MORFODINAMICA E VULNERABlLIDADE DA PRAIA DE...

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67 MORFODINAMICA E VULNERABlLIDADE DA PRAIA DE FARO' 6scar Ferreira Universidade do Algarve, UCTRA Campus de Gambelas, 8000 Faro Tel: 089-800900 Fax: 089-818353 Jollo Carlos Martins Universidade do Algarve, VeTRA Campus de Gambelas, 8000 Faro Tel: 089-800900 Fax: 089-818353 J. Alveirinho Dias Universidade do Algarve., UCTRA Campus de Gambelas, 8000 Faro Tel: 089-80090(1 Fax: 089-818353 Resumo A Praia de. Faro, localizada na Peninsula do Anello (Ria Formosa)/ e frequentemente assolada pOt epis6dios erosivos e pot ga lgamentos oceanicos associados a temporais que , por vez.cs, sao respons3veis pela destruifj;llo e danificaCllo de bens materiai s. A existencia destes problemas levou ao estudo e monitorizayao da Praia de Faro, iniciado em Maio de 1995 e que ainda decorTe, com levantamenlos mensa is e apas tempestades. Como pontos de monitorizacao seleccionaram-se 5 locals espa¥ados de cerca de 500m entre si, englobando areas de elevado grau de ocupacrilo e areas com ocupa(f!o reduzida. A praia pode ser class ifi cada como sendo uma Praia de Terra¥o em Mare Baixa + Rip ("Low Tide TelTace + Rip Beach"), possuindo um componamento generi camente reflectivo e uma rebentayilo do tipo tubular ou mergulhante sabre a face da praia. No entanto, separando as condiyOes em mare baixa e em mare alta foi posslvel verificar que em mare baixa a praia assume urn comportamento intermedio com rebenta9ilo do tipo progressiva. A maxima variabilidade volumetrica ocorrida nao foi significativamente diferente de local para local, No entanto, as locais mais ocidentais. coincidentes com a maior antrOpica, silo as que possuem menor volume sedimentar annazenado e, consequentemente, aqueles que apresentam maior susceptibilidade a qualquer evento erosivo. Na realidade, 0 completo desenvolvimento natural dos locais no sector ocidental da Praia de Faro (nomeadamente do contacto praia/duna) atingiria areas actualmente ocupadas, ra.z1i o pela qual, durante eventos extremos, se verifica a oco rrencia de galgamentos e/ou destruiyOes de bens materiais. Pelo contririo, no tro¥o oriental da area estudada, pouco ocupado, 0 perfil cncontra-se completo c as dunas rammente silo atrngidas pelo mar, P.alavras-ehave: Praia de Faro, morfodinamica, vulnerabilidade. monitorizaylo Abstract Praia de Faro morphodynamic and vulnerability: Praia de Faro, located at Peninsula do Ancilo (Ria Fonnosa), is frequently wasted by erosive events and oceanic overwashcs which are associated to stonn. events. These are often responsible by the destruction and damaging of public and private properties. , DI SEPLA n. G A 98

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MORFODINAMICA E VULNERABlLIDADE DA PRAIA DE FARO'

6scar Ferreira

Universidade do Algarve, UCTRA

Campus de Gambelas, 8000 Faro

Tel: 089-800900 Fax: 089-818353

Jollo Carlos Martins

Universidade do Algarve, VeTRA

Campus de Gambelas, 8000 Faro

Tel: 089-800900 Fax: 089-818353

J. Alveirinho Dias

Universidade do Algarve., UCTRA

Campus de Gambelas, 8000 Faro

Tel: 089-80090(1 Fax: 089-818353

Resumo

A Praia de. Faro, localizada na Peninsula do Anello (Ria Formosa)/ e frequentemente assolada pOt epis6dios erosivos

e pot galgamentos oceanicos associados a temporais que, por vez.cs, sao respons3veis pela destruifj;llo e danificaCllo

de bens materiais. A existencia destes problemas levou ao estudo e monitorizayao da Praia de Faro, iniciado em

