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152 10 2006 invenções econômicas libertárias na revolução espanhola natalia montebello* Flor de jazmín y toro degollado. Pavimento infinito. Mapa. Sala. Arpa. Alba. La niña finge un toro de jazmines y el toro es un sangriento crepúsculo que brama. Federico García Lorca, Casida del sueño al aire libre, 1936 Economia e anarquismo O problema das práticas econômicas, no interior do anarquismo, transborda, como qualquer outro proble- ma para o anarquismo, as demarcações, tanto entre te- oria e prática, como entre campos de saber. Assim aqui, * Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP, realiza pesquisa de doutorado no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC/SP sobre economia e anarquismo. É pesquisadora do Nu-Sol e associada do Centro de Cultura Social de São Paulo. verve, 10: 152-182, 2006

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invenções econômicas libertáriasna revolução espanhola

natalia montebello*

Flor de jazmín y toro degollado.Pavimento infinito. Mapa. Sala. Arpa. Alba.La niña finge un toro de jazminesy el toro es un sangriento crepúsculo que brama.

Federico García Lorca,Casida del sueño al aire libre, 1936

Economia e anarquismo

O problema das práticas econômicas, no interior doanarquismo, transborda, como qualquer outro proble-ma para o anarquismo, as demarcações, tanto entre te-oria e prática, como entre campos de saber. Assim aqui,

* Mestre em Ciências Sociais pela PUC/SP, realiza pesquisa de doutorado noPrograma de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC/SP sobreeconomia e anarquismo. É pesquisadora do Nu-Sol e associada do Centro deCultura Social de São Paulo.

verve, 10: 152-182, 2006

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ao pensar anarquicamente, não se trata da diferenciaçãoentre política e economia, muito menos de um assuntode teoria ou de história econômica. Pensa-se de um pon-to de vista das práticas libertárias as relações econômi-cas que atravessam diferentes anarquismos, e os tensio-nam, propiciando invenções, como costumes e relações,que subvertem o que se convenciona chamar, do pontode vista da continuidade histórica, tanto de teoria comode prática. Como invenção, práticas anarquistas são des-continuidades, e não por isso faltas de contundência,pois de maneira eloqüente extravasam verdades, verídi-cas ou não, com afirmações de relações livres, para alémdas interpretações e dos julgamentos sobre, por exem-plo, a pertinência do anarquismo em um mundo supos-tamente fadado à autoridade universal e, mais ainda,universalmente desejada.

Da história heróica do anarquismo que preserva autopia de um mundo livre do Estado escapam experi-mentações de liberdade que acontecem sem o Estado,longe das relações que o multiplicam, arruinando-o, nãopela possibilidade, mas pelo acontecimento de viver semele. O anarquismo arruína a política, ao pensar a políti-ca de fora do Estado, e portanto arruína também a eco-nomia, assim como a diferenciação entre ambas. Se aoafirmar relações livres do Estado e suas decorrências, oanarquismo interroga e, com isto, demole o princípio deautoridade universal que sustenta a hierarquia e a cen-tralização em nome da vontade geral, da mesma manei-ra a economia no anarquismo perpassa este desloca-mento e dissolve a especialização que a faz ciência doEstado, acoplada à política como campo no qual se pre-serva a obediência de todos para o bem de todos.

Não existe uma economia anarquista, como não existeuma política anarquista: as relações econômicas no in-terior do anarquismo são práticas de liberdade, são, para

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os diferentes anarquismos, afirmação de liberdade, semintermediação, sem representação, uma questão, por-tanto, de aqui e agora. Transborda, da história do anar-quismo, a coragem, e não o heroísmo, as invenções, enão a utopia, a generosidade, e não o humanismo. Oque transborda é descontinuidade. E a descontinuida-de convida-nos a ensaios analíticos.

Proudhon, as séries

Como analítica, Proudhon pensa a série: se o absolu-tismo da teoria investe na continuidade da causa e doefeito, o movimento na série dispensa tanto o princípioquanto o fim, opondo à idéia de continuidade a de pro-gresso ou progressão. “A idéia de continuidade — dizProudhon — é uma concepção de nosso entendimentoanáloga às de substância e de causa, quer dizer, semrealidade perceptível, e sinônimo de identidade absolu-ta. A continuidade é uma idéia verdadeira, mas cuja ver-dade é anterior à diferenciação dos seres; o que significa,para nós, anterior à sua criação. Essa idéia é legítima, jáque a hipótese que ela exprime é produzida em virtudedas leis de nosso entendimento e ela nos é sugerida atra-vés da própria observação da série, que é a sua contradi-tória. A coesão dos corpos e a sucessão dos fenômenosnos dão a idéia de continuidade, mas na verdade essacontinuidade não existe em parte alguma.”1 A analíticaserial, com a noção de movimento, pensa relações, con-frontos, choques, composições, deslocamentos, trânsi-tos, fugas, forças... O que não se move é idealização eimposição, preponderância da autoridade no pensamen-to, exercício de poder, não de raciocínio.

Ao pensar, segundo Proudhon, devemos considerar,antes de mais nada, a idéia de movimento. O movimen-to, na história, traduz-se como progresso. Mas a idéia

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de progresso não se circunscreve ao incremento da ri-queza material e moral, assim como daqueles que a des-frutam. Ainda que uma filosofia do progresso não ne-gue as vantagens de tal incremento, entende que se tratade um símbolo, de nenhuma utilidade analítica.

A idéia de movimento dissolve a discussão sobre apreponderância dos sentidos ou do entendimento: paraProudhon, “(...) todas as idéias, tanto as instituições[idéias sensíveis] como os conceitos, têm uma mesmaorigem e ação simultânea, conjunta, adequada e no fun-do idêntica dos sentidos e do entendimento.”2 Da idéiade movimento se deduzem todas as instituições que seinscrevem na história. Se pensamos o movimento por-que o percebemos, o percebemos pelo movimento dopensamento, isto é, pela análise.

O movimento se opõe ao absoluto, ou ao absolutis-mo. No interior dessa oposição, Proudhon equipara asteorias, mais ou menos utópicas, e as religiões, os sis-temas de governo, monárquicos ou democráticos, osregimes de propriedade privada ou comunistas e, claro,as revoluções. Há revolução quando as idéias resultamda afirmação — que aqui se opõe contundentemente àreação — de novas relações, ou de novos costumes. Deresto, Proudhon observa a preservação de antigas rela-ções que não fazem mais do que prolongar — e isto écontinuidade — a ação do princípio de autoridade, ouda preponderância da vontade, de um ou de muitos.Sobre a Revolução Francesa, este olhar mostra a conti-nuidade que interroga a suposta nova ordem: “O povo,vítima por tanto tempo do egoísmo monárquico, acredi-tou ter-se desfeito dele para sempre ao se declarar a simesmo soberano. Mas, o que era a monarquia? A sobe-rania de um homem. E o que é a democracia? A sobera-nia do povo, ou melhor, da maioria nacional. Sempre asoberania do homem em lugar da soberania da lei, a

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soberania da vontade em lugar da soberania da razão;em uma palavra, as paixões em substituição ao direito.Quando um povo passa da monarquia à democracia,sem dúvida há progresso,3 porque, ao se multiplicar osoberano, existem mais probabilidades de que a razãoprevaleça sobre a vontade; mas o caso é que não se re-aliza revolução no governo e que subsiste o mesmo prin-cípio.”4 Se a democracia é preferível à monarquia,5 ouse é preferível qualquer regime que amplie a ação doprincípio de liberdade sobre o de autoridade — princí-pios únicos da política —, disto não se deduz que setrate da escolha entre, por exemplo, a monarquia e ademocracia, e que desta escolha resulte o melhor en-tendimento: tanto um sistema como o outro, ou qual-quer sistema acabado é, antes de mais nada, absolutis-ta, chame-se ou não revolucionário.

