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PSICOTERAPIA BREVE

EDIÇÃO E PROPRIEDADE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE PSICOTERAPIAS BREVES

VolumeVIII Agosto/Setembro 2009

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PSICOTERAPIA BREVE

REVISTA DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE PSICOTERAPIAS BREVES

EDITOR

S.P.P.B

DIRECTOR

PEDRO LAU RIBEIRO

CORPO EDITORIAL

GRAÇA GÓIS

ANA MARIA MORAIS

ISABELA BOTELHO

MARIA TERESA MORAIS

RAQUEL LIMA

JOAQUIM CARRILHO

JOÃO AZEVEDO E SILVA

LUÍZ CANCELLO

GREGÓRIO BAREMBLITT

AUTOR DO LOGÓTIPO

ARQUITECTO

ANTÓNIO MADEIRA SANTOS

TIRAGEM

1000 EXEMPLARES

PREÇO DE CAPA

€ 5,00

A REVISTA PSICOTERAPIA BREVE ESTÁ INSCRITA NA DIRECÇÃO GERAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL SOB O N.º 112736

TODOS OS ARTIGOS NELA PUBLICADOS TÊM OS DIREITOS RESERVADOS

DEPÓSITO LEGAL N.º 145834/99

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_____________________________________________________________ Sumário

Editorial.

Artigos Originais

Planos existenciais e PsicoterapiaPedro Lau Ribeiro

Bailarina em Pontas de SangueSónia Antunes

O Aconselhamento na Educação Escolar – A Intervenção do Técnicode Aconselhamento numa EscolaAnabela Franco

Actividades da S.P.P.B.

Noticias Breves

Formação – Ano Lectivo 2009/2010

X Encontro da S.P.P.B

Indicações aos Autores

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____________________________________________________ Editorial

Lançar uma revista, rever e seleccionar artigos, não é com certeza uma empreitadaindiscutível nem visível.Ao fim de um ciclo institucional onde “aparentemente”, no domínio científico, nadaaconteceu – se não se escreve nunca aconteceu – estamos a editar o volume VIII daRevista “Psicoterapia Breve”, edição e propriedade da Sociedade Portuguesa dePsicoterapias Breves.

A Direcção, eleita em 12 de Maio de 2008 e em exercício de funções, como mediadorada vida institucional – para além das funções designadas nos Estatutos, RegulamentoInterno e na Lei em geral – tem vindo a organizar-se no sentido de dinamizar,administrar e articular produtiva e criativamente os diferentes órgãos de gestão daS.P.P.B.

Neste sentido organizou a Sessão de Encerramento do ano lectivo 2007/2008, naAcademia das Ciências, em 17 de Julho de 2008, que teve como objectivo oencerramento da Formação e o estabelecimento de relações entre os formandos dosvários anos e dos anos anteriores, formadores e outros convidados, visando deste modofomentar os laços de coesão entre estes intervenientes e a SPPB.

Paralelamente, em 25 e 26 de Setembro de 2008, realizou o IX Encontro da SociedadePortuguesa de Psicoterapias Breves, cuja temática foi a “Formação e DesenvolvimentoPessoal”, que nos pareciam intimamente ligados. De facto, as comunicações assim odemonstraram, de uma forma ou outra, e todos os participantes, sócios e formandos,confirmaram a actualidade do tema, ainda por cima num modelo em desenvolvimento, eque tem um componente existencial importante.

Voltámos a ter entre nós o Professor Luíz Cancello, cujo livro O Fio das Palavras fazparte da nossa bibliografia de base e que constitui uma obra de referência em váriasuniversidades do Brasil. A sua presença, para além de se consubstanciar numaconferência que ora publicamos, serviu ainda para a apresentação do seu último livroInformal, Nômade, Tradicional, uma investigação sobre os grupos de estudos dospsicólogos psicoterapeutas.

Na parte da Revista dedicada aos artigos originais o primeiro texto, que foi escritonoutra ocasião, permite ver um pouco o caminho que temos percorrido no sentido deuma maior fluidez na integração e aborda um tema que foi apresentado no X Encontro,embora com diferenças, que se mantiveram. Os outros dois textos correspondem a trabalhos finais dos Cursos de Formação daSociedade Portuguesa de Psicoterapias Breves – O segundo correspondente ao Curso dePsicoterapeutas e o ultimo, do ano lectivo 2008/2009, diz respeito ao Curso de Técnicosde Aconselhamento área que tem continuado a merecer a nossa atenção – e que, nestecaso, revelam a abordagem mais maiêutica da aliança terapêutica, sem descurar aestrutura de base do modelo integrado que preconizamos.

Esperemos que a leitura desta renovada Revista ajude a esclarecer o caminho que se temtrilhado na senda de uma integração cada vez mais intuitiva clinicamente e mais estáveldo ponto de vista teórico, não esquecendo, é claro, a influência que Paul Ricoeur, com asua dialéctica entre compreender e explicar, tem exercido, e que consideramos um pontode apoio seguro e profundo como suporte formal do nosso modelo.

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Gostaria de terminar com um profundo agradecimento à Dra. Graça Góis, Secretária daDirecção da S.P.P.B.,a generosidade e profissionalismo que dedicou à realização destarevista, sem o que ela não teria sido publicada.

Pedro Lau Ribeiro

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_____________________________________________Artigos Originais

Planos existenciais e Psicoterapia

Pedro Lau Ribeiro*

Uma linguagem da Psicoterapia implica regras e um esforço teórico que não se podeafastar da clínica, pelo contrário deve partir dela. Neste caso, e a título excepcional,utilizamos uma linguagem heterogénea, a fim de referenciar os autores donde osconceitos derivaram. Nesse sentido, apresentamos um modelo tripartido que tem correspondências comescolas e modelos de psicoterapia, mas que está baseado nas esferas do existir, deKierkegaard, ou seja, nos planos Estético, Ético e Religioso.1 Numa fase posterior, seriaimportante simplificar o enquadramento dos planos do modelo tripartido proposto,permitindo uma utilização mais intuitiva.Há uma curiosa expressão portuguesa que diz que cada um tem que tratar da suavidinha. Não se podia ser mais explícito: vidinha é uma coisa, a vida é outra. De facto, oque a maioria das pessoas procura resolver é a vidinha. Não os grandes valores, queesses, diz-se, já não existem: as grandes ideologias morreram, a solidariedade ou éesmoler e restrita, ou é funcional e aplicada pelo Estado. Ajudar por ajudar parece umafalta de senso. Nos empregos cada um safa-se como pode. Safar tem um sentidoespecífico, que usar todos os meios para resolver uma questão à última hora, sem plano,mas eficaz. Pode ser salvar um companheiro em combate de um perigo iminente. Safei-o duma rajada de metralhadora. Mas aqui salvou-se uma vida. Transposto para umavidinha é uma safadinha, ou uma safadeza. A diferença para o diminutivo é um passo degigante. Claro que não há qualquer mal em ajudar alguém, mas uma coisa é repor ajustiça, por exemplo, outra é um “empenho”, como vemos descrito nas Farpas, deRamalho Ortigão. Como a linha de demarcação é ténue, quem define essa fronteira?Não sabemos, mas um exercício interessante seria justamente averiguar o que está emjogo. Sonegar as folhas das aulas ao colega, interceder por um amigo prejudicandooutrem, fazer ganhar uns dinheiro, mandar uma informaçãozinha errada ou outrospequenos servicinhos é diferente de lutar por uma maior igualdade de condições àpartida nesta selva em que a capacidade de actuação efectiva ao serviço do bem écontrariada.

Como fazer?

Proponho apenas uma aplicação quase matemática da operação que consiste em utilizarcomo função o diminutivo. Por exemplo, se ajudo um amiguinho em vez de um amigo,se em vez de um trabalho tenho um trabalhinho, se ajudo um pobrezinho em vez delutar pelos pobres, a probabilidade de tratar da vida é pequena. Ainda não me socorri dacélebre frase de Jesus “pelos seus frutos os reconhecerão”. Imaginemos Jesus dizendo“pelos seus frutinhos os reconhecerão”. Aí, os seus discípulos não só o trairiam como seririam na cara dele. Imaginem a justicinha, ou a liberdadezinha. Como ficariam? Justiçaconforme as circunstâncias ou liberdade para alguns e não para outros, visto que pelodiminutivo se vê que não há espaço para todos.Vemos assim que a diferença entre utopia e a realidade reside na faculdade que o serhumano tem entre lutar pelo que ainda não existe a aquilo que há para realizar. Comodiria Agostinho da Silva, a Utopia é aquilo que não existe, mas que pode ser realizado,

1 As três dimensões existem no ser humano, apenas são valorizadas conforme os estádios de vida ou até,conforme as situações.

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caso contrário, já não era. Imaginem o Cabo da Boa Esperança se já tivesse sidodobrado, pouco mais seria do que uma rotina.Será que esta atitude de tratar da vidinha, um pouco pequeno-burguesa, no sentidoreichiano, é assim tão específica, ou será que todos temos traços desta postura, e que elafaz parte de um crescimento? Será uma questão de consciência de classe, psicológica,ou histórica, no sentido de Gadamer?

Sendo este texto inspirado pela clínica e não um apontamento filosófico, vamos tentararticular a perspectiva de Kierkegaard acerca dos planos existenciais com aquilo que seconvencionou designar por jornada do herói,2 como percurso existencial virado para ummaior auto-conhecimento.Não se tratando de conceitos completamente sobreponíveis, vamos, num primeiro momento conjugá-los, com fins heurísticos.

Na filosofia de Kierkegaard, surge uma ideia de planos da existência, que, postos comoestádios evolutivos, correspondem a um aumento de consciência, sobretudo através doauto-conhecimento e caminho para a fé. Neste contexto, a fé é um paradoxo que obrigaa um risco e a um compromisso. Se se aceita a ressurreição de Jesus, então isso tem queter um papel fundamental na vida da pessoa. Se transpusermos essa capacidade decompromisso para outros valores, mesmo sociais, estaremos mais perto dum caminhopara o transcendente, ou seja, e em sentido lato, para algo que ultrapassa o indivíduo.

Outro discurso, este mitológico, diz-nos que um indivíduo para se conhecer terá queseparar-se da mãe, primeiro, viver algumas aventuras em que é posto à prova, e duranteas quais pode ser ajudado através de sinais que é preciso saber ler e aceitar (também sepodem rejeitar sinais de ajuda), e só então aceder à sua essência. As provas a que oherói se sujeita (herói passa, assim, a ser o indivíduo que se submete a tais provas),avaliam a sua capacidade de sofrimento, sobretudo a sua humildade é muitas vezesposta em causa, a sua fé, e a sua abdicação paulatina de sentimentos consideradosinferiores, como a inveja, o ciúme, o desejo de vingança, por exemplo, enfim aquilo deque o ser humano também é feito. Esta depuração, por assim dizer, vai permitir ao heróicombater cada vez com mais determinação as contrariedades do percurso a que sesujeitou.

No discurso kierkegaardiano, se o herói é corajoso toma decisões difíceis e luta comafinco pelos seus ideais, falamos de nível ético, se o faz independentemente deconsiderações morais, então já se estaria no plano religioso.Estas duas formas de encarar o crescimento adulto poderiam ser acompanhadas de umesquema, essencialmente clínico, que ilustra o modelo tripartido de que temos vindo afalar, baseado no tipo de sintomas e/ou queixas dos clientes que procuram umapsicoterapia.

Religioso Noético Jung, Psicologia Transpessoal________________________________________________________________Ético Existencial Binswanger, MPH________________________________________________________________Estético Eros Freud, Melanie Klein, teorias da

relação de objecto

2 Esta mitologia, tratada por Jung, leva-nos, naturalmente para um campo tradicionalmente ligado àquiloque se convencionou chamar de sabedoria de vida e que foge um pouco aos parâmetros da psicoterapiaconvencional, ressurgindo agora em modelos mais recentes, ligados ao MPH.

caso contrário, já não era. Imaginem o Cabo da Boa Esperança se já tivesse sidodobrado, pouco mais seria do que uma rotina.Será que esta atitude de tratar da vidinha, um pouco pequeno-burguesa, no sentidoreichiano, é assim tão específica, ou será que todos temos traços desta postura, e que elafaz parte de um crescimento? Será uma questão de consciência de classe, psicológica,ou histórica, no sentido de Gadamer?

Sendo este texto inspirado pela clínica e não um apontamento filosófico, vamos tentararticular a perspectiva de Kierkegaard acerca dos planos existenciais com aquilo que seconvencionou designar por jornada do herói,2 como percurso existencial virado para ummaior auto-conhecimento.Não se tratando de conceitos completamente sobreponíveis, vamos, num primeiro momento conjugá-los, com fins heurísticos.

Na filosofia de Kierkegaard, surge uma ideia de planos da existência, que, postos comoestádios evolutivos, correspondem a um aumento de consciência, sobretudo através doauto-conhecimento e caminho para a fé. Neste contexto, a fé é um paradoxo que obrigaa um risco e a um compromisso. Se se aceita a ressurreição de Jesus, então isso tem queter um papel fundamental na vida da pessoa. Se transpusermos essa capacidade decompromisso para outros valores, mesmo sociais, estaremos mais perto dum caminhopara o transcendente, ou seja, e em sentido lato, para algo que ultrapassa o indivíduo.

Outro discurso, este mitológico, diz-nos que um indivíduo para se conhecer terá queseparar-se da mãe, primeiro, viver algumas aventuras em que é posto à prova, e duranteas quais pode ser ajudado através de sinais que é preciso saber ler e aceitar (também sepodem rejeitar sinais de ajuda), e só então aceder à sua essência. As provas a que oherói se sujeita (herói passa, assim, a ser o indivíduo que se submete a tais provas),avaliam a sua capacidade de sofrimento, sobretudo a sua humildade é muitas vezesposta em causa, a sua fé, e a sua abdicação paulatina de sentimentos consideradosinferiores, como a inveja, o ciúme, o desejo de vingança, por exemplo, enfim aquilo deque o ser humano também é feito. Esta depuração, por assim dizer, vai permitir ao heróicombater cada vez com mais determinação as contrariedades do percurso a que sesujeitou.

No discurso kierkegaardiano, se o herói é corajoso toma decisões difíceis e luta comafinco pelos seus ideais, falamos de nível ético, se o faz independentemente deconsiderações morais, então já se estaria no plano religioso.Estas duas formas de encarar o crescimento adulto poderiam ser acompanhadas de umesquema, essencialmente clínico, que ilustra o modelo tripartido de que temos vindo afalar, baseado no tipo de sintomas e/ou queixas dos clientes que procuram umapsicoterapia.

Religioso Noético Jung, Psicologia Transpessoal________________________________________________________________Ético Existencial Binswanger, MPH________________________________________________________________Estético Eros Freud, Melanie Klein, teorias da

relação de objecto

2 Esta mitologia, tratada por Jung, leva-nos, naturalmente para um campo tradicionalmente ligado àquiloque se convencionou chamar de sabedoria de vida e que foge um pouco aos parâmetros da psicoterapiaconvencional, ressurgindo agora em modelos mais recentes, ligados ao MPH.

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Claro que esta arrumação só serve para orientar a nossa exposição, e não é rígida emsentido algum. Aliás, há hierarquizações muito mais completas para enquadrar asquestões postas pelos clientes e por toda a gente em geral, descritas por Wilber eScharfetter, por exemplo. No entanto, a simplificação, neste caso, não põe de forainformação fundamental.

No plano Estético, de Kierkegaard, é a fruição dos sentidos que predomina. O prazer, abeleza, são por excelência, critérios deste plano. O equilíbrio é outra dimensão presente.Fizemos corresponder a esse plano, o mundo de Eros, um terreno bastante trabalhadopor Freud e seus seguidores. São as relações afectivas que estão em causa, e,eventualmente, a capacidade de amar, que, bem trabalhada, pode ser uma ligação para oexistencial. No entanto, a maior parte das vezes, é nos aspectos mais contingentes dodia-a-dia, que nascem, conscientemente as preocupações deste tipo. A auto-estima, amaior ou menor confiança em si próprio, são constantemente sacudidas pelo convíviocom os outros, e à cabeça não se excluem os familiares, especialmente os maispróximos. As vicissitudes da relação precoce bebé-mãe, sobretudo durante o primeiroano de vida, os problemas do desenvolvimento infantil posterior, a adolescência, amatriz familiar, são aqui importantes e chegam a assumir causalidade imediata naformação da personalidade do indivíduo. Daí que se tenha formado o conceito dedeterminismo psíquico, atribuído à psicanálise e tão contestada pelos movimentoshumanistas, e que afirma que o que a infância talha, por assim dizer, fica para o resto davida.Nesta dimensão existencial, há a tendência para o evitamento de compromissos, umagrande vinculação ao Belo, que se traduz também na acções belas, sem sombra,podendo-se correr o risco de esta não ficar integrada, e voltar a surgir em situaçõesinesperadas, provocando contradições difíceis de compreender e aceitar pelo próprio epelos outros: “mas eu fiz tudo o que podia e estava ao meu alcança, tive sempre amelhor das intenções,” e os resultados desmentem estas ideias. Este perigo aumenta noplano Ético, se a sombra não for trabalhada.

