Ética Na Política

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ÉTICA NA POLÍTICA

Entre a virtude e a fortuna.

Como analisar a ética da política sem se perder no moralismo.

Política e ética é uma mistura complexa.

A ética na política ou a falta dela, atualmente, é a obsessão nacional.

Corrupção na política: Eleitor é vítima ou cúmplice?

“Todo político é ladrão”.

Os resultados demonstraram que o eleitor é muito crítico em

relação as suas lideranças políticas em termos de ética e corrupção, mas

75% dos entrevistados confessam que cometeriam os mesmos pecados

se tivessem as mesmas oportunidades dos políticos.

As pessoas não vêem a ética como um valor absoluto, mas com

gradações, em que é possível ser mais ou menos ético.Os números

dizem o eleitor não é vítima, mas cúmplice e se identifica com boa parte

das transgressões cometidas pelos políticos. Embora se predomine a

falta de ética como um fenômeno nacional, ela é detectada em muitos

outros países.

“Todo político é ladrão”, é a frase mais ouvida na nossa tão

sereníssima república e o “nojo” pela política parece ter se transformado

em virtude, sem falar nos que recomendam que “num país em que a lei

foi posta em descrédito, qualquer promessa de lei, por mais absurda que

seja, pode comportar um poder de sedução irresistível”, trazendo a ilusão

do “eu era feliz e não sabia”.

E a falsa ilusão de que no regime militar não havia corrupção. Pois

foi totalmente ao contrário, os ciclos autoritários brasileiros forneceram

combustível para a corrupção, pois quanto mais fechado um sistema,

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mais ele tende a respirar seus próprios gases tóxicos. O esquecimento

da política. O cidadão se tornou impotente para compreender o que se

passa em seu próprio país. De maneira radical podemos nos perguntar

se ainda faz sentido falar de virtudes públicas, ética política, no mundo

em que vivemos.

Para grande massa da população, o reino da política nada tem a

ver com o da ética: naquele prevalece o princípio do poder, neste o do

respeito ao próximo. Essa mentalidade é, em grande parte, fruto da

escravidão, que separava o gênero humano em superiores e inferiores.

Numa sociedade onde os seguidores da lei são classificados como

otários; o “gato” e o assalto aos bens públicos são correntes. “O crime

contra o Estado não é desvio, é oportunidade”.

Hoje lamentamos a ausência da ética, quando de fato nosso mal –

estar com a modernidade que construímos no Brasil tem tudo a ver não

com a ausência, mas com a presença instável e contraditória de muitas

éticas. A resposta nua e crua é a da corrupção, a da tara de origem e do

atraso histórico. A mais sutil é da mentira, da malandragem e dos vários

populismos que prometem melhorar a vida de todos, sem tirar de

ninguém.

É PRECISO AINDA TECER MUITO PARA REUNIR ÉTICA E POLÍTICA

Essa espécie de rejeição da ética da política configura a profunda

contradição em que estamos enredados. Pois se definimos o indivíduo

como social, então a separação entre ética e política configura a ruptura

entre indivíduo e sociedade, o que no limite significa ruptura do indivíduo

com ele mesmo.

A banalização da ética ganha uma autonomia de caráter

ideológico, na medida em que aparece como a ilusão da preservação de

uma subjetividade que já não encontra no plano social as possibilidades

de realização, uma vez que a instância do social, precisamente por ter se

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tornado apenas o lugar de manifestação do interesse privado, mostra –

se despida de qualquer caráter político – comunitário.

Se a vida política é autêntica, a sua moralização é desnecessária,

pois o verdadeiro sentido da vida pública esta ma reciprocidade entre

ética e política. Quando essa vida não é autêntica, sua moralização é

inútil, porque a quebra de reciprocidade desde logo compromete o

sentido dos dois elementos e de sua vinculação intrínseca. Quando

falamos de coisa publica (sua deterioração como experiência real), a

falência simultânea da política e da ética torna o discurso moralizante, ou

a tentativa de substituição da política pela ética, um procedimento de

banalização e uma estratégia de cinismo. Isso reflete na decisão do voto.

