Isaac Asimov - O Colapso do Universo

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O COLAPSO DO UNIVERSO O Colapso do Universo – Isaac Azimov i

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ISAAC ASIMOV

O COLAPSO DO

UNIVERSO

Tradução de Donaldson M. Garschagen

5ª edição

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Copyright (c) 1977 by Isaac AsimovTitulo original: The Collapsing Universe

Capa: Eugenic Hirsh

Impresso no Brasil Printed in Brazil

1ª. edição: Novembro de 19792ª " Abril de 19803ª " Abril de 19804ª " Setembro de 1981

Ficha CatalográficaCIP-BRASIL. Catalogação-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Asimov, Isaac.A857c O Colapso do universo / Isaac Asimov ; tradução de Do-

naldson M. Garschagen. — Rio de Janeiro : F. Alves, 1982 . 5ª ed.1. Cosmogonia I. Titulo

CDD — 523.1 79-0638 CDU — 523.1

Todos os direitos desta tradução reservados àLIVRARIA FRANCISCO ALVES EDITORA S.A. Rua Sete de Setembro, 177 — Centro 20.050 Rio de Janeiro, RJ

Não é permitida a venda em Portugal e paises de língua portuguesa.

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SUMÁRIO

Partículas e Forças...................................................1AS QUATRO FORÇAS..........................................................................2ÁTOMOS...............................................................................................6DENSIDADE........................................................................................10GRAVITAÇÃO......................................................................................13

Os Planetas............................................................20A TERRA.............................................................................................20OS OUTROS PLANETAS....................................................................24VELOCIDADE DE ESCAPE................................................................27DENSIDADE E FORMAÇÃO PLANETÁRIA........................................32

Matéria Comprimida...............................................38INTERIORES PLANETÁRIOS.............................................................38RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO.......................................................42ESTRELAS..........................................................................................46MATÉRIA DEGENERADA...................................................................49

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Anãs Brancas.........................................................55GIGANTES VERMELHAS E COMPANHEIRAS ESCURAS................55SUPERDENSIDADE............................................................................59O DESVIO PARA O VERMELHO DE EINSTEIN.................................63FORMAÇÃO DE ANÃS BRANCAS.....................................................66

Matéria em Explosão..............................................71A GRANDE EXPLOSÃO......................................................................71A SEQÜÊNCIA PRINCIPAL.................................................................76NEBULOSAS PLANETÁRIAS..............................................................81NOVAS................................................................................................84SUPERNOVAS....................................................................................90

Estrelas de Nêutrons..............................................96ALÉM DA ANÃ BRANCA.....................................................................96ALÉM DA LUZ......................................................................................99PULSARES........................................................................................102PROPRIEDADES DAS ESTRELAS DE NÊUTRONS........................107EFEITOS DE MARÉ..........................................................................111

Buracos negros....................................................119VITÓRIA FINAL..................................................................................119A DETECÇÃO DO BURACO NEGRO...............................................124MINIBURACOS NEGROS.................................................................130O USO DOS BURACOS NEGROS....................................................135

Fins e Começo.....................................................137O FIM ?..............................................................................................137BURACOS DE MINHOCA E BURACOS BRANCOS.........................141QUASARES.......................................................................................145O OVO CÓSMICO.............................................................................150

Apêndice..............................................................................................156

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Partículas e Forças

Desde 1960 o universo adquiriu uma fisionomia inteiramente nova. Tornou-se mais excitante, mais misterioso, mais violento e mais extremo, pois nosso conhecimento a seu respeito cresceu subitamente. E dentre todos os fenômenos, o mais excitante, o mais misterioso, o mais violento e o mais extremo é o que tem o nome mais simples, comum, tranqüilo e sereno. Trata-se tão-somente de um " buraco negro ".

Um buraco é um nada. E se é negro, nem podemos vê-lo. Por que o entusiasmo por um nada invisível?

Há causa para esse entusiasmo — se aquele buraco negro representa o estado mais extremo possível da matéria, se representa o possível fim do universo, se representa o possível começo do universo, se representa novas leis físicas e novos métodos para ultrapassar o que antes eram consideradas limitações absolutas.

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No entanto, para compreendermos o buraco negro, convém começar do começo e seguir passo a passo o caminho que leva até ele.

AS QUATRO FORÇAS

As várias partículas que compõem o universo interagem entre si de quatro maneiras diferentes. Cada uma dessas maneiras é uma forma particular de interação ou, para usarmos um termo mais antiquado, porém mais comum, uma força. Os cientistas jamais conseguiram detectar uma quinta força, ou mesmo descobrir qualquer razão pela qual uma quinta força seria necessária.

O Quadro 1 relaciona as quatro forças em ordem decrescente de intensidade.

QUADRO 1 — Intensidade relativa das quatro forças

Força Intensidade relativa*

Nuclear 103

Eletromagnética 1

Fraca 10-11

Gravitacional 10-39

Toda partícula existente no universo é fonte de uma ou mais dessas forças. Cada partícula serve como centro de um volume de espaço em que essa força existe com uma intensidade que diminui ao aumentar a distância da fonte. O volume de espaço em que aquela força pode atuar é o campo de força.

Qualquer partícula capaz de servir como fonte de um campo particular responderá a um campo semelhante criado por outra partícula. Em geral, a resposta se dá em termos de movimento: as partículas mo-

* As intensidades relativas são dadas em números exponenciais, ou seja, 103 representa 1.000 e 10-11 representa 1/100.000.000.000. Alguns detalhes concernentes aos números exponenciais aparecem no Apêndice, caso o leitor não esteja familiarizado com eles.

vem-se uma em direção à outra (atração) ou afastam-se uma da outra

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(repulsão), a menos que obstáculos físicos o impeçam.

Assim, qualquer objeto capaz de produzir um campo gravitacional haverá de se mover, se colocado no campo gravitacional da Terra, em direção ao centro da Terra — isto é, cairá. A Terra, por sua vez, também se moverá em direção ao centro do objeto, mas já que, com toda probabilidade, será muito maior do que o objeto, subirá correspondentemente mais devagar — em geral, na verdade, com uma lentidão incomensurável.

Dentre as quatro forças, duas — a nuclear e a fraca — só atuam em distâncias incrivelmente pequenas, da ordem de 10-18 centímetros ou menos, Essa distância representa praticamente a largura do minúsculo núcleo existente no centro do átomo.

Só dentro do núcleo, na vizinhança imediata de partículas isoladas, é que essas forças existem. Por esse motivo, a denominação força nuclear é, às vezes, dada a ambas, sendo diferenciadas, no tocante à sua intensidade relativa, pelas expressões força nuclear forte e força nuclear fraca.

Neste livro, entretanto, raramente haverá oportunidade para nos referirmos à força fraca, de modo que nos referiremos simplesmente à força nuclear mais forte como sendo a força nuclear, sem maiores qualificativos.

Não é provável que uma determinada partícula produza cada uma dessas forças, nem que responda a cada uma delas. Somente certas partículas, por exemplo, produzem força nuclear e respondem a ela. As que assim fazem são chamadas hádrions, termo derivado de uma palavra grega que significa "forte", uma vez que a força nuclear é a mais forte das quatro. Os hádrions mais comuns e mais importantes para a estrutura do universo são dois núcleons — o próton e o nêutron.

O próton foi descoberto em 1914 pelo físico britânico Ernest Rutherford (1871-1937) e seu nome provém da palavra grega que significa "primeiro", isso porque, ao tempo de sua descoberta, era o menor objeto conhecido que possuía carga elétrica positiva.

O nêutron foi descoberto em 1932 pelo físico inglês James Chadwick (1891-1974). Não tem carga elétrica, positiva ou negativa. Em outras palavras, é eletricamente neutro — donde seu nome.

Já em 1911 Rutherford havia demonstrado que um átomo contém quase toda sua massa numa região pequeníssima em seu centro, o núcleo. Assim que se descobriram os prótons, compreendeu-se que são partículas relativamente sólidas e que deviam estar localizadas no núcleo. O número de prótons varia de uma espécie de átomo para outra:

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o átomo de hidrogênio possui um único próton no núcleo, o átomo de hélio tem 2, o átomo de lítio tem 3 e assim por diante — até o átomo de urânio, que tem 92 prótons. Átomos de massa ainda maior já foram criados em laboratório.

Mas o que mantém os prótons juntos no núcleo, onde se acham todos eles comprimidos em tamanha proximidade?

Antes de 1935, somente se conheciam duas forças — a eletromagnética e a gravitacional. A força gravitacional é fraca demais para conservar os átomos juntos.

A força eletromagnética é suficientemente forte para isso, mas ela só pode se manifestar como uma atração ou como uma repulsão. Entre duas partículas de carga elétrica oposta (positiva e negativa) há uma atração. Entre duas partículas com a mesma carga elétrica (positiva e positiva ou negativa e negativa) há uma repulsão.

Todos os prótons têm carga positiva e, por conseguinte, deveriam repelir-se mutuamente, sendo a repulsão mais intensa quanto riais próximos estiverem os prótons uns dos outros. No núcleo atômico, com os prótons apertados de tal maneira que se acham praticamente em contato, a repulsão eletromagnética deve ser de uma intensidade enorme — e, no entanto, os prótons permanecem juntos.

Além de prótons, no núcleo também existem nêutrons, mas isso não parece resolver a situação. Como os nêutrons não têm carga elétrica, eles não produzem força eletromagnética nem reagem a ela; por isso, não deveriam atrair nem repelir os prótons. Não deveriam manter os prótons juntos nem acelerar sua separação.

Só em 1935 o físico japonês Hideki Yukawa (1907 - ) expôs uma teoria satisfatória da força nuclear, mostrando que seria possível aos prótons e nêutrons, quando muito próximos uns dos outros, produzir uma força de atração mil vezes maior que a força de repulsão eletromagnética. O que a força nuclear junta, a força eletromagnética não pode separar.

A força nuclear só funciona plenamente e mantém os átomos estáveis quando os prótons e nêutrons se acham presentes em certas proporções. Para os átomos que contêm 40 partículas ou menos, a melhor proporção parece ser a de números iguais de prótons e nêutrons.

No caso de núcleos mais complicados, é preciso haver uma preponderância de nêutrons, crescendo essa preponderância à medida que o núcleo se torna mais complexo. Um núcleo de bismuto, por exemplo, contém 83 prótons, mas 126 nêutrons.

Quando um núcleo atômico é forçado a ter proporções fora da região de estabilidade, ele não se mantém intacto. Sob a influência da

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força fraca, pequenas partículas beta (beta é a segunda letra do alfabeto grego) são emitidas até a proporção ajustar-se às normas de estabilidade. Existem ainda outras formas pelas quais os átomos podem ser decompostos, porém todas essas maneiras se reúnem sob o título de radioatividade.

Por mais forte que seja a força nuclear, ela tem limites. A intensidade da força nuclear diminui muito rapidamente com a distância, e ela pode se fazer sentir fora do núcleo. Na verdade, sua influência atrativa reduz-se consideravelmente quando ela tem de se estender de uma extremidade à outra dos núcleos maiores.

A força eletromagnética também diminui, porém muito mais lentamente. O tamanho do núcleo é limitado, uma vez que por fim a repulsão eletromagnética de uma extremidade à outra se tornará igual à atração nuclear rapidamente decrescente de uma extremidade à outra. É por isso que os núcleos atômicos têm dimensões tão infinitesimais. A força nuclear simplesmente não consegue produzir qualquer coisa maior (exceto em condições raríssimas, de que trataremos mais tarde).

Concentremo-nos agora na interação eletromagnética, a qual, como já foi dito, só é produzida por aquelas partículas que têm carga elétrica, e às quais só as partículas carregadas reagem. A carga é de dois tipos, positiva e negativa. A força entre cargas positiva e negativa é uma atração, ao passo que a força entre cargas positiva e positiva ou negativa e negativa é uma repulsão.

O próton, com sua carga elétrica positiva, é fonte de força nuclear e eletromagnética e reage a ambas. O nêutron, que é eletricamente descarregado, é fonte apenas de força nuclear e reage somente a ela.

Além dessas, existem as partículas denominadas léptons, cujo nome deriva de uma palavra grega que significa "fraco"; os léptons são fonte da força fraca, à qual reagem, mas jamais reagem à força nuclear. Alguns léptons, no entanto, têm carga elétrica e são fontes de força eletromagnética e a ela respondem, da mesma forma que são fonte de força fraca, à qual reagem.

O mais importante dos léptons, no que diz respeito à matéria ordinária, é o elétron, que tem carga elétrica negativa. (As partículas beta produzidas por núcleos instáveis, por intermédio da força fraca, são elétrons.) O elétron foi descoberto em 1897 pelo físico inglês Joseph John Thomson (1856-1940), e recebeu esse nome por ser a menor unidade de carga elétrica então conhecida (ou, aliás, conhecida até hoje).

As informações de que agora dispomos podem ser sumarizadas como mostra o Quadro 2.

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QUADRO 2 — Partículas e forças

Próton Nêutron Elétron

Força nuclear Sim Sim Não

Força eletromagnética Sim Não Sim

NOTA: Existem também partículas como o elétron, mas com carga elétrica positiva: são os antielétrons ou pósitrons. Um próton com carga elétrica negativa é um antipróton. Um nêutron com algumas de suas propriedades invertidas é um antinêutron. Como grupo, esses opostos são as antipartículas. Da mesma forma que as partículas comuns compõem toda a matéria que nos rodeia, as antipartículas poderiam compor a antimatéria. Tal antimatéria pode existir em algum ponto do universo, mas nunca pudemos detectá-la; contudo, os cientistas podem produzi-la em quantidades ínfimas, em laboratório.

ÁTOMOS

Já que os elétrons não estão sujeitos à força nuclear, não podem fazer parte do núcleo. Não obstante, um elétron é atraído para um próton graças à força eletromagnética e tende a permanecer perto de um deles. Assim sendo, se um núcleo é constituído de um único próton, existe a probabilidade de que um único elétron seja mantido em sua vizinhança pela força eletromagnética. Se houver dois prótons no núcleo, é provável que sejam dois os elétrons mantidos em sua vizinhança, e assim por diante.

O núcleo e os elétrons próximos perfazem o átomo. (Átomo vem de uma palavra grega que significa "inquebrável", porque quando se começou a lidar com átomos julgava-se que não pudessem ser decompostos em unidades menores.)

Sucede que a carga do elétron é exatamente igual à do próton (ainda que de natureza oposta). Portanto, quando existem x prótons no núcleo, a existência de x elétrons nas regiões vizinhas a ele significa que as duas espécies de carga elétrica se neutralizarão de maneira precisa. Como um todo, o átomo é eletricamente neutro.

Ainda que o elétron e o próton sejam iguais no tamanho da carga elétrica, eles não têm a mesma massa. *O próton tem massa 1.836,11

* Quando dizemos que um objeto possui massa, queremos dizer que é necessária uma força para fazê-lo mover-se, se está parado, ou para alterar a velocidade ou o sentido do movimento, se já está se movendo. Quanto mais massa ele possui, mais força é necessária. Em circunstâncias normais, aqui na superfície da Terra, os objetos possuidores de grande massa impressionam nossos sentidos como sendo "pesados". Quanto mais massa têm, mais pesados são. Entretanto, massa e peso não são coisas idênticas, e embora o significado fique claro se dissermos que o próton é muito mais pesado do que o elétron, é mais seguro dizer que "possui mais massa".

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vezes maior que a do elétron. Imaginemos, pois, um átomo com 20 prótons e 20 nêutrons no núcleo e 20 elétrons nas regiões exteriores. A carga elétrica está equilibrada, porém mais de 99,97% da massa do átomo se encontram no núcleo. Entretanto, ainda que o núcleo contenha quase toda a massa de um átomo, ele constitui uma fração minúscula de seu volume (Isto é um ponto importante para o tema deste livro, como haveremos de ver). O núcleo tem um diâmetro de aproximadamente 10-43 centímetros; o de um átomo é de mais ou menos 10-8 centímetros.

Isso significa que o átomo é 100.000 vezes mais largo que o núcleo. Seriam necessários 100.000 núcleos, postos lado a lado, para cobrir o diâmetro do átomo de que faz parte. Se o leitor imaginar que o átomo é uma esfera oca e começar a enchê-la de núcleos, há de verificar que são necessários 1015 (um milhão de bilhões) de núcleos para enchê-lo, Consideremos agora dois átomos. Cada um deles tem uma carga elétrica geral igual a zero. Poderíamos supor, nesse caso, que não se atrairiam mutuamente; que, por assim dizer, não tomariam conhecimento da existência um do outro, no que se refere à força eletromagnética.

Idealmente seria assim. Se em vários átomos, a carga do elétron estivesse espalhada com perfeita uniformidade numa esfera em torno do núcleo, e se a carga positiva do núcleo estivesse uniformemente misturada à carga negativa dos elétrons, nesse caso a força eletromagnética não desempenharia nenhum papel entre os átomos.

As coisas, entretanto, não sucedem assim. A carga negativa dos elétrons está presente nas regiões externas do átomo e a carga positiva do núcleo está oculta em seu interior; quando dois átomos aproximam-se um do outro, é a região externa negativamente carregada de um deles que está se aproximando da região externa carregada negativamente do outro. As duas regiões de carga negativa se repelem (cargas iguais repelem-se), e isso significa que quando dois átomos se aproximam muito, eles se desviam ou ricocheteiam. Uma amostra de hélio, por exemplo, é constituída de átomos de hélio separados que giram eternamente um em volta do outro, num mútuo movimento de ricochete. A temperaturas normais, os átomos de hélio movem-se com bastante rapidez e imprimem um ao outro um movimento de ricochete de força considerável. À medida que a temperatura baixa, entretanto, os átomos movem-se cada vez mais devagar e ricocheteiam com crescente fraqueza. Os átomos de hélio juntam-se mais, o hélio se contrai e. seu volume diminui.

Por outro lado, se a temperatura aumenta, os átomos movem-se mais depressa, ricocheteiam com mais força e o hélio se dilata.

Aparentemente, não haveria limite para a rapidez com que os átomos poderiam mover-se (dentro do razoável), mas é fácil estabelecer

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um limite para seu movimento lento. Se a temperatura cair suficientemente, chega-se a um ponto em que eles se movem tão lentamente que nenhuma energia poderá mais ser tirada deles. A esse nível de frio alcançamos uma temperatura de zero absoluto, que é igual a -273,18°C.

Ainda que os átomos de hélio tenham uma distribuição de carga que se aproxima bastante da perfeita simetria, ela não é completamente perfeita. A carga elétrica não se distribui de maneira exatamente uniforme e, em conseqüência disso, certas partes da superfície do átomo são um pouco menos carregadas negativamente do que outras. Por isso, a carga positiva interna do átomo se infiltra pelas áreas menos negativas do exterior, por assim dizer, e dois átomos vizinhos atraem-se mutuamente com muita debilidade. Essa débil atração é denominada força de van der Waals, por ter sido definida pela primeira vez pelo físico holandês Jones Diderik van der Waals (1837-1923). Quando a temperatura cai e os átomos de hélio movem-se cada vez mais lentamente, a força de ricochete acaba por não ser suficiente para vencer as minúsculas forças de van der Waals. Os átomos se juntam e o hélio se liquefaz.

As forças de van der Waals são tão fracas no átomo do hélio, altamente simétrico, que a temperatura tem de cair a 4,3 graus acima do zero absoluto para que o hélio se torne líquido. Todos os demais gases têm uma distribuição de carga menos simétrica em seus átomos; por conseguinte, experimentam forças de van der Waals maiores e se liquefazem a temperaturas mais altas.

Às vezes os átomos podem se atrair de modo mais forte. Nas regiões externas dos átomos os elétrons dispõem-se em camadas, e a estrutura tem estabilidade máxima se todas as camadas estiverem cheias. Exceto no caso do hélio e de alguns elementos semelhantes, em geral os átomos têm sua camada mais exterior incompleta ou possuem alguns elétrons de sobra, depois de completada aquela camada.

Existe, por isso, uma tendência para que, no momento da colisão de dois átomos, haja uma transferência de um ou dois elétrons do átomo em que são excedentes para aquele em que faltam, o que deixa ambos com as camadas mais externas completas. Mas, nesse caso, o átomo que recebe elétrons ganhou uma carga negativa e o que perdeu elétrons não pode mais equilibrar completamente a carga de seu núcleo, ganhando com isso uma carga positiva. Os dois átomos apresentam, então, tendência para se aglutinarem.

Pode ocorrer ainda que dois átomos, ao colidirem, partilhem elétrons, o que ajuda a preencher a camada mais externa de ambos. Assim, os dois átomos passam a apresentar suas camadas mais externas completas, desde que permaneçam em contato.

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Em ambos os casos — transferência ou partilha de elétrons — é preciso uma energia considerável para separar os átomos, em circunstâncias normais eles permanecem juntos. Tais combinações de átomos são chamadas moléculas, de uma palavra latina que significa "pequeno objeto".

Às vezes, dois átomos em contato bastam para produzir estabilidade. Dois átomos de hidrogênio formam uma molécula de hidrogênio; dois átomos de nitrogênio, uma molécula de nitrogênio, e dois átomos de oxigênio, uma molécula de oxigênio.

Às vezes, é preciso que mais de dois átomos entrem em contato para completar todas as camadas; a molécula de água é constituída de um átomo de oxigênio e dois átomos de hidrogênio; a molécula de metano compõe-se de um átomo de carbono e quatro átomos de hidrogênio; a molécula de bióxido de carbono é constituída por um átomo de carbono e dois átomos de oxigênio, e assim por diante.

Em alguns casos, uma molécula pode ser formada por milhões de átomos. Isso acontece porque os átomos de carbono, em particular, são capazes de partilhar elétrons com até quatro outros átomos diferentes. Por conseguinte, é possível a formação de longas cadeias e complicados anéis de átomos de carbono; tais cadeias e anéis formam a base das moléculas que caracterizam o tecido vivo. As moléculas de proteínas e de ácidos nucléicos, no corpo humano e em todas as demais coisas vivas, são exemplos dessas macromoléculas (macro é uma palavra grega que quer dizer "grande").

As combinações de átomos em que os elétrons são transferidos podem acarretar a formação de cristais, nos quais os átomos existem em incontáveis milhões, enfileirados em colunas uniformes.

De modo geral, quanto maior a molécula e quanto menos uniforme for a distribuição da carga elétrica na mesma, mais provável será a reunião de muitas moléculas e a formação de substância líquida ou sólida.

Todas as substâncias sólidas que vemos são mantidas fortemente coesas pelas interações eletromagnéticas que existem, primeiro, entre elétrons e prótons, depois entre diferentes átomos e, por fim, entre diferentes moléculas.

Além disso, essa capacidade que a força eletromagnética apresenta de manter juntas miríades de partículas estende-se em direção ao exterior, indefinidamente. A interação nuclear, que envolve uma atração que se dissipa com extrema rapidez ao aumentar a distância, só é capaz de gerar o pequeníssimo núcleo atômico. A força eletromagnética, que se dissipa lentamente com a distância, é capaz de amalgamar qualquer coisa, desde partículas de pó a montanhas; pode produzir um corpo do tamanho da Terra e corpos ainda muito mais colossais.

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A força eletromagnética está intimamente relacionada conosco, e de maneiras mais complexas que simplesmente nos possibilitando, e ao planeta em que vivemos, ser mantidos coesos. Toda mudança química é resultado de deslocamentos ou transferências de elétrons de um átomo para outro. Isso inclui os delicadíssimos e versáteis deslocamentos e transferências nos tecidos de seres vivos, como nós. Todas as mudanças que ocorrem dentro de nosso corpo — a digestão dos alimentos, a contração dos músculos, o crescimento de novo tecido, os impulsos nervosos, a geração de pensamentos no cérebro — são o resultado de mudanças sob o controle da força eletromagnética.

Alguns deslocamentos de elétrons liberam considerável energia; a energia de uma fogueira, da queima de carvão ou óleo, assim como a energia produzida dentro do tecido vivo, resultam de mudanças sob o controle da força eletromagnética.

DENSIDADE

Ao se separarem os átomos ou moléculas de um dado fragmento de matéria, devido ao aumento da temperatura ou por qualquer outro motivo, passa a haver menos massa num determinado volume fixo daquela matéria. Acontece o oposto se os átomos ou moléculas se juntarem mais.

A quantidade de massa por volume dado é dita densidade; em outras palavras, quando a matéria se expande sua densidade diminui; quando a matéria se contrai, sua densidade aumenta.

Usando o sistema métrico, os cientistas medem a massa em gramas e o volume em centímetros cúbicos. Para darmos um exemplo típico de densidade, um centímetro cúbico de água tem massa de um grama. (Não é por coincidência; as duas unidades de medida foram definidas na década de 1790 para se ajustarem dessa maneira.) Isso significa que podemos dizer que a água tem uma densidade de 1 grama por centímetro cúbico ou, abreviadamente, 1 g/cm3.

As mudanças de densidade não são apenas questão de dilatação ou contração. Substâncias diferentes têm densidades diferentes devido à própria natureza de suas estruturas.

Os gases apresentam densidades muito inferiores às dos líquidos porque são constituídos de átomos ou moléculas separadas, com pequena atração uns pelos outros. Enquanto as moléculas dos líquidos estão praticamente em contato, os átomos ou as moléculas dos gases movem-se rapidamente, ricocheteando uns nos outros e assim permanecendo bastante separados. A maior parte do volume de um gás é constituída do espaço vazio entre os átomos e moléculas.

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Por exemplo, uma amostra de hidrogênio gasoso preparada na Terra, a temperaturas e pressões normais, teria uma densidade de aproximadamente 0,00009 (ou 9 x 10-5) g/cm3. A água líquida é um pouco mais de 11.000 vezes mais densa que o hidrogênio gasoso.

A densidade do hidrogênio poderia ser tornada ainda mais baixa se fosse permitido às moléculas de hidrogênio (ou átomos separados, no caso) se separarem mais. No espaço exterior, por exemplo, há tão pouca matéria que só existe, em média, um átomo de hidrogênio em cada centímetro cúbico. Nesse caso, a densidade do espaço exterior seria alguma coisa semelhante a 0,0000000000000000000000017 g/cm3 — praticamente nenhuma, na verdade. A densidade da água é cerca de 600 bilhões de trilhões de vezes maior que a do espaço exterior.

Diferentes gases tendem a diferir em densidade. Em condições semelhantes, os átomos e moléculas que compõem os gases estão separados por um espaço vazio praticamente igual. A densidade depende então da massa dos átomos ou moléculas individuais. Se um gás é composto de moléculas com o triplo da massa das moléculas de outro, nesse caso a densidade do primeiro é três vezes maior que a do segundo.

Por exemplo, um gás com uma molécula de massa particularmente grande é o hexafluoreto de urânio. Cada molécula compõe-se de um átomo de urânio e seis átomos de flúor e o conjunto tem massa 176 vezes maior que as moléculas de hidrogênio, com seus dois átomos de hidrogênio. O hexafluoreto de urânio é um líquido que se transforma em gás com pequeno aquecimento, e a densidade do gás é de aproximadamente 0,016 g/cm3. A água líquida é apenas 62,5 vezes mais densa que esse gás.

Ainda assim, qualquer gás, mesmo o hexafluoreto de urânio, é formado principalmente por espaços vazios. Se tal gás for comprimido — por exemplo, colocado num recipiente fechado cujas paredes sejam então empurradas uma em direção à outra — as moléculas são empurradas mais para perto umas das outras e a densidade aumenta.

O mesmo efeito é produzido com eficiência ainda maior se a temperatura for baixada. As moléculas de gás se ajuntam mais, e a uma determinada temperatura, suficientemente baixa, o gás se transforma em líquido, no qual as moléculas ficam praticamente em contato.

Se o hidrogênio é esfriado a temperaturas baixíssimas, ele não só se liquefaz, como, a 14 graus acima do zero absoluto, congela. As moléculas não só estão em contato, como também permanecem mais ou menos fixas no lugar, de modo que a substância é agora um sólido.

O hidrogênio sólido é a substância sólida menos densa que existe, com uma densidade de 0,09 g/cm3 — um décimo da densidade da água sólida. Contudo, apesar de sua baixa densidade, o hidrogênio sólido é

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apenas cinco vezes mais denso que o hexafluoreto de urânio, um gás densíssimo.

De modo geral, a densidade dos líquidos e dos sólidos também aumenta ao aumentar a massa dos átomos e moléculas individuais que os compõem. Um sólido constituído de átomos de grande massa é geralmente mais denso que um sólido composto de átomos de menor massa. Entretanto, a regra não é invariável. No caso dos sólidos a situação é mais complexa que no caso dos gases.

A massa comparativa de diferentes átomos é dada por um número conhecido como peso atômico. O peso atômico do hidrogênio é de aproximadamente 1, de modo que o peso atômico de qualquer outro átomo nos dá uma idéia aproximada do número de vezes que ele é mais pesado que um átomo de hidrogênio. O átomo de alumínio, por exemplo, tem um peso atômico de aproximadamente 27, enquanto o átomo de ferro tem um peso atômico de cerca de 56. O átomo de ferro tem 56 vezes a massa de um átomo de hidrogênio e pouco mais do dobro da massa de um átomo de alumínio.

O ferro, no entanto, tem uma densidade de 7,85 g/cm3, ao passo que a do alumínio é de 2,7 g/cm3. O ferro é quase três vezes mais denso que o alumínio.

Se o ferro se compõe de átomos com massa duas vezes maior que os de alumínio, por que o ferro tem densidade três vezes maior? Por que não apenas duas vezes maior?

A resposta está em que outros fatores intervêm; por exemplo, a quantidade de espaço que é ocupada pelos elétrons de um determinado átomo e o fato de certas disposições atômicas serem mais compactas do que outras. Os átomos cujos elétrons giram a uma distância grande do núcleo central são menos densos do que seria de se esperar de sua massa, que está, afinal, concentrada no minúsculo núcleo. Os elétrons representam quase que apenas espaço vazio, e se eles se estendem para fora e ocupam mais espaço, a densidade diminui.

Assim, o césio, com um peso atômico de 132,91, tem uma densidade de apenas 1,873 g/cm3, pois seus elétrons ocupam grande quantidade de espaço. Os átomos de cobre, muito mais compactos e com um peso atômico de 63,54, menos da metade do peso atômico do césio, dão ao cobre uma densidade de 8,95 g/cm3, quase cinco vezes superior à do césio.

Portanto, se desejarmos conhecer a substância com maior densidade conhecida devemos procurar entre átomos de grande massa, mas não necessariamente entre aqueles de massa máxima. O elemento de ocorrência natural que possui átomos de maior massa é o urânio, com um peso atômico de 238,07. Sua densidade é alta — 18,68 g/cm3 , o dobro da do cobre —

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mas não estabelece um recorde: há nada menos que quatro elementos com densidade maior, os quais, juntamente com o urânio, estão listados no Quadro 3 em ordem de densidade crescente.

QUADRO 3 — Elementos de alta densidade

Elemento Peso atômico Densidade (g/cm3)

Urânio 238,07 18,68

Ouro 197,0 19,32

Platina 195,09 21,37

Irídio 192,2 22,42

Ósmio 190,2 22,48

O ósmio, um metal raro, mantém o recorde. Dentre os materiais que compõem a crosta terrestre ou que dela podem ser obtidos, é o mais denso. Imagine-se um lingote de ósmio puro, com 15 cm de comprimento, 5 cm de largura e 2 cm de espessura; não é muito, mas esse lingote, com apenas 150 cm3, pesaria 3,372 kg.

GRAVITAÇÃO

Até aqui estendemo-nos longamente sobre as forças nuclear e eletromagnética e deixamos de lado a força fraca, considerando-a relativamente sem importância para nossos objetivos. Contudo, praticamente não fizemos menção à força gravitacional — e ela é a mais importante de todas, no que se refere ao tema deste livro. Na verdade, falaremos tanto dela que seria conveniente pouparmos algum esforço e nos referirmos à força gravitacional simplesmente como gravitação, quando isso parecer natural.

A gravitação afeta qualquer partícula com massa, hádrions, léptons e qualquer combinação deles — o que significa todos os objetos que vemos na Terra e no céu. * Podemos agora expandir o Quadro 2, transformando-o no Quadro 4 pelo acréscimo da força fraca e da gravitação.

* Há certas partículas sem massa, que não são afetadas, no sentido comum do termo, pela gravitação. Por exemplo, as partículas de luz e de radiações semelhantes, chamadas fótons (de uma palavra grega que significa "luz"), não têm massa. Outro exemplo são certas partículas sem carga elétrica, denominadas neutrinos. Ambas aparecerão mais tarde, neste livro.

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QUADRO 4 — As partículas e as quatro forças

Próton Nêutron Elétron

Força nuclear Sim Sim Não

Força eletromagnética Sim Não Sim

Força fraca Não Não Sim

Força gravitacional Sim Sim Sim

Dentre todas as forças, a gravitação é de longe a mais fraca, como mostramos no Quadro 1. Podemos demonstrar isso, ao invés de simplesmente afirmá-lo, com cálculos matemáticos simples.

Suponhamos dois objetos dotados de massa, sozinhos no universo. A força gravitacional entre eles pode ser expressa por uma equação elaborada pela primeira vez em 1687, pelo cientista inglês Isaac Newton (1642-1727), e que é:

F(g) = Gmm’ (Equação. 1)

d2

Nessa equação, F(g) é a intensidade da força gravitacional entre os dois corpos, m é a massa de um dos corpos, m’ é a massa do outro corpo, d a distância entre eles e G a constante gravitacional universal.

Cumpre termos cuidado com nossas unidades de medida. Costuma-se medir a massa em gramas e a distância em centímetros. G é medido em unidades um pouco mais complicadas, com que não precisamos nos preocupar aqui. Se usarmos gramas e centímetros, terminaremos determinando a força gravitacional em unidades chamadas dinas.

O valor de G é fixo, pelo que sabemos, em todas as partes do universo.* Seu valor nas unidades que estamos empregando para ele é de 6,67 x 10-8, ou 0,0000000667. Suponhamos que os dois corpos em questão estejam separados por exatamente 1 cm, de modo que d = 1 e que, portanto, d2 = d x d = 1 x 1 = 1. Nesse caso, pois, a Equação 1 torna-se:

F(g) = 6,67 x 10-8 mm’ (Equação. 2)

Suponhamos agora que estamos lidando com um elétron e um próton. A massa do elétron (m) é de 9,1 x 10-28 gramas. A massa

* Há uma certa discussão a respeito disso, assunto que será abordado mais adiante.

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do próton (m') é de 1,7 x 10-24 gramas. Se multiplicarmos esses dois números e multiplicarmos o produto por 6,67 x 10-8, terminamos com um produto final de 1 x 10-58 dinas, ou 0,0000000000000000000000000000000000000000000 000000000000001 dinas (Temos aí um exemplo do motivo pelo qual os cientistas preferem usar números exponenciais e não os decimais comuns).

Podemos, Por conseguinte, dizer que para um próton e um elétron separados por 1 cm a atração gravitacional entre eles pode ser representada como:

F(S) = 1 x 10-58 dinas. (Equação 3)

Passemos agora para a força eletromagnética e montemos uma equação para sua intensidade entre dois objetos carregados eletricamente sozinhos no universo.

Exatamente cem anos depois de Newton haver elaborado a equação para a força gravitacional, o físico francês Charles Augustin de Coulomb (1736-1806) conseguiu demonstrar que uma equação muito semelhante poderia ser empregada para determinar a intensidade da força eletromagnética. A equação é:

F(e) = qq’ (Equação 4)

d2

Nessa equação, F(e) é a intensidade da força eletromagnética entre os dois corpos, q é a carga elétrica de um corpo, q’ é a carga elétrica de outro e d é a distância entre eles. Também neste caso a distância é medida em centímetros, e se medirmos a carga elétrica nas chamadas unidades eletrostáticas não será necessário adotar um termo análogo à constante gravitacional, desde que os objetos estejam separados pelo vácuo. (Como estou supondo que os objetos se acham sozinhos no universo, é claro que há um vácuo entre eles.) Além disso, se usarmos essas unidades obteremos para F(e) um resultado também expresso em dinas.

Se, mais uma vez, supusermos que os dois objetos em questão acham-se a 1 cm de distância um do outro, d2 é novamente igual a 1 e a equação pode ser escrita da seguinte maneira:

F(e) = qq’ (Equação 5)

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Suponhamos ainda que esses corpos sejam um elétron e um próton. As duas partículas possuem cargas elétricas iguais (muito embora sejam de sinais contrários), sendo cada uma dessas cargas de 4,8 x 10-10 unidades eletrostáticas. O produto qq’ é igual a 4,8 x 10-10 x 4,8 x 10-10 = 2,3 x 10-19

dinas.

Portanto, para um elétron e um próton separados por 1 cm, a força eletromagnética entre eles é de:

F(e) = 2,3 x 10-19 dinas (Equação 6)

Se desejarmos saber o quanto a força eletromagnética é mais forte que a força gravitacional, temos de dividir F(e) por F(g). Como em nossos exemplos ambas as intensidades estão sendo medidas em dinas, essas unidades serão mutuamente canceladas e teremos como resultado um número "puro", um número sem unidades.

Se dividirmos a Equação 6 pela Equação 3, teremos:

F(e) = 2,3 x 10-19 = 2,3 x 1039 (Equação 7)

F(g) 1,0 x 10-58

Em outras palavras, a força eletromagnética é 2.300.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 vezes mais forte que a força gravitacional.

Para termos uma idéia da enormidade dessa diferença de intensidade, suponhamos que representemos a força gravitacional por uma massa de 1 grama. Que massa teríamos então de usar para representar a força eletromagnética? Teria de ser uma massa igual a um milhão de corpos com a massa de nosso Sol.

Suponhamos, ainda, que a intensidade da força gravitacional seja simbolizada por uma distância igual à largura de um átomo. A intensidade da força eletromagnética teria então de ser representada por uma distância mil vezes maior que a largura de todo o universo conhecido.

A gravitação, portanto, é a mais fraca das quatro forças. Mesmo a chamada força fraca é 10.000 trilhões de trilhões de vezes mais forte que a gravitação.

Não é de admirar, assim, que os físicos nucleares, ao estudarem o comportamento das partículas subatômicas, levem em consideração a força nuclear, a força eletromagnética e a força fraca, mas ignorem inteiramente a força gravitacional. A gravitação é tão fraca que simplesmente nunca

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influencia o rumo dos acontecimentos no interior dos átomos e dos núcleos atômicos num nível mensurável.

Também é esse o caso na química: em todas as considerações das várias mudanças químicas no corpo e no ambiente não-vivo, só é preciso levar em conta a força eletromagnética — dedicando-se algum interesse à força nuclear e à força fraca, no caso da radioatividade — mas nunca à força gravitacional. A gravitação é tão fraca que não causa nenhum efeito mensurável nas mudanças químicas comuns.

Nesse caso, por que não poderíamos simplesmente esquecer a gravitação?

Porque, seja como for, ela existe e porque, apesar de sua incrível debilidade, ela se faz sentir. Percebemos sua influência toda vez que levamos um tombo. Sabemos que se cairmos de uma pequena altura (digamos, da janela do terceiro andar até o chão) é muito provável que venhamos a morrer por causa do puxão da gravitação. Sabemos que é a gravitação que mantém a Lua em órbita ao redor da Terra e a Terra em redor do Sol. Como é possível que uma força tão pequena tenha tais efeitos?

Consideremos novamente as quatro forças. A força nuclear e a fraca diminuem tão depressa com a distância que não há necessidade de as levarmos em conta fora de objetos como os núcleos atômicos.

A força eletromagnética e a gravitacional, no entanto, só diminuem na razão do quadrado da distância, e esse ritmo de diminuição é suficientemente lento para possibilitar que ambas as forças se façam sentir a grandes distâncias.

Contudo, há uma diferença crucial entre as duas forças. Existem dois tipos opostos de carga elétrica e, até onde sabemos, apenas uma espécie de massa.

No caso da força eletromagnética, há atrações (entre cargas diferentes) e repulsões (entre cargas iguais). Sendo a força eletromagnética tão forte como é, a poderosa repulsão entre cargas iguais tende a dispersá-las, impedindo a acumulação de um grande número delas em qualquer lugar. A atração igualmente poderosa entre as cargas de sinais contrários tende a juntá-las, neutralizando-as. No fim, as cargas positivas e negativas (que se acham presentes no universo em quantidades iguais, ao que sabemos) ficam inteiramente misturadas, e em nenhum lugar existe mais que um minúsculo excesso de qualquer uma dessas cargas sobre a outra.

Por isso, embora a interação eletromagnética seja poderosa e esmagadora ao manter os elétrons na vizinhança do núcleo e ao manter reunidos os átomos vizinhos, um pedaço de matéria com dimensões razoáveis tem pouquíssima atração ou repulsão eletromagnética por outro

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pedaço de matéria de dimensões razoáveis a alguma distância, uma vez que em ambos objetos as duas diferentes espécies de carga acham-se tão bem misturadas que os dois corpos terminam por apresentar uma carga geral aproximadamente igual a zero.*

Todavia, já que só existe uma espécie de massa, só existe uma atração gravitacional. Ao que sabemos, não existe nada que se poderia chamar de repulsão gravitacional. Todo objeto com massa atrai todos os outros objetos com massa, e a força gravitacional total entre dois corpos quaisquer é proporcional à massa total dos dois corpos tomados em conjunto; não existe limite superior. Quanto maior a massa dos corpos, maior será a força gravitacional que atua entre eles.

Consideremos um objeto como a Terra, que possui massa igual a 3,5 x 1051 vezes a de um próton. Em outras palavras, a Terra tem uma massa 3.500 trilhões de trilhões de trilhões de trilhões de vezes maior que um próton. Por conseguinte, a Terra produz um campo gravitacional que é 3,5 x 1051 vezes maior que o de um simples próton. Outra maneira de olharmos a situação consiste em considerar que toda partícula na Terra que possui massa — todos os prótons, nêutrons e elétrons — é fonte de um pequeno campo gravitacional, e que todos esses pequenos campos se juntam para formar o campo gravitacional total da Terra.

A Terra possui também campos eletromagnéticos, para os quais todos os prótons e elétrons agem como fonte. Os campos dos prótons e dos elétrons tendem a cancelar-se, no entanto, de modo que o campo magnético da Terra é pequeníssimo. É suficiente para afetar a agulha da bússola e para desviar partículas carregadas provenientes do Sol e de outros corpos celestes, mas é terrivelmente fraco para um objeto do tamanho enorme da Terra, constituído de tantas partículas carregadas. Assim, muito embora a força gravitacional seja muito mais fraca que a força eletromagnética, quando se consideram partículas isoladas, a força gravitacional da Terra, como um todo, é muitíssimo maior que sua força eletromagnética. A força gravitacional da Terra é bastante forte para que a sintamos inequivocamente e até para nos matar, se não tivermos cuidado.

O enorme campo gravitacional da Terra é capaz de interagir com o campo menor da Lua, de modo que os dois corpos se mantêm fortemente unidos. Forças gravitacionais mantêm juntos os planetas e o Sol.

* É possível remover alguns elétrons de um objeto por fricção, deixando-o com uma pequena carga positiva, ou acrescentar alguns elétrons, deixando-o com uma pequena carga negativa. Tais corpos podem atrair-se ou repelir-se mutuamente ou a outros objetos, mas a força envolvida é inconcebivelmente pequena comparada ao que seria se todas as partículas carregadas em qualquer um dos corpos pudesse exercer sua plena força eletromagnética.

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Há forças gravitacionais mensuráveis entre os planetas e entre diferentes estrelas.

Na verdade, é a força gravitacional, e apenas ela, que mantém o universo e dita o movimento de todos os seus corpos; todas as demais forças têm influência localizada. Somente a força gravitacional, que é de longe a mais fraca de todas, guia os destinos do universo — através da combinação de atuar à distância e só exercer atração.

Em particular, é a força gravitacional que representa a chave para qualquer consideração dos buracos negros. Portanto, já estamos no caminho que leva a eles. Estudemos com cuidado os marcos dessa estrada.

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Os Planetas

A TERRA

Um dos primeiros marcos na estrada que conduz ao buraco negro (embora nem por sonhos fosse considerado como tal na época) foi a determinação da massa da Terra, o que foi efetuado através da força gravitacional.

Newton havia determinado que a intensidade do campo gravitacional produzido por qualquer objeto é proporcional à sua massa. Com efeito, essa é outra maneira de se definir massa: aquela propriedade da matéria que produz um campo gravitacional.

Não foi assim que eu defini massa no começo deste livro. Eu a descrevi como aquela propriedade da matéria que faz com que seja necessário usar uma força, de alguma espécie, a fim de produzir uma mudança no movimento da matéria, seja em velocidade ou direção. Quanto maior a força necessária para produzir uma certa mudança no movimento, maior será a massa do corpo ao qual a força é aplicada.

A primeira definição de massa, dada acima, é às vezes denominada massa gravitacional. A segunda, por envolver a relutância da matéria em sofrer uma mudança em seu movimento, propriedade essa chamada inércia, é denominada massa inercial. A gravitação e a inércia

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parecem ser duas propriedades inteiramente diferentes, e não parece haver qualquer razão para se supor que as duas espécies de massa devessem ser exatamente iguais e que, sempre que uma massa tivesse o dobro da inércia de outra, teria também um campo gravitacional de intensidade duas vezes maior. Não obstante, é assim que as coisas parecem suceder. Ninguém pôde jamais mostrar qualquer distinção entre a massa gravitacional e a massa inercial, de modo que atualmente não se discute que sejam idênticas.

Assim, o campo gravitacional da Terra exerce uma força sobre um corpo em queda livre, de modo que ele passa por uma mudança em seu movimento, ou aceleração, caindo cada vez mais depressa. Como a massa inercial e a massa gravitacional são iguais, podemos supor que o aumento de velocidade com que um objeto cai pode ser usado para medir a intensidade da gravitação da Terra.

Essa aceleração foi medida pela primeira vez na década de 1590, pelo cientista italiano Galileo Galilei (1564-1642). Ela é igual a 980 cm por segundo por segundo. Isso significa que a cada segundo um corpo em queda livre está se movendo 980 cm por segundo mais depressa do que estava no segundo anterior.

