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    Lixo e impactos ambientais perceptveis no ecossistema urbanoCarlos Alberto Mucelin, Marta Bellini

    LIXO E IMPACTOS AMBIENTAIS PERCEPTVEIS NO ECOSSISTEMA URBANO

    Garbage and perceptible environmental impacts in urban ecosystem

    Carlos Alberto Mucelin

    Professor Doutor da Universidade Tecnolgica Federal do Paran UTFPR.

    Lder do Grupo de Pesquisa em Semitica e Percepo Ambiental GPSPA.

    [email protected]

    Marta Bellini

    Professora Doutora da Universidade Estadual de Maring UEM.

    Pesquisadora e membro do GPSPA

    [email protected]

    Artigo recebido para publicao em 06/11/2007 e aceito para publicao em 25/02/2008

    RESUMO: Este artigo tem como temtica o lixo e consideraes a respeito de determinados impactos ambientaisperceptveis que os resduos slidos potencializam em fragmentos do ambiente urbano. Abordamos

    impactos ambientais negativos ocasionados pelas formas de uso, costumes e hbitos culturais

    perceptveis em cidades do Brasil. Registramos que o lixo causa impactos negativos em determinados

    ambientes urbanos como margens de ruas e leito de rios, pela existncia de hbitos de disposio final

    inadequada de resduos. Apresentamos parte da percepo ambiental de atores sociais da cidade deMedianeira - Oeste do Paran, Brasil - a respeito do lixo.

    Palavras-chave:Ecossistema urbano. Lixo. Impacto Ambiental.

    ABSTRACT: This article has as thematic the garbage and considerations about certain perceptible environmentalimpacts that the solid residues enlarge in fragments of the urban environment. We approached negative

    environmental impacts caused by the use forms, customs and perceptible cultural habits in cities of

    Brazil. We register that the garbage impacts negatively certain urban environments, as street margins

    and river-beds, provoked by the existence of habits of inadequate final arrangement of residues. We

    show part of environmental perception of social actors in Medianeira city West of Paran Brazil

    concerning garbage.

    Keywords: Urban ecosystem. Garbage. Environmental impact.

    1 INTRODUO

    A criao das cidades e a crescente ampliaodas reas urbanas tm contribudo para o crescimentode impactos ambientais negativos. No ambiente

    urbano, determinados aspectos culturais como oconsumo de produtos industrializados e a necessidadeda gua como recurso natural vital vida, influenciamcomo se apresenta o ambiente. Os costumes e hbitosno uso da gua e a produo de resduos pelo

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    exacerbado consumo de bens materiais soresponsveis por parte das alteraes e impactosambientais.

    Alteraes ambientais fsicas e biolgicas aolongo do tempo modificam a paisagem ecomprometem ecossistemas. Para Fernandez (2004)as alteraes ambientais ocorrem por inumerveiscausas, muitas denominadas naturais e outras oriundasde intervenes antropolgicas, consideradas nonaturais. fato que o desenvolvimento tecnolgicocontemporneo e as culturas das comunidades tmcontribudo para que essas alteraes no e do ambiente

    se intensifiquem, especialmente no ambiente urbano.

    Atualmente a maior parte das pessoas habitaambientes urbanos. Dados apresentados pelo InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) (2004)indicam que no Brasil mais de 80% das pessoas somoradores urbanos. Odum (1988) considera que aacelerada urbanizao e crescimento das cidades,especialmente a partir de meados do sculo XXpromoveram mudanas fisionmicas no Planeta, maisdo que qualquer outra atividade humana.

    possvel observamos que determinadosimpactos ambientais esto se acirrando, motivadoentre outras coisas pelo crescimento populacionalmundial. Ricklefs (1996) e Fernandez (2004)registraram uma projeo de mais de 6 bilhes deseres humanos na Terra para 2006. Estimativaspublicadas pelo IBGE (2006) em maio de 2006indicavam que a populao mundial era de 6,8 bilhesde pessoas. Destes, segundo Fernandez (2004, p. 177)aproximadamente 5 bilhes vivem nos pases pobres,com sua maioria em um crescente quadro de pobrezae misria, especialmente nos arredores das cidades.

    A populao do Brasil apresenta a mesmatendncia mundial de ocupao ambiental, ou seja,opta pelo ecossistema urbano como lar. Ott (2004, p.17) considera que a transformao do Brasil de pasrural para urbano ocorreu segundo um processopredatrio em essncia, com acentuada exclusosocial de classes da populao menos privilegiada quepor no terem condies de aquisio de terrenos em

    reas urbanas estruturadas ocupam [...] em suamaioria, terrenos que deveriam ser protegidos parapreservao das guas, encostas, fundos de vale entreoutros.