O BRASILEIRO TEM VOTADO E PARTICIPADO POLITICAMENTE PARA SE DEFENDER, NÃO PARA TOMAR A INICIATIVA E ATACAR.

Uma cultura de desencantamento, somada a uma visão

minimalista da democracia (reduzido ao rito eleitoral, visto como vistas –

cruciais estranhas á participação substantiva), ajuda a expropriar as

pessoas da capacidade de decidir. A incerteza passa a prevalecer sobre

a hipótese mesma da regulação, ou seja, do equilíbrio e da sensatez.

Pode – se dividir o leitor em dois tipos, característicos de uma

visão sobre o que deve ser a relação entre ética e política: o cidadão

delegativo e o seu oposto, o não delegativo.

O primeiro é uma pessoa que não tem noção de direitos, ou se tem

não os considera importante já que ninguém os cumpre ou os faz

cumprir. Ele espera que os outros ajam corretamente (do ponto de vista

de ética única) e encontra justificativa para que ele também não aja

corretamente. Não vê problemas em se utilizar do público como se fosse

privado e seu tipo de político é alguém que resolva seus problemas,

mesmo que de forma autoritária, e cuide do que é público, já que ele não

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quer se preocupar com isso. Assim, não exige um comportamento reto

do político, desde que, é claro, ele resolva seus problemas.

O tipo não delegativo conhece e exige seus direitos e apóia uma

ética única, considerando o “jeitinho” brasileiro uma forma de corrupção.

Há um, porém, o eleitor que não se prende ao aspecto ético o faz

seguindo um raciocínio todo seu que lhe diz não haver inocentes na

política, do ponto de vista ético, especialmente considerando os partidos

mais relevantes no cenário político nacional. Não se pode colocar sobre

eles, de forma atabalhoada, a celebre crítica brechtiana de que “primeiro

vem a barriga e só depois vem a moral”. “A crise moral acompanha a

crise política, econômica e social”. A cultura narcisista que se estabelece,

nutrida pela decadência social e pelo descrédito da justiça e da lei, leva a

um desejo de fruição imediata do presente, a submissão ao status quo e

a oposição sistemática e metódica a qualquer projeto de mudança que

implique cooperação social e negociação não violenta de interesses

particulares. A moral vira banal.

Você já parou pra pensar que é você que vota e elege os políticos..

Talvez já tenhamos esquecido, mas fomos nós que os escolhemos para

nos representar. Talvez por isso é que ficamos tão envergonhados

quando os vemos agindo de uma maneira tão inaceitável. Mas o tempo

passa muito rápido e em breve estará aí... a eleição novamente. Nós

teremos que escolher outra vez “nossos representantes”.

Muita gente diz: vou votar em branco, vou anular meu voto. Será

que é esta a saída?

Sou otimista e acho que tem uma saída: nossas crianças, nossos

adolescentes. Sinto que esta clientela é crítica, eles são corajosos,

discordam, questionam e isso é muito bom. Mas precisamos mais,

precisamos de gente com ética. E como preparar nossos futuros

representantes para serem éticos? Ética, este valor tão importante está

presente em atitudes muito simples. Vamos antes lembrar que um

exemplo vale mais que mil palavras.

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Uma pergunta: o que você faria se estivesse no lugar de um dos

nossos políticos e fosse convidado a participar de um superfaturamento

muito sigiloso, que ia lhe render alguns milhões? Ou que atitude você

toma quando uma autoridade lhe aborda e oferece a possibilidade de

permuta da multa por alguns trocados? E se você tiver um amigo que

trabalha num banco e lhe permite “furar a fila” ao invés de esperar pela

sua vez?

Voltamos a lembrar que nossos adolescentes são críticos. Se for

falar com eles a respeito de ética, com certeza farão algumas destas

perguntas.