Sempre que há cristalização, sempre que uma idéiase pretende eterna e acabada, há absolutismo. Assim, opensar de Proudhon se distancia da discussão sem fimsobre o melhor sistema, de pensamento ou de governo,investindo na analítica que experimenta ampliaçõesprogressivas de liberdades, analítica como movimentoque requer pensar o presente, e pensar, por sua vez,que requer composição. Diante da unificação da dife-rença que a teoria impõe, a analítica do progresso, ouda série, opera por composição, dimensionando a uni-dade como grupo: “A substância pura, reduzida a suamais simples expressão, absolutamente amorfa e à qualmuito bem se poderia dar o nome de pantôgena, já quedela haveria nascido tudo, se eu não posso dizer demaneira alguma que não seja nada, é pelo menos paraminha razão como se não existisse; é adequada ao nada.É o ponto matemático que não tem longitude, larguranem profundidade, e engendra, porém, todas as figu-ras. Apenas vejo em cada ser sua composição, sua uni-

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dade, suas propriedades e suas faculdades, que reduzoa uma razão única, variável, suscetível de elevação atéo infinito, o grupo.”6 Segundo Proudhon, o grupo, naontologia, e a série, na lógica, descrevem a filosofia doprogresso. E a filosofia do progresso, com o movimento,do grupo ou da série, investe na experimentação. Seri-ar é uma maneira de pensar, é raciocinar, diz Proudhon.Um pensar in progress?

A série, então, é método. Método de classificação, deobservação e de experimentação de relações, método,enfim, de composição. A analítica da série se distingueda ciência, na medida em que não interpreta, não ante-cipa, não mergulha na profundidade da causa primei-ra, não universaliza. Uma série não explica outra, seuobjeto não se pretende universal: a série se opõe aos“(...) pretensos sistemas universais, construídos combase na atração, expansão, causação, deificação e ou-tros sistemas ontológicos, monumentos da preguiça eda impotência.”7 Fora da série proposta, a experimenta-ção deixa de existir: não há tradução para sistemasuniversais. A série nos lembra que não há para todos.

Uma série funciona em seu ponto de vista e suasunidades, e as combinações ou relações que se esta-belecem entre elas. A série é, portanto, combinaçãode suas unidades, relações. Toda série tem ao menosduas unidades, e as combinações possíveis entre es-sas unidades acontecem segundo o ponto de vista dasérie: assim como não há predeterminação das uni-dades, não há pressuposição das combinações. As-sim, também, a série não é isenta de perturbações,não se funda sobre a idéia que, perfeita e acabada,deve ecoar na realidade. Com séries, entende-se queuma linha nunca é reta.

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A série reclama invenção. “Descobrir uma série éperceber a unidade na multiplicidade, a síntese na di-visão: não é criar a ordem em virtude de uma predispo-sição ou uma pré-formação da inteligência; é pôr-se emsua presença e, pelo estímulo da inteligência, receber aimagem dela.”8 Imagem da série: as séries de Proudhonproduzem mapas, cartografias que descrevem, e comisso atualizam o que se pensa, pois trata-se de umaanalítica interessada, que surge do ponto de vista dequem pensa. Pensar invenções de liberdade reclama opensar livre, o pensar que afirma, prescindindo da uni-versalidade da verdade, portanto da hierarquia e da cen-tralização.

Não se trata, então, de desvendar uma economiaanarquista. Trata-se de pensar idéias econômicas quedescrevem uma ética libertária, que propiciam proble-matizar e experimentar, longe da cega certeza desta oudaquela verdade e do eterno embate entre uma ou ou-tra. Idéias econômicas tensionando diferentes anarquis-mos: a série nos retira da unidade primordial, mesmoda que se poderia atribuir ao anarquismo, e nos projetapara a análise segundo o ponto de vista, nem mais nemmenos. “A série se multiplica pela divisão: para atingiro indecomponível, ou seja, o indivisível, o incondicio-nado, o ser em si, é necessário sair da série, sair dofenômeno e nos lançarmos até Deus, que só conhece-mos pela fé.”9

O ponto de vista aqui não poderia ser a economia,nem mesmo o anarquismo. O ponto de vista, nesta sé-rie, opera com idéias econômicas que descrevem práti-cas libertárias: como se dá uma ética que afirma rela-ções livres, não contra, mas apesar do Estado? De quemaneira certas práticas interrompem a decretada ne-cessidade do Estado para regular, e regulamentar, asrelações econômicas? Como se põem em funcionamen-

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to, na Espanha de 1936, novos costumes que afirmarãorelações livres da continuidade do governo sobre todos?Ao pensar a Guerra Civil Espanhola, o ponto de vista éa interrupção da continuidade do Estado pela afirma-ção de relações livres, relações que acontecem, antesde mais nada, como relações econômicas. O aconteci-mento da Guerra Civil Espanhola evidencia a emergên-cia de novos costumes, de relações econômicas que sãoatravessadas por uma ética libertária, pela invenção deum estilo de vida: está aqui o movimento que dissolve,no interior do anarquismo, a diferenciação entre políti-ca e economia.

O comunismo libertário de Bakunin...

Nenhuma obrigação perpétua pode ser admitida pelajustiça humana, única à qual reconhecemos autorida-de sobre nós, e nunca reconheceremos nenhuma obri-gação que não esteja baseada na liberdade. O direito delivre união, assim como o direito de secessão, são osprimeiros e mais importantes de todos os direitos polí-ticos; faltando estes direitos, uma confederação seriasimplesmente uma centralização disfarçada...