    O morador urbano, independentemente declasse social, anseia viver em um ambiente saudvelque apresente as melhores condies para vida, ouseja, que favorea a qualidade de vida: ar puro,desprovido de poluio, gua pura em abundnciaentre outras caractersticas tidas como essenciais.Entretanto, observar um ambiente urbano implica emperceber que o uso, as crenas e hbitos do morador

    citadino tm promovido alteraes ambientais eimpactos significativos no ecossistema urbano. Essasituao compreendida como crise e sugere umareforma ecolgica.

    H mais de vinte anos Viola (1987, p. 129)sugere que a reforma urbana ecolgica aponte parauma cidade mais democrtica, mais humana erespirvel: a cidade do ser humano. No apenas acidade onde os aluguis e transportes sejam maisacessveis, na qual cada famlia tenha direito a um

    terreno, mas tambm um ambiente urbano maisarborizado, mais silencioso e alegre, menosverticalizado, menos agressivo e com menores ndicesde poluio do ar.

    A expresso reforma ecolgica que Viola(1987) usa para reivindicar um ambiente urbanomelhor, sugere, de imediato, que tal ambiente estaqum de uma cidade ideal como props Tuan (1980).No Brasil, acreditamos que tal reforma seja urgente,especialmente no ambiente urbano pelos perceptveisimpactos ambientais negativos.

    O lixo urbano, muitas vezes, responsvelpelos impactos ambientais que mencionamos. Nesteartigo, apresentamos consideraes a respeito do lixoe de fragmentos do ambiente urbano que sofremimpactos negativos pela disposio inadequada dessesresduos. Apresentamos tambm a percepo arespeito do lixo de um grupo de atores sociais de umapequena cidade da regio Oeste do Paran, Brasil,que foram investigados.

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    2 O CONSUMO DE BENS MATERIAIS E OLIXO

    A cultura de um povo ou comunidadecaracteriza a forma de uso do ambiente, os costumese os hbitos de consumo de produtos industrializadose da gua. No ambiente urbano tais costumes e hbitosimplicam na produo exacerbada de lixo e a formacom que esses resduos so tratados ou dispostos noambiente, gerando intensas agresses aos fragmentosdo contexto urbano, alm de afetar regies nourbanas.

    O consumo cotidiano de produtosindustrializados responsvel pela contnua produode lixo. A produo de lixo nas cidades de talintensidade que no possvel conceber uma cidadesem considerar a problemtica gerada pelos resduosslidos, desde a etapa da gerao at a disposiofinal. Nas cidades brasileiras, geralmente essesresduos so destinados a cu aberto (IBGE, 2006).

    Lixo uma palavra latina (lix) que significacinza, vinculada s cinzas dos foges. Segundo

    Ferreira (1999), lixo aquilo que se varre da casa,do jardim, da rua e se joga fora; entulho. Tudo o queno presta e se joga fora. Sujidade, sujeira, imundcie.Coisa ou coisas inteis, velhas, sem valor. Jardim eWells (1995, p. 23) definem lixo como [...] os restosdas atividades humanas, considerados pelos geradorescomo inteis, indesejveis, ou descartveis.

    Em mdia, o lixo domstico no Brasil,segundo Jardim e Wells (1995) composto por: 65%de matria orgnica; 25% de papel; 4% de metal; 3%de vidro e 3% de plstico. Apesar de atender alegislao especfica de cada municpio, o lixocomercial at 50 kg ou litros e o domiciliar so deresponsabilidade das prefeituras, enquanto os demaisso de responsabilidade do prprio gerador.

    inevitvel a gerao de lixo nas cidadesdevido cultura do consumo. Segundo o IBGE, em2006, o Brasil constitudo por 5.507 municpios ena ltima Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico,realizada no ano de 2000 pelo IBGE, foi registrado

    que somente 33% (1.814) dos 5.475 municpiosdaquele ano coletavam a totalidade dos resduosdomiciliares gerados nas residncias urbanas de seusterritrios. Os dados dessa pesquisa revelaram quediariamente o Brasil gerava 228.413 toneladas diriasde resduos slidos. Isso implica numa produo de1,2 kg/habitante (IBGE, 2006).

    A problemtica ambiental gerada pelo lixo de difcil soluo e a maior parte das cidadesbrasileiras apresenta um servio de coleta que noprev a segregao dos resduos na fonte (IBGE,2006). Nessas cidades comum observarmos hbitos

    de disposio final inadequados de lixo. Materiaissem utilidade se amontoam indiscriminada edesordenadamente, muitas vezes em locais indevidoscomo lotes baldios, margens de estradas, fundos devale e margens de lagos e rios.

    3 A DISPOSIO FINAL DO LIXO: HBITOSURBANOS VISVEIS

    Entre os impactos ambientais negativos quepodem ser originados a partir do lixo urbano

    produzido esto os efeitos decorrentes da prtica dedisposio inadequada de resduos slidos em fundosde vale, s margens de ruas ou cursos dgua. Essasprticas habituais podem provocar, entre outras coisas,contaminao de corpos dgua, assoreamento,enchentes, proliferao de vetores transmissores dedoenas, tais como ces, gatos, ratos, baratas, moscas,vermes, entre outros. Some-se a isso a poluio visual,mau cheiro e contaminao do ambiente.

