ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES...

97
MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Londrina 2009

Transcript of ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES...

Page 1: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

MAURICIO LOVADINI

ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA

Londrina

2009

Page 2: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

MAURICIO LOVADINI

ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA

 

                     

 

 

 

Monografia apresentada ao curso de

Geografia da Universidade Estadual

de Londrina, como requisito ao título

de bacharel em Geografia.

Orientador (a): Profa Dra. Ideni

Terezinha Antonello.

 

 

                                                                           Londrina

2009

Page 3: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

MAURICIO LOVADINI

ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM

LONDRINA

 

 

Monografia de Bacharelado em Geografia

COMISSÃO EXAMINDADORA

_____________________________

Profa Dra. Ideni Terezinha Antonello

_____________________________

Profo Dro. Fábio Cezar Alves Cunha

_____________________________

Profo Dro. Edilson Luis de Oliveira

Londrina, 18 de Dezembro de 2009

Page 4: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

DEDICATÓRIA:

Em memória ao meu avô Antonio Lovadini

Num dia de tristeza me faltou o velho

E falta lhe confesso que ainda hoje faz1

                                                            1 ‐ Trecho da música Espelho – João Nogueira. 

Page 5: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

AGRADECIMENTOS:

Aos meus pais, Gilberto Eduardo Lovadini e Helena de Oliveira

Lovadini e aos meus irmãos Gisele Lovadini e Marcelo Lovadini por

acreditarem que um dia eu concluiria mais esta etapa da vida.

A professora Ângela Massumi Katuta que acreditou no projeto

do estudo do samba em Londrina e a professora Ideni Terezinha Antonello que

aceitou o desafio de continuar orientando este projeto tendo ela grande

importância para a concretização deste trabalho.

Aos amigos Pedro Ragusa, Pedro Machado de Almeida e

Rafael Cícero de Oliveira pelas profícuas discussões remetentes a este

trabalho.

A Amaral Valentim do Carmo, amigo inseparável destes cinco

anos de graduação, que gentilmente cedeu o seu veículo “chevetão” como

meio de transporte para a realização das entrevistas e a Rosalba Rosa pela

revisão ortográfica deste trabalho.

Aos meus amigos de Piracicaba - SP, Andréia Pais Novello,

Bruna Raizer, Carla Prezzoto, Cristina Vasques, Julia Cavalcanti dos Santos,

Marcos Schaaf, Patrick Luiz “Kikão”, Renê Mainardi e Tales Trevizor, que me

incentivaram a seguir esse caminho, e sempre que precisei me estenderam as

mãos.

Aos muitos amigos de Londrina-PR que também acreditaram

que este desafio seria vencido em especial Alan Kardec, Rebeca Gombi, Alini

Nunes, Bruno Vieira, Leonardo Mamede, Ricardo Manfrenatti e a turma do

curso de Geografia Noturno ingressa no ano de 2005.

Ao Grupo de Estudo e Pesquisa Geografando o Território no

qual iniciei as minhas leituras e os primeiros debates sobre a categoria de

território.

Page 6: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

A todos os entrevistados desta pesquisa que contribuíram de

forma imensurável para a realização desta monografia e a todos os sambistas

de Londrina que de uma forma ou outra criam as territorialidades do samba no

Município.

Page 7: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

LOVADINI, Mauricio. Elementos das Territorialidades do Samba em Londrina. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Geografia). CCE –

Universidade Estadual de Londrina, 2009.

Resumo

Este trabalho objetivou pesquisar e fazer uma reflexão acerca da construção e constituição das territorialidades do samba em Londrina parte-se da gênese desse gênero musical, que carrega consigo forte poder simbólico, identitário e social diante de manifestações culturais brasileiras, perpassando pela categoria território e os conceitos geográficos abordados tais como as territorialidades. Nesta perspectiva discutimos a gênese do gênero musical, social e cultural do samba desde a sua consolidação como símbolo de brasilidade passando por perseguições políticas, sociais e culturais se figurando como marginalizado até alcançar o estrelato, se figurando como importante gênero da cultura brasileira dentro e fora do país.Desta forma o samba carrega consigo o valor identitário advindo da cultura negra criando resistências mediante as territorialidades criadas a partir das relações sociais ao longo do tempo. Para compreendermos o samba e o seu entrelaçamento com os aspectos geográficos com os quais trabalhamos conceituamos a categoria geográfica território e conseqüentemente os conceitos tais quais dentro desses o conceito de territorialidades, além da tríade (T – D – R) territorialização, (des)territorialização e (re)territorialização, as multiterritorialidades também como parte integrante da discussão. Por fim os conceitos teóricos discutidos no primeiro e no segundo capítulo serão entrelaçados com as entrevistas dos sujeitos que constroem as territorialidades do samba em Londrina. .

Palavras - chave: Identidade; Samba; Território, Territorialidades.

Page 8: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

LOVADINI, Mauricio. The Elements of Territorially of samba and city Londrina - PR. Monograph (Bachelor in Geography). CCE – Universidade

Estadual de Londrina, 2009.

Abstract

This work aims to reflect about the construction and constitution of the samba’s territoriality in Londrina. Starting with the origin of this musical genre, that holds such strong symbolic, identity and social power among Brazilian cultural expression, traversing through the geographical-area category and the conceptual development of this geographical analysis category.From this perspective it’s going to be discussed the samba’s origin from a social, cultural and music genre perspective since its consolidation as a symbol of Brazilianness; surpassing trough political, social and cultural persecution and presenting itself as marginalized until it reached the fame and was established as an icon of the Brazilian culture both nationally and internationally. In this manner the samba brings the identity from the black culture creating resistance among the territoriality brought by the social relationships over the years. To comprehend the samba and its connection with the geographical aspects which we work with, the geographical territory category was conceptualized, consequently the concepts such as territoriality besides the triad (T - D - R) territorialization, (de)territorialization and (re)territorialisation as well as multiterritoriality as part of the discussion. The theoretical concepts discussed in the first and second chapters, will be combined with the interviews of the people who build the territoriability of the samba in Londrina.

Key words: Identity; Samba; Territory, Territoriality.

Page 9: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

Lista de Figuras:

Figura 1: Samba do Lenço: homenagem a São Benedito.

Figura 2: Samba da Vela na capital paulista.

Figura 3: Praça Onze (RJ) palco do nascimento do samba urbano.

Figura 4: Cardápio do restaurante Zicartola.

Figura 5: Mapa de localização do município de Londrina.

Figura 6: Oficina de atabaque projeto Quizomba.

Figura 7: Público do Quizomba.

Figura 8: Seu Nelson – apresentando-se no bar Axé Brasil.

Figura 9: Dona Vilma cantando samba.

Page 10: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

  

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO............................................................................................ 11 2. TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES: UMA ABORDAGEM MÚLTIPLA, PROCESSUAL E RELACIONAL..................................................................... 15 3. A GEOGRAFIA DO SAMBA: DA GÊNESE A CONTEMPORANEIDADE. 28 3.1. A geografía do Samba Paulista............................................................. 30 3.2. A geografía do samba Carioca.............................................................. 39 4. AS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA.......................... 62 4.1. Londrina da origem inglesa aos negros: a gênese a territorialidades do samba......................................................................................................... 63 4.2. Projeto Quizomba: o samba e outros batuques .................................. 67 4.3. Os personagens do samba em Londrina: construtores de territorialidades .............................................................................................. 74 5. CONSIDERAÇÒES FINAIS........................................................................ 86 6. REFERÊNCIAS .......................................................................................... 89 7. ANEXOS..................................................................................................... 92 7.1. Anexo I .................................................................................................... 92 7.2. Anexo II ................................................................................................... 95 7.3. Anexo III .................................................................................................. 96

 

Page 11: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

11  

  

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho objetivou pesquisar e fazer uma reflexão acerca da

construção e constituição das territorialidades do samba em Londrina, partindo da

gênese desse gênero musical, que carrega consigo forte poder simbólico, identitário

e social diante de manifestações culturais brasileiras, perpassando pela categoria

território e os conceitos geográficos abordados tais como as territorialidades.

Nessa perspectiva o resgate da categoria território se fez necessário

pelo fato de que é a partir dessa categoria geográfica que nos desdobraremos pela

discussão das territorialidades. Nesse sentido elencamos através de um resgate

histórico das diversas concepções de território, partindo da etimologia do termo

território, perpassando pela inserção nas ciências geográficas no século XIX com a

concepção do geógrafo alemão Friedrich Ratzel de território natural e voltado para a

expansão imperialista dos Estados Nação que ainda perdura nas diversas ciências

inclusive a geográfica.

A renovação da concepção de território a partir das décadas de 1950

e 1960 no qual os seus precursores são Robert Sack e Claude Raffestin, que

passam a considerar o território relacional, ou seja, a partir de relações com a

economia, política e cultura, intimamente ligado às relações de poder, dessa forma

construído uma perspectiva do território, distinta da primeira de território natural e da

expansão das fronteiras do Estado Nação, considerada de absoluta.

O conceito de territorialidades surge nessa perspectiva do território

tecido por relações, desta maneira vista de uma maneira multidimensional

compreendida mediante as relações e aos processos, ou seja, o território a partir de

uma concepção relacional e processual.

A tríade (T – D – R) territorialização, (des)territorialização e

(re)territorialização, discutida a partir da concepção de Claude Raffestin também faz

parte da discussão, na medida em que a territorialização se aplica mediante as

relações, a desterritorialização a partir do “abandono” do território de diversas

maneiras e a reterritorialização vista da perspectiva das múltiplas relações do

território.

A concepção de Henry Lefebvre de apropriação e dominação do

território e discutida a partir da concepção de Rogério Haesbaert sendo esses dois

Page 12: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

12  

  

elementos a matéria-prima para o processo de territorialização e das

territorialidades. A apropriação do território levará à construção de territorialidades,

emanadas pelos poderes simbólicos, sejam eles ligados a resistências por territórios

como é o caso dos indígenas, dos negros ligados as comunidades quilombolas, e as

territorialidades do samba evidenciada a partir das relações identitárias entre os

grupos que carregam consigo a identidade do samba. A concepção de dominação

do território em uma perspectiva dialética e vista como relações de poder pautadas

por poderes hegemônicos econômicos, presentes no cotidiano no modo de

produção capitalista.

No que se refere à questão da identidade, a sua relação com as

territorialidades é intrínseca pelo fato de que ambas são relacionais e processuais,

construídas pelas relações, materiais, simbólicas, vivências, ou seja, ela é

construída a partir de diversos elementos.

No que tange as abordagens territoriais inerentes as identidades as

territorialidades em uma perspectiva (i)material e de natureza exterior também são

elencada em nossa discussão.

Desta maneira a análise geográfica desta pesquisa tem como base

as referências elencadas acima, relacionamos com as geografias do samba partindo

da gênese desse gênero musical, social e cultural.

O samba é controverso em relação a sua gênese, alguns estudiosos

sugerem que ele chegou da África, outros dizem que a sua gestação de deu no Rio

de Janeiro no início do século XX, porém em nossa investigação buscamos

evidenciar a etimologia do samba a partir das raízes africanas até a sua constituição

no Brasil.

Didaticamente discutimos as evidências geográficas e as

características que o samba Paulista de origem rural muito praticado nas senzalas

no século XIX e o samba urbano nascido no Rio de Janeiro, com sua pré-gestação

iniciada no fim do século XIX, surgindo como construção coletiva na casa da baiana

“tia Ciata”, na extinta praça onze no centro do Rio de Janeiro. As características são

distintas entre o samba paulista e o samba carioca, porém em um processo

dinâmico, relacional e concomitante o samba se expressa e acontece nos mais

diversos locais do Brasil.

Page 13: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

13  

  

De tal maneira que o samba criou raízes, mas é com o advento da

proclamação da República e o projeto de urbanização do centro do Rio de Janeiro

que o samba é (des)territorializado pela classe hegemônica com o discurso de

deixar o Rio de Janeiro nos moldes e glamour Parisiense desta maneira se

(re)territorializa por diversas partes da cidade do Rio de Janeiro, como Estácio,

Ramos, Madureira, Osvaldo Cruz, Mangueira.

Esse processo de (des)territorialização se dá com as populações

menos abastadas composta na sua maioria de ex-escravos e operários que

habitavam os cortiços e que pelas circunstâncias foram obrigados a procurar outras

localidades e assim se (re)territorializaram para os subúrbios e morros cariocas. É

nesse contexto socioespacial que o samba se constitui e se consolida

intrinsecamente ligado a identidade principalmente com os elementos da cultura

negra advindas de classes subalternas.

A partir desta consolidação o samba permeia o século XX,

apresentando para o Brasil poetas e ícones como Donga, Sinhô, Ismael Silva, Noel

Rosa, Geraldo Pereira, Cartola, João Nogueira, Zeca Pagodinho e muitos outros,

além de grandes figuras do samba paulista como Geraldo Filme, Adoniran Barbosa,

Demônios da Garoa, Quinteto em Preto e Branco, Osvaldinho da Cuíca, além de

outros. Dessa forma, este gênero musical se disseminou, atraiu e conquistou outras

classes sociais, deixando o status da marginalidade no início do século XX, alçando

o estrelato, como sugere o titulo do livro de Fabiana Lopes da Cunha2, construindo-

se, inclusive, como expressão de brasilidade para o mundo.

As territorialidades do samba em Londrina são o foco central dessa

pesquisa, desta maneira para identificarmos tais territorialidades, buscamos

compreender o processo de colonização do Município de Londrina, no qual a classe

hegemônica era formada por ingleses, porém nesse processo de colonização vieram

os negros e é a partir de então que surgem as primeiras territorialidades do samba

no Município.

A investigação prática para evidenciar as construções das

territorialidades do samba em Londrina ocorreu mediante entrevistas com os

                                                            2  CUNHA, Fabiana Lopes Da. Da marginalidade ao Estrelato: O samba na construção da

nacionalidade (1917 - 1945). São Paulo: Annablume, 2004. 260 p.