Bakunin, Federalismo, socialismo e anti-teologismo

Diante da centralização como princípio político quedimensiona o Estado moderno sob o argumento do go-verno da vontade geral, do anarquismo emerge a afir-mação de relações livres funcionando como federalis-mo descentralizado. Como pulverização da unidade ab-solutista do Estado, William Godwin equaciona a justiçapolítica como aperfeiçoamento das relações, tanto maislivres na medida em que funcionem na comunidade,

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que se projeta federativamente, e livres também ao in-corporar o princípio de secessão. Assim, o aperfeiçoa-mento como movimento de ampliação de liberdades, faráprevalecer um “(...) sistema de núcleos políticos autô-nomos, com autoridade sobre pequenas extensões ter-ritoriais; isto haverá de permitir aos habitantes das mes-mas decidir melhor as questões que lhes afetam, já queconhecem melhor suas necessidades.”10

Em uma cartografia do pensamento econômico liber-tário, Gaston Leval11 nos permite observar que, aindaque Godwin pense federativamente, seu foco é a comu-nidade, dimensão que possibilita a solidariedade, orga-nizada pela participação direta e a livre secessão, mini-mizadas as relações entre comunidades. Ao pensar ofuncionamento das relações econômicas, com Godwin,e seguindo a Leval, podemos desenhar na cartografia ocomunismo libertário, o que nos leva de Godwin à Baku-nin, mas nos distancia de Proudhon.

Tanto Godwin como Proudhon pensam a políticacomo matemática: a simplificação do estudo das rela-ções políticas permite o argumento e a demonstraçãosobre as práticas de dominação que, seja por hábito sejapor ignorância, preservam a obediência ao uno — o go-verno, de um ou alguns, mas unidade — sobre o todo —todos, súditos, muitos, mas também unidade. Mas seGodwin encontra na comunidade a dissolução da re-presentação das vontades, portanto do governo do unocentralizador, Proudhon vê, na comunidade, a conser-vação da unidade no governo, síntese, ação do princí-pio de autoridade.

A interação dos princípios de autoridade e liberda-de, princípios únicos, contrários e inseparáveis da polí-tica, resulta, para Proudhon, nas formas de governo. Asformas puras têm apenas valor analítico, mas qualquer

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regime pode ser descrito por essa interação. Os gover-nos, então, podem estender-se em um eixo que vai daautoridade à liberdade, com n gradações. Analiticamen-te, Proudhon encontra quatro formas puras de governo,localizadas nos regimes de autoridade ou nos regimesde liberdade. Nos regimes de autoridade encontram-sea monarquia ou patriarcado, o governo de todos por um,e o comunismo ou panarquia, o governo de todos portodos. E nos regimes de liberdade aparecem a democra-cia, o governo de todos por cada um, e a anarquia ouself-government, governo de cada um por cada um. Se oregime de autoridade se caracteriza pela indivisão dopoder, o de liberdade pela divisão do poder. O comunis-mo deriva da monarquia: com a morte do monarca, ossúditos decidem preservar a unidade sem um novo che-fe. Este é o governo que se observa nas comunidadesreligiosas, diz Proudhon, e que, mais do que qualqueroutro, atenta contra as liberdades individuais.

Ainda como movimento analítico, Proudhon observaque “Não houve jamais uma república comunista per-feita; e é pouco provável que, por alto que seja o grau decivilização, de moralidade e de sabedoria a que se eleveo gênero humano, desapareça dele todo vestígio de au-toridade e de governo. Mas enquanto o comunismo é osonho da maior parte dos socialistas, a anarquia é oideal da escola econômica, que tende aberta e decidida-mente a suprimir todo estabelecimento de governo, e aconstituir a sociedade apenas sobre as bases da propri-edade e do trabalho livres.”12 Mas ao pensar os gover-nos de fato, concentra-se na descrição do sistema fede-rativo que, pelo contrato sinalagmático e comutativo,impede a preponderância da autoridade na comunida-de, entendendo que ela é a imagem em miniatura doabsolutismo. Se é nas relações econômicas que Prou-dhon encontra a possibilidade de ampliação da ação do

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princípio de liberdade, será naquelas relações que nãodemandem de cada um mais liberdade da que se entre-ga; e se a comunidade se sobrepõe à federação descen-tralizada, demanda do indivíduo toda a sua liberdadeem seu favor, ou seja, a comunidade por si só exige osacrifício de cada um em nome de todos. O comunismocomo forma das relações econômicas será, para Prou-dhon, a reunião de todas as forças individuais em umaunidade superior a cada uma delas, isto é, o aniquila-mento de cada uma delas, novamente um absolutismo.

Proudhon pensará as relações econômicas livres como mutualismo: “A palavra mutual, mutualidade, mútuo— que tem por sinônimo recíproco e reciprocidade —,vem do latim mutuum, que significa empréstimo (de coi-sa fungível) e, em um sentido mais lato, câmbio. É sabi-do que no empréstimo de coisa fungível, o objeto em-prestado é consumido pelo mutuário, que apenas de-volve seu equivalente, já na mesma espécie, já sobqualquer outra forma. Suponha-se que o mutuante pas-se a ser por sua vez mutuário, e se obterá um emprésti-mo mútuo e, consequentemente, um câmbio. É esse olaço lógico que fez com que se desse o mesmo nome aduas operações diferentes. Nada mais elementar do queesta noção, portanto não insistirei mais em sua partelógica e gramatical. O que nos interessa é saber comosobre essa idéia de mutualidade, de reciprocidade e decâmbio, de justiça — substituída às de autoridade, co-munidade ou caridade —, foi construído em política eem economia um sistema de relações que tende nadamenos do que a modificar completamente a ordem soci-al.”13 As relações econômicas mutualistas perpassam oque Proudhon chamará de federação agro-industrial, aanarquia econômica que, com a supressão da centrali-dade do governo, potencializa a ação do princípio deliberdade.

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Voltando à cartografia das relações econômicas, seráo comunismo libertário, e não o mutualismo, o que ob-servamos como procedência na Espanha de 1936. Maspara apreciar o movimento que distingue o mutualismodo comunismo libertário devemos lembrar que tanto umquanto o outro funcionam na série que opera com rela-ções econômicas livres da centralização estatal. Um eoutro são federalistas, afirmando a associação a partirda localidade, isto é, a partir de interesses e necessida-des reconhecidos diretamente, sem representação devontade, em relações econômicas pautadas pela reci-procidade. Se Proudhon insistirá no livre câmbio, Baku-nin pensará as relações econômicas pela associaçãolocal, como reunião de forças — mas não como unifica-ção — que se projeta, como em Proudhon, como federa-ção agro-industrial. Enfim, não há oposição entre mu-tualismo e comunismo libertário; falamos de diferentesanarquismos e, aqui, não interessam as derivações ide-ais de cada pensamento, mas, repito, práticas econômi-cas e suas procedências, não para interpretá-las, maspara pensar na série proposta.

O comunismo libertário de Bakunin funciona comofederalismo, pois “(...) nenhuma comuna isolada seriacapaz de resistir a tal centralização [a de uma repúblicasolidamente constituída]; seria esmagada por ela. Paranão sucumbir nessa batalha, cada comuna teria de seunir com as comunas vizinhas em uma federação paraa defesa comum; isto é, teriam que formar entre elasuma província autônoma. Além disso, se as provínciasnão são autônomas, terão de ser governadas por funci-onários designados pelo Estado. Não há meio-termoentre um federalismo rigorosamente coerente e um re-gime burocrático...”14 O federalismo rigorosamente coe-rente será aquele que resulta da associação local quese prolonga em associação federativa de localidades. E,

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mais ainda, o federalismo que se opõe ao regime buro-crático será aquele que resulta da associação propicia-da pelas relações econômicas.

