, em pane por causa dasmaiores concentraes urbanas, mas sobretudo pelo rpido incremen-to da matricula escolar em todos os nveis: o analfabetismo se reduz a10 ou 15% na maioria dos pases, a populao universitria sobe, na re-gio, de 250 000 estudantes em 1950 para 5 380 000 no final da dcadade 70.

    d. A introduo de novas tecnologias comunicacionais, especialmente atebiso, que contribuem para a massificao e internacionalizao dasrelaes culturais e apiam a vertiginosa venda dos produtos "moder-

    nos", agora fabricados na Amrica Latina: carros, aparelhos eletrodums-ticos ctc.

    i. O avano de mmimentos polticos radicais, que confiam que a moder-

    nizao possa incluir transformaes profundas nas relaes sociais euma disuibuio mais justa dos bens bsicos.

    Ainda que a articulao desses cinco processos no tenha sido fcil,

    como sabemos, hoje torna-se e,idente que transformaram as relaes en-

    tre modernismo cultural e modernizao social, a autonomia e dependn-cia das prticas simblicas. Houve uma secularizao, perceptivel na cultu-

    ra cotidiana e na cultura poltica; foram criadas carreiras de cincias soci-

    ais que substituem as interpretaes ensasticas, freqentemente irraciona-listas, por pesquisas empricas e explicaes mais consistentes das socieda-

    des latino-americanas. A sociologia, a psicologia e os estudos sobre meios

  • massh.os contriburam para modernizar ali relaes sociais e o planejamen_to. Aliadas s cmpresa'i industriais c aos om'05 lnO\imcntos sociais, conver-leram em mie/eo do senso comum culto a \'crso estrutural-funcionalistada oposio entre tradies c modernidade. Frente s sociedades ruraisregidas por economia') de subsistncia e valores arcaicos, pregavam os be-neficios das relaes urbanas, competitivas; em que prosperava a line es-

    colha indi,idual. A poltica desen\"Ohimentista impulsionou essa ,irada

    ideolgica e cientfica, Usou-a para ir criando, nas novas geraes de polti-

    cos, profissionais e cstudames, o consenso para seu projeto modcrnizador.O crescimento da educao superior c do mercado artstico e lite~

    rria (011 tribuill para profissionalizar as funes culturais. Mesmo os escri-tores c.artistas que no chegam a "ireI' de seus IhTOS c quadros, ou seja, amaioria, vo ingressando na docncia ou em ati\idadesjornalsticas espe-cializadas nas quais se reconhece a aLHonomia de seu oficio. Em vriascapitais so criados os primeiros museus de arte moderna e inluuerali ga_lerias que est-mO\ido uma integrao do tradicional e do moderno, do popular e do

    86 CULTURAS HIBRlDASCONTRADIES lATINO-AMERICANAS 87

  • culto, impulsiona a partir do alemanismo um projeto no qual a utopia

    popular cede modernizao, a utopia revolucionria planificao dodeseuvohimento industrial. Nesse perodo, o Estado diferencia suas pol-ticas culturais em relao s classes sociais: criado o Instituto Nacionalde Belas-Artes (INBA), dedicado cultura "erudita", e so fundados, qua-

    se nos mesmos anos, o Museu Nacional de Artes e Indstrias Populares e

    o Instituto Nacional !ndigenista. A organizao separada dos aparelhosburocrticos expressa institucionalmente uma mudana de rumo. Por maisque o INBA tenha tido perodos em que tentou deselitizar a arte culta, ealguns rgos dedicados a culturas populares reativassem s vezes a ideer

    logia remlucionria de integrao policlassista, a estrutura cindida das perIticas culturais revela como o Estado concebe a reproduo social e arenovao diferencial do consenso.

    Em outros pases a politica estatal colaborou do mesmo modo para

    a segmentao dos universos simblicos. Mas foi o incremento de investi.mentos diferenciados nos mercados de elite e de massa o que mais acen-

    tUOll o afastamento entre eles. Unida crescente especialil-4lo dos pro-dutores e dos pblicos, essa bifurcao mudou o sentido da fissura entreo culto e o popular. J no se baseava, como at a primeira metade do

    sculo XX, na separao entre classes, entre elites instrudas e maioriasanalfabetas ou semi-analfabetas. O culto passou a ser uma rea cultivada

    por faces da burguesia e dos setores mdios, enquanto a maior parte das

    classes altas e mdias, e a quase !Otalidade das classes populares, ia sendosubmetida programao massil-a da indstria cultural.

