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8/17/2019 Mello & Cunha - Novos conflitos na cidade, UPP.pdf http://slidepdf.com/reader/full/mello-cunha-novos-conflitos-na-cidade-upppdf 1/31 371 Introdução A s políticas de segurança pública implementadas re- centemente em distintas favelas da cidade do Rio de Janeiro fazem parte de projetos mais amplos de renovação urbana, visando preparar a cidade para a reali- zação de importantes eventos internacionais, como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Assim, desde dezembro de 2008, começaram a ser instaladas em favelas cariocas as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), uma forma de ocupação por um determinado contingente policial com a finalidade de garantir a segurança local e, so- bretudo, o cessamento da criminalidade violenta ligada ao tráfico de drogas nesses espaços. A proposta deste artigo é analisar, a partir de pesquisa empírica, os efeitos dessa po- lítica sobre a vida cotidiana dos moradores de uma dessas favelas, a Santa Marta, em Botafogo, Zona Sul da cidade. Novos conflitos na cidade: A UPP e o processo de urbanização na favela 1  Neiva Vieira da Cunha Professora da UERJ Marco Antonio da Silva Mello Professor da UFF e da UFRJ Recebido em: 01/05/2011 Aprovado em: 21/05/2011 Este artigo discute alguns efeitos das Unidades de Polícia Pacificadora, implantadas em distintas favelas do Rio de Janeiro, sobre o cotidiano de seus moradores. A partir de trabalho de campo realizado na favela Santa Marta, buscamos evidenciar os conflitos gerados pela regularização urbanística e pela substituição gradativa de práticas “informais” de acesso a serviços e suas implicações sobre o processo de formalização e reconhecimento de um endereço na cidade. Pretende-se, assim, associar a dimensão das identidades e das representações sociais às políticas públicas de segurança e à reestruturação urbana em curso. Palavras-chave:  favela, segurança pública, conflitos, processos de urbanização  The article New Conflicts in the City: The UPP and the Urbanization Process in the Favela discusses some of the effects on the everyday lives of residents of different Rio de Janeiro favelas, where Pacification Police Units (UPP, in Portuguese) have been deployed. Based on fieldwork conducted in the Santa Marta favela, we seek to highlight the conflicts generated by urban regularization and the gradual replacement of “informal” practices for access to services and their implications for the process of formalizing a recognized “address in the city”. The intention, therefore, is to associate the dimension of identities and social representations to public security policies and the urban reorganization in progress. Keywords : favela, public security, conflicts, urbanization processes DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 4 - n o  3 - JUL/AGO/SET 2011 - pp. 371-401 1 Este artigo apresenta os primeiros resultados do projeto Um Endereço na Cidade: a Experiência Ur- bana na Conformação de Sentimentos Sociais e de Sensibilidades Jurídicas (CNPq nº 309.193/2008-7), que conta com a parti- pação dos alunos de gra- duação Yasmin Monteiro (Pibex-UFRJ), Daniel Bus- tamente (Pibex-UFRJ), Ga- briel Barbosa (Pibex-UFRJ) e Lucia Santos de Souza (Pibic-UERJ), além de com a antropóloga Pricila Loretti, vinculados ao LeMetro- -IFCS-UFRJ. Agradecemos a todos pela colaboração.

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Introduccedilatildeo

As poliacuteticas de seguranccedila puacuteblica implementadas re-centemente em distintas favelas da cidade do Riode Janeiro fazem parte de projetos mais amplos de

renovaccedilatildeo urbana visando preparar a cidade para a reali-zaccedilatildeo de importantes eventos internacionais como a Copa

do Mundo de 2014 e os Jogos Oliacutempicos de 2016 Assimdesde dezembro de 2008 comeccedilaram a ser instaladas emfavelas cariocas as Unidades de Poliacutecia Pacificadora (UPPs)uma forma de ocupaccedilatildeo por um determinado contingentepolicial com a finalidade de garantir a seguranccedila local e so-bretudo o cessamento da criminalidade violenta ligada aotraacutefico de drogas nesses espaccedilos A proposta deste artigo eacuteanalisar a partir de pesquisa empiacuterica os efeitos dessa po-liacutetica sobre a vida cotidiana dos moradores de uma dessas

favelas a Santa Marta em Botafogo Zona Sul da cidade

Novos conflitos na cidade A UPP e oprocesso de urbanizaccedilatildeo na favela1

Neiva Vieira da Cunha

Professora da UERJ

Marco Antonio da Silva Mello

Professor da UFF e da UFRJ

Recebido em 01052011Aprovado em 21052011

Este artigo discute alguns efeitos das Unidadesde Poliacutecia Pacificadora implantadas em distintasfavelas do Rio de Janeiro sobre o cotidiano de seus

moradores A partir de trabalho de campo realizadona favela Santa Marta buscamos evidenciar osconflitos gerados pela regularizaccedilatildeo urbaniacutestica epela substituiccedilatildeo gradativa de praacuteticas ldquoinformaisrdquode acesso a serviccedilos e suas implicaccedilotildees sobre oprocesso de formalizaccedilatildeo e reconhecimento de umendereccedilo na cidade Pretende-se assim associar adimensatildeo das identidades e das representaccedilotildeessociais agraves poliacuteticas puacuteblicas de seguranccedila e agravereestruturaccedilatildeo urbana em cursoPalavras-chave favela seguranccedila puacuteblica conflitosprocessos de urbanizaccedilatildeo

The article New Conflicts in the City The UPP andthe Urbanization Process in the Favela discussessome of the effects on the everyday lives of residents of

different Rio de Janeiro favelas where Pacification PoliceUnits (UPP in Portuguese) have been deployed Based onfieldwork conducted in the Santa Marta favela we seek tohighlight the conflicts generated by urban regularizationand the gradual replacement of ldquoinformalrdquo practices foraccess to services and their implications for the processof formalizing a recognized ldquoaddress in the cityrdquo Theintention therefore is to associate the dimension ofidentities and social representations to public securitypolicies and the urban reorganization in progressKeywords favela public security conflictsurbanization processes

DILEMAS Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol 4 - n o 3 - JULAGOSET 2011 - pp 371-401

1 Este artigo apresenta osprimeiros resultados doprojeto Um Endereccedilo naCidade a Experiecircncia Ur-bana na Conformaccedilatildeo de

Sentimentos Sociais e deSensibilidades Juriacutedicas(CNPq nordm 3091932008-7)que conta com a parti-paccedilatildeo dos alunos de gra-duaccedilatildeo Yasmin Monteiro(Pibex-UFRJ) Daniel Bus-tamente (Pibex-UFRJ) Ga-briel Barbosa (Pibex-UFRJ)e Lucia Santos de Souza(Pibic-UERJ) aleacutem de com aantropoacuteloga Pricila Lorettivinculados ao LeMetro--IFCS-UFRJ Agradecemos atodos pela colaboraccedilatildeo

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A partir de trabalho de campo nessa favela buscamosaqui evidenciar a dimensatildeo dos conflitos gerados desdea implantaccedilatildeo das UPPs pelos processos de regularizaccedilatildeourbaniacutestica e pela substituiccedilatildeo gradativa de praacuteticas ldquoinfor-maisrdquo de acesso a serviccedilos Procuramos do mesmo modochamar a atenccedilatildeo para as implicaccedilotildees de tais fenocircmenospara a formalizaccedilatildeo e o reconhecimento de ldquoum endere-ccedilo na cidaderdquo Pretende-se dessa perspectiva associar adimensatildeo das identidades e das representaccedilotildees sociais aoprocesso mais amplo das poliacuteticas puacuteblicas de seguranccedila ede reestruturaccedilatildeo urbana em curso no Rio de Janeiro

A escolha da cidade para sede da Copa do Mundo e dosJogos Oliacutempicos teve como consequecircncia imediata uma seacute-

rie de propostas de poliacuteticas de renovaccedilatildeo urbana De modogeral os projetos tecircm como alvo privilegiado aacutereas urbanasconsideradas estrateacutegicas pelo poder puacuteblico por seu po-tencial econocircmico e turiacutestico Muitas delas coincidem comespaccedilos de habitaccedilatildeo popular particularmente as favelas oque justifica as accedilotildees diretas do Estado nesses locais

Na complexa negociaccedilatildeo entre o setor puacuteblico e o pri- vado no que concerne agrave garantia dos investimentos nosprojetos de renovaccedilatildeorevitalizaccedilatildeo urbana necessaacuterios agrave

realizaccedilatildeo dos eventos internacionais mencionados a ques-tatildeo da seguranccedila puacuteblica mostrou-se fundamental Diantedos crescentes iacutendices de violecircncia registrados na cidade aolongo das uacuteltimas deacutecadas minus reconhecidamente dos maisaltos do mundo minus o enfrentamento dessa questatildeo fazia-seurgente Antes de empreender os projetos nas aacutereas maisdiretamente envolvidas nos eventos era preciso tornaacute-lasseguras Com esse objetivo a Secretaria estadual de Segu-ranccedila comeccedilou a implantar em algumas favelas da cidade

as Unidades de Poliacutecia Pacificadora

O projeto das Unidades de Poliacutecia Pacificadora

As UPPs pretendem ser de acordo com o projeto apre-sentado pelo governo do estado ldquoum novo modelo de se-guranccedila puacuteblica e de policiamentordquo que busca promover ainteraccedilatildeo entre a populaccedilatildeo e a poliacutecia aliada ao fortaleci-mento de poliacuteticas sociais nas favelas Orientam-se segundo

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seus formuladores pelos princiacutepios da poliacutecia comunitaacuteria(ou poliacutecia de proximidade) que tem como conceito e estra-teacutegia a parceria da populaccedilatildeo com as instituiccedilotildees da aacuterea deseguranccedila De acordo com o secretaacuterio de Seguranccedila Joseacute

Mariano Beltrame a ldquomissatildeordquo das Unidades de Poliacutecia Pa-cificadora eacute a de ldquorecuperar territoacuterios empobrecidos domi-nados haacute deacutecadas por traficantes e pelas miliacutecias armadasrdquo eldquolevar a paz agraves comunidadesrdquo2

Essa declaraccedilatildeo remete a um aspecto importante presentena proposta a ecircnfase na ideia de ldquopacificaccedilatildeordquo explicitada noproacuteprio nome do projeto leva a pensar em seu sentido contraacute-rio tatildeo bem expressado na metaacutefora da ldquoguerra ao crimerdquo comorecentemente chamou a atenccedilatildeo Machado da Silva (2010) al

destaque denuncia a estrateacutegia que orientou o padratildeo de abor-dagem policial nesses espaccedilos o combate ao traacutefico de drogas eagraves facccedilotildees criminosas que apresentaram expressivo crescimen-to nas uacuteltimas deacutecadas e trouxeram consequecircncias desastrosaspara seus moradores A pretensatildeo portanto seria levar a ldquopazrdquoaos territoacuterios antes dominados pela ldquoguerrardquo na qual diga-se depassagem a poliacutecia sempre teve participaccedilatildeo ativa como eacute evi-denciado pela crocircnica jornaliacutestica e por dados estatiacutesticos sobrea violecircncia no Rio de Janeiro Longe de oferecer uma resposta

ao problema o padratildeo de ldquosociabilidade violentardquo (MACHADODA SILVA 2008) que era usado pela poliacutecia acabou por produziruma reaccedilatildeo cada vez maior por parte dos grupos criminosos quese traduziu em uma espeacutecie de corrida armamentista sui generistendo como resultado um clima de suspeiccedilatildeo e medo entre osmoradores dessas localidades clima que generalizado acaboupor capturar a cidade como um todo

Eacute preciso chamar a atenccedilatildeo para o fato de que o pa-dratildeo de atuaccedilatildeo da poliacutecia sobretudo nas favelas e bairros

pobres da periferia da cidade tem sido historicamente ca-racterizado pelo uso da violecircncia pelo abuso de autorida-de e por desrespeito aos moradores atitude exemplificadapela invasatildeo de residecircncias sem mandado judicial em buscade eventuais suspeitos Nessas incursotildees os moradores natildeoeram reconhecidos como cidadatildeos de direito ao contraacuterioeram tratados como bandidos em potencial que colocavama sociedade em perigo Recaiacutea particularmente sobre a po-pulaccedilatildeo mais jovem o peso da discriminaccedilatildeo que os estig-matizava como delinquentes potenciais (SILVA 1998) 2 Citaccedilotildees retiradas dehttpupprjcomwp

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Desse modo as praacuteticas violentas sempre foram co-muns assim como a corrupccedilatildeo por parte de agentes po-liciais que atuavam nas favelas A extorsatildeo e a ldquovenda deproteccedilatildeordquo ao traacutefico muito colaborou para o sentimento

de desconfianccedila e medo em relaccedilatildeo agrave presenccedila da poliacutecianesses espaccedilos (OLIVEIRA e CARVALHO 1993 MISSE1997) entativas anteriores de estabelecer outro padratildeo derelaccedilatildeo com os moradores como o Posto de PoliciamentoComunitaacuterio (PPC) ou o Grupamento de Policiamento emAacutereas Especiais (GPAE)3 natildeo foram capazes de reverter essemodelo de atuaccedilatildeo ais praacuteticas reforccedilaram durante muitotempo a percepccedilatildeo negativa da poliacutecia nas favelas

No entanto a visatildeo de populaccedilotildees pobres como bandi-

dos em potencial natildeo eacute exclusiva da poliacutecia Essa eacute uma ideiacorrente no senso comum e remete agrave proacutepria representaccedilatildeohistoricamente construiacuteda dos espaccedilos de habitaccedilatildeo popularsempre caracterizados pela informalidade ndash tantas vezes con-fundida com a ilegalidade ndash e sobretudo percebidos comolocais destituiacutedos de ordem moral sendo seus moradores per-manentemente criminalizados por isso Apesar das criacuteticas talimagem tem perpetuado preconceitos e estereoacutetipos a respei-to dos setores populares em nossa sociedade e corroborado

os procedimentos que insistem em fazer coincidir como umaespeacutecie de determinismo ecoloacutegico comportamento crimino-so e delinquente com assentamentos urbanos de baixa rendaemblematicamente representados pelas favelas4 (MISSE 2006MACHADO DA SILVA 2008 GONCcedilALVES 2010)

No Rio de Janeiro a formaccedilatildeo dos espaccedilos de favela teveiniacutecio ainda no final do seacuteculo XIX Nessa mesma eacutepocaesse tipo de assentamento comeccedilou a ser ldquodescobertordquo pelopoder puacuteblico e pela elite intelectual carioca e passou a ser

identificado como ldquoproblema socialrdquo (VALLADARES 2005GONCcedilALVES 2010) al concepccedilatildeo tinha como pressupos-to fundamental a ideia de que essa forma de ocupaccedilatildeo doespaccedilo urbano ia de encontro aos princiacutepios racionalistas deorganizaccedilatildeo e expansatildeo da cidade defendidos e efetivamen-te implementados pelos gestores puacuteblicos A favela repre-sentava naquele contexto um espaccedilo claramente marcadopor padrotildees funcionais e esteacuteticos indesejaacuteveis em oposi-ccedilatildeo agrave noccedilatildeo de modernidade eficiecircncia e beleza que deveriaorientar as poliacuteticas de urbanizaccedilatildeo Acresce-se a isso o fato

3 O Posto de PoliciamentoComunitaacuterio (PPC) eacute uma uni-dade baacutesica de apoio da PoliacuteciaMilitar reunindo cerca de 5 po-liciais que podem estar locali-zados em bairros perifeacutericos efavelas ou mesmo em distritos

dos municiacutepios onde se locali-zam as sedes dos batalhotildees oGrupamento de Policiamentoem Aacutereas Especiais (GPAE)eacute uma unidade um poucomaior reunindo de cinco a 15policiais localizada em fave-las consideradas ldquoespeciaisrdquoAmbas as experiecircncias foramtentativas de implantaccedilatildeo deum certo formato da chamadaldquopoliacutecia de proximidaderdquo emfavelas cariocas ao longo dasdeacutecadas de 1980 e 1990

4 Ver no que diz respeito aoescopo da pesquisa urbanasobre as favelas do Rio o pio-neiro e ateacute hoje insuperaacuteveltrabalho de pesquisa reali-zado sob a coordenaccedilatildeo dosocioacutelogo Joseacute Arthur Rios

Aspectos humanos das favelas

cariocas (Relatoacuterio Sagmacs)publicado originalmente pelo

jornal O Estado de Satildeo Pauloem dois suplementos espe-

ciais nos dias 13 e 15 de abrilde 1960

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de que sua representaccedilatildeo era fundamentalmente caracteri-zada pela noccedilatildeo de falta ou ausecircncia um local sem aacuteguasem luz sem esgoto sem coleta de lixo sem equipamentos eserviccedilos sem calccedilamento Ou seja um lugar sem qualquerforma de infraestrutura urbana e acima de tudo sem or-dem e regras morais promiacutescuo Enfim um verdadeiro caos(SILVA 2004) Assim desde as primeiras deacutecadas do seacuteculoXX surgem propostas de erradicaccedilatildeo das favelas que datildeoorigem alguns anos mais tarde agraves poliacuteticas de remoccedilatildeo im-plantadas entre as deacutecadas de 1940 e 19705

Antes do surgimento da favela no espaccedilo urbano as ha-bitaccedilotildees coletivas (ou corticcedilos) eram a forma por excelecircnciade habitaccedilatildeo das classes populares jaacute entatildeo descritas na crocirc-

nica jornaliacutestica como lugares insalubres ldquofontes da doenccedilae do viacuteciordquo ldquoantro da malandragem e do crimerdquo e portantouma permanente ameaccedila agrave ordem social Sua populaccedilatildeocomposta essencialmente por trabalhadores pobres e escra- vos libertos era dita pertencer agraves ldquoclasses perigosasrdquo6 e porisso deveria ser afastada das aacutereas centrais e mais nobres dacidade Essa identificaccedilatildeo relacionava-se natildeo somente ao pe-rigo que ela oferecia agrave manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica mastambeacutem diretamente ao risco de contagium tanto dos maus

haacutebitos e costumes quanto de doenccedilas e epidemias propaga-das graccedilas agraves condiccedilotildees insalubres de habitaccedilatildeo As accedilotildees quemarcaram a presenccedila do Estado nesse periacuteodo orientaram-seassim pela ldquoideologia do higienismordquo7 (BENCHIMOL 1990CHALHOUB 1996 CUNHA 2005)

A contrapartida da UPP Social

Para complementar o projeto das Unidades de Poliacutecia Pa-cificadora vieram a implantaccedilatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos assim como accedilotildees voltadas para a assistecircncia agrave sauacutedee agrave educaccedilatildeo ais accedilotildees reunidas sob a denominaccedilatildeo ampla deUPP Social foram inicialmente coordenadas pela Secretaria deEstado de Assistecircncia Social e Direitos Humanos (SEASDH)apoacutes a instalaccedilatildeo das UPPs pela Secretaria de Estado de Seguran-ccedila (Seseg) e tecircm como horizonte ldquopromover o desenvolvimentosocial incentivar o exerciacutecio da cidadania derrubar fronteiras

simboacutelicas e realizar a integraccedilatildeo plena da cidaderdquo O programa

5 As poliacuteticas puacuteblicas deremoccedilatildeo soacute comeccedilaram aser implementadas nos anos1940 adquirindo impulsoentre as deacutecadas de 1960 e1970 Surgiram nesse periacuteo-do oacutergatildeos de administraccedilatildeo

puacuteblica do Estado encar-regados de pensar accedilotildeespara as favelas e instituiccedilotildeesreligiosas e beneficentesintensificaram sua atuaccedilatildeonesses espaccedilos As poliacuteticasde remoccedilatildeo foram efetiva-mente empreendidas coma criaccedilatildeo de parques prole-taacuterios e centros de habita-ccedilatildeo provisoacuteria e construccedilatildeode conjuntos habitacionaiscomo a Cidade de Deus aCidade Alta e a Vila Kennedypara onde foram removidosmoradores de favelas comoa do Morro do Pasmado ada Praia do Pinto a da Ca-tacumba e a do EsqueletoLocalizadas em aacutereas nobrestodas sumiram definitiva-mente do mapa da cidade

6 Expressatildeo consagradapor Louis Chevalier em seulivro Classes labourieses et

classes dangereuses agrave Paris

pendant la premiegravere moitieacutedu XIXe siegravecle de 1959

7 No iniacutecio do seacuteculo XX minusmais precisamente em 1902minus Rodrigues Alves assumiua Presidecircncia da Repuacuteblicae deu iniacutecio a um vasto pro-grama de obras na cidadecentrado no saneamento ena remodelaccedilatildeo urbaniacutesti-ca Para executar a grandereforma urbana o governonomeou Pereira Passos para

prefeito e encarregou o meacute-dico sanitarista Oswaldo Cruzda reforma sanitaacuteria PereiraPassos intensificou o comba-te agraves ldquohabitaccedilotildees insalubresrdquorepresentadas pelos corti-ccedilos desencadeando contraeles uma verdadeira ldquoguerrardquoque ficou conhecida como ldquoobota-abaixordquo ou ldquoa era das de-moliccedilotildeesrdquo cujo objetivo eraldquosanearrdquo e ldquocivilizarrdquo a cidadeerradicando essas formas de

habitaccedilatildeo popular e tudo oque elas representavam

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UPP Social foi lanccedilado em agosto de 2010 e teve agrave frente o eco-nomista Ricardo Henriques convidado pelo governo estadualpara assumir a SEASDH Em dezembro do mesmo ano Henri-ques deixou a Secretaria e o programa foi entatildeo transferido para

o municiacutepio a partir de um entendimento entre o governadorSeacutergio Cabral e o prefeito Eduardo Paes Em 4 de janeiro de 2011instituiu-se formalmente a UPP Social Carioca que prevendoaccedilotildees sociais culturais e ambientais nas favelas com UPPs seriaa partir de entatildeo coordenado pelo Instituto Municipal de Urba-nismo Pereira Passos (IPP) oacutergatildeo de planejamento estrateacutegicoe produtor de informaccedilotildees e estudos sobre o municiacutepio do qualRicardo Henriques viria a se tornar presidente Essa transferecircn-cia possibilitou a articulaccedilatildeo das accedilotildees propostas pela UPP So-

cial com outros projetos que jaacute vinham sendo desenvolvidos pelaPrefeitura como por exemplo o Morar Carioca8A UPP Social articulada ao programa de habitaccedilatildeo natildeo eacute no

entanto a primeira iniciativa para promover a integraccedilatildeo da favelaagrave ldquocidade formalrdquo Em 1993 o Programa Favela-Bairro9 surge comouma importante mudanccedila na perspectiva das poliacuteticas puacuteblicas di-recionadas agraves favelas (FREIRE 2005) Sua proposta consistia exa-tamente em integrar as favelas ao restante da cidade por meio deobras de urbanizaccedilatildeo saneamento baacutesico e acesso a equipamentos

e mobiliaacuterios urbanos buscando diminuir a distacircncia social en-tre a favela e a cidade formal e abandonando definitivamente aperspectiva da remoccedilatildeo A UPP Social retoma os princiacutepios quenortearam o Favela-Bairro na medida em que pretende promoveruma integraccedilatildeo natildeo apenas espacial das favelas ao tecido urbanomas sobretudo social e econocircmica de modo mais amplo Por es-tar associada a uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica a UPP Socialtem a expectativa de poder enfrentar um dos maiores obstaacuteculosao pleno sucesso dos objetivos integradores do Favela-Bairro ou

seja justamente a presenccedila e a atuaccedilatildeo de grupos criminosos os-tensivamente armados nesses territoacuterios

Segundo seus formuladores os objetivos da UPP So-cial satildeo a) consolidar o controle territorial das aacutereas defavela recuperadas pelo Estado mediante o policiamentoostensivo e a expulsatildeo dos grupos armados que ocupa- vam a aacuterea b) urbanizar e oferecer serviccedilos formais taiscomo fornecimento de energia eleacutetrica e aacutegua c) promo- ver o desenvolvimento social e econocircmico da aacuterea e fi-nalmente d) construir meios que eliminem as fronteiras

8 O projeto Morar Cariocafoi implantado em agostode 2010 e eacute resultado de umconvecircnio entre a Prefeiturado Rio de Janeiro e o Institu-to dos Arquitetos do Brasil(IAB) Prevecirc um processo de

urbanizaccedilatildeo e integraccedilatildeodas favelas atuando sobrea conservaccedilatildeo do espaccedilopuacuteblico o controle do cres-cimento das favelas o reas-sentamento de moradoresem aacutereas de risco e a legis-laccedilatildeo urbaniacutestica

9 Como parte das accedilotildeesimplementadas pelo Gru-po Executivo de Assenta-mentos Populares (Geap)o Favela-Bairro objetivava

prover as favelas de infraes-trutura urbana sob a formade saneamento baacutesico eacesso a equipamentos emobiliaacuterios urbanos inte-grando-as por meio de suaurbanizaccedilatildeo ao restanteda cidade e favorecendocondiccedilotildees ambientais quepudessem caracterizaacute-lascomo bairros da cidade Aarticulaccedilatildeo espacial entrea favela e a ldquocidade formalrdquo

era uma das principais me-tas do programa

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simboacutelicas e materiais que separam as favelas da cidadeformal Pretende-se pois que a integraccedilatildeo das comuni-dades agrave morfologia urbana e social da metroacutepole cariocatenha como horizonte a extensatildeo da qualidade dos ser-

viccedilos oferecidos assim como das regras de urbanidadecivilidade e sociabilidade praticadas na cidade como umtodo a essas regiotildees e a seus modos de habitar suplantan-do qualquer diferenccedila entre a favela e a cidade formal oucomo se costuma dizer entre a favela o ldquoasfaltordquo10

A favela Santa Marta

Para a implantaccedilatildeo do projeto piloto das UPPs11 foiescolhida a favela Santa Marta localizada no Morro DonaMarta entre os bairros de Laranjeiras e Botafogo no co-raccedilatildeo da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro Segundodados da Seseg12 a favela teria atualmente 6 mil morado-res distribuiacutedos em uma aacuterea de 54692 m983218 hoje limitadado lado direito por um plano inclinado e do lado esquerdopor um muro construiacutedo em 200913

10 Para mais informaccedilotildees so-bre a proposta da UPP Socialver wwwuppsocialcombr

11 Novas UPPs foram im-plantadas desde entatildeoCidade de Deus JardimBatan BabilocircniaChapeacuteuMangueira Pavatildeo-Pavatildeo-zinhoCantagalo Tabaja-rasCabritos ProvidecircnciaBorel Formiga AndaraiacuteSalgueiro Turano Maca-cos Satildeo Joatildeo Satildeo CarlosCoroaFalletFogueteiroe EscondidinhoPrazeresSatildeo 17 unidades ateacute o mo-mento A meta do governodo estado eacute chegar a 40 ateacute2014 ano da realizaccedilatildeo daCopa do Mundo no Brasil

12 Para dados atualizadosda Secretaria estadual deSeguranccedila sobre as favelascom UPPs consultar httpupprjcomwp Observe-seentretanto que haacute diver-gecircncias entre os oacutergatildeos puacute-blicos sobre os dados de po-pulaccedilatildeo e aacuterea das favelas