Maio de 1995 e que ainda decorTe, com levantamenlos mensais e apas tempestades. Como pontos de monitorizacao

seleccionaram-se 5 locals espa¥ados de cerca de 500m entre si, englobando areas de elevado grau de ocupacrilo e

areas com ocupa(f!o reduzida. A praia pode ser classificada como sendo uma Praia de Terra¥o em Mare Baixa + Rip

("Low Tide TelTace + Rip Beach"), possuindo um componamento genericamente reflectivo e uma rebentayilo do

tipo tubular ou mergulhante sabre a face da praia. No entanto, separando as condiyOes em mare baixa e em mare

alta foi posslvel verificar que em mare baixa a praia assume urn comportamento intermedio com rebenta9ilo do tipo

progressiva. A maxima variabilidade volumetrica ocorrida nao foi significativamente diferente de local para local,

No entanto, as locais mais ocidentais. coincidentes com a maior ocu~ao antrOpica, silo as que possuem menor

volume sedimentar annazenado e, consequentemente, aqueles que apresentam maior susceptibilidade a qualquer

evento erosivo. Na realidade, 0 completo desenvolvimento natural dos locais no sector ocidental da Praia de Faro

(nomeadamente do contacto praia/duna) atingiria areas actualmente ocupadas, ra.z1io pela qual, durante eventos

extremos, se verifica a ocorrencia de galgamentos e/ou destruiyOes de bens materiais. Pelo contririo, no tro¥o

oriental da area estudada, pouco ocupado, 0 perfil cncontra-se completo c as dunas rammente silo atrngidas pelo

mar,

P.alavras-ehave: Praia de Faro, morfodinamica, vulnerabilidade. monitorizaylo

Abstract

Praia de Faro morphodynamic and vulnerability: Praia de Faro, located at Peninsula do Ancilo (Ria Fonnosa), is

frequently wasted by erosive events and oceanic overwashcs which are associated to stonn. events. These are often

responsible by the destruction and damaging of public and private properties.

, Conuibui~ao DISEPLA n.G A 98

mac
Text Box
FERREIRA, Ó., MARTINS, J. T. e DIAS, J. A. (1997) - Morfodinâmica e Vulnerabilidade da Praia de Faro. Seminário sobre a zona Costeira do Algarve, p.67-76, Faro.

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The existence of these problems gave rise to a monitoring study at Praia de Faro, initialed in May 1995 and still

running, with monthly and after stonns events surveys. Five survey sites were chosen, spaced 500 m one from each

other, comprising areas with high and low human occupation. Praia de Faro can be classified as a Low Tide Terrace

+ Rip Beach having, in general tems, a reflective behaviour and a plunging wave breaking conditions over the

beach face . However, separating low and high tide behaviour it was possible to verify thal at low tide the beach

have an intennediate behaviour with spilling breakers dominating. The computed maximum volumetric variability

was not significantly different from site to site. Nevertheless, the western sites, where the larger human occupation

occur, are those who have smallest sand stocks and, thus, the ones presenting the biggest susceptibility to any

erosive event. In fact, the natural development of the beaches belonging to the western sector of Praia de Faro (e.g.

the interface beach/dune) would affect areas nowadays occupied, reason why during extreme events overwashes

and/or properties destruction of are likely to occur. In opposition, the beaches from the eastern sites of Praia de Faro

show a well developed profile and the dunes are rarely touched by the sea.

Key·words: Praia de Faro, mOll'hodynamic, vulnerability, monitoring

Introdu~o

As praias sAo modeladas, na sua generalidade, pelo fomecimento scdimentar, pelas condi~Oes climaticas existentcs

e, principalmente, pela agita~.!Io maritima. Esta, tern uma quantidade de cnergla associada que e dissipada, numa

primeira fase, pelos mecanismos naturais de resposta da praia, como sejam as barras submersas e, posterionnente,

sobre a propria face da praia, por rebenta~ao directa. Apenas as praias morfologicamente robustas poderllo suponar

eventos energeticos extremos. Os efeitos de urna ternpestade violenta, ou de vArios epis6dios tempestuosos

sucessivos, podem esgotar uma praia das suas capacidades intrinsecas de defesa, induzindo erosJo efectiva do

cordi!o dunar ou da arriba, bern como destrui~Ao de estruturas edificadas, quando presentes.