    As indstrias culturais proporcionam s artes plsticas, literatura e mlsica uma repercusso mais extensa que a alcanada pelas mais bem-sucedidas campanhas de dil1llgao popular originadas pela boa vontade

    dos artistas. A multiplicao dos concertos nos crculos folclricos e atospolticos alcana um pblico mnimo em comparao ao que oferecem aos

    mesmos msicos os discos, as fitas e a teleliso. Os fascculos cullUrais eas relistas de moda ou decorao I'endidas em bancas de jornais e super-

    mercados lel-am as inovaes Iterrias, plsticas e arquitetnicas aos quenunca \isitam ali livrarias nem os museus.

    o ESTADO CUIDA DO PATRIM6NI0, AS EMPRESAS O MODERNIZAM

    '9CONTRADiES LATINO-AMERICANAS

    Os procedimentos de distino simblica passam a operar de outro

    modo. Mediante uma dupla separao: de um lado, entre tradicionaladministrado pelo Estado e o moderno auspiciado por empresas pril-adas;

    de Oltlro, a diliso entre o culto moderno ou experimental para elites

    promolido por um tipo de empresa e o massim organizado por outro. Atendncia geral que a modernizao da cultura para elites e para mas-sas v ficando nas mos da inicial;.-a prl-ada.

    Enquanto o patrimnio tradicional continua sendo respnnsabilida-de dos Estados, a promoo da cultura moderna cada vez mais tarefa de

    empresas e rgos pril-ados. Dessa diferena derivam dois estilos de ao

    cultural. Enquanto os governos pensam sua poltica em termos de prote-

    o e presen-ao do patrimnio histrico, as iniciatil

  • J 7. Shifra ~I.Goldman, Contrm/JOrury Mnicnll PajnJiptg;'j a TI""ofCJulrlgr. Austin/lonnoll. Uni"-t'rsit), orTt'xa.~.J 977, e)pt'(ialmenl(" 05 capitulos 2 e 3.

    construir alr.l\'s da culmra de ponta, renovadora, uma imagem "no in-teressada" de sua expanso econmica.

    Tal C0l110 analisamos no captulo anterior, as metrpoles, a moderni-zao da cultura \isuaI, que os historiadores da arte latino--americana costu-mam conceber exclusivamente corno efeito ~ experimentao dos artistas.tem, de trinta anos para c, uma alL1dependncia de grandes empresas.

    Subretudo pelo papel dessas como meceuas dos prodlllores no campo ar-

    tstico ou transmissores dessas ino\'aes a circuiros massivos atra\'s do de-senho industrial e grfico. Uma histria das contradies da modernidade

    cultural na Amrica Latina teria que mostrar em que medida o mcccnalofoi obra dessa poltica com tantos traos pr-modernos. Seria ncrcss

  • mos e a atrofia dos primeiros conseguiram que as novas correntes fossemreconhecidas nas galerias, espaos culturais pri,,,dos e pelo prprio apa.

    relho estatal que comeou a inclu-Ias em sua poltica. ,\ criao do Mu-

    seu de Arte Modema em 1964 somaram-se Outras instncias oficiais de Con-sagrao: as \'anguarda~ foram recebendo prmios, exposies nacionaise estrangeiras prommidas pelo governo e encargos de obras pblicas.

    At meados da dcada de 70, no Mxico, o patrocnio estatal e o pri-,,,do da arte estiveram equilihrados. Apesar da insuficincia de ambos os

    incentivos em relao s demandas dos produtores, esse equilbrio d aocampo artstico um perfil menos dependente do mercado que em pases

    como Colmbia, "enemela, Brasil ou Argentina. No fim dos anos 70, mas

    especialmeme a partir da crise econmica de 1982, as tendncias neocon-sen"doras, que fragilizam o Estado e tolhem as polticas desenmhimen.

    listas de modernizao, aproximam o Mxico da situao do restante doc~ntincme. Assim como se transferem s empresas pri\'CJdasamplos seto-res da produo, at ento sob controle do poder pblico, substitui-se um

    tipo de hegemonia, baseado na subordinao das diferentes classes uni-ficao nacionalista do Es~ldo, por Outro no qual as empresas privadas a-parecem como promotoras da cultura de todos os setores.