13 Em marccedilo de 2009 o go-verno do estado do Rio deJaneiro apresentou agrave popu-laccedilatildeo um projeto que previa

a construccedilatildeo de muros paraconter a expansatildeo de 19 fa-velas da cidade A justificati-va era proteger a vegetaccedilatildeonativa remanescente nes-sas aacutereas A primeira a sermurada foi a Santa MartaEacute interessante observar noentanto que segundo da-dos do Instituto Pereira Pas-sos a favela foi uma das quenatildeo registraram expansatildeoterritorial entre 1998 e 2008

Ao contraacuterio encolheu 1nesse periacuteodoFoto 1 ndash Vista da favela Santa Marta com o plano inclinado agrave direita

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Marco Antonio da Silva Mello

O processo entretanto foi precedido por uma accedilatildeo concer-tada da poliacutecia a ocupaccedilatildeo da favela A estrateacutegia adotada sur-

preendeu os moradores que ao acordarem em 20 de novembrode 2008 se depararam com a ostensiva presenccedila de policiais Eraalgo inusitado jaacute que aparentemente sem qualquer motivo par-ticular Imaginando se tratar apenas de mais uma das frequentesaccedilotildees da poliacutecia no morro estranharam no entanto o grandenuacutemero de agentes envolvidos na accedilatildeo Os dias foram passandoe as forccedilas policiais permaneceram na favela ateacute que finalmentea populaccedilatildeo percebeu que daquela vez elas tinham vindo paraficar Assim em 19 de dezembro de 2008 um mecircs depois da ocu-

paccedilatildeo foi inaugurada a primeira UPP com 125 policiais sob ocomando da capitatilde Priscilla Azevedo14

A histoacuteria do surgimento da favela Santa Marta remeteagrave primeira metade do seacuteculo XX quando a regiatildeo era ain-da constituiacuteda por uma densa mata Segundo o historiadorMilton eixeira naquela eacutepoca a aacuterea pertencia aos padres jesuiacutetas do Coleacutegio Santo Inaacutecio que permitiram que ali seinstalassem em 1924 os operaacuterios contratados para trabalharnas obras de ampliaccedilatildeo do coleacutegio e suas respectivas famiacutelias

Muitos desses primeiros moradores eram oriundos das regi-

14 A capitatilde Priscilla Azevedopermaneceu no comandoda UPP Santa Marta por doisanos ateacute marccedilo de 2011quando deixou o cargo paraassumir a coordenaccedilatildeo dasUPPs jaacute implantadas na ci-dade por accedilatildeo da Superin-tendecircncia de Planejamento

Operacional da Secretariade Seguranccedila PuacuteblicaRJ Emseu lugar assumiu o subco-mandante capitatildeo RodrigoAndrada Vale destacar apresenccedila da capitatilde Priscillana 121ordf sessatildeo do ComitecircOliacutempico Internacional emCopenhague Dinamarca emoutubro de 2009 ocasiatildeo emque o Brasil foi escolhido parasediar os Jogos Oliacutempicos de2016 como uma espeacutecie de

garantia da ldquopacificaccedilatildeordquo nasfavelas do Rio

Foto 2 ndash O muro construiacutedo em 2009 que estabelece o limite do ladoesquerdo da favela

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DILEMAS 379Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS372 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

A partir de trabalho de campo nessa favela buscamosaqui evidenciar a dimensatildeo dos conflitos gerados desdea implantaccedilatildeo das UPPs pelos processos de regularizaccedilatildeourbaniacutestica e pela substituiccedilatildeo gradativa de praacuteticas ldquoinfor-maisrdquo de acesso a serviccedilos Procuramos do mesmo modochamar a atenccedilatildeo para as implicaccedilotildees de tais fenocircmenospara a formalizaccedilatildeo e o reconhecimento de ldquoum endere-ccedilo na cidaderdquo Pretende-se dessa perspectiva associar adimensatildeo das identidades e das representaccedilotildees sociais aoprocesso mais amplo das poliacuteticas puacuteblicas de seguranccedila ede reestruturaccedilatildeo urbana em curso no Rio de Janeiro

A escolha da cidade para sede da Copa do Mundo e dosJogos Oliacutempicos teve como consequecircncia imediata uma seacute-

rie de propostas de poliacuteticas de renovaccedilatildeo urbana De modogeral os projetos tecircm como alvo privilegiado aacutereas urbanasconsideradas estrateacutegicas pelo poder puacuteblico por seu po-tencial econocircmico e turiacutestico Muitas delas coincidem comespaccedilos de habitaccedilatildeo popular particularmente as favelas oque justifica as accedilotildees diretas do Estado nesses locais

Na complexa negociaccedilatildeo entre o setor puacuteblico e o pri- vado no que concerne agrave garantia dos investimentos nosprojetos de renovaccedilatildeorevitalizaccedilatildeo urbana necessaacuterios agrave

realizaccedilatildeo dos eventos internacionais mencionados a ques-tatildeo da seguranccedila puacuteblica mostrou-se fundamental Diantedos crescentes iacutendices de violecircncia registrados na cidade aolongo das uacuteltimas deacutecadas minus reconhecidamente dos maisaltos do mundo minus o enfrentamento dessa questatildeo fazia-seurgente Antes de empreender os projetos nas aacutereas maisdiretamente envolvidas nos eventos era preciso tornaacute-lasseguras Com esse objetivo a Secretaria estadual de Segu-ranccedila comeccedilou a implantar em algumas favelas da cidade

as Unidades de Poliacutecia Pacificadora

O projeto das Unidades de Poliacutecia Pacificadora

As UPPs pretendem ser de acordo com o projeto apre-sentado pelo governo do estado ldquoum novo modelo de se-guranccedila puacuteblica e de policiamentordquo que busca promover ainteraccedilatildeo entre a populaccedilatildeo e a poliacutecia aliada ao fortaleci-mento de poliacuteticas sociais nas favelas Orientam-se segundo

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DILEMAS 373Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

seus formuladores pelos princiacutepios da poliacutecia comunitaacuteria(ou poliacutecia de proximidade) que tem como conceito e estra-teacutegia a parceria da populaccedilatildeo com as instituiccedilotildees da aacuterea deseguranccedila De acordo com o secretaacuterio de Seguranccedila Joseacute

Mariano Beltrame a ldquomissatildeordquo das Unidades de Poliacutecia Pa-cificadora eacute a de ldquorecuperar territoacuterios empobrecidos domi-nados haacute deacutecadas por traficantes e pelas miliacutecias armadasrdquo eldquolevar a paz agraves comunidadesrdquo2

Essa declaraccedilatildeo remete a um aspecto importante presentena proposta a ecircnfase na ideia de ldquopacificaccedilatildeordquo explicitada noproacuteprio nome do projeto leva a pensar em seu sentido contraacute-rio tatildeo bem expressado na metaacutefora da ldquoguerra ao crimerdquo comorecentemente chamou a atenccedilatildeo Machado da Silva (2010) al

destaque denuncia a estrateacutegia que orientou o padratildeo de abor-dagem policial nesses espaccedilos o combate ao traacutefico de drogas eagraves facccedilotildees criminosas que apresentaram expressivo crescimen-to nas uacuteltimas deacutecadas e trouxeram consequecircncias desastrosaspara seus moradores A pretensatildeo portanto seria levar a ldquopazrdquoaos territoacuterios antes dominados pela ldquoguerrardquo na qual diga-se depassagem a poliacutecia sempre teve participaccedilatildeo ativa como eacute evi-denciado pela crocircnica jornaliacutestica e por dados estatiacutesticos sobrea violecircncia no Rio de Janeiro Longe de oferecer uma resposta

ao problema o padratildeo de ldquosociabilidade violentardquo (MACHADODA SILVA 2008) que era usado pela poliacutecia acabou por produziruma reaccedilatildeo cada vez maior por parte dos grupos criminosos quese traduziu em uma espeacutecie de corrida armamentista sui generistendo como resultado um clima de suspeiccedilatildeo e medo entre osmoradores dessas localidades clima que generalizado acaboupor capturar a cidade como um todo

Eacute preciso chamar a atenccedilatildeo para o fato de que o pa-dratildeo de atuaccedilatildeo da poliacutecia sobretudo nas favelas e bairros

pobres da periferia da cidade tem sido historicamente ca-racterizado pelo uso da violecircncia pelo abuso de autorida-de e por desrespeito aos moradores atitude exemplificadapela invasatildeo de residecircncias sem mandado judicial em buscade eventuais suspeitos Nessas incursotildees os moradores natildeoeram reconhecidos como cidadatildeos de direito ao contraacuterioeram tratados como bandidos em potencial que colocavama sociedade em perigo Recaiacutea particularmente sobre a po-pulaccedilatildeo mais jovem o peso da discriminaccedilatildeo que os estig-matizava como delinquentes potenciais (SILVA 1998) 2 Citaccedilotildees retiradas dehttpupprjcomwp

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DILEMAS374 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Desse modo as praacuteticas violentas sempre foram co-muns assim como a corrupccedilatildeo por parte de agentes po-liciais que atuavam nas favelas A extorsatildeo e a ldquovenda deproteccedilatildeordquo ao traacutefico muito colaborou para o sentimento

de desconfianccedila e medo em relaccedilatildeo agrave presenccedila da poliacutecianesses espaccedilos (OLIVEIRA e CARVALHO 1993 MISSE1997) entativas anteriores de estabelecer outro padratildeo derelaccedilatildeo com os moradores como o Posto de PoliciamentoComunitaacuterio (PPC) ou o Grupamento de Policiamento emAacutereas Especiais (GPAE)3 natildeo foram capazes de reverter essemodelo de atuaccedilatildeo ais praacuteticas reforccedilaram durante muitotempo a percepccedilatildeo negativa da poliacutecia nas favelas

No entanto a visatildeo de populaccedilotildees pobres como bandi-

dos em potencial natildeo eacute exclusiva da poliacutecia Essa eacute uma ideiacorrente no senso comum e remete agrave proacutepria representaccedilatildeohistoricamente construiacuteda dos espaccedilos de habitaccedilatildeo popularsempre caracterizados pela informalidade ndash tantas vezes con-fundida com a ilegalidade ndash e sobretudo percebidos comolocais destituiacutedos de ordem moral sendo seus moradores per-manentemente criminalizados por isso Apesar das criacuteticas talimagem tem perpetuado preconceitos e estereoacutetipos a respei-to dos setores populares em nossa sociedade e corroborado

os procedimentos que insistem em fazer coincidir como umaespeacutecie de determinismo ecoloacutegico comportamento crimino-so e delinquente com assentamentos urbanos de baixa rendaemblematicamente representados pelas favelas4 (MISSE 2006MACHADO DA SILVA 2008 GONCcedilALVES 2010)

No Rio de Janeiro a formaccedilatildeo dos espaccedilos de favela teveiniacutecio ainda no final do seacuteculo XIX Nessa mesma eacutepocaesse tipo de assentamento comeccedilou a ser ldquodescobertordquo pelopoder puacuteblico e pela elite intelectual carioca e passou a ser

identificado como ldquoproblema socialrdquo (VALLADARES 2005GONCcedilALVES 2010) al concepccedilatildeo tinha como pressupos-to fundamental a ideia de que essa forma de ocupaccedilatildeo doespaccedilo urbano ia de encontro aos princiacutepios racionalistas deorganizaccedilatildeo e expansatildeo da cidade defendidos e efetivamen-te implementados pelos gestores puacuteblicos A favela repre-sentava naquele contexto um espaccedilo claramente marcadopor padrotildees funcionais e esteacuteticos indesejaacuteveis em oposi-ccedilatildeo agrave noccedilatildeo de modernidade eficiecircncia e beleza que deveriaorientar as poliacuteticas de urbanizaccedilatildeo Acresce-se a isso o fato

3 O Posto de PoliciamentoComunitaacuterio (PPC) eacute uma uni-dade baacutesica de apoio da PoliacuteciaMilitar reunindo cerca de 5 po-liciais que podem estar locali-zados em bairros perifeacutericos efavelas ou mesmo em distritos

dos municiacutepios onde se locali-zam as sedes dos batalhotildees oGrupamento de Policiamentoem Aacutereas Especiais (GPAE)eacute uma unidade um poucomaior reunindo de cinco a 15policiais localizada em fave-las consideradas ldquoespeciaisrdquoAmbas as experiecircncias foramtentativas de implantaccedilatildeo deum certo formato da chamadaldquopoliacutecia de proximidaderdquo emfavelas cariocas ao longo dasdeacutecadas de 1980 e 1990

4 Ver no que diz respeito aoescopo da pesquisa urbanasobre as favelas do Rio o pio-neiro e ateacute hoje insuperaacuteveltrabalho de pesquisa reali-zado sob a coordenaccedilatildeo dosocioacutelogo Joseacute Arthur Rios

Aspectos humanos das favelas

cariocas (Relatoacuterio Sagmacs)publicado originalmente pelo

jornal O Estado de Satildeo Pauloem dois suplementos espe-

ciais nos dias 13 e 15 de abrilde 1960

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DILEMAS 375Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de que sua representaccedilatildeo era fundamentalmente caracteri-zada pela noccedilatildeo de falta ou ausecircncia um local sem aacuteguasem luz sem esgoto sem coleta de lixo sem equipamentos eserviccedilos sem calccedilamento Ou seja um lugar sem qualquerforma de infraestrutura urbana e acima de tudo sem or-dem e regras morais promiacutescuo Enfim um verdadeiro caos(SILVA 2004) Assim desde as primeiras deacutecadas do seacuteculoXX surgem propostas de erradicaccedilatildeo das favelas que datildeoorigem alguns anos mais tarde agraves poliacuteticas de remoccedilatildeo im-plantadas entre as deacutecadas de 1940 e 19705

Antes do surgimento da favela no espaccedilo urbano as ha-bitaccedilotildees coletivas (ou corticcedilos) eram a forma por excelecircnciade habitaccedilatildeo das classes populares jaacute entatildeo descritas na crocirc-

nica jornaliacutestica como lugares insalubres ldquofontes da doenccedilae do viacuteciordquo ldquoantro da malandragem e do crimerdquo e portantouma permanente ameaccedila agrave ordem social Sua populaccedilatildeocomposta essencialmente por trabalhadores pobres e escra- vos libertos era dita pertencer agraves ldquoclasses perigosasrdquo6 e porisso deveria ser afastada das aacutereas centrais e mais nobres dacidade Essa identificaccedilatildeo relacionava-se natildeo somente ao pe-rigo que ela oferecia agrave manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica mastambeacutem diretamente ao risco de contagium tanto dos maus

haacutebitos e costumes quanto de doenccedilas e epidemias propaga-das graccedilas agraves condiccedilotildees insalubres de habitaccedilatildeo As accedilotildees quemarcaram a presenccedila do Estado nesse periacuteodo orientaram-seassim pela ldquoideologia do higienismordquo7 (BENCHIMOL 1990CHALHOUB 1996 CUNHA 2005)

A contrapartida da UPP Social

Para complementar o projeto das Unidades de Poliacutecia Pa-cificadora vieram a implantaccedilatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos assim como accedilotildees voltadas para a assistecircncia agrave sauacutedee agrave educaccedilatildeo ais accedilotildees reunidas sob a denominaccedilatildeo ampla deUPP Social foram inicialmente coordenadas pela Secretaria deEstado de Assistecircncia Social e Direitos Humanos (SEASDH)apoacutes a instalaccedilatildeo das UPPs pela Secretaria de Estado de Seguran-ccedila (Seseg) e tecircm como horizonte ldquopromover o desenvolvimentosocial incentivar o exerciacutecio da cidadania derrubar fronteiras

simboacutelicas e realizar a integraccedilatildeo plena da cidaderdquo O programa

5 As poliacuteticas puacuteblicas deremoccedilatildeo soacute comeccedilaram aser implementadas nos anos1940 adquirindo impulsoentre as deacutecadas de 1960 e1970 Surgiram nesse periacuteo-do oacutergatildeos de administraccedilatildeo

puacuteblica do Estado encar-regados de pensar accedilotildeespara as favelas e instituiccedilotildeesreligiosas e beneficentesintensificaram sua atuaccedilatildeonesses espaccedilos As poliacuteticasde remoccedilatildeo foram efetiva-mente empreendidas coma criaccedilatildeo de parques prole-taacuterios e centros de habita-ccedilatildeo provisoacuteria e construccedilatildeode conjuntos habitacionaiscomo a Cidade de Deus aCidade Alta e a Vila Kennedypara onde foram removidosmoradores de favelas comoa do Morro do Pasmado ada Praia do Pinto a da Ca-tacumba e a do EsqueletoLocalizadas em aacutereas nobrestodas sumiram definitiva-mente do mapa da cidade

6 Expressatildeo consagradapor Louis Chevalier em seulivro Classes labourieses et

classes dangereuses agrave Paris

pendant la premiegravere moitieacutedu XIXe siegravecle de 1959

7 No iniacutecio do seacuteculo XX minusmais precisamente em 1902minus Rodrigues Alves assumiua Presidecircncia da Repuacuteblicae deu iniacutecio a um vasto pro-grama de obras na cidadecentrado no saneamento ena remodelaccedilatildeo urbaniacutesti-ca Para executar a grandereforma urbana o governonomeou Pereira Passos para

prefeito e encarregou o meacute-dico sanitarista Oswaldo Cruzda reforma sanitaacuteria PereiraPassos intensificou o comba-te agraves ldquohabitaccedilotildees insalubresrdquorepresentadas pelos corti-ccedilos desencadeando contraeles uma verdadeira ldquoguerrardquoque ficou conhecida como ldquoobota-abaixordquo ou ldquoa era das de-moliccedilotildeesrdquo cujo objetivo eraldquosanearrdquo e ldquocivilizarrdquo a cidadeerradicando essas formas de

habitaccedilatildeo popular e tudo oque elas representavam

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DILEMAS376 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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UPP Social foi lanccedilado em agosto de 2010 e teve agrave frente o eco-nomista Ricardo Henriques convidado pelo governo estadualpara assumir a SEASDH Em dezembro do mesmo ano Henri-ques deixou a Secretaria e o programa foi entatildeo transferido para

o municiacutepio a partir de um entendimento entre o governadorSeacutergio Cabral e o prefeito Eduardo Paes Em 4 de janeiro de 2011instituiu-se formalmente a UPP Social Carioca que prevendoaccedilotildees sociais culturais e ambientais nas favelas com UPPs seriaa partir de entatildeo coordenado pelo Instituto Municipal de Urba-nismo Pereira Passos (IPP) oacutergatildeo de planejamento estrateacutegicoe produtor de informaccedilotildees e estudos sobre o municiacutepio do qualRicardo Henriques viria a se tornar presidente Essa transferecircn-cia possibilitou a articulaccedilatildeo das accedilotildees propostas pela UPP So-

cial com outros projetos que jaacute vinham sendo desenvolvidos pelaPrefeitura como por exemplo o Morar Carioca8A UPP Social articulada ao programa de habitaccedilatildeo natildeo eacute no

entanto a primeira iniciativa para promover a integraccedilatildeo da favelaagrave ldquocidade formalrdquo Em 1993 o Programa Favela-Bairro9 surge comouma importante mudanccedila na perspectiva das poliacuteticas puacuteblicas di-recionadas agraves favelas (FREIRE 2005) Sua proposta consistia exa-tamente em integrar as favelas ao restante da cidade por meio deobras de urbanizaccedilatildeo saneamento baacutesico e acesso a equipamentos

e mobiliaacuterios urbanos buscando diminuir a distacircncia social en-tre a favela e a cidade formal e abandonando definitivamente aperspectiva da remoccedilatildeo A UPP Social retoma os princiacutepios quenortearam o Favela-Bairro na medida em que pretende promoveruma integraccedilatildeo natildeo apenas espacial das favelas ao tecido urbanomas sobretudo social e econocircmica de modo mais amplo Por es-tar associada a uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica a UPP Socialtem a expectativa de poder enfrentar um dos maiores obstaacuteculosao pleno sucesso dos objetivos integradores do Favela-Bairro ou

seja justamente a presenccedila e a atuaccedilatildeo de grupos criminosos os-tensivamente armados nesses territoacuterios

Segundo seus formuladores os objetivos da UPP So-cial satildeo a) consolidar o controle territorial das aacutereas defavela recuperadas pelo Estado mediante o policiamentoostensivo e a expulsatildeo dos grupos armados que ocupa- vam a aacuterea b) urbanizar e oferecer serviccedilos formais taiscomo fornecimento de energia eleacutetrica e aacutegua c) promo- ver o desenvolvimento social e econocircmico da aacuterea e fi-nalmente d) construir meios que eliminem as fronteiras

8 O projeto Morar Cariocafoi implantado em agostode 2010 e eacute resultado de umconvecircnio entre a Prefeiturado Rio de Janeiro e o Institu-to dos Arquitetos do Brasil(IAB) Prevecirc um processo de

urbanizaccedilatildeo e integraccedilatildeodas favelas atuando sobrea conservaccedilatildeo do espaccedilopuacuteblico o controle do cres-cimento das favelas o reas-sentamento de moradoresem aacutereas de risco e a legis-laccedilatildeo urbaniacutestica

9 Como parte das accedilotildeesimplementadas pelo Gru-po Executivo de Assenta-mentos Populares (Geap)o Favela-Bairro objetivava

prover as favelas de infraes-trutura urbana sob a formade saneamento baacutesico eacesso a equipamentos emobiliaacuterios urbanos inte-grando-as por meio de suaurbanizaccedilatildeo ao restanteda cidade e favorecendocondiccedilotildees ambientais quepudessem caracterizaacute-lascomo bairros da cidade Aarticulaccedilatildeo espacial entrea favela e a ldquocidade formalrdquo

era uma das principais me-tas do programa

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DILEMAS 377Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

simboacutelicas e materiais que separam as favelas da cidadeformal Pretende-se pois que a integraccedilatildeo das comuni-dades agrave morfologia urbana e social da metroacutepole cariocatenha como horizonte a extensatildeo da qualidade dos ser-

viccedilos oferecidos assim como das regras de urbanidadecivilidade e sociabilidade praticadas na cidade como umtodo a essas regiotildees e a seus modos de habitar suplantan-do qualquer diferenccedila entre a favela e a cidade formal oucomo se costuma dizer entre a favela o ldquoasfaltordquo10

A favela Santa Marta

Para a implantaccedilatildeo do projeto piloto das UPPs11 foiescolhida a favela Santa Marta localizada no Morro DonaMarta entre os bairros de Laranjeiras e Botafogo no co-raccedilatildeo da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro Segundodados da Seseg12 a favela teria atualmente 6 mil morado-res distribuiacutedos em uma aacuterea de 54692 m983218 hoje limitadado lado direito por um plano inclinado e do lado esquerdopor um muro construiacutedo em 200913

10 Para mais informaccedilotildees so-bre a proposta da UPP Socialver wwwuppsocialcombr

11 Novas UPPs foram im-plantadas desde entatildeoCidade de Deus JardimBatan BabilocircniaChapeacuteuMangueira Pavatildeo-Pavatildeo-zinhoCantagalo Tabaja-rasCabritos ProvidecircnciaBorel Formiga AndaraiacuteSalgueiro Turano Maca-cos Satildeo Joatildeo Satildeo CarlosCoroaFalletFogueteiroe EscondidinhoPrazeresSatildeo 17 unidades ateacute o mo-mento A meta do governodo estado eacute chegar a 40 ateacute2014 ano da realizaccedilatildeo daCopa do Mundo no Brasil

12 Para dados atualizadosda Secretaria estadual deSeguranccedila sobre as favelascom UPPs consultar httpupprjcomwp Observe-seentretanto que haacute diver-gecircncias entre os oacutergatildeos puacute-blicos sobre os dados de po-pulaccedilatildeo e aacuterea das favelas

13 Em marccedilo de 2009 o go-verno do estado do Rio deJaneiro apresentou agrave popu-laccedilatildeo um projeto que previa

a construccedilatildeo de muros paraconter a expansatildeo de 19 fa-velas da cidade A justificati-va era proteger a vegetaccedilatildeonativa remanescente nes-sas aacutereas A primeira a sermurada foi a Santa MartaEacute interessante observar noentanto que segundo da-dos do Instituto Pereira Pas-sos a favela foi uma das quenatildeo registraram expansatildeoterritorial entre 1998 e 2008

Ao contraacuterio encolheu 1nesse periacuteodoFoto 1 ndash Vista da favela Santa Marta com o plano inclinado agrave direita

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DILEMAS378 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo entretanto foi precedido por uma accedilatildeo concer-tada da poliacutecia a ocupaccedilatildeo da favela A estrateacutegia adotada sur-

preendeu os moradores que ao acordarem em 20 de novembrode 2008 se depararam com a ostensiva presenccedila de policiais Eraalgo inusitado jaacute que aparentemente sem qualquer motivo par-ticular Imaginando se tratar apenas de mais uma das frequentesaccedilotildees da poliacutecia no morro estranharam no entanto o grandenuacutemero de agentes envolvidos na accedilatildeo Os dias foram passandoe as forccedilas policiais permaneceram na favela ateacute que finalmentea populaccedilatildeo percebeu que daquela vez elas tinham vindo paraficar Assim em 19 de dezembro de 2008 um mecircs depois da ocu-

paccedilatildeo foi inaugurada a primeira UPP com 125 policiais sob ocomando da capitatilde Priscilla Azevedo14

A histoacuteria do surgimento da favela Santa Marta remeteagrave primeira metade do seacuteculo XX quando a regiatildeo era ain-da constituiacuteda por uma densa mata Segundo o historiadorMilton eixeira naquela eacutepoca a aacuterea pertencia aos padres jesuiacutetas do Coleacutegio Santo Inaacutecio que permitiram que ali seinstalassem em 1924 os operaacuterios contratados para trabalharnas obras de ampliaccedilatildeo do coleacutegio e suas respectivas famiacutelias

Muitos desses primeiros moradores eram oriundos das regi-

14 A capitatilde Priscilla Azevedopermaneceu no comandoda UPP Santa Marta por doisanos ateacute marccedilo de 2011quando deixou o cargo paraassumir a coordenaccedilatildeo dasUPPs jaacute implantadas na ci-dade por accedilatildeo da Superin-tendecircncia de Planejamento

Operacional da Secretariade Seguranccedila PuacuteblicaRJ Emseu lugar assumiu o subco-mandante capitatildeo RodrigoAndrada Vale destacar apresenccedila da capitatilde Priscillana 121ordf sessatildeo do ComitecircOliacutempico Internacional emCopenhague Dinamarca emoutubro de 2009 ocasiatildeo emque o Brasil foi escolhido parasediar os Jogos Oliacutempicos de2016 como uma espeacutecie de

garantia da ldquopacificaccedilatildeordquo nasfavelas do Rio

Foto 2 ndash O muro construiacutedo em 2009 que estabelece o limite do ladoesquerdo da favela

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DILEMAS 379Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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seus formuladores pelos princiacutepios da poliacutecia comunitaacuteria(ou poliacutecia de proximidade) que tem como conceito e estra-teacutegia a parceria da populaccedilatildeo com as instituiccedilotildees da aacuterea deseguranccedila De acordo com o secretaacuterio de Seguranccedila Joseacute

Mariano Beltrame a ldquomissatildeordquo das Unidades de Poliacutecia Pa-cificadora eacute a de ldquorecuperar territoacuterios empobrecidos domi-nados haacute deacutecadas por traficantes e pelas miliacutecias armadasrdquo eldquolevar a paz agraves comunidadesrdquo2