O plano Ético é caracterizado pela preocupação do homem com os valores. Aqui, não étanto o prazer ou a beleza que determinam as motivações, embora elas possam existir,mas a validação moral: se as acções são justas, a questão do Bem e do Mal, ou acoerência com os referidos valores, ao longo da vida. Frequentemente surge na meia-idade, ou no seu dealbar, mas pequenas crises deste tipo podem aparecer em qualqueraltura, podendo ser motores de crescimento pessoal, desde que não se fixem em formasmoralistas.Pela natureza das questões que levanta, o plano ético apresenta-se como questionador desentidos, para além das causas. A motivação passa a ser o sentido de algo, mais do que afruição dos sentidos. Aliás, em psicopatologia fenomenológica não se fala de causas,mas de motivos. Os valores são aqui mais invisíveis, ou seja, podem não ter relaçãodirecta com preocupações de ordem prática. É a descoberta de que o amor não se esgotanas pessoas que convivem connosco, mas que pode ser posto ao serviço daqueles quenem se conhece directamente. São muitas vezes os valores colectivos e sociais quepassam a ser determinantes, sem prejuízo, evidentemente, das pessoas a que se estáligado.

O plano Religioso é dominado por uma coerência entre aquilo em que se acredita e avida que se leva: aqui projecto e prática são quase coincidentes. O exemplo dos místicosé clássico, mas também de outros sábios, inclusivamente ateus, no sentido tradicional dotermo. Trata-se duma forma de estar que respira serenidade e tolerância, difíceis detolerar ou incompreensíveis para muitas pessoas. Na prática clínica, não é frequente

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deparar com pessoas assim, o que se compreende, visto que não costumam procuraruma psicoterapia.Como em todos os sistemas, as causalidades tendem a ser circulares e não lineares. Noentanto, cada plano tem a sua dinâmica. Assim, enquanto que no plano de Eros, acausalidade directa faz sentido (o que não quer dizer imediata eficiência terapêutica), noplano existencial, as causas são remotas, no sentido em que é um conjunto de factores,vividos globalmente, que determinam a ansiedade, justamente designada porexistencial. No plano religioso, há um sentido genérico, absoluto, acima das explicaçõeshumanas, que dispensam qualquer tipo de discussão intelectual sobre causalidades.Haveria aqui uma tendência para a ultrapassagem dos opostos, no sentido junguiano.Como diria Kierkegaard, haveria uma suspensão da moral, pois esta deixou e cumprir asua missão orientadora inicial.

A causalidade imediata

No plano Estético vale um certo tipo de causalidade directa, linear. Tem o seu valorexplicativo e é desmascarador. Como diria Ricoeur, desmitifica, e mostra outrarealidade por debaixo da aparente. O outro processo de aprofundamento implica adesmitologização mas não a destruição do símbolo. Este último é mais adequado para onível Ético. O facto da a maior parte das motivações terem origens inconscientes temque ter consequências: uma distinção entre verdade e franqueza é logo o primeiro passo.Se alguém diz que é sempre honesto naquilo que afirma, está, neste sentido quereferimos, a contradizer-se, quase a produzir um paradoxo. Se não temos acesso (pelasua natureza inconsciente) a grande parte do que nos faz amar ou odiar, ter ciúmes,competir, etc., dificilmente se pode falar de verdade: essa escapa-nos. O que se pode éser franco, o que já é de estimar. Pelo menos aí temos uma base para conversar.Continuando a franqueza, talvez se chegue a algum lado. O exercício de conversar comfranqueza corresponde a colocar o pré-consciente constantemente em alerta, e daí aoinconsciente sempre se está mais perto. As frases "bom, para ser franco..." ou "aqui queninguém nos ouve...", são exemplos de que quando queremos podemos ser francos.Mas, voltando às causalidades imediatas, lá temos a importância do primeiro ano devida, na relação do bebé com a mãe, lá temos o papel do pai, muitas vezes ausente,pouco orientador na "Lei do pai",3 ficando a mãe, as mais das vezes com essa duplamissão, que aliás não consegue cumprir: embalar e ensinar. Como se os movimentosfossem contraditórios.

Partimos da clínica. Tal como a leitura de textos filosóficos como os de Heidegger, ouHusserl não nos dão a chave imediata para um procedimento em psicoterapia, (há quefazer uma sua aplicação indirecta e avaliação), assim também as questões da culpa e doarrependimento têm que ser vividas numa relação terapêutica, e depois eventualmentepercebidas de outras formas. E isto porque há sempre várias interpretações. Só no planonoético as coisas começam a coincidir.Assim, temos que perceber um pouco como as coisas começam, na infância. É costume dizer-se que a criança quando nasce é, do ponto de vista psicológico, umconjunto indiferenciado soma-psique, e que é com o crescimento e na relação(nomeadamente com a mãe), que se vai estruturando, criando instâncias, e mais tarde,individualizando. Quer isto dizer que, se no princípio, a criança está completamentedependente da mãe, pode, com a ajuda desta, adquirir autonomia. Se esta posição é, de

3 A Lei do pai é, no sentido de Lacan, fundamental, representa a força do simbólico na estruturação doimaginário.

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certo modo, radical, visto que desde o princípio, existe o Self, a verdade é que, do pontode vista prático, a relação bebé-mãe é decisiva, por vários motivos.

Como dissemos no princípio deste texto, as causalidades imediatas são aqui úteis e dão-nos uma explicação interessante para o problema que tratamos, a Ética como estádio dodesenvolvimento adulto. Não esgotam o problema, mas dão-nos indicações sobre osmecanismos de defesa a trabalhar antes do plano existencial, ou então temos sempre queconsiderar a hipótese de que a Ética mascare outras coisas. É no mundo do Eros que asrelações se começam por estabelecer, com todas as suas contradições: a amor e a raiva,a dependência, o ciúme (construído no Édipo freudiano), a inveja (típica da relaçãodual, no sentido kleiniano), a posse, a desconfiança, e por aí fora. O princípio do Prazer,de que falava Freud, faz aqui todo o sentido. Existe também uma certa noção deequilíbrio, de homeostase, de informações vindas do corpo, e que se poderiam integraresse princípio do Prazer. O prazer tem assim um sentido vital que depois se refina noerotismo propriamente dito. Dizemos isto por causa duma certa Ética, que se controladapela Moral, vê o prazer como algo de tenebroso e a reprimir. Como o reprimido temtendência a voltar, veja-se o desgaste que essa luta causa.

Voltando ao Eros, as suas regras são complexas, e os sentimentos que aí pululam estãoquase sempre eivados de contradições, tornando as opções difíceis. A boa vontade nãochega. O afecto acaba por ser confrontado com compromissos sociais, o amor dos paiscondicionado pelos comportamentos dos filhos, estes pela disponibilidade dos pais, osirmãos pela competição, os amigos pela confiança ou desconfiança que instilam. Quantomais conscientes estas contradições forem, menos "atravancam" o caminho. O mal énegá-las: "fiz o melhor que pude", ou "foi com a melhor das intenções", são frases quesó atrapalham.Assim, e retornando ao texto sobre a "vidinha", verificamos que só no plano Ético sepodem colocar questões sobre o que se deve ou não fazer, e depois subordinar (ou não)as suas decisões à resposta a essas questões.

As causalidades remotas

O plano existencial não é tão atravessado pelas vivências infantis, a não ser que estasactuem traumaticamente, isto é, tenham distorcido a própria personalidade. Aqui, adistinção entre reacções vivenciais anormais e desenvolvimento anormal é útil, ou seja adiferença entre neurose e perturbação da personalidade. No primeiro caso, asdificuldades do desenvolvimento a que já nos referimos não invadem completamente oEu, ou dito de outra maneira, restam facetas saudáveis no indivíduo, ao contrário dosegundo caso, no qual o Eu é invadido pela mais pequena contrariedade. Por exemplo,enquanto que a projecção, aqui entendida como mecanismo de defesa, se acentua apenasem situação de conflito, no neurótico, ela funciona como forma habitual defuncionamento nos indivíduos com perturbações da personalidade. Diríamos que oplano existencial se adapta melhor às dificuldades narcísicas, pois estão sempre latentesas dificuldades de tomar opções, devido a deficiente enquadramento do Eu, cada vezmais frequente na clínica da pós-modernidade.Pondo a questão de outra maneira, diríamos que, no plano existencial, são as própriasopções de vida que vão marcando a narrativa do indivíduo, dando-lhe uma sensação deequilíbrio ou desconforto, de ter contribuído para um certo bem-estar ou sofrimento.Strupp refere que o foco é constituído a partir de uma narrativa pessoal, ou interpessoal,sobre erros que se repetem ciclicamente ao longo da vida do cliente e que marcam assuas relações afectivas. Neste sentido de narrativa, ela acompanha a vivência do cliente

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e reflecte a sua problemática. Acrescentaríamos agora que a narrativa reflecte também amundivisão do cliente, embora de uma forma mais velada. A cada nível dos que temosvindo a descrever, a sua narrativa, seria uma primeira proposta. Numa operaçãoeidética, o ponto central de várias narrativas daria uma ideia aproximada do Self. Pormais variadas que sejam as perspectivas donde se observa, algo de comum há-deaparecer.Todos estes conceitos são explicativos e deveriam ser um recurso para ajudar a situar osproblemas. O método fenomenológico-existencial obriga a que as teorias sejam feitascom o doente, aceites por ele, e não utilizadas antes de elas lhe fazerem sentido.

João, 39 anos, administrativo na Função Pública, veio à consulta por ataques de pânicoe insónias graves. É casado pela segunda vez e tem dois filhos, um de cada casamento.É um homem curioso que leu muita coisa sobre as suas queixas. Nega quaisquerdificuldades de ordem profissional, tendo até recentemente sido promovido.

T – Desde quando é que começou a ter esses ataques de pânico?J – Talvez há um ano, mais coisa menos coisa.T – Até aí nunca tal lhe tinha acontecido?J – Nada, nada que se pareça.T – Quer dizer que foi para si uma surpresa completa, não havia nada a anunciar,

por assim dizer, esses ataques?J – Exactamente. E as insónias a mesma coisa. Sempre fui mau para adormecer,

mas nada de especial. Demorava um bocado, mas depois dormia até de manhã e sepudesse dormiria até ao meio-dia.

T – Tem alguma ideia do que terá acontecido?J – Nada. Pelo que li presumo que tudo tenha a ver com a minha infância, mas

também aí não vejo o que é que possa ter sido. Os meus pais sempre me deram tudo oque eu queria, com o meu irmão lá tínhamos as nossas brigas, mas hoje damo-nos muitobem, somos muito próximos, não há semana em que não nos visitemos ou falemos, ele ea mulher, que é uma pessoa excelente. Eles também têm dois filhos, que se dão bemcom os meus.

T – Tem pensado nisso tudo, com certeza, mas o que é que acha? Consigo algonão está bem, não é?

O cliente leu sobre a sua sintomatologia, o que lhe deve ter provocado a racionalizaçãodas suas emoções. A falta de subjectivação dos sintomas, a sua apropriação comoobjecto de reflexão estão ausentes. Tudo se passa como se os ataques de pânico lheacontecessem sem a sua participação. Por outro lado, não sabemos o que está por detrásde uma quadro tão calmo do ponto de vista familiar. O seu divórcio, por exemplo terásido acompanhado de sofrimento; e a gestão familiar como será?

T – Porque se divorciou da sua primeira mulher?J – Ah, isso são aquelas coisas que acontecem, hoje toda a gente se divorcia...4

T – Pois, mas não foi isso que eu lhe perguntei. Como viveu isso?J – Tínhamos feitios muito diferentes. Ela só queria era sair, passear, sobretudo

ao fim-de-semana. Eu, que chegava cansado ao fim-de-semana o que queria eradescansar. Depois, nunca tinha as refeições prontas, tinha que ser eu a acabar tudo, a pôra mesa, e isso tudo. Não sei se está a ver.

T – Ela também trabalhava?J – Tinha um “part-time”, fazia umas horas numa empresa de angariação de

publicidade. Era uma empresa pequena e ela fazia isso para se entreter. Mas o pior era

4 Tendência para o falatório, no sentido de Heidegger.

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que estava sempre a ligar à mãe e os pais dela estavam sempre lá em casa: ou por istoou por aquilo, havia sempre um pretexto, já não os podia ver.

T – Não falou com a sua mulher sobre isso?J – Mas falar como?T – Discutir essa questão, por exemplo, fazer um acordo sobre isso.J – Não, não era possível, ela não me daria ouvidos.5

O terapeuta está aqui a seguir uma visão mais sistémica, quer dizer, de negociações,tentando evitar confrontos muito emocionais.

T – Como era a sua relação com ela, isto é, gostava dela?J – Então se não gostasse não tinha casado com ela, não é verdade?6

Entre os afectos e a comunicação há qualquer coisa que falha. O terapeuta temconsciência disso, mas este é um aspecto explicativo, mais uma vez. Em PB há estapreocupação em utilizar os aspectos possíveis de acelerar os processos, mas se aabordagem fenomenológico-existencial prevalecer, é à “coisa em si” que se deve voltar.

T – Foi doloroso para si ter que desistir de comunicar, não?J – Se ela não queria saber...T – Sentiu-se emparedado, é isso?J – Um bocado, talvez. Nessa altura até comecei a beber um bocado. Estava fora

de casa o tempo que podia. T – Já tinha acontecido noutras situações?J – Sim, de facto tenho um bocado tendência para me virar sobre mim próprio.

Aí achei que tinha que resolver a questão de alguma forma. Eu acho sempre que antessó que mal acompanhado. Sentia-me só e acho que ela não me compreendia.

No plano do Eros a relação tem que ser de reciprocidade, independentemente do seusentido. É no plano ético que a questão do sentido se põe com mais veemência. Nestecaso houve uma certa “contabilidade” que acabou por dar origem ao divórcio. Sendolegítima ela releva de facto duma forma directa das vivências anteriores do indivíduo,da sua capacidade de amar e de ser amado. No plano ético um valor acima das vivênciasdo quotidiano talvez tivesse alterado o panorama. Aqui o ser mal-amado foi suficiente.Por vezes, há uma evolução que leva a ter uma postura diferente em situações idênticas,ou seja, um certo descentramento do problema pode dar um outro olhar.

T – A actualmente, como vão as coisas com a sua mulher?J – Damo-nos bem. Não é que não haja discussões, mas tudo se tem resolvido.T – Sente-se melhor agora, no seu casamento?J – Sim, pelo menos até agora. Posso contar com ela, vamos juntos para todo o

lado, inclusivamente ela dá-se bem com o meu irmão e a minha cunhada, há umaestabilidade que eu não tinha antes.

Em termos de reciprocidade seria importante indagar junto da actual mulher do clientese a relação é mesmo gratificante. Para ele é. Tem é ataques de pânico e não dorme.

T – Eu sei que comparações do tipo das que vou fazer são complicadas, masgostaria de saber se gosta tanto da sua actual mulher quanto da sua ex-mulher.

J – (Perplexo) – Claro. Porque pergunta?

5 Para o João, a fala parece ser um caminho inútil.6 Uma certa agressividade anuncia qualquer coisa de “esquecido”.

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T – Há o mesmo interesse?J – Claro. Evidentemente que há diferenças, mas acho que agora é que estou

bem.T – Que diferenças?J – Não lhe sei explicar, mas com a minha primeira mulher havia uma paixão

própria da juventude. Com a idade as coisas vão sendo diferentes, como sabe.T – Não, não sei. Eu explico a minha pergunta. Diz-me que agora é que está bem

com o seu casamento, mas agora é que tem os ataques de pânicoJ – Não vejo que relação isso possa ter...T – Por enquanto, também acho que não, mas algo vai menos bem, ou não?J – Sim, mas...não vejo o quê.

Do ponto de vista dinâmico, vários aspectos poderiam de seguida ser explorados: traçosnarcísicos da personalidade e dificuldades na relação de objecto, por exemplo. Podemser factores a considerar, mas voltemos “à coisa em si”. É a partir dela que ajustaremosas nossas teorias. Na abordagem fenomenológico-existencial o “insight” é bom, masnão é essencial.

