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1 MISSING O caso de norte-americanos vítimas da violência política no Chile na década de 1970 Talita de Oliveira Costa Mestranda em História- UFF [email protected] Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar o caso de norte-americanos vítimas da violência política que inaugurou o regime ditatorial pinochetista na década de 1970 no Chile. A análise chama atenção para as trajetórias de alguns membros da revista Fuente de Información Norte-americana, que foram alvos da repressão a partir de uma reflexão sobre a obra cinematográfica “Missing” do diretor Costa Gravas – 1982. O filme retratou o desaparecimento do jornalista norte-americano Charles Horman e o processo de busca empreendido por sua família até encontrá-lo. Palavras-chave: Chile, EUA, memória. Abstract This paper aims to present the case of American victims of political violence that inaugurated the Pinochet dictatorship in Chile in the 1970s. The study highlights the trajectories of some members of the magazine Fuente de Información Norte-Americana, who were target of repression, starting from a reflection on the film "Missing" directed by Costa Gravas – 1982. The film focuses on the disappearance of U.S. journalist American Charles Horman and underlines the pursuit process undertaken by his family until find him. Keywords: Chile, USA, memory.

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MISSING

O caso de norte-americanos vítimas da violência política no Chile na década de 1970

Talita de Oliveira Costa

Mestranda em História- UFF

[email protected]

Resumo

O objetivo deste trabalho é apresentar o caso de norte-americanos vítimas da violência política que inaugurou o regime ditatorial pinochetista na década de 1970 no Chile. A análise chama atenção para as trajetórias de alguns membros da revista Fuente de Información Norte-americana, que foram alvos da repressão a partir de uma reflexão sobre a obra cinematográfica “Missing” do diretor Costa Gravas – 1982. O filme retratou o desaparecimento do jornalista norte-americano Charles Horman e o processo de busca empreendido por sua família até encontrá-lo.

Palavras-chave: Chile, EUA, memória.

Abstract

This paper aims to present the case of American victims of political violence that inaugurated the Pinochet dictatorship in Chile in the 1970s. The study highlights the trajectories of some members of the magazine Fuente de Información Norte-Americana, who were target of repression, starting from a reflection on the film "Missing" directed by Costa Gravas – 1982. The film focuses on the disappearance of U.S. journalist American Charles Horman and underlines the pursuit process undertaken by his family until find him. Keywords: Chile, USA, memory.

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A minha incursão no campo das relações interamericanas e o meu primeiro contato

com os estudos sobre a ditadura chilena foram motivados pela análise do filme Missing, do

diretor Costa Gravas. Essa obra traduziu em imagens a história de Charles Horman, um

jornalista residente no Chile desde 1972 que foi preso e morto nos primeiros dias da

ditadura civil-militar pinochetista. Em meio ao cenário de brutalidade sobre o qual se

construiu o regime autoritário chileno, essa narrativa, para além das circunstâncias de vida

e morte do personagem principal, dedica um olhar especial ao processo de busca

empreendido por sua esposa Joyce e por seu pai Edmund, que sai dos EUA e vai ao

encontro da nora para apoiá-la na procura do filho.

“The execution of Charles Horman: an american sacrifice”1 , livro de Thomas

Hauser editado em 1978 inspirou o roteiro do filme, servindo de base ao trabalho

cinematográfico Missing, lançado em 1982. Tanto a literatura quanto o cinema tentaram

dar conta da motivação para a prisão e morte de Charles. A sugestão é a de que Charles

teria sido alvo da repressão por ter acompanhado, por acaso, a movimentação golpista.

Livro e filme também denunciam a intervenção norte-americana na queda do governo

Allende, problematizando o significado da morte de um norte-americano, sacrificado em

prol de um objetivo político-estratégico – superior ao compromisso legal da Embaixada de

resguardar a vida e a segurança de seus cidadãos fora da América –, o de não publicizar a

cumplicidade fixada entre aquela democracia e a ditadura civil-militar chilena.

Às vésperas do golpe Charles acompanha a amiga Terry Simon a uma rápida visita

a cidade de Viña del Mar, antes que Terry, na ocasião a passeio, embarcasse de volta aos

Estados Unidos. Joyce, no entanto, ficou impossibilitada de se afastar de Santiago em

razão da renovação de seu visto. Era 10 de setembro, Charles e Terry, ao final da visita

turística, foram obrigados a permanecerem na cidade, hospedando-se no hotel Miramar

devido ao fechamento das estradas da região. Já haviam se iniciado os últimos preparativos

para a derrubada do governo da Unidade Popular. Na manhã seguinte, 11 de setembro, os

dois amigos tomaram conhecimento do golpe, deflagrado pela Marinha atracada em

Valparaíso. Terry e Charles, durante o período em que ficaram retidos no hotel, entraram

em contato com diversos militares norte-americanos envolvidos na operação. Na esperança

de retornarem a Santiago, mantiveram, por cerca de uma semana, diálogo constante com os

militares. Foi através das conversas com funcionários das Forças Armadas norte-

1 A edição brasileira do livro ganhou o título Desaparecido: um grande mistério (Missing) e foi publicada pela Editora Record.