O melhor caminho é a educação, mas educação de nós mesmos,

nós, eleitores. Precisamos dizer não ao modelo de alguns políticos que

estão por aí. Mas para isso necessitamos repensar o nosso conceito de

valores fundamentais como a ética. E este trabalho só pode ser feito por

educadores. Entendo por educador toda pessoa que exerce uma

influência positiva, muito mais com atitudes do que com palavras. Nesse

contexto estão os pais, nossos incansáveis e tão mal pagos professores,

mas também o tio honesto, a madrinha responsável, o amigo

verdadeiramente generoso.

Parece-me também que falta amor ao próximo, este mandamento

tão antigo. E religião está um pouco fora de moda. Tirou-se religião da

vida dos nossos jovens e foi deixada uma lacuna. Seria importante

preencher este espaço de uma forma sadia para que haja o hábito de

reflexão, da oração verdadeira. Mas precisamos ter muito cuidado com

esta religião que vamos oferecer aos nossos adolescentes porque eles

podem usar seu senso crítico e nos dizer: “tia, ninguém merece. Rezar

na igreja e enganar o outro na rua, no trabalho, na Câmara é falta de

ética”.

ÉTICA NA POLÍTICA

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Na semana passada tive a oportunidade de ver mais uma

reportagem rasca sobre as campanhas políticas que não tem nenhuma

ética. O grande tema era a ética política devido ao claro problema do

senhor Isaltino Morais, se isto da justiça ainda funcionar minimamente,

ir parar na cadeia algum tempo depois de ser eleito.

Nada disto é novidade, nada disto deveria ser notícia. Mas todavia

durante a reportagem a jornalista (nome que se dá a qualquer um hoje

em dia), apontou Oeiras como uma das câmaras mais apetecidas de

Portugal… Se calhar é de mim mas para algo ser apetecido tem de haver

claras contrapartidas que não existem normalmente. Um presidente de

câmara ganha o mesmo em qualquer câmara. Aquelas que

são apetecíveis são as que, devido a mais empresas, obras e

urbanizações, melhor enchem os sacos azuis dos cabrões que nos

roubam. Esta gente faz plena publicidade à corrupção que planeia

efetuar quando for eleito.

Todos os cartazes com slogans que nos querem passar a idéia do

ilustríssimo candidato amigo e que nos próximos quatro anos serão de

colaboração com cada um de nós para ultrapassar os problemas de cada

um de nós, todos esses cartazes são a mais pura mentira. Depois de

eleitos os políticos vão apenas ouvir os problemas dos empreiteiros e

empresários, são esses que lhes deram dinheiro para chegar onde estão

e que podem sempre passar algum por baixo da mesa. Ninguém confia

nos políticos e a razão é simples, todos os políticos mentem ao povo

para obter o afeto dos eleitores. Embora se consiga afeto através de

mentiras e elogios, só se pode obter confiança através da verdade, algo

completamente ausente da política brasileira.

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A ÉTICA NA POLÍTICA:

EXISTE ALGUMA DIFERENÇA ENTRE A ESQUERDA E A DIREITA?

 

PEQUENA INTRODUÇÃO À TEORIA DAS PERPLEXIDADES

Confesso, cabalmente, minha perplexidade: sempre pensei que, a

despeito de todos os problemas atinentes à formulação e execução de

políticas públicas, em especial aqueles problemas vinculados à definição

e execução de políticas econômicas – terreno no qual a chamada

esquerda sempre demonstrou dificuldades de toda ordem, para não

dizer, de pronto, uma singular incompetência administrativa e operacional

–, haveria quase que uma “natural diferença” de comportamentos e de

posturas quando o tema em pauta fosse a ética na política.

Estávamos todos naturalmente propensos a acreditar que, não

obstante os esperados “contorcionismos verbais” e outros exemplos de

pequenos “desvios de conduta”, no que se refere às contingências

práticas da luta política, existiria uma grande e fundamental divisão de

caráter entre modos de se fazer política (com “p” maiúsculo): de um lado,

a desfaçatez atávica e a falta de princípios por parte da direita, de outro,

a “inclinação tendêncial”, se me permitem esta expressão, da esquerda

em direção de normas éticas ou morais na forma de se conduzir em

política (bem sei que ética e moral não são a mesma coisa, mas

deixemos essas sutis diferenças de lado, por enquanto).

