Exercicios a Lingua de Eulalia

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  • EXERCCIOS COMPLEMENTARES LEITURA DO LIVRO

    A LNGUA DE EULLIA

    Estes exerccios foram elaborados para que voc leve adiante a reflexo e a pesquisa sobre os temas discutidos em A lngua de Eullia. Em sua maioria, so exerccios que apelam para a capacidade de formular hipteses, tirar concluses a partir dos dados oferecidos e teorizar sobre os assuntos. Se quiser discutir com o autor, tirar dvidas e fazer comentrios ou sugestes, mande uma mensagem para [email protected]. Bom trabalho!

    1) Compare os quadros abaixo:

    Que concluses podemos tirar dessa comparao?

    2) Existe um interessante fenmeno de concordncia verbal que j se tornou praticamente uma regra no portugus brasileiro contemporneo, sobretudo falado, mas tambm escrito, em todas as classes sociais, independentemente do grau de escolarizao dos falantes. Observe os exemplos abaixo, retirados de lngua escrita produzida por sujeitos plenamente escolarizados, procure coletar outros exemplos e tente formular uma explicao para o fenmeno:

    i. O sobrenatural aqui fica em segundo plano. A postura da me [...] que tenta provar a todos que pode cuidar da filha sozinha o ponto mais valorizado. Mas, claro, por estar inserido no filo, acontece algumas situaes tensas aqui e outras ali principalmente no terceiro ato da trama. (Correio Braziliense: http://divirta-se.correioweb.com.br/cinema.htm [acesso em 12/8/2005])

    ii. De fato, bastante presente nas histrias das lnguas essas duas camadas de uma dinmica [...] (Texto produzido por estudante de Letras da Universidade de Braslia)

    iii. Quando era garoto jogava futebol na rua e ficava as marcas de bola nas paredes. Peguei essa idia e fiz uma imensa parede com furos, como se fosse uma marca de bola. http://www.fjsp.org.br/aquarela/cult_30a.htm [acesso em 20/8/2006]

    iv. A que ponto chegou os polticos no Brasil. O Congresso Nacional virou uma quadrilha de ladres. Em que o povo e o Pas ficaram para o segundo plano. http://oglobo.globo.com/servicos/blog/comentarios.asp?cod_Post=6974 [acesso em 20/8/2006]

    LATIM PORTUGUS pretiu preo iustitia justia cupiditia cobia factitiu feitio pigritia preguia

    PORT.-PADRO PORT. NO-PADRO pacincia paciena notcia notia imundcie mundia edifcio edifio polcia polia

  • v. Antonio Manoel, muito me encantou os poemas da 18a. atualizao. Parabns mais uma vez... http://www.sardenbergpoesias.com.br/livro.php?livro=6&di=102 [acesso em 20/8/2006]

    3) Segundo as gramticas normativas, o pronome LHE deve ser usado unicamente com a funo de objeto indireto com referncia 3 pessoa do singular, como em Dei o livro a Pedro = Dei-lhe o livro. No portugus brasileiro contemporneo falado, no entanto, as regras de uso do pronome LHE so bem diferentes da prevista pelas gramticas normativas. Observe, na variedade de sua cidade ou regio, (i) se o LHE usado habitualmente na fala das pessoas; (ii) se for usado, qual a funo que esse pronome realmente exerce nessas manifestaes da fala; (iii) se existe diferena social importante entre as pessoas que usam o LHE nessa variedade com essas funes.

    4) Examinando a histria da lngua portuguesa encontramos diversos casos de quebra de grupos consonantais por meio da insero de uma vogal:

    planu > pro > poro blatta > brata > barata kruppa > grupa > garupa

    Esse fenmeno recebe o nome tcnico de suarabcti ou anaptixe Ele continua em ao no modo de pronunciarmos palavras como pneu, advogado, rapto, em que procuramos dar voz s consoantes chamadas mudas. Observe que muitas dessas consoantes mudas deixaram de ser escritas porque deixaram de ser pronunciadas (sobretudo por ns, brasileiros): dire[c]tor, a[c]tor, ado[p]tar, Egi[p]to, c[p]tico, fa[c]to, afe[c]to, ce[p]tro, au[g]mentar, car[c]ter, fleu[g]ma etc. O suarabcti tambm se encontra em palavras caractersticas de algumas variedades regionais brasileiras como ful (flor), paricro (parceiro), taramela (tramela), term (trem), convuluo (convulso), dificulidade (dificuldade) etc. Formule uma hiptese para explicar essa tendncia.