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americanas, que puderam entender em que bases se dava a participação dos Estados

Unidos naquela manobra. As informações reunidas pela dupla foram registradas em um

caderno.

Ciente da situação vivida por Charles e Terry, Patrick Ryan, subchefe da missão

naval dos Estados Unidos na cidade, se mostrou disposto a ajudá-los. Primeiramente,

permitiu a utilização da aparelhagem militar para transmissão de uma mensagem,

tranquilizando seus respectivos familiares nos EUA. Em seguida, intercedeu em seu

benefício, conseguindo lhes uma carona para Santiago com Ray Davis – 1º homem da

Marinha americana: comandante da seção naval no Chile.

No que se refere à análise fílmica, esse estudo se aproxima da perspectiva de

Pollack, a qual insinua a apreciação do filme como um objeto de memória, que guarda a

possibilidade de identificação de um discurso específico dentro da realidade política-

ideológica de uma sociedade historicamente localizada no tempo e no espaço. Compreendo

este filme como uma válvula de acesso a mais uma, dentre outras, formas de representação

da realidade, capaz de captar, de uma maneira particular, um imaginário coletivo e

evidenciar memórias individuais que naquele contexto de produção e lançamento da obra

emergiam e circundavam o debate político suscitado pela candidatura e governo de Jimmy

Carter (1977- 81), levantando a discussão da temática dos direitos humanos no cenário

interno norte-americano. E tendo, ainda, como referência o trabalho de Margaret Power,

suponho que Missing possa ser considerado um produto da segunda fase do Movimento

em Solidariedade ao Chile, período que circunscreve os dezessete anos nos quais vigorou a

ditadura pinochetista. Em linhas gerais, a autora observa que essa tendência significou uma

resposta contrária ao regime autoritário com vistas a dar suporte às vítimas do terror

instaurado e a difundir o preceito da defesa dos direitos humanos como referência para a

política externa norte-americana.

Sem desprezar a importância do filme em divulgar o caso Horman, projetando-o

internacionalmente, sublinho o fato de que tramas secundárias do filme, intimamente

relacionadas a Charles, despertaram, sobretudo, o meu interesse. Refiro-me à revista

Fuente de Información Norte-americana (FIN) publicada no Chile, da qual Charles e

demais norte-americanos participaram. Resumidamente, o trabalho dessa revista consistiu

na atividade de clipping de matérias veiculadas na imprensa de esquerda dos EUA.

Vinculados ao grupo FIN e mencionados pelo filme, além de Charles, havia Frank Teruggi

e David Hathaway, dois norte-americanos levados ao Estádio Nacional.

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Apoiando-me na afirmação de Richard Fagen – professor visitante da Faculdade

Latino-Americana de Ciências Sociais – pela qual assegura que a Embaixada dos Estados

Unidos no Chile via com maus olhos o comportamento de norte-americanos que não

concordassem com o posicionamento oficial do seu governo, é possível imaginar que

dentre o conjunto de militantes e simpatizantes de esquerda no Chile, havia uma diminuta

presença norte-americana. A formulação dessa hipótese me leva a inferir que esse grupo de

ativistas foi, na mesma proporção, alvo da repressão que se abateu sobre todos os adeptos

da esquerda, independentemente da nacionalidade.

Em Santiago – recorda Fagen –, conheci diversos jovens americanos que estavam

vivendo e trabalhando na cidade, favoráveis à experiência de Allende, em graus

diversos. Não estava em Santiago há muito tempo quando percebi claramente que a

hostilidade manifesta da embaixada americana contra o governo Allende se

estendia aos membros da comunidade americana que eram conhecidos por

cooperar, simpatizar ou mesmo manter uma posição neutra em relação ao regime.

Palavras como “traidores” e “comunas” eram usadas comumente em referência a

muitos dos meus amigos e conhecidos americanos. (HAUSER, Thomas.

Desaparecido: um grande mistério (Missing). Rio de Janeiro: Editora Record, s/d,

p. 231)

A partir desse ponto vista, centro a minha pesquisa nos integrantes de FIN, tentando

ampliar o conhecimento sobre as trajetórias dos ativistas envolvidos com a revista para

compreender com maior clareza quais são os nexos político-ideológicos que os atraíram

para o Chile, reconhecendo os pilares que sustentaram as conexões estabelecidas, e,

investigando a possibilidade de configuração de um caráter internacional de uma esquerda

latina e norte-americana.