A organização política dos trabalhadores é, paraBakunin, corolário da organização do trabalho. Nasrelações econômicas livres não só são acionadas aspráticas que desarticulam as relações de dominaçãocapitalista, como também emergem as idéias políti-cas que transbordam em uma ética anti-autoritáriaque, desta maneira, diria Bakunin, dão coerência àdescentralização. O pensamento econômico libertá-rio pode também ser pensando pela idéia do governodas coisas, em detrimento do governo das vontades;e a força das coisas pode pôr em movimento práticasde liberdade que respondem aos costumes estabele-cidos pela força das idéias, das verdades, ou das von-tades. Assim, em 1869, escreve Bakunin: “Os funda-dores da Associação Internacional dos Trabalhadoresatuaram com tanta mais inteligência evitando colo-car princípios políticos e filosóficos como base destaassociação, e destinando a ela antes de mais nada,como único fundamento, a luta exclusivamente eco-nômica do trabalho contra o capital, porque tinham acerteza de que, desde o momento em que o operáriopõe os pés nesse terreno, desde o momento em quese compromete com seus companheiros de trabalhoem uma luta solidária contra a exploração burguesa,ao ganhar confiança, tanto em seu direito como emsua força numérica, perceber-se-á necessariamenteconduzido, pela força mesma das coisas e pelo de-senvolvimento dessa luta, a reconhecer rapidamentetodos os princípios políticos, sociais e filosóficos daInternacional; princípios que de fato não são outracoisa que a justa exposição de seu ponto de partida,de sua finalidade.”15

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Bakunin será um observador atento: lembra semdescanso que as lutas revolucionárias não raro resul-tam em acertos de conveniência, que não fazem maisdo que atualizar relações de dominação. Lembra tam-bém que uma idéia, mesmo a mais nobre, sempre queimposta, é mais uma vez um exercício de força, um au-toritarismo. Se a liberdade não deve ser celestial, e sedeve afetar a massa trabalhadora embrutecida pelo há-bito ou pelo medo, antes da discussão e propagação deidéias acerca da liberdade, cabe interromper o hábito eo medo pela afirmação de práticas de liberdade. Lutarno interior do sistema para conquistar direitos, vanta-gens oferecidas pelo próprio sistema, é mais do que per-der o tempo, é compactuar. E, desde La Boétie, o hábi-to, o medo e a conveniência preservam a obediência aoum, ou a servidão voluntária.16

A insubmissão contra as relações econômicas dedominação reverbera, inclusive, contra a dominaçãopelas idéias, já que “(...) desde o momento em que umoperário, confiando na possibilidade de uma próximatransformação radical da situação econômica, associa-do aos seus companheiros, começa a lutar seriamentepela diminuição de suas horas de trabalho e o aumentode seu salário; desde o momento em que começa a seinteressar vivamente por essa luta estritamente mate-rial, cabe estar seguro de que abandonará em poucotempo todas suas preocupações celestiais, e que, seacostumando a contar cada vez mais com a força coleti-va dos trabalhadores, renunciará voluntariamente aosocorro do céu.”17 Não se trata, novamente, da separa-ção entre as idéias e os fatos, de antepor umas aos ou-tros, ou vice-versa: de novos costumes, de novas rela-ções emergem idéias que os acompanham. Mais do queum pensamento que se constrói e se afiança antes ou

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depois dos fatos, tratar-se-ia de um pensar presente,que nem precede nem atesta.

Em 1869 Giuseppe Fanelli chega à Espanha. Apre-senta o programa da Aliança da Democracia Socialista,escrito por Bakunin. A Aliança é uma organização es-pecífica do anarquismo, coletivista. Junto a Bakunin,formam parte dela cerca de 30 intelectuais de diferen-tes países, dentre eles os irmãos Reclùs. Um ano maistarde, no dia 19 de junho de 1870, seria fundada a se-ção espanhola da Primeira Internacional, no Congressodo Teatro Lírico de Barcelona.

... e a seção espanhola

Gaston Leval resume os sete artigos da Aliança daDemocracia Socialista que Fanelli apresenta aos operá-rios espanhóis: “A Aliança professa o ateísmo; quer aigualdade política, econômica e social dos indivíduosde ambos sexos... A terra, os instrumentos de trabalho,e todo o capital, ao se tornar propriedade coletiva dasociedade só devem ser utilizados pelos trabalhadores,isto é, pelas associações agrícolas e industriais. A Ali-ança quer, para todas as crianças de ambos sexos, edesde seu nascimento, iguais meios de desenvolvimen-to, isto é, de existência física, de instrução, de acesso atodos os aspectos da ciência, das indústrias e das ar-tes... Declara que todos os Estados políticos e autoritá-rios que existem na atualidade haverão de desaparecerna união universal das livres federações, tanto agríco-las como industriais... Não podendo, o problema social,encontrar uma solução definitiva e real a não ser sobrea base da solidariedade internacional dos trabalhado-res de todos os países, a Aliança rejeita toda políticafundada no chamado patriotismo e na rivalidade dasnações... Quer a associação universal de todas as as-

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sociações locais graças à liberdade.”18 Estes princípiosserão projetados em práticas de ampliação de liberda-des que, durante os quase 70 anos que distam entre achegada de Fanelli à Espanha e a eclosão da GuerraCivil Espanhola, descrevem um estilo de vida, a produ-ção de relações livres como ética que responde contun-dentemente à continuidade do governo centralizador.

A invenção de relações econômicas que prescindemda centralização não é resultado da propagação de umaidéia, não devém da imposição de um programa. Essasrelações transbordam as palavras que as pensam, es-tão no meio, entre as palavras que delas emergem, eque dissolvem a figura do pensamento guia, interpreta-ção e síntese. No Congresso de Barcelona estão repre-sentados 40 mil trabalhadores, de uma população de18 milhões de habitantes. E serão discutidos temas quepercorrerão os anos seguintes na elaboração tanto deuma organização federalista, descentralizada e interna-cionalista, como também de novos costumes, contra ohábito, o medo e a conveniência da submissão.

Em Barcelona, a comissão sobre organização socialdos trabalhadores delineará o federalismo que será pen-sado vivamente na Espanha: cada comunidade se orga-nizará em seções ou sindicatos de ofício, incluída umaseção de ofícios vários; todas as seções de uma mesmacomunidade se federalizarão, propiciando a cooperação;por sua vez, as associações de ofício de diferentes co-munidades também se federalizarão, propiciando a re-sistência; as federações locais conformarão a federaçãoregional espanhola, e serão representadas em um con-selho federal eleito nos congressos; as federações deofícios, locais e regional se regerão pelos regulamentosdeterminados nos congressos e todos os trabalhadoresdeterminarão, por seus delegados nos congressos, osmodos de ação e desenvolvimento da organização. Em

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1919, ocorre o Congresso do Teatro da Comédia de Ma-dri: desde então os sindicatos de ofício passarão a sersindicatos de indústria e se afirma o comunismo liber-tário da Confederación Nacional del Trabajo, CNT, quefora fundada em 1910.