Na generalidade, as praias mais suscepdveis a eSle tipo de acomecimentos si!o aquelas que sofrem as consequencias

de interven~r.es humanas (directas ou indirectas) resultantes de urna ocupa~Ao mal planeada. Urn planeamenlo mal

concebido traz geralmente consequencias ni!o desejadas e, por vezes, economicamenle desastrosas. 0 resultado da

constru~Ao indevida em sistemas tao sensiveis como as praias reflecte-se, na maio ria das vez.cs, em elevadas perdas

materiais atraves da destrui~a:o de propriedades publicas e privadas. Acresce referir que, frequentemente, os gestores

deste tipo de ambientes se encontram desprovidos de instrumentos de gestao eficientes, situa~o ainda agravada pela

constante inexistencia de estudos aplicados com base cientlfica consistente, vendo.se forc;ados a tomar decis6es

urgentes com meios de apoio notoriamente insuficientes.

Por lodas as raroes apontadas revela-se necessArio e urgente, a condu~a:o de estudos que permitam compreender

melhor os processos que ocorrem nos litorals arenosos. S6 assim sera possivel gerir os recursos de fonna sustentAvel

e cientificameme suportada. Estes eSlUdos deverAo englobar programas de monitoriza~Ao continua, condiylo esta

essencial para se atingir um nlvel de conhecimento que permita efectuar previs6es de comportamento a curto, medio

e longo prazo.

Este trabalho prctende demonstrar a utilidade deste tipo de eSlUdos quando aplicados a areas e a situa~Oes

concretas, pennitindo definir zonas de maior ou menor vulnerabilidade a erosao, bern como apontar causas e

solu~3es possiveis, para os problemas detectados.

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Area de estudo

A Praia de Faro (Figura I) possui urna praia aberta, arenoS!, e localiza-se na Peninsula do Anc!o, que constituindo a

extremidade ocidental do sistema de i1has barreira da Ria Formosa. tern cerca de 10km de comprimento e 100m a

300m de largura (Bettencourt, 1994). Ao nlvel da ocupa~ao humana, esta e bastante forte no sector ocidental da

zona de estudo, sendo mais diminuta no lado oriental.

o regime de mare e mesotidal com uma amplitude maxima de aproximadll{l1ente 3.5m. Relativamente a agitay!o

maritima presente, de 8COrdO com Instituto Hidrogr.U'ico (1994), quer em termos de altura da onda, quer em termos

de periodo, esta assume urn cornponamento marcadamente sazonal. Assim, 0 Verlo, aqui considerado de Abril a

Seternbro. aparece com uma altura media de O,78m e 0 Invemo (Outubro a Marya) com 1,15m. Relativamente aos

perfodos de pica eles slo, respectivamente, 7, l s e 9,5s. Os valores utilizados oeste trabalho si\o, no entanto, valores

medios globais. Assim a altura de ondula~!o coosiderada foi 0,92m eo perfodo de pico 8,Os. Durante 0 Lnvemo sao

frequentes ondula~Oes ahas, seodo relativamente comum a presenr;:a de ondas maiores que 3m de altura (Pires,

1985). E nestas condj~(les de agita~lIo com maior energia que ocorrem problemas de erosito acompanhados por

frequentes galgamentos oceanicos (Andrade, 1990. Manins el aL~ 1996 e 1997), principaimente em situarwOes de

mare alta viva.