Os sujeitos FIN

Charles Horman

Cursou jornalismo em Harvard na década de 60, integrando na época da faculdade

o movimento pelos direitos civis. Nos EUA, escreveu para a revista “The Nation”, jornal

“The Christian Science Monitor” e revista “Inovation”. Participou da elaboração de

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documentários para os canais de televisão da WNet TV em NY e King TV de Seatle e

Portland, abordando temas delicados como a comunidade negra em Portland e fabricação

de napalm na Califórnia. Em 1967 iniciou participação no Programa Federal contra a

Pobreza. Joyce, sua esposa, revela que a fixação definitiva do casal no Chile não foi

planejada desde o princípio, mas, o resultado espontâneo de uma longa viagem pela

América Latina iniciada em fins de 1971, cuja finalidade seria a de lhes proporcionar mais

tempo juntos. Assim, antes do Chile, passaram por México, Guatemala, El Salvador,

Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia e Equador2

Morando no Chile, Charles se envolveu em alguns projetos. Um dos mais

significativos foi o trabalho como roteirista para a empresa estatal Chile Films, produtora

de filmes e de noticiários difundidos nas salas de cinema do país. Essa atividade foi

questionada e qualificada como “subversiva” pelos agentes de Estado norte-americanos e

teria suscitado uma investigação também do lado chileno pelo setor de inteligência do

Estado Maior e a Defesa Nacional, antes, durante e após sua morte.

Para além do trabalho na estatal, Charles escrevia um roteiro de desenho animado;

recolhia fontes de pesquisa para a elaboração de um livro centrado na investigação da

morte do general legalista René Schneider, ocorrida em 1970, e participava como roteirista

de um documentário dirigido pelo peruano Jorge Reyes que buscava retratar o processo de

transição ao socialismo a partir do governo Allende. O filme só foi lançado em 1975 – 2

anos após a morte de Charles – no circuito cinematográfico francês com o título “Avenue

des Amériques.” O produtor dessa obra, Walter Locke, cineasta norte americano, contava

com Charles na sua equipe de trabalho e um pouco antes do golpe conseguiu retornar para

os Estados Unidos, onde processou as imagens capturadas, evitando a sua perda. Parte das

sequências, já em 1974, deu origem a outro filme, intitulado “Chile: with poems and

guns.” Um memorando do departamento de Estado norte-americano associa também este

material a figura de Charles, sugerindo que o seu envolvimento nesse tipo de atividade

possa ter contribuído para a sua morte.

Segundo Marjorie Bray, “Chile: with poems and guns” é uma obra panfletária e,

apesar de mais enfática, se aproxima bastante da intenção do último número FIN, a de

desfazer uma visão negativa construída sobre o Chile, mostrando para uma plateia

essencialmente norte-americana que o governo Allende “foi democraticamente eleito e

2 HAUSER, Thomas. Desaparecidos: um grande mistério (Missing). Rio de Janeiro: Editora Record, s/d.

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estava tentando superar a pobreza e a desigualdade causada por séculos de exploração.”3

Nesse contexto, a autora destaca que por exploração não se entendia desenvolvimento, mas

imperialismo.

Frank Teruggi

Alinhado à perspectiva da Teologia da Libertação, no ano de 1969 integrou o

Grupo para a Libertação das Américas – área de Chicago. Dentro desse grupo participou

de algumas marchas noticiadas pela imprensa. A tarefa dessa organização envolvia a coleta

e distribuição de material da imprensa de esquerda norte-americana, contemplando

movimentos de luta revolucionária na América Latina. Frank já tinha sido preso duas vezes

em Chicago por apresentar-se em teatro de rua. A organização ainda protestou em

Washington contra a reeleição de Nixon, porém nessa ocasião ninguém foi preso. 4

Um documento do Departamento de Justiça dos EUA constata sua participação

como delegado na conferência Anti–Imperialismo, realizada em agosto de 1971, no

Colorado, sob a organização do CRV – Comittee of Returned Volunteers, que reunia ex-

membros do Corpo da Paz, que se mantinha com o apoio de Cuba e todos os

revolucionários do Terceiro Mundo, se opondo ao imperialismo e a opressão dos EUA em

relação ao estrangeiro.

Teruggi viajou ao Chile com o objetivo de estudar a realidade chilena,

inscrevendo-se no Centro de Estudos da Realidade Nacional da Universidade Católica

(Ceren) e na Faculdade de Economia da Universidade do Chile, chegando em outubro de

1971.5

Em 1973, logo após o golpe, foi preso em casa na companhia de David Hathaway,

mais um integrante e amigo de FIN – que foi solto posteriormente – sob acusação forjada

de que teria desrespeitado o toque de recolher. Assim como no caso de Charles as

investigações sobre Frank iniciaram-se pelos agentes norte-americanos, os quais

consideravam o material FIN sensível, “atividade midiática subversiva”. No entanto,

analisa Thomas Hauser, seu contato com Charles foi superficial e propiciado pelo grupo de

amigos que tinham em comum.