    5) Em certas variedades do portugus brasileiro ocorre a pronncia tch da consoante

    /t/ em palavras como tia, tiro, cativo, otite, lote etc.. Em outras variedades, a mesma pronncia tch ocorre em palavras como oito (pronunciada otchu) e muito (pronucniado muntchu), tal como se d em espanhol com as palavras ocho e mucho. O surgimento desse som palatal tch tem uma mesma explicao lingstica nos dois casos. No entanto, sabemos que existe uma diferena importante na avaliao social dessas pronncias. Diante disso, responda: (i) que fenmeno de ordem fontica explica o surgimento dessa pronncia?; (ii) por que existe diferena de avaliao social para os falantes que dizem tchia/ otchitche e para os que dizem otchu / muntchu?

    6) Em variedades rurais brasileiras encontramos formas lingsticas como la (com

    nasalizao do u), fruita, luita, dereito, sumana, adonde, entre outras, que so alvo de estigma e preconceito da parte dos falantes urbanos. No entanto, essas mesmas

  • formas aparecem registradas em textos portugueses arcaicos, medievais. O que isso nos revela?

    7) O tratamento dado variao lingstica em muitos materiais didticos ,

    freqentemente, superficial e distorcido. O principal problema a desconsiderao de que tambm ocorre variao lingstica na lngua falada (e escrita) dos cidados plenamente escolarizados, com alto poder aquisitivo e prestgio social. A variao lingstica, portanto, no exclusividade dos falantes rurais, pobres, analfabetos. Na realidade, o modelo de lngua descrito e prescrito nas gramticas normativas se baseia em estados antigos da lngua e em usos muito restritos, como a escrita literria mais consagrada. Uma anlise bem feita dos usos lingsticos dos falantes que gozam de prestgio social revela que, apesar de toda a presso exercida pela norma-padro tradicional, a lngua que eles falam (e j comeam a escrever) apresenta muitas diferenas em relao quele modelo idealizado. O mais grave quando essas diferenas so atribudas exclusivamente lngua popular, fala do povo, como se no estivessem registradas tambm na lngua culta e mesmo na escrita mais monitorada de jornalistas, ensastas, tradutores, escritores etc. Um desses fenmenos no previstos pela tradio normativa o uso do pronome se como ocorre nos exemplos abaixo:

    i. Os bancos, como era de se esperar, chiaram contra qualquer hiptese de

    serem forados a manter linhas ou comprar bnus do Brasil (Folha de S. Paulo, 13/11/1998, p. 1-12).

    ii. Mas muitos vem o boxe, particularmente a categoria dos pesos pesados, como um meio fcil de se ganhar dinheiro (Folha de S. Paulo, 8/8/1997, p. 3-12).

    iii. Era um apito bom de se ouvir, debaixo dos lenis, e quanto mais distante se ouvia aquele trinado maior era o espao protegido dos fantasmas e ladres da noite (Folha de S. Paulo, 27/1/1996, p. 1-2).

    iv. O certo que futebol bonito de se ver. E bom de se ler quando os textos envolvem o leitor com os ingredientes que cercam o futebol (Folha de S. Paulo, 7/1/1996, p. 1-6).

    v. Comdias para se ler na escola (ttulo de um livro de Lus Fernando Verssimo)

    vi. Assim, cada vez maior o desafio e a dificuldade de se ensinar lngua materna no Brasil, pois existem cobranas em todos os setores da sociedade que recaem principalmente sobre o professor de lngua. (Texto produzido por professora de portugus do Distrito Federal).

    vii. Quando ficou forte era de se esperar que fugisse imediatamente mas demorou a ir em busca do prprio destino [...] (Clarice Lispector, gua Viva)

    (a) Explique qual a funo sinttica exercida pelo se nesses exemplos.

  • (b) Pesquise o tratamento que esse uso do pronome se recebe em gramticas normativas e outros materiais de divulgao da norma-padro tradicional.

    (c) Pela origem dos exemplos acima, o que se pode concluir acerca desse fenmeno de mudana lingstica e de sua relao com a gramtica normativa?

    8) O trabalho sociolingstico se faz sempre com base num corpus, isto , num conjunto de lngua falada e/ou escrita autntica, coletado pelo pesquisador. Nesse material o pesquisador busca os dados referentes ao fenmeno lingstico que est interessado em conhecer melhor. A constituio do corpus uma tarefa que requer boa metodologia de coleta, seleo e anlise dos dados. Nas Sugestes de Leitura ao final do livro aparecem algumas obras de Marcos Bagno e outros autores que podem ajudar voc nessa tarefa. Procure ler as obras de Bagno (2001 e 2007) e Tarallo (1985). No excelente portal do Museu da Lngua Portuguesa na internet www.museudalinguaportuguesa.org.br existe um rico material de lngua falada e escrita j pronto para ser pesquisado, alm de ligaes com outras pginas virtuais de projetos de pesquisa.