Será que vou ter de confessar que fui ingênuo e cândido em

relação a essas coisas? Serei obrigado a reconhecer que, nessas coisas

de se “fazer política”, as diferenças entre a esquerda e a direita não são

exatamente aquelas que suspeitávamos, ou que o quê as aproxima,

nessas matérias, é muito mais consistente do que aquilo que

supostamente as separa? Terei de penitenciar-me por ter, durante muito

tempo, acreditado numa espécie de “superioridade moral” da esquerda

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nessas lides políticas de disputa pelo poder, de luta pela conquista e

manutenção dos “postos de comando” do Estado? Vou mesmo ter de,

modestamente, fazer a “viagem de Canossa” de meu “aprendizado

moral” nas artes e ofícios do grande comércio da política? Posto em

termos diretos e mais simples: ainda se pode acreditar na existência de

diferenças reais de comportamento, de postura prática, de atitudes

mentais no grande jogo da política entre, de um lado, à direita e, de

outro, à esquerda? Existe, de fato, alguma distinção normativa, alguma

oposição fundamental, alguma separação moral ou bifurcação ética entre

a esquerda e a direita em matéria ou em artes de política? Grandes

questões as que aqui se colocam…

A PRÁTICA DA POLÍTICA: UMA CAIXA DE SURPRESAS

Não sei se conseguirei traduzir a minha perplexidade em termos

racionais, de modo a poder oferecer uma discussão minimamente

organizada em torno dessas “grandes questões”, questões que sempre

me ocuparam ao longo de uma vida dedicada, não exatamente à política,

mas mais propriamente à observação da política, tal como praticados por

homens concretos e partidos reais – nada de absolutamente idealizado

ou imaginado –, questões de cunho ético ou moral e que voltaram à

minha mente entre as eleições. Não devo ter sido o único a interrogar-se,

de maneira sincera, sobre o sentido – se é que havia algum – de certos

atos, palavras, alianças e iniciativas tomadas pelos principais caciques

da política brasileira. Por certo que havia um “sentido”, sempre há: é o da

necessidade de agrupar forças, de constituir aliados, de se preparar para

os grandes embates eleitorais à frente, de maneira a poder conquistar o

grande prêmio, o excepcional botim, a única recompensa que

verdadeiramente conta nesse jogo de soma zero que se chama política

partidária: a conquista ou a manutenção do poder nas sociedades

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organizadas em regimes políticos que tomam por base o sistema

partidário como sustentáculo da ação especificamente política. 

Este é o sentido das muitas ações, frases, iniciativas ou alianças

que chegam a nos surpreender e que são justificadas, quando não

“legitimadas”, por esses caciques que nos governam. Por certo que esse

tipo de problema não se “resolve” num embate entre esquerda e direita,

tanto porque a riqueza e a diversidade do comércio político não se

deixam reduzir a essas dimensões dicotômicas, ideológicas poderíamos

dizer do jogo político-partidário. Sem olvidar, portanto, a clássica divisão

entre esquerda e direita no espectro político de uma sociedade aberta

– isto é, democrática –, gostaria de tratar neste texto de algumas

questões atinentes ao modo ético de ver a política, ou à maneira moral

de se interpretar a conduta política. Eu farei, em primeiro lugar, algumas

considerações de ordem geral sobre problemas éticos ou morais

suscitados por certas palavras ou ações de atores políticos concretos,

ainda presentes em minha memória, para examinar, depois, questões

atinentes às responsabilidades internas e externas, em matéria de ética

ou de moral, dos partidos políticos no jogo político corrente. Minhas

perplexidades naquilo que chamei de aparente diluição das fronteiras

entre esquerda e direita nas artes da política serão retomadas ao longo

do texto.