Voltemos agora à equação de Newton:

F = Gmm' (Equação 8)

d 2

onde F é a intensidade do campo gravitacional e, portanto, o valor da aceleração de um corpo em queda livre, o qual, como eu disse, é conhecido há muito tempo. G é a constante gravitacional, m é a massa do corpo que cai, m' é a massa da Terra e d é a distância entre o corpo e a Terra. O que nos interessa realmente é a massa da Terra, de modo que vamos alterar a equação lançando mão das habituais técnicas algébricas, de modo a isolar m' na porção esquerda da equação. Temos então:

m' = Fd2 (Equação 9)

Gm

Se tivermos valores para todos os símbolos do membro direito da equação podemos multiplicar o valor de F pelo valor de d, multiplicar

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o produto novamente por d, dividir esse resultado por G, dividir o quociente por m e isso dará o valor de m', a massa da Terra.

Bem, isso parece fácil, pois realmente dispomos do valor de F, como acabei de explicar. Temos também o valor de m, a massa do corpo em queda livre, pois podemos simplesmente pesá-lo numa balança, para encontrar sua massa em gramas.

A distância entre o corpo que cai e a Terra é um pouco complicada. Newton mostrou que quando um corpo produz um campo gravitacional, esse campo se comporta como se fosse produzido por toda a massa do corpo concentrada em seu centro de gravidade. Quando um corpo possui forma e propriedades que preenchem certas condições de simetria, o centro de gravidade encontra-se no centro geométrico do corpo. Essas condições de simetria prevalecem para a Terra e para todos os corpos mensuráveis que conhecemos no universo.

Isso significa que a Terra age como se seu campo gravitacional se originasse em seu centro; d, portanto, representa a distância que vai do corpo em queda livre até o centro da Terra, e não até a superfície do planeta. Se o corpo estiver perto da superfície da Terra, então a distância será igual ao raio da esfera da Terra naquele ponto.

Esse valor foi demonstrado pela primeira vez mais ou menos em 240 a.C. por um geógrafo grego chamado Eratóstenes (276-192 a.C.), que determinou o tamanho da esfera terrestre através do ângulo de curvatura da Terra, o qual, por sua vez, ele determinou medindo o ângulo com que os raios do Sol caíam em diferentes partes da superfície da Terra ao mesmo tempo. O raio da Terra (a distância desde a superfície até o centro) é igual a 637.000.000 de centímetros.

Temos agora os valores de F, m e d, mas até fins do século XVIII não tínhamos o valor de G, e até obtermos esse valor não podíamos usar a Equação 9 para calcular m', a massa da Terra.

Há algum meio pelo qual possamos determinar o valor de G?

Bem, se G for verdadeiramente universal, suponhamos então que meçamos o campo gravitacional entre duas bolas de chumbo e que façamos uso de outra forma da Equação 8. Técnicas algébricas permitem convertê-la em

G = Fd2 (Equação 10)

mm'

Podemos facilmente medir a massa de cada uma das bolas de chumbo, o que nos fornece os valores de m e de m'. Podemos medir

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também a distância entre elas, e isso nos dá o valor de d. Se pudermos então medir também a força gravitacional entre elas e obter F, poderemos resolver a equação e calcular o valor de G. Depois poderemos colocar o valor de G na Equação 9 e calcular imediatamente a massa da Terra.

Encontramos aí outra dificuldade. As forças gravitacionais são de tal forma fracas, em relação à massa, que é preciso um objeto de massa descomunal, como a Terra, para se ter um campo gravitacional suficientemente intenso para se medir facilmente. Antes de podermos trabalhar com objetos pequenos o bastante para serem levados ao laboratório, precisamos de algum dispositivo que possa medir essas forças ínfimas.

O necessário aprimoramento na mensuração ocorreu com a invenção, em 1777, da balança de torção, por Coulomb (aquele mesmo que definiu a Equação 4). Nesse tipo de balança medimos forças minúsculas fazendo-as torcer um fio ou um arame fino.

Para se detectar a torção é preciso prender ao fio vertical uma longa barra horizontal equilibrada no centro. Mesmo uma torção minúscula, quase imperceptível, produziria um movimento mensurável na extremidade da barra. Se o fio utilizado for bastante fino e a barra bastante longa, podemos medir a torção provocada pelos ultraminúsculos campos gravitacionais de objetos de tamanho comum.

O fio ou arame, entendamos, é elástico, de modo que existe dentro dele uma força que tende a destorcê-lo. Quanto mais ele for torcido, maior se torna a força de destorção. Por fim, esta equilibra a força de tensão e a barra assume uma nova posição de equilíbrio. É medindo-se a extensão em que a barra se torceu para alcançar um novo equilíbrio que se determina a intensidade da força que age sobre ela.

Em 1798 o químico inglês Henry Cavendish (1731-1810) tentou a seguinte experiência:

Começou com uma barra de 180 cm de comprimento e colocou em cada extremidade dela uma bola de chumbo com 5 cm de diâmetro. Em seguida suspendeu a barra com um fio metálico fino, preso a seu centro.

Depois Cavendish pendurou uma bola de chumbo com pouco mais de 20 cm de diâmetro de um lado de uma das bolas de chumbo menores, na extremidade da barra horizontal. Pendurou outra bola semelhante do lado oposto da outra bola de chumbo menor. O campo gravitacional das bolas grandes serviria agora para atrair as pequenas e girar o fio, dando-lhe uma nova posição. Pela mudança representada pela nova posição, comparada com a antiga, Cavendish poderia medir a minúscula força gravitacional entre as bolas de chumbo.

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(Evidentemente, Cavendish fechou tudo isso numa caixa e tomou todas as precauções para evitar que o fio fosse agitado por correntes de ar.)

Cavendish repetiu a experiência várias vezes, até se convencer de que tinha uma boa medida para F. Como não havia nenhum problema em medir a massa das bolas de chumbo ou as distâncias entre as bolas grandes e as pequenas, ele já dispunha dos valores de m, m' e d. Agora podia calcular o valor de G na Equação 10, e foi o que ele fez.

Empregando aprimoramentos das experiências de Cavendish, acreditamos hoje que a massa da Terra seja de 5,983 x 1027 gramas, ou aproximadamente 6.000 trilhões de trilhões de gramas.

Podemos determinar a densidade de qualquer objeto dividindo sua massa por seu volume. O volume da Terra tinha sido calculado cor-retamente, ou quase corretamente, com base no número determinado por Eratóstenes para a circunferência da Terra. Tendo Cavendish determinado a massa de nosso planeta, foi possível, portanto, calcular imediatamente a densidade média da Terra —5,52 g/cm3.

OS OUTROS PLANETAS

A importância da determinação da massa da Terra está não apenas nesse cálculo em si, mas também no fato de que ela permitiu aos astrônomos determinar a massa de grande número de outros objetos no universo.

Temos, por exemplo, a Lua, o único satélite da Terra, que se encontra a 384.000 quilômetros de nós e que gira em torno da Terra uma vez a cada período de 27 1/3 dias.

Mais precisamente, tanto a Terra como a Lua giram em torno de um centro de gravidade comum. Exigem as leis da mecânica que a distância entre cada corpo e seu centro de gravidade esteja relacionada com sua massa; em outras palavras, se a Lua tivesse a metade da massa da Terra estaria duas vezes mais distante do centro de gravidade do que a Terra; se tivesse uma massa três vezes menor, estaria três vezes mais longe, e assim por diante.

A posição do centro de gravidade do sistema Terra-lua pode ser determinada pelos astrônomos, que o situam a cerca de 1.650 km sob a superfície da Terra e a cerca de 4.720 km do centro de nosso planeta (Não nos esqueçamos de que é o centro que importa no que tange a questões gravitacionais). A Lua gira em torno daquele ponto, e o mesmo faz a Terra, cujo centro bamboleia em torno desse ponto a cada 27 1/3 dias.

O centro de gravidade está 81,3 vezes mais distante do centro da Lua que do centro da Terra, de modo que a massa da Lua é igual a

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1 / 81,3 ou 0,0123 da massa da Terra. Portanto, a massa da Lua é de 7,36 x 1025 gramas, mas é mais fácil expressar o valor como uma fração da massa da Terra.

Os astrônomos podem também determinar a massa dos outros planetas do sistema solar em relação à da Terra; uma das maneiras de fazê-lo consiste em comparar o efeito do planeta sobre seu satélite com o da Terra sobre a Lua.

O tempo que um pequeno satélite leva para completar sua órbita em torno do planeta depende apenas de duas coisas: da distância do satélite até o centro do planeta e da intensidade do campo gravitacional do planeta.

Por exemplo, Júpiter possui um satélite, Io, que se encontra quase exatamente à mesma distância de Júpiter que a Lua da Terra. Entretanto, Io circunda Júpiter em 1¾ dias, ao passo que a Lua circunda a Terra em 27 3/4 dias.

Pode-se calcular que a gravitação de Júpiter deve ser 318,4 vezes mais intensa que a da Terra para que possa fazer Io circundar aquele planeta tão depressa. Em outras palavras, Júpiter deve ter uma massa 318,4 vezes maior que a da Terra. Usando esse método e outros, pode-se determinar a massa de todos os objetos do sistema solar.

No Quadro 5 temos as massas e as densidades dos nove planetas do sistema solar, bem como de nossa Lua, em ordem de distância do Sol.

QUADRO 5 — Massa e densidade dos planetas

Massa Densidade(Terra = 1) (g/cm2)

Mercúrio 0,055 5,4Vênus 0,815 5,2Terra 1 5,52Marte 0,108 3,96Júpiter 317,9 1,34Saturno 95,2 0,71Urano 14,6 1,27Netuno 17,2 1,7Plutão 0,1 4

A intensidade do campo gravitacional de cada um desses corpos é proporcional à sua massa, e como o leitor pode ver, a Terra não

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possui de modo algum a maior intensidade gravitacional ou a maior massa entre os planetas do sistema solar. Há quatro planetas com maior massa do que a Terra — Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Júpiter é o gigante do sistema planetário: sua massa é aproximadamente 2,5 maior que a dos outros oito planetas juntos.

A intensidade do campo gravitacional de cada planeta (ou de qualquer corpo) diminui com o quadrado da distância, o que significa que a intensidade relativa do campo gravitacional de dois corpos de massa diferente permanece a mesma a qualquer distância.

Por exemplo, para uma nave espacial a 1 milhão de quilômetros do centro de Júpiter o arrasto gravitacional de Júpiter seria 317,9 vezes maior do que seria o arrasto gravitacional da Terra, se a nave estivesse a 1 milhão de quilômetros do centro da Terra.

Se a nave aumentasse sua distância do centro de Júpiter de 1 para 2 milhões de quilômetros, o campo gravitacional de Júpiter passaria a ter um quarto da intensidade que tinha antes. Se o mesmo fosse feito com relação à Terra, o campo gravitacional da Terra também teria um quarto da intensidade na nova posição, em relação à anterior. O campo de Júpiter, na nova localização da nave, continuaria a ser 317,9 vezes mais forte do que o campo da Terra no novo ponto.

O campo gravitacional de Júpiter seria 317,9 vezes mais forte que o da Terra em todo par de pontos correspondentes. Mas, e se os pontos não corresponderem?

Há um momento importante em que seríamos forçados a permanecer a uma distância do centro de um planeta diferente da distância do centro de outro. Ocorreria esse caso quando estivéssemos na superfície de um planeta e depois na superfície de outro, e os dois planetas fossem de tamanhos diferentes.

Podemos demonstrar isto mais claramente comparando a Terra com a Lua, uma vez que o homem já esteve em ambos e pôde confirmar a teoria.

A massa da Terra é 81,3 vezes maior do que a da Lua, e para posições a iguais distâncias do centro de cada corpo a intensidade do campo gravitacional da Terra é sempre 81,3 vezes maior que a da Lua.

Suponhamos, porém, que estejamos sobre a superfície da Lua; estamos, então, a 1.738 km do centro do satélite. Se estivermos de pé na superfície da Terra, estaremos a 6.371 km de seu centro.

A intensidade gravitacional na superfície de um corpo é sua gravidade superficial (conceito importante na história dos buracos negros), e para

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calculá-la temos que levar em conta as diferenças de distância até o centro. A distância entre a superfície e o centro da Terra é 3,666 maior que a distância entre a superfície e o centro da Lua.

A intensidade gravitacional enfraquece com o quadrado da distância, de modo que a gravidade superficial da Terra torna-se fraca em relação à da Lua segundo um fator igual a 3,666 x 3,666, ou 13,44. Por isso, temos que dividir a intensidade gravitacional inata da Terra, que é de 81,3 (comparada com a da Lua) por 13,44, e isso nos dá um resultado de 6,05.

Assim, embora a Terra tenha uma massa 81,3 vezes maior que a da Lua, sua gravidade superficial é apenas 6,05 maior. Em outras palavras, a gravidade superficial da Lua é aproximadamente um sexto da gravidade superficial da Terra.

De modo análogo, podemos calcular a gravidade superficial de todos os corpos do sistema solar. Os quatro planetas gigantes constituem um problema porque o que vemos como uma "superfície" é, na verdade, a camada exterior de suas gigantescas atmosferas, cuja espessura não podemos avaliar com facilidade. Não, podemos sequer ter a certeza de que haja uma superfície sólida ou líquida em algum lugar. Entretanto, se fizermos de conta que podemos ficar de pé no alto dessa camada de nuvens e se calcularmos a intensidade do campo gravitacional naquele ponto, podemos chamá-la de gravidade superficial. Tendo isso em mente, podemos elaborar o Quadro 6.

QUADRO 6 Gravidade superficial (Terra = 1)

Mercúrio 0,37 Vênus 0,88 Terra 1,00 Lua 0,165Marte 0,38Júpiter 2,64Saturno 1,15Urano 1,17Netuno 1,18Plutão 0,4

VELOCIDADE DE ESCAPE

É o campo gravitacional da Terra que faz com que tudo que suba acabe caindo. Qualquer objeto atirado ao ar com uma dada velocidade está

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submetido à constante atração da gravitação da Terra. Por isso ele perde velocidade continuamente, até chegar a uma parada momentânea em algum ponto acima da superfície da Terra. Nesse ponto ele começa a cair, ganhando velocidade continuamente, até atingir o chão com a mesma velocidade com que foi originalmente atirado para o alto.*

Se dois objetos forem atirados para cima com velocidades diferentes, o de maior velocidade levará mais tempo para perdê-la; por conseguinte, subirá mais alto, antes de começar a descida. Poder-se-ia supor que não importa a velocidade com que um objeto começasse sua subida, essa velocidade acabaria por ser erodida. O objeto poderia subir 100 km, 1.000 km, mas por fim o implacável arrasto do campo gravitacional se imporia,

Seria assim . . . se a intensidade do campo gravitacional não enfraquecesse com a distância.

A gravidade superficial da Terra exerce uma certa força sobre um objeto na superfície, que está a 6.371 km do centro do planeta. A intensidade da gravitação decresce quando qualquer objeto sujeito àquela força se ergue da superfície e aumenta sua distância em relação ao centro da Terra. O decréscimo de intensidade é proporcional ao quadrado da distância — mas à distância do centro, não da superfície.

Suponhamos que subamos à estratosfera, a cerca de 35 km sobre a superfície da Terra. Esta é uma altitude elevada segundo os padrões normais, mas a distância até o centro da Terra só aumenta de 6.371 km para 6.406 km. Não é uma grande mudança; a intensidade gravitacional a essa altitude ainda é de 98,9% da que existe na superfície. Um homem que pesasse 70 kg na superfície da Terra ainda pesaria 69,23 kg na estratosfera. Na vida comum não temos consciência de qualquer mudança na intensidade da gravitação da Terra, de modo que nunca levamos essa mudança em consideração.

Imaginemos, entretanto, que um objeto suba a uma distância realmente grande — digamos, a 6.371 km acima da superfície da Terra. Ela estará, nesse caso, a 6.371 + 6.371 ou 12.742 km do centro do globo. Sua distância desse centro terá sido multiplicada por dois e, com isso, a intensidade gravitacional terá diminuído para um quarto do que era na superfície.

Se imaginarmos um objeto atirado para o alto com velocidade tal que atinja a estratosfera antes que essa velocidade se dissipe, veremos então que nos estágios finais de sua ascensão a intensidade gravitacional é

* Na verdade, a resistência do ar complica a situação e retarda ainda mais tanto a subida quanto a descida do objeto. Entretanto, vamos partir do princípio, neste capítulo, de que a resistência do ar não existe. Esse fator envolve uma mudança muito pequena e não altera a essência de nossa argumentação.

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ligeiramente menor do que era nos estágios iniciais. A perda adicional de velocidade é menor, então, do que seria se a intensidade da gravitação permanecesse a mesma em todo o percurso. O objeto sobe um pouco mais do que seria de se esperar, antes daquela pausa momentânea e do início da descida.

Imaginemos agora que um segundo objeto seja lançado para o alto com uma velocidade inicial duas vezes maior que a do primeiro objeto. Quando o segundo tiver atingido a altura em que o primeiro perdeu toda sua velocidade, ele terá perdido apenas metade de sua velocidade. Estará agora movendo-se à velocidade que o primeiro objeto possuía ao deixar a Terra.

O segundo objeto irá alcançar uma distância adicional igual à distância total percorrida pelo primeiro objeto?

Não, pois o segundo está agora fazendo sua ascensão adicional através de uma região de gravitação mais débil. Ele perde velocidade mais lentamente e percorrerá uma distância maior do que a percorrida pelo primeiro objeto desde a superfície.

Devido ao declínio da intensidade gravitacional com a altura, a duplicação da velocidade inicial de um objeto atirado para cima mais que duplica a altura por ele alcançada. No Quadro 7 vemos a altura que os objetos sobem acima da superfície da Terra com dadas velocidades iniciais.

QUADRO 7 — Corpos em ascensão

Velocidade inicial (km/seg) Altura máxima sobre a superfície da Terra (km)

1,6

3,2

4,8

6,4

8,0

9,6

130

560

1.450

3.100

6.700

17.900

Aumentando a velocidade inicial, a altura máxima aumenta também, e aumenta cada vez mais depressa à medida que o objeto entra em regiões de gravitação cada vez mais fraca. Entre a primeira e a

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última linhas da tabela a velocidade inicial aumentou 6 vezes, mas a altura máxima aumentou 140 vezes.

Chega um ponto em que um objeto sobe tão rapidamente que seu decréscimo de velocidade iguala-se ao declínio da intensidade gravitacional. Quando ele perdeu metade de sua velocidade a intensidade gravitacional também caiu à metade, de modo que, nesse momento, para que a menor intensidade removesse a metade restante da velocidade seria preciso tanto tempo quanto o necessário para que a plena intensidade gravitacional eliminasse a velocidade plena. O objeto em ascensão continua a perder velocidade, mas a um ritmo cada vez mais lento à medida que a gravitação se torna cada vez mais fraca. O corpo em ascensão jamais perderá toda sua velocidade e, assim, dar-se-ia o caso em que aquilo que sobe não cai, porque nunca deixa totalmente de subir.

A velocidade mínima em que isso acontece é a velocidade de escape.

A velocidade de escape da superfície da Terra é de 11,23 km por segundo. Qualquer coisa lançada da superfície da Terra a uma velocidade igual ou maior que essa subirá e jamais cairá, afastando-se cada vez mais do planeta. Qualquer coisa que suba com uma velocidade inicial inferior a 11,23 km/seg (sem que lhe seja dado outro impulso, além daquele que já possui*) retornará à Terra.**

O valor da velocidade de escape depende da intensidade do campo gravitacional; com o declínio daquela intensidade, diminui também a velocidade de escape. Verifica-se que, ao aumentarmos nossa distância do centro da Terra, a velocidade de escape diminui segundo a raiz quadrada daquela distância.

Suponhamos que estamos no espaço, a 57.400 km do centro da Terra — nove vezes mais longe desse centro do que estaríamos se estivéssemos na superfície da Terra. A raiz quadrada de 9 é 3, e isso

* Um objeto que tenha uma velocidade inicial e nenhum impulso adicional está em vôo balístico, e precisa partir com a velocidade de escape ou mais para se afastar indefinidamente da Terra. Um foguete, porém, pode ser impulsionado continuamente por seus jatos, de modo que, embora se mova com velocidade inferior à de escape, pode subir tanto quanto queira. Contudo, nos casos em que seres vivos não estão envolvidos, o movimento no universo é quase sempre balístico, com um impulso inicial e nada mais.

** Se um objeto se move com velocidade inferior à de escape, porém não menor que 70% dela, e se tem também um movimento lateral poderá, nesse caso, não escapar da Terra, mas tampouco voltará à superfície. Poderá estabelecer uma órbita em torno da Terra e nela permanecer indefinidamente. Um astronauta que orbite em tomo da Terra a cerca de 200 km, apenas, acima da superfície precisa mover-se a, pelo menos, 7,94 km/seg a fim de permanecer em órbita. .

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significa que a velocidade de escape a uma altura de 57.400 km do centro da Terra é apenas um terço do que é na superfície. Àquela altura ela é de 11,23 / 3, ou seja, 3,74 km/seg.

A velocidade de escape é diferente de planeta para planeta. Um mundo com menos massa que a Terra e com gravidade superficial mais baixa apresentará também menor velocidade de escape de sua superfície. A velocidade de escape da superfície da Lua, por exemplo, é de apenas 2,40 km/seg.

Por outro lado, os planetas com massa maior que a da Terra possuem maiores velocidades de escape. No Quadro 8 estão as velocidades de escape dos vários planetas, medidas na superfície visível (ou seja, a camada superior do revestimento de nuvens, no caso dos planetas gigantes).

QUADRO 8 — Velocidades de escape dos planetas

Planeta

MercúrioVênusTerraLuaMarteJúpiterSaturnoUranoNetuno

Plutão

Velocidade de escape

4,210,311,23 2,40 5,060,535,221,724,0 5,0

Não surpreende que o gigante do sistema planetário, Júpiter, apresente a maior velocidade de escape.

Além disso, por ser tão volumoso, Júpiter tem um campo gravitacional que diminui, com a distância, mais lentamente que o da Terra. Como a superfície da Terra acha-se a 6.371 km de seu centro, sua gravitação reduz-se a 1/4 de seu valor na superfície a uma altura de 6.371 km sobre a mesma. A uma altura de 19.113 km da superfície, a distância do centro da Terra é 4 vezes maior do que era na superfície, e a gravitação representa apenas 1/16 de seu valor superficial.

A superfície de Júpiter, contudo, está a 71.450 km do centro. Por isso, seria necessário que se subisse a uma altura de 71.450 km sobre

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a superfície para que a gravitação jupiteriana caísse a 1/4 do valor superficial e a 214.350 km para que ela caísse a 1/16 desse mesmo valor. A intensidade da gravitação de Júpiter cai tão mais lentamente que a da Terra que, a distâncias iguais no espaço, a intensidade gravitacional de Júpiter é 317,9 vezes a da Terra (a que deveria ser, considerando-se as massas comparativas dos dois planetas), muito embora a gravidade superficial de Júpiter seja apenas 2,64 vezes maior que a da Terra.

A velocidade de escape de Júpiter também diminui, com a distância, mais lentamente que a da Terra. A velocidade de escape é apenas 5,4 vezes maior que a da superfície terrestre. Contudo, a velocidade de escape de Júpiter diminui tão lentamente com a distância que mesmo a uma altura de 2.000.000 km ela ainda é igual à da superfície da Terra.

DENSIDADE E FORMAÇÃO PLANETÁRIA

Apesar da grandeza da gravidade superficial e da velocidade de escape de Júpiter, em comparação com as da Terra, a impressão que fica é a da tenuidade de Júpiter.

Afinal de contas, a massa de Júpiter é 300 vezes maior que a da Terra e, em conseqüência disso, o grande planeta tem um campo gravitacional mais de 300 vezes maior que o da Terra; no entanto, a gravidade superficial de Júpiter é menos de três vezes superior à da Terra e sua velocidade de escape é menos de seis vezes a de nosso planeta. A mesma disparidade entre a intensidade gravitacional, de um lado, e a gravidade superficial e a velocidade de escape, do outro, pode ser vista no caso dos outros planetas gigantes.

A razão disso é que esses planetas são tão volumosos que suas superfícies (ou pelo menos as superfícies de seus revestimentos de nuvens) se encontram de quatro a onze vezes mais distantes de seus centros do que ocorre no caso da Terra.

E a explicação não termina aí: os planetas gigantes têm baixas densidades, o que significa que a matéria de que se compõem não se acha disposta compactamente, e sim dispersa de modo a ocupar um volume maior do que o normal, segundo os padrões da Terra. Assim sendo, suas superfícies se acham mais distantes do centro do que estariam se esses planetas fossem mais densos.

Imaginemos que a massa de Saturno pudesse ser comprimida, ao ponto em que sua densidade média fosse igual à da Terra. Se isso acontecesse, Saturno teria sido comprimido ao ponto em que seu volume seria apenas 1/8 do que é agora. Seu raio seria apenas metade do que é: 30.000 km, ao invés dos atuais 60.000.

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Nessas condições, Saturno ainda teria toda sua massa. Tanto sua massa como a intensidade de seu campo gravitacional seriam ainda 95,2 vezes maiores que as da Terra. A superfície ainda estaria mais distante do centro do que ocorre na Terra, porém não tão distante para que a gravidade superficial fosse não 1,15 vezes maior que a da Terra, mas 4,60 vezes maior.

Imaginemos que também Júpiter pudesse ser comprimido até a densidade média da Terra. Seu volume seria apenas 1/4 do que é atualmente e seu raio equivaleria a 5/8 do atual: 44.200 km, ao invés dos atuais 71.400. Com sua massa intacta e sua superfície muito mais próxima ao centro, a gravidade superficial de Júpiter seria apenas 7 vezes maior que a da Terra.

Haverá algum outro meio pelo qual possamos nos aproximar do centro de um planeta e assim aumentar a intensidade gravitacional? Por exemplo, se mergulhássemos na crosta da própria Terra, a força gravitacional sobre nós aumentaria cada vez mais à medida que nos aproximássemos do centro?

Não!

Imaginemos que a Terra tivesse uma densidade uniforme de 5,52 g/cm3

e que por algum meio pudéssemos mergulhar em sua massa livremente. Ã medida que cavássemos, parte da estrutura da Terra estaria sobre nossa cabeça. Na verdade, toda uma esfera exterior da estrutura da Terra estaria mais longe do centro do que nós. A matemática de Newton mostrou que essa parte exterior não contribuiria para a força gravitacional que nos puxa para o centro. Somente a parte da Terra que estivesse mais próxima do centro do que nós, a qualquer momento determinado, contribuiria para isso, e essa parte diminuiria progressivamente, à medida que cavássemos mais e mais.

Isso significa que o arrasto gravitacional sobre nós se tornaria cada vez mais fraco à medida que nos aprofundássemos na Terra, até atingirmos o centro exato do planeta, quando o arrasto gravitacional seria zero. No centro da Terra, ou de qualquer mundo esférico, toda a massa do planeta estaria nos arrastando para longe do centro, uma vez que estaria inteiramente sobre nós. Estaria, entretanto, arrastando para fora igualmente em todas as direções, e as atrações se cancelariam, deixando-nos com uma gravidade zero.

Num buraco de grandes dimensões, no centro da Terra ou de qualquer planeta esférico, a gravidade seria nula em qualquer ponto dentro desse buraco. Já se escreveram contos de ficção científica em que a Terra era imaginada oca, com uma superfície interior habitada, iluminada por um objeto de características solares no centro. São exemplos as histórias de Edgar Rice Burroughs sobre "Pellucidar". Contudo, os habitantes de tal mundo não

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sentiriam nenhuma atração gravitacional que os prendesse àquela superfície interior, mas flutuariam livremente no espaço interno — algo que Burroughs não percebeu.

Não, a única maneira de aumentar a atração gravitacional consiste em comprimir todo o mundo, apertando toda a massa para que seja possível aproximar-se do centro, ao mesmo tempo em que se mantém toda a massa entre o cavador do túnel e o centro — esse conceito é de importância fundamental para a compreensão do buraco negro.

A única coisa no universo capaz de assim comprimir um mundo é a própria gravitação, e isso já aconteceu no passado, quando, por exemplo, da formação dos planetas de nosso sistema solar.

No princípio, o material de que se formaram os planetas era uma vasta massa de poeira e gás. A maior parte desse material era hidrogênio, hélio, carbono, neônio, oxigênio e nitrogênio, com o hidrogênio constituindo cerca de 90% de todos os átomos. A totalidade desse material, rodopiando lentamente em remoinhos turbulentos e separados, aos poucos caiu sob a atração, fraca mas sempre contínua, da gravitação mútua de todos os átomos e moléculas.

Quanto mais o material se juntava, mais era comprimido, mais os campos gravitacionais das partes constituintes se sobrepunham e se reforçavam. A intensidade gravitacional aumentava e a compressão adicional acontecia mais depressa... cada vez mais depressa.

A maior parte do material permaneceu gasosa. O hélio e ,o neônio continuaram como átomos separados. Os átomos de hidrogênio combinaram-se em moléculas de dois átomos, mas permaneceram moléculas separadas. Cada átomo de carbono combinou-se com quatro átomos de hidrogênio para formar moléculas de metano, que permaneceram separadas. Cada átomo de nitrogênio combinou-se com três átomos de hidrogênio para formar moléculas de amônia, que permaneceram separadas. Cada átomo de oxigênio combinou-se com dois átomos de hidrogênio para formar moléculas de água, que permaneceram separadas.

Dois elementos moderadamente comuns não subsistiram como átomos separados nem formaram pequenas moléculas separadas — o silício e o ferro. Os átomos de silício combinaram-se com átomos de oxigênio, mas, no processo, não formaram moléculas que permaneceram separadas. Nesse caso, a força eletromagnética continuou em atuação, juntando sem limite mais e mais combinações silício-oxigênio. Essas combinações, denominadas silicatos, eram capazes de crescer até o tamanho de partículas de pó, depois de seixos, pedras e matacões. Acrescentaram-se átomos de outros elementos capazes de participar da estrutura do silicato: magnésio, sódio,

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potássio, cálcio, alumínio etc. É essa mistura de silicatos que forma os materiais rochosos da crosta terrestre, os quais tanto conhecemos.

Em geral, os átomos de ferro se reuniram, juntamente com outros metais, como cobalto e níquel, que se misturavam com ele livremente.

Assim, enquanto a poeira e o gás giravam na direção de um centro, formando uma massa cada vez mais densa, constituíram-se pedaços de rocha ou de metal (ou combinações de ambos), cada vez maiores. Como o metal era mais denso que a rocha, respondia mais à atração gravitacional; ao se formar um mundo, o metal era puxado para o centro, formando um núcleo, ao passo que o material rochoso permanecia num invólucro fora do núcleo metálico.

A Lua e Marte são constituídos basicamente de rocha; Mercúrio, Vênus e a Terra compõem-se de rocha e metal. Pequenos fragmentos sólidos de matéria ainda se acham dispersos pelo espaço, e alguns atingem a atmosfera terrestre como meteoros. Se conseguem vencer a atmosfera e atingir a superfície sólida ou líquida da Terra, passam a chamar-se meteoritos. Alguns meteoritos são de rocha, outros de metal, outros ainda uma mistura das duas coisas.

Objetos pequenos, como os asteróides menores, não são suficientemente grandes para ter um campo gravitacional bastante intenso, que os mantenha coesos. São mantidas assim pela força eletromagnética que existe dentro dos átomos e entre eles, força que é, naturalmente, muitíssimo mais intensa do que a força gravitacional desses pequenos corpos.

Os átomos e moléculas que permanecem separados e não formam combinações intermináveis, mantidas eletromagneticamente, não se prendem a mundos por interação eletromagnética — só podem ser retidos gravitacionalmente. Os átomos e moléculas separadas que compõem uma atmosfera gasosa são exemplo disso.

Os pequenos mundos carecem de campos gravitacionais suficientemente intensos para reter tais gases. A Lua, portanto, com uma gravidade superficial equivalente a somente 1/6 da terrestre, não é capaz de reter moléculas de gás e não possui atmosfera. Além disso, não é capaz de reter moléculas de líquidos que sejam voláteis, isto é, que se evaporem e se transformem facilmente em gases; por esse motivo, a Lua não tem água livre em sua superfície. Mundos ainda menores do que a Lua também careceriam de atmosferas e líquidos voláteis.

Mercúrio, com uma gravidade superficial 2,3 vezes maior que a da Lua, mas que vale apenas 3/8 da terrestre, não possui nem atmosfera nem oceanos, ao passo que Marte, com uma gravidade superficial mais ou menos semelhante à de Mercúrio, consegue ter uma atmosfera muito rarefeita —

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com uma densidade equivalente a 0,006 da nossa — juntamente com traços de água.

Por que?

Por causa do efeito da temperatura. Quanto mais alta a temperatura, mais rapidamente movem-se os átomos e moléculas dos gases, mais aumenta a probabilidade de que alguns se movam com rapidez maior, que a velocidade de escape do planeta a que pertencem, mais provável será que a atmosfera (se existe alguma) venha a dissipar-se no espaço e menos provável será que essa atmosfera tenha sequer chegado a formar-se. Quanto mais baixa a temperatura, mais devagar se movem os átomos e as moléculas, menos provável será que algum se mova com rapidez maior que a velocidade de escape, menos provável será que a atmosfera se dissipe e mais provável será que essa atmosfera tenha se formado.

Marte tem a mesma gravidade superficial de Mercúrio, porém se acha quase quatro vezes mais longe do Sol que aquele planeta, e por isso é apreciavelmente mais frio. Enquanto a superfície de Mercúrio pode alcançar temperaturas de 350°C, a temperatura média na superfície marciana é de apenas 20°C.

Examinemos o caso de Titã, o maior satélite de Saturno. A gravidade superficial de Titã provavelmente não passa da metade da de Marte, mas Titã tem uma temperatura superficial de aproximadamente -180°C, apenas 90 graus acima do zero absoluto. Por isso, possui uma atmosfera que parece ser mais densa que a de Marte e que pode ser tão densa quanto à da Terra.

Quanto menor é a massa de um átomo ou de uma molécula, mais depressa eles se moverão a uma dada temperatura, mais provável será que escapem para o espaço e mais difícil será que sejam retidos como parte de uma atmosfera.

Assim, o campo gravitacional da Terra tem intensidade suficiente para reter átomos de argônio (com um peso atômico de 40). Pode reter também o bióxido de carbono, uma vez que o átomo de carbono desse composto tem um peso atômico de 12, e seus dois átomos de oxigênio têm um peso atômico total de 32, o que conduz a um peso molecular total de 44,

Da mesma forma, o campo gravitacional da Terra tem intensidade suficiente para reter o oxigênio (peso molecular 32) e o nitrogênio (peso molecular 28), mas não o hélio (peso atômico 4) ou o hidrogênio (peso molecular 2).

Se a acumulação gradual do material que forma um planeta se torna bastante grande para criar um campo gravitacional bastante intenso e que possa reter até o hélio e o hidrogênio, o planeta começa então a crescer rapidamente, uma vez que o hélio e o hidrogênio são os mais comuns dentre

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os materiais formadores. O planeta, na realidade, aumenta como uma bola de neve, uma vez que, quanto mais cresce, mais intenso se torna seu campo gravitacional e mais eficazmente ele pode continuar a coletar mais hélio e hidrogênio.

Isso acontece com mais facilidade longe do Sol, onde é mais frio e os gases leves são constituídos de átomos e moléculas que se movem relativamente devagar. O resultado é a formação dos planetas gigantes Júpiter, Saturno, Urano e Netuno, relativamente distantes do Sol - eles possuem densidades tão baixas por serem constituídos basicamente por elementos leves.

Os planetas que se formam nas proximidades do Sol onde as temperaturas são mais elevadas, não podem reter os elementos leves: compõem-se principal ou inteiramente daqueles átomos menos comuns, que podem se juntar pela força eletromagnética. Por isso são os planetas menores, compostos de rochas e metais, com altas densidades, que constituem a região interna no sistema solar.

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Matéria Comprimida

INTERIORES PLANETÁRIOS

Quando as partículas que compõem um planeta se juntam — formando seixos, matacões, montanhas e mundos — elas se aquecem. A gravitação produz um movimento de aceleração de fora para dentro; quanto maiores se tornam os fragmentos e quanto mais depressa se movem, mais energia cinética (cinética vem de uma palavra grega que significa "movimento") possuem. Os fragmentos maiores, planetesimais, que se chocam com o mundo em crescimento, dispõem de energia para cavar imensas crateras. Essas crateras são eliminadas pelos impactos e pelas novas crateras cada vez mais intensas que se seguem, até que finalmente as últimas a se formarem permanecem indefinidamente.

Vemos as crateras que marcam as últimas colisões na Lua, em Mercúrio, em Marte e nos dois pequenos satélites marcianos, Fobos e Deimos. Poderíamos seguramente vê-las em Vênus, se conseguíssemos enxergar além das nuvens, e nos satélites de Júpiter, se conseguíssemos fotografias com detalhes suficientes.*

* Essas fotos e a comprovação dessas crateras foram obtidas com a missão do "Voyager", em março de 1979. (N. do T.)

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Sem dúvida, também a Terra tem sua cota de crateras. Em nosso planeta, entretanto, a água corrente e a ação dos seres vivos as erodiram, e apenas vestígios delas podem ser vistos.

Nem toda a energia cinética do impacto acumulativo de corpos em movimento rápido se perde. A energia não pode ser perdida; só pode ser transformada em outras formas de energia. Nesse caso, a energia cinética é transformada em calor e se concentra no centro do mundo que se está formando. Isso se aplica à Terra e, indubitavelmente, a todos os mundos suficientemente grandes para terem recebido muita energia cinética no processo de formação. Em última análise, o calor interno é o produto da energia do campo gravitacional, ao se concentrar cada vez mais intensamente no processo de formação planetária.

No caso da Terra, coletaram-se provas, há muito tempo, de que o interior é quente. Quando se cavam minas, a temperatura sobe continuamente com a progressão do túnel. Há também indícios de calor interno na forma de fontes termais e de vulcões (os quais, provavelmente, deram ao homem antigo a idéia de um inferno de fogo sob a terra).

O conhecimento moderno a respeito do interior do planeta decorre da análise das ondas sísmicas que percorrem o planeta. Pelos caminhos que seguem, pelo tempo que levam para viajar e pela maneira como realizam ou não mudanças bruscas de direção pode-se inferir muita coisa com relação às propriedades do interior da Terra. Acredita-se que a temperatura aumente continuamente em direção ao núcleo, onde a temperatura poderá chegar a 5.000°C (quase tanto quanto os 6.000°C da superfície do Sol).

O fato de o interior da Terra ser candente significa que grande parte de sua estrutura interna estava (e ainda está) em estado líquido após formar-se e após o planeta ter alcançado mais ou menos suas dimensões atuais. Isso significa que se a Terra fosse constituída de espécies diferentes de matéria, que não se misturam facilmente umas com as outras, elas se separariam, as mais densas movendo-se para mais perto do centro e as menos densas flutuando sobre as mais densas.

Realmente, foi isso o que aconteceu. A Terra compõe-se principalmente de silicatos rochosos e de uma mistura metálica de ferro e níquel, numa proporção de mais ou menos nove para um. O metal depositou-se no centro, onde atualmente forma um núcleo de níquel-ferro; em torno desse núcleo dispõe-se o manto de silicato. O manto é sólido, pois sua temperatura no ponto mais quente (que é, naturalmente, o mais profundo) provavelmente não ultrapassa 2.700°C, que não é suficiente para fundir a rocha. O núcleo, com uma temperatura consideravelmente mais alta, é quente o suficiente para fundir o ferro; por isso a Terra tem um núcleo líquido.

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O calor no interior da Terra formou-se originalmente nos primeiros estágios da história do planeta — há 4,6 bilhões de anos. Talvez há 4 bilhões de anos tenham chegado ao fim as grandes colisões dos planetesimais, e muito pouco, no que tange a mais energia cinética, foi acrescentado à Terra. A gravitação havia terminado sua obra de formação.

Seria de imaginar que nesses 4 bilhões de anos passados, desde então, o calor interno houvesse escapado da Terra e todo o planeta se resfriado. Realmente, a rocha do manto e da crosta é péssima condutora de calor, de modo que o calor interno só poderia escapar com grande lentidão, mas 4 bilhões de anos é muito tempo.

Na verdade, porém, a Terra possui, como parte de seus constituintes, pequenas quantidades de elementos como urânio e tório que, por meio da força nuclear e da força fraca, lentamente se decompõem no decorrer das eras e liberam calor. (Depois de 4,6 bilhões de anos de existência na Terra, metade do urânio original e 4/5 do tório original ainda se acham intactos.) O calor liberado por esses elementos radioativos não é muito grande, mas ele se acumula com o passar dos bilhões de anos; é pelo menos tão grande quanto a quantidade de calor interno que escapa. Aquilo que começou com a força gravitacional é agora mantido pelas forças nuclear e fraca; por isso, o interior da Terra não se resfriará antes que se passem ainda muitos bilhões de anos.

Naturalmente, um planeta maior que a Terra deve ter recebido muito mais energia cinética no processo de formação. Em primeiro lugar, uma massa total centenas de vezes maior chocou-se contra o planeta em crescimento. Além disso, em virtude do campo gravitacional cada vez mais intenso, essas massas colidiram com maior velocidade. Tanto a massa como a velocidade contribuem para a energia cinética. Por tudo isso, um planeta de grandes dimensões teria um interior mais quente que o da Terra (e um planeta pequeno teria um interior mais frio).

Considera-se o caso de Júpiter. Em 1974 e 1975 duas sondas, a Pioneer 10 e a Pioneer 11, passaram bastante perto do planeta (a 100.000 km de sua superfície) e, pelos dados recebidos, os cientistas puderam estimar as temperaturas interiores do grande, planeta.

Da camada externa de nuvens até o centro de Júpiter vai uma distância de 71.400 km. Quando se alcança uma profundidade de 2.900 km abaixo da superfície das nuvens (apenas 4% da distância até o centro), a temperatura já atinge cerca de 10.000°C, o dobro da que existe no centro da Terra.

A 24.000 km abaixo da superfície das nuvens, um terço da distância até o centro de Júpiter, a temperatura já é de 20.000°C. No centro, a temperatura atinge um nível impressionante — 54.000°C, nove vezes a da superfície do Sol.

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Entretanto, a interação gravitacional não produz apenas altas temperaturas nos interiores dos planetas. Produz também elevadas pressões. Sob a ação do campo gravitacional, as camadas mais externas de um planeta são atraídas para o centro e comprimem as camadas inferiores, que são também puxadas para o centro e comprimem as camadas abaixo delas. Essa série de compressões se faz desde a superfície até o centro, cada camada transmitindo a compressão de tudo mais que está sobre ela e acrescentando a sua própria, de modo que a pressão cresce continuamente à medida que se penetra num planeta.

A pressão é freqüentemente medida como um certo peso distribuído sobre uma certa área — por exemplo, o número de gramas que recai sobre um centímetro quadrado, Tomemos como exemplo nossa atmosfera. Ela é atraída contra a superfície da Terra, pela gravitação, com intensidade suficiente para comprimir aquela superfície com considerável pressão.

Cada centímetro quadrado da superfície da Terra recebe a compressão (ou o peso, como se diz freqüentemente) de 1.033,2 gramas de ar. Podemos dizer, então, que a pressão do ar (pressão atmosférica) ao nível do mar é de 1.033,2 g/cm2, o que chamamos de l atmosfera. Essa pressão também é exercida sobre nossos corpos, mas em todas as direções, tanto de fora para dentro como de dentro para fora, de modo que é cancelada e não tomamos conhecimento dela.

A pressão da água nas profundidades oceânicas é muito maior que a atmosférica, uma vez que a água é muito mais densa que o ar e existe uma grande massa líquida a ser puxada para baixo. Na parte mais profunda do oceano a pressão da água é pouco superior a 1.000.000 g/cm2, ou cerca de 1.000 atmosferas. As criaturas vivas expostas a tais pressões, tanto de fora para dentro como de dentro para fora, vivem perfeitamente à vontade nessas condições. (Contudo, se uma criatura das fossas abissais é trazida à superfície, a pressão interna diminui apenas ligeiramente, ao passo que a externa reduz-se enorme-mente. As células do animal rebentam e ele morre. Nós próprios morreríamos, por motivos inversos, se as pressões sobre nós fossem grandemente aumentadas.)

Se considerarmos o interior da Terra, as pressões tornam-se ainda mais elevadas, pois a rocha e o metal são mais densos do que a água e as profundidades são maiores (as colunas de rocha e metal que comprimem as camadas inferiores são mais longas que as colunas de água comprimindo o leito do oceano),

Assim, a uma profundidade de 2.200 km, um terço da distância da superfície ao centro da Terra, a pressão já é de 1.000.000 atmosferas

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— mil vezes maior que a da parte mais profunda do oceano. A uma profundidade de 4.000 km, a pressão é de 2,500.000 atmosferas, e no centro da Terra é possível que atinja 3.700.000 atmosferas. Essa pressão titânica força o núcleo líquido a se endurecer e a tornar-se sólido no próprio centro, apesar de sua enorme temperatura, de modo que no interior do núcleo líquido de níquel-ferro há um pequeno núcleo sólido de níquel-ferro.

Júpiter, naturalmente, também nesse caso apresenta condições mais extremas. Sua região central tem sobre si colunas de material onze vezes maiores do que o núcleo da Terra (embora o material de Júpiter seja menos denso que o da Terra) e suporta uma pressão de até 10.000.000 atmosferas.

RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO

O que possibilita ao material no interior dos planetas resistir a tamanhas pressões?

Para respondermos a essa pergunta, consideremos uma mesa sobre cuja superfície colocamos um objeto, como um livro. A gravitação da Terra atua no sentido de puxar o livro para baixo. Se esse objeto pudesse mover-se livremente cairia, em resposta à gravitação da Terra, e continuaria a cair até o centro do planeta, se nada lhe obstasse o caminho.

Mas há uma coisa que o impede de cair: a mesa. Na verdade, a mesa também é puxada para baixo, mas é impedida de cair pelo chão onde repousa, o qual, por sua vez, é impedido de cair pelo piso do edifício, que é impedido de cair pelos alicerces, que são impedidos...

Se nos concentrarmos apenas no livro e na mesa, por que razão o livro, em reação à atração da Terra, não cai simplesmente através da mesa?