3 BRAY, Marjorie Woodford. “The making of Chile: with poems and guns – a personal recollection”. In: Latin American Perpectives, volume 20, nº 10, janeiro de 2012. 4 Ver Resolução do Ministro da Corte de Apelações de Santiago, Jorge Zepeda, de 29/11/11 do processo que investiga os homicídios de Charles Hornan e Frank Teruggi. Disponível em: <http://www.poderjudicial.cl> 5 Idem.

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Mishy Lesser

Durante o período da faculdade foi estudante do Friends World College, uma

universidade em Nova Iorque de tradição quaker, a qual oferecia uma proposta de

“cidadania global, aprendizado pela experiência e estudo independente”. Como fazia parte

da filosofia da instituição, depois de concluído o primeiro ano, Mishy deveria escolher

outro lugar para seguir os estudos. Seu destino inicial foi o México, mais exatamente

Cuernavaca. Ela destaca que a opção pela América Latina e o despertar de seu interesse

foram impulsionados pela questão: “Por que parece que tantas pessoas no mundo odeiam o

meu país?” Foi no México, em janeiro de 1971, que ela soube da eleição de Allende.

Mishy ficou bastante entusiasmada, pedindo autorização ao corpo administrativo da

faculdade para viajar para o Chile, onde chegou em junho do mesmo ano.6

Vivendo no Chile, entrou em contato com grupos comunitários, envolvendo-se

com a questão urbana, especialmente o Acampamento Nueva La Habana, na região de

Santiago. Foram dois anos acompanhando a organização daquela população para a

promoção de saúde, melhores condições de moradia e elaboração de um currículo

educacional diferenciado. Ela acrescenta que quanto mais se integrava7 a essa realidade,

menos do seu tempo dedicava às atividades FIN8. O acampamento Nueva La Habana

durante o governo da Unidade Popular acolheu 1.500 famílias totalizando cerca de 9.000

pessoas, em sua maioria jovens de todos os cantos de Santiago. Segundo Boris Cofré

Schmeiser, apesar do acampamento estar vinculado às propostas de Allende e ter como seu

condutor o MIR, não significou apenas um quadro de eleitores ou de defensores da luta

armada. Na sua avaliação, ele trilhou um caminho peculiar e, de alguma forma,

independente, acabou exercendo pressão sobre o Estado para alcançar suas demandas,

privilegiando a dimensão coletiva dessa experiência9.

Assim que soube do golpe, Mishy deixou seu apartamento, amedrontada, e dirigiu-

se para Nueva La Habana. Lá passou quatro noites sendo abrigada por famílias diferentes.

6 Informações obtidas com a própria Mishy Lesser através do preenchimento de um questionário enviado por e-mail. 7 Ainda não consigo delinear como se deu a sua inserção e no que consistia o seu trabalho no acampamento Nueva La Habana. Ela não esmiúça a sua rotina dentro do acampamento. 8 LESSER, MISHY. The Journey Back and Forward: journalistic notes and blog postings for a public radio documentary, 2008. Disponível em: <http://www.mishylesse.com> 9 SCHMEISSER, Boris Cofré. História de los pobladores del campamento Nueva La Habana durante la Unidad Popular (1970-1973). Monografia (Graduação) – Universidad ARCIS, Escuela de Historia y Ciencias Socilales, 2007.

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Lembra-se dos helicópteros que sobrevoavam a cidade à noite, incentivando as pessoas,

por meio de mensagens escritas em folhetos ou através das comunicações de rádio, a

entregar quem fosse favorável a Allende, além dos estrangeiros, cuja intenção, de acordo

com militares, seria a de matar os chilenos10. Seus amigos do acampamento intercederam a

seu favor, pedindo que o médico que trabalhava no posto de saúde de Nueva La Habana a

levasse para um local mais seguro. O médico a abrigou em sua casa, localizada numa área

de classe média de Santiago. Passados alguns dias, seu namorado chileno também ficou

hospedado na casa onde se escondia. Mishy conta que a essa altura estava com seu visto de

estudante expirado. Reconhecia que precisava sair do país, mas sabia do risco que corria

caso fosse questionada pela polícia acerca das suas atividades na revista FIN e no

acampamento. Com a ajuda de um amigo que se candidatava a uma vaga de doutorado

numa universidade norte-americana, produziu uma carta falsa, atestando ser uma

doutoranda de História no Chile. A carta foi validada por um funcionário específico da

Embaixada dos Estados Unidos. Somado a isso, o médico, que a recebeu, conseguiu, após

muito esforço, um pedido por escrito de um carabineiro aposentado para que a estudante

deixasse o Chile em segurança.