 

Page 14: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

14  

  

personagens do samba deste Município, sendo esses personagens construtores das

territorialidades do samba, a universitária Camila Sampaio coordenadora do Projeto

Quizomba: o samba e outros batuques; Leandro Almeida, Dona Vilma Santos; Seu

Nelson; o professor e sambista Braga, cada qual com as suas especificidades para a

construção das territorialidades.

Desta maneira essa pesquisa procurou evidenciar as territorialidades

do samba em Londrina mediante o aporte geográfico da categoria território, da

geografia do samba e entrevistas com os personagens que constroem as

territorialidades do samba em Londrina, é isso que pretendemos mostrar no corpo

deste trabalho.

Page 15: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

15  

  

2. TERRITÓRIO E TERRITORIALIDADES: UMA ABORDAGEM MÚLTIPLA, PROCESSUAL E RELACIONAL

Numa vasta extensão

Onde não há plantação

Nem ninguém morando lá

Cada pobre que passa por ali

Só pensa em construir seu lar

E quando o primeiro começa

Os outros depressa procuram marcar

Seu pedacinho de terra pra morar

E assim a região

sofre modificação

Fica sendo chamada de a nova aquarela

E é aí que o lugar

Então passa a se chamar favela3

Dentro de uma perspectiva de pesquisa no qual nos propomos a

estudar o samba em Londrina averiguamos e escolhemos dentre as categorias

geográficas a serem trabalhadas na perspectiva da temática, desta maneira

engendrando uma base teórica para a construção de um trabalho que traz

resultados práticos através das pesquisas de campo entrelaçado com os conceitos

teóricos propostos.

Nesse sentido a categoria escolhida para ser trabalhada na temática

do samba foi a do território, no qual dialogamos com algumas importantes

concepções dessa categoria na ciência geográfica até os seus diversos conceitos

tais como as territorialidades.

A categoria geográfica território e consequentemente o conceito as

territorialidades, são o foco central da discussão, além do fato de ter uma relação

indissociável com a identidade, sendo assim elementos fundamentais para a

discussão das territorialidades do samba em Londrina.

                                                            3 Letra da música Favela dos compositores Padeirinho e Jorge Pessanha 

Page 16: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

16  

  

Neste capítulo nos propomos a fazer um resgate epistemológico da

categoria território mediante alguns autores que contribuem com novas acepções da

ideia de território, perpassando pela a etnografia, pela tríade (T-R-D)

territorialização, (re)territorialização e (des)territorialização, desembarcando assim

na centralidade do que vem a ser o conceito direto da categoria de território, ou seja,

as territorialidades, intrinsecamente ligada à identidade no qual relacionamos para

chegar ao objetivo das territorialidades do samba em Londrina.

De maneira metodológica apresentaremos a categoria e os

conceitos geográficos elencados acima neste primeiro capítulo e trabalharemos com

esses conceitos ao decorrer do trabalho, discutiremos a aplicação desses através

das análises práticas feitas a partir das entrevistas de campo.

Na ciência geográfica o território é uma das categorias centrais à

compreensão de elementos geográficos, de aspecto central principalmente por ser

uma categoria que gera conceitos tais como territorialidade, territorialização, entre

outros, ou seja, ramifica-se, sendo de fundamental importância para que o geógrafo

entenda a sociedade e atue de maneira operativa.

Porém para chegarmos a uma geografia operativa, no qual novas

ideias e estudos possam vir a contribuir para a sociedade é necessário que haja

reflexão da categoria território para desconstruir as representações da ideia de

território como simples materialidade ou de simples relações sociais.

A palavra Território tem a significação etimológica, que deriva do

Latim, além dos conceitos empregados pelos geógrafos ao longo do tempo no qual

elencaremos mais adiante.

Em latim, por exemplo, “[...] terr-territorium e terreo-territor

‘aterrorizar aquele que aterroriza’, uma mescla entre domínio da terra e terror”.

(HASBAERT, 2004, p. 94).

Esse resgate da nomenclatura do território é importante para

entendermos a ideia de poder muito recorrente ao conceito, haja vista que mesmo

antes da definição de território dentro da ciência geográfica a etimologia da palavra

território remete a terra e a terror, ou seja, uma clara definição que as relações de

poder sempre estiveram presentes quando o assunto é território. Antes de

adentrarmos ao conceito de território propriamente dito, discutiremos um pouco

sobre o que é conceito.

Page 17: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

17  

  

Partindo do pressuposto que o conceito não é estático e está em

constantes mudanças através do processo histórico, aglutinando novas concepções

se relacionando com outros conceitos, sendo todo conceito constituído de

complexidades. Todo conceito tem uma história, seus elementos e metamorfoses; tem interações entre seus componentes e com outros conceitos; tem um caráter processual e relacional num único movimento do pensamento; com superações; as mudanças significam, ao mesmo tempo, continuidades, ou seja, des-continuidades (descontinuidade-continuidade-continuidade-descontinuidade, num único movimento); o novo contém o velho, pois o velho e este, aquele. (SAQUET, 2007, p.13).4

Com o território não é diferente, é um conceito complexo muito

discutido dentro da ciência geográfica estando em constante evolução diante dos

processos e relações ao longo do tempo.

As abordagens sobre o conceito de território são referenciadas por

diversos autores dentro da Geografia e de outras disciplinas do mundo acadêmico,

tendo o seu caráter multidisciplinar, no qual tais disciplinas superaram o conceito de

Território estritamente relacionado com o natural, ou seja, “[...] contrapõe-se aquela

concepção de Terra como fato natural, o conceito de território compreendido como

fato social e político”. (SAQUET, 2004), no entanto tais abordagens diferem de

acordo com cada base teórica que relacionam a categoria e os conceitos da maneira

mais coerente para cada qual, porém existem convergências em relação ao conceito

e é a partir delas que pretendemos adentrar.

Dentro da ciência geográfica mediante a sistematização da

Geografia como ciência a categoria território aparece no século XIX com Friedrich

Ratzel, geógrafo alemão, que prestou serviços intelectuais para o recém criado

Estado alemão com o objetivo de auxiliar intelectualmente a expandir o império de

Otto Von Bismarck, que naquele período unificou o antigo Estado Prussiano com o

Estado Alemão.

Ratzel tem grande importância dentro do pensamento geográfico em

relação à categoria território, pois a sua perspectiva de território foi utilizada por um

longo período dentro da ciência geográfica e ainda hoje é empregada. Dentro destas

perspectivas a Geografia Política, voltada para o domínio e expansão do Estado                                                             

4 A ideia de conceito utilizada por SAQUET 2007 é baseada nas propostas de (DELEUZE e GUATTARI, 1992)  

Page 18: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

18  

  

Nação e a perspectiva natural do território, do solo são pontos centrais na

concepção Ratzeliana:

Ratzel (principalmente na Geografia Política) dá uma importância central ao território na solidez do Estado e que este faz uma abordagem naturalizada do território, ligado ao Estado-Nação. O solo é o elemento fundamental do Estado e sua unidade, condicionando, entre outros fatores, o crescimento espacial dos Estados. (SAQUET, 2005, p. 13.870).

A perspectiva colocada por Ratzel é a do espaço vital, não

superando a naturalização do território advinda das ciências naturais muito em voga

no período do século XIX.

Essa concepção perdurou por muito tempo dentro do debate das

ciências geográficas e principalmente na Geografia Política, por considerar o

território como fronteiras, limites e divisões políticas relacionadas aos Estados-

Nação, sendo assim o território para Ratzel “[...] ora aparece como sinônimo de

ambiente, ora como solo, ora como Estado-Nação. Resumidamente, o território

aparece como palco” (SAQUET, 2005, p. 13.870).

Nas décadas de 1950 - 1960 surgem novas perspectivas para esta

categoria, justamente em um período de renovação de diversas concepções na

ciência geográfica, além do que a concepção Ratzeliana de território não estava

mais suprindo as abordagens, desta maneira aparecem nomes que trabalham a

centralidade desta categoria como Claude Raffestin e Robert Sack que passam a

considerar a partir de suas análises o território como relacional ao espaço, ou seja, o

território passa por relações como a economia, cultural, político, fugindo assim da

perspectiva de expansão e limites de fronteiras, absoluto.

Robert Sack e Claude Raffestin promovem uma mudança na

concepção do território, avançando nas discussões sobre o território considerando

assim relacional, principalmente a partir das relações de poder.

Para Robert Sack (1986) o território:

[...] é o produto da organização social e a territorialidade corresponde às ações de influência e controle de uma área do espaço tanto dos indivíduos como de suas atividades e relações, o que pode ocorrer em diferentes níveis escalares (SAQUET, 2007, p.83).

Page 19: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

19  

  

Nesta perspectiva o território é compreendido por área controlada

que se molda a partir das estratégias de influência de grupos sociais e indivíduos,

modificando-se conforme a estratégia de controle do sujeito que tem o poder.

Claude Raffestin efetivou sua proposta na década de 1980

contrapondo a ideia de território natural e compreendendo como fato político e

social, no qual o poder aparece de maneira relacional com o território, diferenciando

o espaço e território e definindo o território da seguinte maneira:

É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é um resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo, pela representação, o ator “territorializa” o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143).

A partir dessa ideia do conceito de território a centralidade está na

questão do poder e das relações sociais, do trabalho e do cotidiano, diferente da

visão de Ratzel de território natural, o ator tem grande importância, pois é através

das relações de poder em um sistema de apropriação e dominação que o território

se constitui mediante as relações econômicas, políticas e culturais (E-P-C).

As relações de poder colocadas por Raffestin (1993) não são macro

escalares, mas possuem diversas escalas de possibilidade e ação, ou seja, qualquer

tipo de relação de poder engendradas dentro do território, não é simplesmente um

poder emanado do Estado, mas sim dentro da perspectiva da E-P-C, sendo assim,

compactuando com o que Foucault (2009) conceitua poder desconstruindo a ideia

de poder relacionado apenas ao Estado ou instituições:

Dizendo poder, não quero significar “o poder”, como conjunto de instituições e aparelhos garantidores da sujeição dos cidadãos em um Estado determinado. Também não entendo poder como modo de sujeição que por oposição à violência, tenha a forma da regra. Enfim não entendo como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre outro cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma da lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais.[...] Onipresença do poder:não porque tenha o privilégio de agrupar tudo sob sua invencível unidade, mas porque se produz a cada instante,em toda relação entre um ponto e outro.O poder está em

Page 20: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

20  

  

todo lugar; não porque englobe tudo mas sim porque ele está em todos os lugares.( FOUCAULT,2009, p. 101-102).

Partindo desta ideia de Michael Foucault (2009) compreende-se o

poder não como um eixo central de relações como que ordena e normatizam as

instituições do Estado moderno, corpos e sujeitos, para Foucault o poder assume

uma dimensão capilar (agindo a partir de micro-relações capilares sobre os corpos

dos indivíduos), que emergem a partir dos diversos tipos de tensões e relações. Em

suma para Foucault o poder não é algo como um objeto que se pode possuir, o

poder se exerce através das relações cotidianas que compõe o nosso quadro de

práticas.

Esta perspectiva de poder se encaixa quando Raffestin (1983)

explicita o território através das relações de poder na construção do território que

através dessas relações de poder cria-se os trunfos de poder, ou seja, “[...] O poder

está presente nas ações do Estado, das instituições, das empresas [...], enfim, em

relações sociais que efetivam na vida cotidiana”. (SAQUET, 2007, p.33).

Porém é preciso salientar que Raffestin se apropria da ideia de

poder de Foucault (2009), desta maneira não se restringe a concepção de território

absoluta, ou seja, ligado aos aspectos políticos ao papel dos Estados desta maneira

não desconsiderando as dimensões econômicas e culturais da sociedade

vislumbrando o território como relacional.

No que tange uma perspectiva multidimensional do território

Raffestin (1993) defini as territorialidades a partir do território como um conjunto de

relações: Mas a vida é tecida por relações, e daí a territorialidade pode ser definida como um conjunto de relações que se originam num sistema tridimensional sociedade-espaço-tempo [...] A territorialidade aparece então como construída de relações mediatizadas, simétricas ou dissimétricas, com a exterioridade [...] A territorialidade se manifesta em todas as escalas sociais e espaciais [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 160-161).

A partir dessa concepção de território e territorialidades diante das

relações de poder e das territorialidades como produto de relações de uma

coletividade Raffestin (1983) avança ao trabalhar com a tríade (T-D-R)

territorialização, desterritorialização, reterritorialização.

A T-D-R é definida como:

Page 21: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

21  

  

A territorialização implica [...] um conjunto codificado de relações [...] a desterritorialização é, em primeiro lugar, o abandono do território, mas também pode ser interpretada como a supressão dos limites, das fronteiras [...] A reterritorialização [...], pode ocorrer sobre qualquer coisa, através do espaço, a propriedade o dinheiro etc. (RAFFESTIN 1984 apud SAQUET), 2007, p. 78.

Diante das proposições de Raffestin (1984, 1993) podemos observar

que as ideias das relações através do trabalho e do poder fazem parte do que vem a

se definir território para esse autor, utilizando-se do conceito de poder de Foucault

(2009) e trabalhando com a relação E-P-C, além de uma concepção múltipla do

território.

No que refere as relações do território e territorialidades com

identidade, Raffestin aborda e sugere alguns tipos de territórios sendo eles o

território do cotidiano, pautado em Henry Lefebvre, o território das trocas, o território

de referência, o território do sagrado “[...] o território do cotidiano é, ao mesmo

tempo, aquele da tensão e distensão, aquele de uma territorialidade imediata, banal

e original, previsível e imprevisível”. (RAFFESTIN 2003 apud SAQUET, 2007, p.

150).

O território das trocas articula-se entre as escalas locais, regionais,

nacional e internacional, em uma relação multiescalar “[...] nele, há descontinuidade

temporal, espacial e lingüística”. (SAQUET, 2007, p. 150). O território de referência

“[...] material e imaterial; é histórico e imaginário, subjetivo (memória individual e/ou

coletiva)”. (SAQUET, 2007, p. 150), a referência não é o território habitado e sim o

que já foi habitado, por exemplo, território mediante leituras, imagens que afloram a

identidade. O território sagrado é ligado à religião e a políticas exemplos como

Jerusalém e Roma, territórios sagrados para Judeus e Católicos respectivamente e

o político ligado a sistemas políticos ou figuras políticas, nacionalismo, nazismo. “[...]

são sacralidades políticas, criadas por povos ou Estados. Nas festas e cerimônias

também se efetivam sacralidades, territorialidades”. (SAQUET, 2007, p. 150).