Os congressos se sucederão durante mais de dezanos, ainda que o governo de Madri decretasse a ilega-lidade da Internacional em 1872. Nesse ano é realizadoo Congresso de Zaragoza, no qual pela primeira vez serelaciona a emancipação feminina ao problema da pro-priedade, e pela primeira vez também, afirma Leval, otema do ensino integral é objeto de análise tão profun-da que “quase se poderia dizer que — desde então —nenhum dos grandes mestres da pedagogia foi mais lon-ge.”19 Mas no Congresso de Zaragoza será posta emmovimento uma frase que desde então percorrerá oanarquismo espanhol: em economia, o coletivismo, empolítica, a anarquia, em religião, o ateísmo.20 A proprie-dade comum dos meios de produção e, neste momento,a propriedade individual do produto do trabalho, e odesaparecimento dos governos serão variáveis sobre asquais a dissolução da separação entre política e econo-mia se projetará em práticas de autogestão. A partir de1887, o coletivismo espanhol incorporará mais uma fra-se: a cada um segundo suas necessidades, de cada umsegundo suas possibilidades. Desaparece a propriedadeindividual do fruto do trabalho.

Em 1882, com o fim da clandestinidade, é realizadoo congresso de reabertura da Internacional em Barce-lona. O confronto entre os dois socialismos, o marxistae o anarquista, é explicitado. Disse Marx, no Congressode Haia de 1872: “A conquista do poder político é o pri-meiro dever do proletariado.” Dizem os anarquistas, em1882: “Nossa organização, de caráter meramente eco-nômico, separa-se dos partidos políticos, burgueses e

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operários, os combate porque todos esses partidos or-ganizam-se para a conquista do poder, enquanto quenós nos organizamos para destruir todos os Estadospolíticos atualmente existentes e substituí-los por umafederação livre de livres associações de trabalhadores li-vres.”21 Em 1872 os anarquistas são expulsos da Inter-nacional...

Desde 1870, e também durante os nove anos quedura a clandestinidade, a imprensa libertária circulaintensamente. Em 1936, publicações como SolidaridadObrera, da CNT, de Barcelona, publica 40 mil exempla-res por número, ou a revista Estudios, de Valencia, en-tre 65 e 75 mil exemplares. A imprensa espanhola nãogira em falso sobre a crítica ao sistema: afirma. A orga-nização econômica como ação libertária aparece entreas muitas publicações, e seus muitos exemplares. An-tes, durante e depois da clandestinidade, na intensaimprensa anarquista circularão os temas que perpas-sam as novas relações: a organização federalista e des-centralizada, a igualdade entre os sexos, a educaçãointegral... Mesmo onde a economia é precária, e na Es-panha de então o era, e muito, ler, escrever, publicar,conversar ou pensar não deixava de ser um gesto vitaldo dia-a-dia. Em 1873, a Federação espanhola tem 162federações locais constituídas e 62 em formação.

Em 1887, o jornal de Barcelona El Productor publicao manifesto produzido no mais recente congresso: asrelações livres pautam-se pela comunidade de interes-ses e a reciprocidade de direitos e deveres. São nova-mente traçadas as linhas que desenham um — entreuns — anarquismo. Se esse anarquismo, o que irrompe,na Espanha de 1870, e transborda, na de 1936, podeser descrito como coletivista ou comunista libertário, ésempre bom lembrar que se trata aqui de uma analíti-ca, portanto não se trata de resumir em três ou quatro

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palavras a vida: o anarquismo espanhol tem por proce-dência mais evidente o comunismo libertário de Baku-nin, o que não quer dizer que esse anarquismo, suasidéias, sejam o duplo espelhado nos fatos. Na série, idéi-as perpassam, e atualizam e, como os fatos, são semprecomposição. O manifesto, com a idéia de contrato, tam-bém nos leva a Proudhon: “A unidade social é essenci-almente o produtor... O primeiro grupo social é o grupode produtores de um mesmo ramo de trabalho. O con-trato fundamental conclui-se entre o produtor e o gru-po correspondente dos produtores de um mesmoramo.”22 Não há espelho, e idéias não capturam a vida.

Como primeiro movimento na série, observamos,então, as relações econômicas como invenção que in-terrompe a política. Frank Mintz nos lembra que o anar-quismo espanhol “(...) foi uma tática que respondia àsnecessidades dos trabalhadores, e que foi a primeiraque apareceu na Espanha. Portanto, os outros movi-mentos não tinham possibilidade de se desenvolve-rem.”23 Como força dessa invenção, então, podemosencontrar tanto o fato de ter sido o primeiro movimentooperário que emerge na Espanha, como também o fatode tê-lo feito respondendo diretamente às necessida-des presentes. Mais do que como primeira forma de or-ganização, a força do anarquismo espanhol nos sugereque cabe pensá-lo como primeiro movimento contun-dente, dimensionando sua contundência como açãodireta, talvez capacidade de se misturar, de mergulharnos fatos e, com eles, ao uníssono, pensar. Sobre isso,Leval nos convida um pouco mais aos detalhes, quandonos diz que o anarquismo espanhol “(...) — digamos,melhor, o socialismo federalista anti-autoritário — pre-cedeu ao socialismo autoritário, ou de Estado, benefici-ando-se dessa antecipação. Mas, além da influência queexerceu sobre os espíritos, também conquistou melhor

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os homens. Porque não só rejeitava a autoridade exteri-or ao indivíduo, diante da qual propunha o auto-gover-no: influenciava a sociedade mediante a obra culturalestendida nas massas.”24 Não foi a idéia de uma socie-dade livre que se impôs como programa a ser seguido,mas, na Espanha, observamos a construção de relaçõeslivres únicas, possíveis naquele tempo e lugar, entreaquelas pessoas e, assim, uma construção que foge àstotalizações. Pois impor uma idéia de liberdade, aindaque não se apelasse à necessidade, passageira, do Es-tado, não deixaria de ser um absolutismo. Mas aqui nãofazemos mais do que um gesto de palavras, já que, esteou aquele, o anarquismo é uma resposta contundenteà continuidade da autoridade universal porque inventaa vida sem ela e, como invenção, se mostra único. Ouvoltemos a Proudhon: se a idéia antecede aos fatos e,portanto, distancia-se do movimento, é, qualquer queseja, um absolutismo. E a liberdade absoluta é, obvia-mente, um absolutismo. Como idéias em movimento, oanarquismo projeta-se e potencializa-se das relaçõeseconômicas em novos costumes.