Essa declaraccedilatildeo remete a um aspecto importante presentena proposta a ecircnfase na ideia de ldquopacificaccedilatildeordquo explicitada noproacuteprio nome do projeto leva a pensar em seu sentido contraacute-rio tatildeo bem expressado na metaacutefora da ldquoguerra ao crimerdquo comorecentemente chamou a atenccedilatildeo Machado da Silva (2010) al

destaque denuncia a estrateacutegia que orientou o padratildeo de abor-dagem policial nesses espaccedilos o combate ao traacutefico de drogas eagraves facccedilotildees criminosas que apresentaram expressivo crescimen-to nas uacuteltimas deacutecadas e trouxeram consequecircncias desastrosaspara seus moradores A pretensatildeo portanto seria levar a ldquopazrdquoaos territoacuterios antes dominados pela ldquoguerrardquo na qual diga-se depassagem a poliacutecia sempre teve participaccedilatildeo ativa como eacute evi-denciado pela crocircnica jornaliacutestica e por dados estatiacutesticos sobrea violecircncia no Rio de Janeiro Longe de oferecer uma resposta

ao problema o padratildeo de ldquosociabilidade violentardquo (MACHADODA SILVA 2008) que era usado pela poliacutecia acabou por produziruma reaccedilatildeo cada vez maior por parte dos grupos criminosos quese traduziu em uma espeacutecie de corrida armamentista sui generistendo como resultado um clima de suspeiccedilatildeo e medo entre osmoradores dessas localidades clima que generalizado acaboupor capturar a cidade como um todo

Eacute preciso chamar a atenccedilatildeo para o fato de que o pa-dratildeo de atuaccedilatildeo da poliacutecia sobretudo nas favelas e bairros

pobres da periferia da cidade tem sido historicamente ca-racterizado pelo uso da violecircncia pelo abuso de autorida-de e por desrespeito aos moradores atitude exemplificadapela invasatildeo de residecircncias sem mandado judicial em buscade eventuais suspeitos Nessas incursotildees os moradores natildeoeram reconhecidos como cidadatildeos de direito ao contraacuterioeram tratados como bandidos em potencial que colocavama sociedade em perigo Recaiacutea particularmente sobre a po-pulaccedilatildeo mais jovem o peso da discriminaccedilatildeo que os estig-matizava como delinquentes potenciais (SILVA 1998) 2 Citaccedilotildees retiradas dehttpupprjcomwp

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DILEMAS374 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Desse modo as praacuteticas violentas sempre foram co-muns assim como a corrupccedilatildeo por parte de agentes po-liciais que atuavam nas favelas A extorsatildeo e a ldquovenda deproteccedilatildeordquo ao traacutefico muito colaborou para o sentimento

de desconfianccedila e medo em relaccedilatildeo agrave presenccedila da poliacutecianesses espaccedilos (OLIVEIRA e CARVALHO 1993 MISSE1997) entativas anteriores de estabelecer outro padratildeo derelaccedilatildeo com os moradores como o Posto de PoliciamentoComunitaacuterio (PPC) ou o Grupamento de Policiamento emAacutereas Especiais (GPAE)3 natildeo foram capazes de reverter essemodelo de atuaccedilatildeo ais praacuteticas reforccedilaram durante muitotempo a percepccedilatildeo negativa da poliacutecia nas favelas

No entanto a visatildeo de populaccedilotildees pobres como bandi-

dos em potencial natildeo eacute exclusiva da poliacutecia Essa eacute uma ideiacorrente no senso comum e remete agrave proacutepria representaccedilatildeohistoricamente construiacuteda dos espaccedilos de habitaccedilatildeo popularsempre caracterizados pela informalidade ndash tantas vezes con-fundida com a ilegalidade ndash e sobretudo percebidos comolocais destituiacutedos de ordem moral sendo seus moradores per-manentemente criminalizados por isso Apesar das criacuteticas talimagem tem perpetuado preconceitos e estereoacutetipos a respei-to dos setores populares em nossa sociedade e corroborado

os procedimentos que insistem em fazer coincidir como umaespeacutecie de determinismo ecoloacutegico comportamento crimino-so e delinquente com assentamentos urbanos de baixa rendaemblematicamente representados pelas favelas4 (MISSE 2006MACHADO DA SILVA 2008 GONCcedilALVES 2010)

No Rio de Janeiro a formaccedilatildeo dos espaccedilos de favela teveiniacutecio ainda no final do seacuteculo XIX Nessa mesma eacutepocaesse tipo de assentamento comeccedilou a ser ldquodescobertordquo pelopoder puacuteblico e pela elite intelectual carioca e passou a ser

identificado como ldquoproblema socialrdquo (VALLADARES 2005GONCcedilALVES 2010) al concepccedilatildeo tinha como pressupos-to fundamental a ideia de que essa forma de ocupaccedilatildeo doespaccedilo urbano ia de encontro aos princiacutepios racionalistas deorganizaccedilatildeo e expansatildeo da cidade defendidos e efetivamen-te implementados pelos gestores puacuteblicos A favela repre-sentava naquele contexto um espaccedilo claramente marcadopor padrotildees funcionais e esteacuteticos indesejaacuteveis em oposi-ccedilatildeo agrave noccedilatildeo de modernidade eficiecircncia e beleza que deveriaorientar as poliacuteticas de urbanizaccedilatildeo Acresce-se a isso o fato

3 O Posto de PoliciamentoComunitaacuterio (PPC) eacute uma uni-dade baacutesica de apoio da PoliacuteciaMilitar reunindo cerca de 5 po-liciais que podem estar locali-zados em bairros perifeacutericos efavelas ou mesmo em distritos

dos municiacutepios onde se locali-zam as sedes dos batalhotildees oGrupamento de Policiamentoem Aacutereas Especiais (GPAE)eacute uma unidade um poucomaior reunindo de cinco a 15policiais localizada em fave-las consideradas ldquoespeciaisrdquoAmbas as experiecircncias foramtentativas de implantaccedilatildeo deum certo formato da chamadaldquopoliacutecia de proximidaderdquo emfavelas cariocas ao longo dasdeacutecadas de 1980 e 1990

4 Ver no que diz respeito aoescopo da pesquisa urbanasobre as favelas do Rio o pio-neiro e ateacute hoje insuperaacuteveltrabalho de pesquisa reali-zado sob a coordenaccedilatildeo dosocioacutelogo Joseacute Arthur Rios

Aspectos humanos das favelas

cariocas (Relatoacuterio Sagmacs)publicado originalmente pelo

jornal O Estado de Satildeo Pauloem dois suplementos espe-

ciais nos dias 13 e 15 de abrilde 1960

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de que sua representaccedilatildeo era fundamentalmente caracteri-zada pela noccedilatildeo de falta ou ausecircncia um local sem aacuteguasem luz sem esgoto sem coleta de lixo sem equipamentos eserviccedilos sem calccedilamento Ou seja um lugar sem qualquerforma de infraestrutura urbana e acima de tudo sem or-dem e regras morais promiacutescuo Enfim um verdadeiro caos(SILVA 2004) Assim desde as primeiras deacutecadas do seacuteculoXX surgem propostas de erradicaccedilatildeo das favelas que datildeoorigem alguns anos mais tarde agraves poliacuteticas de remoccedilatildeo im-plantadas entre as deacutecadas de 1940 e 19705

Antes do surgimento da favela no espaccedilo urbano as ha-bitaccedilotildees coletivas (ou corticcedilos) eram a forma por excelecircnciade habitaccedilatildeo das classes populares jaacute entatildeo descritas na crocirc-

nica jornaliacutestica como lugares insalubres ldquofontes da doenccedilae do viacuteciordquo ldquoantro da malandragem e do crimerdquo e portantouma permanente ameaccedila agrave ordem social Sua populaccedilatildeocomposta essencialmente por trabalhadores pobres e escra- vos libertos era dita pertencer agraves ldquoclasses perigosasrdquo6 e porisso deveria ser afastada das aacutereas centrais e mais nobres dacidade Essa identificaccedilatildeo relacionava-se natildeo somente ao pe-rigo que ela oferecia agrave manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica mastambeacutem diretamente ao risco de contagium tanto dos maus

haacutebitos e costumes quanto de doenccedilas e epidemias propaga-das graccedilas agraves condiccedilotildees insalubres de habitaccedilatildeo As accedilotildees quemarcaram a presenccedila do Estado nesse periacuteodo orientaram-seassim pela ldquoideologia do higienismordquo7 (BENCHIMOL 1990CHALHOUB 1996 CUNHA 2005)

A contrapartida da UPP Social

Para complementar o projeto das Unidades de Poliacutecia Pa-cificadora vieram a implantaccedilatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos assim como accedilotildees voltadas para a assistecircncia agrave sauacutedee agrave educaccedilatildeo ais accedilotildees reunidas sob a denominaccedilatildeo ampla deUPP Social foram inicialmente coordenadas pela Secretaria deEstado de Assistecircncia Social e Direitos Humanos (SEASDH)apoacutes a instalaccedilatildeo das UPPs pela Secretaria de Estado de Seguran-ccedila (Seseg) e tecircm como horizonte ldquopromover o desenvolvimentosocial incentivar o exerciacutecio da cidadania derrubar fronteiras

simboacutelicas e realizar a integraccedilatildeo plena da cidaderdquo O programa

5 As poliacuteticas puacuteblicas deremoccedilatildeo soacute comeccedilaram aser implementadas nos anos1940 adquirindo impulsoentre as deacutecadas de 1960 e1970 Surgiram nesse periacuteo-do oacutergatildeos de administraccedilatildeo

puacuteblica do Estado encar-regados de pensar accedilotildeespara as favelas e instituiccedilotildeesreligiosas e beneficentesintensificaram sua atuaccedilatildeonesses espaccedilos As poliacuteticasde remoccedilatildeo foram efetiva-mente empreendidas coma criaccedilatildeo de parques prole-taacuterios e centros de habita-ccedilatildeo provisoacuteria e construccedilatildeode conjuntos habitacionaiscomo a Cidade de Deus aCidade Alta e a Vila Kennedypara onde foram removidosmoradores de favelas comoa do Morro do Pasmado ada Praia do Pinto a da Ca-tacumba e a do EsqueletoLocalizadas em aacutereas nobrestodas sumiram definitiva-mente do mapa da cidade

6 Expressatildeo consagradapor Louis Chevalier em seulivro Classes labourieses et

classes dangereuses agrave Paris

pendant la premiegravere moitieacutedu XIXe siegravecle de 1959

7 No iniacutecio do seacuteculo XX minusmais precisamente em 1902minus Rodrigues Alves assumiua Presidecircncia da Repuacuteblicae deu iniacutecio a um vasto pro-grama de obras na cidadecentrado no saneamento ena remodelaccedilatildeo urbaniacutesti-ca Para executar a grandereforma urbana o governonomeou Pereira Passos para

prefeito e encarregou o meacute-dico sanitarista Oswaldo Cruzda reforma sanitaacuteria PereiraPassos intensificou o comba-te agraves ldquohabitaccedilotildees insalubresrdquorepresentadas pelos corti-ccedilos desencadeando contraeles uma verdadeira ldquoguerrardquoque ficou conhecida como ldquoobota-abaixordquo ou ldquoa era das de-moliccedilotildeesrdquo cujo objetivo eraldquosanearrdquo e ldquocivilizarrdquo a cidadeerradicando essas formas de

habitaccedilatildeo popular e tudo oque elas representavam

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DILEMAS376 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

UPP Social foi lanccedilado em agosto de 2010 e teve agrave frente o eco-nomista Ricardo Henriques convidado pelo governo estadualpara assumir a SEASDH Em dezembro do mesmo ano Henri-ques deixou a Secretaria e o programa foi entatildeo transferido para

o municiacutepio a partir de um entendimento entre o governadorSeacutergio Cabral e o prefeito Eduardo Paes Em 4 de janeiro de 2011instituiu-se formalmente a UPP Social Carioca que prevendoaccedilotildees sociais culturais e ambientais nas favelas com UPPs seriaa partir de entatildeo coordenado pelo Instituto Municipal de Urba-nismo Pereira Passos (IPP) oacutergatildeo de planejamento estrateacutegicoe produtor de informaccedilotildees e estudos sobre o municiacutepio do qualRicardo Henriques viria a se tornar presidente Essa transferecircn-cia possibilitou a articulaccedilatildeo das accedilotildees propostas pela UPP So-

cial com outros projetos que jaacute vinham sendo desenvolvidos pelaPrefeitura como por exemplo o Morar Carioca8A UPP Social articulada ao programa de habitaccedilatildeo natildeo eacute no

entanto a primeira iniciativa para promover a integraccedilatildeo da favelaagrave ldquocidade formalrdquo Em 1993 o Programa Favela-Bairro9 surge comouma importante mudanccedila na perspectiva das poliacuteticas puacuteblicas di-recionadas agraves favelas (FREIRE 2005) Sua proposta consistia exa-tamente em integrar as favelas ao restante da cidade por meio deobras de urbanizaccedilatildeo saneamento baacutesico e acesso a equipamentos

e mobiliaacuterios urbanos buscando diminuir a distacircncia social en-tre a favela e a cidade formal e abandonando definitivamente aperspectiva da remoccedilatildeo A UPP Social retoma os princiacutepios quenortearam o Favela-Bairro na medida em que pretende promoveruma integraccedilatildeo natildeo apenas espacial das favelas ao tecido urbanomas sobretudo social e econocircmica de modo mais amplo Por es-tar associada a uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica a UPP Socialtem a expectativa de poder enfrentar um dos maiores obstaacuteculosao pleno sucesso dos objetivos integradores do Favela-Bairro ou

seja justamente a presenccedila e a atuaccedilatildeo de grupos criminosos os-tensivamente armados nesses territoacuterios

Segundo seus formuladores os objetivos da UPP So-cial satildeo a) consolidar o controle territorial das aacutereas defavela recuperadas pelo Estado mediante o policiamentoostensivo e a expulsatildeo dos grupos armados que ocupa- vam a aacuterea b) urbanizar e oferecer serviccedilos formais taiscomo fornecimento de energia eleacutetrica e aacutegua c) promo- ver o desenvolvimento social e econocircmico da aacuterea e fi-nalmente d) construir meios que eliminem as fronteiras

8 O projeto Morar Cariocafoi implantado em agostode 2010 e eacute resultado de umconvecircnio entre a Prefeiturado Rio de Janeiro e o Institu-to dos Arquitetos do Brasil(IAB) Prevecirc um processo de

urbanizaccedilatildeo e integraccedilatildeodas favelas atuando sobrea conservaccedilatildeo do espaccedilopuacuteblico o controle do cres-cimento das favelas o reas-sentamento de moradoresem aacutereas de risco e a legis-laccedilatildeo urbaniacutestica

9 Como parte das accedilotildeesimplementadas pelo Gru-po Executivo de Assenta-mentos Populares (Geap)o Favela-Bairro objetivava

prover as favelas de infraes-trutura urbana sob a formade saneamento baacutesico eacesso a equipamentos emobiliaacuterios urbanos inte-grando-as por meio de suaurbanizaccedilatildeo ao restanteda cidade e favorecendocondiccedilotildees ambientais quepudessem caracterizaacute-lascomo bairros da cidade Aarticulaccedilatildeo espacial entrea favela e a ldquocidade formalrdquo

era uma das principais me-tas do programa

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DILEMAS 377Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

simboacutelicas e materiais que separam as favelas da cidadeformal Pretende-se pois que a integraccedilatildeo das comuni-dades agrave morfologia urbana e social da metroacutepole cariocatenha como horizonte a extensatildeo da qualidade dos ser-

viccedilos oferecidos assim como das regras de urbanidadecivilidade e sociabilidade praticadas na cidade como umtodo a essas regiotildees e a seus modos de habitar suplantan-do qualquer diferenccedila entre a favela e a cidade formal oucomo se costuma dizer entre a favela o ldquoasfaltordquo10

A favela Santa Marta

Para a implantaccedilatildeo do projeto piloto das UPPs11 foiescolhida a favela Santa Marta localizada no Morro DonaMarta entre os bairros de Laranjeiras e Botafogo no co-raccedilatildeo da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro Segundodados da Seseg12 a favela teria atualmente 6 mil morado-res distribuiacutedos em uma aacuterea de 54692 m983218 hoje limitadado lado direito por um plano inclinado e do lado esquerdopor um muro construiacutedo em 200913

10 Para mais informaccedilotildees so-bre a proposta da UPP Socialver wwwuppsocialcombr

11 Novas UPPs foram im-plantadas desde entatildeoCidade de Deus JardimBatan BabilocircniaChapeacuteuMangueira Pavatildeo-Pavatildeo-zinhoCantagalo Tabaja-rasCabritos ProvidecircnciaBorel Formiga AndaraiacuteSalgueiro Turano Maca-cos Satildeo Joatildeo Satildeo CarlosCoroaFalletFogueteiroe EscondidinhoPrazeresSatildeo 17 unidades ateacute o mo-mento A meta do governodo estado eacute chegar a 40 ateacute2014 ano da realizaccedilatildeo daCopa do Mundo no Brasil

12 Para dados atualizadosda Secretaria estadual deSeguranccedila sobre as favelascom UPPs consultar httpupprjcomwp Observe-seentretanto que haacute diver-gecircncias entre os oacutergatildeos puacute-blicos sobre os dados de po-pulaccedilatildeo e aacuterea das favelas

13 Em marccedilo de 2009 o go-verno do estado do Rio deJaneiro apresentou agrave popu-laccedilatildeo um projeto que previa

a construccedilatildeo de muros paraconter a expansatildeo de 19 fa-velas da cidade A justificati-va era proteger a vegetaccedilatildeonativa remanescente nes-sas aacutereas A primeira a sermurada foi a Santa MartaEacute interessante observar noentanto que segundo da-dos do Instituto Pereira Pas-sos a favela foi uma das quenatildeo registraram expansatildeoterritorial entre 1998 e 2008

Ao contraacuterio encolheu 1nesse periacuteodoFoto 1 ndash Vista da favela Santa Marta com o plano inclinado agrave direita

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DILEMAS378 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo entretanto foi precedido por uma accedilatildeo concer-tada da poliacutecia a ocupaccedilatildeo da favela A estrateacutegia adotada sur-

preendeu os moradores que ao acordarem em 20 de novembrode 2008 se depararam com a ostensiva presenccedila de policiais Eraalgo inusitado jaacute que aparentemente sem qualquer motivo par-ticular Imaginando se tratar apenas de mais uma das frequentesaccedilotildees da poliacutecia no morro estranharam no entanto o grandenuacutemero de agentes envolvidos na accedilatildeo Os dias foram passandoe as forccedilas policiais permaneceram na favela ateacute que finalmentea populaccedilatildeo percebeu que daquela vez elas tinham vindo paraficar Assim em 19 de dezembro de 2008 um mecircs depois da ocu-

paccedilatildeo foi inaugurada a primeira UPP com 125 policiais sob ocomando da capitatilde Priscilla Azevedo14

A histoacuteria do surgimento da favela Santa Marta remeteagrave primeira metade do seacuteculo XX quando a regiatildeo era ain-da constituiacuteda por uma densa mata Segundo o historiadorMilton eixeira naquela eacutepoca a aacuterea pertencia aos padres jesuiacutetas do Coleacutegio Santo Inaacutecio que permitiram que ali seinstalassem em 1924 os operaacuterios contratados para trabalharnas obras de ampliaccedilatildeo do coleacutegio e suas respectivas famiacutelias

Muitos desses primeiros moradores eram oriundos das regi-

14 A capitatilde Priscilla Azevedopermaneceu no comandoda UPP Santa Marta por doisanos ateacute marccedilo de 2011quando deixou o cargo paraassumir a coordenaccedilatildeo dasUPPs jaacute implantadas na ci-dade por accedilatildeo da Superin-tendecircncia de Planejamento

Operacional da Secretariade Seguranccedila PuacuteblicaRJ Emseu lugar assumiu o subco-mandante capitatildeo RodrigoAndrada Vale destacar apresenccedila da capitatilde Priscillana 121ordf sessatildeo do ComitecircOliacutempico Internacional emCopenhague Dinamarca emoutubro de 2009 ocasiatildeo emque o Brasil foi escolhido parasediar os Jogos Oliacutempicos de2016 como uma espeacutecie de

garantia da ldquopacificaccedilatildeordquo nasfavelas do Rio

Foto 2 ndash O muro construiacutedo em 2009 que estabelece o limite do ladoesquerdo da favela

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DILEMAS 379Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Referecircncias

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DILEMAS374 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Desse modo as praacuteticas violentas sempre foram co-muns assim como a corrupccedilatildeo por parte de agentes po-liciais que atuavam nas favelas A extorsatildeo e a ldquovenda deproteccedilatildeordquo ao traacutefico muito colaborou para o sentimento

de desconfianccedila e medo em relaccedilatildeo agrave presenccedila da poliacutecianesses espaccedilos (OLIVEIRA e CARVALHO 1993 MISSE1997) entativas anteriores de estabelecer outro padratildeo derelaccedilatildeo com os moradores como o Posto de PoliciamentoComunitaacuterio (PPC) ou o Grupamento de Policiamento emAacutereas Especiais (GPAE)3 natildeo foram capazes de reverter essemodelo de atuaccedilatildeo ais praacuteticas reforccedilaram durante muitotempo a percepccedilatildeo negativa da poliacutecia nas favelas

No entanto a visatildeo de populaccedilotildees pobres como bandi-

dos em potencial natildeo eacute exclusiva da poliacutecia Essa eacute uma ideiacorrente no senso comum e remete agrave proacutepria representaccedilatildeohistoricamente construiacuteda dos espaccedilos de habitaccedilatildeo popularsempre caracterizados pela informalidade ndash tantas vezes con-fundida com a ilegalidade ndash e sobretudo percebidos comolocais destituiacutedos de ordem moral sendo seus moradores per-manentemente criminalizados por isso Apesar das criacuteticas talimagem tem perpetuado preconceitos e estereoacutetipos a respei-to dos setores populares em nossa sociedade e corroborado

os procedimentos que insistem em fazer coincidir como umaespeacutecie de determinismo ecoloacutegico comportamento crimino-so e delinquente com assentamentos urbanos de baixa rendaemblematicamente representados pelas favelas4 (MISSE 2006MACHADO DA SILVA 2008 GONCcedilALVES 2010)

No Rio de Janeiro a formaccedilatildeo dos espaccedilos de favela teveiniacutecio ainda no final do seacuteculo XIX Nessa mesma eacutepocaesse tipo de assentamento comeccedilou a ser ldquodescobertordquo pelopoder puacuteblico e pela elite intelectual carioca e passou a ser

identificado como ldquoproblema socialrdquo (VALLADARES 2005GONCcedilALVES 2010) al concepccedilatildeo tinha como pressupos-to fundamental a ideia de que essa forma de ocupaccedilatildeo doespaccedilo urbano ia de encontro aos princiacutepios racionalistas deorganizaccedilatildeo e expansatildeo da cidade defendidos e efetivamen-te implementados pelos gestores puacuteblicos A favela repre-sentava naquele contexto um espaccedilo claramente marcadopor padrotildees funcionais e esteacuteticos indesejaacuteveis em oposi-ccedilatildeo agrave noccedilatildeo de modernidade eficiecircncia e beleza que deveriaorientar as poliacuteticas de urbanizaccedilatildeo Acresce-se a isso o fato

3 O Posto de PoliciamentoComunitaacuterio (PPC) eacute uma uni-dade baacutesica de apoio da PoliacuteciaMilitar reunindo cerca de 5 po-liciais que podem estar locali-zados em bairros perifeacutericos efavelas ou mesmo em distritos

dos municiacutepios onde se locali-zam as sedes dos batalhotildees oGrupamento de Policiamentoem Aacutereas Especiais (GPAE)eacute uma unidade um poucomaior reunindo de cinco a 15policiais localizada em fave-las consideradas ldquoespeciaisrdquoAmbas as experiecircncias foramtentativas de implantaccedilatildeo deum certo formato da chamadaldquopoliacutecia de proximidaderdquo emfavelas cariocas ao longo dasdeacutecadas de 1980 e 1990

4 Ver no que diz respeito aoescopo da pesquisa urbanasobre as favelas do Rio o pio-neiro e ateacute hoje insuperaacuteveltrabalho de pesquisa reali-zado sob a coordenaccedilatildeo dosocioacutelogo Joseacute Arthur Rios

Aspectos humanos das favelas

cariocas (Relatoacuterio Sagmacs)publicado originalmente pelo

jornal O Estado de Satildeo Pauloem dois suplementos espe-

ciais nos dias 13 e 15 de abrilde 1960

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DILEMAS 375Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de que sua representaccedilatildeo era fundamentalmente caracteri-zada pela noccedilatildeo de falta ou ausecircncia um local sem aacuteguasem luz sem esgoto sem coleta de lixo sem equipamentos eserviccedilos sem calccedilamento Ou seja um lugar sem qualquerforma de infraestrutura urbana e acima de tudo sem or-dem e regras morais promiacutescuo Enfim um verdadeiro caos(SILVA 2004) Assim desde as primeiras deacutecadas do seacuteculoXX surgem propostas de erradicaccedilatildeo das favelas que datildeoorigem alguns anos mais tarde agraves poliacuteticas de remoccedilatildeo im-plantadas entre as deacutecadas de 1940 e 19705

Antes do surgimento da favela no espaccedilo urbano as ha-bitaccedilotildees coletivas (ou corticcedilos) eram a forma por excelecircnciade habitaccedilatildeo das classes populares jaacute entatildeo descritas na crocirc-

nica jornaliacutestica como lugares insalubres ldquofontes da doenccedilae do viacuteciordquo ldquoantro da malandragem e do crimerdquo e portantouma permanente ameaccedila agrave ordem social Sua populaccedilatildeocomposta essencialmente por trabalhadores pobres e escra- vos libertos era dita pertencer agraves ldquoclasses perigosasrdquo6 e porisso deveria ser afastada das aacutereas centrais e mais nobres dacidade Essa identificaccedilatildeo relacionava-se natildeo somente ao pe-rigo que ela oferecia agrave manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica mastambeacutem diretamente ao risco de contagium tanto dos maus

haacutebitos e costumes quanto de doenccedilas e epidemias propaga-das graccedilas agraves condiccedilotildees insalubres de habitaccedilatildeo As accedilotildees quemarcaram a presenccedila do Estado nesse periacuteodo orientaram-seassim pela ldquoideologia do higienismordquo7 (BENCHIMOL 1990CHALHOUB 1996 CUNHA 2005)

A contrapartida da UPP Social

Para complementar o projeto das Unidades de Poliacutecia Pa-cificadora vieram a implantaccedilatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos assim como accedilotildees voltadas para a assistecircncia agrave sauacutedee agrave educaccedilatildeo ais accedilotildees reunidas sob a denominaccedilatildeo ampla deUPP Social foram inicialmente coordenadas pela Secretaria deEstado de Assistecircncia Social e Direitos Humanos (SEASDH)apoacutes a instalaccedilatildeo das UPPs pela Secretaria de Estado de Seguran-ccedila (Seseg) e tecircm como horizonte ldquopromover o desenvolvimentosocial incentivar o exerciacutecio da cidadania derrubar fronteiras

simboacutelicas e realizar a integraccedilatildeo plena da cidaderdquo O programa