N

T

• I

" FARO

~.,

Figura 1- Localizarwao da area de estudo e dos locais referencia (adaptado de Manins el 01. , 1996).

figure 1 - Location of study area and studied sites (adapted from Martins et 01., 1996)

De acordo com Pires e Pessanha ( 1986), para urn perfodo de retorno de 5 anos a altura signifi cativa estimada e de

4,8m. sendo de 6.1m para urna tempestade com urn perfodo de retorno de 50 anos. Os maiores temporais possuem.

geraimente, rumos proveniemes de Sudoeste (Pires, 1985), seodo a frequencia relativa de ocorrencia de agita~o

[leste octante de 16.3%, contribuindo 0 octante Oeste com 51,5% das oconincias e correspondendo a ondula~o de

Sueste (Levante) a 25% do total (lnstituto Hidrografico. 1994).

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TknkllS de CAmpo e M~/odos de Antflise

Para a determinac;:ao da morfologia da praia emersa e da sua "ariabilidade em tennos de volumes sedimentares

existentes, seleccionaram-se 5 locais espayados de 500 metros entre si, ao longo cia Praia de Faro (Figura I), tendo

em a:enc;:Ao as caracterfsticas da zona em termos de tipo de ocupac;:Ao existente. Realizaranl-se, entre Maio de 1995

e M~ de 1997, levantamentos de perfis 10pogntficos transversais a praia, com uma regularidade mensal. em

ocasiOes de mares vivas. Foram tamlX:rn rea!lzados perfis de forma esporadiea, ap6s tempestades. Obleve-se desta

fonna urn total de 111 perfts de praia distribufdos da seguinte fonna: Local A 24, local B 22, Local C 24. Local 0

22 e Local E 19. Em cada levantamento foi feita urna caracterizac;:4o visual do estado da praia em termos de formas

presentes e localizado em cada perfil 0 maximo atingido pela mare.

Para 0 tratamento dos dados e posterior analise recorreu-se A utilizac;:4o de folhas de calculo simples. Para 0 calculo

dos volwnes sedimentares detenninou-se para cada local urn ponto de nile mobilidade relativa (local para 0 interior

do qual nile se registaram "ariaIYOes significativas devidas ! ac"lo marinha) e urn nl"el de base (Zero Hidrografico

ou Nf"e1 Medio do Mar, dependendo da aplicac;:4o). 0 volume ca lculado (m)/m) em cada perfil e, portanto, limitado

inferionnente por urn nl"el de base, intemamente por uma linha .... ertical defmida pelo ponto de nAc mobilidade

relativa e, superiormente. pclo prOprio perfil.

Para a"aliar a vulnerabilidade da Praia de Faro A eroslo e aos galgamenlos oceinicos adoptou-se urn procedirnento

que consistiu nos calculos dos "stocks" sedimentares (annazenamento de sedimento existente em cada local, de

acordo com os metodos descritos em Manins et al .• 1996; 1997), das diferenyas de volume em cada perfil para datas

consecutivas. da variabilidade maxima existente em cada local e das relaIY6es exislenles entre perfis em leonos de

annazenamento volumetrico.

Ambiente Morfodinimico

Para caracterizar 0 ambiente morfodinamico existente na Praia de Faro recortCu·se a utilizac;:ao de dois indices. 0

"Surf Similarity Parameter" (s,,) e 0 "SurfScalling Parameter" (El.

Segundo Battjes (1974), 0 "SurfSimilarity Parameter" (~) e descrito por:

( I)

onde 0 [ndice b representa as condic;3es de ondulay!o na rebentac;:!o, tanj} e 0 decli"c da face da praia, Hb e a alrura

dB onda na rebentac;:4o e Lo e 0 comprimento de onda ao largo.

o "Surf Scalling Parameter" (El, segundo Guza e Inman (1975) e dado por:

(2)

onde "a" e a amplitude da onda na rebentac;:4o, g e a acelerac;:ao gravitica e m t a frequblcia angular da onda

incidente (21tfI), sendo T 0 periodo da onda. Classificou-se, ainda, a Praia de Faro de acordo com 0 metodo de

ciassificac;:4o de praias de Masselink e Short ( 1993). ESle modelo conlempla os efeitos das mares na morfologia da

praia, classificando estas com base nas caracterislicas da ondulayllo, da mare e dos sedimentos constituintes.