PEQUENAS FRASES, GRANDES EFEITOS: A IMORALIDADE

DA POLÍTICA

Comecemos pelas palavras, e aqui retomo uma das mais famosas

frases do nosso folclore político. Como todos sabem, frases

verdadeiramente sinceras não costumam freqüentar o palavreado dos

políticos, acostumados que estão a um vocabulário que pratica o dom da

ambigüidade. Quando o fazem, recebem imediato destaque mediático,

correndo o risco de ver decretada sua inscrição compulsória numa lista

de “frases do ano”, como ocorreu com o apotegma falsamente

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franciscano do “é dando que se recebe”. Essa frase verdadeiramente

exemplar foi introduzida ao distinto público por um (hoje falecido)

deputado do então chamado “Centrão”, durante a Constituinte de 1988, o

que garantiu ao seu autor uma imediata, mas algo duvidosa, notoriedade

pública. O autor se foi, mas a frase aparentemente ficou conosco, não

apenas como exercício vocabular, mas como prática política

flagrantemente atual. Alguém duvida disso?

Estarei sendo excessivamente moralista se resolver implicar com

esse tipo de colocação “sincera”, que para mim representa todo o fim da

moral e da ética no jogo da política? Seria um exercício de ingenuidade

imaginar que as “coisas” não precisariam chegar a esse ponto, no qual

detentores do poder (e dispensadores de favores) e demandantes de

benesses “públicas” se acertam no altar da política – geralmente o

parlamento – para maior benefício próprio e duvidoso benefício social?

Mas não são apenas as frases que marcam a atividade política e

sua ambígua relação com a moral, ou com a ética pública. Também são

os atos que revelam um pouco do comportamento dessa curiosa

categoria de praticantes da política que nos representa no Congresso

nacional e que por vezes exerce cargos ministeriais. Tome-se, por

exemplo, o caso de ministros que viajaram com recursos públicos, mas

que ainda assim receberam diárias oficiais “em excesso”, digamos assim,

ou aqueles que o fizeram por motivos particulares, mas encontraram uma

maneira de travestir seus negócios privados como se fosse de interesse

público, para assim poderem usufruir das mesmas vantagens

pecuniárias, o que pode beirar o, quando não incorre no, ilícito funcional.

Essas frases e atos têm a virtude de colocar em termos claros uma

questão que há muito freqüenta a atualidade brasileira: a desonestidade

da política, ou melhor, a desonestidade dos políticos. Simples questão de

justiça ou problema de moralidade pública? Nessas matérias, como as

exemplificadas acima, a diferença entre a esquerda e a direita fez, de

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fato, alguma diferença? Ocorreu, nesse particular, uma dramática

inversão de comportamentos depois da vitória da esquerda no último

embate presidencial?

A Falta de Ética Na Política Não Tem Fronteiras Geográficas

A chamada questão moral, ou seja, o problema da desonestidade

política apresenta uma seqüência conhecida dos especialistas, como dos

simples observadores políticos: ela vem à tona por ocasião de algum

escândalo momentaneamente original — e, portanto de repercussão

mais dramática nos meios de comunicação —, mas este sempre é

recuperado logo adiante ou acaba “normalizado” pela inexistência prática

(ou fabricada) de responsáveis diretamente incrimináveis, para cair

finalmente no esquecimento de uma imprensa eternamente à cata de

“escândalos frescos”. Aqueles que ameaçam com “cadeia” estão

justamente caindo na “normalidade” do vocabulário político, oferecendo

em frases ocas remédios que sabem ser inexeqüíveis, pelo menos neste

Brasil tão complacente com políticos de honestidade duvidosa. Mais uma

vez, caberia a pergunta: houve alguma mudança dramática a partir da

substituição do que se considerava direita pela esquerda na condução

geral dos negócios do Estado?