5 As poliacuteticas puacuteblicas deremoccedilatildeo soacute comeccedilaram aser implementadas nos anos1940 adquirindo impulsoentre as deacutecadas de 1960 e1970 Surgiram nesse periacuteo-do oacutergatildeos de administraccedilatildeo

puacuteblica do Estado encar-regados de pensar accedilotildeespara as favelas e instituiccedilotildeesreligiosas e beneficentesintensificaram sua atuaccedilatildeonesses espaccedilos As poliacuteticasde remoccedilatildeo foram efetiva-mente empreendidas coma criaccedilatildeo de parques prole-taacuterios e centros de habita-ccedilatildeo provisoacuteria e construccedilatildeode conjuntos habitacionaiscomo a Cidade de Deus aCidade Alta e a Vila Kennedypara onde foram removidosmoradores de favelas comoa do Morro do Pasmado ada Praia do Pinto a da Ca-tacumba e a do EsqueletoLocalizadas em aacutereas nobrestodas sumiram definitiva-mente do mapa da cidade

6 Expressatildeo consagradapor Louis Chevalier em seulivro Classes labourieses et

classes dangereuses agrave Paris

pendant la premiegravere moitieacutedu XIXe siegravecle de 1959

7 No iniacutecio do seacuteculo XX minusmais precisamente em 1902minus Rodrigues Alves assumiua Presidecircncia da Repuacuteblicae deu iniacutecio a um vasto pro-grama de obras na cidadecentrado no saneamento ena remodelaccedilatildeo urbaniacutesti-ca Para executar a grandereforma urbana o governonomeou Pereira Passos para

prefeito e encarregou o meacute-dico sanitarista Oswaldo Cruzda reforma sanitaacuteria PereiraPassos intensificou o comba-te agraves ldquohabitaccedilotildees insalubresrdquorepresentadas pelos corti-ccedilos desencadeando contraeles uma verdadeira ldquoguerrardquoque ficou conhecida como ldquoobota-abaixordquo ou ldquoa era das de-moliccedilotildeesrdquo cujo objetivo eraldquosanearrdquo e ldquocivilizarrdquo a cidadeerradicando essas formas de

habitaccedilatildeo popular e tudo oque elas representavam

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DILEMAS376 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

UPP Social foi lanccedilado em agosto de 2010 e teve agrave frente o eco-nomista Ricardo Henriques convidado pelo governo estadualpara assumir a SEASDH Em dezembro do mesmo ano Henri-ques deixou a Secretaria e o programa foi entatildeo transferido para

o municiacutepio a partir de um entendimento entre o governadorSeacutergio Cabral e o prefeito Eduardo Paes Em 4 de janeiro de 2011instituiu-se formalmente a UPP Social Carioca que prevendoaccedilotildees sociais culturais e ambientais nas favelas com UPPs seriaa partir de entatildeo coordenado pelo Instituto Municipal de Urba-nismo Pereira Passos (IPP) oacutergatildeo de planejamento estrateacutegicoe produtor de informaccedilotildees e estudos sobre o municiacutepio do qualRicardo Henriques viria a se tornar presidente Essa transferecircn-cia possibilitou a articulaccedilatildeo das accedilotildees propostas pela UPP So-

cial com outros projetos que jaacute vinham sendo desenvolvidos pelaPrefeitura como por exemplo o Morar Carioca8A UPP Social articulada ao programa de habitaccedilatildeo natildeo eacute no

entanto a primeira iniciativa para promover a integraccedilatildeo da favelaagrave ldquocidade formalrdquo Em 1993 o Programa Favela-Bairro9 surge comouma importante mudanccedila na perspectiva das poliacuteticas puacuteblicas di-recionadas agraves favelas (FREIRE 2005) Sua proposta consistia exa-tamente em integrar as favelas ao restante da cidade por meio deobras de urbanizaccedilatildeo saneamento baacutesico e acesso a equipamentos

e mobiliaacuterios urbanos buscando diminuir a distacircncia social en-tre a favela e a cidade formal e abandonando definitivamente aperspectiva da remoccedilatildeo A UPP Social retoma os princiacutepios quenortearam o Favela-Bairro na medida em que pretende promoveruma integraccedilatildeo natildeo apenas espacial das favelas ao tecido urbanomas sobretudo social e econocircmica de modo mais amplo Por es-tar associada a uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica a UPP Socialtem a expectativa de poder enfrentar um dos maiores obstaacuteculosao pleno sucesso dos objetivos integradores do Favela-Bairro ou

seja justamente a presenccedila e a atuaccedilatildeo de grupos criminosos os-tensivamente armados nesses territoacuterios

Segundo seus formuladores os objetivos da UPP So-cial satildeo a) consolidar o controle territorial das aacutereas defavela recuperadas pelo Estado mediante o policiamentoostensivo e a expulsatildeo dos grupos armados que ocupa- vam a aacuterea b) urbanizar e oferecer serviccedilos formais taiscomo fornecimento de energia eleacutetrica e aacutegua c) promo- ver o desenvolvimento social e econocircmico da aacuterea e fi-nalmente d) construir meios que eliminem as fronteiras

8 O projeto Morar Cariocafoi implantado em agostode 2010 e eacute resultado de umconvecircnio entre a Prefeiturado Rio de Janeiro e o Institu-to dos Arquitetos do Brasil(IAB) Prevecirc um processo de

urbanizaccedilatildeo e integraccedilatildeodas favelas atuando sobrea conservaccedilatildeo do espaccedilopuacuteblico o controle do cres-cimento das favelas o reas-sentamento de moradoresem aacutereas de risco e a legis-laccedilatildeo urbaniacutestica

9 Como parte das accedilotildeesimplementadas pelo Gru-po Executivo de Assenta-mentos Populares (Geap)o Favela-Bairro objetivava

prover as favelas de infraes-trutura urbana sob a formade saneamento baacutesico eacesso a equipamentos emobiliaacuterios urbanos inte-grando-as por meio de suaurbanizaccedilatildeo ao restanteda cidade e favorecendocondiccedilotildees ambientais quepudessem caracterizaacute-lascomo bairros da cidade Aarticulaccedilatildeo espacial entrea favela e a ldquocidade formalrdquo

era uma das principais me-tas do programa

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DILEMAS 377Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

simboacutelicas e materiais que separam as favelas da cidadeformal Pretende-se pois que a integraccedilatildeo das comuni-dades agrave morfologia urbana e social da metroacutepole cariocatenha como horizonte a extensatildeo da qualidade dos ser-

viccedilos oferecidos assim como das regras de urbanidadecivilidade e sociabilidade praticadas na cidade como umtodo a essas regiotildees e a seus modos de habitar suplantan-do qualquer diferenccedila entre a favela e a cidade formal oucomo se costuma dizer entre a favela o ldquoasfaltordquo10

A favela Santa Marta

Para a implantaccedilatildeo do projeto piloto das UPPs11 foiescolhida a favela Santa Marta localizada no Morro DonaMarta entre os bairros de Laranjeiras e Botafogo no co-raccedilatildeo da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro Segundodados da Seseg12 a favela teria atualmente 6 mil morado-res distribuiacutedos em uma aacuterea de 54692 m983218 hoje limitadado lado direito por um plano inclinado e do lado esquerdopor um muro construiacutedo em 200913

10 Para mais informaccedilotildees so-bre a proposta da UPP Socialver wwwuppsocialcombr

11 Novas UPPs foram im-plantadas desde entatildeoCidade de Deus JardimBatan BabilocircniaChapeacuteuMangueira Pavatildeo-Pavatildeo-zinhoCantagalo Tabaja-rasCabritos ProvidecircnciaBorel Formiga AndaraiacuteSalgueiro Turano Maca-cos Satildeo Joatildeo Satildeo CarlosCoroaFalletFogueteiroe EscondidinhoPrazeresSatildeo 17 unidades ateacute o mo-mento A meta do governodo estado eacute chegar a 40 ateacute2014 ano da realizaccedilatildeo daCopa do Mundo no Brasil

12 Para dados atualizadosda Secretaria estadual deSeguranccedila sobre as favelascom UPPs consultar httpupprjcomwp Observe-seentretanto que haacute diver-gecircncias entre os oacutergatildeos puacute-blicos sobre os dados de po-pulaccedilatildeo e aacuterea das favelas

13 Em marccedilo de 2009 o go-verno do estado do Rio deJaneiro apresentou agrave popu-laccedilatildeo um projeto que previa

a construccedilatildeo de muros paraconter a expansatildeo de 19 fa-velas da cidade A justificati-va era proteger a vegetaccedilatildeonativa remanescente nes-sas aacutereas A primeira a sermurada foi a Santa MartaEacute interessante observar noentanto que segundo da-dos do Instituto Pereira Pas-sos a favela foi uma das quenatildeo registraram expansatildeoterritorial entre 1998 e 2008

Ao contraacuterio encolheu 1nesse periacuteodoFoto 1 ndash Vista da favela Santa Marta com o plano inclinado agrave direita

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DILEMAS378 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo entretanto foi precedido por uma accedilatildeo concer-tada da poliacutecia a ocupaccedilatildeo da favela A estrateacutegia adotada sur-

preendeu os moradores que ao acordarem em 20 de novembrode 2008 se depararam com a ostensiva presenccedila de policiais Eraalgo inusitado jaacute que aparentemente sem qualquer motivo par-ticular Imaginando se tratar apenas de mais uma das frequentesaccedilotildees da poliacutecia no morro estranharam no entanto o grandenuacutemero de agentes envolvidos na accedilatildeo Os dias foram passandoe as forccedilas policiais permaneceram na favela ateacute que finalmentea populaccedilatildeo percebeu que daquela vez elas tinham vindo paraficar Assim em 19 de dezembro de 2008 um mecircs depois da ocu-

paccedilatildeo foi inaugurada a primeira UPP com 125 policiais sob ocomando da capitatilde Priscilla Azevedo14

A histoacuteria do surgimento da favela Santa Marta remeteagrave primeira metade do seacuteculo XX quando a regiatildeo era ain-da constituiacuteda por uma densa mata Segundo o historiadorMilton eixeira naquela eacutepoca a aacuterea pertencia aos padres jesuiacutetas do Coleacutegio Santo Inaacutecio que permitiram que ali seinstalassem em 1924 os operaacuterios contratados para trabalharnas obras de ampliaccedilatildeo do coleacutegio e suas respectivas famiacutelias

Muitos desses primeiros moradores eram oriundos das regi-

14 A capitatilde Priscilla Azevedopermaneceu no comandoda UPP Santa Marta por doisanos ateacute marccedilo de 2011quando deixou o cargo paraassumir a coordenaccedilatildeo dasUPPs jaacute implantadas na ci-dade por accedilatildeo da Superin-tendecircncia de Planejamento

Operacional da Secretariade Seguranccedila PuacuteblicaRJ Emseu lugar assumiu o subco-mandante capitatildeo RodrigoAndrada Vale destacar apresenccedila da capitatilde Priscillana 121ordf sessatildeo do ComitecircOliacutempico Internacional emCopenhague Dinamarca emoutubro de 2009 ocasiatildeo emque o Brasil foi escolhido parasediar os Jogos Oliacutempicos de2016 como uma espeacutecie de

garantia da ldquopacificaccedilatildeordquo nasfavelas do Rio

Foto 2 ndash O muro construiacutedo em 2009 que estabelece o limite do ladoesquerdo da favela

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS 375Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de que sua representaccedilatildeo era fundamentalmente caracteri-zada pela noccedilatildeo de falta ou ausecircncia um local sem aacuteguasem luz sem esgoto sem coleta de lixo sem equipamentos eserviccedilos sem calccedilamento Ou seja um lugar sem qualquerforma de infraestrutura urbana e acima de tudo sem or-dem e regras morais promiacutescuo Enfim um verdadeiro caos(SILVA 2004) Assim desde as primeiras deacutecadas do seacuteculoXX surgem propostas de erradicaccedilatildeo das favelas que datildeoorigem alguns anos mais tarde agraves poliacuteticas de remoccedilatildeo im-plantadas entre as deacutecadas de 1940 e 19705

Antes do surgimento da favela no espaccedilo urbano as ha-bitaccedilotildees coletivas (ou corticcedilos) eram a forma por excelecircnciade habitaccedilatildeo das classes populares jaacute entatildeo descritas na crocirc-

nica jornaliacutestica como lugares insalubres ldquofontes da doenccedilae do viacuteciordquo ldquoantro da malandragem e do crimerdquo e portantouma permanente ameaccedila agrave ordem social Sua populaccedilatildeocomposta essencialmente por trabalhadores pobres e escra- vos libertos era dita pertencer agraves ldquoclasses perigosasrdquo6 e porisso deveria ser afastada das aacutereas centrais e mais nobres dacidade Essa identificaccedilatildeo relacionava-se natildeo somente ao pe-rigo que ela oferecia agrave manutenccedilatildeo da ordem puacuteblica mastambeacutem diretamente ao risco de contagium tanto dos maus

haacutebitos e costumes quanto de doenccedilas e epidemias propaga-das graccedilas agraves condiccedilotildees insalubres de habitaccedilatildeo As accedilotildees quemarcaram a presenccedila do Estado nesse periacuteodo orientaram-seassim pela ldquoideologia do higienismordquo7 (BENCHIMOL 1990CHALHOUB 1996 CUNHA 2005)

A contrapartida da UPP Social

Para complementar o projeto das Unidades de Poliacutecia Pa-cificadora vieram a implantaccedilatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos assim como accedilotildees voltadas para a assistecircncia agrave sauacutedee agrave educaccedilatildeo ais accedilotildees reunidas sob a denominaccedilatildeo ampla deUPP Social foram inicialmente coordenadas pela Secretaria deEstado de Assistecircncia Social e Direitos Humanos (SEASDH)apoacutes a instalaccedilatildeo das UPPs pela Secretaria de Estado de Seguran-ccedila (Seseg) e tecircm como horizonte ldquopromover o desenvolvimentosocial incentivar o exerciacutecio da cidadania derrubar fronteiras

simboacutelicas e realizar a integraccedilatildeo plena da cidaderdquo O programa

5 As poliacuteticas puacuteblicas deremoccedilatildeo soacute comeccedilaram aser implementadas nos anos1940 adquirindo impulsoentre as deacutecadas de 1960 e1970 Surgiram nesse periacuteo-do oacutergatildeos de administraccedilatildeo

puacuteblica do Estado encar-regados de pensar accedilotildeespara as favelas e instituiccedilotildeesreligiosas e beneficentesintensificaram sua atuaccedilatildeonesses espaccedilos As poliacuteticasde remoccedilatildeo foram efetiva-mente empreendidas coma criaccedilatildeo de parques prole-taacuterios e centros de habita-ccedilatildeo provisoacuteria e construccedilatildeode conjuntos habitacionaiscomo a Cidade de Deus aCidade Alta e a Vila Kennedypara onde foram removidosmoradores de favelas comoa do Morro do Pasmado ada Praia do Pinto a da Ca-tacumba e a do EsqueletoLocalizadas em aacutereas nobrestodas sumiram definitiva-mente do mapa da cidade

6 Expressatildeo consagradapor Louis Chevalier em seulivro Classes labourieses et

classes dangereuses agrave Paris

pendant la premiegravere moitieacutedu XIXe siegravecle de 1959

7 No iniacutecio do seacuteculo XX minusmais precisamente em 1902minus Rodrigues Alves assumiua Presidecircncia da Repuacuteblicae deu iniacutecio a um vasto pro-grama de obras na cidadecentrado no saneamento ena remodelaccedilatildeo urbaniacutesti-ca Para executar a grandereforma urbana o governonomeou Pereira Passos para

prefeito e encarregou o meacute-dico sanitarista Oswaldo Cruzda reforma sanitaacuteria PereiraPassos intensificou o comba-te agraves ldquohabitaccedilotildees insalubresrdquorepresentadas pelos corti-ccedilos desencadeando contraeles uma verdadeira ldquoguerrardquoque ficou conhecida como ldquoobota-abaixordquo ou ldquoa era das de-moliccedilotildeesrdquo cujo objetivo eraldquosanearrdquo e ldquocivilizarrdquo a cidadeerradicando essas formas de

habitaccedilatildeo popular e tudo oque elas representavam

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DILEMAS376 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

UPP Social foi lanccedilado em agosto de 2010 e teve agrave frente o eco-nomista Ricardo Henriques convidado pelo governo estadualpara assumir a SEASDH Em dezembro do mesmo ano Henri-ques deixou a Secretaria e o programa foi entatildeo transferido para

o municiacutepio a partir de um entendimento entre o governadorSeacutergio Cabral e o prefeito Eduardo Paes Em 4 de janeiro de 2011instituiu-se formalmente a UPP Social Carioca que prevendoaccedilotildees sociais culturais e ambientais nas favelas com UPPs seriaa partir de entatildeo coordenado pelo Instituto Municipal de Urba-nismo Pereira Passos (IPP) oacutergatildeo de planejamento estrateacutegicoe produtor de informaccedilotildees e estudos sobre o municiacutepio do qualRicardo Henriques viria a se tornar presidente Essa transferecircn-cia possibilitou a articulaccedilatildeo das accedilotildees propostas pela UPP So-

cial com outros projetos que jaacute vinham sendo desenvolvidos pelaPrefeitura como por exemplo o Morar Carioca8A UPP Social articulada ao programa de habitaccedilatildeo natildeo eacute no

entanto a primeira iniciativa para promover a integraccedilatildeo da favelaagrave ldquocidade formalrdquo Em 1993 o Programa Favela-Bairro9 surge comouma importante mudanccedila na perspectiva das poliacuteticas puacuteblicas di-recionadas agraves favelas (FREIRE 2005) Sua proposta consistia exa-tamente em integrar as favelas ao restante da cidade por meio deobras de urbanizaccedilatildeo saneamento baacutesico e acesso a equipamentos

e mobiliaacuterios urbanos buscando diminuir a distacircncia social en-tre a favela e a cidade formal e abandonando definitivamente aperspectiva da remoccedilatildeo A UPP Social retoma os princiacutepios quenortearam o Favela-Bairro na medida em que pretende promoveruma integraccedilatildeo natildeo apenas espacial das favelas ao tecido urbanomas sobretudo social e econocircmica de modo mais amplo Por es-tar associada a uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica a UPP Socialtem a expectativa de poder enfrentar um dos maiores obstaacuteculosao pleno sucesso dos objetivos integradores do Favela-Bairro ou

seja justamente a presenccedila e a atuaccedilatildeo de grupos criminosos os-tensivamente armados nesses territoacuterios

Segundo seus formuladores os objetivos da UPP So-cial satildeo a) consolidar o controle territorial das aacutereas defavela recuperadas pelo Estado mediante o policiamentoostensivo e a expulsatildeo dos grupos armados que ocupa- vam a aacuterea b) urbanizar e oferecer serviccedilos formais taiscomo fornecimento de energia eleacutetrica e aacutegua c) promo- ver o desenvolvimento social e econocircmico da aacuterea e fi-nalmente d) construir meios que eliminem as fronteiras

8 O projeto Morar Cariocafoi implantado em agostode 2010 e eacute resultado de umconvecircnio entre a Prefeiturado Rio de Janeiro e o Institu-to dos Arquitetos do Brasil(IAB) Prevecirc um processo de

urbanizaccedilatildeo e integraccedilatildeodas favelas atuando sobrea conservaccedilatildeo do espaccedilopuacuteblico o controle do cres-cimento das favelas o reas-sentamento de moradoresem aacutereas de risco e a legis-laccedilatildeo urbaniacutestica

9 Como parte das accedilotildeesimplementadas pelo Gru-po Executivo de Assenta-mentos Populares (Geap)o Favela-Bairro objetivava

prover as favelas de infraes-trutura urbana sob a formade saneamento baacutesico eacesso a equipamentos emobiliaacuterios urbanos inte-grando-as por meio de suaurbanizaccedilatildeo ao restanteda cidade e favorecendocondiccedilotildees ambientais quepudessem caracterizaacute-lascomo bairros da cidade Aarticulaccedilatildeo espacial entrea favela e a ldquocidade formalrdquo

era uma das principais me-tas do programa

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DILEMAS 377Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

simboacutelicas e materiais que separam as favelas da cidadeformal Pretende-se pois que a integraccedilatildeo das comuni-dades agrave morfologia urbana e social da metroacutepole cariocatenha como horizonte a extensatildeo da qualidade dos ser-

viccedilos oferecidos assim como das regras de urbanidadecivilidade e sociabilidade praticadas na cidade como umtodo a essas regiotildees e a seus modos de habitar suplantan-do qualquer diferenccedila entre a favela e a cidade formal oucomo se costuma dizer entre a favela o ldquoasfaltordquo10

A favela Santa Marta

Para a implantaccedilatildeo do projeto piloto das UPPs11 foiescolhida a favela Santa Marta localizada no Morro DonaMarta entre os bairros de Laranjeiras e Botafogo no co-raccedilatildeo da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro Segundodados da Seseg12 a favela teria atualmente 6 mil morado-res distribuiacutedos em uma aacuterea de 54692 m983218 hoje limitadado lado direito por um plano inclinado e do lado esquerdopor um muro construiacutedo em 200913

10 Para mais informaccedilotildees so-bre a proposta da UPP Socialver wwwuppsocialcombr

11 Novas UPPs foram im-plantadas desde entatildeoCidade de Deus JardimBatan BabilocircniaChapeacuteuMangueira Pavatildeo-Pavatildeo-zinhoCantagalo Tabaja-rasCabritos ProvidecircnciaBorel Formiga AndaraiacuteSalgueiro Turano Maca-cos Satildeo Joatildeo Satildeo CarlosCoroaFalletFogueteiroe EscondidinhoPrazeresSatildeo 17 unidades ateacute o mo-mento A meta do governodo estado eacute chegar a 40 ateacute2014 ano da realizaccedilatildeo daCopa do Mundo no Brasil

12 Para dados atualizadosda Secretaria estadual deSeguranccedila sobre as favelascom UPPs consultar httpupprjcomwp Observe-seentretanto que haacute diver-gecircncias entre os oacutergatildeos puacute-blicos sobre os dados de po-pulaccedilatildeo e aacuterea das favelas

13 Em marccedilo de 2009 o go-verno do estado do Rio deJaneiro apresentou agrave popu-laccedilatildeo um projeto que previa

a construccedilatildeo de muros paraconter a expansatildeo de 19 fa-velas da cidade A justificati-va era proteger a vegetaccedilatildeonativa remanescente nes-sas aacutereas A primeira a sermurada foi a Santa MartaEacute interessante observar noentanto que segundo da-dos do Instituto Pereira Pas-sos a favela foi uma das quenatildeo registraram expansatildeoterritorial entre 1998 e 2008

Ao contraacuterio encolheu 1nesse periacuteodoFoto 1 ndash Vista da favela Santa Marta com o plano inclinado agrave direita

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DILEMAS378 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo entretanto foi precedido por uma accedilatildeo concer-tada da poliacutecia a ocupaccedilatildeo da favela A estrateacutegia adotada sur-

preendeu os moradores que ao acordarem em 20 de novembrode 2008 se depararam com a ostensiva presenccedila de policiais Eraalgo inusitado jaacute que aparentemente sem qualquer motivo par-ticular Imaginando se tratar apenas de mais uma das frequentesaccedilotildees da poliacutecia no morro estranharam no entanto o grandenuacutemero de agentes envolvidos na accedilatildeo Os dias foram passandoe as forccedilas policiais permaneceram na favela ateacute que finalmentea populaccedilatildeo percebeu que daquela vez elas tinham vindo paraficar Assim em 19 de dezembro de 2008 um mecircs depois da ocu-

paccedilatildeo foi inaugurada a primeira UPP com 125 policiais sob ocomando da capitatilde Priscilla Azevedo14

A histoacuteria do surgimento da favela Santa Marta remeteagrave primeira metade do seacuteculo XX quando a regiatildeo era ain-da constituiacuteda por uma densa mata Segundo o historiadorMilton eixeira naquela eacutepoca a aacuterea pertencia aos padres jesuiacutetas do Coleacutegio Santo Inaacutecio que permitiram que ali seinstalassem em 1924 os operaacuterios contratados para trabalharnas obras de ampliaccedilatildeo do coleacutegio e suas respectivas famiacutelias

Muitos desses primeiros moradores eram oriundos das regi-

14 A capitatilde Priscilla Azevedopermaneceu no comandoda UPP Santa Marta por doisanos ateacute marccedilo de 2011quando deixou o cargo paraassumir a coordenaccedilatildeo dasUPPs jaacute implantadas na ci-dade por accedilatildeo da Superin-tendecircncia de Planejamento

Operacional da Secretariade Seguranccedila PuacuteblicaRJ Emseu lugar assumiu o subco-mandante capitatildeo RodrigoAndrada Vale destacar apresenccedila da capitatilde Priscillana 121ordf sessatildeo do ComitecircOliacutempico Internacional emCopenhague Dinamarca emoutubro de 2009 ocasiatildeo emque o Brasil foi escolhido parasediar os Jogos Oliacutempicos de2016 como uma espeacutecie de

garantia da ldquopacificaccedilatildeordquo nasfavelas do Rio

Foto 2 ndash O muro construiacutedo em 2009 que estabelece o limite do ladoesquerdo da favela

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DILEMAS 379Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS376 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

UPP Social foi lanccedilado em agosto de 2010 e teve agrave frente o eco-nomista Ricardo Henriques convidado pelo governo estadualpara assumir a SEASDH Em dezembro do mesmo ano Henri-ques deixou a Secretaria e o programa foi entatildeo transferido para

o municiacutepio a partir de um entendimento entre o governadorSeacutergio Cabral e o prefeito Eduardo Paes Em 4 de janeiro de 2011instituiu-se formalmente a UPP Social Carioca que prevendoaccedilotildees sociais culturais e ambientais nas favelas com UPPs seriaa partir de entatildeo coordenado pelo Instituto Municipal de Urba-nismo Pereira Passos (IPP) oacutergatildeo de planejamento estrateacutegicoe produtor de informaccedilotildees e estudos sobre o municiacutepio do qualRicardo Henriques viria a se tornar presidente Essa transferecircn-cia possibilitou a articulaccedilatildeo das accedilotildees propostas pela UPP So-

cial com outros projetos que jaacute vinham sendo desenvolvidos pelaPrefeitura como por exemplo o Morar Carioca8A UPP Social articulada ao programa de habitaccedilatildeo natildeo eacute no

entanto a primeira iniciativa para promover a integraccedilatildeo da favelaagrave ldquocidade formalrdquo Em 1993 o Programa Favela-Bairro9 surge comouma importante mudanccedila na perspectiva das poliacuteticas puacuteblicas di-recionadas agraves favelas (FREIRE 2005) Sua proposta consistia exa-tamente em integrar as favelas ao restante da cidade por meio deobras de urbanizaccedilatildeo saneamento baacutesico e acesso a equipamentos

e mobiliaacuterios urbanos buscando diminuir a distacircncia social en-tre a favela e a cidade formal e abandonando definitivamente aperspectiva da remoccedilatildeo A UPP Social retoma os princiacutepios quenortearam o Favela-Bairro na medida em que pretende promoveruma integraccedilatildeo natildeo apenas espacial das favelas ao tecido urbanomas sobretudo social e econocircmica de modo mais amplo Por es-tar associada a uma poliacutetica de seguranccedila puacuteblica a UPP Socialtem a expectativa de poder enfrentar um dos maiores obstaacuteculosao pleno sucesso dos objetivos integradores do Favela-Bairro ou

seja justamente a presenccedila e a atuaccedilatildeo de grupos criminosos os-tensivamente armados nesses territoacuterios