T – Ao longo da sua vida nunca teve momentos tão angustiantes como os quevive agora. É verdade?

J – Sim, de certo modo.T – Como resolveu anteriormente os seus problemas, por exemplo, quando

alguma relação não era boa?J – Bom, de facto era eu que me afastava logo que sentia que as coisas não iam

bem. E não me dei mal com a estratégia. T – Mas também nunca percebeu se essas relações foram até ao fim ou se as

truncou pura e simplesmente?J – Bom, isso é difícil de avaliar, não acha?T – Talvez, mas agora tem que ser. Nunca ficou com a ideia de que podia ter

feito mais qualquer coisa. Sabe, é que me parece pouco um divórcio por ter os sogros láem casa. Isto na sua explicação, claro.

J – Bom, não foi só isso, mas de facto sentia-me sempre a mais.T – E nas outras relações, também se sentia a mais?J – Eu cá acho que se as pessoas gostam têm de o fazer sentir, se não é porque

não gostam. Se eu digo que não gosto dos pais dela lá em casa, acho que não é precisodizer mais nada...

T – Mas daí ao divórcio não será um passo muito largo? Não estou a falar demoral, estou é a pensar que um divórcio é uma coisa dolorosa, menos do que ter ossogros em casa, se não nos fizerem mal, claro.

J – Não estou a perceber...T – Poderia até negociar com os seus sogros.J– Isso tinha que partir dela.T – Porquê? Ela tinha que lhe dar um sinal do seu amor por si?J – ...!?T – Isto é, independentemente do que ela dissesse, era por pôr os pais à distância

que ela provava o seu amor?J – Então não era?

O João ficou um pouco preso nas “malhas” do Eros. Sem ter tido uma experiênciaradical de abandono ou aproximação, foi continuando a esperar comportamentosconcretos que provassem o afecto dos outros por ele. A frase “os meus pais sempre mederam tudo o que eu queria” é sugestiva. As perguntas do terapeuta, sendo um pouco

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contundentes tinham por objectivo construir com o cliente um espaço onde ele pudessecompreender o passo que ele nunca tinha dado. As teorias explicam essa atitude, mas oterapeuta teve que se sentir “emparedado” como o João para chegar lá. Foi no medo de“sentir-se a mais” que o terapeuta se colocou no lugar do cliente, não tanto pela teoriaque diz que uma pessoa com personalidade narcísica tende a não aprofundar os seuslaços afectivos. No entanto, o conhecimento desta “teoria” também terá ajudado oterapeuta a situar o problema, visto que o cliente fez uma narrativa normativa. A aceitaro discurso do João, parece que ele trocou um pouco a paixão pela estabilidade, mas hánisto uma certa incongruência revelada pelos sintomas de ansiedade. No entanto, é eleque nos vai dar mais elementos. Podemos estar enganados com a nossa teoria.

T – Quando não dorme, em que é que pensa?J – Em nada, só penso que não consigo dormir. Às vezes penso que no dia

seguinte tenho que me levantar cedo, mais nada.T – E quando tem os ataques de pânico, o que é que lhe ocorre, além dessa

aflição de que já me falou?J – Nada, fico aflito. Tenho a sensação de que vou desmaiar, e que não há

ninguém para me socorrer. T – Isso já lhe aconteceu, sem ataques de pânico?J – Não, que me lembre, não.

Sem grandes conclusões, termina a sessão. Na sessão seguinte, o terapeuta vai tentaraveriguar a forma do João se relacionar com os outros através da sua história pessoal.

T – Sonhou esta semana?J – Eu mal durmo e normalmente não me lembro dos sonhos.T – Gostaria de se lembrar deles?J – Para quê? Não ia alterar nada.T – Como se dá com os seus pais?J – Bem, sempre me dei bem com eles. Claro, não são pessoas de grandes e

esfusiantes manifestações, mas sempre pude contar com eles. T – Eles não são expansivos, é isso?J – Exactamente. Tudo no seu lugar.T – Essa não percebi...J – Quer dizer, nunca me faltou nada, mas também tinha que corresponder. Eram

exigentes, mas no bom sentido. T – Eles não eram expansivos e o João também não se expandia muito, é isso?J – Claro, nem era preciso. Logo aqui se percebe que entre as possibilidades do Dasein em João a afinação

dos afectos não estava muito contemplada. Algo de confirmativo faltava.T – Parte-se do princípio que...?J – Como?T – Não havia manifestações, mas havia a convicção de que o afecto existia?J – (Desconfiado) – Claro, então não era natural?T – Alguma vez partiu da convicção para a confirmação?J – Acho que nunca foi preciso.T – Mas agora é.J – Não percebo. T – Ás vezes é bom que nos confirmem as coisas, não?

Em vez de causas o terapeuta procura compreender motivos; mais do que explicaçõessobre as suas atitudes, a forma como elas são vivenciadas. No plano do Eros o

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hedonismo predomina, ao passo que no plano ético surgem questões sobre o sentido esobre o Bem e o Mal. Estas questões alteram um pouco a vivência do Eros, que, umpouco relativizado, se vê confrontado com a “justeza” das decisões tomadas. Aocontrário do plano religioso, há aqui ainda uma tonalidade moral, que em certas pessoaspode reforçar a culpabilidade pré-edipiana de que falámos atrás, e que toma expressãoem frases do colectivo, do falatório: “se ela me abandona, não vou ficar à espera”, ou“se ela não me fala, que é que eu hei-de fazer?”. “O outro só nos fala se lhe dermosespaço” seria uma frase mais ao nível do plano ético, que pode ser confundido commoral numa pessoa com culpa primitiva. Voltemos à “coisa em si”, agora numaintervenção na transferência.

Na sessão seguinte, o João falou das suas relações afectivas em geral, com os pais emparticular.

J – Com o meu pai falava pouco, ele aliás estava muito tempo fora de casa, eracomerciante. Com a minha mãe conseguia falar mais, mas também era difícil, porque sedizia sempre muito ocupada. No entanto lá tomava conta de nós, fazia-nos as comidasde que gostávamos. Ela cozinhava muito bem, ainda me lembro de certos pratos que elafazia, que eram uma festa. O meu irmão herdou-lhe o jeito, cozinha muito bem. Quandoo meu pai estava havia muito mais silêncio. Pouco disponível, queria era descansar, oque aliás se compreende. Dedicava-se à Filatelia, e tinha muitos amigos com quem secorrespondia. Passava horas no escritório a tratar dos seus selos e a escrever aos amigos.Nunca percebi muito bem o que é que ele tinha para dizer aos amigos, mas tambémnunca perguntei; acho que nem me responderia ou dir-me-ia qualquer coisa como“ainda és muito novo para perceber”. Era uma frase que ele dizia muitas vezes. Naaltura achei natural, mas nos últimos anos tenho pensado o que é que a Filatelia tem detão complexo para um jovem, por exemplo.

T – Escrever aos amigos não é só Filatelia, quer dizer, o que ele não queria erapartilhar consigo certas coisas dele, não acha?

J – Sim, hoje acho isso, embora também respeite a sua opção. Todos temos queter o nosso canto.

T – Se calhar o João achava que o seu pai não tinha um canto, mas uma quinta?J – Como?T – Ele tinha um canto só para ele, mas parece que era um grande canto, pouco

restava dele...J – Talvez, não sei bem...

Iniciou-se um novo diálogo que o terapeuta tenderá a conduzir até o Encontro. Podeconseguir ou não, pois que se trata de uma tarefa conjunta, mas é por aqui que a PBpode ser eficaz: o estabelecimento o mais rápido possível da aliança terapêutica.

Conclusões

A abordagem dinâmica pressupõe um descentramento da consciência, isto é, o materialinconsciente está como objectivo da psicoterapia, e, para isso, o cliente tem quesubjectivar os seus sintomas ou problemas, ligando-os a eventos significativos da suainfância ou, pelo menos, do seu passado. Se tal não acontece, são as opções existenciaisque têm que ser trabalhadas, independentemente das motivações mais esquecidas, numaavaliação que pressupõe uma certa maiêutica, passo a passo, seguindo o mais possíveluma perspectiva fenomenológica. O “esquecido” volta muitas vezes a ser “relembrado”,

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fazendo lembrar o retorno do recalcado, numa forma que se assemelha aoreconhecimento de algo que já se sabia. Encontramos aqui a questão levantada por Paul Ricoeur, sobre a consciência comotarefa. Podemos partir para o cogito ferido, abordando o que não é dito ou para avivência, embora necessitando da redução eidética. Esta oscilação constitui o duplo arcohermenêutico, tentando aproximar explicar e compreender, aproveitando o conflito deinterpretações para uma hermenêutica enriquecedora. Tal estratégia pode serespecialmente útil em indivíduos com problemas mais alargados de personalidade nosquais o “insight” nem sempre aparece de uma forma clara, talvez pela maiorproblemática narcísica a identidade e do sucesso, características da pós-modernidade.

Bibliografia

Giddens, A., Modernidade e Identidade Pessoal, Oeiras, Celta Editora, 2001.Heidegger, M., Ser E Tempo, Petrópolis, Editora Vozes, 5ª edição, 1995Husserl, E., Meditações Cartesianas, Porto, Rés, 2001.Jung, C., G., Kierkegaard, S., Temor e Tremor, Lisboa, Guimarães Editores, 1990.Lacan, J., “Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse”, in

Écrits I, Éditions du Seuil, 1966.Ricoeur, P., O Conflito das Interpretações, Porto, Rés, s/d.Scharfetter, C., Introdução à Psicopatologia Geral, Lisboa, Climepsi, 2001.

* Psicoterapeuta Titular e Didáctica da Sociedade Portuguesa de Psicoterapias Breves

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Bailarina em Pontas de Sangue

Sónia Antunes *

Resumo

O artigo é um estudo de caso onde a teoria dinâmica (através da análise da estrutura depersonalidade) e a teoria existencial se entrelaçam. A abordagem e a técnica utilizada foia das Psicoterapias Breves, segundo o modelo integrado pela Sociedade Portuguesa dePsicoterapias Breves. Salientamos a importância da “peak-experience” bem como avivência dum luto inacabado para o sucesso deste caso.

Palavras-chave: Peak-Experience, Morte, Luto, Encontro, relação Eu-Tu, isolamentoexistencial.

Abstract

This article is a study case where the dynamic theory (through the analysis of thepersonality structures) and existential theory intertwine. The approach and techniqueused was the Brief Psychotherapies, according to the integrated model for thePortuguese Society of Brief Psychotherapy.

Key words: We underline the importance of “peak-experience” and to experience anunfinished mourning for the success of this process.

Introdução

Iniciámos a escrita do caso decorridas 20 sessões, o que nos leva a imaginar que nãoiremos ser totalmente leais ao descrever as primeiras impressões. É curioso porque foinesta altura que revemos a bibliografia lida durante a formação teórica e percebemos aforma como a teoria se enquadra neste processo... Hycner refere que o objectivo daterapia é estar em contacto com o cliente e não com a teoria, e acrescenta que astécnicas precisam de surgir do contexto da relação. Achamos que foi assim que oprocesso até este momento decorreu, e quando reflectimos sobre o tema a desenvolverdesistimos, decidimos que vos vamos apresentar a Teresa (nome fictício) que estevenaquela sala de Lisboa às terças-feiras ao fim de tarde e ilustrar com alguma teoria ondequer que esta se encaixe.

Estar com o cliente na procura do seu Self é de extrema importância, e foi num contextode serenidade que este caso se revelou cheio de material teórico sobre a morte, sobre arelação terapêutica e sobre a Experiência Emocional Correctiva que emergiu após uma“peak – experience”.

Desenvolvimento

Breve Apresentação

A Teresa tem 40 anos, é divorciada e tem uma filha na pré-adolescência. Quandoiniciámos o processo psicoterapêutico vivia entre a casa da mãe e da companheira comquem tem uma relação conjugal desde há cerca de 10 anos.

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A família da Teresa é de classe média; os pais coabitaram durante a sua infância na casados avós maternos. A avó materna falece quando a nossa paciente tem 18 anos.

Relativamente à história familiar a mãe da Teresa é a mais nova de 3 irmãs; o pai daTeresa perdeu a mãe ainda durante a recente infância, tendo ficado algum tempo sobreos cuidados do pai que se revelaram negligentes e agressivos, resultando na inserção domesmo num orfanato juntamente com outro irmão.A Teresa teve uma irmã 5 anos mais nova; que faleceu aos quinze anos. Os pais da

Teresa divorciaram-se passados poucos anos após a morte da irmã. Anteriormente, o paivivia no estrangeiro e foi pouco presente a partir do fim da adolescência da nossacliente. A mãe da Teresa adoeceu com meningite quando a mesma tinha 7 anos e perdeualgumas faculdades nomeadamente a audição.A Teresa apresenta-se na consulta com um quadro de depressão que se distingue atravésdos seguintes sintomas (Bergerett, 1998):

→ Ideias Depressivas – as dificuldades da vida são insuportáveis, subestimação dassuas capacidades, perca de auto-estima;→ Cansaço,→ Insónia.Destaca-se ainda a não elaboração dum luto na família nuclear, paralisação dumfuncionamento mental provocando um retraimento de alguns dos seus investimentos,uma falha narcísica que se traduz por sentimentos de insegurança, medo edesinvestimento narcísico, uma ansiedade generalizada, e a angústia da perda do amordo objecto. Estes sintomas enquadram-se na depressão tipo neurótica (Bergerett, 1998). Na data da consulta alguns dos sintomas manifestos eram a apatia, insónias, perda dealgumas relações sociais, baixa auto-estima, angústia de fracasso e ansiedade.A Teresa reuniu os critérios de indicação para poder usufruir duma psicoterapia breve,sendo eles: motivação, consciência patológica, vontade genuína para a mudança, e umarelação de objecto não muito destorcida (Lau Ribeiro, 1997).

Entre consultas...

A Teresa tem 40 anos e veio pedir ajuda... Parecia perdida no seu relato e no seuprojecto de vida; a vida que escolheu deu várias cambalhotas e algumas delas revelam oquanto se sentia sem rumo. Na primeira consulta formulou o seu pedido...referia queprecisava de ajuda para conseguir desembaraçar alguns novelos que tinha na sua vida,entre eles destacou “o vai e vem” na relação com a Virgínia e a incapacidade que tinhaem resolver coisas práticas da sua vida. Realçou, duma forma indignada, o facto de nãoconseguir tomar medidas para que o seu ex-marido saísse da casa que ela tinhacomprado. Referiu também, no seu pedido que precisava de ajuda nesta relação com osoutros, e que se sentia triste sem capacidade de dar rumo à sua vida, como se vivesse“ao sabor da corrente”.Existem diferentes tipos de pedido de ajuda: uns mais referentes a sintomas, outros maisligados aos problemas afectivos, ou ao plano existencial e por fim o último nível seriaas inquietações do arquétipo religioso (Lau Ribeiro, 1997). Pareceu-nos que a Teresavinha embutida nos problemas relacionais e que ao longo do processo evoluíram para oplano existencial, chegando mesmo nas sessões antes do terminar surgir algumasinquietações mais referentes ao arquétipo religioso. Sendo que, a religiosidade não éuma atitude perante as religiões oficiais, mas sim um encontro com o Self (Lau Ribeiro,1997).Na primeira consulta o tempo fluiu sem se perceber, estava um pouco ansiosa e nóssentíamos que não gostávamos de perder a oportunidade de estar ao lado da Teresa na

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descoberta duma vida livre e responsável, como disse 16 sessões mais tarde “ (...) sintoque agora sou muito mais eu que conduzo o meu carro”. Actualmente vive na casa da mãe, situação que resultou duma separação. Existe umconflito com o seu ex-marido, que lhe daremos o nome de Paulo, que ainda estápendente, uma casa que era sua, e, que por sentimentos de culpabilidade, não conseguiuainda recuperar.