Os par.imetros utilizados por este modelo silo: (i) a Velocidade de Sedirnentayao Adirnensional (0). descrito por:

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O = H. / (W,n (3)

onde Ws e a velocidade de sedimentaij:Ao do sedimento; e (ii) a Amplitude Relativa de Mare (RTR - "Relative Tide

Range"), descrita por:

RTR s MSR / H~ (4)

onde MSR e 0 valor medio da amplitude de mare em mares vivas.

Os vaJores limites dos indices morfodinamicos alris mencionados variam de aUior para autor, quer relativamente ao

tipo de ondulaii=Ao caracterlstica, quer para 0 comportamento assumido pela praia. Optou-se por utilizar os valores

propostos em Carter (1988) que define 0 tipo de ondula~!o em: Progressiva ("Spilling") para valores de ~ < 0.64,

Mergulhante ("Plunging") para 0.64 < ~ <5.0 e "Surging" para ~ > 5.0. 0 mesmo autor define 0 componamento

da praia como Reflectivo para 0.1 < £ < 2.5, Intermed-io para 2.5 < t <20 e Dissipativo para 20 < t < 200.

Na labela I Bpresentam-st os valores dos parametros utilUados no calculo dos indices morfodin!micos. De acordo

com os calculos efectuados a praia apresenta urn cornportamento reflectivo (t=2.34), predominando as condi~ de

rebentay!o do tipo mergulhamc ou lubular (~"" 1.16).

Seguindo 0 modele apresentado por Masselink e Shon (1993 ), que dislingue 8 lipos di(erentes de praias em funt;:ilo

do comportamento medio,da praia e da amplitude relativa de mare, a Praia de Faro e uma Praia de Terra~o em Mare

Baixa + Rip ("Low Tide Terrace + Rip") (0 < 2 e 3 < RTR < 7), de caracter generico reflectivo. Esle resultado vai

cOlTigir 0 obtido por Manins et 01. (1997) que classificava a praia como sendo uma Praia de Terrao;;o em Mare

Baixa ("lAlw Tide Terrace Beach").

Tabels I - Valores utilizados no calcuto dos Indices rnorfodinim ic:os.

Table I - Values used in the computation o( the morphodynamic index .

Parametros Valores e referencias

Alrura da ondulao;;!o na rebencao;;!o (HJ O.9m (Teixeira, 1986)

Periodo de pico da onda ao Largo (T J 8.0s (Instituto Hidrografico, 1994)

Velocidade de queda do sedimento (Ws) 0.07m1s (Manins et al. . 1997)

valor ml!dio da amplitude de marl! em mares vivas (MSR) 2.9m (lnstituto Hidrogrifico, 1996)

Declive da (ace da praia (tanp) 0.11'

Decl ive da (ace da praia em mare cheia 0.13 '

Declive da (ace da praia em mare vazia 0.06'

• representa a media antmehca dos de<:hves da face da praia de todos os perfis efcctuados .

As classificao;;Oes atris re(eridas referem-se apenas a condio;;Oes gerais anuais. No entanto, numa aproximar;lo a uma

escala temporal curta, I! posslve1 discemir que exisle variabilidade do comportamento da praia por efeilo de mare.

Como resultado da varia~o do nlvel do mar duranle a marl!, a hidrodinimica da praia vai-se alterar ao lango do

cido, bern como a morfodinimica, visto que a aC:luaii=Ao das ondas n!o se efectua nem nas mesrnas morfologias,

nem sabre os mesmos declives. De (acto, a localiza~o da zona de espraio, da zona de "surf' e da zona onde a onda

come!;a a sentir 0 fundo, variam ao longo do perfil, de acordo com a altura da mare (Masse link e Shon, 1993).