Segundo seus formuladores os objetivos da UPP So-cial satildeo a) consolidar o controle territorial das aacutereas defavela recuperadas pelo Estado mediante o policiamentoostensivo e a expulsatildeo dos grupos armados que ocupa- vam a aacuterea b) urbanizar e oferecer serviccedilos formais taiscomo fornecimento de energia eleacutetrica e aacutegua c) promo- ver o desenvolvimento social e econocircmico da aacuterea e fi-nalmente d) construir meios que eliminem as fronteiras

8 O projeto Morar Cariocafoi implantado em agostode 2010 e eacute resultado de umconvecircnio entre a Prefeiturado Rio de Janeiro e o Institu-to dos Arquitetos do Brasil(IAB) Prevecirc um processo de

urbanizaccedilatildeo e integraccedilatildeodas favelas atuando sobrea conservaccedilatildeo do espaccedilopuacuteblico o controle do cres-cimento das favelas o reas-sentamento de moradoresem aacutereas de risco e a legis-laccedilatildeo urbaniacutestica

9 Como parte das accedilotildeesimplementadas pelo Gru-po Executivo de Assenta-mentos Populares (Geap)o Favela-Bairro objetivava

prover as favelas de infraes-trutura urbana sob a formade saneamento baacutesico eacesso a equipamentos emobiliaacuterios urbanos inte-grando-as por meio de suaurbanizaccedilatildeo ao restanteda cidade e favorecendocondiccedilotildees ambientais quepudessem caracterizaacute-lascomo bairros da cidade Aarticulaccedilatildeo espacial entrea favela e a ldquocidade formalrdquo

era uma das principais me-tas do programa

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DILEMAS 377Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

simboacutelicas e materiais que separam as favelas da cidadeformal Pretende-se pois que a integraccedilatildeo das comuni-dades agrave morfologia urbana e social da metroacutepole cariocatenha como horizonte a extensatildeo da qualidade dos ser-

viccedilos oferecidos assim como das regras de urbanidadecivilidade e sociabilidade praticadas na cidade como umtodo a essas regiotildees e a seus modos de habitar suplantan-do qualquer diferenccedila entre a favela e a cidade formal oucomo se costuma dizer entre a favela o ldquoasfaltordquo10

A favela Santa Marta

Para a implantaccedilatildeo do projeto piloto das UPPs11 foiescolhida a favela Santa Marta localizada no Morro DonaMarta entre os bairros de Laranjeiras e Botafogo no co-raccedilatildeo da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro Segundodados da Seseg12 a favela teria atualmente 6 mil morado-res distribuiacutedos em uma aacuterea de 54692 m983218 hoje limitadado lado direito por um plano inclinado e do lado esquerdopor um muro construiacutedo em 200913

10 Para mais informaccedilotildees so-bre a proposta da UPP Socialver wwwuppsocialcombr

11 Novas UPPs foram im-plantadas desde entatildeoCidade de Deus JardimBatan BabilocircniaChapeacuteuMangueira Pavatildeo-Pavatildeo-zinhoCantagalo Tabaja-rasCabritos ProvidecircnciaBorel Formiga AndaraiacuteSalgueiro Turano Maca-cos Satildeo Joatildeo Satildeo CarlosCoroaFalletFogueteiroe EscondidinhoPrazeresSatildeo 17 unidades ateacute o mo-mento A meta do governodo estado eacute chegar a 40 ateacute2014 ano da realizaccedilatildeo daCopa do Mundo no Brasil

12 Para dados atualizadosda Secretaria estadual deSeguranccedila sobre as favelascom UPPs consultar httpupprjcomwp Observe-seentretanto que haacute diver-gecircncias entre os oacutergatildeos puacute-blicos sobre os dados de po-pulaccedilatildeo e aacuterea das favelas

13 Em marccedilo de 2009 o go-verno do estado do Rio deJaneiro apresentou agrave popu-laccedilatildeo um projeto que previa

a construccedilatildeo de muros paraconter a expansatildeo de 19 fa-velas da cidade A justificati-va era proteger a vegetaccedilatildeonativa remanescente nes-sas aacutereas A primeira a sermurada foi a Santa MartaEacute interessante observar noentanto que segundo da-dos do Instituto Pereira Pas-sos a favela foi uma das quenatildeo registraram expansatildeoterritorial entre 1998 e 2008

Ao contraacuterio encolheu 1nesse periacuteodoFoto 1 ndash Vista da favela Santa Marta com o plano inclinado agrave direita

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DILEMAS378 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo entretanto foi precedido por uma accedilatildeo concer-tada da poliacutecia a ocupaccedilatildeo da favela A estrateacutegia adotada sur-

preendeu os moradores que ao acordarem em 20 de novembrode 2008 se depararam com a ostensiva presenccedila de policiais Eraalgo inusitado jaacute que aparentemente sem qualquer motivo par-ticular Imaginando se tratar apenas de mais uma das frequentesaccedilotildees da poliacutecia no morro estranharam no entanto o grandenuacutemero de agentes envolvidos na accedilatildeo Os dias foram passandoe as forccedilas policiais permaneceram na favela ateacute que finalmentea populaccedilatildeo percebeu que daquela vez elas tinham vindo paraficar Assim em 19 de dezembro de 2008 um mecircs depois da ocu-

paccedilatildeo foi inaugurada a primeira UPP com 125 policiais sob ocomando da capitatilde Priscilla Azevedo14

A histoacuteria do surgimento da favela Santa Marta remeteagrave primeira metade do seacuteculo XX quando a regiatildeo era ain-da constituiacuteda por uma densa mata Segundo o historiadorMilton eixeira naquela eacutepoca a aacuterea pertencia aos padres jesuiacutetas do Coleacutegio Santo Inaacutecio que permitiram que ali seinstalassem em 1924 os operaacuterios contratados para trabalharnas obras de ampliaccedilatildeo do coleacutegio e suas respectivas famiacutelias

Muitos desses primeiros moradores eram oriundos das regi-

14 A capitatilde Priscilla Azevedopermaneceu no comandoda UPP Santa Marta por doisanos ateacute marccedilo de 2011quando deixou o cargo paraassumir a coordenaccedilatildeo dasUPPs jaacute implantadas na ci-dade por accedilatildeo da Superin-tendecircncia de Planejamento

Operacional da Secretariade Seguranccedila PuacuteblicaRJ Emseu lugar assumiu o subco-mandante capitatildeo RodrigoAndrada Vale destacar apresenccedila da capitatilde Priscillana 121ordf sessatildeo do ComitecircOliacutempico Internacional emCopenhague Dinamarca emoutubro de 2009 ocasiatildeo emque o Brasil foi escolhido parasediar os Jogos Oliacutempicos de2016 como uma espeacutecie de

garantia da ldquopacificaccedilatildeordquo nasfavelas do Rio

Foto 2 ndash O muro construiacutedo em 2009 que estabelece o limite do ladoesquerdo da favela

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DILEMAS 379Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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simboacutelicas e materiais que separam as favelas da cidadeformal Pretende-se pois que a integraccedilatildeo das comuni-dades agrave morfologia urbana e social da metroacutepole cariocatenha como horizonte a extensatildeo da qualidade dos ser-

viccedilos oferecidos assim como das regras de urbanidadecivilidade e sociabilidade praticadas na cidade como umtodo a essas regiotildees e a seus modos de habitar suplantan-do qualquer diferenccedila entre a favela e a cidade formal oucomo se costuma dizer entre a favela o ldquoasfaltordquo10

A favela Santa Marta

Para a implantaccedilatildeo do projeto piloto das UPPs11 foiescolhida a favela Santa Marta localizada no Morro DonaMarta entre os bairros de Laranjeiras e Botafogo no co-raccedilatildeo da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro Segundodados da Seseg12 a favela teria atualmente 6 mil morado-res distribuiacutedos em uma aacuterea de 54692 m983218 hoje limitadado lado direito por um plano inclinado e do lado esquerdopor um muro construiacutedo em 200913

10 Para mais informaccedilotildees so-bre a proposta da UPP Socialver wwwuppsocialcombr

11 Novas UPPs foram im-plantadas desde entatildeoCidade de Deus JardimBatan BabilocircniaChapeacuteuMangueira Pavatildeo-Pavatildeo-zinhoCantagalo Tabaja-rasCabritos ProvidecircnciaBorel Formiga AndaraiacuteSalgueiro Turano Maca-cos Satildeo Joatildeo Satildeo CarlosCoroaFalletFogueteiroe EscondidinhoPrazeresSatildeo 17 unidades ateacute o mo-mento A meta do governodo estado eacute chegar a 40 ateacute2014 ano da realizaccedilatildeo daCopa do Mundo no Brasil

12 Para dados atualizadosda Secretaria estadual deSeguranccedila sobre as favelascom UPPs consultar httpupprjcomwp Observe-seentretanto que haacute diver-gecircncias entre os oacutergatildeos puacute-blicos sobre os dados de po-pulaccedilatildeo e aacuterea das favelas

13 Em marccedilo de 2009 o go-verno do estado do Rio deJaneiro apresentou agrave popu-laccedilatildeo um projeto que previa

a construccedilatildeo de muros paraconter a expansatildeo de 19 fa-velas da cidade A justificati-va era proteger a vegetaccedilatildeonativa remanescente nes-sas aacutereas A primeira a sermurada foi a Santa MartaEacute interessante observar noentanto que segundo da-dos do Instituto Pereira Pas-sos a favela foi uma das quenatildeo registraram expansatildeoterritorial entre 1998 e 2008

Ao contraacuterio encolheu 1nesse periacuteodoFoto 1 ndash Vista da favela Santa Marta com o plano inclinado agrave direita

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O processo entretanto foi precedido por uma accedilatildeo concer-tada da poliacutecia a ocupaccedilatildeo da favela A estrateacutegia adotada sur-

preendeu os moradores que ao acordarem em 20 de novembrode 2008 se depararam com a ostensiva presenccedila de policiais Eraalgo inusitado jaacute que aparentemente sem qualquer motivo par-ticular Imaginando se tratar apenas de mais uma das frequentesaccedilotildees da poliacutecia no morro estranharam no entanto o grandenuacutemero de agentes envolvidos na accedilatildeo Os dias foram passandoe as forccedilas policiais permaneceram na favela ateacute que finalmentea populaccedilatildeo percebeu que daquela vez elas tinham vindo paraficar Assim em 19 de dezembro de 2008 um mecircs depois da ocu-

paccedilatildeo foi inaugurada a primeira UPP com 125 policiais sob ocomando da capitatilde Priscilla Azevedo14

A histoacuteria do surgimento da favela Santa Marta remeteagrave primeira metade do seacuteculo XX quando a regiatildeo era ain-da constituiacuteda por uma densa mata Segundo o historiadorMilton eixeira naquela eacutepoca a aacuterea pertencia aos padres jesuiacutetas do Coleacutegio Santo Inaacutecio que permitiram que ali seinstalassem em 1924 os operaacuterios contratados para trabalharnas obras de ampliaccedilatildeo do coleacutegio e suas respectivas famiacutelias

Muitos desses primeiros moradores eram oriundos das regi-

14 A capitatilde Priscilla Azevedopermaneceu no comandoda UPP Santa Marta por doisanos ateacute marccedilo de 2011quando deixou o cargo paraassumir a coordenaccedilatildeo dasUPPs jaacute implantadas na ci-dade por accedilatildeo da Superin-tendecircncia de Planejamento

Operacional da Secretariade Seguranccedila PuacuteblicaRJ Emseu lugar assumiu o subco-mandante capitatildeo RodrigoAndrada Vale destacar apresenccedila da capitatilde Priscillana 121ordf sessatildeo do ComitecircOliacutempico Internacional emCopenhague Dinamarca emoutubro de 2009 ocasiatildeo emque o Brasil foi escolhido parasediar os Jogos Oliacutempicos de2016 como uma espeacutecie de

garantia da ldquopacificaccedilatildeordquo nasfavelas do Rio

Foto 2 ndash O muro construiacutedo em 2009 que estabelece o limite do ladoesquerdo da favela

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS378 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo entretanto foi precedido por uma accedilatildeo concer-tada da poliacutecia a ocupaccedilatildeo da favela A estrateacutegia adotada sur-

preendeu os moradores que ao acordarem em 20 de novembrode 2008 se depararam com a ostensiva presenccedila de policiais Eraalgo inusitado jaacute que aparentemente sem qualquer motivo par-ticular Imaginando se tratar apenas de mais uma das frequentesaccedilotildees da poliacutecia no morro estranharam no entanto o grandenuacutemero de agentes envolvidos na accedilatildeo Os dias foram passandoe as forccedilas policiais permaneceram na favela ateacute que finalmentea populaccedilatildeo percebeu que daquela vez elas tinham vindo paraficar Assim em 19 de dezembro de 2008 um mecircs depois da ocu-

paccedilatildeo foi inaugurada a primeira UPP com 125 policiais sob ocomando da capitatilde Priscilla Azevedo14

A histoacuteria do surgimento da favela Santa Marta remeteagrave primeira metade do seacuteculo XX quando a regiatildeo era ain-da constituiacuteda por uma densa mata Segundo o historiadorMilton eixeira naquela eacutepoca a aacuterea pertencia aos padres jesuiacutetas do Coleacutegio Santo Inaacutecio que permitiram que ali seinstalassem em 1924 os operaacuterios contratados para trabalharnas obras de ampliaccedilatildeo do coleacutegio e suas respectivas famiacutelias

Muitos desses primeiros moradores eram oriundos das regi-

14 A capitatilde Priscilla Azevedopermaneceu no comandoda UPP Santa Marta por doisanos ateacute marccedilo de 2011quando deixou o cargo paraassumir a coordenaccedilatildeo dasUPPs jaacute implantadas na ci-dade por accedilatildeo da Superin-tendecircncia de Planejamento

Operacional da Secretariade Seguranccedila PuacuteblicaRJ Emseu lugar assumiu o subco-mandante capitatildeo RodrigoAndrada Vale destacar apresenccedila da capitatilde Priscillana 121ordf sessatildeo do ComitecircOliacutempico Internacional emCopenhague Dinamarca emoutubro de 2009 ocasiatildeo emque o Brasil foi escolhido parasediar os Jogos Oliacutempicos de2016 como uma espeacutecie de

garantia da ldquopacificaccedilatildeordquo nasfavelas do Rio

Foto 2 ndash O muro construiacutedo em 2009 que estabelece o limite do ladoesquerdo da favela

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS 379Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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otildees Norte e Nordeste do paiacutes Com a crise do cafeacute em 1929comeccedilaram a chegar do interior do estado do Rio migrantesde origem rural em sua maioria provenientes do Vale do Pa-raiacuteba assim adensando significativamente a aacuterea15 Cerca de

20 anos depois no recenseamento de 1950 o Morro DonaMarta jaacute contava com 1632 habitantes sendo 787 homens e854 mulheres Do total 728 eram analfabetos16

Haacute uma polecircmica em torno do nome da localidade Segundomoradores o nome atual da favela teve origem quando ainda nadeacutecada de 1920 uma imagem de Santa Marta foi levada por umamoradora que a colocou na parte mais alta do morro proacuteximo aolugar conhecido como Campinho do Pico Como o local acabouse tornando locus de celebraccedilatildeo religiosa e homenagem agrave santa foi

construiacuteda ali na deacutecada de 1930 por padre Velloso um jesuiacuteta doColeacutegio Santo Inaacutecio uma pequena capela para abrigar a imagemA confusatildeo em torno do nome comeccedilou quando na deacutecada de1980 a miacutedia passou a se referir agrave favela como Dona Marta nomedo morro em que estaacute localizada e do mirante nele construiacutedo Deacordo com a histoacuteria contada pelos moradores a denominaccedilatildeoacabou sendo apropriada pelos evangeacutelicos marcando uma dis-puta simboacutelica na favela17 A troca de nomes pode ser encontradanatildeo apenas na miacutedia mas tambeacutem e com frequecircncia em docu-

mentos produzidos por oacutergatildeos puacuteblicos18 constituindo uma espeacute-cie de ldquopoliacutetica do significadordquo (GEERZ 1989) na favela

Com relaccedilatildeo a sua morfologia social podemos destacaralguns lugares que servem de referecircncia tanto para moradorese visitantes quanto para os oacutergatildeos puacuteblicos e ONGs atuantes nalocalidade evidenciando uma estratificaccedilatildeo interna e definindofronteiras simboacutelicas importantes A principal referecircncia para sechegar agrave favela Santa Marta eacute a Praccedila Corumbaacute situada na RuaSatildeo Clemente na altura do no 295 Da praccedila chega-se agrave favela por

sua principal via de acesso a Rua Marechal Francisco de Mouraque leva agrave escada que por sua vez conduz agrave Praccedila Santa MartaEssa era a principal forma de acesso ao morro antes da inaugu-raccedilatildeo em 2008 de um plano inclinado Outro caminho possiacuteveleacute feito ao se virar agrave esquerda ao final da Rua Marechal Franciscode Moura e seguir pela Rua Jupira ateacute alcanccedilar a Praccedila do Cantatildeoe seu entorno lugar ao qual os moradores comumente se referemcomo Cantatildeo Era nessa praccedila que os traficantes costumavam ficarexibindo armas e municcedilotildees antes da chegada da UPP sendo o lu-gar agraves vezes tambeacutem chamado de ldquoantiga bocardquo

15 A favela que se formouno Morro Dona Marta natildeofoi a primeira favela de Bo-tafogo Jaacute no recenseamen-to de 1920 foram registra-dos 63 barracos no MorroSatildeo Joatildeo Cf httpwwwamabotafogoorgbr

16 IBGE (1953)

17 Para informaccedilotildees sobrea histoacuteria das favelas do Riode Janeiro ver wwwfavela-temmemoriacombr

18 No Sistema de Assen-tamentos de Baixa Renda(Sabren) disponiacutevel no sitedo Instituto Pereira Passospor exemplo a localidade eacutereferida em alguns lugarescomo Morro Santa Martaem outros como MorroDona Marta e em outros

ainda como Morro DonaMartaSanta Marta

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS380 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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As estaccedilotildees do plano inclinado18 tambeacutem oferecem umaimportante referecircncia na atualidade demarcando aacutereas commaior concentraccedilatildeo de moradias sobretudo nas proximida-des das estaccedilotildees 3 e 4 Na Estaccedilatildeo 3 faz-se baldeaccedilatildeo para a

Linha 2 que segue ateacute a Estaccedilatildeo 5 Eacute tambeacutem a partir da Esta-ccedilatildeo 3 que se tem acesso aos preacutedios coloridos apelidados deJambalaya19 construiacutedos recentemente para abrigar os remo- vidos de aacutereas de risco A Estaccedilatildeo 4 daacute acesso ao Espaccedilo (ouLaje do) Michael Jackson onde em 1996 o popstar america-no gravou um videoclipe que tornou a favela conhecida in-ternacionalmente e se constituiu em um marco na histoacuteria dolocal20 Nessa laje foi erigida uma estaacutetua de bronze em home-nagem ao cantor que atualmente eacute um dos pontos mais fre-

quentados pelos turistas que visitam a favela A Estaccedilatildeo 5 levaao lugar conhecido como Pico na parte mais alta do morroonde estaacute localizada a sede da UPP Leva tambeacutem ao Miranteda Pedra uma espeacutecie de belvedere ponto privilegiado parase admirar o panorama Moradores de outras partes do mor-ro referem-se ao Pico como o local que abriga as moradiasmais precaacuterias da favela em uma clara distinccedilatildeo de niacutevel depobreza com a chamada parte baixa Ali se iniciou a ocupaccedilatildeoda aacuterea No topo estaacute o Campinho do Pico descrito como

o local onde se davam os enfrentamentos A poliacutecia chegavapelo alto pela Rua Mundo Novo via que permite o acesso decarro ao morro pelo bairro vizinho de Laranjeiras

18 O plano inclinado eacuteformado por duas compo-siccedilotildees sobre trilhos movi-mentadas por motores quepuxam contrapesos atadospor cabo de accedilo agrave parteinferior do veiacuteculo O dafavela Santa Marta tem umtrajeto completo de cercade 450m O sistema eacute for-mado por duas linhas a 1que vai da Estaccedilatildeo 1 agrave 2 e alinha 2 que vai da Estaccedilatildeo3 agrave 5 As duas funcionamem sincronia para garantir

que ningueacutem fique aguar-dando por muito tempo abaldeaccedilatildeo

19 O nome Jambalaya foidado em referecircncia ao se-riado da Rede Globo Toma

laacute daacute caacute criado por MariaCarmem Barbosa e MiguelFalabella e exibido de 2007a 2009 cuja histoacuteria sepassa em um condomiacuteniochamado Jambalaya Oce-an Drive

20 A gravaccedilatildeo do clipe deMichael Jackson intitula-do They Donrsquot Care About

Us precisou ser autorizadapelo entatildeo chefe do traacutefi-co local Marcio Amaro deOliveira conhecido comoMarcinho VP ligado aoComando Vermelho e per-sonagem principal algunsanos mais tarde do livro

Abusado O dono do Morro

Dona Marta do jornalistaCaco Barcellos (2003) Foto 3 ndash Estaccedilatildeo final do plano inclinado

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS 381Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Outra referecircncia eacute a Primeira Mina De acordo comos moradores no local existiu por muito tempo a prin-

cipal fonte de aacutegua do morro Embora ela natildeo exista maiso lugar e seu entorno ainda satildeo identificados dessa formaE haacute ainda uma segunda mina como recurso de locali-zaccedilatildeo espacial na favela a Rua da Mina drsquoAacutegua Arena eacuteoutro ponto bastante conhecido Nele seratildeo construiacutedosos novos conjuntos de preacutedios para a realocaccedilatildeo daque-les que ainda se encontram em aacutereas de risco sobretu-do moradores do Pico que no entanto natildeo aprovam alocalizaccedilatildeo das novas residecircncias Eles alegam que elas

ficaratildeo ldquono meio do matordquo e identificam a aacuterea como umaespeacutecie de cemiteacuterio clandestino jaacute que era o local usa-do pelos traficantes para execuccedilotildees antes da chegada daUPP Quanto aos logradouros puacuteblicos a antiga Rua Pa-dre Heacutelio cujo nome oficial agora eacute Rua Mestre Diniz eacutesempre identificada como a principal Nela estaacute localiza-da a associaccedilatildeo de moradores O coqueiro eacute outro pontode referecircncia importante emprestando nome agrave rua ondese localiza a Rua do Coco Verde A nova denominaccedilatildeo

quase nunca eacute usada pelos moradores

Foto 4 ndash Jovens pesquisadores do LeMetroIFCS-UFRJ no Espaccedilo MichaelJackson Yasmin Monteiro Daniel Bustamente e Lucia Santos

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS382 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Foto 5 ndash O coqueiro no alto do morro serve de referecircncia e daacute nome agrave

atual Rua do Coqueiro

Com relaccedilatildeo aos equipamentos urbanos os morado-res da favela apontam trecircs praccedilas puacuteblicas Cantatildeo SantaMarta e Estaccedilatildeo do Alto A Biblioteca do Sol Nascente lo-calizada proacutexima agrave Primeira Mina eacute a uacutenica do lugar Haacutequatro creches comunitaacuterias a Creche da Pequena ObraNossa Senhora Auxiliadora na esquina da Rua Jupira coma Marechal Francisco Moura a Creche Comunitaacuteria San-ta Marta no final da Rua Marechal Francisco Moura nopeacute da escada que daacute acesso agrave Praccedila Santa Marta a CrecheComunitaacuteria Mundo Infantil na Rua do Jabuti na alturada Estaccedilatildeo 3 e a Creche Comunitaacuteria Vinde Menino naRua Padre Velloso proacutexima agrave sede da UPP Haacute tambeacutemum Centro de Educaccedilatildeo ecnoloacutegica e Profissionalizante(Cetep) vinculado agrave Fundaccedilatildeo de Apoio agrave Escola eacutecnica(Faetec) Para cursar o ensino fundamental os moradores

frequentam a Escola Municipal Meacutexico localizada no en-

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS 383Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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torno Haacute ainda um curso de informaacutetica e inclusatildeo digitaloferecido pelo Centro de Internet Comunitaacuteria iniciativado governo do estado que funciona na sede da associaccedilatildeode moradores E haacute tambeacutem o elecurso da Fundaccedilatildeo

Roberto Marinho que funciona na Igreja Batista e na as-sociaccedilatildeo de moradores Haacute trecircs lan houses e acaba de serinaugurada uma agecircncia do banco Bradesco com caixaseletrocircnicos Haacute somente um posto de sauacutede localizado naPraccedila Corumbaacute no qual se desenvolve o programa Sauacutededa Famiacutelia Haacute ainda uma Unidade de Pronto Atendimen-to (UPA) que fica ao lado da estaccedilatildeo do Metrocirc a 15minda favela Havia ateacute recentemente uma raacutedio comunitaacuteria

que desempenhava o papel de foacuterum de discussatildeo e de-bate dos problemas da favela e de seus moradores aleacutemde constituir importante espaccedilo de difusatildeo das formas deproduccedilatildeo cultural locais21

21 A Raacutedio Comunitaacuteria San-ta Marta criada pelos mora-dores em agosto de 2010foi fechada em 03052011por ocasiatildeo de uma accedilatildeo daPoliacutecia Federal e da AgecircnciaNacional de Telecomunica-ccedilotildees (Anatel) sob a alegaccedilatildeode que natildeo havia registro ou

autorizaccedilatildeo legal para seufuncionamento

Foto 6 ndash Aulas do Centro de Internet Comunitaacuteria funcionam na sede da

associaccedilatildeo de moradores

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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Marco Antonio da Silva Mello

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DILEMAS384 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

O processo de implantaccedilatildeo das UPPs

O impacto da implantaccedilatildeo da UPP na favela Santa Martafoi imediato O debate que se seguiu na imprensa evidencioua reaccedilatildeo dos atores envolvidos O noticiaacuterio tratou de alarde-ar os primeiros resultados fazendo euforicamente o elogio doprojeto As mateacuterias chamavam a atenccedilatildeo para o clima de ldquose-guranccedilardquo e ldquotranquilidaderdquo que passou a vigorar na favela Refe-rem-se ao fim da presenccedila ostensiva de traficantes fortementearmados antes os ldquosenhores da guerrardquo dos morros cariocas Arepercussatildeo internacional foi enorme atraindo agrave favela visitan-

tes ilustres como o senador republicano John McCain aindaem 2008 No ano seguinte em marccedilo foi a vez do secretaacuteriode Habitaccedilatildeo e Desenvolvimento Urbano dos Estados UnidosShaun Donavan do embaixador americano no Brasil TomasShannon e do cocircnsul-geral dos Estados Unidos Dennis Hear-ne Por laacute tambeacutem passaram o ministro de Seguranccedila Puacuteblicade Israel Yitzak Aharonovitz e jovens estudantes da Escola dePoliacuteticas Puacuteblicas da Universidade de Harvard curiosos paraconhecer a ldquoinovadorardquo poliacutetica de seguranccedila puacuteblica e repres-

satildeo ao traacutefico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro

Foto 7 ndash Cartaz do Telecurso com referecircncia agrave Primeira Mina e agrave Biblioteca Sol Nascente