Nesta perspectiva Raffestin deixa clara a abordagem múltipla do

território, definindo as especificidades do que vem a ser o território e as

territorialidades a partir da identidade das relações, essas especificidades não

acontecem de maneira única, pois são processuais e relacionais, podendo esses

territórios serem construídos e se relacionarem simultaneamente. Fica evidente

Page 22: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

22  

  

mediante esses territórios elencados por Raffestin a interação das relações entre (E-

P-C).

A partir desta análise do que é território para Raffestin (1984, 1993,

2003) e todas as sua derivações conceituais tais como sistemas territoriais,

territorialidade e T-D-R, entendemos que este autor propõe o território como um

espaço modificado através do trabalho e das relações de poder das mais diversas,

nos quais os autores sintagmáticos através da vida cotidiana e dos signos produzem

o território e as territorialidades.

Ainda na ideia de T-D-R Rogério Haesbaert (2007) geógrafo

brasileiro vai propor que a desterritorialização é um “mito”, ou seja, para ele a

desterritorialização não passa de uma ilusão, o que existe são multiterritorialidades,

sendo esse conceito uma alternativa para o processo de desterritorialização.

Para Haesbaert (2007) não é que a desterritorialização não exista,

ela é um processo concomitante da territorialização, ou seja, uma ação leva a outra.

O que existe, de fato, é um movimento complexo de territorialização, que inclui a vivencia concomitante de diversos territórios – configurando uma multiterritorialidade, ou mesmo a construção de uma territorialização no e pelo movimento. (HAESBAERT, 2007, p.20).

Nesse sentido Haesbaert (2007) entende o território na perspectiva

de Raffestin como relações de poder, porém acrescenta que o território “[...]

desdobra-se de um continuum que vai da dominação política econômica mais

‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’”

(Haesbaert, 2007, p. 21.).

Haesbaert (2007) parte das ideias de Henry Lefebvre de apropriação

e dominação do território, ou seja, o espaço para Lefebvre é a matéria-prima para os

processos de territorialização, em sua tríplice constituição (enquanto espaço

concebido, percebido e vivido).

Em uma perspectiva materialista histórica de dominação e

apropriação pautada em Henry Lefebvre (1986) a dominação do território é advinda

das forças hegemônicas de dominação do modo de produção capitalista enquanto a

apropriação ocorre a partir das relações de poder simbólico, cultural, identitário,

desta maneira mediante a relação dialética de dominação e apropriação, a

dominação parte das relações de poder pautadas por poderemos hegemônicos

Page 23: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

23  

  

econômicos enquanto a apropriação através das relações de poder simbólico, a

partir da emanação das identidades pertencente a indivíduos ou grupos sociais,

criando desta maneira as territorialidades de apropriação.

O território envolve sempre, ao mesmo tempo [...], uma dimensão simbólica, cultural, por meio de uma identidade territorial atribuída pelos grupos sociais, como forma de controle simbólico do espaço onde vivem (podendo ser, portanto uma forma de apropriação), e uma dimensão mais concreta, de caráter político disciplinar: apropriação e ordenamento do espaço como forma de domínio e disciplinarização dos indivíduos. (HAESBAERT, 1997, p.42).

Diante dessa afirmativa de apropriação, as relações identitárias se

fazem presentes constituídos a partir da efetivação da construção do território e das

territorialidades. Determinadas identidades são construídas a partir da relação concreto-simbólica e material/imaginária dos grupos sociais com o território. Estas seriam identidades territoriais por serem construídas pelo processo de territorialização, aqui entendido como “as relações de domínio e apropriação do espaço, ou seja, nossas mediações espaciais do poder, poder em sentido amplo, que se estende do mais concreto ao mais simbólico” (HASBAERT, 2001, p.121).

As identidades como o território são construídas, essas de diversas

formas: tais como discursos, narrativas, relações de poder, memórias, sentimento de

pertencimento, tendo um caráter abstrato, porém podendo se materializar de

diversas formas como, por exemplo, nas rodas de samba, na culinária afro-brasileira

ligada ao samba como a “feijoada”, de tal forma que a “[...] identidade, enquanto

sentimento de pertencimento é simbólica e abstrata, mas é originária de vivências,

experiências e afetos concretos” (WASSERMAN, 2001, p 08).

Diante das discussões conceituais de identidades concordamos que:

A identidade aparece como uma construção cultural. Ela responde a uma necessidade existencial profunda, a de responder à questão: “quem sou eu?” Ela o faz selecionando um certo número de elementos que caracteriza, ao mesmo tempo,o indivíduo e o grupo: artefatos, costumes, gêneros de vida, meio, mas também sistemas de relações institucionalizadas, concepções da natureza, do indivíduo e do grupo[...] (CLAVAL,1999, p.15).

Page 24: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

24  

  

É perceptível dentro do debate acadêmico que existem várias linhas

de discussão sobre o conceito de identidade, sendo esse um conceito complexo,

discussões que vão desde a tríade proposta por Stuart Hall (2004) do sujeito

iluminista, sociológico e pós-moderno, com as constantes crises de identidades até a

discussão de identidades individuais e coletivas, ou seja, um leque de proposições

sobre o conceito.

A identidade é contrastiva com a diferença, pois entre esses dois

conceitos “[...] ocorre um cruzamento ainda mais íntimo, pois não há como

‘identificar-se’ algo sem que sua ‘diferenciação’ (em relação ao ‘outro’), seja

construída, a ponto de ‘diferenciar-se’”. (HASBAERT, 2007, p. 36).

As identidades territoriais são construídas a partir da apropriação do

território a partir de um elemento central.

A identidade territorial só se efetiva quando um referente espacial se torna elemento central para a identificação e ação política do grupo, um espaço que a apropriação é vista em primeiro lugar a partir da filiação territorial, e onde tal filiação inclui o potencial de ser ativada, em diferentes momentos, como instrumentos de reivindicação política (HAESBAERT, 2007, p. 45).

Diante dessa afirmativa podemos exemplificar a partir do caso do

Quilombo dos Palmares, em uma relação de apropriação do território constituída

pela fuga dos “senhores” escravagistas Zumbi dos Palmares com os negros fugidos

das Senzalas criaram um território de resistência denominado de quilombo no qual

lutaram contra a política de açoitamento dos negros no Brasil no século XVII em

Alagoas, e que acabou por desencadear diversos quilombos pelo Brasil como forma

de resistência até a abolição da escravatura, sendo possível encontrar nos dias de

hoje remanescentes de quilombolas pelo Brasil, reforçando assim o caráter

identitário de resistência dos negros no Brasil.

O espaço concebido ou das representações na perspectiva de

Lefebvre são identidades que “[...] estão ligadas as relações de produção da ordem

que impõem os conhecimentos, os signos, os códigos espaciais como um produto

do saber, um misto de ideologias e conhecimentos”. (CRUZ, 2006, p. 76). O espaço

concebido é inserido de forma tácita no cotidiano da sociedade, em uma relação

dialética com o espaço vivido que são “[...] identidades pautadas na apropriação

Page 25: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

25  

  

simbólica [...] o uso, o afetivo, o sonho, o imaginário, o corpo, a festa, o prazer. Essa

apropriação está assentada no valor de uso”. (CRUZ, 2006, p. 77).

A apropriação simbólica mediante o espaço vivido:

[...] são identidades construídas arraigadas na experiência imediata do espaço vivido, na densidade e espessura de um cotidiano compartilhado localmente em sua multiplicidade de usos do espaço e do tempo. Estão ligadas à produção e comunhão dos saberes, dos costumes em comum, da memória e do imaginário coletivo. (CRUZ, 2006, p.77).

Esta relação entre espaço concebido e espaço vivido dialeticamente

constroem o pertencimento e as identidades territoriais, seguindo ainda com o

exemplo dos quilombos dos Palmares, no qual o elemento central foi à resistência

contra a violência aplicada pelo grupo hegemônico que detinham o poder sobre os

escravos negros, criou-se mediante as identidades o valor de uso, a partir do auto-

sustentabilidade do quilombo, como a produção de alimentos e elementos culturais

tais quais os batuques e danças que marcaram a pré-gestação do samba, como

veremos no segundo capítulo deste trabalho.

Como decorrência deste raciocínio, é interessante observar que, enquanto “espaço-tempo vivido”, o território é sempre múltiplo, “diverso e complexo”, ao contrário do território “unifuncional” proposto pela lógica capitalista hegemônica. (HAESBAERT, 2005, p. 6.775).

No que se refere à interação entre identidade e territorialidades

sendo uma inerente a outra.

A identidade é, e sempre está em processo, ou seja, sempre está em construção. Neste sentido a identidade é dinâmica, múltipla, aberta e contingente [...] a identidade não se restringe a “quem nós somos”, mas também “quem nós podemos nos tornar”; desse modo, a construção da identidade tem a ver com “raízes” (ser), mas também como “rotas” e “rumos” (torna-se, vir a Ser) (CRUZ, 2006, p. 70).

Porém a perspectiva da presente pesquisa de relacionar identidade

com território ocorre pelo fato de que os dois conceitos são construídos através de

relações, ou seja, são relacionais e processuais.

No que se refere à territorialidade e identidades em uma relação

intrínseca entre esses dois conceitos: “[...] a territorialidade esta na base da

identidade; são relações matérias e não materiais próprias do território, onde se

Page 26: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

26  

  

habita, vive, produz. Está intimamente ligada à vida cotidiana, no

lugar”(SAQUET,2005,p. 13.405).

O conceito de território e territorialidade para Marcos Aurélio Saquet,

em consonância como muitos aspectos propostos por Raffestin e Haesbaert, tais

como relações de poder e dimensões simbólicas do território, tem o acréscimo da

natureza Exterior ao homem e a (i) materialidade, ou seja, as relações do território

como esses três elementos E-P-C (econômica, política e cultura) passa a ter a

inserção do N – natureza exterior ao homem, que nada mais é que a natureza

primeira, formando assim as siglas (E-P-C-N). A natureza exterior ao homem para

Saquet não é estática, em constante transformação, relacional com a sociedade.

[...] os territórios podem ser temporários ou permanentes e se efetivarem em diferentes escalas, envolvendo sempre a síntese dialética do natural e do social que reside no homem. “O trabalho social e as representações são dois elos de ligação entre a sociedade e a natureza. [...] Assim não há sociedade sem natureza, nem natureza sem sociedade (SAQUET, 2007, p.128).

A (i)materialidade para Saquet (2007) se dá de maneira

concomitante com a materialidade, “[...] as relações, os processos, a vida são

materiais e ideários ao mesmo tempo. Ideário e matéria também estão em unidade,

uma está na outra constantemente”. (SAQUET, 2007, p. 17).

Portanto Saquet define o território e as territorialidades elencando

esses dois elementos ao território, sendo eles a natureza exterior e a (i)

materialidade que perpassa toda a relação envolvendo todas as dimensões E-P-C-

N. [...] Assim são os territórios e as territorialidades: vividos percebidos e compreendidos de formas distintas; são substantivados por relações, homogeneidades e heterogeneidades, integração e conflito, localização e movimento, identidades, línguas e religiões, mercadorias, instituições, natureza exterior ao homem; por diversidade e unidade; (i) materialidade [...] (SAQUET, 2007, p.25).

Nesse sentido, partindo de uma abordagem processual e relacional

do território, as territorialidades propostas por Saquet nos dão o aporte teórico que

nos levou à reflexão sobre a formação e construção de territorialidades do samba,

bem como das distintas identidades a ele inerente.

Page 27: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

27  

  

[...] Territorialidade [...] Como mediação simbólica, cognitiva e prática que a materialidade dos lugares exercita sobre o agir social [...] A territorialidade faz parte de um fenômeno social, que envolvem indivíduos que fazem parte de grupos interagido entre si, mediados pelo território, mediações que mudam no tempo – espaço (SAQUET, 2007 p.115).

A partir da abordagem do conceito de território, mediante sua

evolução desde a sua etimologia, até a abordagem processual e relacional do

território, chegando às territorialidades através de suas relações sociais e

identitárias, entrelaçaremos estes conceitos com a experiência da pesquisa de

campo no qual entrevistamos os sujeitos do samba na cidade de Londrina, nos

propondo assim a desvendar as territorialidades escondidas para muitos de grupos

culturais que se relacionam com a cidade através de suas identidades e

territorialidades.

A identidade do samba é advinda de um processo cultural oriundo

dos negros que no decorrer do tempo ganhou notoriedade e adquiriu o status de

símbolo de identidade Brasileira.

No próximo capítulo discutiremos a Geografia do samba da gênese

até a sua contemporaneidade, assim evidenciando sua origem e a sua evolução ao

longo do tempo até os dias de hoje, no qual criou as suas territorialidades pelo Brasil

inclusive em Londrina.

Page 28: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

28  

  

3. A GEOGRAFIA DO SAMBA: DA GÊNESE A CONTEMPORANEIDADE  

Samba Linda melodia que traz alegria

Na cidade ou na colina

Samba, orgulho dos brasileiros que na voz do seresteiro

Torna-se a apoteose divina

Vem de negros antepassados, de escravos acorrentados

Sob a luz do cativeiro seu som, ai o seu som

Embalava a Sinhá Maria que cantando assim sorria

E os negros batucavam no terreiro5

A discussão sobre a gênese do samba nos leva a observar a

existência de diversas linhagens sobre a origem do gênero, porém

independentemente de onde o samba foi gestado no Brasil é um fato consumado

que surge da população negra advinda da África que servia de mão de obra

escrava.

Não podemos afirmar que o samba é africano apesar da evidente

ligação e a ancestralidade com aquele continente. Através de diversos elementos,

principalmente pelos ritmos muito presentes nos cultos religiosos das diversas tribos

africanas como danças e oferendas.