Primeira e direta, clara e vital, diante da interrup-ção deste governo — reforma, chame-se revolucionáriaou não — com a interrupção do governo, a invençãoanarquista das relações econômicas na Espanha é tam-bém mais, mais ainda no detalhe: os anarquistas daEspanha compreenderam o problema espanhol do cam-po, em um país de economia muito mais agrícola doque industrial; souberam ser propagandistas mais doque entusiastas, certeiros, e escreveram, leram, ouvi-ram e conversaram, e como; compreenderam a impor-tância da educação integral, e a pensaram apaixonada-mente; souberam atuar na clandestinidade; foram osprimeiros a transformar os sindicatos de ofício em sin-dicatos de indústria; e, diante dos reformadores mais

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ou menos criativos, os anarquistas tiveram imaginação.25

Ao abrir mão do senhor de esquerda, de direita, de nemuma coisa nem outra, do uno, um ou vários ou todos,enfim, ao ter a coragem de viver na desmesura, o anar-quismo espanhol evidenciou, para todas as nuances deEstado, do rei, do povo e do proletariado, ou melhor, dopartido, “(...) que é possível uma convivência sem dita-dura; mais ainda: que é possível justamente por isso.Refutou a funesta mania da ditadura como etapa ne-cessária de transição ao socialismo e a desmascaroucomo um reflexo de fatos falsos que servem de folhas delouro a um novo despotismo.”26

Como segundo movimento da série, o anarquismoespanhol é uma invenção produtiva de relações econô-micas, lá onde a economia de Estado escancara a falên-cia. A Espanha de 1936 é um país — sem retórica — damiséria. E o anarquismo saberá inventar, sem a inter-venção do Estado, práticas livres e produtivas, de umponto de vista econômico.

Produzindo na revolução

Em 1936, a Espanha tinha 24 milhões de habitan-tes, distribuídos em seus 505 mil quilômetros quadra-dos com solo produtivo de 28 por cento que, em 90 porcento de sua extensão, vai de rochas a terras medío-cres. Para uma economia agrícola, apenas dez por cen-to de terras altamente férteis já seria um problema, nãotivéssemos ainda de considerar outras particularidadesgeográficas e a distribuição da propriedade. O relevomontanhoso subtende a um clima de extremos, entrechuvas e estiagem, ventos, estepes, aridez, solos poro-sos, frio, calor, isolamento... Enfim, um país agrícola,como lembra Leval,27 que acolhe, melhor do que qual-quer outra coisa, carneiros, animal de estepes, e olivei-

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ras, árvores de terras infecundas: sinais de problemaseconômicos.

A propriedade da terra também é de extremos, e vai,fundamentalmente, do latifúndio ao minifúndio semgradações. Com a devida concentração: 2,04 por centodos 1 milhão 23 mil proprietários de terras possui 67,15por cento delas. E mais de 60 por cento da populaçãodependia diretamente da terra para sobreviver. E maisde 80 por cento dos proprietários de terras não obtinhadelas mais do que uma peseta diária, sendo que, porexemplo, um quilo de carne custava aproximadamentecinco pesetas.

A coletivização no campo foi um movimento, sim,revolucionário, mas evidentemente produtivo. A ediçãode julho de 2006 do jornal Tierra y Libertad, da Federa-ción Anarquista Ibérica, FAI, nos apresenta o impactoda produtividade das coletivizações agrícolas: “As cole-tividades demonstraram uma capacidade construtivaassombrosa, aumentando a produção agrícola. Novasterras foram preparadas para o cultivo, para o qual fo-ram introduzidos modernos procedimentos. Foram fei-tas também obras para irrigação e outras melhorias.”28

O aumento da produção agrícola lembrado por Tierra yLibertad expressa-se em um incremento de 30 a 50 porcento da produtividade da terra, possibilitado de inícioporque os anarquistas entenderam que o problema docampo não se resolve pela fragmentação, ainda que decaráter igualitário, das grandes propriedades de terra:a divisão da terra em pequenas propriedades é um aten-tado à produtividade da terra, e a proliferação de mini-fúndios garante a proliferação, ou manutenção, da mi-séria. Isso, em 1936, já estava mais do que claro. A co-letivização preservou, e incrementou, as extensões deterra cultivada e, sendo que a terra passa a ser da co-munidade, sua produtividade é potencializada para o

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usufruto de toda a comunidade. Com isso, aumenta-ram as áreas semeadas, pela expropriação de terras im-produtivas, foram aperfeiçoados métodos de cultivo, coma utilização racional da energia humana, animal e me-cânica, foram diversificados os cultivos, outro fator deincremento de produtividade, foram criadas escolas téc-nicas, e mais, foi iniciada a alfabetização de adultos, efeitas conferências, cinema, teatro, leituras... A auto-gestão no campo evidenciou que produzir na revoluçãonão é apenas, o que já foi surpreendente na Espanha,potencializar os índices econômicos, é também, e com amesma intensidade, potencializar as relações culturais,as convivências.

Tanto no campo como na indústria, os anarquistastambém souberam incorporar o saber técnico. Agrôno-mos, engenheiros, técnicos com conhecimentos espe-cíficos participaram de um planejamento econômico que,como não podia deixar de ser, emergia das relações di-retas de cada comunidade, das coletividades, estenden-do-se aos comitês locais e deles ao comitê regional. Sa-beres federados, dissolvida a estúpida oposição entresaber científico e saber popular, ou a burocrática, por-tanto improdutiva, distância entre ciência e relações detrabalho, graças à intermediação, obviamente autoritá-ria, do Estado e da propriedade privada, ou melhor, dolucro. Em poucas palavras, novamente Tierra y Liber-tad, para descrever um pouco mais o como deste movi-mento produtivo na revolução: “Foram organizados mu-nicípios livres federados, dando a cada população o sis-tema de vida mais acorde a suas necessidades. Os meiosde produção foram socializados, tudo passou a ser pro-priedade do povo. O dinheiro foi abolido e foram organi-zados armazéns para a repartição dos alimentos, dandoa cada um o bastante para cobrir suas necessidades.”29

A coletivização no campo espanhol foi longe, ao limite:

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as relações econômicas livres prescindiram da moedanacional. Foram ensaiadas várias experimentações:moeda local, bônus de consumo, ou simplesmente abo-lição da equivalência entre as coisas e a abstração mo-netária. Isso só aconteceu no campo. Se a coletivizaçãocomo desdobramento produtivo na revolução foi maisforte no campo, e lembremos que a Espanha era umpaís fundamentalmente agrícola — isto nos leva a pen-sar que não se trata apenas, como nunca se trata, derelações de produção, mas de relações e distribuição derelações de poder —, é claro que não houve um abismoentre o campo e a cidade, nem mesmo distanciamento,pois a ética libertária que se desenhou aqui desde 1870propiciou a dissolução de demarcações desse tipo, masa coletivização industrial teve suas particularidades.