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DILEMAS 385Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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A favela tambeacutem recebeu celebridades do mundo dasartes como as cantoras Madonna Alicia Keys e Beyonceacutee o ator Hugh Jackman mais conhecido por seu papel napopular seacuterie de filmes X-Men No iniacutecio de 2010 rece-

beu o projeto Favela Painting que realizou a pintura dasfachadas dos imoacuteveis em torno da Praccedila Cantatildeo tornan-do-se uma das grandes atraccedilotildees do local22oda essa re-percussatildeo tem levado cada vez mais visitantes natildeo menosilustres agraves favelas sob a eacutegide do projeto tornando essesespaccedilos de habitaccedilatildeo popular campo de accedilatildeo do projetode governo Rio op our ou seja parte do roteiro turiacutesti-co oficial da cidade Finalmente o impacto dessa poliacuteticapuacuteblica tem sido evidenciado e amplamente divulgado

pelas pesquisas de opiniatildeo indicando grande aceitaccedilatildeodas UPPs tanto por parte da populaccedilatildeo local quanto dasociedade carioca de maneira geral23

Desde que recebeu a Unidade de Poliacutecia Pacificadoraa Santa Marta tornou-se modelo e laboratoacuterio de implanta-ccedilatildeo de alguns projetos sociais que acompanham a poliacuteticade seguranccedila puacuteblica Aleacutem das obras de urbanizaccedilatildeo que jaacute estavam em curso antes da chegada da UPP financiadascom recursos do Programa de Aceleraccedilatildeo do Crescimento

(PAC) do governo federal observamos um intenso pro-cesso de reestruturaccedilatildeo da favela particularmente no queconcerne aos serviccedilos e infraestrutura baacutesica No iniacutecio de2009 foi instalada uma rede de internet sem fio gratuita Eatualmente jaacute estatildeo regularizados o fornecimento de aacutegualuz e V por assinatura afetando sensivelmente a informali-dade dos gatos e das ldquogatonetsrdquo praacuteticas ateacute entatildeo comuns deacesso respectivamente agrave energia eleacutetrica e agrave V a cabo e ge-ralmente controladas por miliacutecias ou pelo traacutefico de drogas

O primeiro serviccedilo a ser regularizado foi o fornecimen-to de energia eleacutetrica em meados de 2009 A partir de entatildeoa Light ampliou o fornecimento tributado de energia na fa- vela referida pela concessionaacuteria como ldquocomunidade mode-lordquo de suas accedilotildees Segundo a empresa 90 dos quase 2 mildomiciacutelios natildeo tinham fornecimento legal de energia Apoacuteso levantamento o mapeamento das moradias e a anaacutelise doconsumo a Light substituiu as ligaccedilotildees clandestinas conhe-cidas como gatos pelo fornecimento regularizado com re-

loacutegios de mediccedilatildeo de consumo para cada residecircncia24

22 Sobrepondo-se a umainiciativa anteriormente ide-alizada pelos proacuteprios mo-radores o Favela Painting foiconcebido e realizado peladupla de artistas holandesesHaas amp Hahn com patrociacutenioda empresa Coral Tintas en-volvendo em sua execuccedilatildeoum grupo de moradorescontratados e treinados pelaempresa Tudo de Cor SantaMarta A ideia eacute futuramente

expandir o projeto para todoo sistema construiacutedo da fa-vela Ver a respeito httpwwwfavelapaintingcomsanta-marta

23 Uma pesquisa encomen-dada pelo jornal O Globo aoInstituto Brasileiro de Pesqui-sa Social (IBPS) e divulgadaem dezembro de 2010 indicaque as UPPs satildeo amplamenteaprovadas em favelas com esem as unidades (92 e 77respectivamente) Segundoos resultados da pesqui-sa em localidades com UPPa confianccedila na PM eacute mais queo dobro da registrada emfavelas natildeo pacificadas (60contra 28) A pesquisa com-pleta encontra-se disponiacutevelno site httpupprjcomwp

24 A propoacutesito dos processosde regularizaccedilatildeo do forneci-mento de energia eleacutetrica em

assentamentos de baixa ren-da ver Yaccoub (2010)

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Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS386 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Visando melhor adequar o fornecimento a Light fez a

troca de antigas geladeiras por novos modelos mais econocirc-micos e de baixo consumo buscando desse modo incenti- var a participaccedilatildeo dos moradores e envolvecirc-los no processode regularizaccedilatildeo Disponibilizou tambeacutem um aparelho paraque cada morador pudesse controlar o proacuteprio consumo En-trevistados asseguraram que a fiscalizaccedilatildeo eacute constante e quedesde entatildeo ficou mais difiacutecil fazer ligaccedilotildees clandestinas Omedidor agora eacute lacrado e soacute o teacutecnico da companhia de luztem acesso a ele Aleacutem disso foi implantado um sistema de

telemediccedilatildeo por meio do qual a concessionaacuteria faz cortes eligaccedilotildees diretamente da empresa e controla o consumo resi-dencial sem precisar ldquomedir o reloacutegiordquo todo mecircs como faziaanteriormente A Light instalou tambeacutem iluminaccedilatildeo puacuteblicaem todos os becos e vielas da favela

Durante o periacuteodo de transiccedilatildeo foi fixado um limite deconsumo em quilowatts-hora definido a partir da meacutedia doconsumo local Esse teto foi revisado e ampliado a cada quatromeses como forma de ldquoadaptarrdquo os moradores ao ldquoconsumo

econocircmicordquo de energia e preparaacute-los para a etapa posterior do

Foto 8 ndash Novo reloacutegio de mediccedilatildeo de consumo de energia eleacutetrica instaladopela Light em 2009

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS 387Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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processo de regularizaccedilatildeo Assim o limite inicial de 20kWhpassou para 40kWh e assim por diante ateacute finalmente chegaraos atuais 180kWh Os moradores que natildeo usassem toda acota pagariam um valor proporcional a seu consumo Jaacute aque-les que atingissem ou ultrapassassem o teto pagariam a taxade R$ 8000 Haacute ainda a previsatildeo de criaccedilatildeo de uma taxa so-cial que permitiria um desconto para aqueles que possuiacutessemNuacutemero de Inscriccedilatildeo Social (NIS) por estarem vinculados aprogramas sociais como o Bolsa-Famiacutelia ou o Cheque Cida-datildeo A proposta da Light entretanto tem como meta unifor-mizar as tarifas a partir de agosto de 2011 quando todos osmoradores do Santa Marta passariam a pagar a mesma tarifacobrada no resto da cidade de acordo evidentemente com oconsumo de cada unidade residencial e comercial

odas as accedilotildees mencionadas fazem parte do projeto Co-munidade Eficiente desenvolvido pela Light em favelas da ci-dade do Rio de Janeiro desde 1999 com o objetivo de ldquoalertar econscientizar os clientes de baixa renda para o uso adequado deenergia eleacutetricardquo25 Por meio de um ldquoprograma de educaccedilatildeo doconsumidorrdquo a empresa vem desenvolvendo accedilotildees que englo-bam a substituiccedilatildeo de lacircmpadas e geladeiras substituiccedilatildeo e mo-dernizaccedilatildeo do sistema de rede eleacutetrica (incluindo transforma-

dores postes fiaccedilatildeo caixas de luz e medidores) e finalmente aregularizaccedilatildeo comercial do fornecimento de energia O projetotem o apoio da associaccedilatildeo de moradores e contrata agentes co-munitaacuterios para realizar visitas domiciliares e levar informaccedilotildeessobre uso da energia e seguranccedila dos equipamentos eleacutetricosSegundo dados da Light desde o iniacutecio de implantaccedilatildeo do pro- jeto na Santa Marta mais de 30 mil lacircmpadas incandescentesforam substituiacutedas e cerca de 1300 domiciacutelios ldquoem situaccedilatildeo deriscordquo tiveram suas instalaccedilotildees eleacutetricas reformadas

Um endereccedilo na cidade

Com o mapeamento inicial realizado a Light pocircde afixarplacas de identificaccedilatildeo em todos os becos e ruas da favelaProcedeu tambeacutem agrave respectiva numeraccedilatildeo das edificaccedilotildeesde modo a garantir que a entrega da conta de luz fosse fei-ta a partir de entatildeo diretamente em cada residecircncia passan-

do seus moradores a ter um endereccedilo Por enquanto essa eacute

25 O projeto eacute uma das accedilotildeesdo Programa de EficiecircnciaEnergeacutetica da Light quepromove ldquoaccedilotildees voltadaspara o uso racional da ener-gia eleacutetrica e a promoccedilatildeo douso eficiente e o combate aodesperdiacutecio de energiardquo Para

mais informaccedilotildees ver httpwwwlightcombr

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS388 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

a uacutenica correspondecircncia entregue nas residecircncias o que eacutefeito pela proacutepria Light odos os endereccedilos tecircm um uacutenicoCoacutedigo de Endereccedilamento Postal (CEP) que se refere agrave RuaMarechal Francisco de Moura26 que daacute acesso ao morro As

demais correspondecircncias continuam sendo entregues pelaEmpresa de Correios e eleacutegrafos no endereccedilo da associaccedilatildeode moradores onde satildeo separadas e distribuiacutedas em ordemalfabeacutetica para facilitar a busca dos moradores nos escani-nhos do armaacuterio que faz as vezes de boicircte aux lettres Haacute aindacaixas especiacuteficas para empresas de serviccedilos como V a cabo(Sky Net) companhias telefocircnicas operadoras de celular (e-lemar Vivo Oi Claro) e lojas como por exemplo a CampA27

26 A Rua Marechal Francis-co de Moura foi reconheci-da como logradouro puacutebli-co em 1937 por ocasiatildeo doprojeto de arruamento eloteamanto da aacuterea do ter-

reno da Rua Satildeo Clementeem frente agrave Rua da Matrizque resultou tambeacutem nasruas Baratildeo de Macauacutebas eJupira todas terminandoem cul de sac

27 Eacute interessante observaro grande volume de faturasreferentes agrave loja de depar-tamentos CampA indicandoexpressivo consumo demoradores da favela nesseestabelecimento comercial

28 O Pouso foi criado em1996 no acircmbito da Secreta-ria Municipal de Habitaccedilatildeo(SMH) com o objetivo depromover a consolidaccedilatildeodas aacutereas de favela trans-formando-as em bairrospor meio de accedilotildees de orien-taccedilatildeo urbaniacutestica e socialassistecircncia teacutecnica regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica e fiscaliza-ccedilatildeo das obras de melhoria

impedindo o surgimento denovas edificaccedilotildees

O processo de formalizaccedilatildeo e reconhecimento do en-dereccedilo entretanto eacute mais complexo A instituiccedilatildeo do CEP

para os logradouros puacuteblicos da favela depende ainda documprimento de algumas etapas al processo teve iniacutecioem abril de 2009 com a instalaccedilatildeo pela Prefeitura do Mu-niciacutepio do Rio de Janeiro de um posto do Programa deOrientaccedilatildeo Urbaniacutestica e Social (Pouso)28 Desde entatildeo vem sendo feito um trabalho de mapeamento e regulari-zaccedilatildeo das construccedilotildees existentes na favela de reconheci-mento dos logradouros puacuteblicos fiscalizaccedilatildeo de obras enumeraccedilatildeo das casas minus tudo isso visando agrave concessatildeo da

autorizaccedilatildeo para morar ou seja o habite-se

Foto 9 ndash O armaacuterio na associaccedilatildeo de moradores que serve de lsquoboicircte aux lettresrsquo

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS 389Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Em julho de 2009 com o do decerto no 30870 foram

estabelecidas as normas de uso e ocupaccedilatildeo do solo da Santa

Marta O decreto regulamentou a lei no 3135 de 5 de de-

zembro de 2000 que havia declarado a favela como Aacuterea de

Especial Interesse Social (AEIS)29 Nele foram definidos oslimites da AEIS e as aacutereas improacuteprias para ocupaccedilatildeo Foram

tambeacutem delimitadas subzonas a partir da identificaccedilatildeo das

aacutereas de risco e de proteccedilatildeo ambiental e definido o nuacuteme-

ro maacuteximo de pavimentos permitido para as construccedilotildees jaacute

existentes que deveriam ser adaptadas agraves novas regras

O objetivo final dessas accedilotildees eacute a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria

e a legalizaccedilatildeo da propriedade dos terrenos e casas por meio

da concessatildeo da autorizaccedilatildeo para nelas morar e da regulari-zaccedilatildeo urbaniacutestica da favela como um todo Esta etapa impli-

ca uma seacuterie de medidas e atos legais e administrativos cuja

finalidade eacute a completa inserccedilatildeo das edificaccedilotildees no sistema

legal que regula as propriedades urbanas da cidade Entre

elas estaacute a demarcaccedilatildeo de todos os logradouros em plantas

que definem os limites entre os espaccedilos puacuteblicos e privados

por meio do Projeto de Alinhamento (PA) um instrumento

que permite agrave municipalidade estabelecer legal e publica-mente as aacutereas que seratildeo utilizadas como ruas praccedilas aacutereas

de esporte e lazer ou seja tudo aquilo que do ponto de vista

das normas legais vigentes seja considerado ldquobem de uso

comumrdquo (CAVALLIERI 2003)

Aleacutem do estabelecimento das fronteiras entre os espa-

ccedilos eacute necessaacuterio proceder ao parcelamento da aacuterea total da

favela pela demarcaccedilatildeo dos limites entre os terrenos parti-

culares estabelecendo formalmente aquilo que jaacute existe narealidade por meio do Projeto de Alinhamento e Loteamen-

to (PAL) Essa natildeo eacute uma tarefa simples na medida em que

os terrenos nas favelas natildeo tecircm um limite muito definido e

correspondem na maioria das vezes a formas irregulares

que quase nunca se ajustam agraves normas urbaniacutesticas Por isso

tornou-se necessaacuterio transformar esss espaccedilos em AEIS o

que permitiu estabelecer padrotildees aurbaniacutesticos proacuteprios ao

processo de regularizaccedilatildeo (Idem)

29 Previstas no Plano Dire-tor de 1992 as AEISs cor-respondem a uma tabelade classificaccedilatildeo legal dezoneamento da cidade quepode ser regida por umalegislaccedilatildeo urbaniacutestica eediliacutecia especiacutefica visandoatender agraves caracteriacutesticasparticulares das formas de

ocupaccedilatildeo do solo e do sis-tema construiacutedo local

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Assim o decreto no 30870 de 2009 estabelecia que se-riam consideradas regularizadas todas as edificaccedilotildees exis-tentes na favela naquele momento para fins de concessatildeo dehabite-se e inscriccedilatildeo imobiliaacuteria excluindo contudo aque-

las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS390 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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las com mais de trecircs pavimentos limite estabelecido por leiForam tambeacutem proibidas novas construccedilotildees com exceccedilatildeodaquelas de iniciativa e responsabilidade do poder puacuteblicoou destinadas ao reassentamento de moradores situados emaacutereas de risco ou de preservaccedilatildeo ambiental que poderiamter ateacute quatro andares Evidentemente todas as construccedilotildeesdeveriam apresentar condiccedilotildees de higiene seguranccedila e habi-tabilidade respeitando o alinhamento definido no decreto de2009 que estabelecia que a autorizaccedilatildeo para obras e o habite-

-se passariam a ser concedidos por meio de formulaacuterio espe-ciacutefico e que os estabelecimentos comerciais deveriam ter oalvaraacute devidamente aprovado pelos oacutergatildeos competentes Fi-nalmente previa a realizaccedilatildeo de campanhas educativas juntoagrave populaccedilatildeo residente para o esclarescimento dos paracircmetrosurbaniacutesticos a que obras de novas edificaccedilotildees passariam a sersubmetidas para licenciamento e regularizaccedilatildeo

Em junho de 2010 o decreto no 32398 finalmente re-conheceu como logradouros puacuteblicos todas as ruas traves-sas praccedilas largos e escadarias da favela Santa Marta Nesseprocesso mantiveram-se os nomes jaacute atribuiacutedos anterior-mente excetuando-se alguns casos que infringiam as regrasmunicipais que orientam a nominaccedilatildeo oficial de logradou-

ros puacuteblicos como a que indica que apenas pessoas faleci-

Foto 10 ndash Placa com nome de rua colocada pela Light em 2010

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

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DILEMAS 391Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

das podem ser homenageadas e a que impede a repeticcedilatildeode nomes Com a ajuda da associaccedilatildeo de moradores e delideranccedilas locais as aacutereas cujos nomes se enquadravam nes-ses casos foram rebatizados e a Prefeitura se encarregou da

substituiccedilatildeo das placas O reconhecimento dos logradourospuacuteblicos pela municipalidade eacute pois etapa fundamentalpara o processo de regularizaccedilatildeo em curso

odas essas accedilotildees tecircm permitido a concessatildeo das cer-tidotildees de habite-se para as edificaccedilotildees que se enquadramnos criteacuterios definidos atestando a regularidade dasconstruccedilotildees No entanto natildeo concedem ainda o tiacutetulo depropriedade definitiva do imoacutevel uma etapa necessaacuteriapara a regularizaccedilatildeo fundiaacuteria Estima-se que cerca de

80 das construccedilotildees da favela Santa Marta teratildeo dificul-dade de ter acesso ao habite-se jaacute que estatildeo fora do gaba-rito determinado pela Prefeitura

Aacuterea de risco

Blocos EMOP

Figura 1 ndash Mapa com todos os logradouros puacuteblicos reconhecidos pelo decretono 32398 de junho de 2010

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

anto a regularizaccedilatildeo do fornecimento de energia eleacute-trica quanto as accedilotildees de regulamentaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo de

obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

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DILEMAS392 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Novos conflitos no espaccedilo puacuteblico

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obras tecircm provocado conflitos entre os moradores e o poderpuacuteblico Os embates decorrem da experiecircncia de adaptaccedilatildeoa uma nova realidade e de internalizaccedilatildeo de novas regras jaacuteque o processo exige uma contrapartida por parte dos mora-dores traduzida em uma seacuterie de obrigaccedilotildees minus econocircmicaspoliacuteticas morais Dessa perspectiva a reordenaccedilatildeo do espaccedilourbano e da vida cotidiana da favela deflagrada pela imple-mentaccedilatildeo da UPP e pelo iniacutecio da regularizaccedilatildeo urbaniacutesticaobjetiva instituir uma nova visatildeo de mundo agrave qual corres-

pondam as novas praacuteticas sociais exigidas de seus moradoresrata-se portanto de transformar normas em valoresCom relaccedilatildeo ao trabalho da Light por exemplo as re-

clamaccedilotildees satildeo muitas e crescentes Uma primeira questatildeodiz respeito agraves distintas percepccedilotildees quanto agraves tarifas Algunsmoradores reconhecem a importacircncia do pagamento pelouso do serviccedilo afirmando que ldquoo morador de favela tem quepagar luz como qualquer outro para ter direitosrdquo Sentem-seportanto orgulhosos de poder ldquopagar a conta em diardquo e afir-

mam que apesar das dificuldades a taxa de inadimplecircnciana favela tem sido ldquopraticamente zerordquo Outros por sua vezreclamam alegando que os criteacuterios de cobranccedila natildeo estatildeoclaros e sobretudo natildeo satildeo justos Argumentam ainda quemoradores de favela natildeo podem pagar os mesmos valorescobrados em outras regiotildees e bairros da cidade como Ipa-nema ou Copacabana jaacute que a qualidade dos serviccedilos ofere-cidos eacute muito distinta nessas localidades

Joseacute Maacuterio presidente da Associaccedilatildeo dos Moradores do

Santa Marta diz que o retorno de impostos como o ICMSpor exemplo eacute extremamente desigual entre as diferentesaacutereas e que a favela ainda sofre com problemas de infraes-trutura baacutesica ldquocom esgoto a ceacuteu aberto e ruas com poucailuminaccedilatildeordquo Defende assim um projeto que leve em consi-deraccedilatildeo o perfil de renda da populaccedilatildeo local que seja ldquomaisadequado agrave realidade da favelardquo Por outro lado o proacutepriopresidente chama a atenccedilatildeo para o fato de que nas assem-bleias convocadas para esclarecimento dos criteacuterios de de-finiccedilatildeo dos valores cobrados ldquocompareceram mais agentes

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

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reito Universidade Gama Filho

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

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DILEMAS 393Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

da Light que moradoresrdquo alertando para a importacircncia daparticipaccedilatildeo organizada da populaccedilatildeo local no processo deregularizaccedilatildeo Lembra ainda que embora a associaccedilatildeo demoradores tenha o papel de ldquomediar as demandas locaisrdquo eacute

fundamental que a populaccedilatildeo recorra diretamente agrave conces-sionaacuteria para fazer reclamaccedilotildees e solicitar serviccedilos agindoagora como ldquoclientesrdquo e exigindo seus direitos

Os moradores se queixam ainda de que as faturas natildeochegam a tempo acarretando atraso no pagamento e mui-tas vezes corte no fornecimento de energia eleacutetrica Mas re-clamam sobretudo da diferenccedila entre as tarifas cobradasrelatando casos de pessoas que mesmo possuindo poucoseletrodomeacutesticos e ficando boa parte do dia fora de casa

acabam pagando contas iguais ou mais altas do que as dealguns vizinhos com famiacutelias maiores e grande quantida-de de aparelhos de ar-condicionado por exemplo De fatoencontramos uma enorme variaccedilatildeo nas tarifas pagas pelosmoradores pelo fornecimento de energia eleacutetrica na fave-la Variaccedilatildeo esta que a concessionaacuteria ateacute o momento natildeoconseguiu explicar de modo satisfatoacuterio Haacute uma suspeitainclusive de que pode estar havendo furto de energia eleacutetri-ca entre vizinhos constituindo assim uma nova modalidade

de gato Os conflitos tecircm aumentado com a aproximaccedilatildeodo momento em que todos deveratildeo pagar por seu consumocom base nos valores cobrados na cidade formal

Por outro lado Maacuterio Romano superintendente da Li-ght diz que esses conflitos se devem agrave falta de ldquoconsciecircnciado consumordquo Alega que muitos moradores natildeo aceitarama substituiccedilatildeo de geladeiras por novos modelos de baixoconsumo proposta pela Light e que os displays distribuiacutedospara que pudessem controlar o proacuteprio consumo natildeo estatildeo

sendo utilizados Ressalta ainda que haacute uma resistecircncia porparte dos moradores em adotar uma nova atitude diantedas mudanccedilas que vecircm ocorrendo a partir da formalizaccedilatildeodo fornecimento de energia eleacutetrica E lembra que emborahaja um plantatildeo permanente da concessionaacuteria na asso-ciaccedilatildeo de moradores com a presenccedila de um gestor sociale de um teacutecnico cujos telefones foram disponibilizados atodos para que possam solicitar visitas e esclarecimentossobre quaisquer assuntos relativos aos serviccedilos oferecidosas solicitaccedilotildees natildeo satildeo frequentes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Referecircncias

ABRAMO Pedro (org) (2003) A cidade da informalidade

O desafio das cidades latino-americanas Rio de Janei-ro Sette LetrasFaperj

BARCELLOS Caco (2003) Abusado O dono do Morro San-ta Marta Rio de Janeiro Record

BENCHIMOL Jaime Larry (1990) Pereira Passos UmHaussmann tropical Rio de Janeiro SecretariaMunicipal de Cultura urismo e Esportes

CARVALHO Lia de Aquino (1986) Contribuiccedilatildeo ao estudodas habitaccedilotildees populares Rio de Janeiro 1886-1906Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura uris-mo e Esportes

CAVALLIERI Fernando (2003) ldquoFavela-Bairro Integraccedilatildeode aacutereas informais no Rio de Janeirordquo Em ABRAMOPedro (org) A cidade da informalidade O desafio dascidades latino-americanas Rio de Janeiro Sette LetrasFaperj pp 265-296

CHALHOUB Sidney (1996) Cidade febril Corticcedilos e epi-demias na corte imperial Satildeo Paulo Companhia dasLetras

CHEVALIER Louis (2002) Classes labourieuses et classesdangereuses agrave Paris pendant la premiegravere moitieacute duXIXe siegravecle Paris Perrin

CORREA Claudia Franco (2010) ldquoA invisibilidade dodireito fundamental de morar nas favelas cariocasModo de vida e de reproduccedilatildeo social em merca-dos informais e no lsquodireito de lajersquordquo Beleacutem do ParaacuteAnais da 27a RBA

________ (2011) Controveacutersias entre o lsquodireito de moradiarsquoem favelas e o direito de propriedade imobiliaacuteria na ci-dade do Rio de Janeiro O lsquodireito de lajersquo em questatildeoese (doutorado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Di-

reito Universidade Gama Filho

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

CUNHA Neiva Vieira (2004) ldquoComo se lsquofabricarsquo um policialAlgumas consideraccedilotildees em torno dos processos de socia-lizaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissionalrdquo Revista Comum Vol 9no 22 pp 198-207

________ et alii (2005) Viagem experiecircncia e memoacuteriaNarrativas de profissionais da sauacutede puacuteblica dos anos 30Bauru EduscAnpocs

________ (org) (2006) Histoacuterias de favelas da Grande iju-ca Rio de Janeiro IbaseAgenda Social Rio

FREIRE Letiacutecia de Luna (2005) ecendo as redes do pro-grama Favela-Bairro em Acari Dissertaccedilatildeo (mestrado)

Departamento de Psicologia Social da Universidade doEstado do Rio de Janeiro

GEERTZ Clifford (1989) A interpretaccedilatildeo das culturas Rio deJaneiro Jorge Zahar

GONCcedilALVES Rafael Soares (2010) Les favelas de Rio de JaneiroHistoire et droit ndash XIXe et XXe siegravecles Paris LrsquoHarmattan

IBGE (1953) As favelas do Distrito Federal e o censo demo-

graacutefico de 1950 Documentos Censitaacuterios seacuterie C no

9IETS (2010) Pesquisa nas favelas com Unidades de Poliacutecia

Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro

LINS Paulo (2007) Cidade de Deus Satildeo Paulo Companhiadas Letras

MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (2010) ldquoAfinal qual eacute adas UPPsrdquo Disponiacutevel (on-line) em wwwobservatoacuterio-

dasmetropolesufrjbr_______ (2008) ldquoViolecircncia urbana sociabilidade violenta e agen-

da puacuteblicardquo Em Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelasdo Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 35-45

_______ [e] LEITE Maacutercia (2008) ldquoViolecircncia crime e po-liacutecia O que os favelados dizem quando falam dessestemasrdquo Em MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (org)(2008) Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelas do

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 47-76

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

MATTOS Rocircmulo Costa (2009) ldquoAs lsquoclasses perigosasrsquo ha-bitam as favelas Um passeio pela crocircnica policial noperiacuteodo das reformas urbanasrdquo Desigualdade e Diver-sidade Revista de Ciecircncias Sociais da PUC-Rio no 5

MELLO Marco Antonio da Silva (2010) ldquoCidades Com-modities para consumordquo Jornal da UFRJ Ano 6 no 53 pp 13-16

_______ [e] VOGEL Arno (1983) ldquoLiccedilotildees da rua O que umracionalista pode aprender no Catumbirdquo ArquiteturaRevista Vol 1 no 1 pp 67-79