A Etimologia da palavra samba vem do dialeto angolano (semba)

que quer dizer umbigada, o (Sam) dar e (ba) receber. Na dança de umbigada

existiam algumas regras como, por exemplo, o pai não poder dançar com a filha e

mãe com o filho sendo isso uma caracterização de desrespeito. “A origem da

palavra “samba”, que varia da [...] divindade angolana protetora dos caçadores”, a

culto pela divindade pela dança, passando com o sam como pagar, e ba, como

receber, sendo assim a dança do dar e receber. (FERREIRA; CARDOSO; DOS

SANTOS, 2003, p.27).

Fica evidente a caracterização simbólica e religiosa de matriz

africana da origem da palavra samba que se derivou do dialeto angolano a palavra

“semba”.

                                                            5  Trecho da canção Apoteose do Samba: Silas de Oliveira e Mano Décio da Viola 

Page 29: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

29  

  

O samba no Brasil caracterizado ainda apenas como dança de

umbigada com elementos das religiões afrobrasileiras, foi muito praticado nas

senzalas, nos arraiais, festas, quilombos. Em uma relação dialética os negros se

“assenhoreavam” do terreno devido à tamanha força rítmica do samba através da

utilização do corpo e dos batuques. A relação da música, do corpo e da dança já era

evidente onde existia concentração de negros, principalmente nos quilombos que

significaram grandes focos de organização e resistência dos negros pela liberdade,

sendo o mais famoso o quilombo dos Palmares.

Dispostas previamente as sentinelas, prolongam as suas danças até o meio da noite com tanto estrépito batem no solo, que de longe pode ser ouvido. E já era bem visível a coreografia do samba: Por via de regra, aos lados da rude orquestra, dispõem-se em circulo os dançarinos que cantando e batendo palmas, formam o coro e o acompanhamento. No centro do circulo, sai por turnos a dançar cada um dos circunstantes. E este ao terminar a sua parte, por simples aceno ou violento encontrão, convida outros a substituí-lo. Por vezes toda a roda toma parte no bailado, um atrás do outro, a fio, acompanhando o compasso da música em contorções cadenciadas dos braços e dos corpos (RODRIGUES apud SODRÉ, 1998, p.12).

Dentro do processo dinâmico da origem do samba e da migração

forçada dos negros para o Brasil, o samba vai se dinamizando estando em

constante evolução com suas relações processuais, porém sem nunca perder os

elementos da cultura negra, independente da região brasileira da qual o samba se

constituiu de maneira mais efetiva.

Na realidade os diversos tipos de samba (samba de terreiro, samba duro, partido alto, samba cantado, samba de salão e outros são perpassados por um mesmo sistema genealógico e semiótico: a Cultura negra. Foi graças a um processo dinâmico de seleção de elementos negros que o samba se afirmou como gênero síntese, adequando à reprodução fonográfica e radiofônica, ou seja, a comercialização em bases urbano-industriais. (SODRÉ, 1998, p.35).

Diante dos argumentos propostos acima apesar das diferenças

rítmicas que o samba possa ter adquirido nas diferentes regiões do Brasil em que

ele emergiu, esse gênero manteve as matrizes oriundas da cultura negra. Portanto

de forma didática falaremos nos subtítulo a seguir sobre as especificidades

geográficas do samba paulista de origem rural e do samba carioca de origem

urbana.

Page 30: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

30  

  

3.1. A geografía do Samba Paulista

Quem nunca viu o samba amanhecer vai no

bexiga pra ver, vai no bexiga pra ver 6

No século XIX e início do século XX o samba caracterizava-se ainda

em nas zonais rurais do Estado de café, no qual a urbanização não havia ainda se

consolidado. Desta maneira o samba paulista foi muito praticado no Estado de São

Paulo nas fazendas de café localizadas no interior do Estado em cidades como

Campinas, Tiête, Piracicaba, Sorocaba, Rio Claro, Porto Feliz, Limeira, São Pedro,

Itu, Tatuí, São Carlos entre outras cidades do interior. Essas cidades eram

consideradas zonas “batuqueiras”, geralmente essas manifestações aconteciam

ligadas a instituições de ordem religiosas como a irmandade de Nossa Senhora do

Rosário dos Homens Pretos e de São Francisco de Assis, mas o santo que os

negros mais reverenciavam é São Benedito, santo negro da igreja católica.

Foi, pois, a sombra das irmandades, principalmente a de nossa senhora do Rosário que os negros se organizavam para uma ruidosa participação na vida popular brasileira [...] a partir do século XVII tudo constituía um bom pretexto para os escravos saírem às ruas com suas marimbas, assobios, cangas (cana ou taquara com orifícios e fechada nas extremidades pelos próprios gomos), atabaques e macumbas (instrumento de raspa), produzindo ainda necessariamente uma musica tribal. (TINHORÃO, 1972, p.47).

A cidade de Pirapora do Bom Jesus - SP por ser um local de grande

concentração de devotos atraía e ainda atrai até hoje muitos romeiros, a cidade

criou essa característica pelo fato do ano de 1725 ter sido encontrado as margens

do rio Tiête uma imagem do Senhor Bom Jesus e que em alguns dias depois a

imagem teria curado um mudo o fazendo voltar a falar, assim a cidade começou a

reunir pessoas que pagavam ou faziam suas promessas e a noite se juntavam nos

alojamentos e batucavam.

Foram as festas realizadas em Pirapora, que tiverem o maior poder de juntar os grupos. Do início do século XX até os anos de 1920, esse ponto de encontro foi muito importante no desenvolvimento das ocorrências musicais dos negros paulistas e paulistanos. Eles

                                                            6 Trecho do samba “Tradição” de Geraldo Filme. 

Page 31: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

31  

  

participavam das celebrações de Pirapora como devotos e até como romeiros, mas era nos barracões em que se alojavam que acontecia a festa, tão famosa quanto a própria festa religiosa. Com o tempo, os alojamentos começaram a ser distribuídos de acordo com a procedência das pessoas – Capital, Campinas, Piracicaba, Jacareí, Sorocaba etc. – e, posteriormente, por agrupamentos dos cordões paulistanos. (GONÇALVES; LOPES; SOUZA, 2008, p.10).

Esses batuques praticados nas festas de Pirapora ainda não

caracterizavam o samba, porém aglutinava os elementos necessários de uma pré-

gestação desse gênero musical que vai se constituir de forma mais efetiva no

decorrer do século XX em São Paulo e também no Rio de Janeiro do qual falaremos

mais adiante.

Dentro do samba paulista diversos elementos importantes marcaram

a sua constituição, em sua maioria ligados à vivência do meio rural paulista, como o

samba do lenço, sambo do bumbo e as rodas de tiriricas. Esses três elementos

citados carregam consigo forte apelo à cultura folclórica popular do estado de São

Paulo, não se limitando apenas como elementos do samba.

O Samba do Lenço (Figura 1) muito praticado no interior,

principalmente em Piracicaba-SP, cidade essa onde ainda se encontram

remanescentes desse tipo de samba e um movimento de resgate a essas tradições,

como o próprio nome diz leva o lenço como seu adorno principal

Ficam homens de um lado e mulheres do outro, cada um com seu lenço respondendo à entoada dos cantadores. No enredo das letras destacam-se temas cotidianos e pequenas crônicas de aconte- cimentos locais: homenagens, sátiras, romance. Tudo embalado à levada de instrumentos de percussão (pandeiro, caixa e chacoalho – geralmente artesanais).7

                                                            7 Endereço eletrônico do fórum permanente de defesa de cultura popular, de onde foi tirada a citação sobre as características  do  samba  do  lenço.  http://defesadastradicoes.blogspot.com/2008/08/hoje‐tem‐samba‐de‐leno.html acesso em 18/09/2009. 

 

Page 32: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

32  

  

Figura 1: Samba do Lenço em homenagem a São Benedito Fonte: http://blig.ig.com.br/sambalenco/files/rkdoc_070617_samba-lenco_penha_323.jpg 

O Samba de bumbo é retratado por Mario de Andrade 1933 em seu

texto intitulado Samba Rural Paulista que fez parte no seu estudo sobre cultura

popular brasileira no qual ele remete aos festejos de Bom Jesus de Pirapora onde o

Samba do Bumbo predominou.

Enfileirados os instrumentistas, com o bumbo ao centro, todos se aglomeram em torno deste, no geral inclinados pra frente como que escutando uma consulta feita em segredo. É, pois a coletividade que decide do texto-melodia com que vai sambar. No grupo em consulta, um solista propõe um texto-melodia. Não há rito especial nesta proposta. O solista canta, canta no geral bastante incerto, improvisando. O seu canto, na infinita maioria das vezes, é uma quadra ou um dístico. O coro responde. O solista canta de novo. O coro torna a responder. E assim, aos poucos, desta dialogação, vai se fixando um texto-melodia qualquer. O bumbo está bem atento. Quando percebe que a coisa pegou e o grupo, memorizando com facilidade o que lhe propôs o solista, responde unânime e com entusiasmo, dá uma batida forte e entra no ritmo em que estão cantando. Imediatamente à batida mandona do bumbo, os outros instrumentos começam tocando também, e a dança principia. (ANDRADE apud CARNEIRO, 2005, p. 326).

As rodas de Tiririca também fazem parte desses elementos que

Page 33: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

33  

  

solidificaram o samba paulista, praticada tanto no interior do Estado como na capital

com ocorrência nas praças e largos a tiririca era exercitada até a metade do século

XX onde “[...] se constituía em um jogo de pernas na qual os participantes se

desafiavam para comprovar a sua superioridade sobre o adversário, a competição

era sempre embalada pela batucada nas caixas de engraxate (IOTI apud

GONÇALVES, LOPES, SOUZA, 2008, p. 18).

A ideia do samba em São Paulo ser de origem rural fica evidente

através do argumento da formação e ocupação das fazendas de café no território

paulista, pela forte presença de escravos na produção cafeeira como já explicitado

no texto. Conhecido também como samba de escravo, o samba rural conta “[...] com

presença acentuada de instrumentos como viola caipira, lata de engraxate, frigideira

e batuque pesado. (RIBEIRO, 2005, p.61), caracterizando os elementos musicais

marcantes do samba paulista.

Outro elemento marcante do samba paulista foi o dos batuques em

caixa de engraxate. Nas principais praças da cidade de São Paulo personagens

importantes do samba batucavam em suas caixas sem ainda ser reconhecidos como

bem retrata a música de Geraldo Filme “Partiu não tem placa de bronze não fica na

história, sambista de rua morre sem glória depois de tanta alegria que nos deu” 8.

Nomes importantes como Germano Mathias, Toninho batuqueiro, Osvaldinho da

Cuíca que foi parte integrante do grupo Demônios da Garoa, e que introduziu a

frigideira como instrumento no samba.

Sambista, ritmista, passista, cantor e compositor, Osvaldinho da cuíca começou no samba quando ainda era engraxate na região do pátio do colégio, em São Paulo. Batucando na latinha de graxa, para entreter a freguesia, tomou gosto pela percussão. Além da cuíca adotou a frigideira como cartão de visitas. (RIBEIRO, 2005, p.61).

Hoje Osvaldinho da Cuíca se diz o único a tocar frigideira, que a

tradição está se acabando, pois as frigideiras são de alumínios e não mais de ferros

e acabam amassando e não possui a mesma sonoridade. É possível afirmar que a

ideia de utilizar caixa de engraxate, latinha de graxa, frigideira venha ser pela falta

de condição de acesso aos instrumentos musicais, dessa forma improvisando e

assim criando características particulares para o samba paulista.

                                                            8 Trecho da canção Silêncio no Bexiga – Geraldo Filme. 

Page 34: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

34  

  

O samba paulista através de todos os seus elementos simbólicos,

culturais é engendrado por personagens, sujeitos que produzem e reproduzem essa

cultura, sem eles o samba não existiria. Em São Paulo existem diversos sambistas

que escreveram a sua história na cultura e no samba como, por exemplo, o já citado

Osvaldinho da Cuíca.

Entre essas figuras alguns se destacaram de forma efetiva, sendo as

suas obras conhecidas até mesmo por quem não tem ligação com o samba como é

o caso de Adoniran Barbosa que apresentou a parte marginalizada da sociedade

paulistana colocando em evidência a história das malocas9. Nessa mesma linha

regravando diversas músicas de Adoniran o grupo Demônios da Garoa apareceu no

cenário do samba, sendo um dos grupos mais respeitados e ativos do País. Geraldo

Filme que participou de forma eloquente do movimento negro e compôs diversos

sambas relacionados às fazendas e senzalas e a São Paulo, principalmente sobre

os bairros do Bexiga e da Barra funda. Citaremos de forma mais abrangente esses

dois personagens e o grupo Demônios da Garoa, porém as figuras do samba

paulista não se resumem a eles tendo sim diversos personagens não menos

importantes que estes no decorrer de sua história.

Adoniran Barbosa como ficou imortalizado ou João Rubinato nome

de batismo nasceu em 1910 na cidade de Valinhos região de Campinas, ator de

Rádio trabalhou por muito tempo na radio Record de São Paulo onde apresentava a

radio novela História das malocas, na década de 1950 compôs sambas que até hoje

está marcado na memória das pessoas e é cantado inclusive por crianças, como

samba do Arnesto10, Iracema11, Tiro ao Alvo12, Saudosa Maloca13, Trem das Onze14.

Adoniran Barbosa, a partir de suas obras tanto como rádio ator ou

compositor cantor narrou a metrópole paulistana que estava em pleno processo de

modernização no início da década de 1950, que através do discurso oficial [...]

anuncia a cidade como progresso e trabalho, como ícone da modernidade brasileira

                                                            9 ‐ Programa de Radio produzido e interpretado por Adoniran Barbosa na Radio Record de São Paulo, 

no  qual  retratava  a  simplicidade  da  população  menos  abastada  da  sociedade  paulistana,  mediante  ao  cotidiano simples dos personagens. 

10 ‐ Samba do Arnesto ‐ Adoniran Barbosa. 11 ‐ Iracema ‐ Adoniran Barbosa. 12 ‐ Tiro ao Alvo ‐ Adoniran Barbosa. 13 ‐ Saudosa Maloca ‐ Adoniran Barbosa. 14 ‐ Trem das Onze – Adoniran Barbosa. 