Os problemas podem dizer, não é apenas brasileiro, pois a classe

política de respeitáveis países considerados “desenvolvidos” também já

esteve envolvida em negócios e operações de moralidade algo dúbia,

quando não claramente ilegais. A diferença retorquirá o pessimista

tupiniquim, é que aqui as saúvas não são incomodadas por nenhum tipo

de judiciário ou procurador público, como em terras de puritanos auto-

penitentes. De acordo, concede o racionalista, mas vejamos, por

exemplo, os casos da Itália e do Japão: há exemplos de democracias

avançadas que tenham grande parte de seus políticos em tamanho

descrédito como esses dois países, situados nas antípodas da cultura

política contemporânea? Os Estados Unidos não têm, por sua vez, uma

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classe política mais virtuosa do que suas congêneres dos países citados,

mas ostenta, provavelmente, uma das imprensas mais combativas do

planeta, além de uma justiça pouco complacente com os “desviantes”.

Em todos esses países a chamada “questão moral” costuma

freqüentar o universo do jornalismo político e chega mesmo a ingressar

nas salas dos tribunais. O problema da desonestidade política é

praticamente universal, ainda que ele encontre arranjos nacionais

absolutamente específicos do ponto de vista da ética pública. O

tratamento dessa questão, digamos desde já, não pode ser equacionado

com a introdução de simples reformas institucionais, mas parece exigir

uma espécie de redirecionamento cultural e ético da classe política, algo

como uma “reforma moral” que diminua o abismo aberto na base da

sociedade política entre a “ética dos resultados” e a “ética dos valores”.

Cabe o registro, em todo caso, de que a tradicional divisão entre

esquerda e direita não parece ter nenhuma influência na distribuição

entre grupos e indivíduos “éticos” ou “desviantes”.

A ÉTICA DE PRINCÍPIOS E A ÉTICA DE

RESPONSABILIDADES: UMA REVISÃO PRÁTICA

A divisão entre princípios e resultados, ou entre ética coletiva e

ética individual, sempre existiu, desde os tempos de Hamurabi pelo

menos, tendo sido dissecada teoricamente pelo florentino Maquiavel. No

dizer de um italiano contemporâneo, o filósofo (e também político)

Norberto Bobbio, tal divisão é inevitável e constitui mesmo uma tensão

estrutural da política. Grande parte da corrupção disseminada que afeta

a vida pública e mesmo a sociedade brasileira como um todo decorre

dessa divisão e, mais especificamente, deriva da dicotomia existente

entre o poder e a responsabilidade dos partidos políticos. Eles podem

deter o poder, mas raramente assumem todas as responsabilidades que

dai decorrem.

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Se a “desonestidade” tem suas raízes na irresponsabilidade moral

e política dos partidos, uma ação corretiva deveria preocupar-se,

sobretudo com a reconstituição dos limites e os termos dessa

responsabilidade. Podemos apresentar duas ordens de problemas, uma

de caráter institucional (responsabilidade externa), caracterizada pela

introdução de novas normas de ação partidária, e outra de natureza

propriamente moral (responsabilidade interna), chamando à

responsabilidade e obrigando pessoalmente os responsáveis partidários.

Em cada uma delas, veremos se a dicotomia entre esquerda e

direita tem alguma razão de ser. O estabelecimento de novas regras

políticas e institucionais, no primeiro conjunto de questões, deveria

incidir, preferencialmente, sobre quatro problemas cruciais: o loteamento

da máquina pública, a alternância no poder, o controle “social” sobre os

partidos e a “educação política” dos partidos e de seus quadros.

O ASSALTO DOS PARTIDOS AO PODER: UM RESQUÍCIO DO

ESTADO PREBENDALISTA

O primeiro consistiria em reduzir a “invasão” dos partidos sobre as

agências do Estado, fenômeno típico das realidades brasileiras e

italianas, nesta chamada de “lotizazzione”, onde existiam, por exemplo,

“zonas de administração cativa”, diretamente controladas pelas

lideranças partidárias. A solução desse tipo de problema não requer,

necessariamente, uma “privatização” (ao estilo reaganiano ou tatcherista)

das instituições públicas desses subsistemas — que podem envolver

saúde, transporte educação, canais de televisão pública etc. —, mas

pode passar pelo estabelecimento de um sistema gerencial de gestão,

talvez de forma descentralizada, bem como por um controle público

desses setores por parte do Parlamento e dos órgãos de fiscalização.