Isso não pode acontecer. O livro é constituído de átomos, como também a mesa. As partes exteriores de todos os átomos, tanto do livro como da mesa, são compostas de elétrons. Isso significa que há uma superfície de elétrons, por assim dizer, no livro e na mesa.

As duas superfícies de elétrons se repelem, e a força eletromagnética é tão mais forte que a gravitação que nem toda a enorme atração da Terra é capaz de fazer o livro atravessar a mesa, vencendo a resistência daqueles elétrons em repulsão. Em outras palavras, a força gravitacional é neutralizada pela força eletromagnética, alcançando-se um equilíbrio em que o livro repousa tranqüilamente sobre a mesa, nem a atravessando, em resposta à atração gravitacional, nem se erguendo sobre ela, em resposta à repulsão eletromagnética.

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Contudo, se o peso dos objetos sobre a mesa se tornar suficientemente grande, se um número suficiente de livros de grande massa for empilhado sobre ela, a mesa se quebrará em algum ponto débil; os átomos que a compõem se soltarão uns dos outros num ponto em que o cimento eletromagnético for mais fraco.

Se o peso for exercido sobre um outro tipo de objeto — um bloco de cera, por exemplo — as moléculas da cera, sob a pressão do peso, deslizarão, umas sobre as outras, muito lentamente. O bloco se deformará e o peso afundará na cera — não entrando na substância, mas passando pela superfície original, porque a cera fluirá para os lados a fim de abrir caminho. (Depois, possivelmente há de refluir sobre o peso.)

Ambos os efeitos são produzidos na Terra, sob o peso de suas próprias camadas superiores. Há fendas, por exemplo, que representam pontos fracos na crosta da Terra. Na verdade, a crosta terrestre se compõe de várias grandes lâminas que eternamente se separam, se juntam e se deslocam umas sobre as outras. Um movimento súbito do material de um lado de uma fenda equivale a um rompimento repentino sob tensão, e disso resulta um terremoto. A alguma distância sob a superfície, onde o calor torna a rocha mais sujeita a deformar-se lentamente, como a cera, a rocha aquecida, ou magma, pode esguichar através de pontos fracos nas camadas mais duras acima dela e produzir uma erupção vulcânica.

À medida que cresce a profundidade no interior da Terra, porém, há menos chances de fendas e rompimentos, e a deformação se torna mais lenta. Alguma outra coisa deve acontecer a materiais a grandes profundidades e sob grande pressão. Essa alguma coisa é a compressão,

No laboratório, os cientistas estão familiarizados com os efeitos do aumento da pressão nos gases. Os gases compõem-se de moléculas que se movem a alta velocidade, separadas de outras moléculas por distâncias grandes, em comparação com seu próprio tamanho. Quando os gases são comprimidos, as moléculas se agrupam mais e parte do espaço vazio é, por assim dizer, eliminado pelo aperto. Então, os gases são facilmente comprimidos, pela pressão, a volumes menores. Podem ser comprimidos a um volume igual a um milésimo do original ou menos, antes que todo o espaço vazio seja eliminado e as moléculas entrem em contato.

Nos líquidos e sólidos, contudo, os átomos e moléculas já se acham em contato e, por isso, não podem ser comprimidos como os gases, eliminando-se os espaços vazios. É por isso que quando os líquidos ou sólidos são submetidos à espécie de pressão suficiente para comprimir os gases nada parece lhes acontecer. Assim, diz-se que os líquidos e sólidos são "incompressíveis".

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Essa afirmação é suficientemente, verdadeira, em condições normais, para possibilitar as prensas hidráulicas funcionarem e as vigas de aço sustentarem arranha-céus. No entanto, não é inteiramente verdadeira.

Quando se exerce pressão sobre líquidos e sólidos os próprios átomos são comprimidos; os elétrons são empurrados para dentro, em direção ao núcleo. Isso é feito até mesmo sob a mais ligeira das pressões — a do livro sobre a mesa, por exemplo. Os elétrons mais exteriores são empurrados para dentro, ao longo do plano de contato; o grau em que os elétrons são empurrados para dentro, sob a espécie de pressão que encontramos na vida diária, é tão microscopicamente pequeno, porém, que não pode ser mensurado.

Ao serem os átomos comprimidos e os elétrons empurrados para mais perto do núcleo, aumenta a intensidade da repulsão entre os elétrons dos átomos adjacentes (que também são empurrados para mais perto uns dos outros, pela pressão). É mais ou menos como comprimir uma mola que oferece cada vez maior resistência à compressão. Em ambos os casos alcança-se um novo equilíbrio. Uma pressão de fora comprime o átomo ou a mola até que a reação de dentro aumente a um ponto em que há equilíbrio com a pressão exterior.

Ainda que uma compressão incomensurável baste para a pressão comum, havendo pressão suficiente a compressão dos átomos se torna mensurável e os elétrons são empurrados para dentro perceptivelmente. Isso significa que os átomos de substâncias sob pressão ocupam menos espaço, o que quer dizer que passa a haver mais massa num volume dado — uma outra maneira de dizer que a densidade aumenta.

Seria de esperar, portanto, que no interior da Terra as densidades das substâncias que o compõem aumentassem e fossem maiores do que se tais substâncias estivessem na superfície, submetidas apenas à pressão da atmosfera.

A densidade da substância da Terra realmente aumenta com a profundidade e com a pressão sobre ela. Assim que Cavendish calculou a massa da Terra, tornou-se óbvio que nosso planeta não poderia ter a mesma densidade uniformemente — era forçoso que ele fosse consideravelmente mais denso em suas profundezas do que na superfície.

O oceano tem uma densidade de 1 g/cm3 e as rochas da crosta externa, ainda que difiram em densidade, têm uma densidade média de aproximadamente 2,8 g/cm3. No entanto, a densidade média da Terra, como um todo, é de 5,52 g/cm3.

Como as camadas externas da Terra têm densidade inferior a 5,52 g/cm3, as internas têm de ter densidade superior. Realmente, o centro da Terra consiste em níquel e ferro fundidos, que de fato são mais densos que

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as rochas exteriores. A densidade do ferro, o principal componente do núcleo terrestre, é de 7,86 g/cm3 aqui na superfície. Isso, contudo, não basta para explicar a densidade média da Terra. O que a explica é o aumento de densidade através da ação da pressão e da compressão.

O manto da Terra estende-se desde as proximidades da superfície até uma profundidade de 2.900 km, cerca de 4/9 da distância até o centro. Em toda sua extensão, a composição química do manto não se altera significativamente, e uma amostra de sua substância na superfície teria uma densidade um pouco acima de 3 g/cm3. Contudo, sua densidade cresce continuamente com a profundidade e, no fundo do manto, chega perto de 6 g/cm3. A densidade média do manto é de 4,5 g/cm3.

A uma profundidade de 2.900 km passa-se do manto rochoso para o núcleo líquido de níquel-ferro e há um aumento súbito de densidade, já que o ferro é mais denso que a rocha. Entretanto, embora o ferro tenha uma densidade de 7,86 g/cm3 na superfície, sob a pressão do manto de 2.900 km de espessura a densidade do ferro, em sua parte inferior, é de aproximadamente 9,5 g/cm3. A densidade aumenta ainda mais ao penetrarmos no núcleo, e no centro da Terra ela é de mais ou menos 12 g/cm3. A densidade média do núcleo é de 10,7 g/cm3. Contudo, até mesmo a densidade máxima do núcleo ainda é de aproximadamente metade da densidade do ósmio na superfície da Terra. Se o núcleo da Terra fosse feito de ósmio, a pressão levaria sua densidade a cerca de 30 g/cm3.

(Observei anteriormente que se a Terra tivesse uma densidade uniforme, a atração gravitacional diminuiria progressivamente, ao penetrarmos sob a superfície, chegando a zero no centro. Mas devido à desigualdade de densidade no interior da Terra as coisas não se passam exatamente assim. Uma parte tão grande da massa terrestre se concentra em seu relativamente pequeno núcleo líquido — e esse núcleo contém 31,5% da massa da Terra em 16,2% de seu volume — que a atração gravitacional, na verdade, aumenta ligeiramente ao penetrarmos na Terra. Na verdade, no momento em que nos encontrássemos, por hipótese, no limite entre o manto e o núcleo, a atração gravitacional sobre nós seria 1,06 vezes maior do que na superfície. Contudo, ao penetrarmos no núcleo, a atração gravitacional finalmente começaria a diminuir, atingindo zero no centro.)

No centro da Terra os átomos têm apenas cerca de 85% do diâmetro que têm na superfície. Os elétrons foram comprimidos em cerca de 15% em direção ao núcleo central, e isso basta para criar uma pressão de dentro para fora suficiente para equilibrar os piores efeitos que a atração gravitacional da Terra, exercendo pressão para dentro, poderia causar. Isso é outra indicação do grau em que a força eletromagnética é mais intensa do que a gravitacional.

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ESTRELAS

Vemos, portanto, que todos os objetos, pelo menos até o tamanho de Júpiter, são estáveis graças à força eletromagnética.

Para começar, as moléculas individuais de gás, as pequenas partículas de pó e as partículas sólidas maiores que alcançam as dimensões de seixos, pedras e montanhas, tudo isso é mantido coeso apenas pela força eletromagnética. A força gravitacional desses corpos pequenos é desprezível.

Quando começamos a lidar com objetos do tamanho de grandes asteróides, os campos gravitacionais criados por esses objetos começam a puxar para dentro, com força considerável, a matéria que os compõem. Por conseguinte, as regiões interiores são submetidas a uma compressão gravitacional mensurável, e isso se torna mais verdadeiro à medida que os objetos em consideração aumentam de tamanho: Lua — Terra — Saturno — Júpiter. Em todos os casos os átomos do objeto são comprimidos até que o nível de compressão produz uma contrapressão.

O equilíbrio assim estabelecido é essencialmente permanente.

Imaginemos um corpo, como a Terra ou Júpiter, sozinho no universo. A força gravitacional e a eletromagnética em tal mundo permaneceriam num impasse perpétuo, e a estrutura material do próprio corpo permaneceria, até onde sabemos, para sempre em seu estado geral existente. Poderiam ocorrer agitações sísmicas de pequena monta quando a substância do planeta realizasse pequenos ajustes em sua posição. O planeta poderia resfriar-se lentamente até não ter mais nenhum calor, no centro ou na superfície, e seus oceanos e atmosfera poderiam congelar-se, mas essas mudanças são consideradas, do ponto de vista astronômico, triviais.

Entretanto, o equilíbrio não é entre fenômenos iguais. Embora a força eletromagnética seja inimaginavelmente mais intensa que a gravitacional, esta última é a mais importante.

A força eletromagnética, embora colossal e intensa, só atua através do átomo individual. Cada um dos átomos está comprimido e não pode pedir qualquer ajuda, por assim dizer, a seus vizinhos, que se acham igualmente comprimidos. Por conseguinte, quando a resistência máxima à compressão é oferecida por um átomo, ela é oferecida por todos os átomos submetidos à mesma pressão. Se a pressão aumenta ainda mais, cada um dos átomos e todos eles juntos são encurralados.

A força gravitacional, no entanto, por mais inacreditavelmente fraca que seja, acumula-se indefinidamente, à medida que mais e mais matéria se agrupa num só lugar e enquanto cada pedaço de matéria acrescenta seu próprio campo gravitacional ao total. Embora a resistência à compressão só

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possa alcançar um determinado limite, as forças que produzem a compressão podem aumentar ilimitadamente.

A força eletromagnética resiste à compressão e suporta (com gemidos, podemos imaginar) as pressões das camadas da Terra, ao serem estas puxadas para o centro pelo campo gravitacional da Terra. Ela suporta (com gemidos ainda mais agonizantes, em nossa fantasia) as pressões muito maiores das camadas de Júpiter, atraídas para dentro pelo campo gravitacional daquele planeta, muito maior.

Bem, nesse caso, o que acontece se juntarmos matéria suficiente para formar um corpo ainda maior do que Júpiter? Não poderá chegar um ponto em que, tornando-se o campo gravitacional cada vez mais intenso e as pressões no centro ainda maiores, os átomos encarregados de suportar tudo isso finalmente desmoronem — como uma mesa que se quebra sob um peso grande demais colocado sobre ela?

Mas poderemos honestamente dizer que são possíveis acumulações de matéria maiores do que Júpiter? Pode ocorrer que, por algum motivo, Júpiter tenha o maior tamanho possível para um objeto.

É claro que isso não é verdade. Júpiter pode ser, de longe, o maior planeta que já observamos, mas temos, perto de nós, mais perto do que Júpiter, um objeto ainda maior — o Sol.

No que toca a dimensões, o Sol está para Júpiter assim como Júpiter está para a Terra. O Sol tem um diâmetro de 1.391.400 km, ou seja, 9,74 vezes maior que o de Júpiter. Seriam necessários quase dez planetas de tamanho de Júpiter, lado a lado, para ocupar a largura do Sol. Por outro lado, seriam necessários onze planetas como a Terra, lado a lado, para ocupar a largura de Júpiter.

E enquanto Júpiter tem uma massa 317,9 vezes maior que a da Terra, a massa do Sol é 1,049 vezes maior do que a de Júpiter.

Outra indicação do tamanho enorme do Sol, em comparação com qualquer um dos planetas, mesmo Júpiter, está na questão da gravidade superficial. Na superfície visível do Sol a atração de seu campo gravitacional é apenas 28 vezes maior que a da Terra, ou 10,6 vezes a de Júpiter.

A velocidade de escape da superfície do Sol é de 617 km/seg — 55 vezes a da Terra e 10,2 vezes a de Júpiter. Na verdade, mesmo a uma distância de 149,5 milhões de quilômetros do centro do Sol a velocidade de escape é ainda de 40,6 km/seg.

Como 149,5 milhões de quilômetros é a distância do Sol à Terra, segue-se que a velocidade de escape do Sol, a partir de uma posição na Terra, é consideravelmente maior que a velocidade de escape da própria Terra. Isso significa que quando um satélite é enviado à Lua, Marte ou Vênus, a uma

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velocidade suficiente para libertá-lo da atração gravitacional da Terra, ele não é necessariamente libertado da atração do Sol. Tal satélite poderá não circundar a Terra, mas permanece em órbita em torno do Sol.

Até hoje, apenas dois objetos feitos pelo homem atingiram velocidades bastante grandes para libertá-los não só da Terra como também do Sol: as sondas jupiterianas Pioneer 10 e a Pioneer 11. Isso foi conseguido fazendo-se as sondas roçarem na atmosfera de Júpiter e deixando que o campo gravitacional desse planeta lhes desse a aceleração necessária (sendo a velocidade de escape do Sol, em todo caso, menor à distância de Júpiter do que à nossa própria distância).

Há diferenças mais importantes entre o Sol e Júpiter. Júpiter é muito maior que a Terra, mas ainda assim é um planeta. Tanto Júpiter como a Terra são, pelo menos na superfície, frios, e não seriam visíveis não fosse o fato de refletirem a luz do Sol.

O Sol, contudo, é uma estrela. Ele brilha com luz própria, fulgente e candente.

Será por coincidência que o Sol tem uma massa muito maior do que qualquer planeta que conheçamos, e que também emita luz própria? Ou essas coisas estão relacionadas entre si?

Poderíamos argumentar que o tamanho e a luz têm relação mútua, e da seguinte forma:

Ao se formar, um mundo converte a energia cinética da queda de seus componentes em calor, como vimos anteriormente. Quanto maior o mundo, mais elevado será o calor interno. A Terra é incandescente em seu centro, e Júpiter é ainda muito mais quente.

O Sol, portanto, sendo muito maior do que Júpiter, seria também muito mais quente em seu centro — suficientemente quente, talvez, para que a região externa não servisse mais como isolamento suficiente para manter a superfície fria. Poderíamos argumentar que o calor interno de um objeto do tamanho do Sol seria suficiente para fluir de dentro para fora o bastante para manter a superfície solar à temperatura de 6.000°C.

O problema com essa concepção do Sol e de sua estrutura é que se pode facilmente demonstrar sua impossibilidade.

O Sol, afinal de contas, está emitindo energia em quantidade enorme, e evidentemente vem fazendo isto sempre. Parece que o faz há muitos milhões de anos, a se julgar pelos sinais de vida na Terra. No entanto, se toda a energia possuída pelo Sol fosse a que ele ganhou através da energia cinética de sua formação ele simplesmente não teria à sua disposição, nesse caso, energia suficiente para ser o Sol que conhecemos.

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Em 1853 o físico alemão Hermann Ludwig Ferdinand Von Helm-holtz (1821-1894) tentou calcular qual seria a energia cinética necessária para abastecer a radiação do Sol. Concluiu que seria preciso que o Sol tivesse se contraído de uma massa de matéria com 300 milhões de quilômetros de diâmetro até seu tamanho atual, e isso num período de aproximadamente 25 milhões de anos, para produzir toda a energia que despendeu nesse tempo.

Com um diâmetro de 300 milhões de quilômetros, no entanto, o Sol teria preenchido toda a órbita da Terra, que nesse caso teria uma idade máxima de 25 milhões de anos. Mas isso era impossível. Geólogos e biólogos tinham absoluta certeza de que a Terra era muito mais antiga.

Isso significava que o Sol estava, na verdade, ganhando energia de alguma outra fonte que não sua própria contração, que essa energia estava se radiando sob a forma de luz e calor e que poderia ter radiado durante toda a história da Terra, sem em nada se resfriar. Durante todo o século XIX, no entanto, não se conseguiu imaginar nenhuma fonte da qual o Sol estivesse recebendo energia, sem se introduzir na explicação dificuldades intransponíveis.

A resposta começou a ser dada no fim do século, quando se veio a conhecer a estrutura do átomo. Descobriu-se o núcleo atômico, e tornou-se claro que existe, dentro do núcleo, energia muitíssimo maior que aquela existente nos elétrons, dos quais se derivam as formas mais comuns de energia.

Por conseguinte, o Sol não é de maneira alguma uma bola de fogo comum. É uma bola de fogo nuclear, por assim dizer. Em algum ponto, em seu centro, as energias possibilitadas pela força nuclear, mil vezes mais intensas do que a força eletromagnética, estão sendo aproveitadas de alguma forma.

MATÉRIA DEGENERADA

A densidade média do Sol é de 1,41 g/cm3, apenas um pouco superior à de Júpiter. Trata-se de uma densidade associada aos líquidos e sólidos compostos das variedades mais leves de átomos. Decididamente, não é uma densidade associada a gases. Até mesmo o gás mais denso da Terra tem uma densidade apenas um pouco maior que 1/100 da do Sol.

Além disso, o valor 1,41 g/cm3 representa apenas a densidade média do Sol. Bem no interior do Sol sua substância, submetida às pressões colossais das camadas superiores atraídas para baixo pela enorme gravitação do Sol, deve estar comprimida a uma densidade consideravelmente maior do que a média.

A rigor, as camadas mais externas do Sol são claramente gasosas, uma vez que podemos ver pelo telescópio, por exemplo, grandes jorros de gás

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incandescente que saltam da superfície. Além disso, a temperatura superficial do Sol é de 6.000°C, e não conhecemos nenhuma substância capaz de permanecer líquida ou sólida a essa temperatura, em condições normais de pressão.

O interior do Sol deve ser consideravelmente mais quente que sua superfície, porém as pressões serão decerto enormes. Mesmo ainda em fins do século XIX parecia natural supor que, sob essas pressões, a substância solar fosse comprimida até se transformar em sólidos ou líquidos incandescentes, e que isso explicasse a alta densidade do Sol. (Sabe-se hoje que essa explicação é válida para Júpiter.)

Contudo, um exame atento das propriedades do Sol, no primeiro quartel do século XX, deixou claro que ele se comporta como se fosse inteiramente gasoso, até mesmo no centro. Isto teria parecido inteiramente impossível para os cientistas da década de 1890, mas uma geração depois o fato parecia bastante natural, pois já então o homem passara a conhecer o interior do átomo. Sabia-se então que o pequenino átomo é uma estrutura frouxa, de partículas ainda mais minúsculas. É a seguinte a explicação que veio a ser dada:

Os átomos são comprimidos no centro da Terra e a força de expansão desses átomos comprimidos é bastante grande para suportar toda a substância das camadas externas do planeta, como se fossem pequenos Atlas a sustentar o mundo nas costas. Os átomos são ainda mais comprimidos no centro de Júpiter, e por isso são capazes de suportar a massa muitíssimo maior desse planeta gigante.

Contudo, até mesmo os pequeninos Atlas têm seu ponto de ruptura. A massa do Sol, mil vezes maior que a de Júpiter, sob a atração de uma gravitação colossal alcança e ultrapassa os limites da resistência de átomos intactos. A pressão no centro do Sol é igual a 100 bilhões de atmosferas, ou seja, 10.000 vezes a de Júpiter.

A contínua acumulação de matéria aumenta a intensidade gravitacional até o ponto em que ela supera a força eletromagnética que mantém os átomos intactos, e esses átomos, por assim dizer, "implodem".

Os envoltórios de elétrons são esmagados sob pressão e os elétrons passam a se mover sem a restrição dos envoltórios. Juntam-se de modo a formar uma espécie de fluido eletrônico desestruturado, ocupando muito menos espaço do que ocupariam como parte de envoltórios de átomos intactos. Ao se aglutinarem, a repulsão eletromagnética entre eles aumenta ainda mais; o fluido eletrônico pode resistir mais que os átomos intactos a uma compressão gravitacional muito maior. Dentro do fluido eletrônico os núcleos podem mover-se livremente e aproximar-se uns dos outros muito mais, ao acaso. Podem até mesmo colidir.

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Nos átomos comuns, como os que existem na Terra e até no centro de Júpiter, os envoltórios de elétrons atuam como "pára-choques". Os envoltórios de elétrons de um átomo não podem ser muito interpenetrados pelos de outro; e uma vez que os núcleos têm de permanecer no centro desses envoltórios, eles são mantidos relativamente afastados. Quando os envoltórios de elétrons são esmagados e os elétrons se comprimem no fluido eletrônico mais compacto, a separação média dos núcleos diminui consideravelmente.

A matéria em que os envoltórios de elétrons se rompem e em que os núcleos circulam num fluido eletrônico é chamada de matéria degenerada. Ela pode ser muito mais densa do que a matéria ordinária. Os núcleos constituem a porção da matéria que realmente apresenta massa, e são eles os verdadeiros responsáveis pela massa de qualquer objeto. Se forem forçados a se juntar na matéria degenerada mais do que na matéria comum, passa a haver muito mais massa por volume e, por conseguinte, uma densidade muito mais elevada.

Apesar dessa alta densidade, porém, os núcleos, ocupando apenas um milionésimo de bilionésimo do volume dos átomos intactos, ainda podem se mover livremente, tal como os átomos e as moléculas de gases comuns. Portanto, apesar de sua elevada densidade, a matéria degenerada age como um gás e apresenta propriedades características de um gás — um "gás nuclear", poderíamos dizer.

A primeira análise desse conceito do Sol como um corpo gasoso apareceu em 1907, num livro do astrônomo suíço Jacob Robert Emden (1862-1940). A idéia ganhou corpo e substância em 1916, com o trabalho do astrônomo inglês Arthur Stanley Eddington (1882-1944).

Eddington raciocinou que se o Sol fosse composto como uma bola de gás, com átomos ordinários nas camadas exteriores e átomos esmagados nas camadas interiores, deveria comportar-se como qualquer outro gás. Quando se estudam os gases em laboratório, há sempre um equilíbrio entre qualquer força que tenda a comprimir o gás e a temperatura do gás, que tende a expandi-lo.

No Sol, portanto, a atração gravitacional deveria ser também neutralizada pela temperatura interna. As dimensões do campo gravitacional do Sol e de seu efeito compressivo eram conhecidas. Eddington dispôs-se, então, a calcular quais seriam as temperaturas que o Sol deveria ter a fim de produzir um efeito expansivo que neutralizasse o efeito compressivo.

Os resultados foram espantosos. As enormes compressões produzidas pela gravitação solar resultam numa densidade do material, no centro do Sol, que deve orçar em 100 g/cm3, quatro vezes maior que a do mais denso material na superfície da Terra. No entanto, mesmo com um núcleo tão

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denso, o Sol se comporta como se fosse inteiramente gasoso. A temperatura do centro do Sol é de 15.000.000°C. É necessária uma temperatura dessa ordem para manter o Sol suficientemente expandido para produzir uma densidade geral de apenas 1,41 g/cm3, em face de sua gravitação. (O espantoso com relação a essa densidade, pelo que se vê, não é que seja tão grande, mas que seja tão pequena.)

E o que produz uma temperatura tão fantástica no centro do Sol? Na época de Rutherford era evidente que só a energia nuclear poderia causá-la. As reações nucleares, nas quais os núcleos absorvem, cedem e transferem hadríons, produzem muito mais energia do que as reações químicas, com as quais estamos familiarizados, e nas quais os átomos absorvem, _cedem e transferem elétrons. As primeiras envolvem a força nuclear, que é muito mais intensa do que a força eletromagnética envolvida nas segundas.

A pergunta seguinte, pois, era: quais as reações nucleares que estão envolvidas na alimentação energética do Sol? Para se responder a essa pergunta era preciso conhecer alguma coisa a respeito da constituição química do Sol, para que se pudesse partir de uma idéia razoável quanto aos núcleos que existem no centro e, portanto, quais as reações nucleares possíveis.

Felizmente, a composição química do Sol pode ser deduzida de uma análise de sua luz. A luz compõe-se de pequenas ondas, e a luz solar consiste de uma mistura de luz de todos os comprimentos de onda possíveis.

Átomos diferentes produzem luz com determinados comprimentos de onda, que são característica exclusiva deles e, ocasionalmente, absorvem luz com exatamente esses comprimentos de onda. A luz solar pode ser decomposta, por um instrumento chamado espectroscópio, num espectro em que todos os comprimentos de onda estão dispostos em ordem.* No espectro existem milhares de raias escuras que representam os comprimentos de onda que foram absorvidos pelos átomos nas camadas mais externas do Sol. As posições de tais raias no espectro podem ser determinadas com precisão, e de acordo com essas posições identificam-se as várias espécies de átomos responsáveis pela absorção.

* Percebemos os diferentes comprimentos de onda da luz como diferenças de cor, e o exemplo mais espetacular de espectro que ocorre na natureza é o arco-íris.

Já em 1862 o físico suíço Anders Jonas Angstrom (1814-1874) havia detectado a presença de hidrogênio no Sol. O conhecimento da composição do Sol aumentou continuamente e, em 1929, o astrônomo americano Henry Norris Russell (1877-1957) foi capaz de determinar a composição do Sol em detalhes apreciáveis.

Constatou-se que cerca de 90% de todos os átomos do Sol são de hidrogênio e, portanto, parece plausível supor que os núcleos no centro

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sejam predominantemente núcleos de hidrogênio, formados por um único próton. Por conseguinte, as reações nucleares necessárias para suprir as vastas reservas de energia irradiadas constantemente pelo Sol teriam, com quase toda a certeza, de envolver os núcleos de hidrogênio. Simplesmente não existe qualquer outra espécie de núcleos suficiente para explicar toda a energia que o Sol vem irradiando em seus 5 bilhões de anos de existência.

Em 1938 o físico germano-americano Hans Albrecht Bether (1906-) empregou o conhecimento relacionado às reações nucleares em laboratório a fim de determinar o que poderia estar acontecendo no Sol.

Nas condições de elevadas pressões e densidades do centro do Sol, os núcleos de hidrogênio — prótons — estão muito agrupados e desprotegidos por envoltórios intactos de elétrons. Sob a enorme temperatura do centro do Sol, eles se movem com uma velocidade muito maior do que seria possível na Terra. Essa combinação de proximidade e velocidade significa que os prótons chocam-se freqüentemente e com força imensa. Ocasionalmente permanecem juntos, fundindo-se num núcleo atômico maior.

Os detalhes sobre o que acontece podem ser controversos em aspectos secundários, mas os resultados gerais parecem claros. No centro do Sol os núcleos de hidrogênio se fundem para formar núcleos de hélio, que ocupam o segundo lugar na escala de complexidade. Quatro prótons se combinam para formar um núcleo de hélio, composto de quatro núcleons — dois prótons e dois nêutrons.

Temos aqui, pois, uma diferença fundamental entre um planeta e o Sol.

Em um planeta o arrasto da gravitação, de fora para dentro, resulta na compressão dos átomos, o que produz um empuxo da força eletromagnética de dentro para fora.

No Sol, o arrasto muito maior da gravitação não pode mais ser neutralizado pela resistência dos átomos à compressão e os átomos se despedaçam, por assim dizer, sob a pressão. Ao invés disso, a gravitação é contrabalançada pelo empuxo expansivo do calor produzido por reações nucleares que não são possíveis nas temperaturas e pressões mais baixas do interior dos planetas.

Sem dúvida, há alguma massa crítica abaixo da qual a compressão dos átomos é suficiente, e o corpo é um planeta; e acima da qual os átomos se despedaçam, entra em ignição uma reação nuclear e o corpo é uma estrela. Essa massa crítica deve encontrar-se em algum ponto da variação de massa entre a de Júpiter e a do Sol.

Conhecem-se estrelas que têm massa muito menor que a do Sol. Uma estrela relacionada em catálogos, como a Luyten 726-8B tem, por estimativa, 1/25 da massa do Sol; no entanto, podemos vê-la fracamente pela luz débil

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que emite. Luyten 726-8B tem uma massa apenas 40 vezes maior que a de Júpiter, mas é uma estrela e não um planeta.

Na verdade, o próprio Júpiter é suspeito, pois emite para o espaço cerca de três vezes mais energia do que recebe do Sol. De onde virá essa energia extra?

É possível que Júpiter ainda esteja se contraindo ligeiramente, e que a energia cinética daquela contração seja transformada em calor, É ainda possível que os átomos no centro de Júpiter estejam submetidos a uma temperatura e a uma pressão que os estejam levando à beira do ponto de ruptura, que um pouco de fusão de hidrogênio esteja ocorrendo — apenas o suficiente para explicar aquela pequena emissão extra de calor do planeta.

Se isso estiver acontecendo, Júpiter está à beira da ignição nuclear. Não há perigo de ignição real, naturalmente; Júpiter não é bastante grande e permanecerá para sempre à beira da ignição, apenas.

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Anãs Brancas

GIGANTES VERMELHAS E COMPANHEIRAS ESCURAS

Há uma diferença entre planetas e estrelas que, no fim das contas, é mais importante que o simples fato de os planetas terem menos massa do que as estrelas ou de os planetas serem frios e opacos, ao passo que as estrelas são quentes e brilhantes.

Os planetas se encontram num estado de estabilidade essencialmente estática. O equilíbrio entre a gravitação, que puxa para dentro, e o campo eletromagnético de átomos comprimidos, que empurra para fora, constitui um impasse eterno. Até onde nos é dado saber, trata-se de um equilíbrio capaz de se manter para sempre, na ausência de interferência externa. Se estivesse sozinha no universo, a Terra poderia ser gelada e sem vida, mas sua estrutura física persistiria, talvez para sempre.

As estrelas, contudo, acham-se num estado de estabilidade dinâmica, pois mantêm sua estrutura à custa de alguma coisa interna que está constantemente mudando. A gravitação que puxa para dentro é, na verdade, essencialmente imutável, mas o empuxo da temperatura no centro do Sol, que equilibra aquele arrasto, depende de reações nucleares que consomem hidrogênio e produzem hélio. O Sol só continua a ser o que é porque converte continuamente 600.000.000.000 quilos de hidrogênio em 595.800.000.000 de quilos de hélio a cada segundo.*

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Por felicidade, há no Sol uma quantidade tão grande de hidrogênio que até mesmo a essa taxa de conversão não precisamos temer que algo de drástico venha a acontecer no futuro próximo. O Sol vem consumindo hidrogênio em sua fornalha nuclear há cerca de 5 bilhões de anos e, ainda assim, resta o suficiente para pelo menos mais 5 a 8 bilhões de anos.

Entretanto, até mesmo 5 a 8 bilhões de anos não são a eternidade. O que acontece quando o hidrogênio acaba?

Pelo que os astrônomos podem dizer atualmente, com base em seus estudos das reações nucleares e da natureza das várias estrelas que podem ver, parece que a redução do hidrogênio constitui prelúdio para mudanças sensíveis na estrutura de uma estrela.

À medida que o Sol, por exemplo, consumir hidrogênio e acumular hélio no centro, o núcleo solar se contrairá mais, enquanto núcleos mais pesados concentrarem ainda mais a porção interna do campo gravitacional. O miolo do Sol se tornará mais quente e mais denso. Por fim, o calor desse miolo começará a aumentar bruscamente e o calor adicional obrigará as regiões exteriores do Sol a se expandirem enormemente.

Muito embora o calor total das regiões externas do Sol venha, então, a ser consideravelmente maior do que é hoje, esse calor se espalhará por uma superfície imensamente maior. Cada trecho da superfície terá menos calor do que agora e a nova superfície será mais fria que a atual. Enquanto o Sol possui atualmente uma temperatura superficial de 6.000°C, a superfície do Sol expandido não terá mais de 2.500°C, e a essa temperatura mais baixa ele emitirá apenas um brilho avermelhado. Essa combinação de tamanho imenso e brilho rubro dá a essa fase da história de uma estrela o nome de gigante vermelha. Conhecemos atualmente estrelas que já alcançaram essa etapa, notadamente Betelgeuse e Antares.

Em sua extensão máxima, a gigante vermelha em que nosso Sol se transformará será suficientemente grande para abranger a órbita de Mercúrio, ou até mesmo a de Vênus.** A Terra estará então inteiramente inabitável; a vida no planeta ter-se-á tornado impossível nas primeiras fases da expansão do Sol. (É possível que nessa época a humanidade, se ainda existir, tenha deixado a Terra para viver em planetas de outras estrelas ou em colônias artificiais longínquas.)

* Os 4.200.000.000 kg restantes são convertidos na radiação que é despejada continuamente do Sol em todas as direções.

* Ê claro que se uma estrela for, para começar, maior do que o Sol, ela se expandirá ainda mais. Antares é tão grande que, se estivesse no lugar do Sol, sua esfera gigantesca abrangeria as órbitas de Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.

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Quando o Sol houver atingido sua expansão máxima como uma gigante vermelha, ele estará reduzido aos restos finais de seu hidrogênio. O centro do Sol, todavia, terá então atingido uma temperatura (pelo menos de 100.000.000°C) suficiente para fazer com que os átomos de hélio (que nas eras passadas tinham sido formados a partir de átomos de hidrogênio) fundam-se para formar núcleos ainda maiores, e estes em outros ainda maiores, até serem formados núcleos de ferro, cada um com 26 prótons e 30 nêutrons.

A quantidade de energia proporcionada pela ampliação adicional de núcleos equivale a cerca de 6%, apenas, da proporcionada anteriormente pela fusão de hidrogênio em hélio. Além disso, ao se formar o ferro a história chega ao fim. As reações nucleares não podem mais proporcionar energia.

Depois que o hidrogênio for consumido, portanto, e a gigante vermelha se encontrar em sua expansão máxima, o resto de sua vida como objeto alimentado por reações nucleares tem de ser inferior a um bilhão de anos — ou consideravelmente menos.

E quando as reações nucleares diminuírem e cessarem, não haverá então nada que resista à inexorável atração do campo gravitacional produzida pela própria massa do objeto. A gravitação esteve esperando, paciente e incansavelmente, durante bilhões de anos; por fim, a resistência a essa atração chegou ao fim e o Sol, inchado, ou qualquer outra estrela, não pode seguir outro caminho senão o do encolhimento.

E realmente ele encolhe, e é exatamente isso que nos coloca na reta final para o buraco negro, com dois pontos de parada nos quais temos de fazer uma pausa em nosso caminho.

A história do primeiro ponto de parada começa com um astrônomo alemão chamado Friedrich Wilhelm Bessel (1784-1846), um dos primeiros a tentar medir a distância que nos separam das estrelas e, na verdade, um dos primeiros a ter êxito na empreitada.

As estrelas têm um movimento próprio, mas esse movimento é aparentemente pequeníssimo devido à enorme distância em que se encontram. (Por exemplo, um avião a uma altitude muito grande parece mover-se mais lentamente que um outro a baixa altitude.)

Além de seu movimento próprio, as estrelas pareceriam mover-se em resposta à mudança do ângulo do qual são vistas da Terra, à medida que nosso planeta percorre sua grande órbita elíptica em torno do Sol. Enquanto a Terra assim gira em torno do Sol, uma estrela deveria traçar, como reflexo desse movimento, uma elipse minúscula no céu (desde que subtraiamos o movimento próprio e outros efeitos interferentes). Quanto mais distante a estrela, menor a elipse, e se o tamanho da elipse (denominada paralaxe)

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puder ser determinado por um trabalho muito meticuloso no telescópio, pode-se determinar a distância da estrela.

Em 1838 Bessel anunciou que havia realizado a tarefa com relação a uma estrela pouco brilhante chamada 61 Cygni, a qual, conforme se verifica, está a cerca de 150 trilhões de quilômetros da Terra. Mesmo a luz, que viaja a uma velocidade de 299.792,5 km/seg, não é capaz de vencer rapidamente essa distância tremenda. A luz leva 11 anos para vir de 61 Cygni até nós; por conseguinte, diz-se que 61 Cygni está a 11 anos-luz de nós.

A seguir, Bessel tentou determinar a distância de outras estrelas, e fixou-se em Sirius que, por diversas razões, parecia estar mais perto do que 61 Cygni. Para começar, Sirius é a estrela mais brilhante do céu, e esse brilho poderia ser decorrência de sua relativa proximidade.

Bessel estudou cuidadosamente a posição de Sirius, noite após noite, e observou a maneira como ela se move lentamente em relação às outras estrelas no curso de seu movimento próprio, maior do que a média. Esperava Bessel que o movimento se alterasse de forma a indicar a formação de uma elipse, em resposta ao movimento da Terra em torno do Sol. A elipse existe, mas superposta a ela Bessel detectou uma oscilação que evidentemente não tem nada a ver com a maneira pela qual a Terra se move em torno do Sol.

Após uma análise meticulosa do estranho movimento de Sirius, Bessel concluiu que ela se move numa elipse própria e que completa o giro daquela elipse em mais ou menos 50 anos.

A única coisa capaz de fazer uma estrela mover-se numa elipse estranha como aquela seria o fato de ela responder a um campo gravitacional. Não se conhecia, no tempo de Bessel, outra coisa capaz de provocar aquela oscilação; aliás, também não conhecemos ainda. Além disso, um campo gravitacional bastante grande e intenso para tirar uma estrela de seu caminho e forçá-la a descrever uma elipse suficientemente grande para ser medida à grande distância deve provir de uma massa bastante grande para ser outra estrela.

Bessel não conseguia ver nada na vizinhança de Sirius que pudesse servir como a fonte do campo gravitacional, mas, no entanto, tinha de haver alguma coisa ali. Por Isso, ele concluiu que existia realmente uma massa estelar no lugar certo, mas que ela se originava não de uma estrela brilhante e sim de uma estrela escura. Seria um gigantesco planeta, de dimensões estelares, por assim dizer. Por conseguinte, os astrônomos passaram a se referir à "companheira escura" de Sirius.

A seguir, Bessel notou que Procyon, outra estrela brilhante, apresentava também um movimento oscilante, e portanto concluiu que também ela provavelmente tinha uma companheira escura. Chegou-se a crer que as

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companheiras escuras fossem bastante comuns, mas que esse fato fosse mascarado pela impossibilidade de se vê-las diretamente.

Hoje em dia encararíamos com bastante suspeita tal conclusão. Sabemos que qualquer objeto com uma massa estelar tem de entrar em ignição nuclear no centro e arder, para que seja semelhante a nosso Sol. Ter massa estelar e ser escuro, ao mesmo tempo, exigiria um conjunto de condições diametralmente diferentes das que conhecemos em nosso próprio Sol.

Para Bessel e seus contemporâneos, entretanto, uma companheira escura não encerrava nada de misterioso. Tratava-se de uma estrela que, por algum motivo, havia deixado de brilhar. Havia consumido toda sua reserva de energia (qualquer que fosse, pois Bessel não tinha como saber a respeito de reações nucleares) e continuava a girar, com o mesmo tamanho de sempre e o mesmo campo gravitacional, mas agora fria e escura.

Como poderia Bessel ter adivinhado que havia descoberto um objeto estranhíssimo? Evidentemente, não poderia saber da ligação desse objeto com gigantes vermelhas, uma vez que a existência delas ainda não fora sonhada em sua época.

SUPERDENSIDADE

As trevas que envolviam as companheiras escuras terminaram em 1862, graças ao trabalho de um fabricante de telescópios norte-americano, Alvan Graham Clark (1832-1897). Clark estava preparando uma lente para um telescópio encomendado pela Universidade de Mississipi, pouco antes de começar a Guerra Civil. (Por causa da guerra, ela não pôde ser entregue e acabou indo para a Universidade de Chicago.)

Terminado o polimento da lente, Clark resolveu submetê-la a um teste final, usando-a realmente para olhar o céu e verificar sua qualidade. Apontou-a para a estrela Sirius, durante o teste, e observou uma minúscula centelha de luz em suas vizinhanças, uma coisa que não aparecia em nenhuma carta celeste.

A princípio Clark julgou que a centelha fosse resultado de uma imperfeição da lente, e que parte da luz de Sirius estivesse sendo desviada. Novos testes, porém, revelaram que não havia nada de errado com a lente. Tampouco Clark podia fazer qualquer coisa que levasse a centelha a desaparecer ou mudar de posição. Além disso, essa posição parecia ser exatamente aquela em que deveria estar, na época, a companheira escura de Sirius.

A conclusão de Clark foi de que estava vendo a companheira escura. Seu brilho era muito débil, equivalente a apenas 1/10.000 do de Sirius, mas o objeto não era inteiramente escuro. A companheira escura de Sirius tinha-se

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tornado a companheira pálida e, atualmente, ela é designada como Sirius B, enquanto a própria Sirius pode ser chamada de Sirius A. Sirius é hoje chamada de um binário, ou sistema estelar duplo.

Em 1895 o astrônomo germano-americano John Martin Schaeberle (1835-1924) observou um ponto de luz perto de Procyon. Sua "companheira escura" também era uma companheira pálida, hoje designada Procyon B.

Na verdade, isso não parecia mudar muito a essência das coisas. Significava que, se as companheiras não eram estrelas totalmente mortas, eram pelo menos estrelas moribundas; que, embora não inteiramente opacas, sua luz estava se apagando.

Contudo, na época em que Schaeberle observou a companheira pálida de Procyon, as coisas estavam mudando.

Em 1893 o físico alemão Wilhelm Wien (1864-1928) havia demonstrado que a natureza da luz emitida por qualquer objeto quente (seja ele uma estrela ou uma fogueira) varia com a temperatura. Podemos estudar os comprimentos de onda da luz emitida e a natureza das raias escuras no espectro, e chegar a uma conclusão segura quanto à temperatura do corpo que está emitindo luz.

Segundo a lei de Wien, qualquer estrela que esteja se apagando e que, portanto, esteja se resfriando e a caminho da escuridão, tem que ter coloração vermelha. No entanto, Sirius B e Procyon B são brancas — baças, talvez, mas brancas.

O simples estudo visual dessas duas estrelas não bastava. Era preciso um espectro, de modo que os comprimentos de onda e as raias escuras pudessem ser estudados em detalhe. Isso não era fácil, já que as companheiras são tão baças e se acham tão perto de estrelas muito mais brilhantes que tendiam a ser ofuscadas pelo brilho destas.

Entretanto, em 1915 o astrônomo norte-americano Walter Sydney Adams (1876-1956) conseguiu fazer a luz de Sirius B passar por um espectroscópio, produzindo um espectro que ele pôde estudar. Assim que ele analisou esse espectro, não teve dúvidas de que Sirius B não estava se apagando. Ela é quente, quase tão quente quanto Sirius A e consideravelmente mais quente que o nosso Sol.

Enquanto Sirius A tem uma temperatura superficial de 10.000°C, a de Sirius B é de 8.000°C. A temperatura superficial do Sol é de apenas 6.000°C.

Pela temperatura de Sirius A sabemos qual o brilho que cada pequena porção de sua superfície deve ter — quatro vezes mais que uma porção semelhante da superfície do Sol. Sabemos ainda que brilho deve ter a superfície total, a partir de seu aspecto visto da Terra, a uma distância de 8,8 anos-luz. Podemos calcular que ela deve irradiar 35 vezes mais luz que o Sol;

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e que para produzir essa quantidade de luz (considerando a quantidade que cada pedaço de sua superfície produz), ela deve ter um diâmetro cerca de 1,8 vezes maior que o Sol, ou seja, de 2.500.000 km.

(Ao fim do século, como vemos, os astrônomos começavam a compreender que o Sol, que até então reinava como o mais glorioso de todos os corpos celestes e de cuja energia dependiam todos os seres vivos na Terra é, afinal de contas, uma simples estrela média e nada mais. Sirius A tem duas vezes o tamanho do Sol, quase o dobro da temperatura e mais de 30 vezes sua luminosidade. No entanto, não há porquê nos sentirmos diminuídos. Se Sirius A viesse substituir nosso Sol no céu, seria um luzeiro realmente brilhante, mas brilhante demais... pois os oceanos da Terra ferveriam e se evaporariam e, em breve, a Terra passaria a ser um mundo morto.)

Contudo, o mistério era Sirius B. Em vista de sua temperatura superficial, cada porção de sua superfície deveria estar emitindo não muito menos luz do que uma porção semelhante da superfície de Sirius A. Nesse caso, para explicar porque Sirius B pode ser tão menos brilhante do que Sirius A, temos de concluir que Sirius B tem menos superfície — muito menos superfície. Face à temperatura de Sirius B, concluiu-se, que este objeto deveria ter apenas 1/2.800 da superfície de Sirius A.

Para ter tal superfície, Sirius B deveria ter um diâmetro equivalente a apenas 1/53 do de Sirius A, ou 47.000 km. Sendo assim, Sirius B tem um tamanho planetário, aproximadamente o mesmo de Urano ou Netuno. Tem apenas 1/3 do diâmetro de Júpiter e somente 1/30 do volume deste. Na verdade, seu diâmetro é apenas 3,7 vezes maior que o da Terra.