Mishy é doutorada em Educação pela Universidade de Massachusetts – Amherst. E

atualmente é consultora nessa área, possuindo experiência em trabalhos direcionados para

a juventude.

Steven Volk

Steven é professor de História na instituição Oberling College, onde

frequentemente ministra cursos versando sobre a América Latina. Além de FIN, fez parte

de algumas organizações de esquerda naquele período. Entre elas destacam-se a NACLA –

National Congress on Latin America, onde atua desde 1984 como diretor de pesquisa e

publicação de artigos da sua revista impressa e ilustrada chamada Nacla Report on the

Americas, e a Union of Radical Latin Americanists, da qual foi membro fundador em

1970. A principal motivação para a criação desta foi a crítica a persistência da vinculação

entre especialistas em América Latina, o Pentágono e as corporações herdadas do governo

Kennedy. Esse grupo passou a publicar a revista acadêmica, ainda hoje existente, Latin

American Perspectives.

10 LESSER, MISHY. The Journey Back and Forward: journalistic notes and blog postings for a public radio documentary, 2008. Disponível em: <http://www.mishylesse.com>

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Sempre que tem uma oportunidade reflete publicamente sobre a experiência

vivenciada no Chile. Parte dessa divulgação também é resultado da tramitação na Justiça

chilena da investigação acerca da morte de Charles e Frank. Toda movimentação

processual confere novo fôlego ao caso dos norte-americanos mortos no Chile. Durante um

dos seus exercícios de observação, Steven faz menção à percepção de que a Embaixada

dos Estados Unidos em Santiago não aprovava o trabalho de FIN, colocando-o sob

monitoramento. Em artigo da NACLA, ele conta que assim que o grupo se instalou num

endereço fixo e tentou utilizar o telefone do escritório, ao invés de se ouvir o sinal de

discagem, a linha estabeleceu contato direto com a Embaixada.

Na década de 1970, ele estava no Chile concluindo sua pesquisa de doutorado.

Conforme suas próprias palavras, há duas razões para ter elegido o Chile para trabalhar:

“porque parecia um bom lugar para realizar a minha pesquisa e porque me deu a chance

não apenas de estudar história, mas vivê-la.”11 Após o golpe, teve por duas vezes seu

apartamento revirado.

David Hathaway, Jill Hamberg e Andrew Zimbalist

David Hathaway foi preso em companhia de Teruggi e levado ao Estádio Nacional.

Contudo, diferentemente do amigo, foi solto dias depois e autorizado a retornar para os

Estados Unidos. Desde a década de 1980 vive no Brasil, trabalhando com tradução.

O que se sabe sobre Jill Hamberg é que possui doutorado em Planejamento Urbano

pela Universidade de Columbia, sendo professora na Empire State College, em Nova

Iorque, de estudos urbanos e latino-americanos.

No que concerne a Andrew Zimbalist, pode-se assegurar que é professor de

Economia na Smith College, especializado também em economia no setor esportivo.

Até o momento não foi possível encontrar entre as notas/breves perfis biográficos

desses protagonistas alguma referência a respeito das atividades no grupo FIN ou o período

vivido no Chile, em particular.

A Revista FIN - Fuente de Información Norte-americana

Esse suporte pode ser definido como uma publicação mensal de curta duração,

apenas um ano entre 1972 e 1973 com nove títulos no total12, que combinam a tradução

11 http://www.oberlin.edu/news-info/observations/observations_steven_volk1.html, p. 1 12 Dos 9 números, possuo apenas 8. Falta-me o número inaugural.

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para o espanhol de notícias veiculadas na imprensa de esquerda norte-americana e algumas

notas autorais que são sempre assinadas em nome do grupo. Ela não identifica, em nenhum

momento, a identidade dos integrantes da equipe de trabalho. Apesar da falta de

regularidade da publicação, continuarei me referindo a ela como revista, apenas porque é a

forma como os seus ex-membros se reportam a esse tipo de atividade.