A Teresa falou da sua homossexualidade que “descobriu” aos 30 anos, logo após donascimento da sua única filha. Disse que nesta altura foi o único momento da sua vidaque teve medo de morrer, dado a existência de outro ser depender dela.Ao longo das sessões numa descoberta proporcionada por esta aliança terapêutica, a

Teresa foi percebendo alguns significados do seu projecto de vida, nomeadamente emrelação à maternidade. Na maternidade sentiu que tinha um lugar para ela, uma formade negar a sua própria morte. Segundo Yalom, todos os indivíduos têm medo da morte eusam sistemas adaptativos para resolver a angústia daí adjacente baseados na negação,na supressão, na repressão, no desenvolvimento da omnipotência pessoal, na crençareligiosa ou social, e que mascaram a morte como uma imortalidade simbólica (Yalom,1980). Quando estes sistemas falham então o indivíduo usa mecanismos extremos dedefesa e vive sobre um extremo stress. Quanto à nossa reflexão clínica sobre o caso daTeresa e como poderemos ver mais adiante, parece que os seus sistemas de adaptaçãofalharam.Ao longo do processo psicoterapêutico reconhecemos que a Teresa se encontrava numacrise existencial, mascarada por dilemas relacionais, como se a sua dependência faceaos outros escondesse a sua mortalidade. Enquanto vive numa relação entrelaçada comoutra mulher parece negar a sua própria morte e a da já falecida irmã. Segundo RolloMay, há pessoas que esperam que o companheiro preencha uma falta, um vácuo no seuíntimo. Quando as defesas elaboradas frente à angústia existencial se quebram, oindivíduo fica mais consciente da sua verdadeira situação de vida (Yalom, 1980).A Teresa estava carregada de fantasmas que morreram demasiado cedo, lutos que aindanão tinham sido resolvidos. Cancello, 1991 diz que o sentido do luto é a reconciliaçãocom o morto, retirá-lo das perspectivas do futuro, integrá-lo na história dos vivos mascom um caminho já encerrado, com carinho ou raiva, admiração ou indiferença.A irmã 5 anos mais nova morreu aos 15 anos dela e 20 da Teresa, vítima de um acidentede comboio. Até então, tinha sido a Teresa a desempenhar os cuidados maternos, emsequência da doença da mãe, quando nossa paciente tinha 7 anos. A Teresa fala damorte da irmã como um momento não vivido, escondendo-se atrás dos procedimentospráticos e vivendo a correr sem a integrar no seu passado ou presente, como se aexistência da irmã estivesse suspensa em algum sítio difícil de definir.É mais importante o reviver emocional dos traumas antigos na relação com o terapeuta,do que a rememoração dos factos ocorridos na infância – Experiência emocionalcorrectiva (Lau Ribeiro, 1997). Numa sessão enquanto falava no seu labirinto e nomedo de morrer fala da filha e dá-lhe o nome da irmã e esta angústia ficou a pairardurante a nossa sessão.A mãe da Teresa não lhe suscitava confiança, o afecto era-lhe dado entre palmadas,

ausências e ameaças de suicídio. A Teresa refere que a mãe era o centro do investimentodo amor familiar sendo a mesma faminta de toda a atenção. Assim, a criança esmagadapor um afecto absorvente da mãe, com um apelo constante à dádiva, além da criança sesentir deprimida por carência de investimento, ainda existe na mesma uma falhanarcísica primária (Coimbra de Matos, 2001), traduzindo-se na Teresa por uma grandedesvalorização e um sentimento de incapacidade permanente.

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A abertura ingénua nos primeiros anos de vida traz a dor inevitável e provocada para osdesencontros (Hycner, 1995). Viveram durante a infância da Teresa fechados num“ninho” onde se sentia segura, uma vez que o mundo lá fora era “assustador”.Falámos deste mundo longínquo que é a sua infância e visitámos aquela casa perdidaem tempos remotos, até porque para chegar a um sentido mais profundo do mundo háque apreender os acontecimentos centrais da vida de uma pessoa que parecem darsignificado à sua própria existência – “pedras de toque” (Hycner, 1995). Se não houverintegração do vivido na regressão, a experiência perde-se sem significado em termos decrescimento, sem ir às origens não nos conhecemos (Lau Ribeiro, 1997). Diz que nestaaltura não tinha capacidades sociais e que as descobriu através da mulher “ (...) queacendeu-a para a vida” (sic.), a sua primeira companheira que lhe darei o nome deVirgínia.

Refere que quando a filha nasceu a sua vida mudou. Até lá parecia não existir umsentido para a vida... deixou o marido, a sua casa e quando esta tinha 6 meses “ (...)peguei nela e nos meus trapos e fui viver com a Virgínia” (sic.). Um “sonho” que acabou no Verão durante o processo psicoterapêutico (cerca de doismeses após o início do mesmo)... A Virgínia fechou-lhe as portas, e tal como já tinhaacontecido com a própria, foi trocada por outra mulher.A relação entre a Teresa e a Virgínia acorda-nos para a sua estrutura depressiva. ATeresa era demasiado submissa, enquanto a Virgínia era muito controladora existindopor parte da Teresa uma grande admiração em relação à Virgínia.Antes deste fim que foi para a Teresa avassalador falámos em algumas sessões da suasolidão... Parece que vive no cerne do seu ser, uma solidão que dói que a faz sentirnauseada sem chão... uma autêntica trapezista sem rede e que dizia saber viver assim,tão só e com tanta falta de apoio, mas que falar disso corroía-lhe a alma. Hycner refereque não há nada mais terrível do que o sentimento de que estamos sós e que ninguémnos compreende.Parece que a Teresa nesta relação com a Virgínia tentou esquecer a solidão. SegundoRollo May a única forma de vencer a solidão é desenvolver os recursos interiores parausar na relação com outros seres humanos significativos.Nesta sessão em que tinha uma cara nauseada sentimos o poder da sua solidão e

vivemos um momento Eu-Tu de Bubber, ficámos ali com ela, e juntas vivemos esteamargo de boca... Na sessão seguinte parecia zangada com esse momento que ali vivemos. Refere que aperseguiu mais dois dias após a sessão. Sessões mais tarde voltámos a pensar sobre asolidão, receava tornar-se numa árvore seca por dentro, e revelou que para ela a solidãoé sair da rua movimentada da cidade e passar para dentro do jardim da Gulbenkian ondepasseiam as almas solitárias, velhas amarguradas e homens que matam o tempo semnada. Tem medo de ser uma dessas velhas, enfrentar a vida sozinha e seca... enfimvazia.A Teresa confrontava-se com o Isolamento Existencial, referido por Yalom e nesteponto do seu processo psicoterapêutico, ainda não tinha capacidade para vivê-lo.Falámos sobre aquela frase que dizemos de boca cheia de “Nascemos e Morremossozinhos” e do conflito existencial – tensão entre a consciência do nosso isolamentoabsoluto e o nosso desejo de contacto, de protecção e de fazer parte de uma totalidademaior (Yalom, 1985). Refere um desejo de no fim desta vivência em psicoterapia,conseguir viver sozinha sem esta dor. Yalom acredita que se formos capazes dereconhecer a nossa situação de isolamento e confrontá-lo, também somos capazes denos aproximar dos outros. Se estamos encolhidos perante o abismo da solidão, nãotemos capacidade de nos relacionarmos com os outros, uma forma de negar oisolamento existencial.

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A solidão acompanha-nos nas nossas sessões. Um dia falou nos seus Domingos...“Sinto-me como uma criança institucionalizada que aos Domingos é devolvida... nodomingo fui para casa dormir e foi isso que eu fiz quando o meu afilhado morreu.”(sic). É na morte do outro que temos mais consciência e vivemos de alguma forma anossa própria morte. Na 15 sessão houve uma ameaça, chegou com um ar de vencida, parecia que tinha sido“sugada”, “Infelizmente temos que terminar, eu não queria (...) acho injusto que espere2 meses para que tudo se resolva”. Houve uns problemas financeiros quecomprometiam a continuidade do processo terapêutico e foi sentido como se o chãotivesse fugido, porque na psicoterapia também existe uma entrega. Foi-lhe proposta umaforma alternativa de pagamento, a Teresa respondeu que não sabia que isso era possívele pensámos que também nós não sabíamos... Na relação terapêutica existem muitaslinhas que se tecem umas sustentadas teoricamente outras que têm a ver com mistériosimprevisíveis da relação terapêutica e que envolve tantas variáveis. Pedro Lau Ribeirorefere que a aliança terapêutica tem a ver com o terapeuta o paciente e o “X”, onde oafecto toca no Self do cliente e favorece a cura, e neste momento desejámos que estareadaptação ao contracto terapêutico fosse também ela uma forma de relaçãoterapêutica.

Após este momento a Teresa pareceu sentir-se aliviada e mostrou mais do seu ser nomundo. Hycner diz que a confirmação do cliente pelo terapeuta é o alicerce firme daterapia, e pensamos que foi isso que a Teresa sentiu.Neste dia falou dos seus dedos feridos e da sua posição de bailarina sorridente, sem

deixar mostrar para o mundo o sangue que se escondia dentro das sabrinas de pontas.Revelou que não podia mostrar as fragilidades a ninguém e que a única pessoa que atinha visto nessa posição vulnerável fora a Virgínia... e com isso ela a tinha magoado ehumilhado.Para a Teresa, pensamos, que como refere Hycner confiar é uma violação de toda a suamaneira de ser no mundo, é uma aventura totalmente nova, repleta de riscos, quesempre ameaça a pessoa com o “não – ser”.É necessário ter um enorme senso de segurança para arriscar o próprio self em contactoíntimo com o outro.Fizemos uma viagem pelas figuras significativas da sua vida e pela forma que se tinhasentido atraiçoada. A mãe não a sentia como sendo de confiança, e sentiu-se naadolescência abandonada pelo pai, que tinha sido a sua figura de protecção até aos 15anos, altura em que a deixou com uma mãe “surda e deprimida” e com o encargo decuidar duma irmã que anos mais tarde viria a falecer. Depois houve a avó que já morreu,a tia que pode confiar q.b., a Virgínia que a trocou e a psicoterapia?!Existiu mais um raro momento em que a realidade profunda de uma pessoa encontra arealidade profunda da outra, dá-se a memorável relação Eu-Tu (Hycner, 1995). A Teresamostrou como vivia a solidão, encolhida sobre si mesma, num acto de isolamento faceao mundo, foi um momento íntimo, que como alguns outros deixaremos entre nós.Pareceu-nos existir neste momento uma regressão em que o seu corpo reflectia aimagem dum ser indefeso que se escondia atrás de si mesmo, e é só através da regressãoque poderemos progredir para níveis de consciência mais alargados. É na empatia quese pode avaliar a profundidade duma psicoterapia, e é só na presença duma verdadeiraempatia que se pode comunicar Self a Self e então, há uma mudança genuína (LauRibeiro, 1997). O Natal aproximava-se e com ele emergiram as angústias enterradas dos lutos que aindanão estão feitos. A Teresa temia que este Natal fosse passado entre recordações nãovívidas da sua mãe com a irmã e dela com a Virgínia.

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Esmiuçámos a forma como tinha vivido a relação com a Virgínia. Parecia surpreendidacom a dor que vivia nos dias que passaram juntas. Deixava-se humilhar, perdeu parte dasua identidade e vivia permanentemente amarrada à ameaça de a perder.Só após a expulsão dos restos tóxicos do objecto interno maléfico se pode reconstruirum objecto interno bom, securizante e estabilizador (Coimbra de Matos, 2001).Quando o Natal acabou parecia aliviada. Tinha imaginado que fosse mais difícil esentia-se mais preparada para viver com a solidão. Fez, sozinha, programas sociais eexperimentou explorar o mundo sem depender de outro, sentindo que isso não a deixavaenvergonhada.Andámos às voltas com as suas escolhas de vida e esbarrámos na suahomossexualidade. A Teresa parecia perdida na sua insegurança e numa culpaesmagadora sobre esta sua escolha, temia pelas repercussões que estas poderiamsignificar na vida da sua filha adolescente, e no medo de ser rejeitada pela mesma. Assumir as próprias responsabilidades aumenta o sentimento de culpa e diminui apossibilidade de escapar das mesmas. Assim a culpa corresponde na mesma medida àresponsabilidade face ao ser no mundo – Dasein (Yalom, 1985). A culpa estáintimamente relacionada com as potencialidades e as possibilidades, e a Teresa sentiaque falhava na sua maternidade, uma vez que impossibilitava a sua filha de ter umafamília nuclear “ (...) tradicional”. Rollo May descreve a culpa como algo positivo econstrutiva uma vez que aumenta a percepção entre a diferença do que é e do quedeveria ser.Neste processo psicoterapêutico resultou numa maior tomada de consciência, noenfrentar fantasmas encerrados dentro do seu ser e numa aceitação serena desta suaforma de estar.

Pensamos que existiu uma maior autenticidade na relação desta díade após a elaboraçãodesta culpa, e isso foi visível em sessões posteriores, na liberdade que parecia existir narelação entre ambas. A maternidade parecia estar menos ligada ao peso excessivo daobrigação e parecia mais ligada ao desfrutar. O conceito da responsabilidade é crucial,uma vez que permite ao indivíduo alcançar a sua autonomia e desenvolver o seupotencial (Yalom, 1980).Passaram muitas sessões com desencontros e encontros na sua vida, teve outra relaçãopouco duradoura e conheceu na Páscoa a actual companheira. Demorámos tempo aexplorar como vivia a relação com o outro. Parecia existir um medo avassalador para aTeresa Ser na relação e falámos na sua autenticidade na relação terapêutica. Um dia foi-lhe proposto fazer um role-playing e nesta situação existiu um momento de secura navoz e muita ansiedade. A Teresa tem medo de não controlar a relação com os outros,escolhe ser assimétrica para não se sentir vulnerável. Diz que tem um grande receio deser novamente preterida.

Existe na Teresa uma carapaça. Diz que tenta na relação com a Sara ser “... Sempre umanovidade para ela” (sic.). Existe na sua voz um peso e afigura-se o fardo que é para aTeresa pensar que se não for uma surpresa não será amada ou aceite. A Teresa parececonfrontar-se com o medo de ser ou não autêntica. Mariela Michelena, 2008, diz queuma mulher que se sente insuficiente tem que ocultar aquilo que é e vive assim naameaça constante de ser descoberta no seu disfarce.Nesta altura recordámos o medo de envelhecer... o corpo parece debelar-se à idade e sãojá visíveis alguns traços disso. A diferença de idade entre ela e a Sara é mais um factorque a obriga a enfrentar que não é assim tão jovem. Uma das tarefas principais doadulto maduro é o seu compromisso com a sua realidade, o seu declínio e a suadiminuição pessoal (Yalom, 1980).O movimento do potencial humano vem dizer que há outras capacidades escondidas noHomem, que não estão encerradas e imutáveis pela vivência na infância, mas que

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poderão promover-se através da auto-realização, ou seja, a vida de verdade tem que serarrancada da rotina. Um evento pode acordar o indivíduo, é uma “peak-experience”, quefaz ecoar no íntimo uma série de emoções e sentimentos que não suspeitava (LauRibeiro, 1997)...e assim aconteceu em Maio.Fizemos um intervalo para falar da morte. Chegou à sessão e como tem sido hábito nosúltimos tempos, vinha com um ar feliz. Disse que tinha vindo do aniversário da tiamaterna, e com uma expressão culpada disse que nos aniversários dos entes queridosocorre-lhe sempre o pensamento se não será o último. Falou com angústia dos últimostempos de vida da avó, que quando lhe dava um beijo de despedida este tinha sempre osabor do último... e foi assim, que entrámos na sua dor... a morte da Susana... Aquelador que a devastou e desfez, uma dor que a Teresa diz que tem medo de sentir, porquese sente perto da loucura... esta dor vive enclausurada em “gavetas”. Foram anosdolorosos; aos 18 anos morreu a avó materna, um pilar sólido para si; aos 20 a irmã e,passado pouco tempo, a relação com o namorado terminou.Com a morte da irmã perdeu o sentido para a vida. Afinal foi a partir daí que o seumundo se desmoronou e não com as separações afectivas.... resta pouco do ser que era aTeresa antes da morte da irmã... lembra-se que não reconhece em si aquele seu espíritoempreendedor, que ia até ao fim, uma mulher jovem, forte e lutadora. Para si isso étornar-se adulta... a morte e a separação...tornar-se crescida é para ela este peso que nãoqueria ter conhecido. Estes lutos tinham despedaçado a sua vida, parecia fragmentada,sem controlo; a rotina levava-a de arrasto com pouca capacidade para ser responsávelpelas suas próprias escolhas.Falou das suas ideias suicidas da altura, do desespero e da injustiça. Tinha as lágrimaspresas dentro do olhar, numa expressão amargurada, e sentia-se enjoada... Disse no fimque a sessão tinha sido muito dura mas que levava muito para pensar. Antes dadespedida referiu que algumas vezes saia da nossa sala com esta sensação de enjoo, queparece associar a emoções muito poderosas e as quais não sabe denominar.