Page 35: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

35  

  

– a São Paulo dos arranha-céus e chaminés, expressão do desenvolvimentismo e

da superação do atraso do país. (ROCHA, 2002, p. 19).

Os arranjos territoriais da cidade de São Paulo expostos por

Adoniran divergem do que vem a ser a história oficial, do desenvolvimento da

metrópole paulistana. Adoniran a partir de suas experiências do cotidiano retratava a

rotina das pessoas simples que geralmente residiam em malocas e cortiços da área

central de São Paulo em contrapartida ao crescimento da metrópole constituída

pelos arranha-céus.

Adoniran via esse processo de modernização de maneira distinta do

discurso oficial, observava o cotidiano e enxergava todo o processo de

marginalização da camada menos abastadas da capital paulista.

Adoniran, como narrador da metrópole, traduz a modernidade a partir de uma percepção que se alimenta de um sentido do cotidiano, negado pela racionalidade que move a transmutação do espaço da cidade – valor de uso – em metrópole – valor de troca. A sua obra, inscrita no universo popular, apropria-se do urbano, inventando uma narrativa do moderno a margem das imposições da ordem dominante. (ROCHA, 2002, p.20).

Além de deixar registrados sambas importantes, Adoniran sabia

trabalhar com a linguagem, juntando o vocábulo Ítalo – caipira dos bairros paulistano

da região central da cidade, mesclando o vocábulo dos negros e dos italianos como

nesta música “si o senhor não ta lembrado dá licença de contá, aqui onde está esse

edifício arto era uma casa veia [...] mais, um dia nóis nem pode se alembrá veio os

home cas ferramentas o dono mando derrubá15“ outra composição que retrata essa

linguagem é o samba do Arnesto, “Arnesto nos convidou pra um samba, ele mora no

Brás nós fumos não encontremos ninguém, nós vortemos com uma baita de uma

réiva da outra vez nós num vai mais.16”

Na década de 1940 desponta em São Paulo o grupo Demônios da

Garoa, se apresentavam nas emissoras de rádios da capital, no início o grupo se

chamava Luar e tocava serenatas, conheceram Adoniran na rádio e dá lá em diante

gravaram diversas composições de Adoniran Barbosa.

                                                            15 Trecho da canção Saudosa Maloca – Adoniran Barbosa 16 Trecho da canção Samba do Arnesto – Adoniran Barbosa 

Page 36: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

36  

  

Estas interpretações consagrariam o estilo musical, que caricaturava a batucada dos engraxates que trabalhavam no trecho entre as praças da Sé e Clóvis Bevilacqua, no centro da cidade. Além disso, o conjunto enfatizava determinados traços da linguagem utilizada por Adoniran, como por exemplo, expressão da fala acaipirada misturada a certo italianismo, presente nas letras de suas canções. A interpretação dos Demônios, nitidamente articula-se a ideia de focalizar nas composições de Adoniran o traço cômico, aproveitando os breques para jogar com humor gaiato e caricatural. (ROCHA, 2002, p.138-139).

O grupo Demônios da Garoa continua se apresentando, sendo o

grupo mais antigo em atividade no Brasil, registrado até no livro dos Recordes,

porém já não conta mais com a sua formação original.

Geraldo Filme foi um dos grandes sambistas paulista, nasceu no

interior de São Paulo, precisamente na cidade de São João da Boa Vista, porém

mudou-se para a capital ainda criança, a veia musical vinha dos pais e dos avôs, o

pai tocava violino e a mãe tinha grande facilidade com a musicalidade, já a avó

cantava samba com os negros na senzala. Quando menino trabalhava de entregar

marmitas de comida chegando inclusive a entregar para o então governador paulista

Ademar De Barros. No extinto largo da banana, na Barra Funda, local onde os trens descarregavam as bananas trazidas de outras regiões, os carregadores nas horas vagas entre um trem e outro, formavam rodas de samba e tiririca. Com criatividade improvisavam ritmo transformando pratos, colheres, latas de lixo, caixinhas de fósforo e o que mais tivesse a mão em verdadeiros instrumentos de percussão. Foi nesse meio que o “neguinho das marmitas” juntamente com o seu colega Zeca da Casa Verde freqüentou as primeiras rodas de samba. (SILVA, et al, 2004 p. 155-156).

Geraldo Filme teve uma participação importante no carnaval

paulista, no qual participou da Escola de Samba da Vai-vai por bastante tempo onde

compôs diversos sambas enredos para a agremiação, a Vai-vai que se localiza no

bairro Bela Vista no Bexiga capital paulista.

Porém notoriamente o que marcou Geraldo Filme foi o seu

engajamento através de suas composições como os aspectos sociais e com o

movimento negro, cantou muitas canções sobre os negros.

Page 37: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

37  

  

Geraldo Filme também fazia critica social e racial em suas letras em Samba de Pirapora17, uma de suas composições mais conhecidas narra como a discriminação racial resultou, em muitos contextos, em um adensamento dos núcleos de sociabilidade dos negros e um fortalecimento de suas formas culturais de expressão e identificação. (SILVA, et al, 2004, p.169).

Na contemporaneidade do samba paulista encontramos um projeto

que resgata as matrizes do samba de São Paulo e que provavelmente fará

vanguarda. O samba da Vela é movimento que faz muito sucesso nas noites de

segunda-feira na cidade de São Paulo, principalmente por sua peculiaridade, por ser

realizado na segunda-feira o samba não pode ir até muito tarde porque no outro dia

as pessoas precisam trabalhar, por isso quando a vela se apaga o samba termina.

A história do movimento começa numa noite de segunda-feira, mais precisamente no dia 17 de julho de 2000, quando quatro jovens compositores decidem se reunir e mostrar os seus próprios sambas uns aos outros. O cenário do encontro é o bar ziriguidum [...] Como ninguém tinha relógio e se fazia necessário controlar o tempo da roda, alguém ascendeu uma vela sobre a mesa e determinou que o samba chegaria ao fim tão logo a chama apagasse. [...] A vela serviu como uma espécie de ampulheta [...] O repertório é centrado em sambas de mesa inéditos, feitos pela própria comunidade de Santo Amaro, bairro da periferia paulistana onde nasceu o projeto (RIBEIRO, 2005, p. 33).

O movimento do samba da vela (Figura 2) em São Paulo serviu de

exemplo para a inspiração de outros movimentos culturais voltados para o samba

com a intenção de fazer um resgate cultural do gênero fazendo uma interação com a

comunidade em uma forma de entretenimento cultural.

                                                            17 ‐ Samba de Pirapora (Geraldo FiIme). 

Page 38: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

38  

  

Figura2: Samba da Vela na capital paulista; Fonte: http://catracalivre.folha.uol.com.br/wp-content/uploads/2009/05/samba-da-vela-hans_georg.jpg / acesso em 03/11/2009

Através desse dialogo com o samba paulista ficou evidente que não

podemos considerar correta a frase colocada pelo poeta Vinicius de Moraes que

“São Paulo é o tumulo do Samba” obviamente que com toda sapiência Vinicius de

Moraes deve ter dito esta frase em um contexto provocativo entre Rio de Janeiro e

São Paulo. Como vimos São Paulo tem samba sim senhor, e com muita história para

contar.

Toda a discussão feita sobre o samba paulista não se esgota aqui,

muita coisa sobre a história do samba paulista pode ter passado em branco,

principalmente por uma questão estrutural do trabalho, mas acreditamos que o

essencial para que se compreenda o samba paulista está contemplado nas páginas

acima.

Page 39: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

39  

  

3.2. A geografía do samba carioca

Eu sou o samba

A voz do morro

sou eu mesmo sim senhor

Quero mostrar ao mundo

que tenho valor

Eu sou o rei do terreiro

Eu sou o samba

Sou natural daqui

do Rio de Janeiro

Sou eu quem levo a alegria

Para milhões de corações

brasileiros18

O processo de formação do samba no Rio de Janeiro foi distinto do

ocorrido em São Paulo, como já visto nas terras paulista o samba se caracterizou

carregando fortes raízes do rural, oriunda da cultura negra das fazendas de café.

Enquanto no Rio de Janeiro tivemos a formação do samba com características

urbanas, no quais diversos fatores levaram a essa constituição da qual falaremos a

seguir.

A capital do império e posteriormente da república no Brasil era

constituída de diversos atrativos, lá se localizava toda a efervescência política,

econômica e cultural do Brasil, além do fato de ser capitais, as manifestações

artísticas, políticas vindas do exterior desembarcavam no então maior aglomerado

urbano brasileiro.

Antes do samba se consolidar no cenário urbano brasileiro duas

expressões musicais participaram efetivamente desse processo, o Lundu e o

maxixe. Essas duas expressões eram apreciadas nos bailes a partir da segunda

metade do século XIX e foram de extrema relevância para a constituição do samba.

O lundu, como o batuque ou o samba, também incluía em sua coreografia uma roda de expectadores, par solista, balanço violento

                                                            18 Trecho da música Voz do morro – Ze Keti 

Page 40: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

40  

  

dos quadris e umbigada, com o acompanhamento de violas. Mas o lundu já é plenamente urbano, é a primeira música negra aceita pelos brancos. Na realidade é a primeira a se crioulizar-se.( SODRÉ, 1998,p.30).

O lundu dividia o espaço musical do Rio de Janeiro com outros

gêneros musicais advindos da Europa como a modinha e a polca, e esses ritmos

foram se mesclando, surgindo então o maxixe:

Esta dança, que inicialmente, devido ao seu sensualismo foi considerada indecente pelas camadas dominantes porque a libido e o entrelaçamento dos corpos em volteio e passos rápidos, [...] acabou conquistando esses mesmos grupos, via teatro de revista e bailes de sociedade carnavalesca. Entretanto até fins do século XIX, o preconceito ainda era muito grande com relação a este tipo de ritmo. (CUNHA, 2004, p.50).

O maxixe em contato com a cultura dominante passou por algumas

transformações e foi até exportado para os teatros europeus, com mudanças

significativas para ser aceito na Europa. No Brasil tamanho sucesso teve o maxixe

que as apresentações eram feitas em teatro de revistas.

No entanto por esse gênero musical estar estreitamente vinculado em suas origens as camadas subalternas de negros e mestiços da cidade nova e ter sido apreciado e cultivado por homens do comércio e prostitutas dentro dos clubes carnavalescos, a dança foi introduzida nos teatros em meio a números cômicos [...] (CUNHA, 2004, 50).

No início do século XX o Rio de Janeiro passa por transformações

significativas principalmente no que se refere à estrutura urbana. O então prefeito da

época Pereira Passos que foi eleito em 1903 foi responsável pelo projeto de

reurbanização da capital brasileira, no episódio que ficou conhecido como “bota

abaixo”, no qual foram tomadas medidas para um “planejamento” urbano,

derrubando os cortiços, alargando as avenidas, deixando o centro da cidade com

aspectos e glamour parisiense, essa analogia com a capital francesa deu o nome

para esse período de transformações de “La Belle époque”.

Todo esse processo de transformação urbana da qual o Rio de

Janeiro estava passando gerou um paradoxo, criando a “[...] ‘francafrica’: os

governantes sonhando em fazer da cidade uma réplica tropical de Paris enquanto

Page 41: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

41  

  

boa parte da enorme população negra vivia concentrada em lugares pouco salubres.

(VIANNA, 2004, p.16).

É através da população negra, advindas principalmente da Bahia

que o samba permeia no cenário urbano carioca, a migração dos baianos para o

sudeste ocorreu a partir da revolta dos Malês ( negros mulçumanos) em 1835 na

Bahia no qual vieram para a capital federal e para as fazendas de café do Vale do

Paraíba no Estado de São Paulo, que diante da decadência do café, acabaram por

migraram para o Rio de Janeiro.

Quando chegavam à capital geralmente ocupavam a região

portuária e central da cidade, criando as suas territorialidades como sugere o livro de

(Roberto Moura, 1983). “A pequena África do Rio de Janeiro”. Esse processo de

migração foi sendo sedimentado no fim do século XIX e início do XX.

Era numerosa a colônia baiana na Saúde [...] Na pedra do sal, no morro da Conceição, próximo aos trapiches começou a ser formada uma colônia, que se estenderia para a cidade nova na virada do século [...] Já havia na pedra do sal um esquema de recepção aos novos habitantes da cidade, que ganhavam abrigo temporário, roupa e comida. (VIANNA, 2004, p.19).

Com o advento do “bota abaixo” aplicado pelo prefeito Pereira

Passos, muitas pessoas que moravam em cortiços na região central da cidade foram

obrigadas a deixar a suas moradias e habitar outros locais mais afastados como os

subúrbios e morros, acontecendo um processo de desterritorialização e

concomitantemente de reterritorialização, compactuando com a ideia proposta no

primeiro capítulo de (SAQUET, 2003) que estas transformações são processuais e

relacionais, simultâneo, e é através dessas ocupações de morros que surge a

favela. Os primeiros ocupantes do morro da favela foram ex-combatentes da guerra de canudos que receberam a promessa do governo federal de dar a eles casa na capital. Como a construção das casas demorou muito, instalaram-se no morro próximo a zona portuária e à Central do Brasil. O nome “favela” acabou se generalizando e passou a denominar outras ocupações (VIANNA, 2004, p.17).

A partir dessa desterritorialização provocada pelo “bota abaixo” o

samba se dissemina por diversas partes da cidade na qual habitavam os

Page 42: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

42  

  

marginalizados da política dominante, assim locais como a cidade nova, Estácio de

Sá, Ramos, Madureira, Osvaldo Cruz, Mangueira, Penha.

Pensemos nas mudanças arquitetônicas e sociais do Rio de Janeiro no principio do século XX. Foram elas que fizeram o samba a pegar um trem e ir para as festas da Penha ou refugiar-se em outros subúrbios como Estácio, Madureira, Osvaldo Cruz, Mangueira e Ramos, portanto, pontos estratégicos e disseminando toda a sua prática por toda a cidade. (MOURA, 2204, p.42).