Steven Volk afirma que dele faziam parte uma pequena quantidade de “jovens

americanos progressistas”13 e ressalta, sem precisar o número total de pessoas envolvidas,

que em 1973 havia, ainda, cerca de oito participantes da revista no Chile. Explicando a

função dessa mídia, o ativista sublinha o interesse em divulgar para os chilenos “as

atividades do governo e corporações norte-americanas pelo mundo e demonstrar a

solidariedade em relação à esquerda chilena, enfatizando os movimentos progressistas dos

EUA”.14 Acrescentando a explicação da própria edição, a intenção é “dar conhecimento da

luta interna que se levanta nos EUA contra o ‘imperialismo yanki’. Pensamos que o

primeiro passo para a solidariedade da esquerda em várias partes do mundo é o

intercâmbio de comunicações, e esperamos contribuir para isso.”15

A 5ª edição da revista FIN traz uma lista de organizações de esquerda independentes

nos Estados Unidos, onde os leitores poderiam conseguir mais informações a respeito da

proposição tratada pelo grupo. Certamente, o grupo se referencia às publicações divulgadas

em tais organizações para construir a sua própria revista e fundamentar a sua

argumentação. Entre os centros citados estão Committe of Concerned Asian Scholars;

National Action/Research Group (ARG); Union of Radical Latin Americanists (URLA) e

North American Congress on Latin America (Nacla).

No último número FIN a lógica se inverte e ao invés de informar os chilenos e demais

latino-americanos sobre o contexto norte-americano – agora em inglês e não mais em

espanhol – eles se dispõem a dar conhecimento para os norte-americanos do que se passa

no Chile. Trata-se do número mais autoral do grupo. O texto fluído, num formato que mais

se parece o de uma carta, datado de 18/07/1973, se divide em subtemas e não numa

compilação de artigos de temáticas variadas. Vale ressaltar que no mês anterior, em junho,

o país havia registrado uma tentativa de golpe fracassada conhecida por “Tancazo”, que

deixou ainda mais flagrante o grau de debilidade da administração da Unidade Popular.

13 VOLK, Steven. “Judgement Day in Chile” In: NACLA Report on the Americas. Open Forum, vol. XXXVI, nº1, julho/agosto 2002, p.5. 14 Idem. 15 Fuente de Información Norte-Americana, nº3. Introdução. Julho de 1972.

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Graças à ação do comandante do Exército Prats, militar legalista, e organizações populares

como os Cordões Industriais, Allende conseguiu conter o tumulto e o golpe não se efetivou

em junho.

Os membros da publicação se apresentam como cidadãos norte-americanos vivendo

no Chile desde 1970-1971 e que, como o restante da população, foi apanhado pelo

crescente conflito. Observam a falta de conhecimento do público norte-americano para a

relevância dos eventos, na época recentes, ocorridos no Chile. Apontam como uma das

razões para essa incompreensão a maneira como a imprensa dos EUA cobria os

acontecimentos. Na sua perspectiva, a imprensa “distorce e deturpa” as razões da

polarização política e o conflito no Chile, as “verdadeiras forças envolvidas e o real

significado dos eventos.”16

Em resposta, FIN declara que o breve e apressado documento não pretende resumir

completamente o que está ocorrendo, tampouco desvendar todas as “meias verdades”. Visa

expor algumas das distorções e dar ao leitor um quadro geral, através do qual ele possa

começar a entender o que se passa17. Nesse sentido, ilustra alguns detalhes da conjuntura

política. A partir de um prisma diferenciado trata:

1. Do Conflito Institucional

Evidencia a forte oposição institucional enfrentada pelo governo Allende que possui

minoria nas duas esferas do Legislativo e sofre com diminuição orçamentária além de

constantes substituições de ministros. Enquanto, na visão do grupo FIN o Executivo

representa a classe trabalhadora e pobre, o Legislativo e Judiciário representam os

interesses das classes dominantes.

Por exemplo, os partidos de oposição bloquearam uma proposta do governo para

punir os especuladores e operadores do mercado negro, dando a eles, assim,

completa proteção legal (ou do Congresso) para continuar suas ações ilegais que

prejudicam uma nação inteira. (Fuente de Información Norte-Americana, nº 9.

Julho de 1973, p.7.)

Nós podemos citar muitos exemplos do que significa esse sistema de ‘justiça de

classe.’ Quando Moises Huentelaf, um líder camponês foi morto por um

16 Fuente de Información Norte-Americana, nº 9. Julho de 1973, p.1. 17 Fuente de Información Norte-Americana, nº 9. Julho de 1973, p.1.

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proprietário de terra durante uma disputa no sul do Chile, a esse assassino foi

permitido ficar livre. Os 21 camponeses envolvidos na disputa com Huentelaf,

entretanto, foram mantidos na prisão por seis meses. Numa outra situação,

proprietários de terra, cuja terra já havia sido expropriada voltaram para antiga

fazenda numa manhã e tentaram roubar a maquinaria que agora pertencia aos

camponeses. Quando os camponeses pacificamente se opuseram a isso, os ex-

proprietários atiraram e mataram 4 deles. Novamente, os assassinos ficaram livres

e nenhuma responsabilidade lhes foi atribuída. ( Fuente de Información Norte-

Americana, nº 9. Julho de 1973, p. 8)

Por outro lado, chama atenção para o fato de que a história chilena está sendo

decidida pelos trabalhadores, nas organizações comunitárias, onde homens e mulheres

lutam para criar uma sociedade justa e não explorada.