    Depois de constitudo o seu corpus, voc pode investigar alguns fenmenos gramaticais muito importantes que vm chamando a ateno dos lingistas interessados em estudar os processos de mudana que esto se processando no portugus brasileiro. Alguns desses fenmenos, que voc poderia pesquisar, so:

    i. o apagamento das preposies diante dos pronomes relativos, como em o filme [ ] que eu gosto, a casa [ ] que eu moro, no lugar do previsto pela gramtica normativa: o filme de que eu gosto, a casa em que eu moro. Esse fenmeno, chamado na literatura especializada de oraes relativas cortadoras, est presente na lngua falada de todos os brasileiros, inclusive dos classificados de cultos. As preposies, nessas construes, s aparecem em textos escritos muito monitorados, embora as pesquisas recentes apontem para o apagamento das preposies tambm nesses textos;

    ii. ainda no caso das oraes introduzidas por pronomes relativos, pode ocorrer tambm a preposio depois do verbo, seguida de um pronome-cpia, como em aquela a moa que eu viajei com ela ou caiu a ponte que ns passamos por ela ontem , em vez de aquela a moa com quem eu viajei ou caiu a ponte por que ns passamos ontem. Essas construes so chamadas de oraes relativas copiadoras;

    iii. alm de ocorrer com os complementos de preposio, a copiadora tambm ocorre com os sujeitos, como em eu tenho uma vizinha que ela argentina;

  • iv. outro fenmeno que diz respeito aos pronomes relativos o desaparecimento do cujo, praticamente extinto da lngua falada, onde foi substitudo por construes cortadoras aquele rapaz que o carro foi roubado ou copiadoras aquele rapaz que o carro dele foi roubado;

    v. o pronome ele (e flexes) exerce papel de objeto direto na lngua portuguesa h muitos sculos, como se pode verificar em textos medievais portugueses. Embora tenha desaparecido do portugus europeu, o uso de ele como objeto direto O Chico? Eu conheo ele muito bem est muito vivo no portugus brasileiro e africano. Os pronomes prescritos pela gramtica normativa para ocupar o papel de objeto direto de 3 pessoa o, a, os, as praticamente desapareceram da lngua falada por todos os brasileiros e s sobrevivem nos textos escritos mais monitorados. Alm do ele, ns brasileiros usamos (e com muito maior freqncia) o chamado objeto nulo, como em procurei o livro que voc recomendou, achei [ ], comprei [ ], ainda no [ ] li, mas j [ ] emprestei ao Joo;

    vi. as regras para a formao do modo imperativo prescritas pelas gramticas normativas no correspondem a absolutamente nenhum dos usos reais encontrados na lngua falada dos brasileiros: h uma distribuio muito interessante, do ponto de vista regional, entre as formas derivadas do indicativo (anda, deixa, vem) e as derivadas do subjuntivo (ande, deixe, venha), alm de um uso mais freqente das formas subjuntivos em determinados gneros escritos. No livro de Marta Scherre (2005) citado nas Sugestes de Leitura h uma boa discusso sobre o tema;

    vii. as gramticas normativas prevem um sistema trinrio de demonstrativos: este-esse-aquele. No entanto, na fala espontnea dos brasileiros, esse sistema se reduziu a esse-aquele, com a indicao, por meio de advrbios de lugar, da proximidade ou distncia do falante em relao ao que est dizendo: esse carro aqui, esse carro a, aquele carro l;

    viii. muitas regncias verbais previstas pela tradio normativa no correspondem mais aos usos autnticos da lngua, tendo sofrido mudana ao longo da histria. Por isso, dizemos assisti o filme, o projeto implica em gastos muito altos, Jos namora com Ana, respondi todas as questes do teste etc.

    Esses fenmenos, e muitos outros, so encontrados na lngua falada de todos os brasileiros, independentemente da classe social, do grau de escolarizao e do poder aquisitivo. equivocado, portanto, atribu-los somente lngua popular ou fala das pessoas ignorantes. A pesquisa sociolingstica e seus resultados podem contribuir muito para eliminar esses julgamentos apressados e muitas vezes preconceituosos.