Nesse contexto de desterritorialização da população menos

abastada do qual foram retiradas dos cortiços do centro da cidade e deslocadas

para os morros e subúrbios o samba vai se consolidando de maneira mais efetiva na

cidade nova especificamente na Praça Onze, onde morava uma certa baiana

chamada tia Ciata, a designação tia vem pela relação que ela tinha com o

Candomblé, religião afrobrasileira, na qual ela exercia a função de babalaô-mirim19.

Foi lá [...] que floresceu de modo espontâneo e festivo a geração que ira imprimir na alma brasileira, com a criação do samba, o decalque indelével de sua mais funda identidade musical [...] A casa da Tia Ciata condensava a ambiência sonora de um movimento que acabou sendo social, político e etnicamente fundamental para nossa consolidação identitária, algo que ultrapassa, portanto, o limite especificamente musical. (MOURA, 2004, p.100).

Toda a efervescência cultural na casa da tia Ciata faz eclodir o

Samba no Rio de Janeiro, sendo o principal reduto a Praça Onze (Figura 3). A casa

da tia Ciata tinha uma divisão estratégica, pois nesse período das primeiras duas

décadas do século XX o samba era marginalizado, perseguido pela policia, por isso

a casa era constituída com características um espaço de contra poder das

autoridades. Na chamada sala de visitas, na frente da casa acontecia o baile, freqüentado por pessoas de “partido-alto”, ou seja, aqueles que tinham mais história naquele grupo. O que é lembrado, nos depoimentos, como samba de partido-alto era uma música basicamente instrumental, com violão, cavaquinho, eventualmente flauta, mas sem instrumento de percussão. Tocava-se polca, maxixe e o que já era se chamado de choro. Algo muito diferente para o que depois se firmou como partido-alto: versos improvisados a partir de um refrão. Também ficavam ali justificando o nome da sala, as visitas, gente de outras partes da cidade. Nos quartos ou sala de jantar (varia de acordo com o depoimento), acontecia o samba

                                                            19 No Candomblé mãe pequena, auxiliar direto do pai ou mãe de Santo. 

Page 43: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

43  

  

corrido, com palmas, improvisações e danças individuais, não em pares como no baile, Quem dançava no meio da roda sinalizava com a umbigada aquele que deveria substituí-lo. O miudinho sapateado discreto originado no recôncavo baiano, era dançado por Ciata e outros. Já no quintal (ou terreiro), acontecia a batucada, onde a música percussiva embalava as pernadas (capoeira). (VIANNA, 2004, p.23).

Figura 3: O palco do nascimento do samba urbano: a Praça Onze em seus dias de glória; Fonte:http://www.jblog.com.br/rioantigo.php?blogid=109&archive=2009-06/ acesso: 04/11/2009

A importância cultural que a casa da Tia Ciata exerceu na

constituição do samba urbano fica evidente, pois foi de lá que saiu o primeiro samba

gravado do Brasil “Pelo Telefone”, sendo motivo de muita discussão em relação ao

seu registro. Ernesto dos Santos conhecido popularmente como Donga, sambista e

frequentador da casa da tia Ciata se apropriou e registrou o samba junto com Mauro

de Almeida popularmente chamado de Peru dos pés frios, porém a grande questão

é que os sambas eram produzidos de forma coletiva, ou seja, por todos que

frequentavam a casa. Diante de toda essa discussão o sambista Sinhô que também

foi acusado de registrar músicas compostas coletivamente naquele período disse [...]

samba é que nem passarinho é de quem pegar. (ALENCAR apud CUNHA, 2004,

p.78).

O samba Pelo telefone fez muito sucesso no carnaval de 1917,

sendo muito apreciado pelos foliões que frequentavam os ranchos carnavalescos. A

estrutura musical desse samba era amaxixado, fato também que gerou grande

Page 44: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

44  

  

discussão se realmente o Pelo telefone é de fato samba, diferente dos sambas do

Estácio de Sá, local do surgimento da primeira escola de samba que caracterizavam

sambas sincopados.

[...] não há duvidas que pelo telefone está muito distante do que entendemos como samba, aquele que começa a se firmar no final da década de 1920.No entanto, mesmo que não seja um samba e que Donga não tenha sido o seu autor de fato, isso não apaga que “ é ele [Donga] o autor da história, é ele que inventa a canção e assim fazendo inventa o samba carioca em muitas características que veio guardar até hoje.( VIANNA,2004, p.27).

Diante de todo esse contexto os ranchos carnavalescos são partes

importantes dentro desse processo, sendo eles os percussores das Escolas de

Samba que começam a surgir no final da década de 1920.

O surgimento dos Ranchos vem das tradições rurais, a princípio

eram praticados no natal tendo o seu ápice no dia de Reis em Janeiro, por conta da

mistura dos elementos da cultura negra, principalmente os instrumentos de

percussão a data de saída dos ranchos passou a ser no carnaval.

[...] Era uma organização estruturalmente negra. Já existia na pedra do Sal, (atual morro da Conceição), como instituição recreativa de negros de origem baiana, desde antes do “reinado” das tias da cidade nova. Herdaram características (por exemplo, a forma de procissão) dos pastoris e ternos nordestinos, mas também do cucumbis (mais remotos) – que era passeatas realizadas por ocasião das festas de Natal e Reis – e dos cordões (mais recente que os cucumbis e mais antigo que os blocos). Os ranchos aproveitavam a festa européia do carnaval para retomar, dos cordões a tática de penetração coletiva (espacial, temporária) no território urbano e afirmar, através da música e da dança, um aspecto da identidade cultural negra. (SODRÉ, 1998, p.36).

A partir da década de 1920 os ranchos passam a denominação de

rancho escola, [...] abandonando as características mais negras e abarcando

elementos da sociedade branca para ser melhor aceito, foi então que surgiram de

1923 em diante, as escolas de samba ( no começo, apenas blocos)” (SODRÉ, 1998,

p.37)

Page 45: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

45  

  

“A primeira escola de Samba surgiu no Estácio de Sá” 20·, frase esta

de uma canção retrata bem a história e a importância que o bairro Estácio de Sá

teve na formação do samba carioca de base urbana.

O termo escola surge justamente no Estácio, como forma de

organização para que o poder público liberasse a passagem dos ranchos pelas ruas,

assim surge o “Deixa eu Falar” em 1928 fundado por um dos grandes expoentes do

samba carioca Ismael Silva. O que diferenciava o “Deixa eu falar” dos ranchos era a

maneira organizativa, era um bloco de cordas, ou seja, era delimitado diminuindo

assim o risco de confusões. Tinha cores, o vermelho e branco em homenagem ao

América Futebol Clube time de futebol do Rio de Janeiro. Ali também surgiu a ala

das baianas constituída tanto de homens como mulheres e dos ranchos apropriou-

se das figuras dos mestres salas e das portas bandeiras, sendo essas

características importantes de diferenciação dos ranchos para o início das escolas

de samba, como pontua (VIANNA, 2004) em seu livro Geografia Carioca do Samba.

Outra particularidade do Estácio é a forma de como o samba era

executado, de maneira diferente dos que estavam em evidência até então, como é o

caso do “pelo telefone” de Donga que era musicalmente amaxixado. O samba

estaciano é sincopado, dando ênfase ao corpo, sendo os elementos percussivos

tocados de maneira estrondosa, forte. Esta diferenciação do samba do Estácio para

o de elementos do maxixe é explicado por Ismael Silva em entrevista em 1974. [...] o

samba era assim: tan tantan tan tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar

na rua assim? Aí, agente começou a fazer um samba assim: bum bum paticumbum

prurungudum (CABRAL apud VIANNA ,2004,p.41).

Não analisaremos as estruturas musicais do samba, porém

compreendemos ser de relevância fazer essa diferenciação com o samba do Estácio

de Sá porque é dali que saíram as referências para o samba e o carnaval carioca

posteriormente.

A partir de então surgem Mangueira e Portela, duas das mais

importantes escolas de samba do Rio de Janeiro influenciadas pelos sambas do

Estácio de Sá, que são referências do samba e do carnaval até os dias de hoje.

A intenção do trabalho não é discutir as escolas de samba no âmbito

do carnaval por isso não trabalharemos as estruturas carnavalescas, apenas

                                                            20 Trecho da canção “A primeira escola”: Pereira Matos e Joel de Almeida 

Page 46: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

46  

  

mencionaremos pela importância dentro do samba como é o caso das comunidades,

lembrando assim que samba não é sinônimo de carnaval.

Em todo esse contexto de formação do samba como gênero musical

e de elementos culturais constituintes nas primeiras décadas do século XX, no que

tange uma perspectiva hegemônica, oficial das autoridades de uma oligarquia no

sentido de um governo de poucos, voltado para as políticas da classe dominante do

Rio de Janeiro o samba era visto de maneira marginal, sendo perseguido, no qual os

sambistas eram considerados vadios.

A figura que comumente representava o samba é a do malandro que

era tido como sinônimo de vagabundo. Porém é necessário diferenciar o malandro

daquele período com os dos dias de hoje, principalmente porque o grau de violência

daquele período é distinto dos tempos atuais, não havia o problema crônico das

drogas, que hoje em dia leva a grandes disputas territoriais por pontos de tráficos e

a morte prematura de muitos jovens21.

O malandro do início do século XX é uma figura simbólica, sempre

andava alinhado, as suas vestimentas eram caracterizados por ternos e sapatos

brancos além do chapéu de palha, seu instrumento de intimidação é a navalha, e a

sua linguagem tem um poder argumentativo que o leva a convencer as pessoas que

acabam caindo em seus golpes. Outra característica importante do malandro que

deve ser salientada é a jogatina, por exemplo, o jogo de cartas, roletas, tampinhas,

sempre apostando e trapaceando, além da boemia, no qual trocava o dia pela noite,

cantava sambas e bebia, ganhava a vida nas custas de golpes.

Dentro de um universo social em que as camadas subalternas, principalmente de descendência africana, tinham grandes dificuldades em conseguir um trabalho regular que lhes dessem uma vida digna, a figura do malandro é cantada nos sambas com admiração e até com certa dose de heroísmo, pois, para transitar entre estes dois mundos são necessários alguns atributos, tais como esperteza, malícia, talento e coragem, que o “bom malandro” possui em abundância. (CUNHA, 2004, p. 160-161).

A figura do malandro faz parte do universo do samba, o sujeito

avesso ao trabalho formal, muitos sambas cantam as proezas feitas pelos                                                             21 ‐ É latente o problema estrutural em que se encontra o Rio de Janeiro e outras cidades do Brasil com 

a o problema do tráfico de drogas. A guerra do tráfico acua a população que fica de mãos atadas tamanho o poderio dos traficantes, assim esses sujeitos criam as territorialidades do tráfico em que eles detêm o poder, causando conflitos com outros traficantes e com a polícia. 

Page 47: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

47  

  

malandros como, por exemplo, Se você Jurar 22,lenço no pescoço23, acertei no

milhar24, além de outros sucessos.

No entanto essa simpatia pelo malandro não era bem vista por todos

os sambistas, isso gerou talvez a maior polêmica no mundo do samba entre Noel

Rosa, nascido em Vila Isabel, conhecido como bacharel do samba, por advir de uma

classe média do Rio de Janeiro e Wilson Batista, sambista que exaltava as

“qualidades” do malandro.

Noel Rosa acreditava que a exaltação a figura do malandro era

equivocada, principalmente porque chamava a atenção da polícia sustentar este tipo

de rótulo, para representar a sua crítica compôs o samba rapaz Folgado25

contrapondo os argumentos de Wilson Batista em Lenço no Pescoço, em

contrapartida Wilson Batista compôs Conversa Fiada26 rebatendo à música Feitiço

da Vila27 de Noel Rosa que elencava as qualidades do bairro de Vila Isabel,

contradizendo as qualidades do bairro de Noel na canção de maneira provocativa.

Essa discussão musical teve mais um capítulo quando Noel compõe Palpite infeliz28

argumentando que Wilson estava errado ao dizer que a Vila não tinha qualidades. O

duelo musical só terminou quando Wilson compôs dois sambas Terras de Cego29 e

Frankenstein da vila30, sendo que a segunda fazia referencia ao defeito que Noel

Rosa possuía no queixo, Noel elogiou a estrutura rítmica da música Terra de cego e

quis conhecer melhor as outras composições de Wilson, levando na esportiva a

brincadeira feita em Frankenstein da Vila. No entanto de todas as canções citadas

de Wilson Batista apenas Lenço no Pescoço fora gravada.

Noel Rosa é um dos sujeitos imortalizados no universo do samba,

apesar de criticar a postura do malandro, as suas atitudes representavam essa

figura, pois vivia na boemia e nos cabarés da Lapa, morreu de Tuberculose ainda

muito jovem em 1937 aos 27 anos. Noel sempre teve a saúde frágil, porém não

abria mão de sua boemia.

                                                            22 ‐ Se você Jurar (Ismael Silva e Vadico) 23 ‐ Lenço no pescoço (Wilson Batista) 24 ‐ Acertei no milhar (Wilson Batista e Geraldo Pereira) 25  ‐ Rapaz folgado (Noel Rosa) 26  ‐ Conversa Fiada (Wilson Batista) 27 ‐ Feitiço da Vila (Noel Rosa) 28 ‐ Palpite Infeliz (Noel Rosa) 29 ‐ Terras de cego (Wilson Batista) 30 ‐ Frankenstein da Vila (Wilson Batista 

Page 48: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

48  

  

A década de 1930 foi muito profícua para o samba, além de Noel

Rosa e Wilson Batista, muitos sambistas surgiram nesse período como Ismael Silva,

Osvaldo Cogliano (Vadico), Geraldo Pereira, Almirante, Lamartine Babo, Ari Barroso,

Carlos Braga conhecido como (João de Barro) entre outros.

Os sucessos desses sambistas apareceram em um momento de

efervescência cultural na então capital brasileira, principalmente pelo advento do

Rádio, que surge na década de 1920 e se consolida na década seguinte.