2. Da Economia

Não aceita a justificativa de que a crise econômica seja resultado da economia

socialista. Ao contrário destaca que ela é mais resultado da oposição política – tanto

nacional quanto internacional – do que efeito natural do socialismo.

3. Dos Meios de Comunicação

Combate a ideia de que o governo de Allende estaria determinado a destruir a

liberdade de imprensa. Como contraponto atesta que ele é alvo preferencial das

publicações, sendo bombardeado pela oposição, que

(...) ainda é a dona da vasta maioria de estações de rádio nacionais – como uma

rápida observação dos indicadores provará – e seis jornais diários de Santiago com

o total de circulação num dia de semana de 514.000 cópias. Grupos e partidos pró-

governo publicam apenas 5 jornais diários em Santiago com a circulação de

312.000. Nas províncias, a imprensa de oposição é muito mais amplamente

distribuída do que a imprensa a favor do governo. ( Fuente de Información Norte-

Americana, nº 9. Julho de 1973, p. 13)

4. Das Forças Armadas

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Assinala que os militares não são uma “instituição monolítica”, mas sim, o espelho

da sociedade chilena, sendo composta por todas as classes identificadas no interior dela.

Negando o “mito” de Forças Armadas “não políticas” no Chile, sublinha a dificuldade e a

pouca probabilidade de se encontrar uma sociedade cuja força militar não apresente

opiniões políticas.

Atenta para a ligação entre os Estados Unidos e as forças militares chilenas,

estabelecida em momento anterior a década de 1970.

Em 1947, os Estados Unidos e o Chile assinaram o Tratado de Defesa Mútua

Interamericano projetado para estender a “proteção” dos EUA para a América

Latina em caso de “ataques” comunistas. Quando o Programa de Assistência

Militar dos Estados Unidos começou em 1952, Chile rapidamente se tornou um dos

primeiros beneficiados da ajuda militar dos EUA no continente. Entre 1950 e 1965

mais de 2.000 chilenos receberam treinamento nos Estados Unidos como parte

desse programa, mais do que qualquer outro país da América Latina, à exceção do

Brasil e do Peru. Chile recebeu a maior quantidade per-capita de ajuda militar na

América Latina entre 1953 e 1966 (Fuente de Información Norte-Americana, nº 9.

Julho de 1973, p. 16)

5. Dos Trabalhadores

Não corrobora a visão veiculada na mídia de que a UP, enquanto governo dos

trabalhadores, tivesse se virado contra eles. Assegura que a base de sustentação do governo

Allende continua sendo a classe trabalhadora, exemplificando os Cordões Industriais e

Comunais como “novas formas de poder popular”.

A respeito da onda de greves ocorridas no Chile, explica

Claramente a greve foi politicamente, e não economicamente, motivada. A

motivação política foi derivada do fracasso da greve dos proprietários em outubro

de 1972. Durante essa greve, 99% dos trabalhadores fabris (blue colar e white

colar) permaneceram no trabalho e muitos, juntamente com estudantes, realizaram

trabalho voluntário para contra-atacar os efeitos da greve.18(Fuente de Información

Norte-Americana, nº 9. Julho de 1973, p. 20)

18 Vale aprofundar a reflexão sobre as diferenças entre “white colar” e “blue colar” dentro dos conjuntos dos trabalhadores chilenos. Segundo FIN essa nomenclatura traduz formas distintas de organização, remuneração, benefícios e contrato de trabalho, que possui uma denominação correspondente em espanhol:

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6. Dos Estados Unidos e do Chile

Denuncia que o então – desde 1971 – embaixador dos Estados Unidos, Nathaniel

Davis, e o corpo diplomático que o acompanhava poucos anos antes de serem

deslocados para o Chile haviam prestado serviços na Guatemala, onde os EUA

apoiaram um governo ditatorial de direita e grupos terroristas anticomunistas

responsáveis por assassinatos de milhares de estudantes, trabalhadores e camponeses.

Numa espécie de resumo, mencionam as ações norte-americanas de financiamento

às greves. Já encaminhando-se para a conclusão, o número se opõe abertamente às

ações dos EUA contra o Chile.

Os norte-americanos deveriam saber desses fatos: nós deveríamos saber o papel

desempenhado pelo nosso governo nos eventos que atualmente se desenvolvem no

Chile. E deveríamos nos opor a toda e qualquer ação lançada pelos EUA contra o

povo chileno. ( Fuente de Información Norte-Americana, nº 9. Julho de 1973, p.