    A vivncia cotidiana muitas vezes mascaracircunstncias visveis, mas no perceptveis. Mesmocontemplando casos de agresses ao ambiente, oshbitos cotidianos concorrem para que o moradorurbano no reflita sobre as conseqncias de taishbitos, mesmo quando possui informaes a esserespeito.

    Considerando o pressuposto de que os sereshumanos so essencialmente ambientais e, como tais,tendem a subjetivamente perceber o ambiente pormeio de signos que engendram a imagem ambiental,

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    como se processa a percepo ambiental? Para Ferrara(1999, p. 153) percepo ambiental [...] informaona mesma medida em que informao gerainformao: usos e hbitos so signos do lugarinformado que s se revela na medida em que submetido a uma operao que expe a lgica da sualinguagem. A essa operao d-se o nome depercepo ambiental.

    Mucelin e Bellini (2006) enfatizam que nocontexto urbano as condies apresentadas peloambiente [...] so influenciadas, entre outros fatores,pela percepo de seus moradores, que estimulam e

    engendram a imagem ambiental determinando aformao das crenas e hbitos que conformam ouso.

    As atividades cotidianas condicionam omorador urbano a observar determinados fragmentosdo ambiente e no perceber situaes com gravesimpactos ambientais condenveis. Casos de agressesambientais como poluio visual e disposioinadequada de lixo refletem hbitos cotidianos emque o observador compelido a conceber tais

    situaes como normais.

    Andar pela cidade e contemplar os fragmentoshabituais regies do ambiente urbano que compemesse ecossistema permite observar paisagem queretrata hbitos edificados temporal e culturalmente.Muitos so visveis e se apresentam no mosaico depossibilidades da cena urbana. No entanto, nemsempre tais circunstncias so percebidas e o moradorlocal, pela vivncia cotidiana habitual, no refletesobre o contexto onde vive.

    A disponibilidade de gua facilita ou contribuipara o desenvolvimento urbano, que leva em contaos recursos hdricos para a edificao das cidades.

    No ambiente urbano fundamental o abastecimentode gua e o tratamento de esgotos e guas pluviais.Por isso, as cidades, geralmente, so fundadasprximas ou sobre o leito de rios por razes bvias:facilidade na obteno de gua. Nas cidades do Brasil perceptvel um padro de construo de edifcios

    junto a lei tos de rios (Figura 1). Suas margens,entretanto, deveriam ser preservadas com amanuteno da mata ciliar ou de galeria. Tambm possvel observar que na maioria dos casos, o rio usado como local de disposio final de lixo, um

    hbito cultural existente e condenvel.

    Figura 1. O rio no permetro urbano, edificaes e hbitos visveis e condenveis. Fotografia (a): cidade de Palmas

    PR (2006). Fotografia (b): cidade de Medianeira PR (2006). Autor: Carlos Alberto Mucelin

    Fotografia (b)Fotografia (a)

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    medida que a cidade se expande,freqentemente, ocorrem impactos com o aumentoda produo de sedimentos pelas alteraesambientais das superfcies e produo de resduosslidos; deteriorao da qualidade da gua pelo usonas atividades cotidianas, e lanamento de lixo, esgotoe guas pluviais nos corpos receptores.

    Pela relao habitual humana com o ambiente,com hbitos comumente observveis no cenriourbano e, tais como os apresentados na Figura1, que Odum (1988) e Rickefs (1996) consideram acidade uma das maiores fontes de agresso ambiental,

    embora a poluio dos mananciais na rea urbanaocorra de vrias outras maneiras. Constituem fontespoluidoras os esgotos domsticos, comerciais eindustriais e a destinao inadequada de resduosslidos em fundos de vale, margens de rios emonturos.

    O manancial hdrico importante na definiodo ambiente para a construo da cidade.Inevitavelmente, o desenvolvimento urbano tende acontaminar o ambiente com despejo de esgotos

    cloacais e pluviais. Os rios so utilizados como corposreceptores de efluentes e ainda, o lixo, queinadequadamente tambm depositado nas margense leito.

    A disponibilidade de gua facilita ou contribuipara o desenvolvimento urbano, que leva em contaos recursos hdricos para a edificao das cidades.No ambiente urbano fundamental o abastecimentode gua e o tratamento de esgotos e guas pluviais.

    O uso da gua na cidade, tipicamente, temum ciclo caracterstico de impacto ambiental negativo.A gua coletada de uma fonte local (rio, lago oulenol fretico), tratada, utilizada e retorna para umcorpo coletor. Nesse retorno s excepcionalmente elaconserva as mesmas caractersticas de quando foicaptada. Ocorrem alteraes nas composies de sais,

    matria orgnica, temperatura e outros resduospoluidores.