“Devemos ajudar a vestirem-se de luto por estas perdas, a desequilibrarem-se para quepossam reequilibrar de forma estruturada, e não (...) organizando a sua vida numa fuga àdepressão, que mantém no inconsciente o luto por viver.”

(Coimbra de Matos in artigo Dra. Lucinda Pimentel, 2004.)

E o mês de Maio foi vívido à volta da morte. A Teresa aparecia nas sessões com umatristeza no olhar, vivíamos então a Lacuna Básica (grande depressão, embora comesperança e serenidade). Nestes momentos o que conta é a arte na psicoterapia, que estárelacionada com a intimidade que o profissional adquire com a experiência humanacompartilhada (Cancello, 1991). Nas sessões seguintes falava da angústia que levava consigo e dos momentos que ficavasó a saborear a dor da morte da irmã. Disse que já não tinha medo de se fragmentar comessa dor e que às vezes enquanto chovia ficava ali na janela do seu quarto a chorar aslágrimas que ficaram fechadas durante todos estes anos. Vivemos e revivemos essa dorque se esgota em palavras... e os silêncios tornaram-se mais presentes. Não é possívelsubmergir das raízes da própria angustia sem experimentar durante um tempo umcrescimento de angústia e depressão (Yalom, 1980). Em torno da morte existem muitos componentes: a morte propriamente dita, aambivalência, a culpa, a interrupção dum projecto de vida, entre outros (Yalom, 1980).E os nossos fins de tarde de terças-feiras eram agora inundados por sentimentos deinjustiça, raiva e dor... alguém morreu cedo demais.A ameaça do não ser é a fonte de angústia normal que caracteriza o ser humano. Aangústia representa, o confronto entre a necessidade de realização das potencialidades eo perigo de não ser capaz de realizá-las (Scheeffer, 1983).

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Assim, a morte pode ser vista como um limite que nos remete para as escolhas noprojecto de vida pelas quais seremos responsáveis. Escolher umas implica que nãopodemos não escolher ou que não poderemos escolher outras.Em Junho sentiu-se nova, tivera sentido o cheiro das cinzas e reconstrui-se para umprojecto de vida mais saudável e mais perto daquilo que queria para si. Sabia que teriaque ser responsável e dizia ao longo das sessões, que agora queria ocupar o seu tempo aescolher ser feliz e a respeitar o seu ritmo. A consciência da morte alerta-nos para aprofundidade da vida e dá uma perspectiva diferente, longe das preocupações triviaisque caracterizam o pensamento do dia – a – dia (Yalom, 1980).Havia mudanças concretas no seu projecto de vida... recuperara a casa ondeanteriormente vivia o Paulo e que era sua, estava a fazer obras nessa mesma casa ebrevemente mudar-se-ia para lá com a sua filha.Sentia-se capaz de resolver os problemas da rotina, sentia menos medo nas relaçõesinter-pessoais, enfim, falou que se sentia preparada para viver e que tinha atingido osobjectivos a que se tinha proposto. A passagem pela lacuna básica representa uma pedrade toque da profundidade e da intensidade da psicoterapia (Lau Ribeiro, 1997). Somentedepois é que o paciente irá recomeçar, isto é desenvolver novos padrões de relaçãoobjectal em substituição das anteriores (Balint, 1993).De facto olhando para a Teresa já era difícil de reconhecer a Teresa que um ano antesnos pedira ajuda. Uma das tarefas do terapeuta é incrementar no paciente o sentido desegurança e domínio (Yalom, 1980). Estava na hora de iniciar o processo do terminar.O nosso foco inicial teria sido definido por adquirir autonomia e uma maiorautenticidade na relação com os outros. Não sabíamos na altura que teríamos queesmiuçar tanto este processo de luto mal elaborado. A confrontação com a morte é umasituação limite e pode provocar uma mudança radical na maneira de ser da pessoa nomundo (Yalom, 1908).Em psicoterapia é muito importante caminhar ao lado do paciente, talvez se o terapeuta

tivesse um passo atrás ou à frente a Teresa não teria a tomada de consciência que teve, etalvez a sua vida estivesse ainda enredada nos seus problemas relacionais.

Em certos momentos o terapeuta deve sustentar o paciente, deve permitir que o pacientese relacione ou exista com ele (Balint, 1993).Estava na altura de preparar para o Terminar. Antes das férias a Teresa perguntou comoé que este se iria processar, dizia sentir-se preparada para caminhar sozinha sabendo quenão ia ficar sem rede. Estava entusiasmada, sentia-se feliz porque gostava destasensação de objectivo cumprido... quanto aos restantes fantasmas dizia que um dia iriaarregaçar as mangas e enfrentá-los...agora não lhe apetecia remexer em algumas“gavetas” queria usufruir deste sentimento de plenitude. Interrompemos 3 semanas equando regressamos iríamos estipular quantas mais sessões iriam ser necessárias até aofim do processo.Em Setembro retomámos. Recordámos alguns aspectos do seu processopsicoterapêutico e de algumas pontas que estivessem ainda soltas... falámos novamenteda morte e referiu ter sido curioso porque após a sua vivência do luto nas sessõesanteriores, a sua relação com a filha estava diferente, sentia-se menos angustiadaquando esta estava longe e sente-se mais preparada para o seu processo de autonomia...opeso no peito e o permanente estado de alerta tinham-se diluído.A Teresa estava a viver com a filha na sua casa e tinha havido uma ameaça de ruptura narelação com a Sara. Existia tranquilidade na Teres. Sentia que mesmo sozinha o seuprojecto de vida não iria ser abalado... houvera uma alteração de planos e a companheiranão queria viver dia-a-dia no mesmo lar... mas o seu mundo era o mesmo e já não haviaum bilhete de regresso para a Teresa que procurara ajuda um ano antes. Falámos sobre aforma como vive esta ameaça e comparámos ao que viveu com a Virgínia e o seu

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sofrimento não parece deixá-la sem chão e perdida, naquela vivência vazia de árvoreseca da Gulbenkian.Falámos novamente do terminar e havia um pedido da Teresa, havia uma gaveta fechadaque queria arrumar... o seu pai estava no Canadá desde a sua adolescência e já não tinhanoticias dele desde há um ano e meio, temia... a morte dele, ou, a sua rejeição eabandono.Existe em alguns pacientes uma tentativa de adiar o terminar no processo terapêutico,contudo pareceu-nos que este fantasma seria um possível momento de grandefragilidade e adiámos cerca de um mês o terminar.O pai foi dado como desaparecido e trabalhámos então o que seria viver esta angústia daincerteza... a Teresa temia que o pai vivesse na solidão dos sem-abrigo. Pensámos entãoque seria útil explorar através dum exercício sugerido por Yalom sobre a morte como éque a Teresa projecta a sua vida. O exercício começa pelo nascimento, passando pelaprojecção do momento da sua morte e conclui-se através da projecção do percurso devida entre o nascimento e a morte. A Teresa nasceu sem “lugar”, uma das necessidades básicas – lugar, nutrição, protecção,suporte e limites (Pessoa, 2006). Aparentemente filha desejada a mãe recebeu-areferindo-se a ela como um “bebé feio”... esta dureza de palavras perseguiram-na nainfância e o sentimento de rejeição e de desvalorização foram vincadas na sua vida até àidade adulta. O seu olhar transmitia uma dor misturada com raiva, havia um fortesentimento de injustiça.A Teresa falou da projecção da sua morte e referiu dois dos possíveis caminhos: ficarsem abrigo e sem amor, que era assustador para ela, ou morrer rodeada dos elos maissignificativos... Disse-nos como uma criança nos diria, num acto de desespero, que nãoestava preparada para perder pela morte mais alguém que amasse, e que tinha um medoterrível de perder a sua querida tia, a sua filha ou a Sara... e que foi talvez por essemesmo motivo que escolhera para companheira de vida alguém mais novo que ela... aseparação da Sara diz ser suportável mas não a sua morte.Neste período apareceu um problema físico que ameaçou a continuidade da Teresacomo ser no mundo... no ano anterior a mesma ameaça houvera surgido. Falámosnovamente dos medos da morte, de deixar a sua filha sozinha e referia que apesar detudo, este ano se sentia menos ansiosa...tudo se revelou como mais um falso alarme.Restavam-nos poucas sessões antes de Terminar o processo... o pai ficou um assuntopendente, resolvemos numa sessão pouco antes do fim do processo reviver a relação paie filha.

Foi com saudades que a Teresa falou do pai, uma figura de grande destaque na infânciae que sem esta perceber o porquê desapareceu da sua vida...uma grande desilusão comfortes sentimentos de rejeição...onde estava o amor e a intimidade que ambos tinhamvivido enquanto partilhavam duma grande cumplicidade?! Momentos de nostalgiaforam emergindo e concluímos assim a sessão... para nós parecia estarmos perante umapessoa que sofria a perda de outra, como sentido pelo luto.Ricoeur refere que no processo psicoterapêutico é possível a transição natural entredever ser e ser através da influência do discurso narrativo na mudança de:comportamento, do insight, da experiência emocional correctiva e de sentir a diferençaentre dever ser e ser. A última sessão da Teresa foi disto testemunha; foi vivida entreexpectativas face ao futuro, a separação, e os objectivos cumpridos.Foi curioso revermos a mudança que teve em pequenos nadas, como o facto de agora já

conseguir desligar o telemóvel quando não lhe apetece estar com o outro, das insóniasultrapassadas, do respeito pelo projecto de vida da filha e da companheira, pelo respeitopor si própria e pelo seu tempo, pela forma como encara os conflitos com a mãe e com o

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Paulo, e pela sua Autonomia... enfim disse no fim que se encontrava Feliz tinha asensação de Objectivos cumpridos.

O Psicoterapeuta, a Psicoterapia Breve e a Teresa

O modelo das psicoterapias breves tem as seguintes fases:

1 Estabelecimento Precoce da aliança Terapêutica;

2 Planificação e Focalização dos conflitos;

3 Ataque às resistências ou Consciencialização das Máscaras;

4 Utilização dos Triângulos de Conflito e Pessoal;

5 Transferência;

6 Lacuna Básica;

7 Terminar.

Relativamente à nossa forma de estar e sentir neste processo, gostaríamos de referir queestar com a Teresa era habitualmente fácil. No início existiu alguma insegurança face aoestabelecimento da aliança terapêutica uma vez que já tinham havido anteriormente doisprocessos psicoterapêuticos falhados; facto que nos revelou antes do estabelecimento daaliança terapêutica. Quando a Teresa referiu este dado parecia existir nela uma misturamuito grande de sentimentos que revelavam alguma ambivalência neste processo, porum lado um sentimento de solidão, de desafio, e de medo.A Teresa foi ao longo do seu processo avaliando se era aceite na sua totalidade, seaceitávamos a sua escolha sexual, as suas dificuldades relacionais, os seus medos e asua dor. E foi após esta aceitação de quem é, que pareceu sentir-se vinculada a esteprocesso terapêutico. Uma vez discutíamos em supervisão qual o motivo da Teresapermanecer e concluímos que foi o facto dela não ter que estar num dos muitos locaisonde tinha que vestir um papel para responder às expectativas de outrem. A célebrefrase de Bion “ Sem memória, sem desejo e sem compreensão” parece ter uma grandeimportância neste processo, nomeadamente o Sem Desejo.E como acontece por vezes em psicoterapia o nosso foco foi alterado, no início o pedidode ajuda referia-se às dificuldades inerentes às relações inter-pessoais, parecia existiruma inautenticidade na relação com os outros que referia justificar-se devido ao medode ficar só.

Levantando o véu surgiu aquele luto mal elaborado que escondia outros, o medo da suamorte e da morte daqueles que ama. Como foi visível ao longo do processo um pareciaenredar-se no outro e no fim do processo terapêutico ambos pareciam estar resolvidos. Nesta inautenticidade na relação com os outros eram perceptíveis, nas sessões, aszangas e conflitos engolidos com a psicoterapeuta, que surgiam mascaradas de sorrisose palavras doces, foi na confrontação e na clarificação que esta passou a ser maisconsciente e ao mesmo tempo as Máscaras foram caindo...tendo sido possível chegar àlacuna básica. Envolvida na solidão dos jardins da Gulbenkian e na morte da irmã...durante estas sessões era pesado a dor, as náuseas. Por vezes a dor do outro toca na dordo psicoterapeuta e recordámos Bubber que diz que o psicoterapeuta é um curadorferido...

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E foi com alguma nostalgia e com satisfação que chegámos ao terminar do processopsicoterapêutico.

Nota Conclusiva

Kierkegaard afirmou que a conquista da liberdade interior “é optar por si mesmo”,referindo-se à responsabilidade de cada um pelo seu próprio self e existência.E assim, recordamos a Teresa que chegou no Verão de 2007 tão longe de estar descrita

por esta frase de Kierkegaard. Chegou envolta em ”impossíveis condicionados pelo seumundo externo”, com a casa que era sua e não recuperava, uma relação afectiva em quehavia uma aceitação de muitas coisas que não queria para si, ou cheia de obrigaçõessociais com as quais não se identificava. Parecia que o seu self vivia aprisionado nas obrigações e na imagem que transmitia aosoutros. Tão longe do seu verdadeiro eu, como um espelho que reflectia as expectativasdos outros face a si própria.Segundo Rollo May, a psicoterapia luta pela integração interior, constituindo umbarómetro muito sensível e revelador dos conflitos e tensões existentes no próprio coma sociedade. Este barómetro é essencial para a ruptura e problemas que ainda nãoexplodiram. Acrescenta que a auto-consciência expande o controle da própria vida ecom essa força ampliada vem a capacidade de se sentir mais livre.Pensamos que foi através da confiança, da confirmação e da aceitação por parte doterapeuta, aliada à motivação, responsabilidade e investimento da Teresa que tornoupossível emergir a sua autenticidade neste processo e a consequente mudança.Os momentos Eu-Tu de Bubber estiveram muito presentes proporcionando um alicercesólido neste processo de mudança. Pensamos que existiram alguns momentos deencontro fundamentais neste processo de transformação: foi a vivência emocional daTeresa com a solidão/isolamento existencial, e com a morte e os lutos não vividos.Pensamos que com a atitude do terapeuta no estabelecimento da aliança terapêutica,bem como, na Lacuna básica que este modelo de psicoterapia preconiza, foramessenciais para o sucesso deste processo terapêutico. A Teresa já tinha passado por duasterapias, que segundo ela não foram bem sucedidas. A Teresa abandonou ambos osprocessos. Quando a Teresa falou destes abandonos, logo nas primeiras sessões,sentimos que havia uma ameaça de ruptura. Nas primeiras sessões recorremos menos àconfrontação, para que esta não fosse percepcionada como algo castrador; até porque,na relação materna a Teresa sentira-se muitas vezes “humilhada e desvalorizada”.Tivemos algum receio que a nossa relação com a cliente se “rompesse”, e duma formacautelosa fomos estabelecendo um vínculo de confiança. Possivelmente, uma posturainvasiva do terapeuta reforçaria a sua inautenticidade (recordamos a necessidade daTeresa de corresponder às expectativas do outro).Quando sentimos que a aliança terapêutica estava estabelecida estes receios diluíram-see sentimos segurança para explorar o seu mundo interno.

A partir daqui, as sessões eram muito “enriquecedoras”, autênticas, e era muitoagradável estar com a Teresa... o seu empenho, aliado à sua motivação para a mudança eà sua capacidade de insight proporcionaram muitos momentos memoráveis de Eu-Tu deBubber.

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Referências Bibliográficas

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Existencial. São Paulo: Summus EditorialCoimbra de Matos, A. (2001) A Depressão. Lisboa: Climepsi EditoresHycner, R. (1995) De Pessoa a Pessoa, Psicoterapia Dialógica. São Paulo:

Summus EditorialLau Ribeiro, P.(1997) Psicoterapia Breve, Um Modelo Integrado. Lisboa:

Sociedade Portuguesa Psicoterapias BrevesMay, R. (1967) O Homem à Procura de Si Mesmo. São Paulo: Editora VozesPesso, A. (2006) Filling Holes in Roles, Pesso Boyden System PsychomotorPimentel, M.L. (2004) Um Espaço de Descoberta para a Mudança. Comunicação

apresentada na V Conferência de Psicologia nos Cuidados de Saúde Primários, LisboaScheeffer, R (1983) Teorias de Aconselhamento. São Paulo: Editora Atlas Yalom, I. (1980) “Existencial Psychoterapy” USA: Basic Books

* Formanda da Sociedade Portuguesa de Psicoterapias BrevesTrabalho Final do Curso de Psicoterapeutas

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O Aconselhamento na Educação Escolar

A Intervenção do Técnico de Aconselhamento numa Escola

Anabela Franco *

Resumo

O presente trabalho visa reflectir sobre a intervenção do Técnico de Aconselhamento naEducação Escolar tendo subjacente o Modelo Integrado de Aconselhamento Breve, umprocesso que envolve princípios de ordem dinâmica, fenomenológica e existencial. Reconhecendo a existência única e separada do outro procuraremos reflectir sobre oAconselhamento quanto aos objectivos, ao processo e aos princípios do modelointegrado para, através da análise de um caso clínico, encontrar um sentido naintervenção do Técnico de Aconselhamento na Educação, especificamente numaEscola.