    A competio cultural da iniciativa prh"da com o Estado se concen-tra em um grande complexo empresarial: Teie>isa. Essa empresa dirigequatro canais de televiso nacionais COm mltiplas retransmissoras noMxico e nos Estados Unidos, produtoras e distribuidoras ,Ie ,deo, edi-toras, rdios, e museus nos quais se exibe arte culta e popular _ at 1986

    o Museu de Arte Contempornea Rufino Tama)'o e agora o Centro Cul-

    tural de Arte Contempornea. Essa ao to diversificada, mas sob urnaadministrao monopolista, estrutura as relaes entre os mercados cul-

    turais. Dissemos que, dos anos 50 aos 70, a ciso entre a cultura de elites

    e a de massas tinha sido aprofundada pelos investimentos de diferentestipos de capital e pela crescente especializao dos produtores e dos p-blicos. Nos anos 80, as macroempresas se apropriam ao mesmo tempo da

    programao cultural para elites e para o mercado massim. Algo semelhan-

    te ocorreu no Brasil com a Rede Globo, dona de circuitos de tele\so,

    rdios, telenovelas nacionais e para exportao, e criadora de uma novamentalidade empresarial com relao cultura, que estabelece relaesaltamente profissionalizadas entre artistas, tcnicos, produtores e phlico.

    A posse simultnea por parte dessas empresas de grandes salas deexposio, espaos p"blicitrios e criticos em cadeias de te,. e rdio, em

    rClistas e outras instituies, permite-Ihes programar aes culturais de ''35-

    ta repercnsso e alto custo, controlar os circuitos pelos quais sero veicu-ladas as crticas, e at certo ponto a decodificao que faro os diferentespblicos.

    O que significa essa transformao para a cultura de elite? Se a cul.turamoderna se realiza ao tornar autnomo o campo formado pelos agen-tes especficos de cada prtica - na arte: os artistas. as galerias, os museus,os criticos e o pblico -, as fundaes de mecenas totalizadoras atacanl algo

    central desse projeto. Ao subordinar a interao entre os agentes do campoartstico a uma nica vontade empresarial, tendem a neutrdlizar o dcscn-voilimento autnomo do campo. Quanto questo da dependncia cul-

    tural, apesar de a influncia imperialista das empresas metropolitanas no

    desaparecer, o enorme poder da Televisa, da Rede Globo e de outros r-gos latin(}-americanos est transformando a estrutura de nossos merca-dos simblicos e sua interao com os dos pases centrais.

    Um caso notvei dessa emluo de monoplios do mecenato cons-

    titudo pela instituio quase unipessoal dirigida por Jorge Glusberg, nCentro de Arte y Comunicacin (CAYC)de Bueno., Aires. Dono de uma dasmaiores empresas de artigos para iluminao na Argentina, a Modulor, eledispe de recursos para financiar as ati,idades do centro, dos artistas que

    rene (o Grupo dos Treze a princpio, GrupoCAYCdepois) e de outros que

    expem nessa instituio ou so levados por ela ao exterior. Glusberg pagaos catlogos, a propaganda, os fretes das obras e s vezes os materiais, se os

    artistas carecem de recursos. Estabelece assim uma densa rede de lealda-

    des profissionais e paraprofissionais com artistas, arquitetos, urbanistas ecriticas.

    Alm disso, o CAYCatua como centro interdisciplinar que une essesespecialistas a comunicadores, semilogos, socilogos, tecnlogos e poli-

    93CONTRADIES LATINO-AMERICANASCUlTURAS HIBRIDAS92

    (

  • " CULTURAS HIBRIDAS CONTRADIES LATlNO.AMERICANAS 9S

    ,

    "

    ticos, O que lhe d, grande versatilidade pard inserir-se em diferentes cam-

    pos da produo cuhura) c cientfica argentina, assim como para \'incu~lar-se a institutos internacionais de ponra (seus catlogos costumam Serpublicados em espanhol e ingls). H duas dcada, vem organizando na