    Alm destes impactos, em relao aosrecursos hdricos, ainda existem aqueles causadospela deficiente infra-estrutura urbana: obstruo deescoamentos por construes irregulares, obstruode rios por resduos, projetos e obras de drenageminadequadas.

    A poluio dos mananciais na rea urbana

    ocorre de vrias maneiras. No contexto urbano, outrofragmento do ambiente utilizado para a disposiofinal inadequada de lixo so os lotes baldios e asmargens de ruas e estradas.

    Figura 2. Margens de ruas utilizadas para a disposio inadequada de lixo. Fotografia (a) cidade de Medianeira PR

    (2006). Fotografia (b): cidade de Londrina PR (2007). Autor: Carlos Alberto Mucelin

    Fotografia (a) Fotografia (b)

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    A vivncia cotidiana nos estimulapragmaticamente elaborao mental de idias dascoisas que percebemos. Objetos e fatos observados epercebidos foram a construo por associaes deidias que estimulam a mediao, orientando as aese determinando as condutas, modo de ao. nesseprocesso dinmico, dialgico e interativo quedesenvolvemos as crenas responsveis pelos hbitos,que edificam o nosso modo de viver. Muitas vezesestes hbitos so condenveis, como por exemplo, adisposio inadequada do lixo, em ambientes comoos apresentados nas Figuras1 e 2.

    Nos monturos e mesmo nas ruas da cidade comum a presena de grupos de catadores de resduosslidos reciclveis que, geralmente munidos de umcarrinho, encontram na separao e comercializaodesses resduos, um meio de sua sobrevivncia. Essaatividade, com raras excees, ocorre em condiessubumanas, pelos riscos que o lixo representa para asade e pelas condies de materiais e deequipamentos disponveis nessa atividade.

    Muitas agresses ambientais no espao

    urbano so perceptveis, enquanto outras no so toevidentes, mesmo que intensas. Tuan (1980, p. 1)entende que o valor da percepo fundamentalquando se busca soluo de determinadas agressesambientais: [...] percepo, atitudes e valores preparam-nos primeiramente, a compreender nsmesmos. Sem a auto-compreenso no podemosesperar por solues duradouras para os problemasambientais que, fundamentalmente, so problemashumanos.

    4 ACERCA DA PERCEPO AMBIENTAL

    Percepo uma palavra de origem latina -perceptione -que pode ser entendida como tomadade conscincia de forma ntida a respeito de qualquerobjeto ou circunstncia. A circunstncia em questodiz respeito a fenmenos vivenciados. Para Ferreira(1999) a percepo a elaborao mental e conscientea respeito de determinado objeto ou fato, querclarificando, distinguindo ou privilegiado alguns de

    seus aspectos, quer ao associ-la a outros objetos oucontexto.

    A respeito da percepo, Locke (2001, p. 79)considerou-a como [...] a primeira faculdade damente usada por nossas idias, consiste assim, naprimeira e na mais simples idia que temos dareflexo, por alguns denominada pensamento [...]apenas a reflexo pode nos dar idias do que apercepo

    Del Rio (1999, p. 3) define a percepo como:

    [...] um processo mental de interao do indivduocom o meio ambiente que se d atravs de

    mecanismos perceptivos propriamente ditos e

    principalmente, cognitivos. Os primeiros so

    dirigidos pelos estmulos externos, captadosatravs dos cinco sentidos [...]. Os segundos so

    aqueles que compreendem a contribuio da

    inteligncia, admitindo-se que a mente nofunciona apenas a partir dos sentidos e nem recebe

    essas sensaes passivamente.

    Tuan (1980) afirma que o mundo percebidopelos humanos pelo uso de todos os seus sentidos.Assim, a percepo uma espcie de leitura demundo, na qual os sentidos perceptivos regem aproduo cognitiva de cada um. Sobre essa leitura demundo, via imagens, Kanashiro (2003, p. 160) propeque elas [...] seriam tipos de estruturas ou deesquemas imaginativosque incorporariam certos tiposideais e um determinado conhecimento de como omundo real funciona [grifos do autor].

    A leitura perceptiva do ambiente urbano, tantoindividual quanto coletiva, produzida nas inter-relaes fenomenolgicas habituais entre o moradore o ambiente. O julgamento perceptivo do ambienteocorre pela semiose dos signos locais experienciados,estabelecidos a partir dos constituintes do ambientee est intrinsecamente vinculado s crenas e hbitosvigentes.

    A abrangncia e o carter inefvel dos estudosde percepo ambiental tal que concordamos com

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    Tuan (1980, p. 2) quando menciona o fato de que ocientista e o terico tendem a descuidar dasubjetividade e diversidade humana, dada suacomplexidade. Por isso: [...] numa viso mais ampla,sabemos que as atitudes e crenas no podem serexcludas nem mesmo da abordagem prtica, pois prtico reconhecer as paixes humanas em qualquerclculo ambiental (Ibid., p. 2).