Palavras-chave: Sentido; Único; Mudança; Catalisador; Redes de trabalho; Redes deafecto.

Abstract

This work aims to reflect on the Counselling Technician work in the school educationprocess. It is based on the Brief Counselling Integrated Model which involvesdynamical, phenomenological and existential principles.Recognizing the separated existence of the self and the others we will reflect oncounselling pondering over the aims, the process and the principles of the integratedmode.Working with a clinical counselling case we’ll try to find a meaning for the CounsellingTechnician work in Education, specially in School.

Key words: Meaning; Unique; Change; Catalyzer; Nets of work; Nets of affection

Introdução

Na sociedade, a educação tem um papel de primeira importância. Na realidade, é a forçamotriz do desenvolvimento sócio – económico. Em espiral, do passado ao presente,construindo o futuro.“O sistema educativo é o conjunto de meios pelo qual se concretiza o direito àeducação, que se exprime pela garantia de uma permanente acção formativa orientadapara favorecer o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e ademocratização da sociedade” (Lei nº 49/2005, Artigo 1º).O Aconselhamento pode ser entendido como uma forma de intervenção terapêutica navida do indivíduo, da família ou de um grupo, para promover a mudança, segundoPATTERSON & EISENBERG (1995, p.20), ao nível do comportamento, dosconstructos pessoais, da capacidade para ser bem sucedido nas situações da vida e/ou doconhecimento e habilidade para a tomada de decisão. O mesmo autor considera que oAconselhamento deve resultar num comportamento livre e responsável por parte docliente, acompanhado de capacidade para compreender e controlar a sua ansiedade.É um processo interactivo, com princípio, meio e fim, planeado e organizado de acordocom quadros de referência teóricos. A sua prática remonta ao início do século XX. As

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teorias que lhe são subjacentes diferenciam-se quanto aos conceitos básicos e aoselementos do processo. A intervenção em contexto escolar impõe-nos a integração da missão da instituição, dopedido e dos recursos, internos e externos, do utente e do técnico. Instituição, utente etécnico, são elementos de um sistema que integram outros sistemas, nomeadamente ogoverno, a família e o grupo de trabalho do técnico.Nesta perspectiva, a intervenção do Técnico de Aconselhamento pode ser multifacetada,ou seja, dirigida ao utente e suportada por redes de trabalho e por redes de afecto: ocatalisador de um processo de mudança, de crescimento pessoal.

O ACONSELHAMENTO

Objectivos e Processo

Sendo a mudança o objectivo último do aconselhamento é importante reflectir sobre asua natureza, salientando-se as áreas: Do comportamento, evidente e observável ao nível da solução de um problema ou

do aumento do potencial para o crescimento pessoal. Dos constructos pessoais, avaliada pelas verbalizações do cliente ao nível das

crenças, dos preconceitos e/ou das ideologias.”Não se trata necessariamente, derenunciar às nossas crenças mas sim aos nossos preconceitos, questionando eobjectivando a influência que têm sobre nós (crenças e preconceitos) para nãoficarmos seus prisioneiros” (COTOVIO, 2007, p.26).

Da capacidade individual para lidar com a realidade, nomeadamente a identificaçãode problemas, de alternativas e de resultados subjacentes a acções diferentes, ouseja, “ver, ouvir, pensar, sentir e agir para além daquilo que estamos autorizadospela armadura das nossas crenças, preconceitos, medos e culpa” (COTOVIO, 2007,p.26).

Da tomada de decisão, inclui a auto – avaliação e gestão da informação disponívelem função do fim pretendido. “Se não me conhecer nem a mim próprio nem aomundo em que vivo, a minha liberdade esbarrará uma e outra vez na necessidade”(SAVATER, 2007, p.30).

A mudança permanece se, e só se, for integrada, adquirir um sentido para o própriopermitindo-lhe, escolher, inventar e enganar. Liderar a viagem da sua vidacompreendendo e controlando a sua ansiedade.O processo de aconselhamento integra fases que orientam a intervenção do técnico eque, segundo o modelo de Patterson, são: a descoberta inicial, a exploração emprofundidade, a preparação para a acção e o término. A natureza da mudança e a valorização da alteridade do outro, permitem-nos salientar oseguinte: as fases do processo não se obrigam a uma linearidade, “um cliente clarificaráseu pensamento sobre alguns objectivos, ao mesmo tempo que outros estarão emprocesso de formação” (PATTERSON & EISENBERG, 1995, p. 35); o processo édinâmico, integra a vida do utente na sua totalidade e o foco não pode ser consideradoisoladamente; a disponibilidade e a flexibilidade do técnico para, com uma visãoabrangente, proporcionar ao utente uma relação de ajuda catalisadora do seucrescimento.Nesta perspectiva ecléctica, flexível e pessoal sintetizamos os aspectos que caracterizamcada uma das fases do processo: a descoberta inicial, a aliança terapêutica e a análise dopedido; a exploração em profundidade, o contacto mais profundo com os temas

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apresentados, a tomada de consciência, o auto conhecimento e o hetero conhecimento; apreparação para a acção, as escolhas do utente e a sua tomada de decisão; o término, aauto confiança, a maturidade, a tranquilidade e a capacidade pessoal.O processo decorre num tempo, sem tempo, circunscrito no tempo, ou seja, definido ofoco estabelece-se um contrato, a (s) meta (s), e o número de sessões e, sem tempo,aguarda-se, pacientemente, pelo tempo do utente. Se necessário inclui-se o recurso ainformações padronizadas por testes psicológicos e/ou a redes de trabalho e/ou deafecto.

Abordagens Teóricas – Breves Referências

Até meados do século XX, a prática do Aconselhamento esteve associada à orientaçãoprofissional, abordagem racional e científica que visava orientar ou dirigir o cliente emrelação à escolha profissional, com recurso a instrumentos de avaliação de aptidões e deinteresses pessoais. “Os antecedentes históricos do aconselhamento encontram raízes naárea da orientação educacional e ocupacional” (BORGES & FILHO, 2004, p.11).A concepção de Aconselhamento mudou radicalmente com a publicação, em 1942, daobra de Carl Rogers, intitulada “Counselling and Psychotherapy”. Psicólogo clínico,iniciou a sua prática profissional com crianças e adolescentes centrando-se no problema,realizando diagnósticos e propondo recomendações para tratamento. De acordo comSCHMIDT, Rogers, questionando-se, inverte progressivamente os focos: “do problemada pessoa para o cliente; do instrumental de avaliação para a relação cliente conselheiro;do resultado para o processo” (RAPPORT, 1987, p.16). A abordagem de Rogers integra a extensão total dos problemas humanos como materialadequado para o Aconselhamento, tendo a escuta empática e a ausência de juízos devalor um efeito facilitador no processo de auto exploração e mudança do cliente. Realça-se o papel da relação de ajuda, da análise do pedido e a crença de que a respostaa este último é intrínseca ao cliente. O técnico dispondo de recursos internos, mobiliza,se necessário, os recursos externos adequados, ou seja, as redes de trabalho e as redes deafecto. Segundo SCHMIDT, são alternativas “que incorporam outras pessoas – família,grupo social – desde que estejam envolvidas com o indivíduo que solicita ajuda e sedisponham a um engajamento no processo” (RAPPORT, 1987, p.18). A abordagem directiva versus a não-directiva, os limites da escala proposta porPatterson (1980) onde se posicionam as diversas teorias: Gestalt terapia, dinâmica,racional-emotivo e comportamental. Progressivamente, ”muitos profissionaiscomeçaram a perceber que existiam elementos válidos em cada uma das posturas”(Patterson & Eisenberg, 1995, p.174). A génese de modelos integrados.

Modelo Integrado de Aconselhamento Breve

A integração permite acolher elementos de diferentes abordagens teóricas e elaborarmodelos de intervenção que incrementem a eficácia e a aplicabilidade das mesmas.De acordo com Borges & Filho (2004, p. 113), um modelo integrado pressupõe aexistência de um quadro conceptual sobre o qual se desenvolve o trabalho do técnicobaseado numa formação especializada de natureza teórico/prática, complementada porperíodos de supervisão e formação contínua. Acrescemos a estes aspectos o autoconhecimento do técnico, promovido por um processo de Psicoterapia Individual.O Modelo Integrado de Aconselhamento Breve, integra os contributos da psicanálise, dafenomenologia e do existencialismo. Se o modelo dinâmico é o pano de fundo doprocesso, a fenomenologia constitui a linguagem metodológica suportada pelopensamento existencialista.

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Centrando-se nos aspectos psicologicamente saudáveis do utente e trabalhando osprocessos conscientes, o pedido de ajuda integra-se na existência, “considerando oproblema presente não apenas como uma questão isolada, mas como um distúrbio daexistência inteira dessa pessoa” (Hycner, 1995, p. 128). Subjacente ao processo está o princípio de que o utente é possuidor da capacidade,latente ou manifesta, conforme refere Schmidt, “de viver e elaborar as suas experiênciasde forma integradora” (Rapport, 1987, p.17). Ao técnico cabe a missão de o ajudar aexplorar o pedido e a forma mais adequada de responder ao mesmo, estabelecendo umarelação de ajuda, de confiança. “Para penetrar uma obra de arte, nada, aliás, pior do queas palavras da crítica, que apenas conduzem a mal entendidos mais ou menos felizes”(Rilke, 2000, p.13).

Viajando pelo tempo, desde há milhares de milhões de anos, identificam-se aspectos queconstituem o cerne da vida: a relação como ponto-chave de um sistema em equilíbrio; areprodução como forma de sobrevivência; a identidade única; a flexibilidade; adiferenciação; a autonomia pessoal e a abertura à mudança.Pio Abreu (2007), na obra “quem nos faz como somos” convida-nos a reflectir sobre omistério da vida. Analisando o papel dos genes, dos signos e das interacções verifica-seque a natureza humana resulta de uma simples e harmoniosa articulação entre osmesmos e não de uma relação causa-efeito. O optimismo sobre a vida e um desígniohumanista.O homem, interagindo com o outro e com o meio, responsável pelas suas escolhas econsciente da sua singularidade. A existência precede a essência o que significa que “ohomem primeiramente existe, descobre-se, surge no mundo e só depois se define”(CAMON, 2007, p. 23). De acordo com o mesmo autor, existência deriva do latimexistere, o que significa sair de uma casa, de um domínio, de um esconderijo. Essência, etimologicamente, é definida como “a natureza íntima das coisas; aquilo quefaz que uma coisa seja o que é ou lhe dá a aparência dominante” (Camon, 2007, p. 22).Merleau-Ponty, fenomenologista-existencial, segundo Hycner (1995, p.46), refere aexistência humana como o estar-no-mundo-com-outros, reconhecendo a dimensãocentral da experiência intersubjectiva. O fenómeno na existência. É no mundo que ohomem se conhece. Relevante é o modo como cada ser humano vivencia as coisas e nãoo que as coisas são em si mesmas. A análise da consciência e não a análise das coisas. Aintencionalidade enquanto característica de um sujeito voltado para o mundo.Interagindo com o outro, o homem encontra-se. “O auto conhecimento permite, nodecurso da vida, a descoberta da essência na existência” (Cotovio, 2007, p.67). Osrecursos para uma vida única e com sentido são intrínsecos ao ser humano. Conscientes de quem nos faz como somos, resta parar e recomeçar para iniciar aprocura de uma identidade e de um caminho único, contribuindo assim para amanutenção da vida no seu todo. O passado ao encontro do presente para construir ofuturo, ou seja, “ (…) revitalizar o que aconteceu no passado, colocando em perspectivae objectivando o que vivemos no agora e assim, pensar, sentir e agir de outra forma nopresente, criando novas possibilidades para o futuro” (Cotovio, 2007, p.79).Transcendendo-se “o homem descobre a totalidade de suas possibilidades existenciais”

(Camon, 2007, p. 22) pelo o que, “Felicidade é uma viagem, não um destino” (Cotovio,2007, p.81).Assumir a liberdade como valor fundamental da existência, para assumir aresponsabilidade na transformação ou manutenção da sociedade. O sentido da vida.Importante não é “o que nós ainda temos a esperar da vida, mas sim exclusivamente oque a vida espera de nós” (Frankl, 2008, p. 102). Na realidade, “o homem não está sob ainfluência daquilo que é externo a ele; na verdade ele se compõe juntamente a esseexterno, misturando-se com ele” (Camon, 2007, p. 25).

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Ser-no-mundo, facto por si só, determinante de angústia, “experiência valiosa queemerge quando tomamos consciência da nossa condição humana” (Camon, 2007, p. 43).Em contrapartida, é o homem que constrói o seu ambiente de vida, favorável oudesfavoravelmente. Só ele atribui significado às coisas do mundo, só ele escolhe. Deacordo com Camon (2007, p. 44), podemos falar de angústia de ser, angústia diante doaqui e agora e angústia da liberdade. “E trata-se, precisamente, de viver tudo” (Rilke,2000, p.36).Na sua essência, escolhendo, inventando e enganando-se, o homem compromete-se coma vida, realiza-se, existe e perpetua-se para além da sua morte. “A resposta ao sentido davida é mobilizadora de forças vitais” (Camon, 2007, p. 36).A consciência da morte e a consciência da vida. A morte de um homem ocorre atravésda morte de um outro homem, ou seja, ser “é sempre um ser-com-outros” (…) o mortoabandona o nosso mundo, mas em termos de ente, «aqueles que ficam podem aindaestar com ele» ”

(Camon, 2007, p. 31). Segundo o autor, Heidegger reafirma assim a qualidadeparticipativa do quotidiano existencial, o “ser-com” de todo o ente. Nesta perspectiva, a culpa integra a existência humana. O homem tem responsabilidadepela vida: “em dívida comigo mesmo, em dívida com o outro e em dívida com arealidade social” (Camon, 2007, p. 56). Consciente de si e do outro o homem busca a autenticidade, “a tradução externa docompromisso interno que estabelecemos com a coerência entre sentir, pensar e agir – é aética da relação na acção” (Cotovio, 2007, p.61), compreendendo a sua solidão que“ (…) mesmo nessas condições desfavoráveis, servir-lhe-á de lar e de apoio: a ela ficarádevendo todos os seus caminhos” (Rilke, 2000, p.42).Integrando-se o pedido de ajuda na existência, o amor é o suporte da relação na acção:“é uma atitude, é uma orientação do carácter que determina a capacidade de uma pessoase relacionar com o mundo na sua totalidade e não apenas com um “objecto” de amor”(Fromm, 2005, p.52). De acordo com o mesmo autor, dependendo do objecto amado oamor diferencia-se em fraterno, materno, erótico, próprio e de Deus.Segundo Hycner (1995, p. 24) a publicação em 1923 do trabalho de Buber, EU e TU,foi decisiva para a compreensão da natureza relacional da existência humana. A relaçãoEu-Isso e a relação Eu-Tu. Esta última, tendo subjacente um genuíno interesse pelooutro, reconhece-o como ser único. A responsabilidade de um EU para com um TU.O momento Eu-Tu emerge se os dois elementos da relação estiverem disponíveis paravalorizarem, aceitarem e apreciarem o outro como ser único, o que requer atranscendência da individualidade dos mesmos decorrente do auto-conhecimento. “Aatitude com que me aproximo do outro é também a atitude com que me aproximo demim mesmo” (Hycner, 1995, p. 25). O processo e o momento EU-TU, um fenómenoontológico.Segundo Cardella (1994, p. 20), Fromm e Buber concebem o amor como o“compartilhar”, entre dois seres únicos separados. A arte que fomenta o “acesso” àesfera do entre (o ponto de contacto entre os dois elementos da relação – o interhumano), a inclusão (movimento de ir e vir), a confirmação (reconhecimento eafirmação da existência única e separada do outro) e o encontro (estar-com, numpresente, cruzado pelo passado, construindo o futuro). Se o momento Eu-Tu não é contínuo também não se pode forçar ou prever a suaocorrência, o resultado de uma qualquer forma de comunicação, de um processo Eu-Tu.Na perspectiva de Cardella (1994, p.20), é o estado de ser amoroso do técnico emrelação a si que o capacita a acreditar nas potencialidades do utente, favorecendo o seucrescimento. O amor terapêutico.