A descoberta de Clarke significava que Sirius B pertencia a uma classe de estrelas totalmente nova — um tipo de estrela de temperatura elevada e ao mesmo tempo de tamanho ínfimo, em comparação com estrelas comuns como o Sol. Sirius B é uma anã branca, tal qual Procyon B, como logo se verificou.

Se Sirius B fosse planetária não só em tamanho, mas também em massa, não haveria como explicar sua elevada temperatura. Objetos com o tamanho e a massa de Urano ou Netuno simplesmente não têm em seus centros a espécie de pressão suficiente para alimentar as fogueiras nucleares.

Contudo, não havia possibilidade de Sirius B ter massa planetária, qualquer que fosse seu tamanho. Não tivesse ela própria uma massa estelar, não poderia fazer com que uma estrela grande como Sirius A se desviasse de seu rumo em linha reta. Pelo menos, o desvio não seria tão acentuado.

Com base na distância conhecida de Sirius A e de Sirius B da Terra e de seu afastamento aparente no céu, podemos calcular a distância que as

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separa. Sirius A e Sirius B acham-se afastadas por uma distância média de 3.000.000.000 km, de modo que a distância média entre os dois objetos é um pouco maior do que a existente entre Urano e o Sol, No entanto, enquanto Urano leva 84 anos para dar uma volta em redor do Sol, Sirius B leva apenas 50 anos para completar seu giro em torno de Sirius A.

Pode-se, pois, calcular que a intensidade dos campos gravitacionais de Sirius A e de Sirius B é de 3,4 vezes os do Sol e de Urano. Isso significa que, em conjunto, Sirius A e Sirius B têm uma massa 3,4 vezes maior que a massa conjunta do Sol e de Urano (ou apenas do Sol, pois Urano acrescenta tão pouco à massa solar que pode ser desprezado).

Na verdade, Sirius B não gira em tomo de Sirius A. As duas estrelas descrevem órbitas em torno do centro de gravidade do sistema. Poderíamos imaginá-las como as duas pontas de um haltere girando em torno de algum ponto, o centro de gravidade, ao longo da barra que as liga. Se as duas esferas do haltere tiverem massa exatamente igual, o centro de gravidade estará no centro da barra; se uma tiver mais massa que a outra, o centro de gravidade estará mais perto de uma delas, e em proporção à diferença de massa.

No caso do Sol e de qualquer um de seus planetas, o Sol tem massa tão maior que o centro de gravidade está sempre suficientemente perto do centro do Sol para tornar razoavelmente correto dizer que o planeta gira ao redor do Sol. O mesmo princípio é válido para dizermos que a Lua gira em torno da Terra — uma vez que a Terra tem 81,3 vezes mais massa que a Lua e o centro de gravidade do sistema Terra-lua está 81,3 vezes mais próximo da Terra, portanto, do que da Lua. O mesmo acontece quando falamos de qualquer outro sistema de planeta e satélite entre a família de mundos do Sol.

No caso de Sirius A e de Sirius B, no entanto, a massa está dividida mais ou menos igualmente, de modo que o centro de gravidade do sistema acha-se quase no meio da distância entre os dois objetos. As duas estrelas giram em torno desse centro, e por isso mudam de posição consideravelmente enquanto descrevem essa órbita. (Não fosse assim, Bessel não teria observado uma ondulação nítida no movimento de Sirius no céu.)

Com base nas órbitas de Sirius A e Sirius B, pode-se determinar o centro de gravidade das duas estrelas. Pela posição do centro de gravidade em relação às duas estrelas verifica-se que Sirius A deve ter massa 2,5 vezes maior que a de Sirius B. Como o total da massa das duas estrelas é igual a 3,4 vezes a massa do Sol, vemos que Sirius A, aquela fulgente estrela em nosso céu, tem 2,4 vezes a massa do Sol, enquanto Sirius B, aquela centelha quase imperceptível, tem uma massa um pouco menor que a do Sol.

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O fato de Sirius A ter 2,4 vezes a massa de nosso Sol não é surpreendente. Afinal, ela é maior, mais quente e mais brilhante que o Sol. Sirius B, no entanto, constitui um objeto claramente anormal. Com o tamanho de Urano ou Netuno, tem uma massa quase semelhante à de nosso Sol.

Isso significa que deve ser um objeto densíssimo. Sua densidade média deve ser da ordem de 35.000 g/cm3, o que representa uma densidade 3.000 vezes maior que a do material do núcleo da Terra e 350 vezes maior que a do material do núcleo do Sol.

Na época em que Adams calculou o tamanho de Sirius B, era difícil aceitar densidades dessa magnitude. No entanto, quatro anos antes da descoberta de Adams, Rutherford havia descrito a estrutura do átomo e demonstrado que a maior parte de sua massa se concentra no núcleo ultraminúsculo. Ainda assim, os cientistas não se haviam habituado à idéia, e o conceito de átomos partidos, com as partes se agrupando muito mais densamente do que era possível em átomos intactos, era difícil de ser engolido. Havia considerável ceticismo, portanto, sobre a possibilidade da existência de tais anãs brancas.

O DESVIO PARA O VERMELHO DE EINSTEIN

Pouco tempo depois da descoberta de Adams, entretanto, elaborou-se uma maneira de conferir a hipótese de uma direção inteiramente diferente.

Em 1915 o físico Albert Einstein (1879-1955) publicou sua teoria geral da relatividade, a qual representou uma perspectiva inteiramente nova do universo como um todo. Segundo essa nova teoria, haveria alguns fenômenos capazes de serem observados e que não seriam possíveis se as perspectivas mais antigas estivessem corretas. Por exemplo, quando um corpo de grande massa irradia luz, o forte campo gravitacional do corpo deveria, segundo a relatividade geral, ter algum efeito sobre a luz.

Einstein, ampliando o trabalho realizado em 1900 por outro cientista alemão, Max Karl Ernst Ludwig Planck (1858-1947), havia demonstrado que se poderia considerar que a luz consistia não apenas em ondas, mas também em ondas que, em alguns aspectos, agem como partículas. Essas partículas luminosas são chamadas de fótons, de uma palavra grega que significa "luz".

Os fótons têm massa zero quando em repouso e, por conseguinte, não atuam como fonte de um campo gravitacional nem reagem a um campo gravitacional da maneira ordinária. Contudo, os fótons nunca estão em repouso, mas viajam (num vácuo) a uma determinada velocidade precisa: 299.792,5 km/seg. (Da mesma forma que todas as demais partículas sem massa.) Ao viajarem a essa velocidade, os fótons possuem certas energias; e

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ainda que a ação de um campo gravitacional não possa alterar a velocidade dos fótons no vácuo (nada o pode fazer), ela pode modificar a direção em que a luz viaja e reduzir a energia.

Essa mudança de direção foi observada em 1919. A 29 de maio daquele ano um eclipse total do Sol podia ser observado da ilha Príncipe, na costa da África. Estrelas brilhantes se tornaram visíveis nas proximidades do Sol eclipsado e a luz proveniente dessas estrelas, a caminho da Terra, passou roçando pelo Sol. A teoria de Einstein previa que essa luz se curvaria ligeiramente na direção do Sol ao passar por ele, de modo que as próprias estrelas, avistadas ao longo da nova direção, pareceriam estar localizadas um pouco mais distantes do disco do Sol do que realmente estavam. As posições das estrelas foram cuidadosamente medidas durante o eclipse e também seis meses depois, quando o Sol se encontrava no lado oposto do céu e não podia exercer nenhum efeito sobre a luz dessas mesmas estrelas. Verificou-se que a luz se comportava da forma prevista na teoria de Einstein, e esse fato contribuiu decisivamente para garantir a validade da relatividade geral.

Naturalmente os astrônomos estavam ansiosos por submeter a teoria a novos testes. O que dizer a respeito da perda de energia da luz num campo gravitacional? A luz que deixava o Sol devia fazê-lo resistindo à atração da gravitação solar. Se os fótons fossem partículas ordinárias, dotadas de massa, suas velocidades deveriam decrescer ao deixarem o Sol. Como os fótons têm uma massa, em repouso, igual a zero, isso não acontece, mas ainda assim cada fóton perde um pouco de sua energia.

Essa perda de energia deveria ser detectada no espectro do Sol. Quanto maior é o comprimento de onda de um determinado fóton, menor é sua energia. No espectro, onde a luz se dispõe em ordem de comprimentos de onda, desde o violeta (com o menor comprimento de onda) ao vermelho (o maior comprimento de onda), há uma progressão regular da alta energia do violeta para a baixa energia do vermelho.

Se a luz solar perde energia por resistir à atração da gravidade, toda ela deverá terminar ligeiramente mais perto da extremidade vermelha do espectro, o que não aconteceria se não existisse nenhum efeito gravitacional. Esse desvio para o vermelho poderia ser detectado estudando-se as raias escuras no espectro solar e comparando-se suas posições com as raias escuras nos espectros de objetos submetidos apenas a pequenos efeitos gravitacionais — no espectro de objetos brilhantes em laboratórios na Terra, por exemplo.

Infelizmente, não havia nenhum sentido em procurar esse desvio para o vermelho einsteiniano no espectro solar, porque seu efeito é tão pequeno que nem mesmo o poderoso campo gravitacional do Sol produz desvio suficiente para ser medido.

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Foi então que Eddington (que estava estudando a estrutura interna do Sol e acolhia com entusiasmo a teoria da relatividade) observou que se Sirius B é realmente tão pequena como parece e tem a enorme massa que parece ter, ela poderia ser a resposta. O que afeta a luz é menos a atração gravitacional total do que a intensidade dessa atração na superfície, na qual a luz é emitida e onde ela dá o salto inicial para o espaço.

Ora, a intensidade do campo gravitacional do Sol é 333.500 vezes a da Terra, mas a superfície do Sol acha-se tão distante de seu centro que a gravidade superficial do Sol é apenas 28 vezes maior que a da Terra.

E Sirius B? Ela tem a massa do Sol, comprimida num objeto do tamanho de Urano. Tem a mesma intensidade gravitacional do Sol, mas pode-se estar muito mais perto do centro de Sirius B ficando-se em pé em sua superfície (apenas em imaginação, é claro) do que jamais se poderia chegar perto do centro do Sol.

Portanto, a gravidade superficial de Sirius B é aproximadamente 840 vezes a do Sol e 23.500 vezes a da Terra. O desvio einsteiniano para o vermelho seria muito mais pronunciado na luz de Sirius B do que na luz do Sol.

Eddington sugeriu a Adams, que era o especialista em Sirius B, que estudasse novamente o espectro de sua luz, a fim de verificar se podia detectar o desvio para o vermelho. Em 1925 Adams realizou a experiência e viu que realmente podia detectar o desvio, e precisamente no grau fixado pela teoria de Einstein.

Isso não só proporcionou outra comprovação importante da relatividade geral como ofereceu também, a estar correta a teoria, forte indício de que Sirius B é realmente tão pequena e tem tão grande massa como sustentara Adams, pois somente assim ela pode possuir gravidade superficial suficiente para produzir o desvio para o vermelho observado.

Em 1925, portanto, a existência das anãs brancas teve de ser aceita. Desde então não se duvidou mais delas.

A enorme gravidade superficial de Sirius B implica numa enorme velocidade de escape. Partindo da superfície da Terra, um foguete lançado ao espaço, sem outra fonte de energia senão seu impulso inicial, tem que sair com uma velocidade mínima de 11,23 km/seg, para que deixe a Terra permanentemente. Partindo da superfície do Sol, a velocidade de escape seria de 617 km/seg. Da superfície de Sirius B a velocidade de escape é de, aproximadamente, 3.300 km/seg.

Mesmo 11,23 km/seg é uma alta velocidade pelos padrões da Terra. Contudo, uma velocidade de 3.300 km/seg é fantástica: apenas 1/90 da velocidade da luz.

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FORMAÇÃO DE ANÃS BRANCAS

Examinemos outra vez o que acontecerá depois que o Sol chegar ao estágio de gigante vermelha e consumir toda a energia nuclear em seu interior. A atração gravitacional, não contando mais com a oposição do efeito expansivo do calor, começará a encolher o Sol (como parece estar fazendo agora com outras estrelas que se encontram nesse estágio) até um ponto em que a gravitação passe a enfrentar a resistência de outra coisa além do calor.

à medida que o Sol se encolher, ganhará densidade até chegar ao ponto em que poderá compor-se de átomos intactos em contato, a exemplo de corpos planetários como a Terra e Júpiter. No entanto, uma massa de dimensão estelar produz um campo gravitacional suficientemente forte para esmagar esses átomos. Assim, o encolhimento continuará. A interrupção do processo, se houver, terá de ser feita pelas partículas subatômicas que compõem os átomos.

Quais são essas partículas subatômicas, e de que maneira elas mudam à medida que o Sol (ou qualquer outra estrela) envelhece?

O Sol, ou qualquer outra estrela, é constituído principalmente de hidrogênio. O hidrogênio consiste num núcleo composto de um único próton, carregado positivamente, que é equilibrado por um único elétron, carregado, negativamente, e que completa o restante do átomo.

à proporção que o Sol envelhece, seu hidrogênio pouco a pouco sofre fusão: quatro núcleos de hidrogênio se fundem para formar um único núcleo de hélio. Uma vez que um núcleo de hélio é constituído de dois prótons e dois nêutrons (sem carga elétrica), podemos dizer que quando todo o hidrogênio se houver fundido e desaparecido, metade dos prótons da estrela ter-se-á transformado em nêutrons. À medida que os núcleos de hélio sofrem fusão adicional durante a formação da gigante vermelha, até que finalmente sejam formados núcleos de ferro, mais alguns prótons se transformam em nêutrons e, por fim, a estrela compõe-se de uma mistura de prótons e nêutrons na proporção de 45 para 55.

Entrementes, o que acontece com os elétrons?

Toda vez que um próton (de carga positiva) é convertido num nêutron (sem carga), alguma coisa tem que ser feita com aquela carga positiva. Ela não pode simplesmente desaparecer. O que ocorre é que ela é ejetada dos núcleos em fusão, juntamente com uma quantidade mínima de massa. Essa quantidade mínima de massa é suficiente para produzir uma partícula exatamente igual ao elétron, com a única diferença de apresentar uma carga elétrica positiva e não negativa. Esse elétron carregado positivamente é denominado pósitron. Para cada quatro prótons fundidos num núcleo de hélio, formam-se dois pósitrons.

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Assim que se forma um pósitron, ele forçosamente colide com um dos elétrons presentes no Sol (e em toda matéria ordinária) em número elevado. Embora uma carga elétrica positiva não possa desaparecer por si só, da mesma forma que uma carga elétrica negativa não pode também desaparecer, as duas cargas podem cancelar-se mutuamente no caso de se encontrarem. Quando um pósitron e um elétron colidem, há um aniquilamento mútuo, tanto da carga elétrica como da massa, e os dois são convertidos em fótons energéticos chamados raios gama, que não possuem nem carga elétrica nem massa. Dessa maneira, cerca de metade dos elétrons do Sol ter-se-á destruído no curso de sua vida como uma estrela normal. A metade restante será suficiente para compensar a metade dos prótons que terão permanecido como prótons.

Na conversão de prótons para nêutrons e no aniquilamento mútuo de elétrons e pósitrons perde-se massa suficiente para ser convertida nas vastas quantidades de radiação que o Sol emite em sua vida como reator de fusão de hidrogênio. Um volume adicional de massa se perde porque o Sol está constantemente emitindo um fluxo de prótons em todas as direções, o chamado vento solar.

Toda essa perda é trivial em comparação com a massa total do Sol. Ao tempo em que o Sol, ou qualquer outra estrela isolada, houver completado seu período de gigante vermelha e estiver pronto para encolher, poderá ter retido até 98% de sua massa original; é essa massa que começa então a encolher.

Tanto os elétrons, como os prótons e nêutrons têm propriedades ondulatórias, além de propriedades de partículas. Quanto maior a massa de uma partícula, mais curtas serão as ondas a ela associadas e mais pronunciadas as propriedades dessa partícula. Quanto menor a massa, mais longas as ondas e mais pronunciadas as propriedades dessas ondas.

Os prótons têm muito mais massa que os elétrons — 1.836 vezes mais. Os nêutrons têm 1.838 vezes mais massa do que os elétrons. Os prótons e os nêutrons estão associados a ondas curtíssimas e são classificados como partículas de tamanho extremamente diminuto. O elétron está associado a ondas relativamente longas e por isso ocupa muito mais espaço do que os prótons e os nêutrons.

Quando uma estrela encolhe além do limite imposto por átomos intactos, as partículas que primeiro entram em contato, por assim dizer, são os volumosos elétrons.

Os elétrons postos em contato acham-se apertados muito mais entre si do que estariam em átomos intactos. Assim, por exemplo, Sirius B e o Sol têm massas aproximadamente iguais, mas Sirius B ocupa apenas 1/27.000 do espaço ocupado pelo Sol. (É mais ou menos como a diferença do espaço

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ocupado por cem bolas de pingue-pongue intactas e pelas mesmas cem bolas reduzidas a pó de plástico.)

Não obstante, mesmo depois de os elétrons terem sido postos em contato, os prótons e os nêutrons muito menores (porém dotados de mais massa) e os núcleos atômicos por eles constituídos ainda encontrarão muito espaço para se movimentar. Esses núcleos estão muito mais próximos entre si do que estariam como parte de átomos intactos, mas ainda estão suficientemente separados para que as distâncias entre eles sejam enormes, em comparação com seu próprio tamanho.

No que diz respeito aos núcleos, uma anã branca, por densa que seja, ainda se compõe primordialmente de espaços vazios. Em Sirius B, por exemplo, que quase poderia ser considerada como um fluido eletrônico contínuo, os núcleos ocupam apenas 1/4.000.000.000 de seu volume. Os núcleos, portanto, mostram as propriedades de gases.

Uma anã branca, naturalmente, não apresenta estrutura sempre uniforme, tanto quanto qualquer outro objeto dotado de massa. Encontra-se uma pressão crescente ao se mover, em imaginação, da superfície para o centro.

Uma anã branca tem uma pele quase normal, uma camada externa de átomos intactos que são puxados para baixo com força pela intensa atração gravitacional na superfície, mas que não têm o peso de outras camadas sobre si. Várias espécies diferentes de átomos podem existir nessa "atmosfera" de uma anã branca — até mesmo uma pequena quantidade de hidrogênio que, de alguma forma, no decorrer de toda a vida da estrela, escapou à fusão devido ao fato de aqueles átomos em particular nunca terem feito parte das profundezas estelares. Essa atmosfera poderá ter apenas algumas centenas de metros de espessura.

Ao nos imaginarmos mergulhando no material da anã branca, veremos que esses átomos atmosféricos gradualmente se rompem em elétrons e núcleos, todos movendo-se livremente. Ali, pequenos restos de reações nucleares continuam a se desenrolar, até que todo o hidrogênio tenha sido consumido. À medida que continuamos a descer, os elétrons entram em contacto e começam a resistir a uma maior compressão. Quanto mais forem comprimidos, mais resistem à compressão adicional, e é essa resistência que finalmente detém a contração da estrela no estágio de anã branca.

No núcleo da estrela o material da anã branca é considerável-mente mais denso que a média de toda a estrela. A densidade central pode ser da ordem de 100.000.000 g/cm3.

Quando se forma uma anã branca ela é quentíssima porque a energia cinética da contração foi transformada em calor. Uma anã branca recém-formada pode ter uma temperatura superficial superior a 100.000°C.

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À medida que a anã branca irradia calor para o espaço circundante, porém, seu conteúdo energético tem de decrescer, e muito pouco desse decréscimo pode ser compensado pelas reações nucleares nos restos de matéria razoavelmente normal que, a princípio, permanece nas camadas exteriores. Aos poucos, a anã branca se resfria. Conhecem-se velhas anãs brancas com uma temperatura superficial não superior a 5.000°C.

Essa perda de calor não afeta seriamente sua estrutura.

As estrelas comuns se contrairiam se perdessem calor, uma vez que é o calor produzido no centro que as mantém expandidas, resistindo ao puxão da gravidade. Uma anã branca resiste à contração gravitacional com a resistência dos elétrons comprimidos, e isso não depende de calor. Os elétrons resistem à maior compressão com a mesma eficiência, tanto frios quanto quentes.

Presumivelmente, pois, a perda de temperatura há de continuar, sem qualquer mudança significativa na estrutura da anã branca, até que ela não seja mais suficientemente quente para brilhar. Ela se torna uma anã negra e continuará a se resfriar por eras a fio, até que seu conteúdo energético seja apenas igual à média para todo o universo — alguns graus acima do zero absoluto.

Este é um processo lentíssimo, e toda a duração do universo até o presente não foi bastante para que tenha ocorrido o esgotamento total da energia de qualquer anã branca. Todas as anãs brancas que jamais se formaram ainda fulgem hoje, mas, com o tempo, haverão de escurecer.

Até este ponto, portanto, só examinamos neste livro dois tipos de objetos eternos — isto é, objetos capazes de resistir à atração da gravidade por períodos de tempo indefinidamente longos. Há os objetos planetários, que são de massa suficientemente pequena para jamais terem iniciado uma fusão nuclear e nos quais a compressão gravitacional é perpetuamente equilibrada pela força, de dentro para fora, de átomos intactos comprimidos, situados no centro.

Há, também (ou haverá, algum dia), anãs negras, que possuem massa bastante grande para ter iniciado uma fogueira nuclear mas que, com o tempo, se apagaram e nas quais a compressão gravitacional é perpetuamente equilibrada pela pressão, de dentro para fora, de elétrons comprimidos.

. Todos os objetos que vemos no céu, fora de nosso próprio sistema solar, além do Sol, não são objetos eternos. As estrelas ordinárias que contemplamos são estruturas temporárias que estão ardendo, a caminho da condição de anã negra (ou, como veremos, de outros objetos ainda mais estranhos).

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Podemos ver também nuvens de poeira e gás no espaço interestelar, mas sob a atração de seu próprio campo gravitacional grande parte dessas nuvens terminará por se condensar e formar estrelas, iniciando também o longo caminho na direção do estado de anã negra. Algumas das nuvens poderão, ao se condensar, formar corpos com massa demasiado pequena para iniciar uma fogueira nuclear, e serão corpos planetários. Se qualquer parte da nuvem escapar à condensação e se unir ao tênue vapor de átomos individuais, moléculas e partículas de pó que se estende entre as estrelas e as galáxias, então esses corpúsculos poderão ser considerados corpos planetários separados ultrapequenos.

Restam-nos, portanto, os corpos planetários e as anãs brancas como as duas classes de objetos eternos do universo que até agora examinamos neste livro.

Já se observaram várias centenas de anãs brancas, e esse número não parece muita coisa entre os bilhões e bilhões de estrelas no céu. Convém recordarmos, porém, que as anãs brancas, ainda que brilhantes para seu tamanho, são de maneira geral objetos baços. Elas têm somente de 1/1.000 a 1/10.000 da luminosidade das estrelas ordinárias médias, e por isso não podem ser vistas, a menos que estejam muito perto de nós.

Se vemos tão poucas anãs brancas é porque às distâncias estelares comuns, onde estrelas ordinárias ainda são bastante brilhantes para serem vistas e estudadas, as anãs brancas são baças demais para serem reconhecidas ou até mesmo vistas, talvez. Por isso, a única maneira de que dispomos para avaliar com justeza o número de anãs brancas consiste em estudar a vizinhança imediata do Sol.

No espaço contido dentro de 35 anos-luz do Sol, por exemplo, há cerca de 300 estrelas. Dessas, oito são anãs brancas. Supondo-se que esta seja aproximadamente a proporção habitual no espaço de modo geral (e não temos nenhum motivo para julgar que não seja), podemos então dizer que entre 2 e 3% de todas as estrelas são anãs brancas. É possível que haja nada menos que 4 bilhões de anãs brancas somente em nossa galáxia.

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Matéria em Explosão

A GRANDE EXPLOSÃO

Por que existirão tantas anãs brancas? Por que elas serão em número de 4 bilhões somente em nossa galáxia?

Afinal de contas, uma estrela não se transforma em anã branca antes de haver consumido todo seu combustível nuclear, e nosso Sol, por exemplo, dispõe ainda de combustível nuclear suficiente para bilhões de anos. Talvez se possa dizer o mesmo de um número infindável dos 135 bilhões de estrelas que compõem nossa galáxia. Nesse caso, por que razão 4 bilhões dessas estrelas viram esgotar seu combustível, expandiram-se e depois encolheram?

Ou vejamos o problema pelo ângulo oposto. Por que há tão poucas anãs brancas? Se bilhões de estrelas utilizaram todo seu combustível nuclear e chegaram ao fim, por que o mesmo não aconteceu a todas as demais estrelas?

Para dar uma resposta a essas perguntas, precisamos saber primeiramente qual é a idade do universo e, portanto, há quanto tempo as estrelas se formaram. Poderemos então ter uma idéia do tempo em que elas vêm usando combustível nuclear e da quantidade desse combustível que ainda resta a ser fundido.

Mas como podemos afirmar a idade do universo?

A resposta a essa pergunta nasceu, inesperadamente, de um exame dos espectros das estrelas.

Estudando-se esses espectros podemos dizer se uma estrela está se movendo em nossa direção ou para mais longe de nós e, em ambos os casos, com que velocidade. Se as linhas espectrais se desviam para a extremidade vermelha do espectro, a estrela está se afastando de nós. Se elas se desviam para a extremidade violeta, a estrela está se aproximando de nós.

Evidentemente, cabe a pergunta: como podemos saber se o desvio para o vermelho das linhas espectrais é causado por um afastamento ou por um

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efeito gravitacional, como o descrito no capítulo anterior? A resposta é que a maioria das estrelas não é suficientemente densa para produzir um desvio para o vermelho mensurável resultante de um efeito gravitacional. Portanto, a menos que haja razões para se acreditar no contrário, todo desvio para o vermelho é considerado resultante de um movimento de afastamento.

Naturalmente, algumas estrelas se afastam e outras se aproximam de nós, de modo que os desvios para o vermelho e para o violeta se distribuem em número mais ou menos igual.

A partir de 1912, mais ou menos, os astrônomos começaram a estudar o espectro das galáxias (que são coleções, vastas e distantes, de milhões, bilhões ou mesmo trilhões de estrelas, semelhantes à nossa própria Galáxia, a Via Láctea) que se situam além da nossa. Em 1917 tornou-se evidente que, com exceção de duas das galáxias mais próximas, todas as demais exibem um desvio espectral para o vermelho e que, portanto, estão se afastando de nós. Além disso, esses desvios são mais acentuados do que os associados às estrelas de nossa própria galáxia.

Com o estudo de um número cada vez maior de galáxias, constatou-se que todas elas (com exceção das mesmas duas, as mais próximas) apresentam um desvio para o vermelho e que o grau desse desvio aumenta progressivamente, quanto mais distantes estão as galáxias de nós.

Levando tudo isso em conta, o astrônomo norte-americano Edwin Powell Hubble (1889-1953) enunciou em 1929 a chamada lei de Hubble. Segundo essa norma, a velocidade com que uma galáxia se afasta está relacionada diretamente à sua distância de nós. Ou seja, se a galáxia A está se afastando 5,6 vezes mais depressa do que a galáxia B, então a galáxia A está 5,6 vezes mais distante de nós do que a galáxia B.

Não é fácil determinar a taxa de aumento da velocidade de recessão de acordo com a distância. A princípio os astrônomos julgaram que a velocidade aumentasse bastante depressa, mas novos dados levaram a crer que o aumento é muito menor do que de início se supôs.

Atualmente os astrônomos acreditam que a velocidade de recessão aumente 16 km por segundo para cada milhão de anos-luz de distância. Por exemplo, uma galáxia situada a 10.000.000 de anos-luz está se afastando a uma velocidade de 160 km/seg; a que se situa a 20.000.000 de anos-luz afasta-se com uma velocidade de 320 km/seg; e uma terceira situada a 50.000.000 de anos-luz se afasta a 800 km/seg, e assim por diante.

Mas por que isso? Por que deveriam estar todas as galáxias se afastando, e por que motivo a velocidade de afastamento deveria ser proporcional à distância que estão de nós? O que nos torna a chave para o comportamento do universo?

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Não somos!

Já em 1917 o astrônomo holandês Willem de Sitter (1872-1934) demonstrou que de um ponto de vista teórico, usando as equações da relatividade geral, o universo deveria estar se expandindo. A rigor, galáxias individuais e, às vezes, aglomerados que variam de dezenas a milhares de galáxias, são mantidos juntos pela atração gravitacional. Mas as unidades galácticas (sejam galáxias isoladas ou aglomerados delas) que estão separadas de suas vizinhas por uma distância tão grande que a gravitação é fraca demais para afetá-las suficientemente, participam da expansão geral do universo. Isso significa que as unidades galácticas individuais estão, todas elas, separando-se umas das outras a alguma velocidade constante.

De um posto de observação em qualquer galáxia ter-se-ia a impressão de que todas as outras (com exceção das que fazem parte do aglomerado local, se houver) estão se afastando. Além disso, a velocidade constante de expansão amplia-se com a distância, de modo que terminaríamos com a lei de Hubble, não importa a galáxia em que vivêssemos.

Se as unidades galácticas se dispersam cada vez mais à medida que o tempo passa e o universo envelhece, então se voltássemos o olhar no tempo (como se virássemos um filme de cinema para que fosse projetado ao contrário) veríamos as unidades galácticas se aproximando umas das outras cada vez mais. Em outras palavras, quanto mais jovem for, mais compacto é o universo. E se retrocedermos suficientemente no tempo, poderemos ver como todas as galáxias devem ter-se chocado numa vasta coleção de matéria.

Em 1927 o astrônomo belga Georges Lemaître (1894-1966) sugeriu que as coisas tinham-se passado exatamente assim — que há um certo número de bilhões de anos toda a matéria do universo estava agrupada num único lugar e formava uma estrutura denominada átomo primordial. Outros a denominaram ovo cósmico.

Durante quanto tempo o ovo cósmico existiu ou como veio a se formar, Lemaître não se aventurou a dizer, mas em algum momento esse ovo cósmico deve ter explodido. Essa deve ter sido certamente a maior explosão que o universo jamais havia experimentado; foi a explosão que criou o universo que conhecemos. O físico russo-americano George Gamow (1904-1968) denominou-a "a grande explosão".

A partir dos vastos fragmentos do ovo cósmico, terminaram por se formar as estrelas e galáxias, e é por causa do impulso da grande explosão que o universo ainda hoje está se expandindo. No último meio século acumularam-se provas em favor da grande explosão, e hoje em dia quase todos os astrônomos acreditam que foi assim que se formou o universo.

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Entretanto, a pergunta importante é: quando ocorreu a grande explosão? Os astrônomos sabem (ou julgam saber) com que velocidade o universo se expande atualmente. Supõem-se que essa velocidade sempre foi e sempre continuará a ser a mesma, então, se lançarmos o olhar adiante no tempo, o universo simplesmente se expandirá para todo o sempre; as unidades galácticas se separarão cada vez mais. Finalmente, um astrônomo que olhar o universo de um ponto de observação na Terra verá apenas nossa própria galáxia e aquelas outras que fazem parte de nossa aglomeração local. Todo o resto estará longe demais para ser visto.

Por outro lado, se olharmos para trás e supusermos que o universo se contrairá constantemente a uma velocidade uniforme, ele se agrupará no átomo primordial de há 20 bilhões de anos.

Contudo, as diversas galáxias exercem uma força gravitacional umas sobre as outras. Essa atração pode não bastar para impedir a expansão, mas tenderá a retardá-la. Isso significa que, ao olharmos para o futuro, a velocidade de expansão se tornará cada vez menor e levará mais tempo do que imaginamos para que todas as galáxias distantes, fora do aglomerado local, venham a perder-se de vista. Da mesma forma, significa que ao olharmos para o passado, as galáxias se reunirão cada vez mais depressa, à medida que a atração gravitacional se fizer progressivamente maior. Portanto, o tempo do ovo cósmico e da grande explosão deve situar-se a menos de 20 bilhões de anos.

Não podemos afirmar com segurança em que grau a força gravitacional no universo está retardando a velocidade de expansão. Isso depende da quantidade de matéria que existe (em média) por volume de espaço — em outras palavras, da densidade média de matéria no universo.

Se a densidade for suficientemente grande, então o efeito retardante é bastante pronunciado para fazer com que a velocidade de expansão caia a zero. A expansão do universo haverá um dia de interromper-se. Assim que isso acontecer, o universo, sob a atração de suas próprias forças gravitacionais, começará a se contrair — a princípio muito lentamente, depois mais depressa, mais depressa, até o ovo cósmico se formar e explodir novamente. Esse ciclo pode repetir-se várias vezes, e teremos então um universo oscilante. O astrônomo norte-americano Allan Rex Sandage (1928-) sugeriu que um ovo cósmico se forma e explode a cada 80 bilhões de anos.

Se a densidade da matéria do universo for exatamente suficiente para interromper a expansão das galáxias (uma densidade igual a 6 x 10-30 g/cm3, ou cerca de um próton ou nêutron para cada 350.000 cm3 de espaço), então a expansão está se retardando numa taxa tal que a grande explosão deve ter ocorrido a aproximadamente 13,3 bilhões de anos.

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Na verdade os astrônomos ainda não têm uma idéia segura quanto à densidade da matéria no universo, em média, de modo que não podemos saber com exatidão quando ocorreu a grande explosão ou se o universo está oscilando ou não. No momento, acredita-se em geral que a densidade média não seja suficientemente alta para oscilação, de modo que a grande explosão deve ter ocorrido entre 13,3 bilhões e 20 bilhões de anos atrás.

Neste livro partiremos do pressuposto razoável (sujeito a modificações, com a coleta de novos dados) de que o universo tem 15 bilhões de anos.

Se o universo tem 15 bilhões de anos, isso significa que as próprias estrelas não podem ter mais do que essa idade.

Contudo, poderiam ser mais jovens. O Sol, por exemplo, deve ser mais jovem, pois de outra forma já teria consumido seu combustível nuclear, transformando-se em gigante vermelha e depois em anã branca.

Serão, pois, as anãs brancas remanescentes de estrelas antiqüíssimas que vêm brilhando desde o começo do universo, enquanto as estrelas que ainda fulgem devido à fusão nuclear foram formadas muito mais tarde e são, portanto, muito mais jovens?

É possível que haja alguma verdade nisso, mas não toda. Muitas estrelas devem ter-se formado após a grande explosão, e se todas elas tivessem chegado já ao estágio da anã branca, haveria muito mais anãs brancas em nossa galáxia do que existem, na verdade. Além disso, consideremos os casos de Sirius A e Sirius B. Parece lógico supor que as duas estrelas de um binário se formaram ao mesmo, tempo (da mesma forma que o Sol e os planetas devem ter-se formado mais ou menos à mesma época), mas, ainda assim, uma delas é uma anã branca e a outra não é.

Ocorrerá, porventura, que a idade não seja o único fator importante? Por acaso algumas estrelas queimaram seu combustível nuclear mais devagar do que outras? Ou será que algumas possuem maior quantidade de combustível nuclear do que outras? Ocorrendo uma coisa ou outra, algumas estrelas levam mais tempo para chegar à fase de contração do que outras?

A resposta para essas perguntas também foi proporcionada pelos estudos dos espectros.

A SEQÜÊNCIA PRINCIPAL

Para começar, uma estrela nasce de uma massa de poeira e gás que gira lentamente e que, por força de sua própria atração gravitacional, lentamente se torna coesa. À medida que essa massa de poeira e gás (espalhados pelo espaço como resultado da grande explosão) se une, a

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atração gravitacional se faz cada vez mais intensa, de modo que o processo se acelera.

Quando a nuvem se condensa, a temperatura e a pressão no centro aumentam progressivamente, até que finalmente se tornam suficientes para romper os átomos no centro e iniciar a fusão nuclear. Nesse momento de ignição nuclear, nasce a estrela.

O período de condensação não é muito longo em comparação com os muitos bilhões de anos de vida total da estrela. Quanto maior for a estrela e quanto mais massa ela tiver, mais forte será a atração gravitacional em todas as fases e menor será o tempo de condensação. Uma estrela com a massa de nosso Sol poderia levar 30 milhões de anos para atingir a ignição nuclear, ao passo que uma outra, de massa dez vezes maior, poderia condensar-se e atingir a ignição nuclear em apenas 10 mil anos. Por outro lado, uma estrela com apenas um décimo da massa do Sol poderia levar cem milhões de anos para entrar em ignição.

É claro que todas as estrelas que vemos no céu já alcançaram a ignição nuclear. Assim que chegam a esse estágio, continuam a produzir e a irradiar energia a um ritmo constante durante um longo período. O ritmo em que qualquer estrela produz e emite energia depende de sua massa.

Quando Eddington calculou as temperaturas reinantes no interior de uma estrela, compreendeu que quanto mais massa tiver uma estrela, mais forte será a atração gravitacional que ela exercerá sobre si própria. Isso significa que quanto maior for a massa de uma estrela, maior será a temperatura interna necessária para obrigá-la a permanecer expandida, opondo-se à gravidade. Quanto mais alta for a temperatura interna, mais energia será produzida e mais a estrela irradiará. Em outras palavras, quanto mais massa tiver uma estrela, mais luminosa ela será. A regra de Eddington é chamada lei da massa-luminosidade.

Se estudarmos as estrelas que vemos, concluiremos que elas formam uma seqüência regular: desde as estrelas de muita massa, muito luminosas e muito quentes, passando por estágios de massa, luminosidade e calor cada vez menores, até estrelas de pouquíssima massa, pouquíssima luminosidade e superfícies bastante frias. Esta seqüência Denomina-se principal, porquanto abrange aproximadamente 90% de todas as estrelas que conhecemos. (Os 10% restantes são constituídos de estrelas invulgares, como as gigantes vermelhas e as anãs brancas.)

Os espectros das estrelas da seqüência principal formam uma seqüência própria. Ao percorrermos a seqüência principal em direção às estrelas cada vez mais frias, os espectros refletem as temperaturas constantemente mais baixas na natureza das raias escuras que contêm. Por

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conseguinte, as estrelas podem ser divididas em classes espectrais, segundo o desenho das raias escuras.

As classes espectrais em que se dividem as estrelas da seqüência principal são O, B, A, F, G, K e M. Dessas classes, a O inclui as de mais massa, as mais luminosas e as mais quentes; a classe M compreende as de menos massa, menos luminosidade e mais frias. Cada classe espectral subdivide-se em subclasses numeradas de 0 a 9. Assim, podemos falar de B0, B1, B2 e assim por diante, até chegarmos a B9, seguida por A0. Nosso próprio Sol pertence à classe espectral G2.

O Quadro 9 relaciona a massa e a luminosidade das estrelas por classe espectral. Será a distribuição quantitativa dessas estrelas igual? Não.

QUADRO 9 - A seqüência principalClasse espectral Massa Luminosidade

(Sol = 1) (Sol = 1)

O 32 6.000.000B0 16 6.000B5 6 600A0 3 60A5 2 20F0 1,75 6F5 1,25 3G5 0,92 0,8K0 0,8 0,4K5 0,69 0,1M0 0,48 0,02M5 0,2 0,001

No universo, como um todo, os objetos grandes são sempre excepcionais e menos comuns que objetos pequenos da mesma categoria. Existem menos animais grandes que animais pequenos (compare-se o número de elefantes com o de moscas), menos rochas grandes que grãos de areia, menos planetas grandes que asteróides pequenos etc.

Seria de se esperar, pois, que existissem menos estrelas de grande massa e luminosidade que estrelas pequenas e pálidas, e é isso que acontece. Os levantamentos, feitos pelos astrônomos, das estrelas que podem ver e as deduções que fizeram com base nesses levantamentos levam-nos a supor que quase 3/4 de todas as estrelas em nossa galáxia pertencem à classe espectral M, a mais baça de todas. Os resultados detalhados são apresentados no Quadro 10.

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QUADRO 10 — Freqüência de classe espectral

Classe espectral Percentagem de estrelas

Número de estrelas na galáxia

O 0,00002 20.000B 0,1 100.000.000A 1 1.200.000.000F 3 3.700.000.000G 9 11.000.000.000K 14 17.000.000.000M 73 89.000.000.000

(Podemos pressupor, naturalmente, que tudo que for válido para nossa galáxia será também para a grande maioria de outras galáxias. Não temos nenhum motivo para acreditar que nossa própria galáxia seja particularmente diferente.)

A pergunta seguinte é se as estrelas das várias classes espectrais levam tempo diferente para consumir seu combustível nuclear e se, portanto, algumas permanecem na seqüência principal mais tempo que outras e retardam a expansão e a contração inevitáveis.

Se supusermos, por exemplo, que todas as estrelas começam suas carreiras com uma constituição composta basicamente de hidrogênio, o principal combustível nuclear, constatamos então que quanto mais massa tiver uma estrela, maior será seu suprimento de combustível. Uma estrela O5, com 32 vezes a massa (e portanto o suprimento de energia nuclear) do Sol poderia (supomos apenas) levar 32 vezes mais tempo para consumir seu combustível e assim permanecer tranqüilamente na seqüência principal um período 32 vezes mais longo que o de nosso Sol — e um período 160 vezes mais longo que o de uma estrela M5.

Contudo, as estrelas não consomem o combustível nuclear com a mesma rapidez, independentemente de suas massas. Quanto mais massa tiver uma estrela, com mais força seu próprio campo gravitacional consome sua matéria e mais quente tem de ser seu núcleo a fim de compensar a compressão gravitacional. Quanto mais quente for o núcleo, mais combustível tem de ser consumido por segundo a fim de manter a temperatura. Em suma, quanto maior for a massa de uma estrela, mais depressa ela tem que consumir seu combustível nuclear.

Eddington pôde demonstrar, na verdade, que à medida que passamos das estrelas de menor para as de maior massa o ritmo em que elas têm que consumir seu combustível nuclear aumenta muito mais depressa que o suprimento de combustível nuclear. Em resumo, ainda que uma estrela O5

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possa possuir 32 vezes mais energia nuclear que o Sol, aquela estrela O5 deve consumir combustível nuclear 10.000 vezes mais depressa que o Sol — portanto, haverá de consumir seu maior suprimento de combustível nuclear muito mais cedo do que o Sol consumirá o seu, bem menor. Dentro do mesmo raciocínio, o Sol tem que usar seu combustível nuclear muito mais rapidamente que uma baça estrela M5, que possui apenas um quinto do suprimento do Sol.

Em suma, quanto maior for a massa de uma estrela, mais curta será sua permanência na seqüência principal e mais depressa ela se tornará uma gigante vermelha e depois se contrairá. O período de vida das várias classes espectrais aparece no Quadro 11.

QUADRO 11 — Período de vida da seqüência principal

Classe espectral Duração da vida (anos)O 1.000.000 ou menos

BO 10.000.000 B5 100.000.000 AO 500.000.000 A5 1.000.000.000 FO 2.000.000.000 F5 4.000.000.000 GO 10.000.000.000 G5 15.000.000.000 KO 20.000.000.000 K5 30.000.000.000 MO 75.000.000.000 M5 200.000.000.000  

Uma vez que são as estrelas maiores e menos comuns as que se contraem primeiro, eis uma explicação para a relativa raridade das anãs brancas. Nenhuma estrela da classe espectral K ou M, que em conjunto perfazem 87% de todas as estrelas, já teve oportunidade de utilizar todo seu combustível nuclear, mesmo que todas elas estejam emitindo energia desde a grande explosão. Somente as estrelas O, B, A, F e algumas G podem já haver deixado a seqüência principal, e constituem menos de 10% de todas as estrelas.

Mesmo assim, não explicamos inteiramente a raridade das anãs brancas. Se todas as estrelas da galáxia tivessem se formado logo após a grande explosão e se nenhuma se formasse desde então, não haveria na

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galáxia quaisquer estrelas maiores e mais luminosas do que as pequenas estrelas da classe G. Todas as mais brilhantes do que essas já teriam se expandido e contraído. No entanto, não é isso que ocorre. Existem hoje no céu estrelas extraordinariamente brilhantes — até mesmo da classe O.

Evidentemente, as estrelas brilhantes que existem atualmente não podem ter existido durante toda a vida do universo. Nosso próprio Sol (pertencente à classe espectral G2) deve ser muito mais jovem do que o universo, pois de outra forma já se teria convertido em anã branca. Na verdade, ele parece ter sido formado há cerca de 5 bilhões de anos, quando o universo já tinha 10 bilhões de anos. E há lugares na galáxia onde se crê haver estrelas se condensando, rumo à ignição nuclear, neste exato momento. E haverá estrelas que se formarão daqui a um bilhão de anos.

Durante muito, muito tempo haverá estrelas luminosas e de vida breve no céu, nascendo e morrendo, enquanto as anãs brancas continuam a brilhar firmemente.

Mesmo assim, se supusermos que o universo se expandirá eternamente, então finalmente todas as estrelas, até mesmo as menores, consumirão todo seu combustível nuclear, passando à expansão e depois à contração. E podemos supor que daqui a muitos trilhões de anos o universo venha a consistir em apenas dois tipos de corpos "eternos" — anãs negras, que são as cinzas das estrelas, e objetos planetários negros, que jamais foram estrelas.

Mas se supusermos que este é o fim, estaremos certos? Por acaso todo objeto suficientemente grande para tornar-se uma estrela acaba como uma anã branca que se resfria até tornar-se uma anã negra? Ou haverá objetos no universo ainda mais estranhos que as anãs brancas?

Sim, existem objetos mais invulgares no horizonte. Não nos esqueçamos de que estamos avançando rumo aos buracos negros.

NEBULOSAS PLANETÁRIAS

Quando uma estrela se contrai e se transforma numa anã branca, sua massa, sob a influência de sua própria gravidade, se contrai e se torna cada vez menor, até que o fluido eletrônico comprimido no núcleo torna-se bastante resistente a uma contração adicional para suportar o peso das camadas de matéria sobre ele.

Quanto maior for a massa de uma estrela em contração, com mais força ela se encolherá e mais intensamente comprimirá o fluido eletrônico.

Para fazermos mais uma analogia, a situação é semelhante à dos pneus que sustentam um automóvel. O peso do carro comprime o ar dentro das

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câmaras de ar. A força feita pelo ar nos pneus, de dentro para fora, aumenta à medida que é comprimido, de modo que por fim ele passa a suportar o peso do carro. Se carregarmos o veículo com bagagem, o ar nos pneus é comprimido ainda mais, até ele fazer força suficiente para suportar a carga adicional. Quanto mais peso houver, mais o ar dentro dos pneus será comprimido.