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Calculando novamenle os pendores, desl8. vez dividindo a face da praia em all8. face da praia (acirna do nivel medio

do mar) e baixa face da praia (abaixo do Rlvel medio do mar), foi posslvel obler dois valores de pendores

significativamente diferenles. Estes pendores foram calculados recorrendo-sc aos envelopes de perfil dos locais

cstudados, sendo de 0,13 para a aha face da praia e de 0,06 para a bain (ace da praia.

Re<:arrendo novamente aos [ndices morfodinamicos e recalculandQ-()s para os pendores apontados, a praia em mart

baixa passa a apresentar urn cornportamento intermedio (t := 8,7) e uma ondula¢o do tipo progressiva (F. .. 0,6).

Em mare alta, a praia comporta·se como anteriormente calculado, ou seja, com cornportarnento reflectivo e

ondula~o predominante do tipo rnergulhante ou tubular.

Em suma, a Praia de Faro, em tennos rnorfodim\micos. caracteriza·se por apresentar urn comportamento

genericamente reflectivo mas com elevada diferenoa morfodincimica 80 longo do cicio de mare. Tal deve-se,

sobretudo, a existencia de urna parte superior do perfil com urn pendor e!evado, tendo a parte inferior do mesmo urn

pendor mais suave. Assim, na mare all8. ocorre urn comportamenlO reflectivo com rebenl8.~o das ondas do tipo

mergulhante na face da praia, havendo em mart baixa urn comportamento intennedio, que pode chegar a ser

dissipativo quando em mares vivas, com exposiylo do terra~o de mare e com ondula~ao progressiva, podendo neste

caso existir varias Iinhas de rebentaylo ao longo da zona de "surf". Slio ainda fTequentes situ~6cs em que existe

urna barra submersa que faz quebrar a onda urna primeira vez, aplls 0 que e reformada, rebentando novamente

quando atinge a face da praia.

Do ponto de vista da caracteriza~ilo morfodinimica, a analise comparada dos perfis efectuados pennitiu ainda

coneluir que, contrariamente ao mencionado por Masselink e Hegge (1994) nas caracterlsticas de Praias de Terra~o

em Mare Baixa + Rip, no imbito das quais a Praia de Faro aparenta estar inscrida, esta ultima pode apresentar

elevadas varialf6es volumetricas e morfol6gicas em apenas urn cicio de mare (Martins el aI .. 1991).

Vulncrabilidadc da Praia de Faro

A monitoriza~1I0 e amilise de perfis de praia em locais fixos e durante urn periodo de tempo alargado pode revclar

varia~Oes sislern:1ticas no perfil de praia a longo lermo, bern como as flutuac;lies de curto prazo (Komar, 1916). E posslve! , tambtm , quantificar as trocas sedimentares prescnles, nomeadamente as trocas transversais a praia. Na

labela 11 estAo representados os valores dos volumes sedimentares mhimos. medios e minimos, bern como a

variabilidade maxima ocorrida, para 0 perfodo entre Maio 9S e Mar~ 91. Estes valores foram ca1culados a partir

dos envelopes de perfil para c;\da local (figura 2).

Os valores verificados nos "stocks" dernonstram que os locais situados na pane ocidental da circa de estudo (locais

A. B e C). coincidences com as areas de maior ocupayio antr6pica, sAo os que possuem menor "stock" sedimentar.

Este facto t, peto menos em parte, devido a coloca~o de estruturas rlgidas e flxas oa pane superior dos perfis de

praia, que promovem a truncatura do perfil e urn rebaixamento da cota dunar. nilo pcrmitindo que estes

desempenhern 0 seu pape! nonnal face a episOdios de ondula¢o rnais energetica. Isto e, 0 perfil nilo se desenvolve

na totalidade da sua extensAo, possuindo menor largura que os pcrfis do sector Este (Iocais DeE). Como a

variabilidade volurnetrica se mantem relativamente uniforme ao longo de toda a praia, para 0 mesmo evento, e

16gico que as cempestades ou as situa~Oes de eJevada energia tenham uma expressilo muilo mais forte nos locais

onde os pcrfis foram impossibilitados de se desenvolver por completo e onde, por consequencia, possuem menor

capacidade de resposta. Assim, devido as carencias sedimentares exislentes toma-se comum a danifica~lI:o das

estruturas edificadas, 0 que corresponde ao perfil retomar 0 seu normal desenvolvimento.