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Se o conhecimento científico é indispensável para ajudar o técnico a desenvolver adisciplina e a objectividade necessárias, a experiência subjectiva de ambos (técnico eutente) é parte integrante do processo. Segundo Bucher (1989), a esfera ontológica e aesfera ôntica.Estar-no-mundo-com-outro para aceder à análise intencional, possível se a consciência “(…) suspende sua crença na realidade do mundo exterior (…)” (Camon, 2007, p. 77). O“esvaziamento” psicológico das verdades pessoais, a abertura à vida. E acerca do…?

E acerca da…? A ciência do fenómeno, que estuda as essências e as repõe naexistência.“ (…) Ver podendo dispensar tudo menos o que se vê / É esta a ciência de ver, que não énenhuma” (Alberto Caeiro, Vive, dizes, no presente).

CASO CLÍNICO

Apresentação

Lídia – “…esqueço-me de tudo.” “…eu tenho que ser uma boa menina”.

Identificação

Lídia, portuguesa, 11 anos, estudante do 6º ano, vive na região da Estremadura com airmã de 25 anos e a sobrinha de 10 anos.

Caracterização

A presente caracterização efectuou-se a partir do primeiro contacto do técnico com ajovem Lídia, onde a linguagem verbal e corporal foi o primeiro passo para oestabelecimento da relação. Ouvindo, sentindo, não interpretando, aceitando eidentificando paradoxos, proporcionou-se um espaço favorável ao desenvolvimento deuma relação de confiança que suportou a continuidade do processo e o diferenciou deuma simples conversa.Considerando a dimensão objectiva e subjectiva da informação, sintetiza-se: A Lídia éuma jovem loira, cabelo comprido e ondulado. Apresenta-se cuidada e o seu vestuáriocaracteriza-se por cores alegres e bem combinadas. Utiliza adereços coloridos,nomeadamente pulseiras e brincos adequados à sua idade. Tem traços delicados e aexpressão facial revela interesse por tudo o que a rodeia. Na comunicação salienta-se afacilidade de expressão verbal, a fluidez da linguagem verbal e a riqueza da linguagemcorporal. É bonita, meiga, educada e sociável. Preocupa-se em fazer as coisas bem.

Pedido

O pedido de ajuda foi solicitado pela Lídia, via director de turma à Psicóloga da escola,e resultou da necessidade que a mesma referia sentir na organização do seu trabalhoescolar, mais especificamente a memorização de tarefas a cumprir e/ou materiaisnecessários à aprendizagem. Citando a jovem “…esqueço-me de tudo...o que possofazer?”.

História Familiar

A Lídia nasceu em Julho de 97, sendo a segunda filha de uma fratria de três (umarapariga e um rapaz). É saudável, sem problemas de desenvolvimento e crescimento. Opai, de 40 anos é emigrante na Holanda e a mãe, esteticista, faleceu com cancro aos 42

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anos. O espaço de tempo decorrido entre o diagnóstico da doença e a morte foi inferiora um ano. Os pais separaram-se quando a Lídia tinha 3 anos e a partir dessa altura ocontacto com o pai é pouco frequente. Após a separação a Lídia ficou a viver com a mãee os dois irmãos.

Situação Familiar Actual

Vive com a irmã de 25 anos, também encarregada de educação (mãe solteira e militar deprofissão) e a sobrinha de 10 anos, na casa onde habitava com mãe até ao seufalecimento. O irmão vive agora com uma tia materna, numa localidade próxima dacidade onde reside a Lídia. O pai é ausente do seu quotidiano. Se questionada acerca domesmo, responde acenando com a mão e sorrindo “ele está lá a trabalhar…”. Os avósmaternos servem de suporte à família monoparental.

Situação Escolar Actual

Não se registam retenções, problemas de comportamento e/ou dificuldades deintegração na turma e na escola. O aproveitamento escolar situa-se a um nível médio.

Intervenção

1ª Fase – A descoberta inicial – 1 sessão – 09/12/08Decorrendo no gabinete do Serviço de Psicologia e Orientação da Escola que a Lídiafrequenta, o primeiro contacto foi introduzido da seguinte forma: “Lídia, o director deturma disse-me que querias conversar comigo. Em que te posso ajudar?” Escutando a descrição que a Lídia fazia do motivo que a levara a pedir ajuda, seguindoa sua linguagem verbal e não verbal procuramos compreender o pedido e as motivaçõesa ele subjacentes. “Ajuda-me a compreender em que situações te esqueces das coisas…”, “…bem, mas oque pensante quando tiveste a falta de material?”, “Há quanto tempo é que estesesquecimentos acontecem?”, são exemplos de questões que promoveram oestabelecimento de uma relação de confiança e a, progressiva, análise da mesma.A pouco e pouco foram surgindo temas onde ressaltavam problemas de relacionamentocom a sobrinha e uma significativa preocupação pelo que é correcto versus o que éincorrecto: “…a minha sobrinha conta tudo à minha irmã”; “…eu tenho que ser umaboa menina”, “…se duas pessoas não estão bem uma tem que mudar”. No vivido, analisámos conjuntamente o pedido e acordamos proceder à suareformulação. Assim, para além da organização do trabalho escolar o pedido integraquestões relacionadas com o relacionamento interpessoal, especificamente com asobrinha, e com a vontade de “ser uma boa menina”. Clarificado o pedido esclareceu-se a Lídia da necessidade de reunir com a encarregadade educação para que a mesma autorizasse o apoio do Serviço de Psicologia eOrientação mediante o seu pedido, o plano de acção e a periodicidade do atendimento,hora, duração e local. Ficou assente que a reunião se realizaria na 2ª sessão, com apresença da encarregada de educação e da Lídia. A pedido desta convocou-se,igualmente, a avó.

2ª Fase – A exploração em profundidade – 5 sessões – de 16/12/08 a 27/01/09.Considerando o contexto institucional em que decorre a intervenção, uma Escola, e anatureza do pedido, decidiu-se que a mesma seria semanal, em horário extra lectivo, ede acordo as interrupções lectivas.

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Da reformulação conjunta do pedido decorreu a planificação da intervenção quanto aonúmero de sessões (12), ao horário (3ª feiras), à duração (45m) e ao local (Gabinete doSPO). Foram estes os elementos que suportaram o contrato efectuado com a Lídia,mediante aprovação da encarregada de educação. Segundo BUCHER (1989, p. 146) ocontrato representa a face externa de um entendimento mútuo.Mantendo-se como pano de fundo a relação Eu-Tu procuramos explorar emprofundidade os temas subjacentes ao pedido e, em paralelo, encorajar a Lídia aresponsabilizar-se pelas suas escolhas, valorizando as suas atitudes em função de si enão em função dos outros. O Ser versus o parecer.Disponibilizámo-nos para a ajudar, indo ao seu encontro, onde ela estava, respondendoa cada momento. Assim, o olhar conjunto sobre as rotinas diárias, a organização dotrabalho e dos materiais escolares constituiu o tema da terceira sessão. Como se tentasse encontrar um caminho a Lídia, com frequência, repetia: “…eu tenhoque ser uma boa menina”; “Mau…? Mau é ser mau”. Explicava: “…sabe, é como sehouvesse três portas Bom, Mau e Mais ou Menos.”; “Eu não quero ir pela porta Mau”.Nesse momento, fez sentido a confirmação na perspectiva de Buber (HYCNER, 1995).Numa atitude empática, mostrou-se à Lídia a quão difícil estava a ser para ela lidar coma realidade integrando o Bom e o Mau. Num encontro de olhares a Lídia sorri, levanta oindicador e exclama “Já sei onde quer chegar! Vou pôr uma quarta porta onde está tudo,o Bom e o Mau.”Como se tentasse apaziguar a sua “inquietação interior” dizia: “A minha avó diz que, àsvezes, viver é difícil”; “…sabe, é como uma rosa que tem espinhos no caule”. “Bem, oque achas que podemos fazer com os espinhos?” Silêncio. Sorrindo e aconchegando-sena cadeira desenha uma rosa com espinhos no caule e percorrendo-o, com a ponta dolápis toca no espinho e explica: “Não o vou riscar e não vou passar ao lado. Vou entrar ever o que tem”. Na quinta sessão a Lídia começa dizendo: “Eu tenho que ser forte.” “Forte? Ajuda-me acompreender…”. “A minha mãe morreu…não posso chorar”. Com um misto de tristezae alegria no rosto questiona: “Quer ver a fotografia dela?”; “Quero, Lídia. Mostra-me”. Silêncio. Apenas o olhar sobre a fotografia. Nesse momento só a confirmação fezsentido. Pegando-lhe na mão: “Sentes a falta dela...”. Uma troca de olhares, um acenode cabeça e a Lídia começa a chorar. Decorridos alguns minutos fez sentido partilhar osentir, na perspectiva de BUCHER (1989, p. 152): “Chorar, deve ter sido a primeiracoisa que a tua mãe te viu fazer quando nasceste”. Um olhar, um esfregar de olhos, umrespirar fundo e um leve sorriso…Na sexta sessão, mais tranquila, a Lídia refere que em relação aos ciúmes pela sobrinhaconversara com a irmã. “Gostei de conversar com ela.” “Sabe, disse-me que tambémtem saudades da mãe e chorou.” “Ufff!... Sinto-me mais aliviada.”

3ª Fase – A preparação para a acção – 2 sessões – de 03/02/09 a 02/03/09.A exploração em profundidade suportada pela relação Eu-Tu promoveu a descriçãonatural das preocupações da Lídia e a validação das suas necessidades, sentimentos,desejos, crenças, conflitos, da sua existência como ser único e separado. À medida que aLídia percebeu a incoerência entre o que fazia e o que sentia registaram-se mudanças nadescrição do seu agir. Do vivido nas quatro sessões regista-se: “…fiz um quadro com as datas dos testes ecoloquei-o na parede, junto à secretária”; “…fiz este resumo. O que acha?”;”…fui à salade estudo tirar dúvidas.”; “O meu professor disse-me que ando muito saída da casca.Respondi-lhe: não acha normal que eu queira respirar um pouco do ar que está lá fora?” Nesta fase do processo fez sentido mobilizar a rede de trabalho para apoiar a Lídia naorganização das actividades escolares. Assim, articulando com o director de turma

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sensibilizou-se o corpo docente para a necessidade de clarificar as tarefas, definirtempos de realização e acompanhar sistematicamente os trabalhos de casa solicitados.

4ª Fase – O término – 2 sessões – 10/03/09 e 16/03/09.No processo, o término está presente desde o seu início. É, contudo, uma fase delicada.Conforme refere BUCHER (1989, p. 156), exige ao técnico sensibilidade e firmeza,para que a mudança desejada tenha como suporte a autonomia e a responsabilidade doutente. Nesta perspectiva, é a este que cabe a conquista da separação registando-se, porvezes, recuos e avanços. O técnico, com autenticidade, decidindo, encoraja o utente acontinuar e a gerir os sentimentos associados à separação.Na décima primeira sessão a Lídia, com uma expressão triste, refere que descera a notaa língua portuguesa e conclui: “…piorei.” Da reflexão conjunta e da descrição doacontecido, salienta-se: “…não li o livro indicado.”; Não o tinha e não me lembrei de irà biblioteca.”; Com tranquilidade questionou-se: “E…? Silêncio. Com um sorriso, aLídia responde: “Para a próxima já sei o que fazer…”. E continua: “…sabe, sinto-memais responsável.”; “…lembra-se dos espinhos? …entro, vejo e faço o que acho quedevo.”; “…a minha sobrinha? Zangamo-nos…mas é diferente.”Nesta altura fez sentido sintetizar o processo vivido, salientar a satisfação sentida notrabalho conjuntamente desenvolvido e analisar com a Lídia a hipótese de reunir com aencarregada de educação para com ela avaliar o resultado do mesmo. Ficou acordadoque tal aconteceria na décima segunda e última sessão, altura em que se reviu os temasexplorados, as mudanças ocorridas e se solicitou à Lídia que fosse dando notícias…

Conclusão

Ao longo das doze sessões a Lídia foi assídua e pontual, mostrando significativoinvestimento no processo de Aconselhamento. A clarificação e consequentereformulação do pedido suportaram a formalização do contrato, validado e autorizadopela encarregada de educação.O estabelecimento de uma relação de confiança, a partir do primeiro encontro, visoutrabalhar os processos conscientes, centrou-se nos aspectos das relações positivas esaudáveis da Lídia e foi a “pedra de toque” para a mudança.Assim, o contrato, a relação de confiança e os momentos vividos, suportados por umprocesso EU-TU, favoreceram a aceitação e a confirmação da Lídia, enquanto ser únicoe separado. Na existência, do técnico e da Lídia, o amor foi o suporte da relação naacção. O “compartilhar” de dois seres únicos e separados, catalisador da espontaneidadee da autenticidade inerentes à Lídia, atitudes que tendiam a ser substituídas porcomportamentos que visavam obter e preservar o amor dos adultos, mesmo sobcondição.Integrando-se o pedido de ajuda da Lídia na existência, a intervenção do técnico tevesubjacente o Modelo Integrado de Aconselhamento Breve e, naturalmente, foimultifacetada, mobilizando redes de trabalho e redes de afecto.Mas… e se a resposta do director de turma e do conselho de turma fosse diferente e/ouse a encarregada de educação fosse ausente e/ou se os avós maternos não apoiassem afamília monoparental? E/ou se… Que intervenção? Que mudança? A técnica seriasempre suspensa e ao técnico caberia a responsabilidade das decisões no aqui e agorapelo o que, relevante seria sempre o seu sentir, diríamos a arte de viver e de amar.Realçamos o seu contínuo auto conhecimento, a sua solidão e o papel da supervisão eda formação contínua. A mudança, seria sempre a da Lídia. Reflectindo… emerge o sentido para o Técnico de Aconselhamento na EducaçãoEscolar. Este caso, em que só o nome é fictício, e outros, replicam-se aqui e ali. Sentem-se, olhando… “ (…) para baixo, para a rua coberta de lixo, para as pessoas que gritavam

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e cantavam. Depois levantou a cabeça para o céu e viu-o todo branco, Chegou a minhavez, pensou. O medo subido fê-la baixar os olhos. A cidade ainda ali estava”(Saramago, 1995, p. 310).

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* Formanda da Sociedade Portuguesa de Psicoterapias BrevesTrabalho Final do Curso de Técnicos de Aconselhamento, ano lectivo 2008/2009

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________________________________________Actividades da S.P.P.B.

No período do seu mandato a Direcção da SPPB tem vindo a prosseguir aimplementação da sua acção, tal como foi delineada no Projecto de trabalhoapresentado aos Sócios da S.P.P.B. na sua candidatura, nos seguintes campos eobjectivos:

1) Conselho Científico.

Cumprindo este objectivo o Conselho Científico foi nomeado – sendo constituído porPedro Lau Ribeiro, Graça Góis, Ana Maria Morais, Isabela Botelho e Teresa Morais –encontrando-se a laborar em pleno.Assim, com a deliberação e a aprovação da Direcção, tem continuado a debruçar-se nãomeramente na avaliação dos trabalhos finais de conclusão da Formação teórica mastambém na análise dos pedidos dos formandos que deverão ser admitidos como sóciosdesta sociedade.

No exercício do mandato catorze formandos apresentaram os trabalhos finais paraconclusão da Formação Teórica, obtendo a aprovação da Direcção e do ConselhoCientífico, cujos nomes passamos a mencionar:

Curso de Técnicos de Aconselhamento

Dr.ª Anabela Sequeira Dr. Carlos Nunes Dr.ª Mariana Stenfleld Dr.ª Palmira PiriquitoDra. Edite Brigído Nascimento CarvalhoDr. Ricardo Jorge Silva CarvalhoDra. Anabela da Silva Santos FrancoDra. Maria da Conceição Freitas de JesusDra. Maria Cristina Figueiredo da Silva

Curso de Psicoterapeutas

Dr.ª Cláudia Lopes Dr.ª Margarida BombaçaDr.ª Susana CardosoDr. Artur Miguel Trigo Cândido da Silva de JesusDra. Sónia Catarino Antunes

Seis destes elementos – Dr.ª Palmira Piriquito (na categoria de Técnico deAconselhamento), Dr.ª Margarida Bombaça, Dr.ª Cláudia Lopes, Dr.ª Susana Cardoso,Dr.ª Selma Martinho e Dr. Miguel Trigo (na categoria de Psicoterapeuta Efectivo) –solicitaram a sua passagem a Sócio da S.P.P.B. obtendo o parecer favorável daDirecção e do Conselho Cientifico e que posteriormente foi ratificada em AG.