Se tivermos isso em mente no caso de uma estrela, percebemos ser provável que quanto maior for a massa de uma anã branca, menor em tamanho ela deverá ser. Por isso, uma anã branca denominada Van Maanem 2 tem apenas 3/4 da massa de Sirius B — ela não se comprime tanto e tem um diâmetro mais ou menos igual ao de Júpiter, ou seja, três vezes o de Sirius B. Por outro lado, algumas anãs brancas de massa relativamente grande não têm volume maior do que nossa Lua.

Mas até que ponto uma anã branca pode aumentar em massa e diminuir de tamanho? Afinal de contas, se continuarmos a colocar peso dentro de um carro, chegará um momento em que o material dos pneus não será suficientemente forte para resistir à compressão cada vez maior do ar. Mais cedo ou mais tarde, o pneu acabará por estourar.

Existe também um ponto em que o núcleo da anã branca simplesmente não consegue sustentar a massa que o comprime.

A questão foi estudada pelo astrônomo norte-americano de origem indiana, Subrahmanyan Chandrasekhar (1910-). Em 1931 ele conseguiu demonstrar que há uma determinada massa crítica (limite de Chandrasekhar) além da qual uma anã branca não pode existir, uma vez que nesse ponto o fluido eletrônico não é capaz de suportar o peso, não importa o quanto esse fluido esteja comprimido. O núcleo de tal estrela haverá simplesmente de desabar.

A massa crítica, mostrou Chandrasekhar, é 1,4 vezes a do Sol. O limite poderia ser um pouco mais alto se a anã branca estivesse girando rapidamente, pois a ação centrífuga ajudaria a levantar uma parte da massa. As anãs brancas, contudo, não parecem girar com rapidez suficiente para que esse fator se torne substancial.

O limite de Chandrasekhar não é muito elevado. Todas as estrelas da classe espectral O, B e A, juntamente com as estrelas de maior massa da classe F, possuem massas que são 1,4 vezes maiores que a do Sol. Essas são também as estrelas de menor período de vida, e estrelas como essas, que se tenham formado nos primeiros tempos do universo, com toda certeza já se expandiram e se contraíram. E depois disso, transformaram-se em quê? Seria crível que algumas tivessem se convertido em anãs brancas de massa muito grande, muito além do limite de Chandrasekhar — mostrando assim que a análise desse astrônomo estava errada?

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Seria concebível que sim, mas a verdade é que todas as anãs brancas estudadas mostraram possuir massa inferior ao limite de Chandrasekhar, e quanto mais estrelas desse tipo são descobertas, mais correto parece o limite estabelecido.

Outra alternativa é a de que as estrelas com massa superior ao limite de Chandrasekhar pudessem ter perdido parte de sua massa, em alguma fase antes ou durante sua contração.

Essa alternativa parece bastante fantasiosa. Como pode uma estrela perder massa? O fato, entretanto, é que conhecemos vários meios pelos quais isso pode ocorrer, e é tão provável que uma estrela com massa particularmente grande venha a perder massa por um desses modos que poderíamos considerar essa perda inevitável.

Consideremos o fato de que toda estrela se expande, quando sua permanência na seqüência principal chega ao fim porque seu suprimento de combustível nuclear caiu abaixo de algum valor crítico, transformando-se numa gigante vermelha, que depois se contrairá.

Quanto mais massa tiver uma estrela, mais quente será seu núcleo por ocasião da expansão. A combinação de mais massa e mais calor produz uma gigante vermelha cada vez maior. Por outro lado, quanto maior for a massa de uma estrela, mais rapidamente ela se contrai quando chega o momento da contração, pois maior é o campo gravitacional que impulsiona a contração.

Suponhamos uma estrela, portanto, que tenha massa consideravelmente maior que a de nosso Sol e que, ao inchar, se transforme numa gigante vermelha bastante grande. As camadas mais externas da gigante vermelha, as quais se encontram muito distantes das camadas internas mais densas, acham-se submetidas a um puxão gravitacional relativamente fraco. Quando a estrela se contrai, então, as camadas internas desabam rapidamente, deixando para trás as camadas externas mais rarefeitas. A parte da estrela que está se contraindo se aquece brutalmente, à medida que a energia da contração é convertida em calor. A onda de calor atinge as camadas mais externas, que estão sendo atraídas para dentro relativamente devagar, e as empurra novamente para fora.

Portanto, se uma estrela for suficientemente densa e formar uma gigante vermelha bastante volumosa, somente sua porção interior poderá contrair, ao passo que a porção externa poderá ser expulsa como um turbulento invólucro de gás. Nesse caso, embora toda a estrela possa estar acima do limite de Chandrasekhar, a porção que se contrai pode estar abaixo dele e formar, assim, uma anã branca.

O resultado, portanto, é uma anã branca cercada por um invólucro de gás. A anã branca se acha quentíssima ao irradiar as vastas energias da rápida contração, e a radiação se faz na forma de luz ultravioleta e radiações

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ainda mais carregadas de energia. O invólucro de gás absorve essa radiação e a re-irradia como uma fluorescência de cores brandas.

O que vemos da Terra, pois, é uma estrela circundada por um anel nebuloso. Na verdade é um invólucro, mas as partes do invólucro gasoso viradas para nós (na frente da estrela) e as escondidas de nós (do outro lado) são difíceis de ver porque estamos olhando o invólucro através de sua pequena espessura. Nos lados da estrela (visível para nós) nossa linha de visão passa pela extremidade do invólucro, atravessando uma espessura de material relativamente grande. Por conseguinte, o invólucro mostra-se como um anel de fumaça. O exemplo mais notável disso é a nebulosa do Anel, na constelação da Lira.

Tais nebulosas são denominadas planetárias porque o invólucro de gás parece circundar a estrela como se estivesse numa órbita planetária.

Conhecem-se cerca de mil nebulosas planetárias; evidentemente, talvez existam muitas outras que não podemos enxergar. Cada uma das nebulosas planetárias conhecidas tem uma estrela densa, quente e pequena no centro — provavelmente uma anã branca, ainda que isso, na verdade, só pôde ser demonstrado em alguns poucos casos.

Se as estrelas centrais das nebulosas planetárias forem realmente anãs brancas, elas devem ter-se formado recentemente e tiveram pouco tempo para irradiar grande parte do calor que obtiveram através da contração. E, na verdade, essas são as estrelas com as mais elevadas temperaturas superficiais conhecidas, variando de pelo menos 20.000°C até, em certos casos, mais de 100.000°C.

Os invólucros gasosos que vemos parecem ter, ao que se pode avaliar, massa equivalente a 1/5 da solar, porém talvez sejam possíveis invólucros maiores, também. Alguns astrônomos acreditam que uma estrela possa perder mais da metade de sua massa na forma de um invólucro gasoso e que, se isso realmente acontecer, uma estrela com massa 3,5 vezes maior que a do Sol pode perder massa suficiente, através da formação de uma nebulosa planetária, para permitir que o núcleo em contração caia abaixo do limite de Chandrasekhar e forme uma anã branca.

Naturalmente, tendo sido expulso para a periferia pelas energias da contração do núcleo, o invólucro gasoso da nebulosa planetária está se afastando da estrela. A velocidade desse movimento pode ser medida, sendo característicos números entre 20 e 30 km/seg.

À medida que o invólucro de gás se afasta cada vez mais da estrela, adquire volume cada vez maior e sua matéria se faz cada vez menos densa. Com isso, qualquer porção do invólucro passa a receber menos radiação da estrela e produz cada vez menos fluorescência. O resultado é que o invólucro se torna cada vez mais opaco e menos visível, à medida que aumenta.

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Na nebulosa planetária típica, o invólucro de gás situa-se de 1/4 a 1/2 ano-luz da estrela central, ou seja, cerca de 500 vezes a distância entre Plutão e nosso Sol.

É possível que tenham sido necessários de 20.000 a 50.000 anos de expansão para o invólucro afastar-se a essa distância, e isso é muito pouco na vida das anãs brancas. O simples fato de o invólucro ser visível é, portanto, prova cabal de que a anã branca formou-se recentemente.

Cerca de 100.000 anos depois da formação da anã branca, o invólucro gasoso ter-se-á espalhado e rarefeito ao ponto em que será insuficientemente luminoso para ser observado da Terra. É possível, então, que aquelas anãs brancas que não têm em volta de si um invólucro de gás só não o possuam por terem bem mais de 100.000 anos de idade.

Entretanto, a formação de uma nebulosa planetária não é a única forma pela qual uma estrela pode perder massa. Na verdade, são muitos os modos pelos quais podemos encontrar matéria em explosão. A grande explosão pode ter sido a maior e a mais sensacional manifestação desse fenômeno, mas existem "pequenas" explosões de uma espécie ou outra, de magnitude suficiente para serem de grandiosidade espantosa.

NOVAS

Qualquer pessoa que contemplar o céu sem nuvens, noite após noite, a olho desarmado, observará um espetáculo que parece ser de serenidade e imutabilidade sem igual. A tal ponto essa imutabilidade tem sido vista como sinal de segurança, em meio à vida turbulenta, durante a história do mundo, que qualquer alteração rara — um eclipse, uma estrela cadente, um cometa — causa susto.

Essas mudanças intensas, perceptíveis por qualquer observador casual, não afetavam, porém, as estrelas; eram fenômenos de nosso sistema solar. Para um observador atento, todavia, mesmo no universo estrelado surgiam mudanças. Ocasionalmente aparecia uma nova estrela no céu, num ponto onde nenhuma antes havia sido detectada. Não se tratava de uma estrela cadente; ela permanecia ali. Mas não era uma residente permanente, tampouco. Por fim, ela desmaiava e voltava a desaparecer.

O maior dos astrônomos da antiguidade, Hiparco de Nicéia (190-120 a.C.), observou uma nova estrela desse tipo em 134 a.C. e isso o levou a preparar o primeiro mapa estelar, para que no futuro as intrusas fossem reconhecidas com mais facilidade.

Uma estrela temporária particularmente brilhante apareceu em novembro de 1572 na constelação Cassiopéia, e um astrônomo dinamarquês, Tycho Brahe (1546-1601), escreveu sobre ela um livro intitulado De Nova

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Stella (que em latim significa A respeito da estrela nova). Devido a esse título, a palavra "nova” passou a ser aplicada às estrelas temporárias em geral.

De certa forma a designação é ruim, pois as estrelas chamadas novas não são realmente novas, nem são verdadeiramente estrelas criadas do nada ou de material não-estelar, que depois retornam ao nada ou a um material não-estelar.

Logo depois que se inventou o telescópio, em 1608, tornou-se claro que existem milhões de estrelas com luz fraca demais para serem vistas a olho nu. Algumas dessas estrelas podiam, por algum motivo, brilhar com muito mais intensidade por um breve período e depois sumir outra vez. Podia ocorrer que uma estrela pálida demais para ser vista sem o telescópio passasse a brilhar a ponto de ser vista a olho nu e depois retornasse a uma palidez abaixo do nível da visão ordinária. Antes da invenção do telescópio pensar-se-ia que a estrela tinha vindo do nada e retornado ao nada.

Essa idéia seria bastante fortalecida se alguma estrela baça pudesse ser realmente vista alcançando brilho suficiente para ser detectada pela visão ordinária, mas só em 1848 é que uma nova foi realmente apanhada em flagrante. Por acaso, um astrônomo inglês, John Russell Hind (1823-1895), estava observando uma estrela pálida, ordinariamente invisível a olho nu, quando ela começou a aumentar de brilho. Atingiu o máximo na quinta grandeza, e então já podia ser contemplada, como uma estrela débil, por qualquer pessoa que olhasse para o ponto certo do céu. Depois, desvaneceu-se.

Após a invenção da fotografia, partes do céu passaram a ser fotografadas em épocas diferentes e, por comparação entre as fotos, podia-se dizer se alguma estrela havia mudado de brilho. Outras novas puderam ser detectadas assim; não teriam sido descobertas no ato real de aumentar de brilho. Viu-se que as novas não eram fenômeno tão incomum como se pensava antes. Calcula-se hoje que seria possível haver até 30 novas por ano, em média, em nossa galáxia.

Mas, o que provoca uma nova?

Seja o que for, tem de ser alguma coisa violenta. A estrela que se transforma em nova pode tornar-se milhares ou mesmo dezenas de milhares de vezes mais brilhante do que era antes. Além disso, o aumento de brilho pode ocorrer muito depressa — num dia, ou menos ainda. Depois que é atingido o brilho máximo, o declínio nunca é tão rápido como a ascensão. À medida que uma estrela empalidece, a velocidade do empalidecimento adicional diminui, de modo que por fim ela pode levar anos para regressar totalmente a seu estado primitivo.

É bastante provável, portanto, que o súbito aumento explosivo de brilho seja explosivo no sentido literal. Um estudo pormenorizado do espectro das

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novas faz supor que tais estrelas emitam invólucros de gás.

Poderia uma nova ser o início da formação de uma nebulosa planetária? Pode a explosão da nova ser o último arquejo de brilho antes de a estrela se contrair numa anã branca?

Provavelmente não. Antes de se formar a anã branca, a estrela deveria estar no estágio de gigante vermelha; no entanto, nos casos em que se pôde observar uma estrela antes de se transformar em nova, ela não parecia ser uma gigante vermelha. Além disso, a massa de gás ejetada por uma nova representa apenas 1/50.000 da massa de nosso Sol. Uma nebulosa planetária ejeta milhares de vezes mais massa.

Poderíamos esperar outras espécies de explosão além das que formam nebulosas planetárias?

As possibilidades poderiam parecer pequenas, de início. Afinal, a maioria das estrelas parece ser bastante estável — como nosso Sol, por exemplo. O puxão gravitacional e a resistência oposta pela temperatura acham-se em equilíbrio, e uma estrela como nosso Sol pode brilhar bilhões de anos sem quaisquer mudanças súbitas de tamanho ou temperatura. Há as manchas solares, que resfriam ligeiramente o Sol, e as chamas, que o aquecem ligeiramente, mas as mudanças são pequeníssimas e microscópicas em comparação com aquelas que ocorrem nas novas.

Nem todas as estrelas, contudo, são estáveis como o Sol. Há, por exemplo, estrelas cujo brilho varia continuamente, às vezes com regularidade rítmica. Talvez isso ocorra porque uma estrela brilhante seja eclipsada em parte ou no todo por uma companheira mais pálida que, em sua órbita em torno da estrela brilhante, passe periodicamente entre ela e nós.

Outras vezes, a variação decorre de mudanças na própria estrela.

Em 1784, um astrônomo inglês de origem holandesa, John Goodricke (1764-1786) — surdo-mudo que morreu com 21 anos — observou que a estrela Delta Cephei (na constelação Cefeu) variava de brilho. Não é uma mudança muito grande: ela aumenta da grandeza 4,3 para a 3,6,* e depois volta a 4,3, repetindo esse vaivém incessantemente. Em seu ponto mais brilhante, Delta Cephei tem apenas o dobro do brilho do ponto mais pálido, e não era provável que isso fosse notado sem um telescópio — como não é, realmente.

Contudo, a natureza da mudança é notável. A estrela aumenta de brilho com rapidez, empalidece mais lentamente, aumenta de brilho rapidamente, empalidece mais lentamente, com grande regularidade, em ciclos de 5,4 dias. Nos últimos 200 anos foram detectadas em nossa galáxia cerca de 700 estrelas com o mesmo padrão de aumento de brilho rápido e lento

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empalidecimento, e todas elas são chamadas variáreis cefeidas, em homenagem à primeira a ser descoberta.

As variáveis cefeidas diferem quanto à duração de seus períodos. Algumas chegam a ter um período de 100 dias, enquanto o de outras não vai além de 1 dia. (Na verdade, há um grupo especial de estrelas variáveis, muito semelhantes às cefeidas, que têm períodos de 6 a 12 horas e que são chamadas estrelas Lyrae RR, por causa da primeira a ser descoberta.)

Em 1915 a astrônoma norte-americana Henrietta Swan Leabitt (1868-1921) demonstrou que a duração do período depende da massa e do brilho da estrela. Quanto maior for a massa de uma variável cefeida e maior sua luminosidade, mais longo é seu período.

Aparentemente as variáveis cefeidas pulsam, e essa é a razão para sua mudança de brilho. A variável cefeida atingiu um estágio em sua evolução em que o equilíbrio entre a gravitação e a temperatura já não é estável. Talvez o suprimento de combustível nuclear esteja caindo ao ponto em que a temperatura interior comece a diminuir. Por isso, a estrela começa a desabar, mas o próprio desabamento comprime seu interior, acelera as reações nucleares e aumenta a temperatura. Isso obriga a substância da estrela a se expandir novamente, e o próprio ato de expansão diminui a densidade do interior e o resfria, de modo que recomeça uma compressão.

Quanto maior a massa de uma estrela, mais tempo é necessário para a contração e a expansão completarem o ciclo. Esse estágio é provavelmente breve em termos astronômicos, e após certo tempo virão as mudanças finais que levam à expansão (e transformação numa gigante vermelha) e depois à contração (e transformação numa anã branca).

As novas serão, porventura, variáveis cefeidas nas quais a pulsação se tornou extrema? É possível que, com a continuação dos pulsos, eles se tornem cada vez mais violentos, até que a expansão se torne explosiva e a parte mais externa de uma cefeida seja expulsa, num processo que faz a estrela aumentar de brilho temporariamente, não duas ou três vezes mais, porém dez mil vezes mais. A perda de massa poderia acalmar a variável cefeida e devolvê-la a um estágio de pulsação tranqüila (a qual pode, entretanto, após certo tempo, tornar-se explosiva outra vez). É possível que haja várias explosões antes da expansão e da contração finais.

Com efeito, já se observaram novas recorrentes, as quais já explodiram duas ou três vezes no breve período de pouco mais de um século em que os astrônomos têm observado as estrelas detidamente. Além disso, todas as variáveis cefeidas, mesmo as menores delas, têm massa consideravelmente maior que a do Sol. São estrelas grandes e brilhantes — exatamente o tipo de estrelas que teriam de perder massa para permaneceram dentro do limite de Chandrasekhar e serem capazes de formar uma anã branca.

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Tudo isso parece juntar-se como partes de um quebra-cabeças, mas a idéia não se sustenta. Um estudo de estrelas que se transformam em novas, tanto antes de isso ocorrer como depois de voltarem a empalidecer, mostra que elas simplesmente não são variáveis cefeidas. Elas não são sequer estrelas grandes; são pequenas e pálidas, ainda que possuam altas temperaturas superficiais.

A combinação de pequenez e pouco brilho, com altas temperaturas superficiais, sugere anãs brancas; no entanto, as anãs brancas são de tal modo compactas e densas e possuem gravidade superficial tão elevada que têm de ser muito estáveis. Como poderiam passar por uma expansão explosiva?

Uma idéia que parece estar ganhando apoio, e que foi proposta pela primeira vez em 1955 pelo astrônomo russo-americano Otto Struve (1897-1963), sugere que toda nova pode ser um dos membros de um binário estreito, uma dentre duas estrelas que giram a uma distância relativamente pequena. Uma delas, a que chamaremos A, é a maior e por isso chega ao fim de sua permanência na seqüência principal antes de sua companheira menor, B. À medida que A se expande rumo ao estágio de anã branca, sem passar pelo estágio de nebulosa planetária, a qual ainda não iniciou sua expansão. Como resultado disso, B ganha massa e A perde massa. A pode então encolher diretamente para o estágio de anã branca, sem passar pelo estágio de nebulosa planetária, ainda que sua massa possa ter sido, de início, um pouco superior à do limite de Chandrasekhar.

Por fim, chega a vez de B deixar a seqüência principal, tendo seu período de vida sido ligeiramente abreviado pelo ganho de massa às expensas de A. À medida que B se expande em direção ao estágio de gigante vermelha, ela devolve o presente: parte de sua matéria se derrama sobre A, que agora é uma anã branca.

A gravidade superficial de A é extremamente intensa e a matéria que ela ganha sofre uma súbita compressão. Como a matéria recebida conterá alguns átomos suscetíveis de fusão, a compressão pode eventualmente produzir uma reação nuclear muito rápida, se ela coletar material suficiente e assim que esse material for suficientemente comprimido. A reação nuclear libera energias imensas, que produzem um vasto clarão, o qual explica o repentino e enorme aumento de brilho que vemos como uma nova, bem como a expulsão do gás candente. A nova pode repetir-se ao receber incrementos adicionais de matéria expulsa pela expansão de B.

Dessa maneira, B poderá terminar por se contrair e transformar-se numa anã branca, muito embora tenha ganho massa suficiente para ultrapassar um pouco o limite de Chandrasekhar, quando A se expandiu.

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Sirius A e Sirius B seriam um bom exemplo dessa teoria, se estivessem mais perto uma da outra. Infelizmente, a distância média entre elas é um pouco maior que a existente entre Urano e o Sol, de modo que a influência recíproca é limitada.

Quando ambas se formaram, há talvez 250 milhões de anos, a Estela que hoje é Sirius B deve ter sido a maior e mais brilhante das duas, com talvez três vezes a massa do Sol; era vista da Terra (que se achava então na era dos dinossauros) com um brilho semelhante ao de Vênus.

Sirius B não permaneceu na seqüência principal por muito tempo; expandiu-se, transformando-se em gigante vermelha, e depois formou uma nebulosa planetária com talvez 2/3 de sua massa no invólucro de gás. Esse invólucro desde então afastou-se tanto que se tornou invisível, mas parte dele deve ter sido capturado pela distante Sirius A, cujo brilho certamente aumentou e cuja vida por isso será abreviada. Estivesse Sirius A consideravelmente mais perto de Sirius B e teria capturado uma porção muito maior das camadas externas de Sirius B; poderia, então, ter ganhado massa suficiente para deixar, ela própria, a seqüência principal pouco depois de Sirius B. Nesse caso, é possível que Sirius A fosse hoje um binário de anãs brancas.

Da forma como estão hoje, em algum momento no futuro, Sirius A se expandirá para se transformar numa gigante vermelha, e então formará uma nebulosa planetária. Sirius B haverá de receber parte do invólucro de gás, possivelmente o suficiente para aumentar de brilho, como nova. O espetáculo deverá ser deslumbrante para os homens que estiverem vivos e o observarem.

Conhecemos agora dois métodos pelos quais as estrelas de grande massa podem livrar-se de massa em quantidade suficiente para cair abaixo do limite de Chandrasekhar e formar uma anã branca. Esses dois métodos — a formação de nebulosas planetárias e a troca de matéria entre os pares de um binário próximo — funcionam para estrelas de tamanho moderado, até três vezes a massa do Sol. No entanto, há estrelas com massa ainda maior. E o que dizer delas? Voltemos à questão das novas.

SUPERNOVAS

Antes do telescópio, as únicas novas que certamente poderiam ser notadas seriam aquelas de brilho excepcional.

A nova sobre a qual Tycho Brahe escreveu seu livro, a que deu nome ao fenômeno, foi um exemplo desse tipo. Ao atingir seu ponto máximo, o brilho da nova de Tycho era 5 a 10 vezes maior que o de Vênus, e talvez 100 vezes maior que o da estrela estável mais brilhante, Sirius. A nova de Tycho podia ser vista de dia, e à noite chegava a lançar uma sombra fraca, capaz de ser vista se a Lua não estivesse no céu.

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Mais tarde, em 1604, apareceu outra nova brilhante na constelação Ofiuco. Essa nova teria, talvez, apenas 1/30 do brilho da de Tycho, mas ainda era cerca de três vezes mais brilhante do que Sirius. Desde então não apareceu nenhuma outra nova tão espetacular quanto essas duas.

Entretanto, houve um caso anterior de uma outra nova brilhante — a que apareceu em julho de 1054 na constelação do Touro. Não há registros de sua observação na Europa, que estava então emergindo de uma "idade das trevas" durante a qual a astronomia praticamente deixou de existir. Dispomos de registros, entretanto, feitos por astrônomos da China e do Japão.

A nova de 1054, tal como a de Tycho, era muito mais brilhante do que Vênus. Na verdade, era provavelmente a mais brilhante das duas e pôde ser vista em pleno dia durante 23 dias. Lentamente empalideceu após ter alcançado seu brilho máximo, mas passaram-se quase dois anos antes que ela voltasse a ser invisível a olho nu.

Por que essas novas são muito mais brilhantes do que outras? Uma resposta lógica seria, aparentemente, que elas simplesmente estavam mais perto de nós e por isso pareceram mais brilhantes.

Em 1885, entretanto, apareceu uma nova na região que era então denominada nebulosa de Andrômeda (a palavra "nebulosa" vem do latim nebula, que significa "nuvem"). A "nebulosa de Andrômeda" é uma mancha nevoenta de luz que os astrônomos julgavam ser uma nuvem de gás e poeira dentro de nossa própria galáxia. A nova, que eles simplesmente supuseram estar por acaso na direção da nuvem, não tinha nada de particularmente notável, pois alcançou apenas um brilho máximo de sétima grandeza e jamais foi suficientemente brilhante para ser observada sem auxílio de telescópio.

Não obstante, com a observação atenta da nebulosa de Andrômeda nos anos seguintes descobriram-se em seus limites inúmeras outras novas. Tamanha quantidade de novas não poderia ser descoberta numa só direção; isso seria atribuir à coincidência coisas demais. Surgiu então a idéia de que a nebulosa de Andrômeda fosse um grupo distante de estrelas, pálidas demais para serem vistas individualmente, exceto quando uma se transformava em nova. Por fim, por volta da década de 1920 havia um consenso geral de que devíamos falar da galáxia de Andrômeda, que é uma galáxia muito distante da nossa, e bem maior.

Todas as novas observadas na galáxia de Andrômeda após a nova de 1885 eram notavelmente pálidas e equivaliam às novas ordinárias de nossa própria galáxia.

Mas a nova de 1885 era diferente. Tinha de ser muito mais brilhante que as novas comuns, tanto as da galáxia de Andrômeda quanto da nossa. Era tão brilhante que, sozinha, havia momentaneamente fugido quase com o mesmo brilho de toda a galáxia de Andrômeda. Ao atingir o máximo, era 10

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bilhões de vezes mais brilhante que nosso Sol e 100.000 vezes mais que uma nova comum. Era o que passou a ser chamado de supernova, de modo que a nova de 1885 veio a ser designada como S Andromedae, o S significando supernova.

Estabelecido isso, ficou claro que as novas brilhantes de 1054, 1572 e 1604 eram supernovas de nossa própria galáxia.

As supernovas são muito mais raras que as novas. Os astrônomos as vêem de vez em quando, aqui e ali, numa galáxia distante ou noutra. Assim que uma supernova passa a existir, sua detecção é fácil. Quando uma estrela fulge em alguma galáxia e atinge um brilho máximo que lhe dá o mesmo brilho de todo o resto da galáxia junta, um astrônomo sabe que está diante de uma supernova. Talvez se possa dizer que há, em média, 3 supernovas por milênio por galáxia, em comparação com 30.000 novas comuns. Em outras palavras, para cada 10.000 novas há uma supernova.

É difícil estudar com detalhes as supernovas, quando estão em galáxias situadas a milhões de anos-luz. Uma supernova em nossa própria galáxia seria muito mais útil, mas por azar nenhuma foi vista desde 1604, de modo que nenhum objeto próximo, desse tipo, jamais pôde ser investigado com o telescópio. Na verdade, nos quatro séculos transcorridos desde 1604, S Andromedae foi a supernova mais próxima que se pôde observar.

É obvio que a supernova deve representar uma imensa explosão de uma estrela de tamanho e massa particularmente grandes. De outra forma, não poderia produzir radiação 10 bilhões de vezes maior que a do Sol.

Além disso, uma supernova emite invólucros de gás, os quais são incomparavelmente maiores que os produzidos por nebulosas planetárias, tanto em termos de massa como de energia. O exemplo mais conhecido está em Touro, no local da grande supernova de 1054. Temos ali uma grande mancha de gás fulgurante.

Essa mancha foi observada pela primeira vez em 1731 pelo astrônomo inglês John Bevis (1963-1771). Em 1844 o astrônomo irlandês William Parsons, Lord Rosse (1800-1867), examinou-a atentamente com um grande telescópio que ele havia construído e observou que a nuvem está cheia de filamentos irregulares que lhe lembraram as pernas de um caranguejo. Chamou-a de nebulosa do Caranguejo, e este é o nome pela qual é conhecida até hoje.

Um estudo detido dos gases da nebulosa do Caranguejo mostra que eles ainda estão se expandindo a uma velocidade de aproximadamente 1.300 km/seg. (Essa velocidade, tão maior do que a do invólucro de uma nebulosa planetária, é por si só prova do poder incomparável da explosão da supernova.) Calculando-se no sentido inverso, parece que todo o gás estava no centro justamente na época da supernova de 1054.

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Os astrônomos fazem os cálculos retrocederem em outros casos. Se encontram tênues filamentos de gás que parecem fazer parte de um invólucro, suspeitam que em alguma época, no centro daquele invólucro, explodiu uma supernova. Pela velocidade de expansão do invólucro podem até mesmo avaliar há quanto tempo se deu essa explosão. Cerca de 14 supernovas, inclusive as três que conhecemos, parecem ter explodido em nossa galáxia nos últimos 20.000 anos. Se o número de supernovas em nossa galáxia for igual ao de outras, deve ter havido 60 ou 65. As 50, aproximadamente, que não vimos, devem ter explodido em partes distantes da galáxia, partes que não conseguimos ver por causa da interposição das nuvens de poeira.

Dentre as supernovas restantes que podemos detectar, a mais próxima parece ter sido uma na constelação de Vela. Essa supernova, que deu origem a uma nuvem de gás chamada nebulosa Gum (em homenagem ao astrônomo australiano Colin S. Gum, que foi o primeiro a estudá-la em detalhes, nos anos 50, e que morreu num acidente de esqui, em 1960) tem seu centro situado a apenas 1.500 anos-luz da Terra, ao passo que a nebulosa do Caranguejo está a 4.500 anos-luz de nós. A borda mais próxima da nebulosa Gum acha-se a somente 300 anos-luz da Terra.

A supernova de Vela, que deu origem à nebulosa Gum, fulgiu há cerca de 15.000 anos, quando a Era Glacial chegava ao fim. Em seu momento de brilho máximo pode ter sido tão brilhante como a Lua cheia, durante alguns dias, e os homens pré-históricos terão assistido a um espetáculo maravilhoso.

O que acontece para provocar uma supernova?

Quanto maior for a massa de uma estrela, mais alta será sua temperatura interna, em todas as fases de sua evolução. Uma estrela de massa realmente grande atinge temperaturas internas que estrelas menores jamais atingem nem podem atingir, e para explicar as supernovas temos de investigar as coisas que acontecem a essas altíssimas temperaturas.

O astrônomo sino-americano Hong-Yee Chiu (1932-) propôs uma explicação interessante. As reações nucleares no centro da estrela, diz ele, provocam a emissão de duas espécies de partículas sem massa, que viajam à velocidade da luz. Uma delas é o fóton, a partícula fundamental da luz e das radiações semelhantes à luz. A outra é o neutrino.

Essas duas espécies de partículas diferem no seguinte:

Os fótons são facilmente absorvidos pela matéria, de modo que tão logo se formam são absorvidos. A seguir, formam-se de novo e são reabsorvidos, um número indefinido de vezes, pelo que só podem mover-se à velocidade da luz durante os diminutos e raros intervalos entre a formação e a absorção. O resultado é que os fótons lavam cerca de um milhão de anos para percorrer a distância entre o núcleo da estrela, onde são formados, até a superfície, de

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onde escapam. Assim a exaustão da energia central por meio de fótons é pequeníssima, e a estrelas, ao emitirem fótons, irradiam sua energia de uma maneira lenta e contínua, podendo por isso durar bilhões de anos.

Os neutrinos formados não reagem absolutamente com a matéria (ou reagem muito pouco), e uma vez formados no núcleo da estrela eles atravessam as suas camadas externas à velocidade da luz, como se nada existisse ali. São necessários cerca de 3 segundos para os neutrinos viajarem do núcleo de nosso Sol à sua superfície e depois saltarem para o espaço. Poderiam levar 12 segundos para percorrer o mesmo caminho nas estrelas maiores da seqüência principal. Assim sendo, toda energia emitida na forma de neutrinos se perderia quase no mesmo instante.

Nas estrelas comuns, entretanto, a percentagem de energia emitida sob a forma de neutrinos é muito pequena, de modo que em geral só temos de levar em consideração os fótons.

Chiu sugere, no entanto, que a temperaturas extremamente elevadas — da ordem de 6 bilhões de graus, digamos — as espécies de reações nucleares ocorridas começam a formar neutrinos em grande quantidade. A temperatura interna do Sol, atualmente, é de apenas 15.000.000°C aproximadamente, e o Sol jamais atingirá uma temperatura de 6 bilhões de graus, em nenhuma circunstância. Contudo, as estrelas possuidoras de massa suficientemente grande atingem essas temperaturas, e quando se chega ao ponto crítico, no qual de repente uma enorme quantidade de neutrinos começa a se formar, todos eles escapam da estrela em segundos, levando energia consigo e esgotando o núcleo da energia necessária para manter a estrela expandida, em face da atração da gravidade.

Como resultado disso, o centro da estrela esfria-se rapidamente, talvez em questão de minutos, e a estrela desaba sobre si mesma com uma violência que sobrepuja tudo quanto possa acontecer na formação de nebulosas planetárias.

Nessas estrelas de grande massa, cujos centros têm uma temperatura da ordem de 6 bilhões de graus e nas quais os núcleos atômicos chegaram ao nível do ferro, através do processo de fusão, as camadas exteriores ainda se acham relativamente frias e ainda se compõem de núcleos atômicos menores. Se nos imaginarmos passando do centro da estrela para a superfície, percorremos regiões crescentemente isentas de evolução, onde se encontra um número cada vez maior de núcleos menores que são capazes de se combinar e produzir energia e que apresentam temperaturas cada vez menores, de modo que as reações de fusão ainda não ocorrem. Nas regiões mais periféricas da estrela é possível que ainda haja abundância de hidrogênio.

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Com a súbita e esmagadora implosão da estrela, a temperatura como um todo se eleva a níveis colossais, devido à conversão da energia gravitacional em calor, e todo o combustível nuclear restante na estrela entra em fusão quase instantaneamente. Isso dá origem à enorme explosão da supernova e possibilita à estrela fulgir temporariamente com o mesmo brilho de toda uma galáxia.

Na fúria da explosão, acontecem duas coisas. Em primeiro lugar, formam-se muitos núcleos atômicos que são mais complexos que o ferro, pois há um vasto excedente temporário de energia que possibilita a formarão de tais núcleos. Em segundo lugar, a explosão expulsa da estrela vastas quantidades de matéria, sob a forma de um invólucro de gases aquecidos contendo todos os átomos complexos que se formaram — até aqueles com núcleos cinco vezes maiores que os do ferro. No decurso de um período de milhares de anos, essa matéria gradualmente se espalha pelo espaço, se rarefaz e torna-se parte dos tenuíssimos gases do espaço interestelar.

Por fim, formam-se novas estrelas de segunda geração, a partir dos gases que são, em parte, remanescentes dessas antigas estrelas.

As estrelas de primeira geração, formadas da matéria primeva da grande explosão, compõem-se quase inteiramente de hidrogênio e hélio, e o mesmo terá que acontecer com seus planetas. Núcleos mais complexos que o hélio só são encontrados no centro dessas estrelas, e ali eles permanecem — se não houver explosões como as das supernovas.

As estrelas de segunda geração, como nosso próprio Sol, começam com núcleos complexos que as supernovas dispersaram, acrescentados em pequenas quantidades ao hidrogênio e ao hélio. Os planetas das estrelas de segunda geração, como a Terra, possuem também esses núcleos atômicos. A vida seria impossível sem esses elementos mais complexos que o hélio, e todos os átomos no interior de nossos corpos, exceto o hidrogênio, se encontravam no passado no centro de estrelas que explodiram como supernovas.

A fantástica explosão de uma supernova pode expulsar para o espaço até 9/10 da matéria de uma estrela, deixando apenas um pequeno resto para desabar e assim permanecer. Não é difícil imaginar que uma supernova deixe sempre um resto inferior ao limite de Chandrasekhar, de modo que, independentemente do tamanho anterior de uma estrela, ela sempre possa tornar-se uma anã branca — serenamente, se tiver menos de 1,4 vezes a massa do Sol, ou com uma explosão de violência tanto maior quanto mais acima ela estiver daquele limite.

Como existem, segundo cálculos, três supernovas por milênio em cada galáxia, e como se estima que o universo tenha cerca de 15 bilhões de anos, é possível que tenha havido cerca de 45 milhões de explosões de supernovas

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em nossa própria galáxia. Se todas essas supernovas deram origem a anãs brancas, elas representariam mais ou menos 1% do número total de anãs brancas que se julga existir em nossa galáxia.

Isso parece razoável. Podemos supor que somente as estrelas de massa muito grande passam por uma explosão do tipo supernova, ao passo que as estrelas menores chegam ao estágio de anã branca por meio de explosões do tipo nebulosa planetária ou mesmo por contrações mais tranqüilas. E existem mais estrelas pequenas que estrelas grandes, de modo que haverá muito mais anãs brancas do que houve explosões de supernovas. (Cumpre lembrar, todavia, que mesmo as "estrelas pequenas" aqui mencionadas não são muito menores que nosso Sol. Nenhuma das estrelas realmente pequenas que constituem a grande maioria já viveu o suficiente para atingir o ponto de expansão e contração, nem mesmo que houvessem nascido no momento da grande explosão.)

Assim, seria crível que já tenhamos uma imagem clara do fim das estrelas, e que esse fim seja sempre a anã branca se resfriando e se transformando em anã negra. No entanto, alguns astrônomos não ficaram satisfeitos...

Estrelas de Nêutrons

ALÉM DA ANÃ BRANCA

Já se descobriram estrelas com até 50 e, possivelmente, 70 vezes a massa do Sol. Quando tal estrela explode, ocorre algo de indescritível. Além disso, quando ela explode tem de perder 97 ou 98% de sua massa para que o restante tenha apenas 1,4 vezes a massa do Sol e possa contrair-se com segurança para o estágio de anã branca.

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Isso pode acontecer, é claro. Mas, e se não acontecer? Os astrônomos sabem que as supernovas se libertam de grande quantidade de massa, mas não há nada no processo, ao que saibam, que afirme que uma supernova tenha de libertar-se de massa suficiente para deixar apenas um corpo abaixo do limite de Chandrasekhar. E se, após a explosão de supernova, o que restar de uma estrela tenha uma massa duas vezes maior que a do Sol e essa massa de dois Sóis se contrair? O fluido eletrônico assim formado se contrairá... se contrairá... e pam! A atração da gravidade será simplesmente intensa demais para ser neutralizada pelo fluido eletrônico em sua compressão máxima.

Os elétrons serão então impelidos para dentro, atingindo densidades em que na verdade não podem existir. Dentro do fluido eletrônico os prótons e nêutrons vinham se movimentando livremente; agora os elétrons se combinarão com os prótons para formar nêutrons adicionais. Os elétrons e os prótons acham-se presentes em qualquer pedaço de matéria, seja ele um fragmento de poeira ou uma estrela, em quantidades aproximadamente iguais, de modo que o resultado da união será que, na prática, a estrela em contração consistirá apenas de nêutrons.

Esses nêutrons serão impelidos pela contração gravitacional até ficarem praticamente em contato. Então, e apenas então, essa contração se interromperá. A força nuclear, que governa a interação das partículas com massa, impede os nêutrons de se aproximarem mais. Não se trata agora de força gravitacional equilibrada pela força eletromagnética, como acontece nos planetas, nas estrelas comuns e até nas anãs brancas. Trata-se da força gravitacional equilibrada pela força nuclear, que é muito mais forte do que a eletromagnética.

Uma estrela composta de nêutrons em contato denomina-se estrela de nêutrons. Ela é constituída de um fluido neutrônico que às vezes é chamado neutrônio. Em certo sentido, um núcleo atômico é composto de neutrônio e, inversamente, uma estrela de nêutrons é como um gigantesco núcleo. O neutrônio é inacreditavelmente denso; atinge um pico de algo como 1.000.000.000.000.000 (ou 1015) vezes a densidade da matéria comum.

Se uma esfera de matéria comum fosse convertida numa esfera de neutrônio, seu diâmetro se reduziria a 1/100.000 do original, sem perda de massa. Assim, se a Terra fosse subitamente convertida em neutrônio, seu diâmetro, que é de 12.740 km, se reduziria a 0,127 km (127 metros). Uma esfera com diâmetro igual a um quarteirão e meio conteria toda a massa da Terra.

Da mesma forma, se o Sol, cujo diâmetro é de 1.400.000 km, fosse convertido em neutrônio, passaria a ser uma esfera com 14 km de diâmetro. Teria o volume de um pequeno asteróide, mas conteria toda a massa do Sol.

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Não é seguro, como veremos, imaginar estrelas de nêutrons com massa muito maior que a de nosso Sol, mas apenas para termos uma imagem clara podemos imaginar que a estrela conhecida de maior massa se transforme, de algum modo, em neutrônio e não perca nem um pouco de sua massa. Ela passaria a ser uma esfera com apenas 50 ou 60 km de diâmetro.

Até mesmo o ovo cósmico já foi imaginado como uma gigantesca bola de neutrônio contendo toda a massa do universo — um "universo de nêutrons", por assim dizer. Ele teria 300.000.000 km de diâmetro. Se tal ovo cósmico fosse colocado onde se encontra o Sol, ele alcançaria apenas o cinturão dos asteróides e, no entanto, conteria toda a massa dos 100.000.000.000 de estrelas de nossa galáxia e de todas as estrelas de 100.000.000.000 de outras galáxias.

Tampouco precisamos imaginar que somente massas acima do limite de Chandrasekhar formem estrelas de nêutrons. Quando uma supernova explode, a contração daquela porção da estrela que não é expulsa é tão repentina que ela esmaga o fluido eletrônico com incrível velocidade. Portanto, é menos a pura massa do que a rápida contração que rompe a barreira do fluido eletrônico. Assim que o fluido eletrônico é esmagado, esse esmagamento se torna irreversível; o fluido eletrônico não pode reconstituir-se. Em conseqüência disso, surge uma estrela de nêutrons com apenas 1/5 da massa de nosso Sol e com um diâmetro de apenas 8,2 km.

A probabilidade de que a força do desabamento de uma supernova possa esmagar o fluido eletrônico, mesmo quando a massa em contração está abaixo do limite de Chandrasekhar, faz com que as supernovas pareçam forçosamente formar estrelas de nêutrons. Só haverá formação de anãs brancas quando estrelas pequenas demais para explodirem como supernovas atinja seu ciclo de expansão e contração sem nada pior do que o surgimento de uma nebulosa planetária.

Em 1934 o astrônomo suíço-americano Fritz Zwicky (1898-1974) e o astrônomo germano-americano Walter Baade (1893-1960) foram os primeiros a especular quanto à possibilidade da formação e existência de estrelas de nêutrons. Alguns anos depois, o físico norte-americano J. Robert Oppenheimer (1904-1967) e um aluno seu, George M. Volkoff, pormenorizaram a teoria.

Entretanto, veio a 2ª Guerra Mundial, que se tornou a preocupação única dos cientistas. Oppenheimer, por exemplo, chefiou a equipe que criou a bomba nuclear.

Contudo, mesmo se descontando as pressões do trabalho de guerra, o interesse pelas estrelas de nêutrons não era muito generalizado entre os cientistas. Afinal, o assunto parecia excessivamente teórico. Um astrônomo seria capaz de explicar exatamente o que poderia acontecer na explosão de

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uma supernova. Podia calcular a maneira como a matéria seria expulsa, em que ponto o fluido eletrônico seria esmagado e como se poderia formar o neutrônio — no entanto, tudo isso permaneceria como números no papel.

Como se poderia provar que a teoria estava correta e que existem as estrelas de nêutrons? Seria razoável supor que um objeto com 8 a 15 km de diâmetro e, seguramente, a anos-luz de distância, pudesse ser visto?

Mesmo que uma estrela de nêutrons tivesse o mesmo brilho intenso da estrela mais brilhante, sua superfície reduzidíssima emitiria somente um lampejo fosco. Mesmo que o maior e mais bem construído telescópio fosse assestado em sua direção, ela apareceria, na melhor das hipóteses, como uma estrela muito, muitíssimo pálida. Como seria possível a uma pessoa dizer que se tratava de uma estrela de nêutrons que se encontrava perto o bastante para ser detectada, ao invés de uma estrela comum, que só parecia pálida por se encontrar extremamente distante?

Então, por que nos preocuparmos com as estrelas de nêutrons?

Enquanto a única maneira importante pela qual os astrônomos podiam estudar o céu era observando a luz emitida pelos objetos, era inútil pensar nas estrelas de nêutrons. Contudo, com o avanço do século XX, os astrônomos se tornaram cada vez mais conscientes de radiações cósmicas, diferentes da luz e, por fim, o problema de se detectar uma estrela de nêutrons acabou não parecendo tão impossível assim.

ALÉM DA LUZ

Em 1911 o físico austríaco-americano Victor Francis Hess (1883-1964) demonstrou que algumas formas de radiação muito fortes atingem a Terra, vindas do espaço; por isso, foram chamadas de raios cósmicos.

Os raios cósmicos compõem-se de núcleos atômicos muito velozes, carregados eletricamente, que com toda certeza se originaram nos milhões de supernovas que já explodiram em nossa galáxia. Entretanto, como os raios cósmicos são carregados eletricamente, seus caminhos descrevem curvas, em respostas aos vários campos magnéticos associados às estrelas e à Galáxia como um todo. Terminam chegando até nós de todas as direções, e não há nenhum meio de sabermos de qual direção específica uma determinada partícula de raio cósmico iniciou suas viagens. Embora os raios cósmicos continuem a interessar aos astrônomos, não podem ser usados para nos prestar informações a respeito de estrelas particulares.