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12 LocaJ A 12 LocaJB 10 10 8 8 6 6

-it ~~~~M -H~

NMM

I : -I I I

12 10 8 6 4 2 0

-2

0 20 40 60 00 100 120 0 20 40 60 80 100 120

LocaJ 12 LocaJD

10 8

'NMM 6

NMM 4 2 0

I I I -2 0 20 40 60 80 100 120 0 20 40 60 80 100

IL LocaJ E 10 _

~~ '~MM 4

L OJ

-2 I I

0 20 40 60 00 100 120

Figura 2 - Representa~aio dos envelopes de perfil para os locais estudados. As abcissas reptesentam

a distancia horizontal (m) e as otdenadas a cola relativa ao

Zero HidrognHico (m). NMM ::: Nivel Medio do Mar

Figure 2 - Profiles envelopes for the study sites. (Distance 'IS . Elevation). NMM - Mean Sea Level .

Tabela II - Volumes sedimentares (ml/m) para os locais A, B, C, 0 e E.

Tnble II • Sand stock (ml/m) for sites A, B, C, D, and E.

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Locais "Slock" max imo "Stock" minima "Stock" media Maxima variabilidade

A 274,9 170,8 222,9 140,1

B 272,6 160,9 216,8 111 ,7

C 256,4 155,7 206,5 100,7

D 343.0 215 279,0 128

E 379,0 248,1 315,6 130,9

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Tendo como base os volumes sedimentares mAximos apresentados (labela lI), os dois sectores referidos sao

facilmente separaveis. Assim, na primeira zona que compreende os locais A, Be e, onde a forte ocupayAo exerce

grande influencia no perfil de praia, 0 valor do "stock" sedimentar maximo t da ordem dos 250 a 275 ml/m. Na

segunda zona (Iocais 0 e E), onde 0 perfil de praia nao e influenciado pela ocupayAo, 0 valor de "stock" sedimentar

maximo atinge valores de cerca de 380 mJ/m, ou sej a, possui um acrescimo de 100 mJ/m, relativamente a anterior.

Embora os resultados relativos ao volume maximo nao demonstrem que 0 local 8 se apresenta como 0 local mais

vulneravel de todos os analisados, (devido a recolocayAo anificial de areia que no Inverno esporadicamente se

verifica), em termos de volume mlnimo consegue·se distinguir ni tidamente a fragi lidade apresentada por este local.

A mesma situat;:ao ocorre no local C, ainda que a recolocayAo anificial nao tenha possuldo tAo grande expressllo.

Para uma melhor perce~o da vulnerabilidade de uns locais em relat;:ao aos outros, foi elaborada uma tabela (tabela

111) em que se expressam as percentagens a que os volumes mAximos e mlnimos de cada local correspondem

relativamente ao volume mAximo e minimo do local E, e qual a percentagem a que corresponde a variabilidade

maxima ocorrida em cada local relativamente ao volume sedimentar medio do proprio local. 0 local E foi escolhido

como referenda por possuir urn volume sedimentar rnais elevado e portanto rnais robusto e por n!o ter ocupayAo no

perfil. (Martins ef al., 1997).

Tabela III - Per~entagens relativas dos "stocks" de sedimento dos localS A, B, C, DeE.

Table 111- Relative percentage of sediment stocks in sites A to E.