Neste período três Sócios Psicoterapeutas Efectivos – Dr.ª Ana Maria Fonseca, Dr.ªMariagrazia Luwisch e Dr.ª Maria Fernanda Mendes – passaram a SócioPsicoterapeuta Titular da S.P.P.B., igualmente com o voto favorável dos dois orgãos eratificado em AG posteriormente,

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Uma outra acção imprescindível no exercício desta gestão foi ter diligenciado asmedidas necessárias para a concretização do registo notarial dos Estatutos da SPPB emvigor desde Fevereiro de 2005, ratificados na Assembleia-geral de 21 de Fevereiro de2005, com as pequenas alterações exigidas pelo notário, mas que careciam delegalidade.

No seguimento da legalização dos Estatutos, ocorrida em 11 de Setembro de 2008, foisentida a necessidade de repensar o Regulamento interno da Sociedade Portuguesa dePsicoterapias Breves. Nesse sentido o Conselho Cientifico encontra-se actualmente aelaborar o novo Regulamento da S.P.P.B., que será apresentado aos sócios brevemente.

2) Discussão, delineamento e definição do Modelo Teórico.

Em 6 de Junho de 2008, após a tomada de posse dos actuais corpos sociais, foi realizadauma Sessão Plenária sobre o Modelo Integrado de Psicoterapia Breve, com oobjectivo de clarificar e reforçar a identidade da SPPB enquanto sociedade científica(Ref.ª 1/08).

Dado ser esta sessão o momento de clarificação do Modelo a operar na SociedadePortuguesa de Psicoterapias Breves, foi concluído por unanimidade a necessidade deuniformização dos conteúdos formativos a partir do ano lectivo 2008/2009, por forma aconsolidar a identidade da Sociedade e a dar maior coerência ao Plano de Formaçãoministrado, baseando-se este a partir desta data, no Modelo apresentado não tendo sidoequacionadas quaisquer propostas de vertentes complementares ou alternativas.Contudo considerando-se a SPPB uma entidade científica aberta, e com perspectivas deevolução, oportunamente poderão ser considerados outros momentos dedesenvolvimento do Modelo, Estas conclusões foram enviadas posteriormente aossócios (Ref.ª 6/08).

Neste sentido, para além desta actividade já realizada, impôs-se também a necessidadede proceder a uma actualização do ficheiro de sócios. Esta actualização do Ficheiro de Sócios, teve como objectivos:

Maior eficiência na dinamização das actividades desenvolvidas junto dos sóciose da participação destes na vida da Sociedade;

Maior eficácia da relação dos corpos sociais, no âmbito das competênciasdestes, com os associados;

Reforçar a identidade da Sociedade no exterior.

Assim e após deliberações tomadas na Assembleia-geral realizada em 14 de Março de2002, conforme lavrado em acta, no respectivo livro, foi solicitado aos associados a suaintenção em permanecer sócio, ou não, desta Sociedade (Ref.ª 89/09). Na mesmacarta, admitindo que a concretização desta etapa nos permitirá atingir ainda melhoresresultados ao nível funcional e operativo, potenciando as capacidades científicas,técnicas e formativas da SPPB, foi incentivada a regularização do direito e dever dequotização.

No seguimento deste contacto com os Associados obtivemos a informação relacionadacom o falecimento do Sócio Fundador da Sociedade Portuguesa de PsicoterapiasBreves, Dr. Mário de Jesus Augusto e o Dr. Carlos Manitto Torres manifestou a suaintenção em não permanecer como Sócio Psicoterapeuta Efectivo da S.P.P.B. – estassituações foram ratificadas na ultima AG realizada em 20 de Julho do corrente ano.

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Ainda na sequência desta acção a Direcção da Sociedade Portuguesa de PsicoterapiasBreves endereçou o convite à Professora Doutora Isabel Leal (Ref.ª 125/09) paraPassagem a Sócia Honorária (“pessoas que pelo seu reconhecido mérito e competênciateórica, poderão ser admitidos nesta categoria” - Artigo 4.º, Alínea d, do CapítuloSegundo, dos Estatutos) – situação igualmente ratificada na AG de 20 de Julho.

Relativamente às Quotas em atraso os Associados têm vindo, a pouco e pouco, acontactar a SPPB para regularização da sua situação junto da mesma.

3) Operacionalização do Modelo Teórico.

Para dar cumprimento a este objectivo e na sequência da Sessão Plenária foi realizadauma Reunião de Formação (Ref.ª 7/08) com o objectivo de avaliar o ano lectivo emdecurso e de preparar o seguinte, com todos os Coordenadores de Ano.Foi proposto pela Direcção e Conselho Científico o Plano de Formação, a ser iniciadono ano lectivo 2008/2009, que mereceu a apoio unânime dos presentes.Com base na avaliação dos conteúdos do curso de Técnicos de Aconselhamento e dosdiferentes anos do curso de Psicoterapeutas que está a decorrer, ficou acordadoproceder-se ás reformulações necessárias com vista à homogeneização do modelo e queo mesmo só poderá sofrer alterações após decisão da Direcção.No seguimento das actividades previstas a desenvolver, foi reforçada ainda aimportância das reuniões clínicas e/ou seminários clínicos, como metodologias dedesenvolvimento do Modelo preconizado pela Sociedade.

Neste período, para continuar a cumprir o objectivo de planificar de modo global aFormação, as temáticas básicas e a bibliografia fundamental, através da avaliação dosprojectos e das propostas já elaborados e avaliar a formação do ano lectivo 2008/2009,foram efectuadas duas Reuniões de Formação, respectivamente em 26 de Fevereiro(Ref.ª 15/09) e em 25 de Junho de 2009 (Ref.ª 104/09), com todos os Coordenadores deAno.

Similarmente realizou-se em 14 de Julho o Encerramento do ano lectivo 2008/2009,subordinado á temática “ A identidade do Modelo da SPPB no decurso do processo deFormação”, com a apresentação dos Formandos finalistas do Curso de Psicoterapeutasdeste ano.

4) Reforço da Actividade Científica.

Estando cientes da importância que assume a Formação e o aperfeiçoamento em comumna evolução dos Formadores e profissionais da nossa Sociedade foram iniciadas, no anoanterior, reuniões científicas que têm por intenção abordar o Modelo Clínico da SPPBna sua vertente teórica e prática, com a finalidade de sistematizar a informação, alinharconceitos e demarcar definições.

Nesse sentido e considerando os Seminários Clínicos, iniciados em finais de 2008 –nomeadamente em 22 de Novembro de 2008 (Ref.ª 54/08), 17 de Janeiro (Ref.ª 3/09) e31 de Janeiro de 2009 –, como metodologia de desenvolvimento do Modelopreconizado pela SPPB foi mantida a sua organização. Assim, durante este período de 2009, foram efectivados mais três Seminários Clínicospara Coordenadores e Formadores da SPPB – respectivamente a 14 de Marçosubordinado aos autores “Klein, M. e Ferenczi, S.” (Ref.ª 24/09), a 18 de Abril,subordinado ao tema “Balint, M.” (Ref.ª 36/09) e a 16 de Maio subordinado ao autor

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“Yallom, I.” (Ref.ª 75/09) – encontrando-se previsto serem retomados a partir deOutubro.

Com esta acção, de acordo com o Regulamento Interno da SPPB, não somentecontribuímos para uma maneira de estar comum e consistente – particularmente para osque assumem responsabilidades na transmissão da nossa perspectiva de intervenção, aonível da Formação e da Supervisão – como também se concorreu para os que pretendamrealizar ou avançar numa progressão e num percurso evolutivo nesta sociedade.

Paralelamente no âmbito da reformulação na Formação da SPPB, iniciada no anolectivo 2008/2009 nos Cursos de Psicoterapeutas e Técnicos de Aconselhamento, comprevisão do alargamento do número de horas de formação teórica tendo em vista aconsolidação e sistematização de conhecimentos, mantivemos a realização dosSeminários para Formandos com autores e temáticas que, do nosso ponto de vista, seafiguram essenciais para a prática do Modelo preconizado por esta Sociedade –nomeadamente subordinados a “ Freud ”, á “ Fenomenologia ” e á “ Intervenção comCrianças e Adolescentes”.

Salientamos que relativamente ao seminário subordinado ao tema “ Intervenção comCrianças e Adolescentes”, com previsão de três sessões e que foi aberto a dois grupos, aterceira sessão está programada para o mês de Setembro.

Neste momento, com vista á lacuna de alguns aspectos contributivos da integração doModelo, estão calendarizados outros dois novos seminários – subordinados aos autoresFerenczi e Balint – que irão decorrer, respectivamente, em Outubro e Novembro.

Para finalizar referimos que, por convite da comissão organizadora do Congresso daAssociação Europeia de Psicoterapia – EAP, subordinado ao tema “Meanings ofHapiness and Psychoterapy” e que foi realizado em Portugal de 2 a 5 de Julho, aSociedade Portuguesa de Psicoterapias Breves foi chamada a apresentar Comunicaçãotendo a Direcção da S.P.PB. estado presente na Sessão Inaugural deste eventointernacionalRelembramos ainda que, neste Congresso, foram apresentadas comunicações pela Dr.ªAna Maria Morais e pela Dr.ª Teresa Morais, em representação da Sociedade Portuguesade Psicoterapias Breves.

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_______________________________________________Noticias Breves

Formação – Ano Lectivo 2009/2010

O Ano Lectivo de 2009/2010 é iniciado no dia 10 de Setembro de 2009, Quinta-Feira,das 18h30m às 20h30m com uma Sessão Inaugural para os Formandos da S.P.P.B.subordinada ao tema “ História e Evolução do Modelo da S.P.P.B.”,a qual irá decorrerno Hotel Mundial (Praça Martim Moniz, N.º 2, em Lisboa).

Informamos ainda que na sequência do que estava previsto as sessões de formação serãode 2 horas, das 18h30m às 20h30m e iniciar-se-ão a partir do dia 14 de Setembro de2009, nos respectivos dias de cada ano/grupo de formação, nas instalações daSociedade.

FORMAÇÃO S.P.P.B.ANO LECTIVO 2009/2010

Sessão de Abertura – História e evolução do Modelo da SPPB, 10 Setembro de 2009

CURSO GRUPO CORDENADORES INICIO FIM

TÉCNICOS DEACONSELHAMENTO

2.º ANO(5.ª F)

Graça Góis Ana Maria Fonseca

17 Setembro 09 15 Julho 10

PSICOTERAPEUTAS

1.º ANO(3.ª F)

Isabela Botelho Fernanda Mendes

15 Setembro 09 13 Julho 10

3.º ANO (4.ª F)

Pedro Lau RibeiroManuela Carvalho 16 Setembro 09 14 Julho 10

4.º ANO(5.ª F)

Teresa MoraisRaquel Lima 17 Setembro 09 15 Julho 10

5.º ANO(2.ª F)

Ana Maria MoraisPedro Lau Ribeiro

14 Setembro 09 12 Julho 10

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X Encontro da SPPB

Encontra-se em preparativos o X ENCONTRO DA SOCIEDADE PORTUGUESADE PSICOTERAPIAS BREVES que terá como temática “ A Identidade do Modelo eimportância de Ferenczi para a Psicoterapia Breve”

Este evento irá decorrer nos dias 3 e 4 de Dezembro na Fundação Calouste Gulbenkiane tem como convidada internacional a Professora Teresa Pinheiro, autora do livro “DoGrito à Palavra – Ferenczi” da Zahar Editores.

O programa inclui, para além de mesas redondas e de comunicações livres, umaconferência de abertura proferida pela convidada do evento. com a temática da questãoda linguagem em Ferenczi e as narrativas das subjectividades contemporâneas.

Informamos ainda que no dia 2 de Dezembro, para os Sócios Seniores da S.P.P.B., iráser efectuado um Workshop com a temática “Novos parâmetros da clínicacontemporânea” que será orientado pela Professora Teresa Pinheiro nas instalações daSociedade Portuguesa de Psicoterapia Breve.

Desde já convidamos todos os associados e formandos a participarem neste evento queesperamos ser de grande interesse para a actividade científica da S.P.P.B.

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_________________________________________Indicações aos Autores

A revista “Psicoterapia Breve” destina-se á publicação de artigos científicos sobreteoria, prática e investigação em Psicoterapia, privilegiando artigos ou comunicaçõesem que esses temas se relacionem directamente com as formas breves de tratamentopsicoterapêutico.

A revista destina-se sobretudo aos técnicos profissionais na área da saúde mental mastambém a todas as categorias profissionais ligadas aos cuidados de saúde em geral.

Os artigos deverão ser submetidos ao editor (SPPB), em duplicado, impressos em papelpara a seguinte morada:

Sociedade Portuguesa de Psicoterapias BrevesRua Rodrigues Sampaio, N.º 138, 2.º Andar

1150-282 Lisboa, Portugal

Juntamente com os artigos em papel deverão enviar um CD com os dois ficheiros: umficheiro do artigo em Word, e outro com o artigo em RTF. Poderão enviar os ficheiroscomo anexo de um e-mail que diga o nome dos autores e o título do artigo([email protected])

Submeter um artigo significa que ele ainda não foi publicado ou submetido parapublicação antes, total ou parcialmente, e que enquanto durar o processo de apreciaçãonão será submetido para publicação a qualquer outra revista. Antes de o artigo serpublicado o Editor enviará uma declaração para ser assinada pelos autores onde estestransferem os direitos de autor para a Sociedade Portuguesa de Psicoterapias Breve.Quando nos submete o artigo para publicação, o autor assume a transferência dosdireitos de autor para a revista. Variações ao que se definiu acima seguem o que estáregulamentado pelas “Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to BiomedicalJournals” de 1997.

O artigo que nos é submetido deverá ser escrito em folha A4, a dois espaços, em papelbranco e as margens devem ser de cerca de 3cm. Recomenda-se, apesar de não existirum tamanho máximo rígido, que não excedam as 20 páginas.

A primeira página constituirá a página de título e deverá incluir: o título do artigo, onome do(s) autor(res) (sem título académico), local de trabalho com departamento,instituição, cidade e País. Para fins de tratamento editorial a página de título deveráincluir a morada completa do autor responsável pela revisão de provas, incluindo otelefone, fax e e-mails. Deverá ser acompanhado de um resumo em português e inglêscom cerca de 150 palavras. Os autores deverão apresentar entre 3 e 10 palavras chaveem português e inglês e título em inglês.

Para além dos artigos (originais ou de revisão) serão publicadas comunicações breves(ou seja textos que não excedem 6 paginas dactilografadas a dois espaços). Serãopublicadas cartas (que não excedam 2 paginas dactilografadas) que constituem textosrelacionados com os trabalhos já publicados nesta revista. Identicamente serão aindapublicadas informações relevantes para a área de formação

Os quadros e figuras deverão ser enviados em páginas separadas e referidos no textopelo número (p. ex. “inserir quadro x”).

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A organização do texto e das referências bibliográficas, deverá seguir as recomendaçõesda última edição do Publication Manual da American Psychological Association(APA). Por exemplo, um artigo que seja um relato de investigação deverá conter asseguintes partes: uma introdução (a palavra introdução não deverá encimar esta parte dotexto), Método que por sua vez inclui, por esta ordem, as sub-partes participantes,material, procedimento ou outras, Resultados, Discussão, e Referências. As referênciasdeverão ser apostas por ordem alfabética, segundo as regras da APA, e deverão contersomente trabalhos citados no texto. Por exemplo:

Freud, S. (2001). O Conceito de Inconsciente, Cap. 3 pp. 141-201 In “Textos Essenciaisa Psicanálise”, Volume I, Europa-América, Lisboa.

Freud, S. (1969.). Recordar repetir e elaborar. In: Novas recomendações sobre a técnicada psicanálise. Imago, Vol. XII, Rio de Janeiro.

A versão que nos é submetida será enviada para revisão cega a dois elementos doConselho redactorial da revista. Se o artigo não for aceite para publicação serádevolvido aos autores. Depois do manuscrito ter sido aceite para publicação, e depoisdas revisões que foram recomendadas terem sido incorporadas no texto, o manuscritodeverá ser enviado ao editor como referido, e deverá ser identificada, nomeadamente,incluir o último nome do autor. Esta última versão do texto deverá, também ser enviadaimpressa em papel.

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