A produção industrial durante a Guerra Civil estevepautada pela economia de guerra: era necessário fabri-car instrumentos de combate. Mas, antes disso, pense-mos que se em 1936 a economia espanhola era umaeconomia agrícola, o país dependia industrialmente deeconomias estrangeiras, e isso, ainda sob os efeitos doacontecimento de 1929, descreve eloqüentemente a si-tuação da economia. Cerca de oito por cento da popula-ção espanhola de então30 estava empregada na indús-tria. Dentre eles, mais de 15 por cento, a maioria mu-lheres, trabalhava para a indústria de vestidos. Aeconomia industrial sustentava-se nas indústrias têx-til, de construção e de alimentação. Estas indústriasocupavam mais da metade do total dos trabalhadores.As indústrias, consideradas básicas, de mineração e me-talurgia, apenas absorviam um pouco mais de dez porcento dos trabalhadores. E cerca de 70 por cento daindústria concentrava-se na Catalunha.

Foi na Catalunha que a coletivização industrial, ousindicalização, como é chamada por Leval, teve maior

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força. Nessa região, a coletivização acontece em doismomentos: o primeiro, que resulta da necessidade demanter a indústria em funcionamento e de fazê-la fun-cionar no interior da guerra, é o momento da adminis-tração direta das fábricas por parte dos trabalhadoresorganizados em comitês. Não só porque a própria pro-dução industrial é evidentemente muito mais fragmen-tada do que a produção agrícola, mas também comoresultado da urgência da produção de guerra, e da di-mensão dessa urgência diante de uma indústria peque-na e concentrada em uma região, é neste primeiro mo-mento que será mais intensa a fragmentação projetadanas relações econômicas. Se houve particularidades nosdiferentes ensaios de sindicalização, de qualquer ma-neira podemos prosseguir na série das relações econô-micas livres. O segundo momento resulta do Congressode Barcelona, de outubro de 1936. Seria pensada a so-cialização industrial, e, como resultado, seria implemen-tado o controle do governo catalão sobre a autogestão.Esse controle, porém, buscava evitar a concorrência e oconfronto e coordenar a economia regional, mas não sesobrepunha à organização libertária da produção, pre-servando a autogestão de cada fábrica como base dosistema federalista: “O federalismo propiciava uma gran-de flexibilidade de ação indispensável, dadas as dife-renças regionais. Cada comitê regional, comarcal oulocal podia tomar iniciativas sem ter de consultar comi-tês centrais mais ou menos conhecedores dos proble-mas.”31

A socialização das indústrias da Catalunha dirigiu-se às fábricas que empregavam mais de 100 trabalha-dores, àquelas abandonadas por seus donos, ou cujosproprietários tivessem sido considerados fascistas e, fi-nalmente, àquelas fábricas ocupadas em atividades con-sideradas essenciais para a economia nacional naquele

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momento. Conviveram, assim, durante a Guerra Civil,um setor socializado e outro privado. Frank Mintz ob-serva que o ponto forte da coletivização industrial “(...)era que o comunismo libertário consistia em um siste-ma de trusts horizontais e verticais, de concentração deempresas para uma melhor e maior produção, elimi-nando a concorrência estéril e os interesses econômi-cos internacionais (sub-exploração mineira da Espanhapara manter altos preços mundiais).”32 A organizaçãode conjunto da economia industrial também resultouno fechamento de pequenas fábricas e da reunião deforças em empreendimentos maiores e de maior impor-tância estratégica. E prossegue Mintz, dimensionandoa potência da organização econômica anarquista, que,federativa e descentralizada, faz circular as coisas apartir da localidade direta, mas em constante amplia-ção: “O comunismo libertário mostra-se como uma mis-tura de simplismo e de planejamento extremado capazde ser aplicado a uma nação, e que na Espanha, dado odesequilíbrio social e econômico, era uma solução maisadequada do que a atual.33 Seu atrativo principal con-sistiu na tomada da direção pelos sindicatos sem der-rubar as estruturas existentes e seu chamado à união ecoordenação de todos sobre bases concretas fora dasdiscrepâncias teóricas.34 No segundo movimento da sé-rie, como no primeiro, notamos que as invenções liber-tárias não se esquivam de coexistir, e mais, a coexis-tência acompanha um pensar que, por sua vez, não seesquiva da vida. E na vida há tanta composição quantorisco. O movimento de reação, que aspira à pureza daidéia, deve, antes de mais nada, eliminar aquilo que nãoo repete. Coexistir na diferença só é possível quando éa vida, antes do que as idéias, o que interessa.

Assim como no campo, ou melhor, assim como nosdiversos anarquismos, as relações de produção indus-

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trial também foram atravessadas por invenções impro-dutivas do ponto de vista econômico, e os anarquistasnovamente não deixaram de se dedicar apaixonadamen-te à mesma invenção de convivências que apareceramno campo. Aqui, mais do que de qualquer outra manei-ra, a afirmação de existências livres desmonta distânci-as entre campo e indústria.

Enfim,

É sempre bom lembrar que a escrita é uma prática.Pensar é uma prática, e o pensamento pode tanto ins-crever-se na linha dura da história das idéias, ecoandona eterna luta entre vencedores e vencidos, como tam-bém pode irromper como linhas de fuga que provocamconfrontos, que nada pacificam, que nenhuma novaordem estabelecem. Experimentar pontos de vista é umaprática, uma prática libertária, uma prática que faz dopensar uma questão de vida, não de vida ou morte.

Um pensar vivo prescinde de demarcações e de dire-ções: prescinde da filiação a esta ou aquela teoria, oumesmo a esta ou aquela tendência, e prescinde tam-bém do famoso vaivém entre a teoria e a prática, naeterna discussão sobre o que deve vir primeiro. Um pen-sar vivo acontece. Leva-nos a práticas, a costumes, arelações ou a confrontos. Confronta-nos, não com nos-sas idéias ou convicções, mas com a nossa vida. Muitomais do que ver ou tentar entender a vida, o que, mes-mo com a melhor das intenções, resultaria em um jul-gamento sobre o pensado, um pensar vivo é uma ques-tão de pele e de nervos. Muito mais do que idéias sobrea liberdade, há, no anarquismo, vida. Porque há inven-ção, insubmissões, insubmissas também com o pensa-mento que explica e julga. Um pensar vivo é um pensaranárquico e anarquizante. E, a esta altura, pensar o

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anarquismo deixa de ser inscrever o anarquismo naslutas que descrevem a história, deixa de ser tentar di-mensionar a vida segundo as idéias que a pacificam,entre demarcações e direções que não lhe pertencem.

Um pensar anárquico desconhece a continuidade daslutas, dos acordos entre vencedores e vencidos, da com-placência dos que observam e acatam. Inventa. Os er-ros, os acertos e as contas para aqueles que queremsopesar, valorar, estabelecer e medir. Invenções irrom-pem, sem pedir licença, muito menos perdão.

E agoraque fazercom esta manhã desabrochada a pássaros?