Em 1931 o engenheiro eletrônico norte-americano Karl Guthe Jansky (1905-1950) descobriu que existem microondas que chegam até nós, provenientes do céu. As microondas são radiações semelhantes à luz e sem carga elétrica, de modo que viajam em linha reta, sem serem afetadas por

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campos magnéticos. Como o nome indica, as microondas são constituídas de ondas, tal como a luz, mas são cerca de um milhão de vezes mais longas do que as ondas luminosas.

Apesar disso, o micro de microondas é uma palavra grega que significa "pequeno", pois as microondas pertencem a um grupo de radiações chamadas ondas de rádio, sendo as menores desse grupo. (Aliás, as microondas são comumente chamadas de ondas de rádio.)

Em virtude de as microondas serem tão longas, comparadas com as ondas luminosas, têm menos energia e são detectadas com menos facilidade. Além disso, a exatidão com que uma fonte de ondas pode ser determinada diminui com o comprimento da onda, se todas as outras circunstâncias forem iguais. Por conseguinte, era muito mais difícil descobrir o ponto de origem das microondas do que o da luz. Durante longo tempo, portanto, pouco se pôde fazer com as microondas.

A existência de microondas provenientes do céu deixou claro que as estrelas emitem radiações em todos os comprimentos de onda. Sucede que os comprimentos curtos da luz ordinária e os comprimentos longos das microondas conseguem penetrar em nossa atmosfera, enquanto os demais comprimentos de onda não o podem fazer. Por um motivo ou outro, a atmosfera é mais ou menos opaca aos comprimentos de onda mais curtos que o da luz visível, mais longos do que os das microondas, ou intermediárias entre as duas.

No começo da década de 1950 começaram a ser enviados foguetes além da atmosfera, a fim de estudar e medir essas faixas de ondas bloqueadas pela atmosfera. A princípio os foguetes só conseguiam permanecer além da atmosfera durante curtos períodos, antes de voltarem à Terra.

A partir de 1957, entretanto, a União Soviética e depois os Estados Unidos começaram a colocar satélites em órbita ao redor da Terra, além da atmosfera. Esses satélites podiam permanecer ali durante períodos indeterminados e eram capazes de transportar instrumentos para detectar toda a faixa de radiações vindas do espaço. Com os instrumentos apropriados, podiam detectar: radiação ultravioleta, que tem comprimentos de onda mais curtos do que os da luz visível; raios X, cujos comprimentos de onda são ainda menores; e até raios gama, que apresentam comprimentos de onda ainda mais curtos.

Isso despertou esperanças, pois acontecimentos violentos envolvem temperaturas mais elevadas e, portanto, radiação mais energética. Qualquer estrela pode emitir luz, mas apenas as estrelas violentas — e por isso interessantes — emitem raios X, por exemplo.

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Para ilustrarmos, nosso próprio Sol emite raios X a partir de sua tênue atmosfera exterior, a corona. Isso porque o calor produzido pelo Sol é absorvido pelos átomos escassamente dispersos da corona, e portando cada átomo tem sua temperatura elevada a um milhão de graus ou mais. (Contudo, o calor total da corona não é muito grande, pois embora cada um dos átomos tenha temperatura tão alta, eles são muito poucos.)

Por estar tão perto da Terra, o Sol é para nós o mais importante emissor de raios X no espaço, mas se ele estivesse a uma distância igual às das estrelas mais próximas sua radiação de raios X seria tão diluída pela distância que não poderia ser detectada. Sirius, por exemplo, é consideravelmente maior e mais quente que o Sol, e portanto emite raios X com intensidade várias vezes superior à do Sol. No entanto, Sirius acha-se a uma distância de quase nove anos-luz e seus raios X não podem ser detectados.

Se os raios X pudessem ser detectados a distâncias estelares, indicariam violência realmente sem par, mas a princípio os astrônomos julgaram que tais detecções não poderiam ser feitas. No começo de 1960 pressupunham que o Sol fosse a única fonte de raios X detectável no espaço. Não obstante, havia algum interesse em estudar o céu noturno, pois era possível que os raios X solares pudessem ser refletidos da Lua e que isso nos pudesse prestar alguma informação a respeito da superfície lunar. (Isso foi antes que os astronautas caminhassem na Lua.)

Em 1963, sob a orientação do astrônomo americano Herbert Friedman (1916-), realizaram-se investigações além da atmosfera para detecção de raios X provenientes da Lua. Esses raios X não foram detectados, mas, surpreendentemente, detectaram-se outros, vindos de outras direções. Desde então foram lançados alguns satélites com o objetivo precípuo de mapear o céu em busca de fontes de raios X, sendo localizadas centenas delas.

Isso deu ao universo um aspecto inteiramente novo. Uma fonte de raios X que pode ser detectada a distância das estrelas e, até mesmo, em muitos casos, a distância das outras galáxias, só pode assinalar acontecimentos muito invulgares.

Para começar, a existência de tais fontes de raios X deu origem a esperanças de que se pudessem detectar estrelas de nêutrons. Quando uma estrela de nêutrons se forma, ela é, por assim dizer, como o âmago exposto de uma estrela e possui, em sua superfície, a temperatura de um interior estelar. Cálculos teóricos fazem crer que a superfície de uma estrela de -nêutrons fulgiria a uma temperatura de 10.000.000°C.*

Uma estrela de nêutrons com superfície tão quente emitiria radiação principalmente na região dos raios X. Conseqüentemente, imaginou-se se

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algumas das fontes de raios X no espaço não poderiam originar-se de estrelas de nêutrons.

Essa não era a única possibilidade, é claro. Os raios X poderiam originar-se dos gases quentíssimos expulsos pelas supernovas, por exemplo, da mesma forma como se originam da coroa solar.

Essas duas possibilidades poderiam ser distinguidas da seguinte maneira: uma estrela de nêutrons seria um ponto diminuto no céu, ao passo que uma região de gases representaria claramente uma mancha. Muito dependeria, pois, de os raios X parecerem provir de um único ponto ou de uma área mais ampla.

Uma das primeiras áreas suspeitas foi a nebulosa do Caranguejo, Essa nebulosa constitui os remanescentes de uma tremenda supernova, e poderia haver uma estrela de nêutrons em algum ponto, no meio de todos àqueles gases. E, naturalmente, os gases estão ali, e eles se acham evidentemente num turbilhão energético. Os raios X poderiam vir de uma estrela de nêutrons, se houvesse uma ali, ou dos gases, ou de ambos.

* Se o ovo cósmico fosse uma gigantesca estrela de nêutrons, sua temperatura superficial seria provavelmente de, pelo menos, 1.000.000.000.000°C e ela emitiria raios gama.

Em 1964 sabia-se que a Lua haveria de passar em frente da nebulosa do Caranguejo e, à medida que ela avançasse, bloquearia a emissão de raios X. Se esses raios estivessem vindo apenas da estrela de nêutrons, continuariam a chegar com plena intensidade, enquanto a Lua avançasse, e de repente cairiam a zero. Se os raios X estivessem vindo do gás, diminuiriam de intensidade paulatinamente. Se proviessem de ambos, diminuiriam aos poucos, de início, depois sofreriam uma queda repentina, e depois continuariam a diminuir regularmente, como no início.

No momento apropriado, foi lançado um foguete para medir a intensidade dos raios X provenientes da nebulosa do Caranguejo, e os valores caíram gradualmente, enquanto a Lua avançava. Os raios X pareciam provir do gás turbulento e, com isso, desvaneceram-se as esperanças de detecção de uma estrela de nêutrons.

PULSARES

Enquanto isso, entretanto, os astrônomos haviam começado a trabalhar com microondas, e a ciência da radioastronomia havia se transformado rapidamente, ganhando alta complexidade e eficiência. Os astrônomos

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aprenderam a utilizar complexos sistemas de dispositivos detectores (radiotelescópios) de maneira a poder localizar fontes de microondas com grande precisão e descrever suas propriedades com muitos detalhes.

No começo da década de 1960, por exemplo, os radioastrônomos perceberam que algumas fontes de microondas mudam de intensidade com bastante rapidez, como se estivessem cintilando. Começaram a projetar radiotelescópios adaptados especialmente para captar as rápidas mudanças. Um desses radiotelescópios foi projetado no observatório da Universidade de Cambridge, por Anthony Hewish (1924-) e compunha-se de 2.048 dispositivos de recepção separados, espalhados por uma área de 18.000 m2.

Em julho de 1967 o novo radiotelescópio começou a sondar os céus, e daí a um mês uma jovem estudante, Jocelyn Bell, estava recebendo jorros de microondas provenientes de um ponto entre as estrelas Vega e Altair. A princípio ela pensou que se tratasse de interferência no radiotelescópio, devido a aparelhos elétricos nas vizinhanças. Entretanto, descobriu que as fontes das emissões de microondas se moviam regularmente, noite após noite, acompanhando as estrelas. Alguma coisa fora da Terra tinha de ser responsável por elas, e Jocelyn transmitiu os resultados a Hewish.

Em fins de novembro o fenômeno podia ser estudado em detalhes. Hewish havia esperado flutuação rápida, mas não tão rápida. Cada emissão de microondas durava apenas 1/20 de segundo, e as emissões ocorriam a intervalos de 1⅓ segundos. Na verdade, ocorriam com extraordinária regularidade — a cada 1,33730109 segundos.

O novo instrumento captava essas emissões de microondas com facilidade, pois cada uma das emissões tinha energia suficiente para ser detectada sem problemas. Contudo, os radiotelescópios comuns não haviam sido projetados para captar essas emissões curtíssimas e haviam detectado apenas uma intensidade de microonda média, inclusive o período morto entre as emissões. Essa média é apenas 3,7% das máximas das emissões, e isso tinha passado despercebido.

A pergunta que se fazia era: o que representava esse fenômeno? Como a fonte de microondas parecia ser um simples ponto no espaço, Hewish pensou que ela poderia representar algum tipo de estrela. Como as microondas emergiam em pulsos curtos, ele pensou nessa estrela como uma espécie de estrela pulsante. A expressão foi abreviada quase imediatamente para pulsar, e foi assim que o novo objeto passou a ser conhecido.

Hewish procurou outros objetos desse tipo entre os longos registros de suas observações anteriores, com seus instrumentos, e encontrou mais três pulsares. Conferiu o registros e a 9 de fevereiro de 1968 anunciou sua descoberta ao mundo.

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Outros astrônomos começaram a pesquisar avidamente, e mais pulsares foram rapidamente descobertos. Em 1975 já se conheciam 100 pulsares, e é possível que haja até 100.000 delas em nossa galáxia.

Dois terços dos pulsares descobertos situam-se nas direções em que as estrelas de nossa galáxia estão mais concentradas. Isso constitui bom sinal de que, de modo geral, os pulsares pertencem à nossa própria galáxia. (Não há motivos para se supor que não existam em outras galáxias, também, mas às grandes distâncias em que estão as outras galáxias provavelmente são fracos demais para serem detectados.) O mais próximo pulsar conhecido pode estar a pouca distância de nós — mais ou menos 300 anos-luz.

Todos os pulsares caracterizam-se por uma extrema regularidade de pulsação, mas é claro que o período exato varia de um para outro. O período mais longo de um pulsar é de 3,75491 segundos.

O pulsar com menor período até hoje conhecido foi descoberto em outubro de 1968 por astrônomos de Green Bank, no estado norte-americano de Virgínia Ocidental. Ele se localiza na nebulosa do Caranguejo (estabelecendo o primeiro vínculo claro entre pulsares e supernovas) e foi possível constatar que apresenta um período de .0,033099 segundo. Pulsa 30 vezes por segundo, ou 113 vezes mais depressa que o pulsar com o maior período conhecido.

Mas o que é capaz de produzir tais emissões curtas de maneira tão fantasticamente regular?

Tão atônitos ficaram Hewish e seus colaboradores diante dos primeiros pulsares que imaginaram se não seria possível que fossem sinais enviados por formas inteligentes de vida no espaço. Na verdade, entre eles, referiam-se à questão, antes que a palavra pulsar passasse a ser usada, como LGM — iniciais de little green men (homenzinhos verdes).

Entretanto, essa idéia não durou muito. Para produzir os pulsos, seria necessário 10 bilhões de vezes a quantidade total de energia que a humanidade fosse capaz de gerar. Não parecia provável que tamanha quantidade de energia fosse esbanjada apenas para enviar sinais regularíssimos que praticamente não transmitiam nenhuma informação. Além disso, à medida que mais e mais pulsares eram descobertos, pareceu improvável que tantas formas diferentes de vida estivessem enviando sinais para nós. A teoria foi rapidamente abandonada.

Entretanto, alguma coisa os estava produzindo; algum corpo astronômico devia estar passando por uma mudança periódica regular — uma revolução em torno de algum outro corpo, uma rotação em volta de seu próprio eixo, uma pulsação — a intervalos suficientemente rápidos para gerar os pulsos.

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Forçar mudanças tão rápidas com a liberação de tanta energia exigiria um campo gravitacional de intensidade descomunal. Os astrônomos só conheciam uma coisa que atendia a essas condições, e instantaneamente pensaram nas anãs brancas.

Os teóricos meteram mãos à obra incontinenti, mas por mais que se esforçassem não parecia haver nenhum meio de conceber uma anã branca circundando outra, girando em seu eixo ou pulsando, com um período suficientemente curto para explicar os pulsares. Poderiam existir anãs brancas pequenas e com intenso campo gravitacional, mas não podiam ser bastante pequenas nem ter campos gravitacionais suficientemente intensos para a tarefa. As anãs brancas literalmente se esfacelariam se começassem a orbitar, girar ou pulsar em períodos inferiores a 4 segundos.

Era necessária alguma coisa menor e mais densa que uma anã branca, e o astrônomo Thomas Gold (1920-) sugeriu que os pulsares deveriam ser as estrelas de nêutrons que Oppenheimer havia previsto teoricamente. Gold observou que uma estrela de nêutrons é suficientemente pequena e densa para poder girar em torno de seu eixo em quatro segundos ou menos.

Além disso, uma estrela de nêutrons teria um campo magnético, da mesma forma que uma estrela comum, mas esse campo magnético estaria comprimido e concentrado, como a matéria da estrela de nêutrons. Por esse motivo, o campo magnético de uma estrela de nêutrons é imensamente mais intenso que o de uma estrela comum. Ao girar em torno de seu eixo uma estrela de nêutrons emite elétrons, mas esses elétrons são detidos por seu campo magnético e só são capazes de escapar nos pólos magnéticos, localizados nos lados opostos da estrela.

Não há nada que obrigue os pólos magnéticos a coincidirem com os pólos rotacionais. (No caso da Terra, por exemplo, não coincidem.) Cada pólo magnético poderia circundar o pólo rotacional em segundos ou numa fração de segundo, e espalhar elétrons ao fazê-lo (da mesma forma que um espargidor giratório de água esguicha água). Ao serem disparados, os elétrons descrevem uma curva, em resposta ao campo magnético e ao campo gravitacional da estrela de nêutrons. Perdendo energia, não podem escapar inteiramente, mas a energia que perdem toma a forma de microondas.

Assim, toda estrela de nêutrons esguicha dois jorros de microondas dos lados opostos de seu pequeno globo. Se uma estrela de nêutrons, ao girar, por acaso emite um desses jatos de elétrons diante de nossa linha de visão, a Terra receberá um brevíssimo pulso de microondas em cada rotação. Alguns astrônomos calculam que apenas uma em cem estrelas de nêutrons envia fortuitamente microondas em nossa direção, de modo que das possíveis 100.000 delas que existirão em nossa galáxia, é de se crer que jamais consigamos detectar mais de mil.

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Em prosseguimento, Gold observou que, a estar correta sua teoria, a estrela de nêutrons está perdendo energia pelos pólos magnéticos e sua velocidade de rotação deve estar diminuindo. Isso significa que quanto mais rápido for o período de um pulsar, provavelmente, mais jovem ele será e mais rapidamente estará perdendo energia e desacelerando seu movimento.

O mais rápido pulsar conhecido e que possui os pulsos mais energéticos é o da nebulosa do Caranguejo, e é bem possível que seja o mais jovem que já observamos até agora, já que a explosão de supernova que provocou o surgimento dessa estrela de nêutrons ocorreu há apenas 900 anos. No exato momento de sua formação, o pulsar da nebulosa do Caranguejo poderia estar girando em volta de seu eixo 1.000 vezes por segundo, mas com isso teria perdido energia rapidamente; nos primeiros 900 anos de sua existência mais de 97% de sua energia se perdeu, até atingir sua velocidade atual, de apenas 30 giros por segundo.

E deve estar diminuindo sua velocidade ainda mais, embora cada vez mais lentamente.

Por isso estudou-se cuidadosamente o período do pulsar da nebulosa do Caranguejo e verificou-se que ele estava se retardando, exatamente como previsto por Gold. O período está aumentando em 36,48 bilionésimos de segundo a cada dia, e a esse ritmo ele duplicará em 1.200 anos. O mesmo fenômeno foi descoberto em outros pulsares, cujos períodos são mais longos que o da nebulosa do Caranguejo e cujo ritmo de retardamento também é mais lento. O primeiro pulsar descoberto, hoje denominado CP1919, tem um período 40 vezes mais longo que o da nebulosa do Caranguejo e está se retardando a um ritmo que só duplicará seu período daqui a 16 milhões de anos. Ao diminuir o período de um pulsar, seus pulsos tornam-se menos energéticos. Quando o período vai além de 4 segundos, o pulsar torna-se fraco demais para ser detectado. Contudo, é possível que os pulsares durem, como objetos detectáveis, dezenas de milhões de anos.

Como resultado desses estudos do retardamento dos pulsos, os astrônomos acham-se bastante convencidos de que os pulsares são estrelas de nêutrons.

Às vezes um pulsar acelera de repente seu período, muito ligeiramente, para depois retomar a tendência ao retardamento. Isso foi descoberto em fevereiro de 1969, quando o período do pulsar Vela X-1 (detectado entre os destroços da supernova que explodiu há 15.000 anos) alterou-se repentinamente. Essa súbita modificação foi denominada glitch, uma palavra ídiche que significa "escorregão", e por isso o termo entrou para o vocabulário científico.

Suspeitam alguns astrônomos que os glitches possam ser resultado de um starquake, uma modificação da distribuição da massa dentro da estrela de

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nêutrons que levaria seu diâmetro a reduzir-se em um centímetro ou menos. Ou talvez fosse resultado do choque de um meteoro de grande dimensão com a estrela de nêutrons, com o que ele adicionaria seu próprio momento ao da estrela.

Não há, naturalmente, nenhum motivo para que os elétrons que emergem de uma estrela de nêutrons só percam energia como microondas; eles deveriam produzir ondas em toda a extensão do espectro. Deveriam, por exemplo, emitir também raios X, e, com efeito, a estrela de nêutrons da nebulosa do Caranguejo os emite. Cerca de 10 a 15% de todos os raios X que a nebulosa do Caranguejo produz provêm de sua estrela de nêutrons; são os outros 85% ou mais que vêm dos gases em turbulência que obscureceram esse fato e desalentaram os astrônomos que procuraram ali uma estrela de nêutrons em 1964.

Uma estrela de nêutrons deveria também produzir emissões de luz visível. Em janeiro de 1969 observou-se que a luz de uma pálida estrela de 16ª grandeza na nebulosa do Caranguejo realmente pisca, acompanhando precisamente os pulsos de microondas. Os lampejos e o período entre eles são tão breves que foi preciso equipamento especial para captá-los; sob observação comum, a estrela parece ter luz constante. A estrela de nêutrons da nebulosa do Caranguejo foi o primeiro pulsar óptico a ser descoberto, a primeira estrela de nêutrons visível —- e até agora é a única.

PROPRIEDADES DAS ESTRELAS DE NÊUTRONS

Os astrônomos têm procurado detalhar a composição das estrelas de nêutrons. Na superfície, é possível que haja uma fina camada de matéria normal, principalmente ferro, e até mesmo uma atmosfera de ferro gasoso, talvez com meio centímetro de espessura. Há também partículas carregadas, como elétrons e núcleos atômicos, presos ao superintenso campo magnético da estrela. Essas partículas, sobretudo os elétrons, são aquelas emitidas pelos pólos magnéticos e que produzem os pulsos de radiação detectados na Terra.

Abaixo desse invólucro externo de matéria normal acham-se núcleos de ferro muito compactos, apresentando características que consideraríamos como "sólidas", muito embora essa crosta possua uma temperatura de milhões de graus. A borda exterior dessa crosta tem uma densidade de apenas 100.000 g/cm3, mas essa densidade aumenta rapidamente com a profundidade.

É essa superfície sólida, com uma resistência um quatrilhão de vezes superior à do aço e com "montanhas" de talvez um centímetro de altura, que se reajusta ocasionalmente para aceitar uma forma mais compacta, produzindo os glitches, que diminuem ligeiramente o período de rotação.

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Abaixo da crosta, ao aumentar a densidade, os núcleos atômicos não conseguem manter sua integridade e o material transforma-se numa massa de nêutrons. Nas proximidades do centro pode haver um mar de partículas com massa ainda maior, denominadas híperons.*

Uma propriedade importante da estrela de nêutrons é sua massa. Em 1975 foi determinada, pela primeira vez, a massa de uma estrela de nêutrons; o objeto em questão, Vela X-1, tem uma massa de 1,5 vezes a do Sol. A descoberta foi interessante, pois a massa estava ligeiramente acima do limite de Chandrasekhar. Nenhuma anã branca poderia ter massa tão grande (embora devamos lembrar que estrelas de nêutrons com massas abaixo do limite de Chandrasekhar também são possíveis, em teoria).

A massa de Vela X-1 pôde ser determinada porque essa estrela de nêutrons é parte de um binário. Sua companheira é uma estrela da seqüência principal, com 30 vezes a massa do Sol. Indubitavelmente os membros de um binário, se tiverem massa suficiente, podem trocar matéria mutuamente quando da expansão de cada um deles, formando por fim um par de estrelas de nêutrons, da mesma forma que binários de maior massa podem, dessa

* Os híperons podem ser produzidos em laboratório, mas nas condições terrestres eles se decompõem em menos de um bilionésimo de segundo.

maneira, produzir um par de anãs brancas.

Vela X-1 deve ter sido, originalmente, a estrela mais brilhante do par, e há 15.000 anos, quando tornou-se uma supernova, sua companheira pode ter capturado até um milésimo da matéria expulsa pela explosão, aumentando consideravelmente em massa e brilho; com isso, naturalmente, encurtou sua própria vida na seqüência principal. Dentro de um milhão de anos ou menos a companheira de Vela X-1 também explodirá como uma supernova, e poderá haver então duas estrelas de nêutrons girando em torno de um centro de gravidade comum. O fato de uma estrela de nêutrons poder fazer parte de um binário, como Vela X-1, mostra que quando uma estrela de um par se transforma em supernova, a outra pode sobreviver.

A troca de matéria entre uma estrela e outra, quando primeiro uma e depois a outra se expandem, resulta na conversão de energia gravitacional em radiação, sobretudo quando está envolvida uma anã branca ou uma estrela de nêutrons, com um campo gravitacional muito intenso. Até 40% da massa de matéria podem ser transformados em energia dessa maneira — mais de 100 vezes a quantidade de massa que pode ser convertida em energia por meio de fusão nuclear. Isso é outro ponto que ajuda a explicar o brilho das novas e das supernovas.

Consideremos agora algumas das propriedades gravitacionais de uma estrela de nêutrons, tomando como espécime médio uma que possua exatamente a mesma massa do Sol, mas o diâmetro 100.000 vezes menor.

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Para atender a essas especificações, tal estrela deverá ter um diâmetro de 14 km e uma densidade média de 1.400.000.000.000.000 g/cm3.

Se examinarmos primeiramente o Sol, sua gravidade superficial é igual a 28 vezes a da Terra. Assim, uma pessoa que pese 70 kg na Terra pesaria quase 2.000 kg na superfície do Sol (supondo-se que o Sol tenha uma superfície no sentido terrestre e que uma pessoa pudesse sobreviver à experiência).

Ora, se imaginarmos um corpo com uma dada massa sendo comprimido cada vez mais, qualquer objeto em sua superfície torna-se cada vez mais próximo do centro. De acordo com a lei da gravitação de Newton, a gravidade superficial (supondo-se que a massa não mude) se altera segundo a razão inversa* do quadrado do diâmetro. Assim, se comprimirmos uma estrela, de modo que ela passe a ter apenas metade de seu diâmetro original, a gravidade superficial será de 2 x 2, ou 4 vezes a original. Se ela for comprimida a um sexto do diâmetro original, então a gravidade superficial será de 6 X 6 ou 36 vezes a original, e assim por diante.

Sirius B, que tem um diâmetro equivalente a 1/30 do diâmetro do Sol e uma massa aproximadamente igual à dele, deve ter uma gravidade superficial de 30 x 30, ou 900 vezes a do Sol. Nossa hipotética pessoa de 70 kg, capaz de sobreviver à experiência, pesaria na superfície de Sirius B 1.800.000 kg.

Uma estrela de nêutrons com a massa do Sol e um diâmetro de 14 km (1/100.000 do Sol) deve ter uma gravidade superficial de 100.000 x 100.000, ou 10.000.000.000 de vezes a do Sol. Nossa pessoa de 70 kg pesaria 20 trilhões de quilos. E os períodos de rotação?

A Terra, com uma circunferência de 40.000 km, gira em torno de seu eixo em um dia. Isso significa que um ponto no equador, que descreve num dia de rotação um círculo maior do que qualquer outro ponto fora do equador, está se movendo em torno do eixo da Terra a uma velocidade constante de aproximadamente 0,5 km por segundo. Essa velocidade diminui uniformemente ao nos afastarmos do equador, para o norte ou para o sul, até chegar a zero nos pólos.

Uma velocidade rotacional acarreta um efeito centrífugo que tende a neutralizar a atração da gravidade. Esse efeito centrífugo aumenta com a velocidade de rotação, de modo que é nulo nos pólos e aumenta progressivamente até chegar ao máximo no equador. O efeito centrífugo tende a arrastar material para longe do eixo, sendo mais forte no equador, de modo que podemos dizer que a Terra tem uma protuberância equatorial. Não é muito grande; o diâmetro equatorial (a distância que vai de qualquer ponto no equador ao ponto oposto, passando pelo cento da Terra) é 43 km maior do que o diâmetro polar (de pólo a pólo). O diâmetro equatorial da Terra é,

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grosso modo, 1/300 mais longo que o diâmetro polar, e essa é uma medida do achatamento da Terra.

Por outro lado, Júpiter, o maior planeta do sistema solar, tem uma circunferência equatorial de 449.000 km e gira em torno de si mesmo em 9,85 horas. Por conseguinte, um ponto situado no equador jupteriano move-se a uma velocidade de 12,7 km/seg, quase 25 vezes mais depressa que um ponto no equador da Terra.

Apesar da maior gravidade de Júpiter, essa enorme velocidade de rotação, combinada com o fato de que a substância de Júpiter compõe-se de elementos mais leves, muito menos comprimidos que os da substância da Terra, tem como resultado um maior achatamento de Júpiter, O diâmetro equatorial de Júpiter é 8.700 km mais longo que seu diâmetro polar; seu achatamento é de 1/16.**

* Com razão inversa queremos dizer que a gravidade superficial e o diâmetro mudam em direções opostas. Se o diâmetro diminui, a gravidade superficial aumenta; se o diâmetro aumenta, a gravidade superficial diminui.

** Saturno é um pouco menor que Júpiter e não gira tão depressa, mas seu campo gravitacional também é menor, e Saturno é ainda mais achatado que Júpiter.

Para comparar: o Sol tem uma circunferência de 4.363.000 km e gira em torno de seu eixo em 25,04 dias. Portanto, um ponto em seu equador move-se com uma velocidade de cerca de 2 km/seg — quatro vezes maior que a velocidade de um ponto no equador terrestre, mas apenas 1/6 da velocidade de um ponto no equador jupiteriano. A combinação de velocidade de rotação relativamente baixa e imensa gravidade superficial é tal que, no caso do Sol, nenhum achatamento pode ser medido. Até onde podemos dizer, o Sol é uma esfera perfeita.

Não sabemos qual seja o período de rotação de Sirius B, nem o de nenhuma outra anã branca, mas sabemos que uma estrela de nêutrons típica gira em torno de seu próprio eixo em cerca de 1 segundo, a julgar pelo período de pulsação dos pulsares. Se nossa estrela de nêutrons de 14 km de diâmetro gira em torno de si mesma em 1 segundo, então um ponto em seu equador estará se movendo a uma velocidade de aproximadamente 44 km/seg.

Essa velocidade é 3,5 vezes maior que a de um ponto no equador de Júpiter, 21,8 vezes maior que a de um ponto no equador do Sol e 95 vezes maior que a de um ponto no equador da Terra. Não obstante, considerando-se o intensíssimo campo gravitacional de uma estrela de nêutrons, podemos ter certeza absoluta de que sua velocidade de rotação, por grande que pudesse ser pelos padrões do sistema solar, simplesmente não é, nem de longe, capaz de erguer qualquer quantidade de material contra a gravidade, através de um efeito centrífugo. Apesar de tudo, a estrela de nêutrons tem de

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ser uma esfera perfeita. Podemos ter quase a mesma certeza de que uma anã branca deve ser também uma esfera perfeita.

Se não é provável que a força centrífuga seja capaz de erguer a substância das anãs brancas e das estrelas de nêutrons a uma distância mensurável, vencendo a gravidade, podemos imaginar que a velocidade de escape de tais objetos deve ser altíssima.

A velocidade de escape varia na razão inversa da raiz quadrada do diâmetro (pressupondo-se nenhuma mudança na massa). Assim, se reduzirmos uma estrela a 1/36 de seu diâmetro original, a velocidade de escape aumenta seis vezes (uma vez que 6 é a raiz quadrada de 36).

Com base nisso, vemos que Sirius B, com uma massa igual à do Sol e um diâmetro 30 vezes menor, deve ter uma velocidade de escape 5,5 vezes maior que a do Sol. Como a velocidade de escape do Sol é de 617 km/seg, a da superfície de Sirius B será de 3.400 km/seg.

Por outro lado, nossa estrela de nêutrons, com uma massa igual à do Sol mas um diâmetro igual a apenas 1/100.000 do solar, terá uma velocidade de escape maior que a do Sol por um fator igual à raiz quadrada de 100.000, ou 316. Será igual a 617 x 316, ou cerca de 200.000 km/seg.

Esses números referentes à velocidade de escape são particularmente importantes para nós porque representam outro marco no caminho para o buraco negro. Por isso, vamos apresentá-los em forma tabular.

QUADRO 12 — Velocidades de escape

ObjetoVelocidade de escape

km/seg Fração da velocidade da luzTerra 11,2 0,0000373Júpiter 60,5 0,0002Sol 617 0,002Sirius B 3.400 0,011Estrela de nêutrons 200.000 0,67

Para os objetos de matéria ordinária, as velocidades de escape são frações diminutas da velocidade da luz. Mesmo para o Sol a velocidade de escape equivale a apenas 1/500 da velocidade da luz. No caso da anã branca, a velocidade de escape é de 1/100 da velocidade da luz, e a própria luz perde uma quantidade mensurável de energia ao deixar o corpo. Foi por intermédio dessa perda de energia e por causa do conseqüente pequeno desvio para o vermelho na luz de Sirius B que Adams pôde verificar sua natureza densa.

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Uma estrela de nêutrons terá provavelmente uma velocidade de escape igual a 2/3 da velocidade da luz, e o desvio de Einstein seria muito maior. Podemos receber raios X de uma estrela de nêutrons, mas se não fosse o intenso efeito gravitacional da estrela os raios X que recebemos teriam ondas muito mais curtas do que realmente têm. E quanto a radiação de ondas longas que recebemos — as ondas de luz visível e as microondas, muito mais longas — grande parte dela não existiria se não fossem os efeitos alongadores de onda do campo gravitacional da estrela de nêutrons.

EFEITOS DE MARÉ

Existe um outro efeito gravitacional que podemos desprezar na superfície da Terra, mas que adquire importância primordial nas vizinhanças de uma estrela de nêutrons. É o efeito de maré.

A intensidade da atração gravitacional entre dois objetos de massa dada depende da distância entre seus centros. Por exemplo, quando estamos em pé na superfície da Terra, a intensidade da atração gravitacional da Terra sobre nós depende de nossa distância até o centro da Terra.

Contudo, nem todo o corpo da pessoa se acha a mesma distância do centro da Terra; os pés estão quase dois metros mais perto do cento da Terra do que a cabeça. Isso significa que os pés são mais atraídos para a Terra do que a cabeça, pois a atração gravitacional aumenta com a distância. Essa diferença na atração gravitacional entre duas extremidades de um objeto é o efeito de maré.

Em circunstâncias normais, os efeitos de maré não são prenunciados. Imaginemos uma pessoa corpulenta, com 2 metros de altura e 90 kg de peso. Se ela estiver de pé ao nível do mar, nos Estados Unidos, as solas de seus pés estarão a aproximadamente 6.370.000 m do centro da Terra. Digamos que estejam exatamente a essa distância. Nesse caso, o alto de sua cabeça estará a cerca de 6.370.002 m do centro da Terra.

A atração gravitacional no alto de sua cabeça é igual a (6.370.000 / 6.370.002)2 vezes a atração gravitacional nas solas de seus pés. Isso significa que a atração sobre seus pés é aproximadamente 1,0000008 vezes maior que a atração sobre sua cabeça, o que equivale a dizer que ela está numa roda de tortura, com o alto da cabeça e as solas dos pés sendo distendidas pelo peso de 0,000071 kg — mais ou menos o equivalente a quatro gotas de água. Esse tipo de puxão é pequeno demais para ser sentido, e é por isso que não tomamos consciência dos efeitos de maré produzidos pela Terra sobre nosso corpo.

O efeito de maré é maior se o objeto submetido a um campo gravitacional tiver maiores dimensões, de modo que haja uma diferença maior

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na força exercida sobre as duas extremidades do objeto. Ao invés de uma pessoa, escolhamos como exemplo a Lua.

A Lua tem um diâmetro de 3.475 km e seu centro acha-se a uma distância média de 384.321 km do centro da Terra. Se imaginarmos que a Lua está sempre a essa distância (na verdade há uma pequena variação para mais e para menos durante o mês, mas não é grande), então a parte de sua superfície voltada diretamente para a Terra estaria a 382.584 km do centro da Terra e a parte oposta de sua superfície estaria a 386.058 km.

Nessas circunstâncias, a atração gravitacional da Terra sobre o lado próximo da Lua seria 1,018 vezes maior que sobre o lado mais afastado.

A força total da atração gravitacional da Terra sobre a Lua (o peso que imaginaríamos que ela tivesse se repousasse numa plataforma atraída para o centro da Terra e com 384.321 km de altura) seria de 20.000.000.000.000.000.000 kg.

Se toda a Lua estivesse à distância de sua superfície mais próxima, ela pesaria 800.000.000.000.000.000 kg mais do que se toda ela estivesse à distância da parte mais remota de sua superfície. Podemos então imaginar a Lua sendo esticada para perto e para longe da Terra por esse grau de atração; 800 quatrilhões de quilos não é uma atração a ser desprezada, e a Lua mostra uma pequena protuberância nessa direção. O diâmetro que aponta para a Terra é ligeiramente maior que o diâmetro perpendicular a esse.

O efeito funciona inversamente também. A Lua exerce atração sobre a Terra, e essa atração é mais intensa sobre o lado da Terra mais próximo a ela que sobre o lado oposto. Como a Terra tem diâmetro maior que o da Lua, há uma distância mais longa, na qual a atração gravitacional pode decrescer, o que leva a um aumento do efeito de maré. A Lua é um corpo menor que a Terra e produz uma atração gravitacional total menor, e isso leva a uma diminuição do efeito de maré. A diminuição vence. O menor campo gravitacional da Lua é fator mais importante que o maior diâmetro da Terra. Se o efeito gravitacional fosse preponderante, o efeito de maré exercido pela Lua sobre a Terra seria 1/81 do efeito de maré da Terra sobre a Lua. O maior diâmetro da Terra compensa isso, e o efeito de maré da Lua sobre a Terra é igual a 1/70 do efeito de maré da Terra sobre a Lua.

A Terra é esticada na direção da Lua em grau perceptível. A sólida esfera da Terra é esticada em cerca de 33 cm. As águas dos oceanos cedem mais facilmente e esticam-se pouco mais de l metro.

Por conseguinte, há uma protuberância no oceano (e uma outra, menor, na crosta sólida) no lado que dá para a Lua e outra no lado oposto da Terra. À medida que a Terra gira, as superfícies terrestres entram e saem da protuberância, e depois entram e tornam a sair da outra protuberância. Em

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resultado disso, o oceano invade um pedaço da praia e se afasta dela duas vezes por dia (de uma forma fortemente afetada pelo feitio da linha de costa e por outros fatores que podemos deixar de lado neste livro). Esse movimento oceânico bidiário é denominado maré, e por isso o fenômeno é chamado de efeito de maré.

Os efeitos de maré de corpos como a Terra e a Lua não são realmente muito grandes, comparados com a força gravitacional total, mas aumentam com o tempo. À medida que a Terra gira sobre as protuberâncias, a fricção da água sobre o fundo das porções mais rasas do oceano converte parte da energia rotacional em calor. E resultado disso, a Terra está sofrendo uma lenta diminuição de sua velocidade de rotação e um lento aumento da duração de seu dia. O dia torna-se 1 segundo maior a cada 100.000 anos. Isso não parece muito, mas se esse ritmo de diminuição tiver sido constante, a Terra girava em apenas 12,7 horas quando se formou.

A Terra não pode perder momento angular (algo que envolve sua velocidade de rotação) sem que essa perda seja ganha em outro ponto do sistema Terra-lua; no caso, a Lua ganha esse momento angular e, por causa disso, está lentamente se afastando da Terra, uma vez que esse é o resultado de ela aumentar seu momento angular.

O efeito de maré da Terra sobre a Lua retardou o movimento de rotação de nosso satélite até o ponto de fazer com que ele nos mostre a mesma face constantemente.

Tal como a gravitação como um todo, o efeito de maré muda com a distância entre dois corpos dados, mas de uma maneira um pouco diferente.

Suponhamos que a Terra e a Lua estivessem se aproximando lentamente. A atração gravitacional total aumentaria à medida que se aproximassem, variando na razão inversa do quadrado da distância. Se a Terra e a Lua estivessem na metade de sua distância atual, a atração gravitacional aumentaria 2 x 2, ou 4 vezes. Se estivessem a um terço da distância atual, a atração gravitacional entre ambas aumentaria 3 x 3, ou 9 vezes, e assim por diante.

O efeito de maré depende do tamanho do corpo submetido a um campo gravitacional total. Aumenta, além disso, por outro motivo.

O efeito de maré depende do tamanho do corpo submetido a um campo gravitacional; quanto maior o corpo, maior será o efeito de maré. Contudo, o que conta não é apenas o tamanho do corpo, porém seu tamanho comparado com a distância total até o centro da atração gravitacional.

Atualmente, o diâmetro da Lua, de 3.475 km, equivale a quase 0,009 vezes a distância entre a Terra e a Lua. Se a distância entre os dois corpos fosse dividida ao meio, o diâmetro da Lua (que continuaria a ser o mesmo)

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passaria a equivaler a 0,018 vezes essa distância. Em outras palavras, à medida que a distância diminuísse, o efeito de maré aumentaria proporcionalmente à diminuição, uma vez que o diâmetro da Lua representaria uma fração cada vez maior da distância total.

Temos então dois fatores que tendem a aumentar os efeitos de maré — um deles variando na razão inversa do quadrado da distância e o outro variando na razão inversa da distância. Se dividíssemos ao meio a distância entre a Terra e a Lua, o efeito de maré aumentaria 2 x 2 vezes devido ao primeiro fator, e 2 vezes devido ao segundo. O aumento total seria de 2 x 2 x 2, ou 8 vezes. Ora, 2 x 2 x 2 é o cubo de 2, de modo que o que estamos dizendo é que o efeito de maré varia na razão inversa do cubo da distância.

Se a distância entre dois corpos triplicar, então o efeito de maré será reduzido para 1/3 x 1/3 x 1/3, ou 1/27 do que era. Inversamente, se a distância entre o corpo reduzir-se a 1/3, o efeito de maré aumentará 3 x 3 x 3, ou 27 vezes.

Se a Terra e a Lua estivessem se aproximando um do outro, portanto, o efeito de maré recíproco aumentaria constantemente e muito depressa. (Qualquer que fosse a distância, porém, o efeito de maré da Terra sobre a Lua continuaria a ser 70 vezes maior que o da Lua sobre a Terra.)

Por fim, chegaria um ponto, bem antes de ser feito contato, em que o efeito retesador sobre a Lua seria tão forte que a própria estrutura do satélite se partiria. Nesse momento, a Terra, sofrendo apenas 1/70 do efeito de maré sofrido pela Lua, ainda conseguiria manter sua integridade, muito embora as enormes marés oceânicas indubitavelmente viessem a destruir tudo na superfície continental.

Em 1849 o matemático francês Edouard A. Roche (1820-1883) demonstrou que se um satélite for mantido íntegro apenas pela atração gravitacional — se for líquido, por exemplo — ele se partirá ao aproximar-se de um planeta a uma distância inferior a 2,44 vezes o raio desse planeta. Esse é o chamado limite de Roche. Se um satélite for mantido íntegro por forças eletromagnéticas, como é o caso da Lua, pode aproximar-se um pouco mais de 2,44 vezes o raio da Terra, antes que o retesamento provocado pelo efeito de maré o esmague e destrua.

O raio da Terra no equador é de 6.378,5 km, de modo que para a Terra o limite de Roche é de aproximadamente 15.500 km — apenas 1/25 da distância verdadeira até a Lua. Se um dia a Lua chegasse tão perto da Terra, seria despedaçada e suas partículas se espalhariam em órbita ao redor da Terra; a Lua se transformaria num conjunto de anéis, como os de Saturno, porém com maior massa, e não mais exerceria qualquer efeito de maré substancial sobre a Terra, uma vez que as diversas partes do anel puxariam igualmente em todas as direções.

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O despedaçamento não prosseguiria indefinidamente. À medida que a Lua se desintegrasse em fragmentos menores, cada fragmento, sendo de tamanho menor, experimentaria um menor efeito de maré. Por fim, cada fragmento seria pequeno demais para que o decrescente efeito de maré continuasse a quebrá-lo.

Chega-se a um ponto em que o efeito de maré é insuficiente para quebrar o corpo, mesmo que ele entre em contato com o corpo que o atrai. É por isso que uma nave espacial pode pousar na Lua sem se romper e nós, e todos os outros objetos sobre a superfície da Terra, podemos permanecer intactos. O efeito de maré para objetos de nosso tamanho e para o tamanho das coisas que construímos é insignificante. Quanto mais intenso um campo gravitacional, contudo, mais intenso é o efeito de maré e mais fina se torna a pulverização dos objetos que se desfazem ao atingir o limite de Roche.

Para examinarmos campos gravitacionais mais intensos que o da Terra, consideremos o caso do Sol, que tem uma massa 333.500 vezes maior que a da Terra e que, por conseguinte, tem um campo gravitacional 333.500 mais intenso. O maior diâmetro do Sol faz com que sua superfície esteja mais distante de seu centro que a superfície da Terra está do centro da Terra; e como a intensidade da atração gravitacional varia na razão inversa do quadrado da distância, a gravidade superficial do Sol é apenas 28 vezes maior que a da Terra.

O efeito de maré, no entanto, varia na razão inversa do cubo da distância. Como o diâmetro do Sol é 109,2 vezes maior que o da Terra, temos que dividir 333.500 (a intensidade do campo gravitacional do Sol em comparação cem o da Terra) por 109,2 x 109,2 x 109,2, ou 1.302.170. Dividindo 333.500 por 1.302.170, obtemos 0,256.

Segue-se, pois, que o efeito de maré exercido pelo Sol sobre objetos em sua superfície equivale a apenas 1/4 o efeito de maré exercido pela Terra sobre objetos em sua superfície.

Suponhamos, porém, que o Sol se contraísse, sem perder nada de sua massa. Um objeto em sua superfície estaria cada vez mais. perto de seu centro, e o efeito de maré sobre ele aumentaria rapidamente.

Sirius B tem massa igual à do Sol, mas diâmetro 30 vezes menor. O efeito de maré sobre a superfície de Sirius B seria 30 x 30 x 30 ou 27.000 vezes o exercido sobre a superfície solar, e 7.000 vezes o da superfície da Terra.

Se pudermos imaginar um ser humano (com 2 m de altura e 90 kg de peso) de pé sobre uma anã branca, sem ser afetado por sua radiação, calor ou gravidade total, ele ainda não se sentiria muito prejudicado pelo efeito de maré, mesmo que esse efeito fosse muito maior do que na superfície da

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Terra. Multiplicando-se o efeito terrestre por 7.000 ainda veríamos esse ser humano ser esticado por um puxão de apenas 0,5 kg aproximadamente.

E quanto ao limite de Roche? Como o limite de Roche é de 2,44 vezes o raio do corpo que exerce a atração gravitacional, e como o cubo de 2,44 é 14,53, o efeito de maré produzido por qualquer corpo em seu limite de Roche é de 1/14,53 do efeito de maré que ele produz em sua superfície. Se o efeito de maré de Sirius B sobre sua superfície é 7.000 vezes o da Terra em sua superfície, e se ambos os efeitos forem divididos por 14,53, a proporção continua ainda a mesma; o efeito de maré ao limite de Roche de Sirius B é 7.000 vezes o do limite de Roche da Terra.

Isso significa que qualquer objeto de grandes dimensões que se encontre perto demais de uma anã branca será despedaçado em fragmentos muito mais finos do que se estiver perto demais do Sol ou da Terra. Significa também que objetos pequenos que fossem capazes de resistir aos efeitos de maré do Sol ou da Terra, em seus limites de Roche, e permanecessem intactos, poderiam, entretanto, despedaçar-se sob a influência de uma anã branca.

Indo além, imaginemos que um objeto com a massa do Sol se contraia até chegar ao estágio da estrela de nêutrons e tenha apenas 14 km de diâmetro. Agora, um objeto colocado em sua superfície estará a apenas 1/100.000 da distância até seu centro do que estaria se estivesse na superfície do Sol. Portanto, o efeito de maré sobre a superfície da estrela de nêutrons é 100.000 x 100.000 x 100.000, ou um quatrilhão de vezes maior que na superfície do Sol, ou 250 trilhões de vezes maior do que na superfície da Terra.