Locais A B C D E

Percentagem do "stock" maximo em cada 73% 72% 68% 9 1% 100%

local em relat;:Ao ao local E

Percentagem do "stock" m inimo em cada 69% 65% 63% 87% 100%

local em relat;:ao ao local E

Percentagem de variabilidade maxima em

relat;:ao ao proprio ""stock"" medio de 61% 5 1% 49% 46% 4 1%

sed imente

Da analise da tabela acima apresentada foi passivel, mais uma vez, evidenciar as diferent;:as entre os sectores

ocidental (Iocais A, 8 e C) e oriental (Iocais 0 e E). Efectivamente, para que os locais A, Bee atinjam urn estado

de robustez igual ao demonstrado pelo local E, em "stocks" mlnimos, seria necessario urn acresdmo sedimentar de

3 1%,35% e 37%, respectivamente. No local D, ja pertencente ao sector oriental, a falta relativa de sedimento

traduz.-se em apenas 13%, valor bastante pequeno quando comparado com os que foram determinados para 0 sector

ocidental.

No que respeita a percentagem de variabilidade maxima em re~o ao proprio "stock" sedimentar medio os valeres

mais altos indicam uma maior vu lnerabilidade da praia, pois existe maior possibilidade de esgotar 0 volume

sedimentar acumulado, por erosao. Observa-se, assim, uma tendencia para maior robustecimento de W para E, visto

que os valores diminuem neste sentido.

Embers 0 local A se apresente como 0 local mais vulneravel, de acordo com a tabela 111, seria de esperar que os

locais 8 e C possu issem valores simi lares ao do local A e, como tal. superiores aos determinados, dado que a sua

ocupa~o e intensa. Tal nao acontece devido a deposiyl\o anificial de areias nestes locais, apos a ocorrencia de

galgamentos, 0 que tern pennitido urn aumento do "stock" medio e uma atenua~o da vulnerabilidade.

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A maior vulnerabilidade do sector ocidental da Praia de Faro foi constatada no decurso dos trabalhos de campo

realizados em situayOcs de temporal, tendo-se observado eroslo da duna proximo do local A e galgamentos

oceinicos nos locais B e C. Pelo contririo, nos locais 0 e E a interface alta praia/duna rantmente foi tocada,

chegando at~. por vezes., a haver alguma acr~lo na parte superior do perfil por ereito do espraio da onda.

Conclus~s

o prescote estudo utilizou a realiza~o sistematica de perfis de praia, para a determina~o das caracteristicas

morfodin!m icas da Praia de Faro e para 0 calculo das varia~Oes volumetricas ocorridas no perfodo de analise (Maio

9S 8 Mar~o 97), permilindo deduzir algumas das tendencias evolutivas a m~dio prazo e separar sectores de

comportamento distinto relativamente a eroslo costeira.

A Praia de Faro foi classificada como sendo uma Praia de Terra~ em Mare Baixa + Rip, possuindo comportamento

rnorfodinimico genericamente reflectivo e predomlnio de rebenta~1I0 do tipo mergulhantc ou tubular.

Urna aproximayAo mais pormenorizada permitiu observar que durante 0 cicio de mare a praia apresenta dois

comportamentos distintos. sendo predominanternentc intermedia em mare vazia e reflectiva em preia-mar. Tambem

o tipo'de rebenta~o dominante varia, sendo para 0 primeiro caso progressiva e mantendo-se mergulhante em mare

cheia.

Relativamente a vulnerabilidade apresentada pela Praia de Faro, verificou-se uma clara diferen~a entre 0 seClor

ocidental (Iocais A, B e C), fortemen te intervencionado pelo Homem, e 0 sector oriental (locals 0 e E), com

pe<juena ocupa~o antr6pica. sendo a vulnerabilidade superior no sector ocidental. Tal rcsulta da ex istencia de urn

diminuto "stock" sedimentar e do rebaixamento da cota dunar neste sector. 0 que possibilita a ocorrencia de

galgamentos oceanicos. Consequentemente, estes locais sao aqueles de tOOa a zona estudada em que e previsivel a

~xislencia , no futuro pr6ximo. de maior~s prejulzos materiais.

Recomenda-se a integra~!l.o futura deste genero de estudos na gestao de ambientes costeiros, nomeadamente em

Pianos de Ordenamento, pois que, para adoptar medidas de gestao que conduzam a uma uliliza~Ao sustentavel do

htoral, e essencial ter urn suporte cientifico forte e adaptado As ~specificidades da area em causa.

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