    A vivncia cotidiana molda padrescomportamentais habituais. Neste sentido, o moradorurbano tem, na maioria das vezes, situaes diriasvivenciadas de forma repetitiva, o que produz uma

    espcie de mscara destas situaes no contexto. Issoforma uma imagem perceptiva em dois vieses: de umlado o ambiente urbano legvel e perceptvelvivenciado; de outro, situaes e locaisimperceptveis, ocultos ao julgamento perceptivo.

    Apresentamos a seguir parte da percepo arespeito do lixo, que foi obtida por meio de estudocom 88 profissionais, moradores urbanos investigadosem 2006, da cidade de Medianeira, Oeste do Paran,Brasil. Nossa investigao perceptiva do ambiente

    urbano de Medianeira foi desenvolvida comprofissionais de 11 atividades distintas e atuantes nacidade. Investigamos quatro homens e quatromulheres que atuavam como: funcionrios docomrcio, comerciantes do centro, dentistas, mdicos,comerciantes de bairros, professores universitrios,professores de ensino mdio, universitrios, polticos,donos de casa do centro e donos de casa de bairro.

    A exceo ocorreu na atividade de donos decasa, tanto do centro como de bairros, poisconseguimos entrevistar apenas dois homens. Isso um indicativo de que a mulher ainda, muitas vezes,assume o trabalho domstico na cidade, geralmente,com dupla jornada, ou seja, trabalha fora e em casa.

    As informaes perceptivas foram obtidas pormeio de entrevistas semi-estruturadas e asinformaes sistematizadas pelo mtodo de anlisede contedo.

    5 A PERCEPO DO LIXO SEGUNDOATORES SOCIAIS DE MEDIANEIRA

    O lixo, quando no tratado adequadamente,pode ser responsvel por impactos ambientais gravesao ambiente. Em nossa pesquisa questionamos o quea palavra lixo significava para os atores pesquisados.Obviamente no buscvamos uma definio formal,mas sim como os atores participantes percebiam ouentendiam o lixo. Registramos dois ncleos sgnicosperceptivos. De um lado, alguns atores listavamobjetos que constituam o lixo e, de outro, a maiorparte procurava formular uma definio.

    O lixo era percebido pela maioria como algoque no tinha mais utilidade, uma sobra de materialdescartvel, aquilo que as pessoas desejavam jogarfora, geralmente, vinculado sujeira, imundcie,sujidade e ao mau cheiro. No obstante, o lixo tambmfoi percebido e considerado como um conjunto demateriais com valor econmico agregado.

    Observamos que, ao pronunciar a palavra lixo,a maior parte dos atores deixava transparecer, pela

    expresso do rosto, sentimento de repdio, reprovaoe, geralmente, vinculava-o a coisas ruins. Portanto, olixo era percebido como um signo ruim. Uma donade casa de bairro mencionou: Lixo um desrespeito natureza!.

    Indagamos aos atores sobre se produziam lixo.Todos disseram produzir. Entre os 88 entrevistados,apenas um proprietrio do comrcio do centro e umadentista afirmaram que a quantidade produzida emsuas residncias pequena.

    Questionamos acerca da quantidade diria delixo produzida em suas residncias. As respostas eramdadas com hesitao, evidenciando que eles notinham certeza. Convm mencionar que as mdiasapresentadas so valores da produo diria de lixo,por residncias, que os atores afirmaram produzir.

    Pareceu-nos que registrar ou controlar aquantidade de lixo produzida era uma novidade. Oestranhamento e dvidas que esta questo gerou nos

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    atores sociais de Medianeira indicam que no hhbitos de mensurao. Apenas seis entrevistados(7%) no sabiam ou no opinaram a respeito dessaquantidade. Entre os 82 atores que indicaram aquantidade produzida, a menor foi mencionada por

    um professor universitrio - 0,25kg, ator que moravasozinho. A maior foi indicada como 20 kg dirios porresidncia. No Quadro 1, a mdia em quilos de lixoproduzido nas residncias dos entrevistados.

    Quadro 1.Percepo da quantidade de lixo dirio produzido nas residncias dos atores

    ENTREVISTADOS MDIA PERCEBIDA DA PRODUODE LIXO POR RESIDNCIAS (kg/dia)

    Proprietrio do comrcio do centro 3,19

    Proprietrio do comrcio de bairro 7,19

    Professor universitrio 3,09Professor ensino mdio 3,71

    Aluno universitrio 3,42

    Trabalhador do comrcio 4,75

    Polticos 3,57

    Mdicos 2,19

    Dentistas 4,94

    Dono de casa do centro 7,07

    Dono de casa de bairro 4,44

    MEDIA GERAL 4,32

    Apesar da ampla variabilidade de situaes,como o nmero de membros em cada famlia e osvalores da produo de lixo ser percebidos e nomensurados, a mdia geral da produo foi de 4,32kg por famlia. A mdia dos membros das famliasinvestigadas foi de 3,36 pessoas. Portanto, temos umamdia de produo diriaper capitade lixo percebidode 1,28kg. Essa mdia se aproxima da mdia nacionalbrasileira atual que, segundo o (IBGE 2005), oscilaem torno de 1,2kg de lixo por habitante/dia.