Um ser humano de 2 m de altura que ficasse de pé numa estrela de nêutrons e que fosse imune à sua radiação, calor e gravidade total, seria, entretanto, repuxado pelas suas extremidades por uma força de 18 bilhões de quilos, e é evidente que esse ser humano, ou qualquer outra coisa, se desintegraria numa nuvem de pó. Da mesma forma, a estrela de nêutrons, em seu limite de Roche (34 km de seu centro), transformaria os objetos em pó fino.

(Um segundo efeito de maré decorre do fato de que um corpo em um objeto esférico tem suas duas extremidades atraídas para o centro em direções ligeiramente diferentes; isso tende a comprimi-lo latitudinalmente. Desde que o corpo seja bastante grande para que sua superfície seja praticamente plana sobre a largura, esse efeito é mínimo. Até mesmo numa estrela de nêutrons é bastante pequeno para ser ignorado — pelo menos em comparação com o enorme efeito distensor sobre as extremidades longitudinais.)

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Mesmo a uma distância de 5.000 km do centro de uma estrela de nêutrons, um ser humano sentiria um esticamento de aproximadamente 45 kg se o eixo longitudinal de seu corpo estivesse apontando para a estrela, e esse efeito seria deveras doloroso.

Se uma espaçonave do futuro, devidamente protegida contra o calor e a radiação, se aproximasse a 5.000 km de uma estrela de nêutrons (distância essa à qual ela seria meramente um pontinho vago a olho nu), não haveria necessidade de seus ocupantes se preocuparem com o efeito gravitacional total. A nave poderia passar pela estrela em queda livre numa órbita curva e afastar-se novamente (caso se movesse a uma velocidade suficientemente grande). Não sentiria então nenhuma gravitação, da mesma forma como não sentimos a atração gravitacional do Sol, quando, juntamente com a Terra e tudo que nela existe, orbitamos em torno do Sol em queda livre.

Contudo, não haveria meio de se eliminar o efeito de maré, e deslizar a 5.000 km da estrela seria uma experiência das mais emocionantes. (A distâncias menores, os astronautas seriam mortos e a nave perderia despedaçar-se.)

Em 1966 o escritor de ficção científica Larry Niven escreveu um excelente conto intitulado Estrela de Nêutrons no qual os efeitos de maré de uma delas quase destroem um astronauta descuidado que se aproxima demais. No ano seguinte esse conto conquistou o prêmio Hugo (que para o mundo da literatura de ficção científica corresponde ao Oscar).

Na verdade, entretanto, os fatos narrados na história são inverossímeis. Os efeitos de maré não constituem mistério para os astrônomos desde o tempo de Isaac Newton, há 300 anos. Qualquer grupo de cientistas capaz de construir uma nave espacial destinada a se aproximar de uma estrela de nêutrons certamente perceberia o perigo do efeito de maré, e evidentemente (excluindo-se a possibilidade de defeito no equipamento) o astronauta permaneceria a uma distância segura.

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Buracos negros

VITÓRIA FINAL

Ainda não chegamos ao fim do caminho.

A força nuclear que mantém o neutrônio é capaz de suportar um puxão gravitacional suficientemente intenso para esmagar átomos ordinários e até o fluido eletrônico. O neutrônio é capaz de tolerar o peso de massa além do limite de Chandrasekhar. No entanto, é certo que nem a força nuclear tem poder infinito. Nem mesmo o neutrônio pode suportar massas empilhadas interminavelmente.

Uma vez que existem estrelas com massa 50 a 70 vezes superiores à do Sol, não é inconcebível que, começada a contração, ela possa ser ocasionalmente impulsionada por uma fúria gravitacional ainda maior e mais intensa que a suportável por uma estrela de nêutrons. E aí?

Em 1939, quando Oppenheimer estava estudando as implicações teóricas da estrela de nêutrons, ele levou em conta também essa possibilidade; parecia-lhe que uma estrela em contração, se tivesse massa suficientemente grande, poderia contrair-se com tanta força que mesmo os nêutrons cederiam sob o impacto; até mesmo a força nuclear terá que curvar-se ante a gravitação.

Qual seria, então, o próximo ponto de parada da contração?

Oppenheimer percebeu que não há nenhum — não há o que interrompa a contração, nesse caso. Quando a força nuclear falha, não subsiste nada que possa deter a gravitação — a mais fraca de todas as forças e que,

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quando ampliada sem cessar, pelo acúmulo interminável de massas, finalmente torna-se a mais forte. Se, ao se contrair, uma estrela ultrapassa a barreira de neutrônio, a gravitação conquista a vitória final. Depois disso a estrela continuará a se contrair indefinidamente, com seu volume reduzindo-se até zero e sua gravidade superficial aumentando sem limites.

Verificou-se que o ponto crítico situa-se em 3,2 vezes a massa do Sol. Da mesma forma como uma anã branca não pode ter mais que 1,4 vezes a massa do Sol sem se contrair ainda mais, nenhuma estrela de nêutrons pode ter mais que 3,2 vezes a massa do Sol sem levar adiante sua contração.

Qualquer objeto em contração com mais de 3,2 vezes a massa do Sol não pede interromper sua contração, seja no estágio da anã branca ou no estágio da estrela de nêutrons, mas terá que ir avante. Além disso, acredita-se que qualquer estrela da seqüência principal que tenha uma massa mais de 20 vezes a do Sol não poderá livrar-se de massa suficiente através de uma explosão tipo supernova, que crie uma anã branca ou uma estrela de nêutrons, mas terá, por fim, de contrair-se a zero. Portanto, para qualquer estrela da classe espectral O, a vitória final da gravitação parece inevitável tão logo chegue ao fim o suprimento de combustível.

(Embora as massas maiores que 3,2 vezes a do Sol tenham de passar por essa contração final assim que começa o processo, massas menores que essas podem fazê-lo, como havemos de ver.)

O que acontece quando ocorre essa vitória final da gravitação e até o neutrônio cede? O que acontece se uma estrela de nêutrons se contrai ainda mais?

Para começar, a gravidade superficial de uma estrela de nêutrons em contração aumenta constantemente, o mesmo acontecendo com a velocidade de escape, pois a superfície do objeto em contração se aproxima cada vez mais do ponto central para o qual tende toda contração. Já vimos antes que uma estrela de nêutrons com a massa de nosso Sol tem uma velocidade de escape de 200.000 km/seg, o que representa 2/3 da velocidade da luz.

Se a matéria de uma estrela de nêutrons continuar a se contrair e a gravidade superficial se tornar ainda mais intensa, evidentemente se chegará a um ponto em que a velocidade de escape se tornará igual à velocidade da luz. O valor do raio do corpo em que isso acontece é chamado raio de Schwarzschild, pois foi calculado pela primeira vez pelo astrônomo alemão Karl Schwarzschild (1873-1916). O ponto zero, no centro, denomina-se singularidade de Schwarzschild.

Para uma massa igual à do Sol, o raio de Schwarzschild é pouco inferior a 3 km. Portanto, o diâmetro é de 6 km.

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Imaginemos, pois, uma estrela de nêutrons, com a massa do Sol, se contraia além da barreira de neutrônio e cujo diâmetro passe de 14 km para 6 km. Sua densidade aumenta 13 vezes e se torna igual a 17.800.000.000.000.000 g/cm3; sua gravidade superficial é de 1.500.000.000.000 vezes a da Terra, de modo que um ser humano normal pesaria 100 trilhões de quilos se estivesse de pé sobre tal objeto. O efeito de maré desse objeto é 13 vezes mais intenso que o de uma estrela de nêutrons.

Contudo, a propriedade mais importante desse objeto supercontraído é o fato de sua velocidade de escape ser igual à velocidade da luz. (Evidentemente, se o objeto se reduzir a dimensões ainda menores que o raio de Schwarzschild, a velocidade de escape torna-se maior que a velocidade da luz.)

Os físicos estão absolutamente seguros de que nenhum objeto físico, dotado de massa, pode mover-se a uma velocidade igual à da luz; isso significa que nenhum corpo com o raio de Schwarzschild ou menos pode perder massa por ejeção. Nada que possua massa pode escapar à sua apreensão final, nem mesmo objetos como elétrons, que são capazes de, com dificuldade, escapar da estrela de nêutrons.

Os objetos podem cair sobre tal corpo supercontraído, mas não podem ser expulsos dele. É como se ele fosse um buraco sem fundo no espaço.

Além disso, nem a luz ou qualquer radiação semelhante pode escapar. A luz consiste em partículas sem massa, de modo que se poderia pensar que a força gravitacional de qualquer objeto, por mais forte que fosse, não tivesse nenhum efeito sobre ela. Segundo a teoria da relatividade geral de Einstein, contudo, sabemos que a luz, ao se contrapor à gravidade, perde parte de sua energia e sofre o desvio para o vermelho de Einstein. Isso é fato sabido e comprovado desde que Adams o detectou com relação a Sirius B. Quando um objeto possui o raio de Schwarzschild ou menos, a luz que dele emana perde toda sua energia e sofre um desvio para o vermelho infinito. Isso significa que nenhuma luz emerge.

Esse objeto supercontraído age não só como um buraco, mas também como um buraco negro, pois não pode emitir nenhuma luz ou radiação semelhante. Daí seu nome.

Essa expressão — buraco negro — não parece de modo algum apropriada para um objeto astronômico cuja existência é comprovada por complexos raciocínios teóricos; é uma expressão demasiado comum e cotidiana. Por isso, sugeriu-se o nome collapsar, do inglês collapsed star, ou estrela contraída. Entretanto, a imagem dramática de um "buraco negro" e a própria simplicidade de seu nome levam a crer que a expressão continuará a ser usada.

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Temos, então, quatro tipos de objetos possivelmente estáveis:

1) Objetos planetários variando de pequenas partículas subatômicas até massas iguais a, digamos, 50 vezes a de Júpiter, mas não mais que isso. Todos eles são constituídos (exceto as partículas subatômicas) de átomos intactos, e geralmente possuem densidades gerais inferiores a 10 g/cm3.

2) Anãs negras, que são anãs brancas que perderam uma parte tão grande de sua energia que não podem mais brilhar visivelmente. Esses objetos têm massas que vão até 1,4 vezes a de nosso Sol, mas não mais que isso; são constituídos de fluido eletrônico, dentro do qual se encontram núcleos atômicos em movimento livre e apresentam densidades na faixa de 20.000 g/cm3.

3) Estrelas negras de nêutrons, que são estrelas de nêutrons que perderam tanta energia que não podem mais brilhar visivelmente. Possuem massa de até 3,2 vezes a de nosso Sol, mas não mais que isso. São constituídas de neutrônio, com densidades na faixa de 1.500.000.000.000.000 g/cm3.

4) Buracos negros, que não emitem nenhuma luz, têm massas que atingem qualquer valor e são constituídos de matéria num estado que não podemos descrever e com densidades de qualquer valor, até o infinito.

Mas serão essas quatro variedades de objetos verdadeiramente estáveis, no sentido de que não sofrerão nenhuma outra mudança, independentemente de quanto venham a durar?

Se um membro de qualquer uma dessas quatro classes de objetos estivesse sozinho no universo, até onde podemos dizer que seria estável e jamais sofreria qualquer mudança apreciável. O problema, contudo, é que nenhuma dessas coisas está sozinha no universo, o qual é uma vasta mistura de objetos nas diferentes classes de estabilidade, juntamente com objetos instáveis como as estrelas, que estão evoluindo para uma das três últimas classes ou, tendo chegado a uma delas, ainda estão radiando luz a caminho do enegrecimento final e da estabilidade.

Então, e daí?

Consideremos o caso da Terra, por exemplo. Ela tende a perder parte de sua massa, à medida que sua atmosfera lentamente se esvai. Tende também a ganhar um pouco de massa, à medida que colide com matéria meteórica — cerca de 35.000.000 quilos por dia. Isso não é muito, comparado com a massa total da Terra, mas é consideravelmente maior que a quantidade de massa perdida pela Terra a cada dia. Podemos dizer, portanto, que a Terra está, lenta mas constantemente, adquirindo maior massa.

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Da mesma forma, o Sol está constantemente perdendo massa, em parte pela conversão de hidrogênio em hélio e em parte pela ejeção de prótons e outras partículas, na forma do vento solar. Contudo, também ele deve estar coletando pó e matéria meteórica no espaço que percorre.

Essa capacidade de perder massa é comum a todos os objetos, exceto os buracos negros. (No entanto, segundo certas sugestões cientificas teóricas, que examinaremos, também os buracos negros podem perder massa, em casos especiais.) Até mesmo as estrelas de nêutrons emitem elétrons, ou não seríamos capazes de detectar aqueles pulsos de microondas. E as supernovas ejetam massas que podem ser várias vezes maiores que a do Sol.

Não obstante, é fácil argumentar que a tendência geral no universo é de os objetos grandes crescerem às expensas dos pequenos. Poderíamos imaginar, pois (simplesmente como uma concepção abstrata) que um objeto planetário chegasse, por fim, a ganhar tanta massa que sofresse uma ignição nuclear e se tornasse uma estrela — uma estrela muito pequena, é claro — que terminasse por atingir o estágio da anã branca e finalmente se tornasse uma anã negra.

Poderíamos ainda imaginar que depois que uma estrela alcançasse, de uma maneira ou de outra, o estágio presumivelmente estável da anã negra, ela pudesse coletar em sua viagem pelo espaço massa suficiente para esmagar o fluido eletrônico e contrair-se ainda mais, atingindo o estágio da estrela de nêutrons. Da mesma forma, uma estrela de nêutrons poderia ganhar massa suficiente para romper o neutrônio e contrair-se ainda mais, tornando-se um buraco negro — o qual, como pareceria a um primeiro exame perplexo, não pode jamais perder massa e só pode ganhá-la, sem limite superior a esse ganho.

Só há um objeto, portanto, que pareceria verdadeiramente estável para toda a eternidade, e esse objeto é o buraco negro. No fim, portando — no distante e remoto fim — e sempre supondo-se que as coisas continuem a se mover na direção em que parecem estar se movendo atualmente, poderíamos decidir que o universo consistirá apenas de buracos negros. . . e, finalmente, talvez, num único buraco negro que contenha tudo. Todo o universo ter-se-á entrado em colapso (como sugere o título deste livro).

Ou talvez as coisas não sejam tão simples. Voltaremos à questão de qual poderia ser o destino final do universo em termos de buracos negros depois que tivermos examinado um pouco mais suas propriedades.

E, evidentemente, a primeira propriedade que devemos considerar a questão da existência. Em teoria, os buracos negros devem existir.

Mas, existirão de fato?

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A DETECÇÃO DO BURACO NEGRO

Detectar um buraco negro não é fácil. As anãs brancas, devido a seu pequeno tamanho e sua palidez, foram muito mais difíceis de detectar que as estrelas comuns. As estrelas de nêutrons, menores e menos luminosas, foram de detecção ainda mais difícil; se os astrônomos tivessem que depender apenas da radiação luminosa, talvez nunca tivessem sido detectadas; foram os pulsos de microondas que as revelaram. Obviamente, um buraco negro, que não emite luz, nem microondas nem qualquer radiação semelhante poderia evadir-se inteiramente à observação.

No entanto, a situação não é de todo irremediável: há o campo gravitacional. Aconteça o que acontecer à massa que parece ser interminavelmente acumulada e comprimida dentro de um buraco negro, essa massa tem que continuar a existir (até onde sabemos) e tem que continuar a ser fonte de um campo gravitacional.

A rigor, a atração gravitacional total exercida por um buraco negro a uma grande distância não é em nada maior que a atração gravitacional total exercida por aquela massa em qualquer outra forma. Assim, se estivemos a 100 anos-luz de uma estrela gigantesca, com 50 vezes a massa do Sol, sua atração gravitacional estará de tal forma diluída pela distância que será imperceptível. Se, de alguma forma, essa estrela tornar-se um buraco negro com 50 vezes a massa do Sol, sua atração gravitacional a uma distância de 100 anos-luz será exatamente a mesma de antes e, portanto, ainda imperceptível.

A diferença é a seguinte: um objeto pode chegar muito mais perto do centro de um buraco negro que do centro de uma estrela gigantesca, de modo que pode sofrer um puxão gravitacional imensamente mais concentrado na vizinhança imediata de um buraco negro do que jamais poderá sentir perto da superfície de uma grande estrela da mesma massa, pois a superfície desta estará distante do centro.

Será possível, de alguma maneira, a detecção, a grandes distâncias, de tais intensidades gravitacionais imensamente concentradas?

Segundo a teoria da relatividade geral de Einstein, a atividade gravitacional libera ondas gravitacionais, as quais, em seu aspecto de partícula, são denominadas grávitons (da mesma forma que os aspectos de partículas das ondas de luz são denominados fótons). Contudo, os grávitons têm muito menos energia que os fótons e não podem ser concebivelmente detectáveis, a menos que presentes em energias invulgarmente altas e, mesmo assim, mal. Não conhecemos nada que venha, provavelmente, a produzir grávitons detectáveis — exceto, talvez, um grande buraco negro no processo de formação e crescimento.

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Em fins da década de 1960 o físico norte-americano Joseph Weber (1919 - ) usou grandes cilindros de alumínio, de várias toneladas cada um e separados por centenas de quilômetros, como detectores de grávitons; tais cilindros sofreriam uma ligeira compressão e expansão ao passarem ondas gravitacionais. Weber detectou assim as ondas gravitacionais, o que despertou considerável interesse científico. A conclusão mais fácil, se os dados de Weber estivessem corretos, era a de que acontecimentos de fantástica energia estão tendo lugar no centro da galáxia. Poderia estar localizado ali um grande buraco negro.

Entretanto, outros cientistas tentaram repetir as verificações de Weber e não conseguiram, de modo que a questão de os grávitons terem sido detectados ou não permanece duvidosa. Pode haver um buraco negro no centro da galáxia, mas o caminho utilizado por Weber para sua detecção está hoje abandonado, sendo necessário considerar outros meios de detectá-lo.

Um desses meios, ainda utilizando o intenso campo gravitacional de um buraco negro em suas vizinhanças, consiste em estudar o comportamento da luz ao passar por perto de um buraco negro. A luz descreverá uma ligeira curva na direção de uma fonte de gravitação; esse desvio é detectável mesmo quando a luz passa por um objeto como o Sol, que tem um campo gravitacional comum.

Suponhamos, pois, que haja um buraco negro exatamente entre uma galáxia distante e a Terra. Nesse caso, a luz da galáxia passaria pelo buraco negro, puntiforme e invisível, por todos os lados. A luz se curvaria em direção ao buraco negro de todos os lados e seria forçada a convergir em nossa direção. Assim, o buraco negro desviaria a luz, gravitacionalmente, do mesmo modo que uma lente a desvia de forma mais convencional. Por isso, o efeito é chamado de lente gravitacional.

Se virmos uma galáxia que, apesar de sua distância, parece anormalmente grande, podemos suspeitar que ela esteja sendo ampliada por uma lente gravitacional e que entre nós e essa galáxia haja um buraco negro.

No entanto, tal fenômeno ainda não foi observado.

Os buracos negros, entretanto, não estão sozinhos no universo; poderia haver matéria ordinária em suas vizinhanças. Se isso acontecer, objetos de dimensões razoáveis que se aproximem demasiadamente deles serão transformados em pó e, juntamente com matéria já na forma de pó e gás, ficarão girando em volta do buraco negro como um disco de acreção, aproximadamente 200 km além do raio de Schwarzschild.

A poeira e o gás em torno de um buraco negro poderiam permanecer nessa órbita eternamente, se cada uma das partículas não sofresse interferência. Entretanto, colisões mútuas provocam uma transferência de energia e algumas partículas, perdendo energia, aproximam-se do buraco

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negro e, por fim, podem ultrapassar o raio de Schwarzschild para nunca mais saírem.

De modo geral, haveria uma pequena e contínua fuga de partículas em direção ao buraco negro; essas partículas, entretanto, perdem energia gravitacional, que é convertida em calor, e são aquecidas ainda mais pelo esticamento e pela compressão dos efeitos de maré. O resultado é que atingem temperaturas colossais e emitem raios X.

Assim, embora não possamos detectar um buraco negro propriamente dito, cercado pelo vácuo completo, poderíamos, teoricamente, detectar um buraco negro que esteja tragando matéria, uma vez que essa matéria haveria de emitir raios X, como um canto de morte.

A radiação X tem de ser suficientemente intensa para ser detectada após muitos anos-luz de espaço, de modo que seria necessário que a matéria envolvesse mais que uma nuvem tênue de poeira ocasional. Deveriam ser torrentes de matéria rodopiando em direção ao buraco negro, e isso significa que o buraco negro teria de estar em um ambiente bastante preciso.

Por exemplo, é mais provável que os buracos negros sejam encontrados onde houver imensas concentrações de estrelas, muito próximas umas das outras e onde a acumulação de matéria pudesse atingir com mais facilidade o grau em que fosse inevitável, mais cedo ou mais tarde, a formação de buracos negros.

Existem, por exemplo, aglomerados globulares de estrelas em que algumas dezenas de milhares ou mesmo centenas de milhares de estrelas se aglomeram numa esfera bastante compacta. No ponto do universo em que nos encontramos as estrelas acham-se separadas por uma distância média de aproximadamente 5 anos-luz, ao passo que no centro de um aglomerado globular podem estar separadas por uma distância média de 1/2 ano-luz. Um volume dado de espaço num aglomerado globular poderia incluir 1.000 vezes mais estrelas que o mesmo volume em nossa área do universo.

Na realidade, vários aglomerados globulares têm sido classificados como fontes de raios X, havendo a possibilidade de que existam de fato buracos negros em seu centro. Calculam alguns astrônomos que tais buracos negros em aglomerados globulares possam ter massa 10 a 100 vezes maior que a do Sol.

As regiões centrais das galáxias assemelham-se a gigantescos aglomerados globulares, contendo dezenas de milhões ou mesmo centenas de milhões de estrelas. A separação média nas regiões centrais pode ser de 1/10 de ano-luz, podendo mesmo reduzir-se a 1/40 de ano-luz no centro. Um dado volume de espaço, num coração galáctico, pode ter centenas de milhares (ou mesmo milhões) de estrelas para cada estrela de volume semelhante em nossa própria área do universo.

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Esse amontoado não significa que as estrelas estejam batendo umas nas outras. Mesmo 1/40 de ano-luz representa 40 vezes a distância entre o Sol e Plutão; no entanto, a possibilidade de acontecimentos violentos certamente aumentaria ao crescer a densidade estelar no espaço. Nos últimos anos foram coletados indícios crescentes de explosões nos centros de galáxias — explosões tão violentas que os astrônomos não sabem definir as energias liberadas. Poderiam os buracos negros ser responsáveis, de uma forma ou de outra? Talvez!

Nem mesmo nossa, própria galáxia está imune; foi detectada no centro de nossa galáxia uma fonte muito compacta e enérgica de microondas, e é tentador supor que haja ali um buraco negro. Certos astrônomos chegam mesmo a especular que nosso buraco negro galáctico tenha uma massa de 100 milhões de estrelas, de modo que ele deve ter massa igual a 1/1.000 de toda a Galáxia. Teria um diâmetro de 700.000.000 km, o que lhe dá dimensões de uma grande gigante vermelha. No entanto, sua massa é tão maior que destroça estrelas inteiras através de efeitos de maré, se elas se aproximarem excessivamente, ou as engole inteiras antes que se possam fragmentar, caso a aproximação seja suficientemente rápida.

Talvez todo aglomerado globular e toda galáxia tenha um buraco negro em seu centro, só recebendo sem nunca dar, tragando matéria normal implacavelmente e sempre crescendo. Terminarão por engolir tudo? Teoricamente sim, mas a um ritmo lentíssimo. O universo tem 15 bilhões de anos e, no entanto, ainda existem aglomerados globulares e galáxias que não foram engolidos. Já houve até mesmo a sugestão de que os buracos negros centrais sejam antes criadores que devoradores de aglomerados e galáxias. Os buracos negros podem ter surgido primeiro e depois servido como "semente", juntando estrelas em torno de si como superdiscos de acreção, que se tornaram aglomerados e galáxias.

Por mais construtivo, porém, que o buraco negro tenha sido de início, no momento ele está tragando matéria, e por mais lentamente que a absorva, não seria nada confortável estar nas proximidades de um deles. Se realmente houver um buraco negro no centro de toda galáxia, o que está mais próximo de nós é o do centro de nossa própria galáxia — a 30.000 anos-luz. Essa é uma distância confortável, mesmo com um gigantesco buraco negro na outra extremidade.

Se realmente houver um buraco negro no centro de todo aglomerado globular, o mais próximo de nós é o do aglomerado conhecido como Omega Centauri, que se acha a 22.000 anos-luz de distância — ainda uma distância tranqüilizante.

Até agora, porém, a existência de buracos negros nos centros de aglomerados e galáxias não passa de especulação; não podemos ver o interior de um aglomerado ou de um coração galáctico para estudar seu

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centro diretamente. A vasta quantidade de estrelas periféricas o oculta, e toda indicação indireta que obtemos, na forma de raios X ou mesmo ondas gravitacionais, provavelmente não será conclusiva no futuro previsível.

Haverá alguma coisa mais, então?

Suponhamos que consideremos não vastas conglomerações de estrelas, mas apenas pares. Suponhamos que consideremos binários.

Podemos inferir a massa total de um binário se a distância a que se encontra de nós e seu período de revolução puderem ser determinados. Se uma estrela parece muito pequena, mas, no entanto, apresenta grande massa, podemos afirmar que ela se acha numa ou noutra fase de contração. Foi assim que se detectou a companheira de Sirius e foi assim que finalmente ela foi classificada como uma anã branca.

Suponhamos, a seguir, um binário cujos dois membros se contraíram em buracos negros. Suas massas, por mais invisíveis que sejam por observação direta, ainda giram uma em torno da outra e ainda estão, com toda probabilidade — se forem suficientemente jovens — coletando destroços da matéria explodida durante a ocorrência de uma supernova. Assim, seria detectada uma fonte dupla de raios X, revolvendo em torno de um centro de gravidade. Conhecem-se hoje oito binários emissores de raios X, mas a natureza da fonte permanece desconhecida.

E se apenas uma estrela de um sistema binário se transformar num buraco negro? Sua companheira, que poderia facilmente estar a bilhões de quilômetros, será impelida pela energia e se verá percorrendo um volume de espaço muito mais cheio de poeira do que era antes, devido à matéria ejetada na supernova que precedeu a formação do buraco negro.

Essa companheira pode tornar-se mais quente, ao coletar parte da matéria, o que encurtará sua vida, mas por ora ela permanece na seqüência principal. A atração gravitacional a que é submetida não aumenta, como resultado do novo buraco negro que tem como companheiro; ao invés disso, é provável que diminua, devido à perda de massa na explosão tipo supernova de sua companheira.

Da Terra, o que se observaria seria uma estrela normal da seqüência principal, movendo-se em torno de um centro de gravidade em cujo lado oposto não haveria nada senão uma intensa fonte de raios X.

Esses raios X indicariam a presença de uma estrela de nêutrons ou de um buraco negro? Há diferenças que poderiam ser utilizadas para identificação. Os raios X de uma estrela de nêutrons talvez apresentassem a forma de pulsos regulares correspondendo aos pulsos de microondas. Com efeito, já se detectaram dois desses pulsares de raios X, Centauro X-3 e Hércules X-1. Os raios X provenientes de um buraco negro variariam

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irregularmente, pois a matéria seria tragada às vezes em quantidades abundantes, outras vezes em quantidades esparsas. Além disso, se tal fonte puntiforme de raios X tiver uma massa superior a 3,2 a do Sol, terá que ser um buraco negro. (Se vier a ser comprovado que um objeto com massa superior a 3,2 vezes a do Sol é, sem qualquer dúvida, uma estrela de nêutrons, isso destruirá toda a teoria dos buracos negros. Até hoje uma estrela de nêutrons de massa tão grande não foi encontrada.)

No começo dos anos 60, quando se descobriram as primeiras fontes de raios X no céu, localizou-se uma fonte particularmente intensa, por meio de observação através de foguetes, na constelação do Cisne. Essa fonte, localizada em 1965, foi denominada Cisne X-1.

Em 1969, assinalando o quinto aniversário da independência do Quênia, foi lançado da costa desse país um satélite detector de raios X. Esse satélite, que recebeu o nome de Uhuru, palavra swahili que significa "liberdade", multiplicou o conhecimento das fontes de raios X a níveis inimaginados, detectando 161 dessas fontes, metade delas em nossa própria galáxia e 3 em aglomerados globulares.

Em 1971 o Uhuru detectou uma acentuada mudança na intensidade dos raios X de Cisne X-1, o que praticamente eliminou esse objeto como uma possível estrela de nêutrons, aumentando a possibilidade de ser ele um buraco negro. Concentrando-se as atenções em Cisne X-1 detectaram-se também microondas, e isso possibilitou localizar com exatidão a fonte, bem ao lado de uma estrela visível.

Essa estrela era a HD-226868, uma estrela grande, azul e quente, da classe espectral B e com massa aproximadamente 30 vezes maior que a de nosso Sol. C. T. Bolt, da Universidade de Toronto, demonstrou que HD-226868 era um binário, que gira claramente em órbita com um período de 5,6 dias — órbita cuja natureza faz crer que a outra estrela tenha de 5 a 8 vezes a massa do Sol.

A estrela companheira não pode ser vista, porém, ainda que seja uma intensa fonte de raios X; se não pode ser vista, deve ser muito pequena. Tem massa excessivamente grande para ser uma anã branca ou uma estrela de nêutrons, e daí se infere, portanto, que seja um buraco negro.

Além disso, HD-226868 parece estar se expandindo, como se estivesse entrando no estágio de gigante vermelha. Sua matéria estaria, nesse caso, derramando-se sobre o buraco negro que tem como companhia, e isso explicaria por que esse buraco negro constitui uma fonte tão intensa de raios X.

Esses, no entanto, são indícios indiretos, e nem todos os astrônomos concordam que Cisne X-1 seja um buraco negro, o que depende muito da distância entre os membros do binário. Quanto maior for a distância, maior

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será a massa que deverão ter as estrelas para apresentarem um período orbital tão curto, e mais provável será que Cisne X-1 tenha massa suficientemente grande para ser um buraco negro. Alguns astrônomos sustentam que o binário acha-se consideravelmente mais próximo que os 10.000 anos-luz geralmente considerados como a distância que separa os dois membros do binário, e nesse caso Cisne X-1 não é um buraco negro. O consenso, todavia, parece favorecer (pelo menos por enquanto) a hipótese do buraco negro.

Já se observaram alguns outros binários nos quais um dos membros do par pode ser um buraco negro; entre eles estão fontes de raios X conhecidas como X Persei e Circinus X-1.

Existem também possibilidades da existência de buracos negros em que a emissão de raios X não é um fator; em certos casos pode-se deduzir a existência de um binário muito próximo pelo comportamento das raias espectrais. A julgar pelo comportamento dessas raias espectrais Epsilon Aurigae parece estar girando em torno de uma companheira invisível, Epsilon Aurigae B. Além disso, dados espectroscópicos fazem crer que Epsilon Aurigae A, a estrela visível, tenha massa 17 vezes maior que a do Sol, ao passo que Epsilon Aurigae B, a estrela invisível, tem massa 8 vezes maior que a solar. Mais uma vez, a combinação de invisibilidade e grande massa indica a possibilidade de que Epsilon Aurigae B seja um buraco negro (embora alguns astrônomos afirmem que ela é invisível por se tratar de uma nova estrela em período de formação e que ainda não entrou em ignição).

MINIBURACOS NEGROS

Se os buracos negros existem apenas nos centros das galáxias, haveria então somente um em nossa galáxia. Se existissem também no centro dos aglomerados globulares, haveria cerca de 200 em nossa galáxia. Entretanto, se existirem também como parte de sistemas binários comuns, poderão existir em grande número. Afinal de contas, existem dezenas de bilhões de binários em nossa galáxia.

Ademais, não há porque serem apenas parte de sistemas binários. Sucede que a companheira próxima revela a existência de um buraco negro, e é por isso que pensamos neles como parte de binários. Os buracos negros poderiam também surgir a partir de estrelas isoladas e, nesse caso, sem matéria próxima que produza raios X e sem uma companheira próxima que possibilite uma comparação de massa poderiam ser de detecção impossível, mas nem por isso deixariam de existir.

Levando tudo isso em conta, alguns astrônomos suspeitam que é possível existir pelo menos um bilhão de buracos negros de dimensões estelares em qualquer galáxia como a nossa. Se isso for verdade e se os buracos negros tiverem uma distribuição mais ou menos uniforme, a distância

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média entre eles é de 40 anos-luz e qualquer estrela estaria, em média, a 20 anos-luz de um ou outro buraco negro.

Evidentemente, o mais provável é que os buracos negros estejam distribuídos com a mesma falta de uniformidade das estrelas. Noventa por cento de todas as estrelas de nossa galáxia (ou de qualquer galáxia semelhante) situam-se na região central, relativamente pequena. Apenas 10% se encontram nos braços espiralados, volumosos mas esparsamente povoados, onde se localiza nosso próprio Sol. Poderia ocorrer, portanto, que apenas 10% dos buracos negros de nossa galáxia estejam localizados nos braços em espiral, mas eles se acham bem espalhados ali, e é provável que o buraco negro mais próximo de nós se encontre a várias centenas de anos-luz.

É claro que, ao falarmos sobre os buracos negros, estivemos falando até agora de buracos negros com massas iguais às das estrelas de grande massa, e há realmente astrônomos que julgam que o buraco negro típico tenha uma massa 10 vezes maior que a de nosso Sol.

Seria de crer que buracos negros muito menores não possam existir, posto que apenas objetos de dimensões estelares possuem campo gravitacional suficientemente grande para produzir uma compressão bastante intensa para romper a barreira de neutrônio e produzir um buraco negro.

Contudo, segundo a teoria da relatividade geral de Einstein, os buracos negros podem ser de qualquer tamanho. Todo objeto que possua massa, não importa quão pequena ela seja, possui também um campo gravitacional; se o objeto for comprimido num volume cada vez menor, esse campo gravitacional torna-se cada vez mais intenso em sua vizinhança imediata e por fim a velocidade de escape de sua superfície passa a ser maior que a velocidade da luz. Esse objeto terá, em outras palavras, encolhido além de seu raio de Schwarzschild.

A Terra se tornaria um buraco negro se encolhesse até um diâmetro de 0,87 cm (tamanho de uma pérola grande). Uma massa do tamanho do Everest se tornaria um buraco negro se reduzido às dimensões de um núcleo atômico.

Poderíamos continuar com esses exemplos até chegarmos à menor massa conhecida, a do elétron, mas há sutis razões teóricas para supormos que massas com menos de 10-5 gramas sejam incapazes de formar buracos negros. Uma massa de 10-5 gramas (um pedacinho de matéria no limite da visão desarmada) se tornaria um buraco negro se fosse reduzida a um diâmetro de aproximadamente 10-33 cm, quando teria uma densidade de 1094

g/cm3. (À tal densidade, um objeto do tamanho de um núcleo atômico teria uma massa igual à de todo o universo.)

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Mas o que poderia, concebivelmente, comprimir objetos pequenos e transformá-los nesses miniburacos negros? Não poderiam ser seus próprios campos gravitacionais, de forma que teria de ser uma força compressiva externa. Mas que força externa pode ser tão forte para produzi-los?

Em 1971 o astrônomo inglês Stephen Hawking sugeriu que uma força possível ter-se-ia feito sentir no momento em que se formou o universo — a força da própria grande explosão. Havendo vastas quantidades de matéria explodindo por todo lado, algumas partes diferentes da substância em expansão poderiam colidir. Parte dessa matéria em colisão poderia ser então apertada, sob pressões fantásticas de todos os lados. A matéria comprimida poderia encolher ao ponto em que a intensidade gravitacional acumulada a mantivesse encolhida para sempre.

Não existe, evidentemente, nenhuma prova da existência desses miniburacos negros, nem mesmo no grau em que Cisne X-1 proporciona indícios da existência de buracos negros de dimensões estelares. Além disso, certos astrônomos desdenham inteiramente a idéia e acreditam que só existam buracos negros com massas apreciavelmente maiores que as de nosso próprio Sol.

Não obstante, se os miniburacos negros existem, é provável então que sejam muito mais numerosos que os de dimensões estelares. Seria crível, pois, que se existem buracos negros de dimensões estelares espalhados com separações médias de 40 anos-luz, haja toda uma legião de buracos negros de tamanho moderado a microscópico, separados por intervalos muito menores? Poderia o espaço estar cheio deles? Acredita Hawking que possa haver até 300 por ano-luz cúbico no universo.

É importante recordar que não há nenhum indício que confirme essa teoria. Mas se os miniburacos negros estiverem densamente espalhados pelo espaço, o efeito gravitacional total é diminuto e só pode ser detectado na vizinhança imediata do objeto — à distância de alguns quilômetros, alguns centímetros, alguns micrômetros, dependendo de seu tamanho.

A rigor, tais minúsculos buracos negros só podem estar crescendo incessantemente, pois tragarão qualquer partícula de poeira com que colidam —: pelo menos é essa a idéia geral que se tem da questão. (Hawking adianta também razões sutis para se supor que os miniburacos negros possam perder massa, e que os realmente pequenos "evaporem" e explodam antes que possam ganhar muita massa.)

Se um miniburaco negro colidir com um objeto maior, ele simplesmente o perfurará, saindo do outro lado. O miniburaco negro engolirá o primeiro pedaço de matéria com que colidir, liberando, no processo, energia suficiente para derreter e vaporizar a matéria imediatamente seguinte. Depois disso ele atravessará o vapor quente, absorvendo-o de passagem, aumentando o calor

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e saindo do objeto por fim, como um buraco negro consideravelmente maior do que era ao entrar.

(Se um miniburaco negro entrar num corpo maior que tenha muito pouca energia de movimento, ele poderá ficar preso dentro do corpo e alojar-se, por fim, em seu centro, onde poderá gradualmente cavar um buraco para si e continuar a crescer num ritmo cada vez mais lento, como um parasita consumindo seu hospedeiro.)

A rigor, o volume de tais miniburacos negros é tão pequeno, a gravitação total tão diminuta e o volume e o vazio do espaço tão enormes que as colisões devem ser realmente raríssimas. Em todos os 15 bilhões de anos desde a grande explosão a vasta maioria dos minúsculos buracos negros deve ter ganho tão pouca massa que estes são ainda minúsculos e de detecção impossível.

É claro que, probabilisticamente, um miniburaco negro poderia colidir com a Terra. O calor produzido durante sua passagem pela atmosfera seria suficiente para produzir efeitos espetaculares que as pessoas não poderiam deixar de notar, e sua passagem através da Terra poderia também produzir efeitos.

Isso já aconteceu?

Não sabemos. Não há nenhum indício, ao que saibamos, de que algo semelhante tenha ocorrido nos tempos pré-históricos, mas como saber ao certo? Teria Sodoma sido destruída devido à colisão com o buraco negro? Como sabermos? A destruição poderia ter sido causada por um meteorito comum, uma erupção vulcânica e um terremoto, ou toda a história poderia ser mítica. Os dados são insuficientes para uma avaliação.

Teria acontecido nos tempos históricos alguma coisa passível de ser atribuída a um miniburaco negro?

A 30 de junho de 1908 algo que se pensou de início ser a colisão de um grande meteoro ocorreu na região de Tunguska, na Sibéria central. Num raio de 30 km, em todas as direções, todas as árvores foram derrubadas e um rebanho de 500 cabeças de renas foi dizimado. Posteriormente, pesquisas rigorosas na área não revelaram nenhuma cratera e nenhum fragmento de meteoro.

Os pesquisadores concluíram que a explosão devia ter ocorrido na atmosfera. Alguns supunham que poderia ter sido um pequeno cometa constituído de materiais congelados e que se derreteram e vaporizaram na passagem pela atmosfera, criando uma explosão colossal e dispersando sobre a Terra fragmentos de cascalho (incrustados no gelo) de modo que não se puderam descobrir marcas perceptíveis.

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Outros acreditavam tratar-se de um exemplo da colisão de anti-matéria com a Terra. A antimatéria é composta de material semelhante à matéria ordinária, com a diferença de que as partículas subatômicas que a constituem têm propriedades opostas às que constituem a matéria ordinária. A antimatéria interage com a matéria, convertendo tudo, de ambos os lados, em energia. Uma partícula de antimatéria que atinja a matéria normal da Terra desaparecerá, levando consigo uma massa igual de matéria normal e produzindo uma explosão idêntica à de uma bomba de hidrogênio com uma ogiva nuclear com massa cerca de 15 ou mais vezes maior que a sua própria.

Já se chegou mesmo a sugerir que a explosão foi causada pelo sinistro de uma espaçonave de propulsão nuclear, tripulada por seres extraterrestres.

Uma outra sugestão, entretanto, é de que a explosão foi provocada por um miniburaco negro, o qual criou uma enorme explosão ao passar pela atmosfera, entrou na Terra obliquamente, atravessou-a e absorveu mais matéria, emergindo por fim no Atlântico Norte, onde produziu um imenso esguicho de água e uma explosão que não foram vistos nem ouvidos pelo homem. Depois disso, continuou seu caminho pelo espaço, consideravelmente maior do que antes, mas ainda assim um miniburaco negro.

Evidentemente, essa idéia não passa de especulação, também. Alguns astrônomos observam que um miniburaco negro que atravessasse a Terra e saísse pelo oceano poderia ter dado início a terremotos e teria certamente provocado uma onda de maré — e nada disso aconteceu juntamente com o episódio de 1908.

Simplesmente não há, ainda, maneira de se corroborar ou desmentir a explicação do acontecimento de 1908 como tendo sido causado por um miniburaco negro. Talvez nunca tenhamos uma maneira de fazê-lo, a menos que um fato idêntico torne a acontecer hoje, época em que os cientistas têm conhecimento a respeito do universo muito maior que em 1908.

O USO DOS BURACOS NEGROS

É claro que nenhum cientista, por mais dedicado que seja, pode encarar com satisfação a possibilidade de uma colisão entre um miniburaco negro e a Terra. Se o acontecimento de 1908 não houvesse, por felicidade, ocorrido numa das poucas áreas da Terra onde não viviam seres humanos em muitos quilômetros em todas as direções, talvez ele provocasse uma medonha destruição de vidas e bens.

Pode-se facilmente imaginar que tal colisão devastaria inteiramente cidades como Washington ou Moscou, por exemplo. Os resultados poderiam assemelhar-se de tal modo à explosão de uma bomba de hidrogênio que a

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superpotência atingida poderia lançar um ataque de retaliação antes de vir a tomar conhecimento da verdade, e toda a Terra poderia ser arrasada.

Naturalmente, nunca é demais repetir que o incidente siberiano pode não ter sido causado por um miniburaco negro; que pode não haver absolutamente miniburacos negros e que, se existirem, as probabilidades de colisão podem ser muito menores que as de um homem ser atingido por um meteorito enquanto está dormindo na cama. Ainda assim... e se os miniburacos negros existirem? Poderíamos aprender a nos proteger deles. Se os homens algum dia chegarem a ter observatórios e colônias em outros mundos do sistema solar e em estruturas artificiais no próprio espaço, pode haver oportunidade de estudar os miniburacos negros em seu terreno nativo, por assim dizer, e em condições que não envolvam uma colisão com a Terra.

Na verdade, podemos até mesmo sonhar com o desenvolvimento de técnicas para captura de um miniburaco negro, através de seu campo gravitacional (intensíssimo em sua vizinhança imediata, mas ínfima no total) e obrigá-lo a desviar-se em sua rota, se ele estivesse a caminho da Terra. Esse seria um efeito colateral da exploração do espaço que justificaria qualquer investimento.

Aqueles que especulam muito além da atual capacidade da ciência e que gostam de construir visões fantásticas do futuro* poderiam até mesmo nutrir esperanças de que estejamos relativamente perto de um buraco negro (ainda que a uma distância suficiente para nos sentirmos seguros).

Um buraco negro é, afinal de contas, uma fantástica fonte de energia; qualquer objeto que nele penetre irradiará, no processo, grande quantidade de energia.

A maior parte da energia de qualquer objeto reside em sua massa uma vez que cada grama de massa equivale a 9 X 1020 ergs de energia. A energia que obtemos ao queimar petróleo ou carvão, por exemplo, utiliza apenas uma

* Entre essa categoria de pessoas incluo a mim mesmo, uma vez que (come leitor talvez saiba) sou um escritor de ficção científica de alguma reputação.

pequena fração de 1% da massa do combustível. Mesmo as reações nucleares liberam apenas cerca de 2% da massa. Um objeto que rodopie em direção a um buraco negro ou, em certas condições, que passe perto dele sem verdadeiramente colidir pode converter até 30% de sua massa em energia.

Além disso, somente certas substâncias podem ser queimadas para proporcionar energia; apenas certos núcleos atômicos podem ser fissionados ou fundidos para gerar energia. Entretanto, qualquer coisa criará energia ao cair num buraco negro. O buraco negro é uma fornalha universal, e tudo quanto exista e tenha massa é seu combustível.

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Talvez possamos imaginar alguma civilização avançadíssima do futuro explorando a energia do buraco negro, lançando asteróides em seu interior como atiramos carvão numa fornalha comum. Nesse caso, se a galáxia possuir centenas ou mesmo milhares de civilizações avançadas (como alguns astrônomos suspeitam que pode ocorrer), essas civilizações seriam aquelas suficientemente próximas a buracos negros de dimensões razoáveis, que detenham o mais abundante suprimento de energia disponível e que floresçam como fazem as nações terrestres quando dispõem de grandes recursos energéticos.

Na verdade, é muitíssimo improvável que venhamos a encontrar grandes buracos negros que possam ser usados como uma fornalha universal. Tampouco poderíamos estar realmente ansiosos por encentrar um deles a poucos anos-luz de distância, uma vez que quanto maiores são, mais perigosos se tornam.

Talvez seja melhor, até chegar uma época em que nossa tecnologia tenha avançado o suficiente, tirarmos proveito dos miniburacos negros, muito mais comuns (se é que existem mesmo) e fazer uso de meios mais convencionais de produzir energia.