23.)

Considerações Finais

Esse trabalho vislumbrou a possibilidade de analisar o grupo FIN como uma janela

de acesso para se pensar a esquerda nos Estados Unidos, mais precisamente a Nova

Esquerda. A versão norte-americana da Nova Esquerda, assinala Cecília Azevedo, acentua

o ativismo não mais vinculado à experiência soviética, mas relacionado, sobretudo, aos

processos de descolonização africanos e asiáticos, bem como aos processos

revolucionários latino-americanos. Entre as pautas desse ramo da esquerda nos EUA é

possível enumerar o apoio às causas do movimento negro, feminista, ambientalista e pelos

direitos humanos. Margaret Power destaca, ainda, que em razão das lutas anticoloniais e do

movimento pelos direitos civis datados de 1950-1960, abriu-se um espaço para que os

norte-americanos avaliassem suas ações políticas de uma forma mais crítica. Essa autora

recorda que na década seguinte, a de 1970, enquanto Allende tornava-se presidente no

“empleados” e “obreros”, respectivamente. No âmbito político, os “empleados – white colar” estariam associados à Democracia Cristã, já os “obreros – blue colar” corresponderiam a porção simpática aos Partidos Socialista e Comunista. Fuente de Información Norte-Americana, nº 9. Julho de 1973, p. 20.

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Chile, os norte-americanos integravam marchas, manifestando sua oposição ao conflito no

Vietnã.

Num contexto de Guerra Fria, de contenção da “ameaça socialista” e disputa pela

posição de influência dominante nas Américas por parte dos EUA, os integrantes FIN,

opostos à legitimação de uma análise oficial reducionista, não escaparam à ação dos

instrumentos e dos mecanismos de investigação e coerção. De acordo com as ideias

apresentadas pela própria revista, esse grupo insere-se no que Margaret Power chama de

1ª etapa do Movimento em Solidariedade ao Chile – que se iniciou nos anos 1970,

estendendo-se da posse a queda de Allende – , apresentando como traço expressivo a

atração que a experiência chilena exerceu sobre indivíduos e pequenos grupos simpáticos

ao governo, os quais apoiavam o caráter democrático de um socialismo que previa a

melhora da qualidade de vida da população, absorvendo-a de maneira mais abrangente ao

sistema decisório.

O Movimento em Solidariedade ao Chile em suas duas etapas mostrou-se bem

sucedido tanto no plano simbólico quanto no plano prático19. No que tange ao primeiro

aspecto, uma das consequências sinalizadas por Margaret Power foi a repercussão que se

produziu a nível cultural. Dentro desse campo, pode-se incluir tanto a revista FIN, quanto

os filmes produzidos nas décadas de 1970 e 1980 retratando o governo Allende, a

movimentação golpista e a repressão que se seguiu. Efetivamente, como resultado material,

argumenta, que o movimento conseguiu educar as pessoas quanto ao imperialismo

orientado para a América Latina, exercer pressão sobre o governo norte-americano e

chileno, contribuindo para fomentar a discussão dos direitos humanos, poupando, assim,

vidas de presos políticos, alguns recebidos como refugiados nos Estados Unidos. Segundo

dados apresentados pela autora, 2.000 chilenos chegaram aos EUA na condição de exilados

durante o período de 1973-1988. Contudo, em direção oposta, os governos norte-

americanos e chilenos resistiram o quanto puderam às investidas que contrariavam os seus

planos. Em 1974, o secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger recusou-se a

implementar a emenda Harkin aprovada no Congresso que recomendava a interrupção de

ajuda militar a países internacionalmente reconhecidos como violadores dos direitos

humanos. Da parte do Chile, somente no final da década de 1970, Pinochet autorizou

visitações para averiguação das denúncias de abusos do regime ditatorial.

19 POWER, Margaret. “The U.S. Movement in Solidarity with Chile in the 1970’s”. In: Latin American Perspectives, volume 36, nº6, novembro de 2009.

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Em suma, a singularidade de FIN e o seu papel no Movimento em Solidariedade ao

Chile revelam muitas nuances que poderiam parecer invisíveis à primeira vista.

Mergulhando a fundo, encontra-se uma experiência político-cultural que transcende o

estereótipo de imobilismo e individualismo que configuram uma imagem da sociedade

norte-americana. Não se pode negar que, de fato, essas características compõem e

direcionam parte da população. Contudo, evitando generalizações, deve-se atentar para um

segmento da sociedade norte-americana que demonstra interesse em projetos distintos

daqueles, constituindo uma corrente de dissenso, movimento de resistência e protesto, que,

historicamente, entrou em confronto com a política oficial de seu país.

Bibliografia

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