_______ SANTOS Carlos Nelson Ferreira dos VOGEL

Arno et alii (1985) Quando a rua vira casa A apro-priaccedilatildeo de espaccedilos de uso coletivo em um centro debairro Satildeo Paulo Projeto

MERTON Robert King (1970) Sociologia eoria e estrutu-ra Satildeo Paulo Mestre Jou

MISSE Michel (1997) ldquoAs ligaccedilotildees perigosas Mercados ile-gais narcotraacutefico e violecircncia no Riordquo Contemporanei-dade e Educaccedilatildeo Ano 2 no 1

_______ (2002) ldquoO Rio como bazar A conversatildeo da ile-galidade em mercadoria poliacuteticardquo Insight InteligecircnciaVol 3 no 5 pp 12-16

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OLIVEIRA Anazir Maria [e] CARVALHO Ciacutentia Paes (1993)

Favelas e organizaccedilotildees comunitaacuterias Petroacutepolis VozesCentro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubiatildeo

PEPPE Atiacutelio Machado (1992) Associativismo e poliacutetica nafavela Santa Marta Dissertaccedilatildeo (mestrado) Departa-mento de Ciecircncia Poliacutetica da Universidade de Satildeo Paulo

RIOS Jose Arthur (coord) (1960) ldquoAspectos humanos da fa- vela carioca (Relatorio Sagmacs)rdquo O Estado de Satildeo Pau-lo 13 e 15 de abril

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ROCHA Adair (2005) Cidade serzida A costura da cida-dania no Morro Santa Marta Rio de Janeiro Museu daRepuacuteblica

ROCHA Oswaldo Porto (1985) A era das demoliccedilotildees Rio

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VENTURA Zuenir (1994) Cidade partida Satildeo Paulo Com-panhia das Letras

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ZYLBERBERG Sonia (1992) Morro da Providecircncia Memoacute-ria da favela Rio de Janeiro Secretaria Municipal deCultura urismo e Esportes

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DILEMAS394 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

ambeacutem haacute um relacionamento conflituoso entre os ha-bitantes e o Pouso cujas accedilotildees segundo os moradores tive-ram um efeito decisivo na elevaccedilatildeo do custo de vida na favelaA fiscalizaccedilatildeo de obras de melhoria nas moradias e a neces-

sidade de elas se adequarem agraves normas encareceram grande-mente o custo da construccedilatildeo muitas vezes inviabilizando-aIsso significa inclusive que o manejo da propriedade de acor-do com as necessidades da famiacutelia e de seu crescimento ndash osldquopuxadinhosrdquo e a ldquocultura da lajerdquo30ndash estrateacutegias importantesde expansatildeo das casas e reproduccedilatildeo do grupo domeacutestico nes-ses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular natildeo eacute mais possiacutevel Comoa aacuterea dos lotes eacute geralmente pequena a laje representa um es-paccedilo importante de sociabilidade onde muacuteltiplas atividades

podem ser realizadas como festas banhos de sol e lavagemde roupas recuperando em parte o quintal perdido31ambeacutem haacute polecircmica em torno da taxa de aacutegua pois al-

guns moradores afirmam receber a fatura de cobranccedila pelo ser- viccedilo sem ter de fato acesso a ele Por esse motivo nem todos es-tatildeo cumprindo com o pagamento A esse respeito vale destacarque em marccedilo de 2011 foi aprovada a lei complementar quedispotildee sobre a obrigatoriedade de individualizaccedilatildeo do medidorde consumo de aacutegua em todas as edificaccedilotildees multifamiliares

comerciais e mistas a serem construiacutedas vinculando a conces-satildeo do habite-se ao cumprimento da lei Aleacutem disso os preacutediosdesse tipo jaacute existentes deveratildeo solicitar a licenccedila na Prefeiturapara fazer obras de adaptaccedilatildeo O argumento da municipalidadeeacute que isso possibilitaraacute uma conta drsquoaacutegua mais justa que evitaraacuteo desperdiacutecio e as distorccedilotildees na cobranccedila uma vez que cadaum pagaraacute pelo que efetivamente consumir Mas a resistecircnciaentre alguns moradores ainda eacute grande

Levantando algumas questotildees

O processo de produccedilatildeo dos espaccedilos de favela foi his-toricamente marcado pela oposiccedilatildeo entre eles e o ldquoasfaltordquotanto do ponto de vista das representaccedilotildees quanto das praacuteti-cas Essa oposiccedilatildeo evidencia de forma eloquente a distacircnciaque se estabeleceu entre a ldquocidade formalrdquo e a ldquocidade realrdquo

constituindo dois mundos distintos enquanto na cidadetemos casas na favela temos barracos enquanto na cidade

30 Ver Correa (2010 2011)

31 Essa forma de utilizaccedilatildeoda laje vem se alterando emalgumas favelas cariocassendo esse espaccedilo cada vezmais abordado como umaespeacutecie de capital imobiliaacute-rio e dando lugar agrave constru-ccedilatildeo de quitenetes visandoao mercado de aluguel Essaquestatildeo foi abordada na pa-

lestra proferida pela socioacutelo-ga Maria Lais Pereira da Silvana disciplina ldquoAs favelas ca-riocas e seu lugar na cidadeAproximaccedilotildees ao debaterdquono IFCSUFRJ em maio de2011 quando apresentoualguns dos resultados doprojeto ldquoRepresentaccedilotildeessociais em favelas Aspectoshistoacutericos e atuaisrdquo por elacoordenado juntamentecom o arquiteto Joatildeo Paulo

Hugemin nas favelas da Ro-cinha e da Mareacute

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Referecircncias

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O desafio das cidades latino-americanas Rio de Janei-ro Sette LetrasFaperj

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reito Universidade Gama Filho

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

CUNHA Neiva Vieira (2004) ldquoComo se lsquofabricarsquo um policialAlgumas consideraccedilotildees em torno dos processos de socia-lizaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissionalrdquo Revista Comum Vol 9no 22 pp 198-207

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FREIRE Letiacutecia de Luna (2005) ecendo as redes do pro-grama Favela-Bairro em Acari Dissertaccedilatildeo (mestrado)

Departamento de Psicologia Social da Universidade doEstado do Rio de Janeiro

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GONCcedilALVES Rafael Soares (2010) Les favelas de Rio de JaneiroHistoire et droit ndash XIXe et XXe siegravecles Paris LrsquoHarmattan

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graacutefico de 1950 Documentos Censitaacuterios seacuterie C no

9IETS (2010) Pesquisa nas favelas com Unidades de Poliacutecia

Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro

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dasmetropolesufrjbr_______ (2008) ldquoViolecircncia urbana sociabilidade violenta e agen-

da puacuteblicardquo Em Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelasdo Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 35-45

_______ [e] LEITE Maacutercia (2008) ldquoViolecircncia crime e po-liacutecia O que os favelados dizem quando falam dessestemasrdquo Em MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (org)(2008) Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelas do

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 47-76

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

MATTOS Rocircmulo Costa (2009) ldquoAs lsquoclasses perigosasrsquo ha-bitam as favelas Um passeio pela crocircnica policial noperiacuteodo das reformas urbanasrdquo Desigualdade e Diver-sidade Revista de Ciecircncias Sociais da PUC-Rio no 5

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_______ [e] VOGEL Arno (1983) ldquoLiccedilotildees da rua O que umracionalista pode aprender no Catumbirdquo ArquiteturaRevista Vol 1 no 1 pp 67-79

_______ SANTOS Carlos Nelson Ferreira dos VOGEL

Arno et alii (1985) Quando a rua vira casa A apro-priaccedilatildeo de espaccedilos de uso coletivo em um centro debairro Satildeo Paulo Projeto

MERTON Robert King (1970) Sociologia eoria e estrutu-ra Satildeo Paulo Mestre Jou

MISSE Michel (1997) ldquoAs ligaccedilotildees perigosas Mercados ile-gais narcotraacutefico e violecircncia no Riordquo Contemporanei-dade e Educaccedilatildeo Ano 2 no 1

_______ (2002) ldquoO Rio como bazar A conversatildeo da ile-galidade em mercadoria poliacuteticardquo Insight InteligecircnciaVol 3 no 5 pp 12-16

_______ (2006) Crime e violecircncia no Brasil contemporacirc-neo Estudos de Sociologia do Crime e da Violecircncia Ur-bana Rio de Janeiro Lumen Juris

OLIVEIRA Anazir Maria [e] CARVALHO Ciacutentia Paes (1993)

Favelas e organizaccedilotildees comunitaacuterias Petroacutepolis VozesCentro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubiatildeo

PEPPE Atiacutelio Machado (1992) Associativismo e poliacutetica nafavela Santa Marta Dissertaccedilatildeo (mestrado) Departa-mento de Ciecircncia Poliacutetica da Universidade de Satildeo Paulo

RIOS Jose Arthur (coord) (1960) ldquoAspectos humanos da fa- vela carioca (Relatorio Sagmacs)rdquo O Estado de Satildeo Pau-lo 13 e 15 de abril

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ROCHA Adair (2005) Cidade serzida A costura da cida-dania no Morro Santa Marta Rio de Janeiro Museu daRepuacuteblica

ROCHA Oswaldo Porto (1985) A era das demoliccedilotildees Rio

de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura

SILVA Jaiacutelson de Souza (2004) ldquoFavelas Aleacutem dos estereoacute-tiposrdquo Democracia Viva no 22 pp 10-16

SILVA Jorge da (1998) Violecircncia e racismo no Rio de Janei-ro Niteroacutei EdUFF

SOLTEC (2011) Relatoacuterio de levantamento de dados secun-daacuterios Santa Marta Rio de Janeiro Nuacutecleo de Solida-riedade eacutecnica da UFRJ

VALLADARES Liacutecia do Prado (2005) Do mito de origem agravefavelacom Rio de Janeiro Editora FGV

VENTURA Zuenir (1994) Cidade partida Satildeo Paulo Com-panhia das Letras

YACCOUB Hilaine (2010) Atirei o pau no lsquogatorsquo Uma anaacutelisesobre consumo e furto de energia eleacutetrica (dos lsquonovosrsquoconsumidores) em um bairro popular de Satildeo GonccedilaloDissertaccedilatildeo (mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeoem Antropologia Universidade Federal Fluminense

ZYLBERBERG Sonia (1992) Morro da Providecircncia Memoacute-ria da favela Rio de Janeiro Secretaria Municipal deCultura urismo e Esportes

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DILEMAS 395Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

temos ruas na favela temos becos na cidade temos forneci-mento legal de energia eleacutetrica e na favela gatos de luz nacidade temos V a cabo na favela a ldquogatonetrdquo Eacute uma seacuterieinfindaacutevel de oposiccedilotildees que enfatizam a falta de forma de

ordem de regras moraisEssas fronteiras materiais e simboacutelicas acabaram sendoreforccediladas sobretudo ao longo das uacuteltimas deacutecadas pela per-cepccedilatildeo dos espaccedilos de favela como espaccedilos perigosos e violen-tos Para aleacutem da informalidade que os caracterizava do pontode vista das condiccedilotildees materiais e de infraestrutura as favelasforam identificadas por muito tempo como territoacuterios domi-nados pelo medo e pelas praacuteticas natildeo soacute ilegais mas iliacutecitasque acabaram por acentuar as representaccedilotildees das favelas como

negaccedilatildeo da cidade como uma espeacutecie de avesso do urbanoEmbora as praacuteticas que prosperaram nos espaccedilos de

favela possam ser consideradas informais ou ilegais do pon-to de vista das normas juriacutedicas vaacutelidas para a cidade for-mal elas foram durante muito tempo a forma de rompera distacircncia e o isolamento social aos quais a favela e seusmoradores foram destinados Foram tambeacutem o modo queeles encontraram de acesso aos serviccedilos baacutesicos Aleacutem dis-so apesar de classificadas como ilegais foram legitimadas e

toleradas durante muito tempo pelo proacuteprio Estado que seomitia de seu papel de instacircncia de redistribuiccedilatildeo e regula-ccedilatildeo do espaccedilo urbano

Eacute certo que a poliacutetica de seguranccedila puacuteblica implementadapelas Unidades de Poliacutecia Pacificadora tem recebido uma ava-liaccedilatildeo positiva diminuindo consideravelmente o sentimentode medo e inseguranccedila natildeo soacute entre os moradores das favelasocupadas mas tambeacutem na populaccedilatildeo do restante da cidadeIsso jaacute eacute bastante importante pois altera significativamente

o quadro das relaccedilotildees sociais e poliacuteticas no contexto urbanopossibilitando inclusive a ressignificaccedilatildeo das representaccedilotildeessociais sobre as favelas esses espaccedilos de habitaccedilatildeo popular vistos com tanta desconfianccedila pela sociedade mais ampla efortemente estigmatizados (MACHADO DA SILVA 2010)

Mas as desigualdades com relaccedilatildeo ao direito agrave cidade se mantecircm ao menos por enquanto como marca defini-dora no que diz respeito aos modos de habitar Uma tenta-tiva de controle mais sistemaacutetico das estrateacutegias informaisde acesso a serviccedilos urbanos como vimos e a necessida-

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Referecircncias

ABRAMO Pedro (org) (2003) A cidade da informalidade

O desafio das cidades latino-americanas Rio de Janei-ro Sette LetrasFaperj

BARCELLOS Caco (2003) Abusado O dono do Morro San-ta Marta Rio de Janeiro Record

BENCHIMOL Jaime Larry (1990) Pereira Passos UmHaussmann tropical Rio de Janeiro SecretariaMunicipal de Cultura urismo e Esportes

CARVALHO Lia de Aquino (1986) Contribuiccedilatildeo ao estudodas habitaccedilotildees populares Rio de Janeiro 1886-1906Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura uris-mo e Esportes

CAVALLIERI Fernando (2003) ldquoFavela-Bairro Integraccedilatildeode aacutereas informais no Rio de Janeirordquo Em ABRAMOPedro (org) A cidade da informalidade O desafio dascidades latino-americanas Rio de Janeiro Sette LetrasFaperj pp 265-296

CHALHOUB Sidney (1996) Cidade febril Corticcedilos e epi-demias na corte imperial Satildeo Paulo Companhia dasLetras

CHEVALIER Louis (2002) Classes labourieuses et classesdangereuses agrave Paris pendant la premiegravere moitieacute duXIXe siegravecle Paris Perrin

CORREA Claudia Franco (2010) ldquoA invisibilidade dodireito fundamental de morar nas favelas cariocasModo de vida e de reproduccedilatildeo social em merca-dos informais e no lsquodireito de lajersquordquo Beleacutem do ParaacuteAnais da 27a RBA

________ (2011) Controveacutersias entre o lsquodireito de moradiarsquoem favelas e o direito de propriedade imobiliaacuteria na ci-dade do Rio de Janeiro O lsquodireito de lajersquo em questatildeoese (doutorado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Di-

reito Universidade Gama Filho

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

CUNHA Neiva Vieira (2004) ldquoComo se lsquofabricarsquo um policialAlgumas consideraccedilotildees em torno dos processos de socia-lizaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissionalrdquo Revista Comum Vol 9no 22 pp 198-207

________ et alii (2005) Viagem experiecircncia e memoacuteriaNarrativas de profissionais da sauacutede puacuteblica dos anos 30Bauru EduscAnpocs

________ (org) (2006) Histoacuterias de favelas da Grande iju-ca Rio de Janeiro IbaseAgenda Social Rio

FREIRE Letiacutecia de Luna (2005) ecendo as redes do pro-grama Favela-Bairro em Acari Dissertaccedilatildeo (mestrado)

Departamento de Psicologia Social da Universidade doEstado do Rio de Janeiro

GEERTZ Clifford (1989) A interpretaccedilatildeo das culturas Rio deJaneiro Jorge Zahar

GONCcedilALVES Rafael Soares (2010) Les favelas de Rio de JaneiroHistoire et droit ndash XIXe et XXe siegravecles Paris LrsquoHarmattan

IBGE (1953) As favelas do Distrito Federal e o censo demo-

graacutefico de 1950 Documentos Censitaacuterios seacuterie C no

9IETS (2010) Pesquisa nas favelas com Unidades de Poliacutecia

Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro

LINS Paulo (2007) Cidade de Deus Satildeo Paulo Companhiadas Letras

MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (2010) ldquoAfinal qual eacute adas UPPsrdquo Disponiacutevel (on-line) em wwwobservatoacuterio-

dasmetropolesufrjbr_______ (2008) ldquoViolecircncia urbana sociabilidade violenta e agen-

da puacuteblicardquo Em Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelasdo Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 35-45

_______ [e] LEITE Maacutercia (2008) ldquoViolecircncia crime e po-liacutecia O que os favelados dizem quando falam dessestemasrdquo Em MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (org)(2008) Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelas do

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 47-76

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

MATTOS Rocircmulo Costa (2009) ldquoAs lsquoclasses perigosasrsquo ha-bitam as favelas Um passeio pela crocircnica policial noperiacuteodo das reformas urbanasrdquo Desigualdade e Diver-sidade Revista de Ciecircncias Sociais da PUC-Rio no 5

MELLO Marco Antonio da Silva (2010) ldquoCidades Com-modities para consumordquo Jornal da UFRJ Ano 6 no 53 pp 13-16

_______ [e] VOGEL Arno (1983) ldquoLiccedilotildees da rua O que umracionalista pode aprender no Catumbirdquo ArquiteturaRevista Vol 1 no 1 pp 67-79

_______ SANTOS Carlos Nelson Ferreira dos VOGEL

Arno et alii (1985) Quando a rua vira casa A apro-priaccedilatildeo de espaccedilos de uso coletivo em um centro debairro Satildeo Paulo Projeto

MERTON Robert King (1970) Sociologia eoria e estrutu-ra Satildeo Paulo Mestre Jou

MISSE Michel (1997) ldquoAs ligaccedilotildees perigosas Mercados ile-gais narcotraacutefico e violecircncia no Riordquo Contemporanei-dade e Educaccedilatildeo Ano 2 no 1

_______ (2002) ldquoO Rio como bazar A conversatildeo da ile-galidade em mercadoria poliacuteticardquo Insight InteligecircnciaVol 3 no 5 pp 12-16

_______ (2006) Crime e violecircncia no Brasil contemporacirc-neo Estudos de Sociologia do Crime e da Violecircncia Ur-bana Rio de Janeiro Lumen Juris

OLIVEIRA Anazir Maria [e] CARVALHO Ciacutentia Paes (1993)

Favelas e organizaccedilotildees comunitaacuterias Petroacutepolis VozesCentro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubiatildeo

PEPPE Atiacutelio Machado (1992) Associativismo e poliacutetica nafavela Santa Marta Dissertaccedilatildeo (mestrado) Departa-mento de Ciecircncia Poliacutetica da Universidade de Satildeo Paulo

RIOS Jose Arthur (coord) (1960) ldquoAspectos humanos da fa- vela carioca (Relatorio Sagmacs)rdquo O Estado de Satildeo Pau-lo 13 e 15 de abril

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ROCHA Adair (2005) Cidade serzida A costura da cida-dania no Morro Santa Marta Rio de Janeiro Museu daRepuacuteblica

ROCHA Oswaldo Porto (1985) A era das demoliccedilotildees Rio

de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura

SILVA Jaiacutelson de Souza (2004) ldquoFavelas Aleacutem dos estereoacute-tiposrdquo Democracia Viva no 22 pp 10-16

SILVA Jorge da (1998) Violecircncia e racismo no Rio de Janei-ro Niteroacutei EdUFF

SOLTEC (2011) Relatoacuterio de levantamento de dados secun-daacuterios Santa Marta Rio de Janeiro Nuacutecleo de Solida-riedade eacutecnica da UFRJ

VALLADARES Liacutecia do Prado (2005) Do mito de origem agravefavelacom Rio de Janeiro Editora FGV

VENTURA Zuenir (1994) Cidade partida Satildeo Paulo Com-panhia das Letras

YACCOUB Hilaine (2010) Atirei o pau no lsquogatorsquo Uma anaacutelisesobre consumo e furto de energia eleacutetrica (dos lsquonovosrsquoconsumidores) em um bairro popular de Satildeo GonccedilaloDissertaccedilatildeo (mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeoem Antropologia Universidade Federal Fluminense

ZYLBERBERG Sonia (1992) Morro da Providecircncia Memoacute-ria da favela Rio de Janeiro Secretaria Municipal deCultura urismo e Esportes

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DILEMAS396 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

de do pagamento de taxas por seu fornecimento elevaramsensivelmente o custo de vida da populaccedilatildeo que habita oMorro Dona Marta Alguns estabelecimentos comerciaispor exemplo fecharam as portas por natildeo conseguirem ar-

car com as taxas decorrentes do processo de regularizaccedilatildeoAliado a isso observou-se uma valorizaccedilatildeo de ateacute 20032 nopreccedilo dos imoacuteveis tanto para aluguel quanto para comprae venda apoacutes a ocupaccedilatildeo da favela pela Poliacutecia Pacificado-ra Enfim muito tem se falado de uma espeacutecie de ldquoexpulsatildeobrancardquo nas favelas com UPP ou seja de uma gradativa saiacute-da de seus moradores devido ao aumento do custo de vida eagrave especulaccedilatildeo imobiliaacuteria favorecendo a ocupaccedilatildeo dos anti-gos endereccedilos por uma espeacutecie de classe meacutedia emergente

Nesse contexto torna-se importante observar que oacesso ao solo urbano e a escolha do local de moradia con-tinuam representando um dos maiores obstaacuteculos a ser en-frentado pelos pobres urbanos nas grandes regiotildees metro-politanas do paiacutes al acesso tem se dado frequentementeatraveacutes do ldquomercado informal de terra urbanardquo seja pelacompra de terrenos em loteamentos de periferia seja peloschamados processos de ocupaccedilatildeo em que se inserem as fa- velas cariocas (ABRAMO 2003) anto no caso dos lotea-

mentos de baixa renda quanto no caso das ocupaccedilotildees quederam origem agraves favelas o segmento mais pobre da popula-ccedilatildeo esteve sempre destinado a viver em espaccedilos precariza-dos porque constituiacutedos agrave margem da cidade formal tantodo ponto de vista das normas e regras juriacutedicas que regulamo espaccedilo urbano quanto nos modos de habitar no sentidodas praacuteticas e relaccedilotildees sociais que eles constituem

Dessa perspectiva a complexidade dos processos deurbanizaccedilatildeo em curso nas favelas cariocas sustentados no

momento pela aposta nas UPPs talvez deva precipuamenteser vista como uma oportunidade de enfrentamento pelopoder puacuteblico da pobreza urbana e da precariedade queainda caracterizam esses espaccedilos De fato o que se coloca eacute apossibilidade de extensatildeo do direito agrave cidade aos moradoresdas favelas por meio da regularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutesti-ca desses espaccedilos da provisatildeo de serviccedilos e equipamentosurbanos da cobranccedila de impostos e outras taxas puacuteblicasO afastamento das populaccedilotildees pobres das aacutereas mais nobresda cidade no entanto permanece como uma espeacutecie de fan-

32 Algumas pesquisas re-centes como do Nuacutecleode Solidariedade Teacutecnicandash SolTecUFRJ de 2011 ea do Instituto de EstudosTrabalho e Sociedade (IETS)de 2010 fazem referecircncia aesse iacutendice O jornal O Globo de 30052010 no entantofaz referecircncia a um aumen-to de ateacute 400 nos preccedilos

de imoacuteveis no entorno dasfavelas ocupadas pelas UPPs

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Referecircncias

ABRAMO Pedro (org) (2003) A cidade da informalidade

O desafio das cidades latino-americanas Rio de Janei-ro Sette LetrasFaperj

BARCELLOS Caco (2003) Abusado O dono do Morro San-ta Marta Rio de Janeiro Record

BENCHIMOL Jaime Larry (1990) Pereira Passos UmHaussmann tropical Rio de Janeiro SecretariaMunicipal de Cultura urismo e Esportes

CARVALHO Lia de Aquino (1986) Contribuiccedilatildeo ao estudodas habitaccedilotildees populares Rio de Janeiro 1886-1906Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura uris-mo e Esportes

CAVALLIERI Fernando (2003) ldquoFavela-Bairro Integraccedilatildeode aacutereas informais no Rio de Janeirordquo Em ABRAMOPedro (org) A cidade da informalidade O desafio dascidades latino-americanas Rio de Janeiro Sette LetrasFaperj pp 265-296

CHALHOUB Sidney (1996) Cidade febril Corticcedilos e epi-demias na corte imperial Satildeo Paulo Companhia dasLetras

CHEVALIER Louis (2002) Classes labourieuses et classesdangereuses agrave Paris pendant la premiegravere moitieacute duXIXe siegravecle Paris Perrin

CORREA Claudia Franco (2010) ldquoA invisibilidade dodireito fundamental de morar nas favelas cariocasModo de vida e de reproduccedilatildeo social em merca-dos informais e no lsquodireito de lajersquordquo Beleacutem do ParaacuteAnais da 27a RBA

________ (2011) Controveacutersias entre o lsquodireito de moradiarsquoem favelas e o direito de propriedade imobiliaacuteria na ci-dade do Rio de Janeiro O lsquodireito de lajersquo em questatildeoese (doutorado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Di-

reito Universidade Gama Filho

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httpslidepdfcomreaderfullmello-cunha-novos-conflitos-na-cidade-upppdf 2931

DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

CUNHA Neiva Vieira (2004) ldquoComo se lsquofabricarsquo um policialAlgumas consideraccedilotildees em torno dos processos de socia-lizaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissionalrdquo Revista Comum Vol 9no 22 pp 198-207

________ et alii (2005) Viagem experiecircncia e memoacuteriaNarrativas de profissionais da sauacutede puacuteblica dos anos 30Bauru EduscAnpocs

________ (org) (2006) Histoacuterias de favelas da Grande iju-ca Rio de Janeiro IbaseAgenda Social Rio

FREIRE Letiacutecia de Luna (2005) ecendo as redes do pro-grama Favela-Bairro em Acari Dissertaccedilatildeo (mestrado)

Departamento de Psicologia Social da Universidade doEstado do Rio de Janeiro

GEERTZ Clifford (1989) A interpretaccedilatildeo das culturas Rio deJaneiro Jorge Zahar

GONCcedilALVES Rafael Soares (2010) Les favelas de Rio de JaneiroHistoire et droit ndash XIXe et XXe siegravecles Paris LrsquoHarmattan

IBGE (1953) As favelas do Distrito Federal e o censo demo-

graacutefico de 1950 Documentos Censitaacuterios seacuterie C no

9IETS (2010) Pesquisa nas favelas com Unidades de Poliacutecia

Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro

LINS Paulo (2007) Cidade de Deus Satildeo Paulo Companhiadas Letras

MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (2010) ldquoAfinal qual eacute adas UPPsrdquo Disponiacutevel (on-line) em wwwobservatoacuterio-

dasmetropolesufrjbr_______ (2008) ldquoViolecircncia urbana sociabilidade violenta e agen-

da puacuteblicardquo Em Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelasdo Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 35-45

_______ [e] LEITE Maacutercia (2008) ldquoViolecircncia crime e po-liacutecia O que os favelados dizem quando falam dessestemasrdquo Em MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (org)(2008) Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelas do