Suponhamos que encontremos um miniburaco negro em algum ponto do sistema solar, atravessando o Sol, ou, melhor ainda, orbitando em torno dele. Poderíamos, em ambos os casos, capturá-lo através de seu campo gravitacional, atrelá-lo a algum objeto de grande massa e colocá-lo em órbita em torno da Terra (se uma humanidade nervosa o permitir).

Uma corrente de pelotas de hidrogênio congeladas poderia ser disparada na direção do miniburaco negro, de modo que roçassem o raio de Schwarzschild sem penetrar nele. Efeitos de maré aquecerão o hidrogênio ao ponto de fusão, de modo que na outra extremidade sairá hélio. O miniburaco negro constituirá então o mais seguro e o mais simples reator de fusão nuclear possível, e a energia que ele produzir poderá ser armazenada e enviada à Terra.

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Fins e Começo

O FIM ?

É inevitável que sintamos curiosidade quanto ao que pode ocorrer à matéria que cai num buraco negro.

É dificílimo satisfazer essa curiosidade; com efeito, tudo que podemos fazer é especular, pois não temos meios de saber se qualquer uma das leis da natureza que foram tão penosamente definidas pela observação do universo em torno de nós se aplica nas condições extremas do buraco negro. Não podemos de modo algum duplicar essas condições aqui na Terra, nem podemos observá-las no céu, uma vez que não temos conhecimento de nenhum buraco negro em nossa vizinhança.

Daí, só nos resta pressupor que as leis da natureza continuarão válidas e tentar imaginar o que poderia acontecer.

Uma coisa que poderia acontecer é que o pior não aconteça ou, pelo menos, não seja observado. Por exemplo, como pode a massa ser comprimida a volume zero e densidade infinita na singularidade de Schwarzschild? Isso de tal forma tortura o pensamento que temos de procurar alguma coisa que o impeça.

Por exemplo, a teoria de Einstein leva a crer que o aumento da intensidade da gravidade tenha o efeito de retardar a passagem do tempo.

Isso não é algo que possamos observar com facilidade no universo, pois fora dos buracos negros e das estrelas de nêutrons as intensidades gravitacionais que encontramos têm efeito desprezível sobre o ritmo do tempo.

Por isso, se pudéssemos observar alguma coisa caindo num buraco negro, nós a veríamos movendo-se cada vez mais devagar à medida que se aproximasse do raio de Schwarzschild, cada vez mais lentamente, até que ao

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chegar nele não a veríamos parar. Contudo, à medida que se aproxima, o desvio para o vermelho de Einstein, também dependente da intensidade gravitacional, rouba à luz e à radiação análoga a esta uma parcela cada vez maior de sua energia. O objeto que cai se torna mais opaco enquanto retarda seu movimento, e ao chegar ao raio de Schwarzschild, onde se detém, também se torna invisível, O resultado é que não podemos observar coisa alguma dentro do raio de Schwarzschild.

Se imaginarmos um astronauta caindo num buraco negro e conservando a consciência e a capacidade de perceber o meio ambiente, ele não sentiria nenhuma modificação no ritmo da passagem do tempo; essa mudança é uma coisa cuja existência só um observador externo perceberia.

O astronauta que caísse num buraco negro ultrapassaria o raio de Schwarzschild sem saber que havia alguma espécie de barreira e continuaria a cair em direção à singularidade; contudo, uma forma de interpretar os acontecimentos que se seguem consiste em supor que do ponto de vista do astronauta a distância diante dele se expandiria enquanto ele caísse, de modo que mesmo que ele caísse eternamente, jamais atingiria o centro. Dentro dessa perspectiva, o buraco negro é um buraco sem fundo.

Ainda que, segundo qualquer dessas duas maneiras de se imaginar objetos caindo num buraco negro, não haja nem chegada ao centro, nem volume zero, nem densidade infinita — não existe também volta. A queda é irreversível, de modo que mais uma vez vamos considerar o possível fim do universo.

Se não existe, realmente, nenhuma maneira de inverter ou neutralizar o buraco negro, então os que existem atualmente só podem crescer; e podem surgir novos.

Se existe um buraco negro no centro de toda galáxia e no centro de todo aglomerado globular, então, por fim (por mais tempo que isso leve) toda galáxia há de se tornar um grande buraco negro cercado por buracos negros satélites, muito menores.

Dois buracos negros podem colidir e formar um só, mas, uma vez formado, um buraco negro não pode dividir-se. Por conseguinte, podemos imaginar que mais cedo ou mais tarde os buracos negros dos aglomerados globulares, em sua órbita em torno do buraco negro galáctico, venham a fundir-se uns com os outros e, por fim, com o central, de modo que, havendo tempo suficiente, toda a galáxia será um só buraco negro.

As unidades galácticas podem consistir em apenas uma galáxia, mas podem também compor-se de várias galáxias (em casos extremos, de vários milhares delas) unidas pela atração gravitacional. Cada galáxia numa unidade pode ser um buraco negro, e também esses podem fundir-se.

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Será lícito prosseguirmos e supor que todos os buracos negros do universo venham por fim a fundir-se num buraco negro universal?

Não necessariamente. O universo está em expansão, de modo que as distâncias que separam as unidades galácticas (sejam elas galáxias isoladas ou aglomerados galácticos) estão incessantemente aumentando. A maioria dos astrônomos parece crer que isso continuará a ocorrer indefinidamente no futuro; se assim for, temos a visão de um universo constituído de bilhões de buracos negros, cada qual com uma massa de milhões a trilhões de vezes maior que a de nosso Sol, afastando-se interminavelmente uns dos outros.

Contudo, o próprio ato de expansão pode criar uma mudança.

Em 1937 o físico inglês Paul Adrien Maurice Dirac (1902-) fez a sugestão espantosa de que a intensidade da força gravitacional em geral depende das propriedades do universo. Quanto maior a densidade média do universo, mais forte é a força de gravidade em relação às outras forças do universo.

Uma vez que o universo está se expandindo, a densidade geral da matéria está diminuindo, ao espalhar-se por um volume cada vez maior. É devido a grande expansão que já teve lugar (segundo essa concepção) que a força gravitacional é tão fraca em comparação com as outras, e à medida que o universo continuar a expandir-se, ela se tornará ainda mais fraca.

Ainda não foi possível comprovar pela observação a teoria de Dirac, e muitos físicos suspeitam de que a constante gravitacional (o valor que determina a intensidade básica da força gravitacional) seja não só a mesma em todas as partes do espaço como também não varie no tempo. Não obstante, se a hipótese de Dirac vier a ser comprovada, ela alterará o quadro que acabamos de descrever.

À medida que o universo se expande e a gravitação se torna cada vez mais fraca, os objetos mantidos coesos basicamente pela força da gravidade se expandirão, tornando-se menos compactos e menos densos. Isso incluirá as anãs brancas, as estrelas de nêutrons já formadas e também os buracos negros. A tendência será no sentido de todos os objetos incharem, transformando-se em matéria mantida coesa pela força eletromagnética, ou mesmo deixarem de ser coesos. Até os buracos negros haverão de restituir sua matéria, pouco a pouco, e por fim o universo será uma nuvem vasta e incrivelmente tênue de cascalho, poeira e gás, tornando-se interminavelmente mais vasta e mais tênue. Nesse caso, seria de crer que o universo começou como uma gigantesca massa de matéria comprimida e que há de terminar como um imenso volume de matéria rarefeita.

Isso levanta um problema: de onde veio a matéria comprimida? Não há porque nos preocuparmos com a matéria em si, pois ela representa apenas uma forma muito compacta de energia, e poderíamos supor que a energia

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tenha sempre existido e que há de existir para sempre — grande parte dela na forma de matéria. A questão é saber como a matéria veio a ser comprimida no ovo cósmico, para começar.

Poderíamos supor que se considerarmos que o universo progride de comprimido para expandido, estamos levando em conta somente metade do ciclo vital.

Suponhamos que o universo tenha começado com um volume interminavelmente tênue de cascalho, poeira e gás. Lentamente, no decurso de eras e eras, ele se condensou até formar o ovo cósmico, que então explodiu e que, no decurso de eras e eras incrivelmente longas, vem restaurando a matéria como ela era. Por acaso, estamos vivendo no breve período (apenas 15 bilhões de anos) após a explosão.

No entanto, de alguma forma, a idéia do universo como uma coisa acontecida uma vez só parece vagamente insatisfatória. Se a matéria dispersa pôde juntar-se, fundir-se, contrair-se e finalmente formar um ovo cósmico, por que não pode a matéria dispersa que constitui o produto final da explosão do ovo cósmico (quer consista de buracos negros, quer seja composta de matéria dispersa) juntar-se novamente, contrair-se mais uma vez e formar um segundo ovo cósmico?

Por que isso não pode repetir-se indefinidamente? Por que, em suma, não poderia haver um incessante universo oscilante?

Os astrônomos estudaram as condições necessárias para produzir um universo oscilante; a escolha depende de alguma coisa como a velocidade de escape. Há uma certa força gravitacional entre as unidades galácticas do universo em geral, e há uma velocidade de escape associada a essa força. Se o universo estiver se expandindo a uma velocidade maior que a de escape, então ele se expandirá para sempre e jamais se contrairá. Se a expansão for a uma velocidade menor que a de escape, então a atual expansão terá que interromper-se um dia, tendo início então a contração.

Mas a atual velocidade de expansão é maior ou menor que a velocidade de escape? Isso depende do valor da velocidade de escape, a qual depende do valor da força gravitacional geral entre as unidades galácticas, que depende, por sua vez, da densidade média da matéria no universo.

Quanto maior essa densidade média de matéria no universo, maior a força gravitacional entre as galáxias, maior a velocidade de escape — e maior a probabilidade de que a atual velocidade de expansão não seja maior que a velocidade de escape e de que o universo haverá de oscilar, de que ele seja fechado.

Evidentemente, é difícil determinar a densidade média do universo, já que é difícil saber quanta massa total existe num volume suficientemente

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grande para ser representativo do todo. Utilizando os melhores dados disponíveis, alguns astrônomos parecem convictos de que a densidade média é aproximadamente igual a apenas 1/100 do valor necessário para a oscilação e que o universo é aberto e destinado a se expandir perpetuamente. (Se a força gravitacional estiver diminuindo à medida que o universo se expande, então uma densidade média ainda maior é necessária para a oscilação, e a densidade aparente afasta-se ainda mais daquele valor necessário.)

No entanto, embora os argumentos contrários a um universo fechado e oscilante pareçam fortes, serão eles realmente a palavra final? Aglomerados de galáxias que parecem ser mantidos juntos pela atração gravitacional não parecem ter, entretanto, massa suficiente para proporcionar essa atração. Deveriam estar se dispersando, em resposta à expansão geral do universo e, no entanto, não parecem estar procedendo assim. Existe, por conseguinte, aquilo que se convencionou chamar de problema da massa perdida.

Poderá essa massa perdida consistir em buracos negros? Exceto em pouquíssimos casos, não há meio de se detectar buracos negros, e não temos a mais remota idéia da quantidade de massa que está presa indetectavelmente nesses buracos negros, de todos os tamanhos. Parece difícil acreditar que os buracos negros encerrem centenas de vezes a massa total de todos os objetos visíveis do universo. No entanto, estamos pisando a fronteira do que podemos observar e deduzir, e não podemos ter muita certeza disso ou daquilo. Os indícios parecem apontar para um universo aberto e em constante expansão, mas pode ser que, computando-se os buracos negros, exista afinal de contas matéria suficiente para manter o universo fechado e oscilando.

BURACOS DE MINHOCA E BURACOS BRANCOS

A aflição causada por um universo aberto, em contínua expansão e de ocorrência única é tal que os astrônomos parecem debater-se num esforço de fugir aos indícios que apontam nessa direção.

Em 1948 Thomas Gold, juntamente com os astrônomos ingleses Fred Hoyle e Hermann Bondi, tentou contornar esses indícios com uma sugestão que veio a ser conhecida como a do universo em criação contínua; a idéia era a de que a matéria seria criada continuamente, um átomo de cada vez, aqui e ali no universo. A criação da matéria se faria a um ritmo tão lento que não poderíamos detectá-la.

Não obstante, à medida que o universo se expandisse e o espaço entre as unidades galácticas aumentasse, seria formada matéria suficiente para se transformar em novas galáxias nesse espaço intermediário. Ao todo, formar-se-iam galáxias suficientes para compensar a dispersão das antigas; o universo seria uma vasta colcha de retalhos de galáxias, variando desde as

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recém-formadas até as moribundas, passando por todos os estágios de evolução. O universo ocuparia um espaço infinitamente grande e de duração eterna no tempo. Estrelas e galáxias nasceriam e morreriam, mas o universo como um todo seria imortal, nem nascendo nem morrendo.

Tratava-se de uma teoria cativante, mas os indícios a seu favor eram quase inexistentes e assim permaneceram. Na verdade, diminuíram. Se o universo de criação contínua era o que realmente existia, então jamais teria ocorrido uma grande explosão. Por esse motivo, tudo quanto parecesse consubstanciar a teoria da grande explosão tendia a desmentir a criação contínua.

Em 1964 o físico americano Robert Henry Dicke (1916-) observou que a grande explosão, se ocorreu há 15 bilhões de anos atrás, deve ter deixado vestígios que ainda agora poderiam ser visíveis a 15 bilhões de anos-luz de distância (pois a luz leva 15 bilhões de anos para chegar aqui, vinda daquela distância, de modo que a luz da grande explosão está chegando agora).

A radiação da grande explosão, de um tipo muito enérgico e de ondas curtas, sofreu um pronunciado desvio, devido a essa vasta distância, para a extremidade vermelha do espectro, de baixa energia. No desvio, ela passou além do vermelho, entrando na porção de microondas, muito mais longa e de baixa energia, do espectro. Como a grande explosão deve ser visível a 15 bilhões de anos-luz em qualquer direção, as microondas têm de vir de todas as partes do céu como uma radiação de fundo.

Em 1965 dois cientistas da Bell Telephone Laboratories, Arno A. Penzias e Robert W. Wilson, demonstraram a existência de uma leve radiação de fundo com exatamente as características previstas por Dicke. A grande explosão havia sido detectada e a criação contínua está morta (pelo menos por ora).

Esse caminho para evitar o universo aberto não deu em nada; entretanto, há outros, e para chegarmos a esses, voltemos aos buracos negros.

Até agora temos falado sobre buracos negros que têm apenas uma propriedade — massa. Se um quilo de platina, de hidrogênio ou de tecido vivo é acrescentado a um buraco negro, o que se acrescenta é um quilo de massa, sem qualquer história de seu estado anterior.

Um buraco negro pode possuir duas outras propriedades — e apenas duas. Uma delas é carga elétrica; a segunda, momento angular. Isso significa que qualquer buraco negro pode ser descrito completamente medindo-se sua massa, sua carga elétrica e seu momento angular. (É possível que tanto a carga elétrica como o momento angular sejam iguais a zero; mas a massa não pode ser zero, pois nesse caso o objeto não seria um buraco negro.)

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Embora um buraco negro possa ter carga elétrica, só pode tê-la se a massa que o formou ou que lhe foi acrescentada depois tivesse carga elétrica. Na verdade, as cargas elétricas, positivas e negativas, em pedaços de matéria de grandes dimensões tendem a se apresentar em quantidades iguais, de modo que a carga geral é zero. Conseqüentemente, é bastante provável que os buracos negros tenham essencialmente carga zero.

O mesmo não ocorre com o momento angular; nesse caso, com efeito, a situação se inverte e é bastante provável que todo buraco negro possua um considerável momento angular.

O momento angular é uma propriedade de todo objeto que gira em torno de seu eixo ou que revolve ao redor de um ponto externo, ou que faz ambas as coisas. O momento angular inclui tanto a velocidade de rotação ou revolução do objeto como a distância de suas várias partes até o eixo ou centro em torno do qual gira. O momento angular total de um sistema fechado (um sistema em que nenhum momento pode ser ganho ou perdido) tem de ser conservado — isto é, não pode aumentar nem diminuir.

Isso significa que se a distância aumenta, a velocidade de giro tem de diminuir, e vice-versa. Um patinador tira partido desse fato quando se põe a girar com os braços abertos; quando ele puxa os braços pata perto do corpo, diminuindo a distância média das partes de seu corpo do eixo de rotação, sua velocidade de giro aumenta acentuadamente. Se ele abre os braços novamente, seu movimento retarda-se no mesmo instante.

Todas as estrelas que conhecemos giram em torno do eixo e por isso apresentam alto grau de momento angular rotacional. Quando uma estrela se contrai, para compensar isso sua velocidade de rotação deve aumentar; quanto mais extrema a contração, maior será o ganho em velocidade de rotação. Uma estrela de nêutrons recente poderá girar até mil vezes por segundo. Os buracos negros devem ter um movimento de rotação ainda mais rápido. Não há como evitar isso.

Podemos dizer, então, que todo buraco negro tem massa e momento angular.

A análise matemática de Schwarzschild aplicava-se apenas a buracos negros destituídos de rotação, mas em 1963 o astrônomo Roy P. Kerr encontrou uma solução para os buracos negros com rotação.

Nos buracos negros com rotação ainda existe o raio de Schwarzschild, mas fora dele há um limite estacionário, que forma uma espécie de protuberância equatorial em torno do buraco negro, como se de alguma forma ele fosse dilatado pelo efeito centrífuga.

Um objeto que caia dentro do limite estacionário, mas que permaneça fora do raio de Schwarzschild, está semicapturado. Isto é, ainda pode sair,

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mas apenas em circunstâncias especiais. Se por acaso ele se mover na direção do giro, o buraco negro rotativo tenderá a fazê-lo girar como uma pedra numa funda e a atirá-lo de volta, além do limite estacionário, com mais energia do que ao entrar. Essa energia adicional é dada às expensas da rotação do buraco negro. Em outras palavras, transfere-se momento angular do buraco negro para o objeto e o buraco negro diminui de velocidade.

Teoricamente, pode-se retirar até 30% de toda a energia de um buraco negro em rotação pelo envio cuidadoso de objetos para o limite estacionário, com mais energia do que ao entrar. Essa energia adicional qual algumas civilizações adiantadas poderiam utilizar os buracos negros como fonte de energia.* Assim que toda energia rotacional houver desaparecido, o buraco negro terá apenas massa; o limite estacionário coincide com o raio de Schwarzschild. Diz-se então que o buraco negro está "morto", pois nenhuma energia adicional pode ser obtida dele direta-mente (embora se possa obter alguma da matéria que rodopie em direção a ele).

Mais estranho ainda que a possibilidade de se roubar energia rotacional do buraco negro é o fato de a análise de Kerr oferecer um novo tipo de fim para a matéria que entra num buraco negro. Esse novo fim foi prenunciado por Albert Einstein e por um colaborador chamado Rosen, cerca de 30 anos antes.

A matéria que penetre num buraco negro rotativo (e é muito provável que não exista outra espécie de buraco negro) pode, em teoria, ser esguichada em algum outro lugar, como pasta de dentes que salte de um furo fino num tubo rígido submetido à lenta pressão de um rolo compressor.**

* Nem todos os astrônomos concordam com esse conceito de se roubar a energia rotacional de um buraco negro. Na verdade, quase tudo quanto alguns astrônomos sugerem com relação a um buraco negro é desmentido por outros astrônomos. Situamo-nos aqui na própria fronteira do conhecimento e tudo, de uma forma ou de outra, é muito incerto e sujeito a condições.

** Essa sugestão também é negada por alguns astrônomos.

A transferência de matéria pode, aparentemente, ter lugar através de distâncias enormes — milhões ou bilhões de anos-luz — num período de tempo mínimo. Tais transferências não podem ocorrer da maneira ordinária, uma vez que no espaço que conhecemos a velocidade da luz é o limite para qualquer objeto dotado de massa. Transferir massa, da maneira ordinária, a distâncias de milhões ou bilhões de anos-luz leva milhões ou bilhões de anos.

Por conseguinte, tem-se de supor que a transferência se faça através de túneis ou pontes que não têm, falando-se em termos rigorosos, as características de tempo de nosso universo familiar. O percurso é às vezes

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chamado de ponte de Einstein-Rosen ou, mais pitorescamente, de buraco de minhoca.

Se a massa atravessa o buraco de minhoca e aparece de repente a um bilhão de anos-luz de distância, novamente no espaço ordinário, alguma coisa deve equilibrar essa grande transferência na distância. Ao que parece, essa passagem impossivelmente rápida pelo espaço é equilibrada por uma passagem compensatória pelo tempo, de modo que a massa ressurge há um bilhão de anos no passado.

Assim que a massa surge do outro lado do buraco de minhoca, ela se expande repentinamente e se transforma em matéria ordinária novamente e, ao assim fazer, incandesce com energia irradiada — a energia que tinha ficado, por assim dizer, presa no buraco negro. O que estamos vendo surgir, então, é um buraco branco, um conceito sugerido pela primeira vez em 1964.

Se tudo isso é realmente assim, seria crível que se pudesse detectar buracos brancos, ou pelo menos alguns deles.

Isso dependeria, é claro, do tamanho do buraco branco e de sua distância de nós. Talvez miniburacos negros formem miniburacos brancos a vastas distâncias, e com toda certeza jamais os veríamos. Contudo, enormes buracos negros formariam enormes buracos brancos, e esses poderiam ser vistos por nós. Existirão sinais de tais buracos brancos?

Talvez...

QUASARES

Na década de 1950 detectaram-se fontes de ondas de rádio que, a um exame mais detido, pareciam ser muito compactas, surgindo de áreas puntiformes no céu. Normalmente, as fontes de ondas de rádio encontradas naquele tempo vinham de nuvens de poeira ou de galáxias e, por isso, apresentavam-se mais ou menos espalhadas por uma área maior do céu.

Entre essas fontes compactas de ondas de rádio estavam as conhecidas como 3C48, 3C147, 3C196, 3C273 e 3C286. (Muitas outras foram descobertas desde então.) O 3C é abreviatura de Third Cambridge Catalog of Radio Stars (Terceiro Catálogo de Radioestrelas de Cambridge), lista compilada pelo radio astrônomo inglês Martin Ryle (1918-).

Em 1960 as áreas contendo essas fontes compactas foram investigadas pelo astrônomo norte-americano Allen Rex Sandage (1926-) e, em cada caso, as ondas pareciam provir de uma estrela pálida. Contudo, havia indícios de que talvez não fossem estrelas normais. Várias delas pareciam estar envoltas em tênues nuvens de poeira ou gás e uma delas, 3C273, mostrava sinais de

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emitir um minúsculo jato de matéria. Na verdade, havia duas fontes de ondas de rádio relacionadas com 3C273, uma da estrela e outra do jato.

Houve certa relutância, portanto, em denominar esses objetos de estrelas, e por isso foram chamadas de fontes de rádio quase-estelares (quasi-stellar radio sources). Em 1964 Hong-Yee Chiu abreviou essa designação para quasar, e desde então tem-se usado esse nome.

Os espectros desses quasares foram obtidos em 1960, mas apresentavam um conjunto de raias que era completamente irreconhecível, como se fossem produzidas por substâncias inteiramente desconhecidas no universo. Em 1963, entretanto, o astrônomo holandês-americano Maarten Schmidt (1929-) solucionou o problema. As raias teriam sido perfeitamente normais se existissem muito além do limite do ultravioleta. O aparecimento delas na faixa da luz visível significava que haviam se desviado acentuadamente na direção dos comprimentos de onda maiores.

A explicação mais simples para isso era a de que os quasares estavam muito distantes; como o universo está se expandindo, as unidades galácticas estão se separando, e tudo parece afastar-se de nós. Por isso, as raias espectrais de todos os objetos distantes sofrem um desvio para as ondas mais longas, pois isso é o que se deve esperar quando uma fonte de luz está se afastando de nós. Além disso, como o universo está em expansão, quanto mais distante o objeto mais depressa ele se afasta de nós e maior é o desvio nas raias espectrais. Portanto, pode-se calcular a distância de um objeto por seu desvio espectral.

Verificou-se que os quasares estavam a bilhões de anos-luz. Um deles, 00172, está a cerca de 12 bilhões de anos-luz de distância, e mesmo o mais próximo, 3C273, está separado de nós por mais de um bilhão de anos-luz, mais distante do que qualquer outro tipo de objeto conhecido. É possível que haja até 15 milhões de quasares no universo.

Percebemos os quasares como objetos muito pálidos, mas para que sejam visíveis a toda essa distância, mesmo palidamente, devem ser extraordinariamente luminosos. O quasar 3C273 é cinco vezes mais luminoso que nossa galáxia, e alguns quasares chegam a ter uma luminosidade 100 vezes maior que a de uma galáxia mediana.

No entanto, assim sendo, se os quasares fossem simplesmente galáxias que tivessem até 100 vezes mais o número de estrelas de uma galáxia média e fossem, por isso, muito mais brilhantes, deveriam ter dimensões suficientemente grandes para que aparecessem, mesmo a distância era que se encontram, como minúsculas manchas de luz e não como pontos semelhantes a estrelas. Assim, apesar do brilho, devem ser muito mais compactos que as galáxias comuns.

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Já em 1963 descobriu-se que os quasares variavam na energia emitida, tanto na região da luz visível como na região das microondas. Aumentos e diminuições de até três magnitudes foram registrados no intervalo de poucos anos.

Para que a radiação varie tanto em período tão breve, um corpo tem que ser pequeno. Taís variações devem envolver o corpo como um todo, e nesse caso algum efeito deve se fazer sentir sobre toda a largura do corpo no decurso do tempo da variação. Como nenhum efeito pode viajar mais depressa que a luz, isso significa que se um quasar mostra variação acentuada num período de poucos anos, ele não pode ter mais que um ano-Iuz de diâmetro e talvez seja consideravelmente menor.

Há um quasar, o 3C446, capaz de duplicar seu brilho em dois dias e, por conseguinte, não é possível que ele tenha diâmetro superior a 0,005 ano-luz (50 bilhões de quilômetros), ou menos de cinco vezes a largura da órbita de Plutão em torno do Sol. Podemos confrontar esse cálculo com os dados referentes a uma galáxia comum, que pode apresentar um diâmetro de 100.000 anos-luz e cujo denso núcleo central pode ter até 15.000 anos-luz de diâmetro.

A combinação de dimensões diminutas e enorme luminosidade faz com que os quasares pareçam uma classe de objetos inteiramente diferentes de tudo mais que conhecemos. Sua descoberta tornou os astrônomos conscientes da possibilidade de fenômenos no universo até então ignorados e os estimulou, pela primeira vez, a estudar esses fenômenos, inclusive os buracos negros.

E é possível que haja um elo entre os buracos negros e os quasares. Os astrônomos Igor Novikov, soviético, e Yuval Ne'eman (1925-), israelense, propuseram a hipótese de os quasares serem gigantescos buracos brancos na outra extremidade de um buraco de minhoca que parte de um gigantesco buraco negro, em alguma outra parte do universo.*

* Isso não passa de pura especulação, naturalmente, e o restante do livro também é formado de especulações, algumas minhas.

Examinemos outra vez os quasares. Serão mesmo objetos sui-generis, como parecem ser, ou serão simplesmente exemplos extremos de alguma coisa mais familiar?

Em 1943 um estudante de astronomia, Carl Seyfert, descreveu uma galáxia especial, que posteriormente foi identificada como pertencente a um grupo hoje denominado galáxias de Seyfert. É possível que constituam 1% de todas as galáxias conhecidas (o que significa ao todo, um bilhão delas), ainda que na verdade apenas uma dezena de espécimes tenha sido descoberta.

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De modo geral, as galáxias de Seyfert parecem normais e não se acham extraordinariamente distantes. Contudo, seus núcleos são muito compactos, muito brilhantes e parecem invulgarmente quentes e ativos — na verdade, assemelham-se a quasares. Mostram variações de radiação que indicam que os centros radioemissores em seus núcleos não são maiores do que julgamos que sejam os quasares. Uma dessas galáxias, a 3C120, tem um núcleo que compreende menos de 1/8 do diâmetro da galáxia, como um todo; mas apresenta luminosidade três vezes maior que o resto da galáxia junta.

O centro fortemente ativo seria visível a distâncias maiores que as camadas exteriores da galáxia de Seyfert, e se tal galáxia estivesse suficientemente distante, tudo quanto veríamos, quer através de telescópios ópticos, quer empregando radiotelescópios, seria seu núcleo. Diríamos então que o objeto era um quasar, e assim, os quasares muito distantes podem ser simplesmente os núcleos intensamente luminosos de galáxias de Seyfert muito grandes e muito ativas.

Analisemos, porém, o núcleo de uma galáxia de Seyfert — muito compacto, muito quente e ativo. Uma delas, a NGC 4151, talvez tenha 10 bilhões de estrelas num núcleo com diâmetro de apenas 12 anos-luz. São exatamente as condições que estimulariam a formação de buracos negros. Talvez o simples fato de um determinado volume de espaço estar sujeito à formação de buracos negros também possa torná-lo sujeito ao florescimento de um buraco branco.

Podemos imaginar buracos negros formando-se aqui e ali no universo, cada qual produzindo uma enorme tensão na trama uniforme do espaço. A formação de buracos de minhoca entre eles é possível, e a matéria poderá passar por essa ponte a um ritmo lento, em comparação com a quantidade total existente no buraco negro que serve de fonte, mas bastante grande para produzir enormes quantidades de radiação, em certos casos. O ritmo do fluxo da matéria pode variar por motivos que ainda não compreendemos, e isso poderá provocar as variações no brilho dos quasares.

Talvez haja muitos buracos brancos de todos os tamanhos, cada qual ligado a seu buraco negro (os quais também podem ter todos os tamanhos), e é possível que apenas tomemos conhecimento dos de dimensões gigantescas. Talvez, se todos os buracos, negros e brancos, fossem levados em conta, fosse possível ver que os buracos de minhoca que os ligam cruzam o universo densamente.

Esse pensamento estimulou as faculdades imaginativas de astrônomos como Carl Sagan (1934-). Se é impossível imaginar qualquer meio pelo qual um pedaço de matéria se mantenha intacto ao se aproximar de um buraco negro, mais difícil ainda é imaginá-lo atravessando um buraco de minhoca e saindo pelo buraco branco, mas Sagan não permite que isso limite suas especulações.

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Afinal de contas, somos capazes de coisas que nossos antepassados primitivos julgariam inconcebíveis, e Sagan conjectura se uma civilização avançada não poderia imaginar meios de bloquear os efeitos gravitacionais e de maré, de modo que uma nave espacial pudesse tirar partido dos buracos de minhoca e percorrer enormes distâncias num momento.

Suponhamos que houvesse no universo uma civilização avançada, neste mesmo instante, e que tivesse elaborado um mapa detalhado dos buracos de minhoca, com suas entradas de buracos negros e suas saídas de buracos brancos. Os buracos de minhoca menores seriam mais numerosos, evidentemente, e por isso mais úteis.

Imaginemos um império cósmico interligado por uma rede desses buracos de minhoca, com centros civilizados localizados perto das entradas e das saídas. Afinal, para um mundo seria tão importante estar perto de um centro de transporte desse tipo quanto para uma cidade da Terra é importante localizar-se num porto ou num estuário de rio.

Os planetas mais próximos aos túneis poderiam estar a uma distância segura deles, porém haveria enormes estações espaciais, construídas como bases para as naves que percorressem os túneis e como usinas de força para os planetas.

E como a teoria do buraco de minhoca afeta o passado e o futuro do universo?

Mesmo que o universo se esteja expandindo, será possível que a expansão seja compensada pela transferência de matéria para o passado, através dos buracos de minhoca?

Seguramente, todos os poucos quasares detectados estão a bilhões de anos-luz da Terra, e por conseguinte nós os vemos como eram há bilhões de anos; além disso, estão sendo impulsionados fortemente para distâncias maiores e para um passado mais remoto. Calcula-se que se os quasares estivessem espacejados uniformemente por todo o universo, várias centenas deles estariam mais perto de nós e seriam mais brilhantes que 3C273, que é atualmente o mais próximo e mais brilhante.

Pois bem, temos então, afinal de contas, um universo eterno, uma espécie de criação contínua em outro sentido?

Porventura o universo vem se expandindo há eras sem conta, durante toda a eternidade, na verdade sem jamais se ter expandido além do nível atual porque os buracos de minhoca criam um circuito fechado, enviando matéria para o passado mais concentrado, a fim de reiniciar a expansão?

Porventura o universo nunca esteve na verdade inteiramente contraído, e, portanto jamais houve verdadeiramente uma grande explosão? Sucederá, por acaso, que só julgamos que houve essa grande explosão porque temos

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consciência apenas de metade do ciclo que envolve as galáxias — a expansão — e não temos consciência da matéria que retoma através dos buracos de minhoca?

Contudo, se não houve a grande explosão, como explicar a radiação de fundo que é o eco dessa grande explosão? Poderá essa radiação ser produto do fluxo retrógrado geral da matéria para o passado remoto? Serão os buracos brancos ou os quasares numerosas "pequenas explosões" que se superpõem à grande explosão e produzem a radiação de fundo?

E se as coisas se passam assim, de onde vem a energia que mantém o universo em interminável reciclagem? Se o universo se retarda ao expandir-se (isso é chamado pelos físicos de aumento de entropia), por acaso ele se acelera novamente (entropia decrescente) ao voltar no tempo, através dos buracos de minhoca?

Não há, no momento, resposta para nenhuma dessas perguntas. Tudo é conjectura, até mesmo a própria existência de buracos de minhoca e buracos brancos.

O OVO CÓSMICO

Cumpre admitir que a idéia de que o universo esteja reciclando-se continuamente é uma conjectura bastante tênue.

Se a descartamos, entretanto, sobra-nos apenas a grande explosão — uma única, se vivemos num universo aberto, ou um fenômeno perpetuamente repetido, se o universo é fechado e oscilante. Ambas as suposições são problemáticas. Qual é a natureza do ovo cósmico?

Quando se sugeriu pela primeira vez a idéia do ovo cósmico, ele era imaginado de modo muito semelhante ao que hoje representa as estrelas de nêutrons. O problema é que um ovo cósmico contendo toda a massa do universo (igual à massa de 100.000.000.000 de galáxias, talvez) é certamente grande demais para ser uma estrela de nêutrons. Se for verdade que qualquer coisa com massa superior a 3,2 vezes a de nosso Sol tem de formar um buraco negro ao se contrair, nesse caso o ovo cósmico era o maior de todos os buracos negros.

Então, como pode ter explodido e provocado o nascimento do universo? Buracos negros não explodem.

Imaginemos um universo em contração que formasse buracos negros de várias dimensões ao se contrair; cada um deles poderia perder parte de sua massa através de buracos de minhoca, contrabalançando a contração total, mas não em medida suficiente para detê-la inteiramente (pois caso contrário nem o universo em expansão nem nós estaríamos aqui, hoje).

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Ao se comprimir o universo, os buracos negros crescem às expensas de matéria alheia a eles e, com freqüência cada vez maior, colidem e se fundem. Por fim, naturalmente, todos os buracos negros estarão fundidos no ovo cósmico. Esse ovo perde matéria, através de seu buraco de minhoca, a um ritmo fenomenal, provocando na outra extremidade o maior buraco branco concebível. Portanto, o buraco branco do ovo cósmico é que foi a grande explosão que criou nosso universo em expansão. Essa hipótese valeria tanto para o caso de o universo ser aberto como para o caso de ser fechado, quer o ovo cósmico se tenha formado apenas uma vez, quer ele se repita ciclicamente.

Evidentemente, essa solução só se mantém de pé se os buracos de minhoca e os buracos brancos verdadeiramente existirem, o que é incerto. E mesmo que existam, só será válida se o ovo cósmico tiver rotação. Mas, terá?

Existe certamente momento angular no universo, mas ele pode ter sido criado, apesar da lei da conservação, onde não existia antes.

Isso porque há dois tipos de momento angular, em sentidos opostos. Um objeto pode girar no sentido horário ou no sentido anti-horário (positivo ou negativo, se o leitor preferir). Dois objetos com momento angular igual, um positivo e outro negativo, haverão de terminar, se colidirem e se fundirem, com momento angular zero — e a energia dos dois movimentos de rotação se converterá em calor. Inversamente, um objeto com momento angular zero pode, com a adição de energia apropriada, dividir-se para formar dois sub-objetos, um com momento angular positivo e outro com momento angular negativo.

É possível que todos os objetos do universo tenham momento angular, mas é muito provável que para alguns ele seja positivo e para outros negativo. Não temos condições de saber se um desses tipos existe em maior incidência que o outro. Se existir realmente essa diferença, quando toda a matéria do universo se contrair e formar um ovo cósmico, esse ovo terminará com uma quantidade de momento angular igual ao excesso de um tipo em relação ao outro.

Pode ocorrer, todavia, que não exista no universo maior incidência de um tipo de momento angular. Nesse caso, ao se formar o ovo cósmico, ele não terá momento angular, e estará morto. Por conseguinte, não poderemos contar com buracos de minhoca e buracos brancos para o surgimento da grande explosão.

Que mais?

Da mesma forma como existem dois tipos opostos de momento angular, existem também dois tipos opostos de matéria.

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Um elétron é equilibrado por um antielétron, ou pósitron. Quando um elétron e um pósitron se combinam, há um aniquilamento mútuo das duas partículas; não resta nenhuma massa, que é convertida em energia, na forma de raios gama. Semelhantemente, um próton e um antipróton se combinam para perder massa e formar energia; o mesmo farão um nêutron e um antinêutron.

Podemos ter matéria constituída de prótons, nêutrons e elétrons; e antimatéria constituída de antiprótons, antinêutrons e antielétrons. Nesse caso, se qualquer massa de matéria se combinar com uma massa igual de antimatéria haverá aniquilamento mútuo e serão formados raios gama.

Inversamente, a massa pode formar-se a partir de energia, mas jamais como uma espécie de partícula, apenas. Para cada elétron formado, haverá forçosamente um antielétron; para cada próton, um antipróton, e para cada nêutron um antinêutron. Em resumo, quando a energia se transforma em matéria, há também a formação de igual quantidade de antimatéria.

No entanto, se for assim, onde está a antimatéria que se formou ao mesmo tempo que a matéria do universo?

A Terra é com certeza constituída inteiramente de matéria (afora vestígios de antimatéria formada em laboratório ou encontrada nos raios cósmicos). Com efeito, todo o sistema solar compõe-se de matéria, e com toda probabilidade o mesmo acontece em toda a unidade galáctica de que somos parte.

Onde está a antimatéria? Talvez haja também unidades galácticas compostas inteiramente de antimatéria. É possível que haja unidades galácticas e unidades antigalácticas que, por causa da expansão geral do universo, nunca entram em contato e nunca provocam aniquilamento mútuo. Como a matéria forma buracos negros, a antimatéria formará antiburacos negros. Esses dois tipos de buracos negros são em todos os sentidos idênticos, salvo serem constituídos de substâncias opostas. Se o universo passou, algum dia, por uma contração, os buracos negros e os antiburacos negros ter-se-ão formado ainda mais facilmente; e ao prosseguir a contração, aumentariam as possibilidades de colisão entre dois buracos negros de natureza oposta e do conseqüente aniquilamento mútuo. Na fusão final houve o maior de todos os cataclísmicos aniquilamentos mútuos.

A massa total do universo desapareceu, levando consigo o campo gravitacional que mantém existente o buraco negro e, aliás, também o ovo cósmico. Em seu lugar ficou uma radiação inacreditavelmente enérgica, a expandir-se para a periferia. Essa seria a grande explosão.

Algum tempo após a grande explosão, a energia, tornando-se menos intensa através da expansão, ter-se-ia abrandado o suficiente para novamente formar matéria e antimatéria — formando, as duas, unidades

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galácticas separadas por meio de algum mecanismo que, cumpre admitir, não foi ainda explicado — e o universo em expansão tomaria forma.

Segundo essa concepção, a grande explosão foi o aniquilamento mútuo da matéria e da antimatéria, independentemente de o ovo cósmico ter rotação ou não ou de estar vivo ou morto.

No entanto, não dispomos de indicações da existência de unidades antigalácticas. Será que, por alguma razão que ainda não compreendemos, o universo consiste simplesmente de matéria?

Poderíamos argumentar que isso é impossível; o universo não pode consistir simplesmente de matéria porque isso impossibilitaria a grande explosão. Ou poderíamos pensar numa maneira de explicar a grande explosão, mesmo num universo composto unicamente de matéria e mesmo que, ao se contrair, aquele universo formasse um ovo cósmico destituído de rotação e que seria, portanto, um buraco negro morto.

Bem, segundo as equações usadas para explicar a formação dos buracos negros, o raio de Schwarzschild é proporcional à massa do buraco negro.

Um buraco negro com a massa de nosso Sol tem um raio de Schwarzschild de 3 km; portanto, tem uma largura de 6 km. Um buraco negro com o dobro da massa do Sol tem largura duas vezes maior — 12 km. Contudo, uma esfera duas vezes mais larga que outra tem volume oito vezes maior que esta; segue-se que um buraco negro com o dobro da massa do Sol terá o dobro dessa massa espalhada por um volume oito vezes maior. A densidade do buraco negro maior será apenas 1/4 da do buraco negro menor.

Em outras palavras, quanto mais massa tiver um buraco negro, maior e menos denso ele será.

Suponhamos que toda a nossa galáxia, que possui cerca de 100 bilhões de vezes a massa do Sol, fosse comprimida e transformada num buraco negro. Seu diâmetro seria de 600.000.000.000 km e sua densidade média seria da ordem de 0,000001 g/cm3. O buraco negro galáctico teria um diâmetro 50 vezes maior que a órbita de Plutão e não seria mais denso do que um gás.

Suponhamos que todas as galáxias do universo, possivelmente em número de 100 bilhões, se transformassem num único buraco negro. Tal objeto, contendo toda a massa do universo, teria um diâmetro de 10 bilhões de anos-luz e sua densidade média seria igual à de um gás indescritivelmente tênue.

No entanto, não importa a tenuidade desse gás, a estrutura é um buraco negro.

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Suponhamos que a massa total do universo seja 2,5 vezes maior do que acreditam os astrônomos. Nesse caso, o buraco negro formado por toda a matéria do universo teria um diâmetro de 25 bilhões de anos-luz, número que coincide com o diâmetro do universo real em que vivemos (até onde sabemos).

É inteiramente possível, então, que todo o universo seja um buraco negro (como foi sugerido pelo físico Kip Thorne).

Se for, é bem provável que sempre tenha sido um buraco negro e que sempre o será. Nesse caso, vivemos dentro de um buraco negro e, se desejarmos saber como são as condições num buraco negro (desde que ele tenha enorme massa), basta olharmos em torno.

Ao se contrair o universo, então, poderíamos imaginar a formação de qualquer número de buracos negros relativamente pequenos (buracos negros dentro de um buraco negro!) e com diâmetros muito limitados. Contudo, nos últimos segundos antes da catastrófica contração final, quando todos os buracos negros se fundem num único buraco negro cósmico, o raio de Schwarzschild salta para fora, cada vez mais longe, até a extremidade do universo conhecido.

E pode ser que dentro do raio de Schwarzschild haja a possibilidade de explosão. E possível que, ao se afastar o raio de Schwarzschild bilhões de anos-luz num átomo, o ovo cósmico, no instante mesmo de sua formação, se dilate para acompanhá-lo e que isso seja a grande explosão.

Sendo assim, poderíamos argumentar que o universo não pode ser aberto, quaisquer que sejam os indícios atuais, uma vez que ele não pode expandir-se além do seu raio de Schwarzschild. De alguma forma a explosão terá que cessar naquele ponto e, então, terá inevitavelmente de recomeçar a contrair-se e começar o ciclo outra vez. (Há quem acredite que a cada grande explosão comece um universo em expansão inteiramente diferente, com diferentes leis naturais.)

Porventura o que vemos então, à nossa volta, será o ciclo respiratório inimaginavelmente lento (dezenas de bilhões de anos de inspiração e outras dezenas de bilhões de anos de expiração) de um buraco negro de proporções universais?

E pode então suceder que, separados de nosso universo por algum meio que ainda não podemos vislumbrar, haja muitos outros buracos negros de vários tamanhos, talvez em número infinito, todos se expandindo e se contraindo, cada qual a seu próprio ritmo?

E nós estamos em um deles — e, através dos prodígios do pensamento e da razão, é possível que, de nossa posição num fragmento menor que um

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grão de pó, perdidos no recôndito de um desses universos, tenhamos traçado um quadro da existência e do comportamento de todos eles.

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Apêndice

NÚMEROS EXPONENCIAIS

Para maior conveniência, os números podem ser escritos como múltiplos de 10. Assim, 100 = 10 x 10; 1.000 = 10 x 10 x 10; 1.000.000 = 10 x 10 x 10 x 10 x 10 x 10; e assim por diante. Uma maneira abreviada de escrever tais números consiste em indicar o número de dezenas envolvidas na multiplicação como um pequeno número ("expoente") no alto do 10.

Assim, se 100 = 10 x 10, podemos dizer que 100 = 102. Da mesma forma, 1.000 = 103 e 1.000.000 = 106. Verificamos, na verdade, que o expoente é igual ao número de zeros do número maior. Por exemplo, o número 1.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000 (1 trilhão de trilhões de trilhões) tem 36 zeros e pode ser grafado 1036.

O sistema exponencial também serve para frações; o número 1/100 é 1/102, e há bons motivos algébricos para grafá-lo 10-2. Igualmente, 1/1.000 = 1/103 = 10-3 e 1/1.000.000 = 1/106 = 10-6. Se escrevemos esse número em decimais, o expoente é sempre uma unidade maior que o número de zeros. Assim, 1/1.000.000 = 0,000001, havendo cinco zeros à direita da vírgula, de modo que o número exponencial é 10-6. Se preferirmos contar o zero, geralmente colocado à .esquerda da vírgula, o expoente será igual ao número total de zeros.

Desse modo, 0,0000000000000000000000000000000000001 (um triIhonésimo de triIhonésimo de triIhonésimos) é 10-36.

Se tivermos um número como 6.000.000, ele é igual a 6 x 1.000.000 ou 6 x 106. Igualmente, 45.200.000 é igual a 4,52 x 10.000.000 = 4,52 x 107. E 0,000013 é igual a 1,3 x 0,0001 = 1,3 x 10-4.

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