Esse tipo de “aparelhamento do Estado” não parece ter uma

coloração ideológica muito bem demarcada, mas depende mais

propriamente do grau de “profissionalização” do aparelho partidário.

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A ALTERNÂNCIA COMO REGRA ESSENCIAL DA

DEMOCRACIA: SEM TREMELIQUES

A essa “despartidarização” das atividades públicas segue-se um

segundo problema, ligado à possibilidade de alternância na vida política.

A rigidez aparente do jogo político no Japão, durante largo período no

pós-guerra, com a ausência de fato de mudança nas elites políticas,

significou a inexistência de qualquer mudança ao nível das forças

políticas que desempenhavam o papel de liderança política e de governo,

ao longo de praticamente quatro décadas, o que pode ter contribuído

para o aumento da corrupção da classe política, o que ocorreu

igualmente com a democracia-cristã no caso da Itália.

No sistema político brasileiro, ocorreu, de fato, durante muitas

décadas de vida republicana, uma aparente instabilidade política, mas

uma notável estabilidade na classe política, gerando uma situação de

“imunidade prática do poder”, geralmente ocupado pela direita. A eleição,

em 2002, de um presidente de “esquerda” e a chegada de um “partido de

oposição” ao poder, poderiam conformar, ao contrário do que as

aparências indicariam, uma possibilidade de democratização e de

renovação da vida política, à condição, obviamente, de que os novos

ocupantes do poder não venham a reproduzir os mesmos velhos vícios

do sistema político brasileiro da era das oligarquias e das “máquinas

partidárias”, com lideranças que apenas lutavam para se substituir na

zona central do poder, sem pretender de fato tornar o sistema mais

transparente ou mais responsável.

O que ocorre, atualmente, é certa institucionalização do sistema

político-partidário, mas tendo como centro dois partidos reformistas e

razoavelmente democráticos para os conhecidos padrões brasileiros de

oligarquização da vida política. Que um seja de “centro-direita” e o outro

de “centro-esquerda” podem representar, talvez, o início da superação da

dicotomia entre esquerda e direita no Brasil.

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OS PARTIDOS: SÃO INCONTROLÁVEIS E NÃO PRECISAM

PRESTAR CONTAS?

O terceiro problema se refere ao controle dos partidos políticos. Os

partidos, como os sindicatos — pelo menos no Brasil e na Itália — detêm

um poder sobre o qual não prestam contas, senão (teoricamente) a um

número reduzido de afiliados. Se os partidos e sindicatos pretendem

tornarem-se instituições verdadeiramente públicas, como deveria ser o

caso, seria justo que eles se submetessem a escrutínios públicos

periódicos, tanto sobre o seu modo de funcionamento, como sobre a

legitimidade de seus estatutos e sobre a conformidade de seus atos com

esses estatutos. A exigência de “transparência”, invocada para a

administração executiva, deveria ser também levantada no caso dos

partidos políticos e dos sindicatos. Estes últimos, no caso do Brasil,

manipulam certo volume de recursos públicos e não se tem notícia de

que a contabilidade e a administração desses recursos tenham sido

objeto de demonstrações transparentes de seu uso adequado.

A particularidade ideológica tampouco parece ter incidência nessa

questão do controle “social” sobre partidos e sindicatos, que, aliás, se

distribuem de modo indiferente ao longo do espectro político.