    Europa e nos F.'tados Unidos mostras anu;lis de artistas argentinos. Tam-

    bm faz exposies de artista, estrangeIros e simpsios em Buenos Aires,dos quais participam crticos renomados (Umberto Eco, Giulio Carla Ar-

    gan, Pierr,: Restan)" elc.). Ao mesmo tempo, Glnsberg desenl'Olveu urna

    ao crtica mltipla, 'Iue abrange quase todos os catlogos do CArC, a

    direo de pginas de arte e arquitetura nos principais jornais (1.110pillill,em seguida Oan'n) e artigos em rc\istas internacionais de ambas as espe-cialidades, em que dil1llga o trabalho do centro e sugere leituras da arte

    solidrias com as propostas das exposies. Um recurso-chave para man-ter essa ao multimdia foi (I controle pennanenle que Glusbcrg leveramo presidente da Associao Argentina de Crticos de Arte e como \ice-presidente da A'\Sociao Internacional de Crticos.

    ~Iedianre esse domnio de vrios campos culturais (arte, arquitetu-ra, imprensa, instituies associari\lS), e seus \nculos com foras econ-mical) e polticas, o CAYCconseguiu durante "ime anos uma assombrosacontinuidade em um pas onde um nico gorcrno constitucional conse-guiu terminar seu mandato nas Illtimas quatro dcadas. Tambm parececonseqncia de seu controle sobre tantas instncias da produo e da

    circulao artstica que esse centro no lenha recebido mais do que crti.cas confidenciais, nenhuma que o questionasse seriamente a pOnto de di-

    minuir seu reconhecimento no pas, apesar de ler passado pelo menos porIrs etapas contraditrias.

    Na primeira, de 1971 a 1974, desenvolveu uma ao plural com ar-tistas e crticos de diversas orientles. Seu trabalho contribuiu para a

    inO\'3oesttica autnoma, ao incerui\'3r experincias que ainda careci.am de valor no mercado artstico, como as conceitualistas. Em alguns ca-sos tentou atingir um pblico amplo, por exemplo, COmas exposies pla-

    nejadas em praas de Buenos Aires, das quais s se realizou uma em 1972,

    que foi reprimida pela polcia. A partir de 1976, Clusberg mudou sua li-

    nha de trabalho. Teve excelentes relaes com o governo militar eSlabe-

    Iecido desde esse ano at 1983, como se comprova, por exemplo, na pro-moo oficial que suas exposies recebiam, e no telegrama do presiden-

    te, o general Videla, que o felicita\'1l por ter recebido em 1977 o prmio

    da XIVBienal de So Paulo, ao qual respondeu comprometendo-se com

    ele a "representar o Ilul11anismoda arte argentina no exterior". A tercei.ra etapa comea em dezembro de 1983, na semaua seguinte ao trmino

    da ditadura c incio do governo A1fonsn, quando Glusberg organizou noc:~rce em outr..' galerias de Rueuos Aires asJornadas pela Democracia"'.

    Na dcada de 60, a crescente importncia dos donos de galeria emarchands fez com que se falasse, na Argentina. em "umaarte de difmares",para aludir interveno desses agentes no processo social no qual soconstillldos os significados estticos'l. As fundaes recentes abrangemmuito mais, pois Il~ioatuam apeltas na circulao das obras, mas rcformu-Iam as relaes cnlre artistas, inlcrmedirios e pblico. Para consegui-lo,subordinam a uma ou poucas figuras poderosas as interaes c os confli-tos entrc os agentes quc ocupam diversas posies no campo cultural.Passa-se, assim, de uma estrutura na qual os \inculos horizontais, as lutaspela legitimidade c a renovao cfelllavam-se com critrios predominan-temente artsticos e constituam a dinmica autnoma dos campos cultu-rais, a um sistema piramidal no qual as Iinh,., de fora se vem obrigada,

    a convergir sob a \'on~1dcde mreenas ou empresrios pri\'3dos. A inova-o esttica se converte em um jogo dentro do mercado simblico inter-nacional, onde se diluem, tanto como nas artes mais dependentes das tec-

    nologias avanadas e "universais. (cinema, tclevis;io, vdeo), os perfis na-

    cionais que foram preocupao de algumas \'1lnguardas at meados

    deste sculo. Apesar de a tendncia internacionalizante ler sido prpria

    20. As opinilks sobr~oO.\C C'5ObrC'Glus~rg esL"lodi\idid;u C'IUTC'os artista.. C'os criticos. cOlorlllr seaprt'cia n;l pcYlui~ck 1.uz \1. Gama.. M. EJmaCrt-spo C'M. CrislilU 1.1, Co!)"C rC'"Alilacbna CUC'bde' Ikllas,Arto. Facuhadde' HUITl.lnidadcs yMC' de' la Uni\~nicbdXacional de' Rosario,l987.