Manoel de Barros, Canção do ver

Notas:1 Pierre-Joseph Proudhon. “A ciência enquanto modo particular de seriação:negação da idéia de substância e de causa”, in Paulo-Edgar A. Resende e Ed-son Passetti (Org.). Pierre-Joseph Proudhon. Coleção Grandes Cientistas Sociais.Florestan Fernandes (Coord.). Tradução de Célia Gambini e Eunice OrnelasSetti. São Paulo, Ática, 1986, p. 43.2 Pierre-Joseph Proudhon. Filosofía del progreso – Programa, con una carta del autorsobre sus ideas económicas. Tradução e prólogo de Pi y Magall. Primeira edição de1851. Madrid, Librería de Alfonso Durán, 1869, p. 35.3 Proudhon usa aqui progresso como avanço, apenas para mostrar que a demo-cracia é preferível à monarquia.4 Pierre-Joseph Proudhon. ¿Qué es la propiedad? Tradução de Rafael García Or-maechea. Primeira edição de 1840. Barcelona, Ediciones Orbis, 1983, p. 44.5 Cabe observar, entretanto, que Proudhon será um crítico severo, e certeiro,da democracia fundada nos princípios da teoria contratualista: “Segundo al-guns, a sociedade é a justaposição de indivíduos similares, cada um dos quais

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sacrificando uma parte de sua liberdade para que todos possam permanecerjustapostos, sem se agredirem uns aos outros e viver juntos em paz. Tal é averdadeira teoria de Rousseau, que não é mais do que o sistema da teoria go-vernativa, não mais, é certo, da arbitrariedade de um homem, príncipe ou tira-no, mas o que é muito mais grave, da arbitrariedade da multidão, da arbitrarie-dade do sufrágio universal. Segundo convenha à multidão ou aos que a inspi-rem estreitar mais ou menos o vínculo social, dar mais ou menos espaço àsliberdades locais e individuais, o pretendido Contrato social pode ir desde ogoverno direto e parcial do povo até o cesarismo, desde as simples relações devizinhança até a comunidade de bens e ganhos, de filhos e de mulheres. Tudo oque em matéria de extrema licença e de extrema servidão podem sugerir arazão e a história se deduz com igual facilidade e igual rigor lógico da teoriasocial de Rousseau.” (Proudhon, op. cit., 1869, pp. 47-48). E mais, no interiordo anarquismo, desde A justiça política, de William Godwin, a crítica ao contra-tualismo desenha descontinuidades sobre o argumento da necessidade do go-verno sobre todos. Esta crítica radical à democracia, porém, não invalida oargumento de que quanto maior a preponderância do princípio de liberdadeem um governo mais preferível será este governo, o que nos levaria a preferiruma democracia à uma monarquia. Proudhon retomará este argumento em1863, com O princípio federativo.6 Pierre-Joseph Proudhon, 1869, op. cit., pp. 46-47.7 Pierre-Joseph Proudhon, 1986, op. cit., p. 45.8 Idem, p. 47.9 Ibidem, p. 51.10 William Godwin. Investigación acerca de la justicia política, y su influencia en la virtudy la dicha generales. Tradução de Jacobo Prince. Primeira edição de 1793. BuenosAires, Americalee, 1945, p. 250.11 Gaston Leval. Conceptos econômicos en el socialismo libertario. Buenos Aires, Imán,1935.12 Pierre-Joseph Proudhon. El principio federativo. Primeira edição de 1863. Ma-drid, Aguilar, 1971, pp. 37-38.13 Pierre-Joseph Proudhon. La capacidad política de la clase obrera. Buenos Aires,Proyección, 1974, p. 62.14 Mikhail Bakunin. “Federalismo, socialismo y antiteologismo”, in Escritos defilosofía política, el anarquismo y sus tácticas. Compilação de G. P. Maximoff. Tradu-ção de Antonio Escohotado. Madrid, Alianza Editorial, 1990, p. 20.15 Mikhail Bakunin. “Política de la Internacional”, in Eslavismo y anarquia – selec-ción de textos. Tradução de Ander Haritz Elorza Bizcarrondo. Madrid, Espasa,1998, p. 248.

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16 Cf. Etienne de La Boétie. Discurso da servidão voluntária. Tradução de LaymertGarcia dos Santos. Primeira edição de 1577. São Paulo, Editora Brasiliense,2001.17 Mikhail Bakunin, 1998, op. cit., p. 254.18 Gaston Leval. Colectividades libertarias en España. Livro 1. Buenos Aires, Proyec-ción, 1974a, pp. 18-19. A íntegra deste texto pode ser consultada em: MijailBakunin. “Programa de la sección de la Alianza de la Democracia Socialista enGinebra (1868)”, in Bakunin, 1998, op. cit., pp. 241-242.19 Gaston Leval, 1974a, op. cit., p. 25.20 Esta frase aparece, pela primeira vez, no programa da Federação do Jura.Chega à Espanha já no Congresso de Barcelona, de 1870, mas, como observaLeval, é no congresso de Zaragoza que ela começará a tomar força.21 Apud Gaston Leval, 1974a, op. cit., p. 29.22 Apud, Idem, p. 32.23 Frank Mintz. La autogestión en la España revolucionaria. Madrid, Las Edicionesde La Piqueta, 1977, p. 18.24 Gaston Leval, 1974a, op. cit., p. 34.25 Cf. Joaquín Maurín. Revolución y contrarrevolución en España. Paris, Ruedo Ibéri-co, 1966.26 Rudolf Rocker. Revolución y regresión. Tradução de Diego Abad de Santillán.Puebla, Editorial Cajica, 1967, p. 822.27 Cf. Gaston Leval. Colectividades libertarias en España. Livro 2. Buenos Aires,Proyección, 1974b.28 Tierra y Libertad. Editado por la Federación Anarquista Ibérica. Madrid, Quei-mada, no. 216, julho de 2006, p. 8.29 Idem, p. 9.30 Ou, em outros termos, entre 22 e 23 por cento da população economicamen-te ativa, ou ainda, menos da metade da população empregada no campo. Cf.Gaston Leval, 1974b, op. cit.31 Frank Mintz, 1977, op. cit., p. 68.32 Idem, p. 52.33 A primeira edição do livro de Frank Mintz é de 1976. Lembremos que aditadura de Francisco Franco se encerra em 1975, com sua morte.34 Frank Mintz, 1977, op. cit., p. 68.

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RESUMO

A analítica da série proposta por Proudhon permite pensar, naGuerra Civil Espanhola, as relações econômicas no interior doanarquismo como invenções de liberdade que interrompem acontinuidade da necessidade do governo sobre todos.

Palavras-chave: analítica serial, anarquismo, relações econô-micas.

ABSTRACT

The series analysis proposed by Proudhon opens space to think,in the Spanish Civil War, the economic relations within anar-chism, as invention of freedom that shatters the continuity ofthe need of government for all.

Keywords: series analysis, anarquism, economic relations.

Recebido para publicação em 03/04/2006. Confirmado em31/07/2006.