    Nos dilogos ficou evidente que os atores nosabiam exatamente quantos quilos de lixo as famliasproduziam. Suas respostas eram aproximadas ebaseadas no manuseio feito em suas residncias pelovolume que formavam. Ficou evidente que os atoresno tinham convico ou mecanismo de controle parainformar com maior preciso. Acreditamos que noexistia a preocupao com a quantidade produzida,porque o lixo era coletado e afastado das residncias

    e, portanto, no afetava os membros das famlias, deforma direta, obviamente.

    O tipo de lixo produzido em maior quantidadenas residncias dos entrevistados tambm suscitouincertezas nas respostas. Registramos que o tipo delixo produzido nas residncias era percebido segundodois grupos mais significativos: o lixo seco,geralmente formado por embalagens de papel, metais,plstico ou vidro, e o lixo orgnico. Foi indicado ainda

    o lixo considerado rejeito - geralmente, lixo debanheiros e fraldas descartveis.

    A maior parte do atores, 51 (58%), mencionouo lixo seco como o que mais produziam em suasresidncias. Os demais (37 atores) disseram que erao lixo orgnico.

    Agrupamos as respostas dos atores segundoos tipos de lixo: seco e orgnico.

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    Quanto ao melhor lugar para a populao deuma cidade fazer a disposio final, apenas uma donade casa disse no saber: Olha Carlos, eu disso a noposso falar que eu no conheo onde que eles botamo lixo da, no ? Eu no posso falar nada disso a!.

    Os demais, 87 (99%), tinham crenas sobre o melhorlugar para a disposio final do lixo. Identificamosem suas percepes cinco grupos sgnicos perceptivospara tal disposio: aterro, lixo, buraco, longe dacidade e reciclar.

    Quadro 2. A crena no tipo de lixo mais produzido nas residncias do atores

    ENTREVISTADOS LIXO SECO ORGNICO

    Proprietrio do comrcio do centro 5 3

    Proprietrio do comrcio de bairro 7 1

    Professor universitrio 4 4

    Professor ensino mdio 4 4

    Aluno universitrio 6 2

    Trabalhador do comrcio 4 4

    Polticos 4 4

    Mdicos 4 4

    Dentistas 4 4

    Dono de casa do centro 4 4

    Dono de casa de bairro 5 3

    TOTAL 51 37

    Figura 3. A crena dos atores sobre o melhor lugar para a disposio final do lixo

    Registramos que 55 (62,5%) atoresacreditavam que o aterro sanitrio era o melhor lugarpara a disposio final e 20 (23%) que o lixo deveriapassar por um sistema de tratamento adequado, com

    o reaproveitamento dos resduos. Estes dadosindicaram que, a maior parte dos atores entrevistados,tem uma percepo de que o lixo produzido pelacidade deveria ser adequadamente tratado e disposto.

    6

    2

    20

    55

    4

    0 10 20 30 40 50 60

    lixo

    longe da cidade

    reciclar

    aterro

    buraco

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    Lixo e impactos ambientais perceptveis no ecossistema urbanoCarlos Alberto Mucelin, Marta Bellini

    O entendimento perceptivo dos atores quantoao melhor lugar para fazer a disposio final do lixo

    que uma cidade produz foi variado entre os gruposde profissionais entrevistados.

    Quadro 3. A percepo da disposio final do lixo segundo as profisses

    ENTREVISTADOS LIXO LONGE RECICLAR ATERRO BURACOCIDADE

    Proprietrio do comrcio do centro 2 1 1 3 1

    Proprietrio do comrcio de bairro 0 0 4 3 1

    Professor universitrio 2 1 1 4 0

    Professor ensino mdio 0 0 1 7 0

    Aluno universitrio 0 0 1 7 0

    Trabalhador do comrcio 0 0 1 6 1Polticos 1 0 2 5 0

    Mdicos 0 0 2 6 0

    Dentistas 0 0 3 5 0

    Dono de casa do centro 1 0 3 4 0

    Dono casa de bairro 0 0 1 5 1

    TOTAL 6 2 20 55 4

    Questionamos os atores sobre quais osrecipientes, habitual e cotidianamente, so utilizados

    em suas residncias para acondicionar o lixodomstico produzido. Todos disseram ter o hbito deusar sacolas plsticas para armazenar o lixo,principalmente aquelas fornecidas pelossupermercados e mercearias. Esse hbito comum,

    tanto pelos atores que praticam a coleta domiciliarseletiva, quanto pelos que misturam os resduos.