EM FAVOR DAS BOAS ELITES: MÉRITO E COMPETÊNCIA EM

LUGAR DE COOPTAÇÃO

O quarto problema seria o do “enriquecimento” cultural dos

partidos e da própria classe política de modo geral. Devemos estar

conscientes de que nenhuma norma legislativa ou administrativa será

capaz de melhorar a qualidade dos homens públicos. Mas, a

inadequação qualitativa da classe política às tarefas cada vez mais

complexas da sociedade atual é talvez devida ao tipo de recrutamento

político resultante de critérios insuficientes de seleção partidária e

eleitoral. Uma sociedade moderna, complexa e diversificada, tem

necessidade de uma verdadeira elite política, constantemente

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enriquecida pela osmose dos partidos com setores específicos da

sociedade civil (como as empresas privadas e públicas, a burocracia

governamental e o escamento acadêmico).

O ideal seria assegurar uma possibilidade de ampla mobilidade

transversal nas funções representativas a partir de um “material humano”

coletado no vértice das profissões (científicas, econômicas, culturais,

administrativas), o que poderia propiciar uma seleção rica e uma

renovação constante do corpo político. O ideal mesmo, para sermos

coerentes com esse modelo, seria poder dispor de uma classe política

entendida como missão e não como establishment profissional como

muitas vezes ocorre.

Nesse particular, a esquerda brasileira talvez esteja mais próxima

da modernização partidária, mas não toda a esquerda, pois existem

ainda correntes que praticam o velho “centralismo democrático” ao estilo

leninista.

DA MORAL NA POLÍTICA: UMA QUESTÃO DE CONSCIÊNCIA

INDIVIDUAL?

A outra ordem de questões, de natureza interna ou propriamente

ética, refere-se às regras morais individuais, à correção e à

responsabilidade pessoal, que revertem em última análise, na questão da

“consciência moral” dos políticos. É aqui que se situaria a “reforma moral”

a que nos referimos acima, o redirecionamento cultural e moral dos

políticos, como forma de reduzir a distância aberta entre a ética dos

resultados e a ética dos valores. Existiria alguma inclinação “natural” da

direita ou da esquerda por cada uma dessas vertentes?

A tensão entre essas duas esferas não pode evidentemente ser

suprimida, mas poderia ser sensivelmente reduzida. Todos concordam

em que a sociedade tem necessidade de políticos que demonstrem

agressividade, competitividade e uma boa dose de ambição e de vaidade

pessoais, mas ela carece também de outros valores, como os da

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solidariedade, da eqüidade e certamente o da justiça. À esquerda, por

estar supostamente comprometido com esses valores, ente os quais se

situam o altruísmo e o solidarismo, deveria ser mais sensível a esse

aspecto do jogo político, mas nem sempre ela o demonstra (como

ocorreu, por exemplo, nas discussões em torno da reforma da

previdência, quando muitos de seus representantes ficaram

comprometidos numa teia de interesses corporativos, negligenciando os

interesses da sociedade como um todo).

Mais importante ainda, os antigos valores da moralidade individual

não poderiam desaparecer com a subida ao poder das mais importantes

lideranças de esquerda ou serem abandonados durante o processo de

institucionalização de seu partido mais representativo. Assim, ser de

esquerda, hoje em dia (e sempre), deveria compreender também certas

obrigações e escolhas individuais de moralidade pública, que contrastam

com a arrogância dos velhos “coronéis” da política, que já não precisam

preocupar-se nem com a sua imagem (por manipularem meios de

comunicação ou “currais eleitorais”), nem com o cinismo da sua política

de negócios públicos para fins privados.

Se os princípios da moralidade individual não se encarnam nos

homens, os princípios éticos da sociedade correm o risco de se

esgotarem, perdendo a política aquela base de consenso autêntico —

fundado sobre os princípios — sem a qual pode existir automatismo, mas

não autodeterminação. Sem um reforma moral da política partidária no

Brasil, a esquerda atualmente no poder estar seriamente destinada a

encerrar, ao término de seu atual mandato, um ciclo auspicioso da vida

política brasileira, que tão grandes esperanças criaram em imensos

setores da opinião pública. Em resumo, as promessas de moralidade

política que seriam trazidas pela assunção da esquerda ao poder

permanecem exatamente isso, por enquanto: promessas.