[...] principalmente graças ao rádio, surgido naquela época e logo transformado em “mania” nacional, que serão veiculadas as musicas carnavalescas nas casas dos ouvintes. De certa maneira será um dos grandes responsáveis pela transmissão e consumo do samba pelas camadas médias a partir da década de 1930. (CUNHA, 2004, p.152).

Nesse período no qual o rádio se consolida muitos sambistas

vendiam seus sambas para cantores que faziam sucesso na época como Mario Reis

e Francisco Alves. Os dois cantores são os mais famosos que compravam as

músicas, negociavam pessoalmente com os sambistas que de início vendiam a

preço baixo, principalmente por virem de classes menos abastadas e necessitavam

de recursos para manter a vida boemia.

Nos dias de hoje, qualquer compositor considerará escandalosa essa prática. Nos anos 30, porém um sambista como Ismael Silva não considerava aviltante vender sambas ao cantor Francisco Alves. É verdade que ele o fazia por motivos financeiros e pela dificuldade de acesso à produção fonográfica. (SODRÉ, 1998, p.57).

Cartola (Angenor de Oliveira) um dos expoentes do samba carioca,

representante do Morro da Mangueira e um dos fundadores da Escola de samba

Estação Primeira de Mangueira participou da venda de algumas de suas músicas,

em depoimento ao Diário de Notícias explica como foi que começou a vender a suas

músicas: Foi em 1931. O Mário Reis veio no morro. Ele chegou com um rapaz chamado Clóvis que havia dito que era meu primo, coisa e tal. O Clovis subiu para falar comigo, mas o Mário ficou lá embaixo. Chegou dizendo que o Mario queria comprar um samba meu. Pensei que ele estava maluco. Como vender samba?, Clovis disse que era para o Mario gravar, e tanto insistiu que acabei descendo e cantando um samba para ele, que, por sinal ele já conhecia.Perguntou quanto

Page 49: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

49  

  

eu queria.Fiquei sem resposta,Já pedir uns 50 mil réis, mas o Clovis cochichou para eu pedir quinhentos.Ai pedi trezentos. E ele me deu. (DIÁRIO DE NOTICIAS31 apud SILVA; FILHO, 2003, p.85-86).

Toda essa novidade, que agitava o Rio de Janeiro e o universo do

samba, com a divulgação através das rádios, o comércio de canções entre os

sambistas e cantores de sucesso, gerou interesse no Estado. A década de 1930 tem

um elemento político significante na história do Brasil, o Estado Novo que foi

instituído em 1937. Dentro dessa nova perspectiva política de governo o samba

ganha importância no sentido de que com grande apreço popular o Estado

necessitava utilizar desse gênero para exaltar a nova política vigente no caso a

exaltação ao nacionalismo.

O mundo vivia as turbulências da segunda guerra mundial em um

conflito ideológico entre os “aliados” comandados pelos Estados Unidos contra os

Nazistas comandados pela Alemanha de Adolf Hitler. O Brasil não ficou fora desse

embate ideológico, representado através da figura de Getulio Vargas que

implementou políticas de cunho nacionalista diferente das políticas anteriores das

oligarquias da velha república conhecida como café com leite, no qual São Paulo e

Minas Gerais se revezam no poder do País.

Desta maneira o samba tem papel importante nessas políticas de

exaltação à nação, projetos são criados pelo governo a fim de propagar as ideias do

nacionalismo, projetos esses capitaneados por figuras importantes do movimento

artístico brasileiro como, por exemplo, Mario de Andrade e Heitor Villa Lobos.

Para a formação de uma cultura nacional, e para o resgate da cultura popular, o Estado novo vai se utilizar dos inúmeros intelectuais e artistas do período, como Mario de Andrade e Villa Lobos [...] a atuação do Estado Novo no campo da arte, e particularmente da arte popular, destacava-se também no reconhecimento do valor e do poder de sugestão da música popular. Sabemos que até então, os sambas tinham como temática recorrente o elogio à malandragem, caracterizando o trabalho como um longo e penoso sofrimento. O Malandro do morro que repudiava o trabalho era o herói do cancioneiro popular. (CUNHA, 2004, p.212).

A lógica de aversão ao trabalho é modificada com os projetos do

Estado Novo, pois através da criação do Departamento de Informação e

                                                            31 ‐ Diário de Notícias – Rio de Janeiro – 20‐07‐1974 

Page 50: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

50  

  

Propaganda (DIP) no qual proibia qualquer tipo de exaltação à malandragem e

incentivava o trabalho e a família, sendo esses os elementos básicos propostos pelo

Estado Novo.

Desta maneira o Estado Novo:

[...] conseguirá concretizar, até de certa forma bem sucedida, a construção de uma ideologia coadunada com a sua propaganda política e cultural e de certa forma a utilizar o rádio e os sambas para “educar” e disciplinar os consumidores desse tipo de música (CUNHA, 2004, p. 200).

Nesse período então presenciamos a criação de muitos sambas que

exaltavam a nação e ao trabalho compactuando com as ideias do governo em

exaltar o nacionalismo, sambas como Canta Brasil32, Aquarela do Brasil33, Eu

trabalhei34, com características ufanistas indo de encontro com as políticas

governamentais. Muitos sambistas que compunham sambas de malandro, em

alusão a vida desregrada de boemia passam a compor sambas exaltando o

trabalho, a nação, sendo a figura do malandro regenerado. Muitos desses sambistas

não compactuavam com essa exaltação a nação, porém faziam esses sambas, pois

eram remunerados pelas canções compostas.

Portanto podemos chegar à conclusão de que não foi o sujeito que mudou, mas sim a ideologia que este novo Estado pregava a do trabalho e da vida familiar regrada, juntamente com a mentalidade de um grande Brasil no qual nada falta e que poderá ser ainda maior, com a ajuda de todos os trabalhadores brasileiros (CUNHA, 2004, p.210).

Na década de 1950 o samba influenciado por outros ritmos passa

por algumas transformações, mas não perde a sua essência, pois mesmo se

ramificando não se para de produzir sambas falando sobre o cotidiano, do morro, de

mulheres, de trabalho, pois todo esse processo é relacional e acontece ao mesmo

tempo.

                                                            32 ‐ Canta Brasil (Lamartine Babo) 33 ‐ Aquarela do Brasil (Ari Barroso) 34 ‐ Eu trabalhei (Roberto Roberti e Jorge Faraj) 

Page 51: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

51  

  

A ramificação em questão é a bossa nova, caracterizada por muitos

como novo gênero ela carrega fortes elementos do samba, porém ela é hibridizada

com elementos do jazz.

Do ponto de vista estritamente musical, a bossa-nova importava uma renovação técnica a partir de influências jazzísticas [...] A aproximação jazzística permite à bossa-nova manter a sincopa do samba e até mesmo valorizá-lo: a batida peculiar do violão (revalorizado como instrumento harmônico) é um jogo rítmico especial em que se enfatiza o emprego da sincopa no acompanhamento. (SODRE, 1998, p.49).

A grande discussão além das alterações musicais que a bossa nova

promove é a questão das classes sociais. A bossa-nova é a apreciada pela elite e

classe média35, as letras passam a ter outros significados, são mais

intelectualizadas, além da grande apreciação no exterior.

A letra, porém, começa a se investir de um tom “universitário”. Entenda-se por isto uma marcação diferenciada: intelectualizada, em termos de cultura, comprovada por intenções criticas mais bem definidas, afastando-se do léxico popular e afetando a autonomia estética com relação à vida social (SODRE, 1998, p. 49).

A bossa-nova é conhecida como “samba para gringo ver”,

obviamente que a qualidade musical é inegável, porém acaba deixando alguns

elementos do samba de lado, principalmente a percussão, assim esse ritmo

derivado do samba é rotulado “um banquinho e um violão”, a figura percussora da

bossa-nova é João Gilberto, se consolidando com Tom Jobim, Vinicius de

Moraes,Baden Powell, Miúcha, Nara Leão, entre outros.

Na década de 1960 e 1970 o samba aparece com importância no

aspecto político social do País, na perspectiva de um mecanismo de luta social e

cultural, evidenciando assim a tese de que o samba não é apenas um gênero

musical, e sim um fato social e cultural.

                                                            35 Não discutiremos o conceito de classes sociais, principalmente pela grande complexidade que esse 

conceito  adquiriu  em  discussões  nas  ciências  sociais.  Quando  diferenciamos  classes  é  no  sentido  de  que existem diferenças econômicas latentes entre uma classe e outra como é o caso da classe popular e da classe média na questão da bossa‐nova. 

Page 52: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

52  

  

As rodas de samba ocorriam nos subúrbios36 e morros cariocas e a

partir daí surgem interpretes importantes como Beth Carvalho conhecida como

Madrinha do samba, Clara Nunes interpretando canções ligadas às religiões

afrobrasileiras, resgatando os elementos simbólicos da cultura negra, João Nogueira

que teve diversas parcerias com Paulo César Pinheiro, além de Paulinho da Viola

com a sua intima ligação com a Portela, hoje são nomes familiares no cotidiano da

musica popular brasileira, pois se consagraram através da vivência do samba.

É nesse período no qual surgem grandes personagens do samba, o

Brasil passava por um momento de instabilidade política, em 1964 os militares

promovem um golpe no governo de João Goulart então presidente da nação, em um

período que durou 25 anos os militares criaram um Estado Autoritário, com censuras

e prisões políticas que terminavam por duas vias a tortura ou o exílio em outro país.

Esse processo de ditadura militar não foi exclusivo do Brasil, o

mundo vivia um momento bipolar conhecido como guerra fria, onde de um lado os

Estados Unidos potência Ocidental capitalista e do outro a União Soviética

comunista. Com o argumento da ameaça comunista os Estados Unidos ajudaram a

promover nos Países latinos americanos golpes militares para não existir a

possibilidade destes serem governados pelos aliados dos Soviéticos, desta maneira

Chile, Argentina, Brasil, sofreram golpes militares, além de outros países latino –

americanos.

No Brasil em resistência ao autoritarismo promovido pelos militares

principalmente na década de 1970 conhecidos como anos de chumbo pela forte

violência e suspensão de direitos civis, estudantes, artistas, trabalhadores, partidos

políticos se mobilizaram e criaram focos de resistência contra o regime.

O samba criou suas territorialidades de resistência, citaremos dois

espaços que entraram para a história do samba no Rio de Janeiro, o Zicartola e o

teatro opinião. Esses locais além de serem territórios de resistência contra o regime

vigente, não eram estritamente políticos, mas sim cultural, pois ali não se

articulavam resistências armadas contra o regime e sim expressões culturais.

Esses locais eram considerados também territórios de contracultura

das escolas de samba, que passavam por processos de transformação e já davam

                                                            36 As rodas aconteciam nos subúrbios, lugares mais afastados do centro, espaço vivido das pessoas de 

classe social mais baixa, que através das territorializações criam‐se as territorialidades do samba. 

Page 53: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

53  

  

seus primeiros passos para o que vem a ser o carnaval hoje “o maior espetáculo da

terra” 37.

Muitos sambistas eram contra essas modificações nas escolas de

samba, principalmente pelo fato do domínio dos bicheiros38, esses contraventores

lavavam o dinheiro ilícito do jogo do bicho nas escolas de samba e tinham grandes

poderes sobre elas.

Diversos sambistas deixaram de frequentar as suas escolas de

samba do qual participavam, porém não deixaram de lado a identidade com as suas

respectivas escolas, porque muitos deles eram conhecidos através delas, não é

possível, por exemplo, dissociar Cartola da Mangueira ou Monarco da Portela.

O Zicartola a principio foi criado como restaurante, na rua da Carioca

56, o nome vem da junção dos nomes de Dona Zica esposa de Cartola e do próprio

Cartola, atendia na hora do almoço os trabalhadores do centro do Rio de Janeiro

(Figura 4). Posteriormente passou a ser bar com petiscos e rodas de samba.

Era a época do Centro Popular de Cultura (CPC) e os estudantes iam ao Zicartola sorver os ensinamentos de brasilidade que norteariam suas atividades a partir daí. [...] O Zicartola municiava todos os movimentos culturais que surgiram a partir e depois dele. (SILVA; FILHO, 2003, p.197).

 

                                                            37 ‐ Salientamos que a expressão “o maior espetáculo da terra” no sentido que o carnaval virou uma 

mercadoria principalmente da televisão e do turismo. 38  ‐ O  Jogo do bicho é proibido no Brasil, diante da  legislação é considerado  contravenção, o único 

Estado que se permite a jogatina é na Paraíba. O bicheiro é o primeiro na ordem hierárquica desse jogo sendo ele o dono da banca. O bicheiro que “lava” o dinheiro do jogo nas escolas é denominado de bicheiro patrono.     

Page 54: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

54  

  

 Figura 4: Cardápio do restaurante Zicartola; Fonte: www.tvcultura.com.br /aloescola/

artes/ cartola / acesso em 18/11/2009.

Essa mistura de culinária com música foi um sucesso, dona Zica

cozinhava muito bem e o Cartola cantava, muito sambistas frequentavam e

cantavam no Zicartola como Paulinho da Viola, Zé Keti, Clementina de Jesus, Ismael

Silva.

Page 55: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

55  

  

O sucesso da casa levou os freqüentadores a instituírem uma noite de homenagem aos mais importantes nomes da musica popular brasileira. Era a noite da Cartola Dourada e, a cada quarta-feira, o Zicartola recebeu e homenageou, entre outros, nomes como Tom Jobim, Haroldo Lobo, Elizeth Cardoso, Nara Leão, Dorival Caymmi e Aracy de Almeida (MOURA, 2004, p.179).

O teatro opinião no Rio de Janeiro registrou na história as noitadas

de samba que ocorriam as segundas-feiras, onde subiam no palco, sambistas de

gabarito como Dona Ivone Lara, Leci Brandão, Xangô da Mangueira, Nelson

Cavaquinho, Nelson Sargento, finalizando o espetáculo sempre com as

apresentações de Cartola que dividia o palco com um convidado especial do

universo do samba.

O Teatro opinião ficou conhecido como:

[...] parte da verdadeira seleção do samba que reuniu durante mais de dez anos, todas as segundas-feiras, às 21horas, no mais importante gueto de resistência e difusão do samba e formação de novas platéias e sambistas nos anos 70: a noitada de samba do teatro opinião. (MOURA, 2004, p.189).