    21, ~lartaF. de' Skllle'lI~ln e'Germll N-atoch\loill. ~UnArte dr DifusorC's: ApUllte'S pard la Gomprrminde Illl \fO\imicnto rlstico de Vangu.1.rdia eu nll~l1osAirC'!, de Sus Crearlores, StL. DifrnorC'S}' Su l-blico", e'mJ.F. Mana! d ali~1'.'1Inklmu.aI IAt;nOOmmrQllo, 8u("nos Aires. Edit. dei Instituto. 1970.

  • 9. CULTURAS Hf8RIDASCONTRADIES LATINO-AMERICANAS 97

    ,\

    das vanguardas, mencionamos que algumas uniram sua busca experimen-

    tai Com materiais e linguagens ao interesse em redefinir criticamente astradies culturais a partir das quais se expressa,am. E.'te imeresse decaiagora graas a uma relao mais mimtica com as tendncias hegemnicasno mercado internacional.

    Em uma srie de entrc\lstas que realizamos Com artistas plsticosargentinos e mexicanos sobre o que um artista deve fazer para vender e

    ser reconhecido, apareceram, principalmeme, insistemes referncias recesso do mercado latino-americano dos anos 80 e "instahilidade" a

    que esto submetidos os artistas, ~lmo pela obsolescncia contnua das cor-remes estticas quanto pela variabilidade econmica da demanda. Nessas

    condies muito forte a presso para sintonizar com o estilo acrtico clldico, sem preocupaes sociais nem audcias estticas, "sem muita estri-dncia, elegante, no muito apaixonado" da arte deste fim de sculo. Os

    mais bem-sucedidos apontam que uma obra de repercusso deve basear-

    se tanto em inovaes ou acertos plsticos como em recursosjornalisticos,publicitrios, indumen~irias, ,iagens, mltosas contas telefnicas, coberturade re,istas e catlogos internacionais. H os que resistem a que a, impli-

    caes extra-cstticas ocupem o lugar principal, mas que ainda assim di-zem que esses recursos complementares so indispensveis.

    Ser artista ou escritor, produzir obras significati'"dS no meio dessareorganizao da sociedade global e dos mercados simblicos, comunicar-se com pblicos amplos, tornou-se muito mais complicado. Do mesmo

    modo que os artesos ou produtores populares de cultura, conforme logo

    veremos, no podem j referir-se apenas a seu universo tradicional, os

    artistas tambm no conseguem realizar projetos reconhecidos socialmen-

    te quando se fecham em seu campo. O popular e o culto, mediados por

    uma reorganizao industrial, mercantil e espetacular dos processos sim-blicos, requerem novas estratgias.

    Ao chegar dcada de 90, inegvel que a Amrica Lltina efetiva-meme se modernizou. Como sociedade e como cultura: o modernismo

    simblico e a modernizao socioeconmica j no esto to divorciados.O problema reside em que a modernizao se produziu de um modo di-

    fcrente do que espervamos em dcadas anteriores. Nessa segunda meta-de do sculo, a modernilao no foi feita tanto pelos F.stados quanto pelainiciativa pri".da. A "socializao" ou democratizao da cullUra foi real i-

    ,ada pelas indstrias culturais - em posse quase sempre de empresas pri-

    ,,,das - mais que pela boa vontade cultural ou poltica dos produtores.

    Continua havendo desigualdade na apropriao dos bens simblicos e no

    acesso inovao cultural, mas essa desigualdade j no tem a forma sim-ples e polarizada que acredit,,,mos encontrar quando di,idiamos cada

    pas em dominadores c dominados. ou o mundo em imprios e naesdependentes. Depois deste acompanhamento das transformaes estru-turais, preciso averiguar como diversos agentes culturais - produtores,imermedirios e ptlblicos - rcdimensionam suas prticas ante tais contra-dies da modernidade, ou como imaginam que poderiam faz--lo.

    0000000100000002000000030000000400000005000000060000000700000008000000090000001000000011000000120000001300000014000000150000001600000017