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 47-76

8172019 Mello amp Cunha - Novos conflitos na cidade UPPpdf

httpslidepdfcomreaderfullmello-cunha-novos-conflitos-na-cidade-upppdf 3031

DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

MATTOS Rocircmulo Costa (2009) ldquoAs lsquoclasses perigosasrsquo ha-bitam as favelas Um passeio pela crocircnica policial noperiacuteodo das reformas urbanasrdquo Desigualdade e Diver-sidade Revista de Ciecircncias Sociais da PUC-Rio no 5

MELLO Marco Antonio da Silva (2010) ldquoCidades Com-modities para consumordquo Jornal da UFRJ Ano 6 no 53 pp 13-16

_______ [e] VOGEL Arno (1983) ldquoLiccedilotildees da rua O que umracionalista pode aprender no Catumbirdquo ArquiteturaRevista Vol 1 no 1 pp 67-79

_______ SANTOS Carlos Nelson Ferreira dos VOGEL

Arno et alii (1985) Quando a rua vira casa A apro-priaccedilatildeo de espaccedilos de uso coletivo em um centro debairro Satildeo Paulo Projeto

MERTON Robert King (1970) Sociologia eoria e estrutu-ra Satildeo Paulo Mestre Jou

MISSE Michel (1997) ldquoAs ligaccedilotildees perigosas Mercados ile-gais narcotraacutefico e violecircncia no Riordquo Contemporanei-dade e Educaccedilatildeo Ano 2 no 1

_______ (2002) ldquoO Rio como bazar A conversatildeo da ile-galidade em mercadoria poliacuteticardquo Insight InteligecircnciaVol 3 no 5 pp 12-16

_______ (2006) Crime e violecircncia no Brasil contemporacirc-neo Estudos de Sociologia do Crime e da Violecircncia Ur-bana Rio de Janeiro Lumen Juris

OLIVEIRA Anazir Maria [e] CARVALHO Ciacutentia Paes (1993)

Favelas e organizaccedilotildees comunitaacuterias Petroacutepolis VozesCentro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubiatildeo

PEPPE Atiacutelio Machado (1992) Associativismo e poliacutetica nafavela Santa Marta Dissertaccedilatildeo (mestrado) Departa-mento de Ciecircncia Poliacutetica da Universidade de Satildeo Paulo

RIOS Jose Arthur (coord) (1960) ldquoAspectos humanos da fa- vela carioca (Relatorio Sagmacs)rdquo O Estado de Satildeo Pau-lo 13 e 15 de abril

8172019 Mello amp Cunha - Novos conflitos na cidade UPPpdf

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ROCHA Adair (2005) Cidade serzida A costura da cida-dania no Morro Santa Marta Rio de Janeiro Museu daRepuacuteblica

ROCHA Oswaldo Porto (1985) A era das demoliccedilotildees Rio

de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura

SILVA Jaiacutelson de Souza (2004) ldquoFavelas Aleacutem dos estereoacute-tiposrdquo Democracia Viva no 22 pp 10-16

SILVA Jorge da (1998) Violecircncia e racismo no Rio de Janei-ro Niteroacutei EdUFF

SOLTEC (2011) Relatoacuterio de levantamento de dados secun-daacuterios Santa Marta Rio de Janeiro Nuacutecleo de Solida-riedade eacutecnica da UFRJ

VALLADARES Liacutecia do Prado (2005) Do mito de origem agravefavelacom Rio de Janeiro Editora FGV

VENTURA Zuenir (1994) Cidade partida Satildeo Paulo Com-panhia das Letras

YACCOUB Hilaine (2010) Atirei o pau no lsquogatorsquo Uma anaacutelisesobre consumo e furto de energia eleacutetrica (dos lsquonovosrsquoconsumidores) em um bairro popular de Satildeo GonccedilaloDissertaccedilatildeo (mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeoem Antropologia Universidade Federal Fluminense

ZYLBERBERG Sonia (1992) Morro da Providecircncia Memoacute-ria da favela Rio de Janeiro Secretaria Municipal deCultura urismo e Esportes

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DILEMAS 397Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

tasma que paira permanentemente sobre suas cabeccedilas Em-bora o que pareccedila estar em questatildeo desta vez em termosde poliacuteticas puacuteblicas natildeo seja propriamente a remoccedilatildeo des-sas populaccedilotildees ele pode se dar como uma espeacutecie de efeito

natildeo esperado da implantaccedilatildeo das UPPs e das consequentesaccedilotildees de urbanizaccedilatildeo nas favelas por elas ocupadasDesse modo o que tem sido chamado de pacificaccedilatildeo

tem possibilitado nos quadros das cidades concebidascomo commodities a implementaccedilatildeo de projetos de re-gularizaccedilatildeo fundiaacuteria e urbaniacutestica que trazem com elesa virtual transformaccedilatildeo das favelas por processos de gen-trificaccedilatildeo sobretudo naquelas localizadas nas regiotildees maisnobres da cidade (MELLO 2010) Uma tal transformaccedilatildeo

entretanto pode no limite consolidar e tornar real o queateacute entatildeo restringira-se a uma metaacutefora a ldquocidade parti-dardquo33 banindo por uma espeacutecie de ldquoefeito Eacutedipordquo agrave Popperpara bem longe dos horizontes da cidade poliacutetica da ci-

vitas a almejada integraccedilatildeo consignada no desenho e noprospecto poliacutetico do projeto Esses certamente natildeo satildeoos uacutenicos cenaacuterios possiacuteveis mas devemos nos acautelardiante da ameaccedila das profecias que se autocumprem

33 Referecircncia ao livro homocirc-nimo do jornalista ZuenirVentura publicado em 1994em que o autor relata a expe-riecircncia de conviacutevio durantenove meses na favela deVigaacuterio Geral na Zona Norteda cidade tristemente co-

nhecida pela chacina de 21pessoas em agosto de 1993

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Referecircncias

ABRAMO Pedro (org) (2003) A cidade da informalidade

O desafio das cidades latino-americanas Rio de Janei-ro Sette LetrasFaperj

BARCELLOS Caco (2003) Abusado O dono do Morro San-ta Marta Rio de Janeiro Record

BENCHIMOL Jaime Larry (1990) Pereira Passos UmHaussmann tropical Rio de Janeiro SecretariaMunicipal de Cultura urismo e Esportes

CARVALHO Lia de Aquino (1986) Contribuiccedilatildeo ao estudodas habitaccedilotildees populares Rio de Janeiro 1886-1906Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura uris-mo e Esportes

CAVALLIERI Fernando (2003) ldquoFavela-Bairro Integraccedilatildeode aacutereas informais no Rio de Janeirordquo Em ABRAMOPedro (org) A cidade da informalidade O desafio dascidades latino-americanas Rio de Janeiro Sette LetrasFaperj pp 265-296

CHALHOUB Sidney (1996) Cidade febril Corticcedilos e epi-demias na corte imperial Satildeo Paulo Companhia dasLetras

CHEVALIER Louis (2002) Classes labourieuses et classesdangereuses agrave Paris pendant la premiegravere moitieacute duXIXe siegravecle Paris Perrin

CORREA Claudia Franco (2010) ldquoA invisibilidade dodireito fundamental de morar nas favelas cariocasModo de vida e de reproduccedilatildeo social em merca-dos informais e no lsquodireito de lajersquordquo Beleacutem do ParaacuteAnais da 27a RBA

________ (2011) Controveacutersias entre o lsquodireito de moradiarsquoem favelas e o direito de propriedade imobiliaacuteria na ci-dade do Rio de Janeiro O lsquodireito de lajersquo em questatildeoese (doutorado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Di-

reito Universidade Gama Filho

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

CUNHA Neiva Vieira (2004) ldquoComo se lsquofabricarsquo um policialAlgumas consideraccedilotildees em torno dos processos de socia-lizaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissionalrdquo Revista Comum Vol 9no 22 pp 198-207

________ et alii (2005) Viagem experiecircncia e memoacuteriaNarrativas de profissionais da sauacutede puacuteblica dos anos 30Bauru EduscAnpocs

________ (org) (2006) Histoacuterias de favelas da Grande iju-ca Rio de Janeiro IbaseAgenda Social Rio

FREIRE Letiacutecia de Luna (2005) ecendo as redes do pro-grama Favela-Bairro em Acari Dissertaccedilatildeo (mestrado)

Departamento de Psicologia Social da Universidade doEstado do Rio de Janeiro

GEERTZ Clifford (1989) A interpretaccedilatildeo das culturas Rio deJaneiro Jorge Zahar

GONCcedilALVES Rafael Soares (2010) Les favelas de Rio de JaneiroHistoire et droit ndash XIXe et XXe siegravecles Paris LrsquoHarmattan

IBGE (1953) As favelas do Distrito Federal e o censo demo-

graacutefico de 1950 Documentos Censitaacuterios seacuterie C no

9IETS (2010) Pesquisa nas favelas com Unidades de Poliacutecia

Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro

LINS Paulo (2007) Cidade de Deus Satildeo Paulo Companhiadas Letras

MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (2010) ldquoAfinal qual eacute adas UPPsrdquo Disponiacutevel (on-line) em wwwobservatoacuterio-

dasmetropolesufrjbr_______ (2008) ldquoViolecircncia urbana sociabilidade violenta e agen-

da puacuteblicardquo Em Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelasdo Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 35-45

_______ [e] LEITE Maacutercia (2008) ldquoViolecircncia crime e po-liacutecia O que os favelados dizem quando falam dessestemasrdquo Em MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (org)(2008) Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelas do

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 47-76

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

MATTOS Rocircmulo Costa (2009) ldquoAs lsquoclasses perigosasrsquo ha-bitam as favelas Um passeio pela crocircnica policial noperiacuteodo das reformas urbanasrdquo Desigualdade e Diver-sidade Revista de Ciecircncias Sociais da PUC-Rio no 5

MELLO Marco Antonio da Silva (2010) ldquoCidades Com-modities para consumordquo Jornal da UFRJ Ano 6 no 53 pp 13-16

_______ [e] VOGEL Arno (1983) ldquoLiccedilotildees da rua O que umracionalista pode aprender no Catumbirdquo ArquiteturaRevista Vol 1 no 1 pp 67-79

_______ SANTOS Carlos Nelson Ferreira dos VOGEL

Arno et alii (1985) Quando a rua vira casa A apro-priaccedilatildeo de espaccedilos de uso coletivo em um centro debairro Satildeo Paulo Projeto

MERTON Robert King (1970) Sociologia eoria e estrutu-ra Satildeo Paulo Mestre Jou

MISSE Michel (1997) ldquoAs ligaccedilotildees perigosas Mercados ile-gais narcotraacutefico e violecircncia no Riordquo Contemporanei-dade e Educaccedilatildeo Ano 2 no 1

_______ (2002) ldquoO Rio como bazar A conversatildeo da ile-galidade em mercadoria poliacuteticardquo Insight InteligecircnciaVol 3 no 5 pp 12-16

_______ (2006) Crime e violecircncia no Brasil contemporacirc-neo Estudos de Sociologia do Crime e da Violecircncia Ur-bana Rio de Janeiro Lumen Juris

OLIVEIRA Anazir Maria [e] CARVALHO Ciacutentia Paes (1993)

Favelas e organizaccedilotildees comunitaacuterias Petroacutepolis VozesCentro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubiatildeo

PEPPE Atiacutelio Machado (1992) Associativismo e poliacutetica nafavela Santa Marta Dissertaccedilatildeo (mestrado) Departa-mento de Ciecircncia Poliacutetica da Universidade de Satildeo Paulo

RIOS Jose Arthur (coord) (1960) ldquoAspectos humanos da fa- vela carioca (Relatorio Sagmacs)rdquo O Estado de Satildeo Pau-lo 13 e 15 de abril

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ROCHA Adair (2005) Cidade serzida A costura da cida-dania no Morro Santa Marta Rio de Janeiro Museu daRepuacuteblica

ROCHA Oswaldo Porto (1985) A era das demoliccedilotildees Rio

de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura

SILVA Jaiacutelson de Souza (2004) ldquoFavelas Aleacutem dos estereoacute-tiposrdquo Democracia Viva no 22 pp 10-16

SILVA Jorge da (1998) Violecircncia e racismo no Rio de Janei-ro Niteroacutei EdUFF

SOLTEC (2011) Relatoacuterio de levantamento de dados secun-daacuterios Santa Marta Rio de Janeiro Nuacutecleo de Solida-riedade eacutecnica da UFRJ

VALLADARES Liacutecia do Prado (2005) Do mito de origem agravefavelacom Rio de Janeiro Editora FGV

VENTURA Zuenir (1994) Cidade partida Satildeo Paulo Com-panhia das Letras

YACCOUB Hilaine (2010) Atirei o pau no lsquogatorsquo Uma anaacutelisesobre consumo e furto de energia eleacutetrica (dos lsquonovosrsquoconsumidores) em um bairro popular de Satildeo GonccedilaloDissertaccedilatildeo (mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeoem Antropologia Universidade Federal Fluminense

ZYLBERBERG Sonia (1992) Morro da Providecircncia Memoacute-ria da favela Rio de Janeiro Secretaria Municipal deCultura urismo e Esportes

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DILEMAS398 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

Referecircncias

ABRAMO Pedro (org) (2003) A cidade da informalidade

O desafio das cidades latino-americanas Rio de Janei-ro Sette LetrasFaperj

BARCELLOS Caco (2003) Abusado O dono do Morro San-ta Marta Rio de Janeiro Record

BENCHIMOL Jaime Larry (1990) Pereira Passos UmHaussmann tropical Rio de Janeiro SecretariaMunicipal de Cultura urismo e Esportes

CARVALHO Lia de Aquino (1986) Contribuiccedilatildeo ao estudodas habitaccedilotildees populares Rio de Janeiro 1886-1906Rio de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura uris-mo e Esportes

CAVALLIERI Fernando (2003) ldquoFavela-Bairro Integraccedilatildeode aacutereas informais no Rio de Janeirordquo Em ABRAMOPedro (org) A cidade da informalidade O desafio dascidades latino-americanas Rio de Janeiro Sette LetrasFaperj pp 265-296

CHALHOUB Sidney (1996) Cidade febril Corticcedilos e epi-demias na corte imperial Satildeo Paulo Companhia dasLetras

CHEVALIER Louis (2002) Classes labourieuses et classesdangereuses agrave Paris pendant la premiegravere moitieacute duXIXe siegravecle Paris Perrin

CORREA Claudia Franco (2010) ldquoA invisibilidade dodireito fundamental de morar nas favelas cariocasModo de vida e de reproduccedilatildeo social em merca-dos informais e no lsquodireito de lajersquordquo Beleacutem do ParaacuteAnais da 27a RBA

________ (2011) Controveacutersias entre o lsquodireito de moradiarsquoem favelas e o direito de propriedade imobiliaacuteria na ci-dade do Rio de Janeiro O lsquodireito de lajersquo em questatildeoese (doutorado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Di-

reito Universidade Gama Filho

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

CUNHA Neiva Vieira (2004) ldquoComo se lsquofabricarsquo um policialAlgumas consideraccedilotildees em torno dos processos de socia-lizaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissionalrdquo Revista Comum Vol 9no 22 pp 198-207

________ et alii (2005) Viagem experiecircncia e memoacuteriaNarrativas de profissionais da sauacutede puacuteblica dos anos 30Bauru EduscAnpocs

________ (org) (2006) Histoacuterias de favelas da Grande iju-ca Rio de Janeiro IbaseAgenda Social Rio

FREIRE Letiacutecia de Luna (2005) ecendo as redes do pro-grama Favela-Bairro em Acari Dissertaccedilatildeo (mestrado)

Departamento de Psicologia Social da Universidade doEstado do Rio de Janeiro

GEERTZ Clifford (1989) A interpretaccedilatildeo das culturas Rio deJaneiro Jorge Zahar

GONCcedilALVES Rafael Soares (2010) Les favelas de Rio de JaneiroHistoire et droit ndash XIXe et XXe siegravecles Paris LrsquoHarmattan

IBGE (1953) As favelas do Distrito Federal e o censo demo-

graacutefico de 1950 Documentos Censitaacuterios seacuterie C no

9IETS (2010) Pesquisa nas favelas com Unidades de Poliacutecia

Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro

LINS Paulo (2007) Cidade de Deus Satildeo Paulo Companhiadas Letras

MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (2010) ldquoAfinal qual eacute adas UPPsrdquo Disponiacutevel (on-line) em wwwobservatoacuterio-

dasmetropolesufrjbr_______ (2008) ldquoViolecircncia urbana sociabilidade violenta e agen-

da puacuteblicardquo Em Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelasdo Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 35-45

_______ [e] LEITE Maacutercia (2008) ldquoViolecircncia crime e po-liacutecia O que os favelados dizem quando falam dessestemasrdquo Em MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (org)(2008) Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelas do

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 47-76

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

MATTOS Rocircmulo Costa (2009) ldquoAs lsquoclasses perigosasrsquo ha-bitam as favelas Um passeio pela crocircnica policial noperiacuteodo das reformas urbanasrdquo Desigualdade e Diver-sidade Revista de Ciecircncias Sociais da PUC-Rio no 5

MELLO Marco Antonio da Silva (2010) ldquoCidades Com-modities para consumordquo Jornal da UFRJ Ano 6 no 53 pp 13-16

_______ [e] VOGEL Arno (1983) ldquoLiccedilotildees da rua O que umracionalista pode aprender no Catumbirdquo ArquiteturaRevista Vol 1 no 1 pp 67-79

_______ SANTOS Carlos Nelson Ferreira dos VOGEL

Arno et alii (1985) Quando a rua vira casa A apro-priaccedilatildeo de espaccedilos de uso coletivo em um centro debairro Satildeo Paulo Projeto

MERTON Robert King (1970) Sociologia eoria e estrutu-ra Satildeo Paulo Mestre Jou

MISSE Michel (1997) ldquoAs ligaccedilotildees perigosas Mercados ile-gais narcotraacutefico e violecircncia no Riordquo Contemporanei-dade e Educaccedilatildeo Ano 2 no 1

_______ (2002) ldquoO Rio como bazar A conversatildeo da ile-galidade em mercadoria poliacuteticardquo Insight InteligecircnciaVol 3 no 5 pp 12-16

_______ (2006) Crime e violecircncia no Brasil contemporacirc-neo Estudos de Sociologia do Crime e da Violecircncia Ur-bana Rio de Janeiro Lumen Juris

OLIVEIRA Anazir Maria [e] CARVALHO Ciacutentia Paes (1993)

Favelas e organizaccedilotildees comunitaacuterias Petroacutepolis VozesCentro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubiatildeo

PEPPE Atiacutelio Machado (1992) Associativismo e poliacutetica nafavela Santa Marta Dissertaccedilatildeo (mestrado) Departa-mento de Ciecircncia Poliacutetica da Universidade de Satildeo Paulo

RIOS Jose Arthur (coord) (1960) ldquoAspectos humanos da fa- vela carioca (Relatorio Sagmacs)rdquo O Estado de Satildeo Pau-lo 13 e 15 de abril

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ROCHA Adair (2005) Cidade serzida A costura da cida-dania no Morro Santa Marta Rio de Janeiro Museu daRepuacuteblica

ROCHA Oswaldo Porto (1985) A era das demoliccedilotildees Rio

de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura

SILVA Jaiacutelson de Souza (2004) ldquoFavelas Aleacutem dos estereoacute-tiposrdquo Democracia Viva no 22 pp 10-16

SILVA Jorge da (1998) Violecircncia e racismo no Rio de Janei-ro Niteroacutei EdUFF

SOLTEC (2011) Relatoacuterio de levantamento de dados secun-daacuterios Santa Marta Rio de Janeiro Nuacutecleo de Solida-riedade eacutecnica da UFRJ

VALLADARES Liacutecia do Prado (2005) Do mito de origem agravefavelacom Rio de Janeiro Editora FGV

VENTURA Zuenir (1994) Cidade partida Satildeo Paulo Com-panhia das Letras

YACCOUB Hilaine (2010) Atirei o pau no lsquogatorsquo Uma anaacutelisesobre consumo e furto de energia eleacutetrica (dos lsquonovosrsquoconsumidores) em um bairro popular de Satildeo GonccedilaloDissertaccedilatildeo (mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeoem Antropologia Universidade Federal Fluminense

ZYLBERBERG Sonia (1992) Morro da Providecircncia Memoacute-ria da favela Rio de Janeiro Secretaria Municipal deCultura urismo e Esportes

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DILEMAS 399Novos conflitos na cidadeNeiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

CUNHA Neiva Vieira (2004) ldquoComo se lsquofabricarsquo um policialAlgumas consideraccedilotildees em torno dos processos de socia-lizaccedilatildeo e formaccedilatildeo profissionalrdquo Revista Comum Vol 9no 22 pp 198-207

________ et alii (2005) Viagem experiecircncia e memoacuteriaNarrativas de profissionais da sauacutede puacuteblica dos anos 30Bauru EduscAnpocs

________ (org) (2006) Histoacuterias de favelas da Grande iju-ca Rio de Janeiro IbaseAgenda Social Rio

FREIRE Letiacutecia de Luna (2005) ecendo as redes do pro-grama Favela-Bairro em Acari Dissertaccedilatildeo (mestrado)

Departamento de Psicologia Social da Universidade doEstado do Rio de Janeiro

GEERTZ Clifford (1989) A interpretaccedilatildeo das culturas Rio deJaneiro Jorge Zahar

GONCcedilALVES Rafael Soares (2010) Les favelas de Rio de JaneiroHistoire et droit ndash XIXe et XXe siegravecles Paris LrsquoHarmattan

IBGE (1953) As favelas do Distrito Federal e o censo demo-

graacutefico de 1950 Documentos Censitaacuterios seacuterie C no

9IETS (2010) Pesquisa nas favelas com Unidades de Poliacutecia

Pacificadora na cidade do Rio de Janeiro

LINS Paulo (2007) Cidade de Deus Satildeo Paulo Companhiadas Letras

MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (2010) ldquoAfinal qual eacute adas UPPsrdquo Disponiacutevel (on-line) em wwwobservatoacuterio-

dasmetropolesufrjbr_______ (2008) ldquoViolecircncia urbana sociabilidade violenta e agen-

da puacuteblicardquo Em Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelasdo Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 35-45

_______ [e] LEITE Maacutercia (2008) ldquoViolecircncia crime e po-liacutecia O que os favelados dizem quando falam dessestemasrdquo Em MACHADO DA SILVA Luiz Antonio (org)(2008) Vida sob cerco Violecircncia e rotina nas favelas do

Rio de Janeiro Rio de Janeiro Nova Fronteira pp 47-76

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

MATTOS Rocircmulo Costa (2009) ldquoAs lsquoclasses perigosasrsquo ha-bitam as favelas Um passeio pela crocircnica policial noperiacuteodo das reformas urbanasrdquo Desigualdade e Diver-sidade Revista de Ciecircncias Sociais da PUC-Rio no 5

MELLO Marco Antonio da Silva (2010) ldquoCidades Com-modities para consumordquo Jornal da UFRJ Ano 6 no 53 pp 13-16

_______ [e] VOGEL Arno (1983) ldquoLiccedilotildees da rua O que umracionalista pode aprender no Catumbirdquo ArquiteturaRevista Vol 1 no 1 pp 67-79

_______ SANTOS Carlos Nelson Ferreira dos VOGEL

Arno et alii (1985) Quando a rua vira casa A apro-priaccedilatildeo de espaccedilos de uso coletivo em um centro debairro Satildeo Paulo Projeto

MERTON Robert King (1970) Sociologia eoria e estrutu-ra Satildeo Paulo Mestre Jou

MISSE Michel (1997) ldquoAs ligaccedilotildees perigosas Mercados ile-gais narcotraacutefico e violecircncia no Riordquo Contemporanei-dade e Educaccedilatildeo Ano 2 no 1

_______ (2002) ldquoO Rio como bazar A conversatildeo da ile-galidade em mercadoria poliacuteticardquo Insight InteligecircnciaVol 3 no 5 pp 12-16

_______ (2006) Crime e violecircncia no Brasil contemporacirc-neo Estudos de Sociologia do Crime e da Violecircncia Ur-bana Rio de Janeiro Lumen Juris

OLIVEIRA Anazir Maria [e] CARVALHO Ciacutentia Paes (1993)

Favelas e organizaccedilotildees comunitaacuterias Petroacutepolis VozesCentro de Defesa dos Direitos Humanos Bento Rubiatildeo

PEPPE Atiacutelio Machado (1992) Associativismo e poliacutetica nafavela Santa Marta Dissertaccedilatildeo (mestrado) Departa-mento de Ciecircncia Poliacutetica da Universidade de Satildeo Paulo

RIOS Jose Arthur (coord) (1960) ldquoAspectos humanos da fa- vela carioca (Relatorio Sagmacs)rdquo O Estado de Satildeo Pau-lo 13 e 15 de abril

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ROCHA Adair (2005) Cidade serzida A costura da cida-dania no Morro Santa Marta Rio de Janeiro Museu daRepuacuteblica

ROCHA Oswaldo Porto (1985) A era das demoliccedilotildees Rio

de Janeiro Secretaria Municipal de Cultura

SILVA Jaiacutelson de Souza (2004) ldquoFavelas Aleacutem dos estereoacute-tiposrdquo Democracia Viva no 22 pp 10-16

SILVA Jorge da (1998) Violecircncia e racismo no Rio de Janei-ro Niteroacutei EdUFF

SOLTEC (2011) Relatoacuterio de levantamento de dados secun-daacuterios Santa Marta Rio de Janeiro Nuacutecleo de Solida-riedade eacutecnica da UFRJ

VALLADARES Liacutecia do Prado (2005) Do mito de origem agravefavelacom Rio de Janeiro Editora FGV

VENTURA Zuenir (1994) Cidade partida Satildeo Paulo Com-panhia das Letras

YACCOUB Hilaine (2010) Atirei o pau no lsquogatorsquo Uma anaacutelisesobre consumo e furto de energia eleacutetrica (dos lsquonovosrsquoconsumidores) em um bairro popular de Satildeo GonccedilaloDissertaccedilatildeo (mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeoem Antropologia Universidade Federal Fluminense

ZYLBERBERG Sonia (1992) Morro da Providecircncia Memoacute-ria da favela Rio de Janeiro Secretaria Municipal deCultura urismo e Esportes

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DILEMAS400 Novos conflitos na cidade Neiva Vieira da Cunha e

Marco Antonio da Silva Mello

MATTOS Rocircmulo Costa (2009) ldquoAs lsquoclasses perigosasrsquo ha-bitam as favelas Um passeio pela crocircnica policial noperiacuteodo das reformas urbanasrdquo Desigualdade e Diver-sidade Revista de Ciecircncias Sociais da PUC-Rio no 5

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8172019 Mello amp Cunha - Novos conflitos na cidade UPPpdf

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VENTURA Zuenir (1994) Cidade partida Satildeo Paulo Com-panhia das Letras

YACCOUB Hilaine (2010) Atirei o pau no lsquogatorsquo Uma anaacutelisesobre consumo e furto de energia eleacutetrica (dos lsquonovosrsquoconsumidores) em um bairro popular de Satildeo GonccedilaloDissertaccedilatildeo (mestrado) Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeoem Antropologia Universidade Federal Fluminense

ZYLBERBERG Sonia (1992) Morro da Providecircncia Memoacute-ria da favela Rio de Janeiro Secretaria Municipal deCultura urismo e Esportes

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