    A maior parte do atores, 52 (59%), disse queem suas residncias habitualmente separavam o lixo.Observamos vrias formas de separao: a mais comum a segregao em lixo seco e em resduos orgnicos.

    Figura 4. Hbito dos atores em separar o lixo domstico urbano

    Registramos que mesmo nas residncias ondeo lixo era separado no havia uma destinaoadequada. Geralmente o lixo era recolhido pelocaminho coletor da Prefeitura. No caminho, o lixo

    era todo misturado e encaminhado ao lixo da cidade.O dilogo de um ator entrevistado ilustra a idia dotratamento dado aos resduos domsticos:

    52 tinham o hbito

    de separar o lixo:

    59%

    36 no tinham o

    hbito de separar o

    lixo: 41%

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    Ns colocamos em lixeiros com tampas. Ns

    separamos o que orgnico, digamos assim, em

    um lixeiro e o que plstico, papel e embalagens.No outro, o que orgnico e jogamos na horta. O

    que slido, embalagens, isso vai para o caminho.

    (Professor universitrio).

    Os atores disseram que a prtica da coletadomiciliar no seletiva se devia forma com que olixo era coletado nas residncias. Segundo eles, acoleta realizada pelo servio pblico municipal deMedianeira desestimulava-os, pois mesmo aquelesatores que j haviam iniciado a segregao do lixo

    observaram que quando o lixo era coletado, tudo eramisturado. Na fala de um professor universitrio

    encontramos a justificativa: No separado [...]Porque na realidade ns tentamos separar no incio,mas a gente percebia que o caminho joga tudo nomesmo recipiente, ento a gente acabou noseparando mais. Trata-se do mesmo argumento usadopor um trabalhador do comrcio: A gente j tentouseparar, mas da, o lixeiro vem, joga tudo no mesmolixo. Vai tudo para o mesmo lugar. Da no adianta agente fazer isso.

    Registramos os hbitos de segregaodomiciliar dos resduos slidos em dois ncleossgnicos perceptivos: os atores que separavam o lixo

    seco do lixo orgnico e aqueles que no tinham ohbito de separao.

    Quadro 4. Os hbitos de segregao domiciliar do lixo urbano dos atores

    ENTREVISTADOS HBITOS COM O LIXO

    SEPARAVAM NO SEPARAVAM

    Proprietrio do comrcio do centro 4 4

    Proprietrio do comrcio de bairro 4 4

    Professor universitrio 3 5

    Professor ensino mdio 5 3

    Aluno universitrio 8 0

    Trabalhador do comrcio 7 1

    Poltico 6 2

    Mdico 4 4

    Dentista 3 5

    Dono de casa do centro 2 6

    Dono casa de bairro 6 2

    TOTAL 52 36

    Os hbitos dos atores, no que diz respeito aotratamento do lixo gerado em suas residncias, soinfluenciados, entre outras coisas, pela percepo quetm do servio de coleta da cidade. Suas percepesdesse servio pblico local estimulam as atitudesdespreocupadas com a segregao. Acerca dasatitudes, Tuan (1980, p. 4) lembra que, a forma comoagimos frente aos fatos vivenciados, [...] primariamente uma postura cultural, uma posio quese toma frente ao mundo. Ela tem maior estabilidadedo que a percepo e formada de uma longa sucesso

    de percepes, isto , de experincias.

    Indagamos aos atores se acreditavam que olixo poderia causar algum tipo de doena. Semexceo, o lixo foi percebido como algo ruim, malcheiroso, nocivo, associado doena e aos vetorestransmissores de doenas, especialmente ratos einsetos. Nos argumentos de um trabalhador docomrcio, v-se a percepo dos atores sobre a relaoentre lixo e doenas: Nossa, acho que vrias [...] aleptospirose do rato, acho que em si tambm, uma

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    infeco intestinal, uma dor de barriga. Bom, eu achoque transmite todos os tipos de doenas.

    Perguntamos aos entrevistados que corescolheriam, se pudessem determinar uma querepresentasse o lixo. Escolhidas as cores

    investigvamos o que representavam. Sistematizamosdois ncleos sgnicos perceptivos principaisenunciados pelos entrevistados: de um lado as corespreta, marrom, cinza e vermelha associadas a algoruim ou perigoso, e as cores branco, azul, amarelo,verde e rosa associadas a coisas boas.

    Figura 5. Ncleos sgnicos perceptivos sobre o lixo

    Segundo Tuan (1980, p. 26): As cores, quedesempenham um papel importante nas emoeshumanas, podem constituir os primeiros smbolos dohomem. Em nossa investigao, registramos umagrande variedade de cores escolhidas pelos atoreslocais para simbolizar o lixo. Porm, as cores escurasforam utilizadas para representar o lado ruim do lixo

    e sua problemtica, enquanto as cores claras apontampara o lado bom, o lixo reciclvel.

    Constatamos que o lixo percebido eassociado como algo negativo pela maioria dos atoresinvestigados. Entre os aspectos indicados pelos queassociaram o lixo s coisas ruins registramos: a

    sujeira, a poluio visual, da gua, do solo e do ar, adisposio inadequada e o mau cheiro.

    Nossos resultados se alinham ao que Tuan(1980) prope, ou seja, que todos os povos distinguementre o preto e o branco associando estas cores escurido e claridade, respectivamente. Tanto a cor

    preta como a cor branca, possui significados positivose negativos, dependendo da cultura. Apesar disso, Tuandefende a tese de que o mais se observa a associaodo branco s coisas positivas e o preto s negativas.

    As cores associadas ao lado ruim do lixoforam maioria.

    Figura 6. As cores associadas ao lixo como coisas ruins ou perigosas

    Registramos com base na percepo dosatores que as trs cores mais lembradas associadasao lixo foram a preta, a marrom e a vermelha,

    compondo dois ncleos sgnicos perceptivosnegativos.

    Coisas ruins: 71

    Coisas boas: 17

    36 PRETO: 51%15 MARROM: 21%

    13 VERMELHO: 18%7 CINZA: 10%

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    Os resultados da nossa investigaoperceptiva coincidem com que registrou Lynch (1999,p. 48) em seu estudo de percepo ambiental urbana,ou seja, pessoas se ajustam regio onde habitam eproduzem organizao e identidade das coisas de seucontexto. Observamos que os atores sociaisexpressavam perceptivamente o ambiente a partir davivncia, moldando-o, construindo-o e reconstruindo-o na experincia cotidiana. E a experincia, comodisse Peirce, o prprio curso da vida, vinculadaintrinsecamente s crenas e aos hbitos institudosna cultura do lugar.

    6 CONSIDERAES FINAIS

    O crescimento populacional, a conseqenteexpanso territorial urbana e a ampliao do sistemade produo e consumo industrial tm contribudopara agravar as condies ambientais, sobretudo docenrio urbano.

    No ambiente urbano, determinados impactosambientais como a poluio do solo, da gua e do ar,ocupao desordenada e crescimento de favelas nas

    periferias, edificao de moradias em locaisinapropriados ou reas de preservao tais comoencostas, margens de rios, mananciais e at regiesde mangue precisam ser repensados e novos hbitosestimulados.

    A ocupao humana de ambientes urbanosmais saudveis requer do cidado a condio de seragente principal no processo de interao com o meio.O ser humano precisa estimular a percepo e secompreender como um constituinte da natureza e nocomo um ser a parte. Esta forma de compreensopressupe melhorar as condies ambientais,modificando formas de uso e manuteno do lugaronde habita, pela fixao de hbitos culturais maissaudveis.

    Registramos a ocorrncia de diferentespercepes entre os atores sociais investigados. Apercepo do ecossistema urbano no que diz respeitoaos constituintes ambientais e os impactos negativos- tanto os perceptveis quanto os imperceptveis - varia

    segundo a profisso dos atores sociais e influenciada, principalmente, pelas atividadescotidianas e pelo ambiente onde vivem os atores.

    A percepo e tratamento do lixo e o uso dagua em Medianeira so intrinsecamente relacionados crenas e aos hbitos locais institudos. Estesdeterminam o uso no ambiente que, por sua vez,reflete os impactos intensos e gravssimos para a sadehumana e o ambiente urbano da cidade. Constatamosque h disposio inadequada de lixo em margens eleito dos rios e ruas, Fundos de Vale e lotes baldios.Tambm registramos a crena local de que o lixo

    afastado do ambiente urbano no prejudica o moradorlocal, como o caso do lixo da cidade.

    As questes do lixo em Medianeira sodistintamente percebidas, tratadas e valorizadas pelosatores sociais locais. O acesso a um nvel educacionalmaior no assegura hbitos mais saudveis para oambiente urbano. Registramos que a percepoambiental individual se alinha s percepes dosgrupos, formando percepes coletivas que seassemelham. Estas percepes conformam a imagem

    ambiental coletiva dos atores.

    Situaes de poluio pela disposioinadequada de lixo provocam impactos ambientaisnegativos em diferentes ecossistemas da cidade comoas margens e leito dos rios, margens de ruas e estradas,Fundos de Vale e lotes baldios. Caracterizam asprticas locais e as formas de uso intensos do ambienteurbano de Medianeira e so determinadas pelosvalores culturais, crenas e hbitos institudos.

    A inadequada utilizao dos ambientesurbanos nas cidades do Brasil acena para umcomportamento comumente observvel e implicamem danos ambientais graves e inconseqentes.

    Encerramos este dilogo afirmando que apercepo permeia o conhecimento e que jamais,percepo e conhecimento podem ser consideradossinnimos. A percepo alimenta o processo demediao, de julgamento perceptivo, enquanto que oconhecimento um processo epistemolgico.

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    Lixo e impactos ambientais perceptveis no ecossistema urbanoCarlos Alberto Mucelin, Marta Bellini

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