Nessa mesma década de 1970 no qual vislumbramos a formação do

Zicartola e dos espetáculos de samba do teatro opinião, surgiu também uma turma

na zona norte do Rio de Janeiro mais especificamente no bairro de Ramos subúrbio

carioca, que posteriormente na década de 1980 veio a ser conhecido como pagode

de fundo de Quintal, ou neopagode, principalmente pela inserção de um novo

instrumento musical nas músicas, o banjo. [...] o banjo foi o primeiro instrumento de

acompanhamento dos blue singers itinerantes, sendo extremamente popular nos

Estados Unidos no fim do Século XIX e no início do século XX. (MOURA, 2004,

p.208)

Dessa turma saíram nomes importantes que hoje fazem sucesso no

mundo do samba como o Grupo Fundo de Quintal que desde o seu surgimento

lançou diversos integrantes na carreira artística do samba, como Jorge Aragão,

Arlindo Cruz, além de outros que não participaram como integrantes do grupo mais

que surgiram artisticamente nesse período com o movimento do cacique de Ramos,

como Zeca Pagodinho e Almir Guineto.

Page 56: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

56  

  

O Cacique de Ramos começou como um bloco de samba e depois

tornou-se um movimento de renovação.Porém como todo movimento de renovação

existem as criticas da mudança, principalmente pela introdução de novos

instrumentos rítmicos, porém essa critica é rebatida:

O que o Cacique de Ramos fez foi reinventar a tradição, entregando-a aos sambistas mais jovens numa versão renovada, mas com absoluto respeito pelos que moldaram a história do samba [...] É exatamente assim que se lê o Cacique, como “mudança transformadora” que não transmite apenas o “passado imobilizado” , mas o reconstrói , entregando-o renovado e revitalizado aos sambistas que surgem a partir dos anos 70. (MOURA, 2002, p.202).

A crítica mais comum feita por essa renovação das estruturas

musicais do samba existe porque na década de 1990 surgem os grupos de

“pagodes” que acabam por descaracterizarem o samba como gênero musical,

confundido os dois termos, ou seja, o pagode se apropriou do samba. Pagode

significa festa, eram reuniões festivas nas senzalas no período da escravidão, e

acabou sendo apropriado para as festas dos subúrbios, porém pagode não é um

gênero musical.

Os grupos de pagode apregoados pelos meios de comunicação na

década de 1990 geralmente são formados por uma grande quantidade de pessoas

de cinco a oito integrantes no qual cantam músicas relacionadas na maioria das

vezes ao amor de forma bem cadenciada.

Obviamente que se formos analisar todos os gêneros musicais do

mundo em sua totalidade a grande maioria retrata canções de amor, e com o samba

não é diferente, porém a estrutura colocada pelo “pagode” é diferente do samba, o

pagode é “pop”, e o pop não tem o sentido de popular na sua essência e sim de um

produto vendido pela indústria fonográfica e a mídia.

Esse tipo de pagode explodiu na década de 1990, surgiram diverso

grupos, com o apoio dos meios de comunicação e das gravadoras esse tipo de

pagode virou uma febre e acabou descaracterizando o gênero samba na medida em

que as pessoas passam a confundir o que é samba e o que é pagode.

Através de diálogos muitas pessoas me perguntavam mais você vai

pesquisar aquele tipo de pagode que toca na televisão? A minha resposta através

das leituras feitas pela pesquisa era desconstruir a ideia de que samba é pagode.

Page 57: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

57  

  

Dentro dessa discussão o sambista e historiador Nei Lopes em

entrevista ao jornalista Bruno Ribeiro discute o samba na perspectiva da

descaracterização e da pressão da indústria fonográfica:

O sambista não deve ter a ilusão de que vai enriquecer fazendo samba. O primeiro passo para virar refém das gravadoras é achar que vai vender milhões de cópias e cantar na televisão este não deve ser o sonho de ninguém. Um dia desses vi um CD chamado samba de raiz – volume 2, o que mostra que “eles” já estão tentando rotular para criar um novo filão, como fizeram com o pagode. O que existe é o samba. [...] Não há preço que pague a independência de um artista. O samba não é um produto para comprar em supermercado, como se compra um sabão em pó. O samba é a cultura do nosso povo. (RIBEIRO, 2005, p.45).

Nei Lopes é um crítico árduo a essa relação mercadológica da

música e a cultura de maneira geral, para ele todo esse processo é de massificação

e pasteurização das músicas pelo mundo para firmar um projeto imperialista dos

Estados Unidos, sendo projeto de dominação através da cultura, relata nessa

mesma entrevista o paralelo de samba e globalização.

A globalização vem aos poucos desafricanizando o samba. O que isto significa? Que a negritude está perdendo sua identidade cultural para assumir uma outra, branca, ocidental e estrangeira. Mas eu noto uma tendência de reação ao massacre. Isto não está acontecendo só no Rio de Janeiro não.É em todo lugar.Diante do lastimável quadro cultural reinante no Brasil atual, vejo uma insatisfação muito positiva.E o jovem tem tido um papel muito importante nesse movimento de reação: nas rodas de samba do Candogueiro que eu freqüento lá no Rio, a moçada de vinte anos já canta sambas de roda que nunca foram gravados.A tradição oral é passada de geração á geração através da ação destes guetos de resistência.É a juventude que vai manter o samba vivo para sempre.( RIBEIRO, 2005, p.99).

Nessa perspectiva de resistência do samba à indústria fonográfica e

os meios de comunicação o samba vai resistindo através de suas tradições sendo

que novas territorialidades vão surgindo ou se recriam velhas territorialidades que

foram perdidas ao longo do tempo e resgatadas na década de 2000, formadas pela

identidade e apropriação cultural mediante ao movimento do samba.

A Lapa no Rio de Janeiro é um tradicional reduto da boemia e do

samba, sempre foi lugar de malandros, prostitutas, pessoas consideradas escórias

da sociedade, isso desde os anos 1920 que os famosos arcos da lapa recebem tais

Page 58: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

58  

  

pessoas, porém a Lapa sempre teve o seu “charme”, principalmente pelos cabarés

que ali existiam e botequins. Esse bairro central carioca passou por um processo de

abandono a partir das décadas de 1980 – 1990, abandonado pelo poder público e

habitado por drogados, prostitutas e travestis, ficando perigoso freqüentar o bairro

mais boêmio do Rio de Janeiro pela falta de segurança e o domínio do tráfico de

drogas.

Por ser um ponto turístico do Rio de Janeiro com os arcos e a

estação do Bonde de Santa Tereza, no fim da década de 1990 e na virada do século

houve um movimento de resgate a Lapa a partir dos moradores e comerciantes do

bairro, para que esse famoso reduto do samba deixasse o ostracismo. Empresários

começaram a investir em bares e casas noturnas, instituições culturais se instalaram

ali como o circo voador e a Fundição Progresso, reavivando o bairro da Lapa.

A Lapa, porém não perderá o seu lado perigoso, é uma

característica que sempre vai existir, pois desde a década de 1920 ela é frequentada

por pessoas marginalizadas pela sociedade. A Lapa é um paradoxo interessante,

onde a diversidade reina de maneira exuberante, na medida em que você encontra

uma casa de danças destinada a um público que busca ouvir sambas de gafieiras ao

lado parede com parede existe um “hotel para solteiros”, que serve para os clientes

das prostitutas e travestis se “hospedarem”.

Essas diversidades convivem de maneira que uma não atrapalha a

outra, pois o bairro já incorporou todos os elementos que chegam até lá, sendo

assim, as pessoas que frequentam o bairro sabem que vão encontrar a diversidade.

Na Lapa, ao mesmo tempo em que se encontram cortiços, produtos ilícitos (drogas)

e a zona do meretrício, encontrará também samba de qualidade, boemia, teatros

além dos famosos arcos da Lapa.

Nesse período de revitalização da Lapa despontaram no universo do

samba diversos sambistas como Marcos Sacramento e Teresa Cristina com o grupo

semente, além de outros.

Precisamos deixar bem claro que o samba em sua essência não é

apenas paulista ou carioca, o samba cria suas territorialidades por todo Brasil, e em

cada canto que se toca samba mescla um pouquinho das identidades de cada lugar.

Discutimos um pouco da construção histórica do samba, porém

através dos processos relacionais e simultâneos ele está em todos os lugares do

Page 59: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

59  

  

Brasil e também do mundo levado como símbolo de brasilidade, por isso de maneira

a entender os seus berços fizemos essa genealogia do samba.

Sabendo-se que o samba está em todos os lugares, buscaremos

compreender no próximo capítulo como esse gênero aportou-se na cidade de

Londrina localizada no norte paranaense, colonizada por ingleses, japoneses e

europeus sendo que a sua apoteose econômica foi o ouro verde também conhecido

como café no decorrer do século XX.

Porém antes de adentrarmos no próximo capítulo, diferenciaremos

as diversas variáveis do samba como o partido-alto, samba canção, samba

sincopado, samba enredo e roda de samba.

O partido-alto talvez seja o elo mais forte do samba com as raízes

africanas com o samba urbano da contemporaneidade, foi bastante modificado ao

longo do tempo e hoje se define da seguinte maneira.

[...] o partido alto depende fundamentalmente do improviso dos seus partideiros – no passado chamado de turumbambas (daí a encurtada expressão bamba para designar o bom sambista). Na roda de partido os integrantes cantam, um de cada vez, estrofes de seis ou mais versos improvisados a partir do tema do estribilho. Tais versos em geral, fazem provocações bem humoradas á um integrante da roda, que tem de responder à altura logo na seqüência. Quanto mais rápida e criativa for à resposta melhor para o partideiro que ganha nome na praça. No universo do samba o partido – alto é o equivalente ao repente nordestino. (RIBEIRO, 2005, p.70).

Nomes como Xangô da Mangueira, Zeca Pagodinho, Martinho da

Vila quando estão nas rodas de samba cantam partido-alto, porém Candeia se

configura como um grande nome do Partido-alto, gravou vários partidos e promovia

as rodas de partido-alto.

Samba canção é uma forma mais romântica e sutil de samba, mais

cadenciada, essa variação surgiu no final da década de 1920, Tinhorão afirma que:

O samba canção também chamado mais generalizadamente como samba de meio de ano, surgiu em 1928 quando o samba realmente popular – o samba de carnaval - acabava de encontrar o seu ritmo, diferençando-se de uma vez por todas do maxixe. [...] O samba canção resultou de experiências de compositores semi-eruditos (Henrique Vogeler, Heckel Tavares, Joubert de Carvalho), ou pelo menos, hábeis instrumentistas (Sinhô) só depois passando ao domínio dos maestros de assobio, isto é, aos compositores das

Page 60: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

60  

  

camadas mais baixas da população [...] (TINHORÃO, 1997, p. 51-52).

Os nomes mais comuns do samba canção são: Dolores Duran,

Nelson Gonçalves, entre outros, os instrumentos percussivos não são utilizados com

ênfase nesse tipo de samba.

O samba enredo é conhecido por muitos pela íntima relação com o

carnaval, pois é a composição que retrata o enredo escolhido pelas escolas de

samba para o desfile do carnaval, porém desde o seu surgimento até os dias atuais

passou por um processo de evolução.

Estilo desenvolvido no Rio de Janeiro a partir dos anos 30, com início dos desfiles oficiais de escola de samba. É a descrição musical do tema desenvolvido pela agremiação. Até o fim da década de 60, os sambas-enredo têm letras longas que exaltam a história do país e seus personagens. A partir dos anos 70 as letras se encurtam e o ritmo acelera. (ALMEIDA, 2004, p. 154).

O samba sincopado adquiriu notoriedade na década de 1930 com o

novo estilo de samba introduzido no bairro carioca do Estácio de Sá, diferenciando

da primeira geração de samba da década de 1920 que tinha mais a perspectiva do

maxixe. A síncopa [...] é uma alteração rítmica que consiste do prolongamento do som de um tempo fraco num tempo forte. Esta alteração não é puramente africana, os europeus também a conheciam. Mas se na Europa ela era mais freqüente na melodia, na África sua incidência básica era rítmica. A síncopa brasileira é rítmica – melódica. (SODRÉ, 1998, p. 25).

O samba sincopado é muito comum, sambistas como Wilson Batista,

Geraldo Pereira, João Nogueira, Roberto Ribeiro entre outros, que incorporaram a

sincopa em seus sambas.

A roda de samba é o ambiente onde as pessoas se encontram para

tocar e cantar sambas, é nesse espaço que os sambistas criam suas

territorialidades, ou seja, através das suas relações sociais, histórias de vidas, seus

processos identitários são ali expressados, carregados de sentidos simbólicos que

através do espaço vivido criam-se as territorialidades mediante o pertencimento a

partir dos espaços de representações e identidades.

Page 61: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

61  

  

São identidades construídas a partir do espaço dos “habitantes” dos “usuários”, o espaço vivido que contém uma forte dimensão afetiva, contém os lugares da paixão e da ação; trata-se de um espaço essencialmente qualitativo, relacional e diferencial ( LEFBVRE 1986 apud CRUZ, 2006, p.77).

Nesta perspectiva da criação das territorialidades mediante as suas

relações simbólicas, a roda de samba para Roberto Moura (2004) contempla a teoria

de LEFBVRE 1986, tendo o sentido de:

[...] uma ampliação do universo doméstico, o espaço onde o trabalhador dá lugar ao boêmio e a rotina cede vez à criatividade – num certo sentido, uma usina de recuperação de energias em que o sambista se sente “em casa”. (MOURA, 2004, p. 37).

Desta forma com a intenção de encontrar as territorialidades do

samba em Londrina, pesquisamos os locais e personagens desta cidade no qual se

figuram o samba enquanto materialização desse gênero musical, social e cultural, é

o que veremos a seguir no próximo capítulo.

Page 62: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

62  

  

4. AS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA

É fato que o processo de uso e ocupação do que vem a ser hoje o

Município de Londrina (Figura 5) não tem ligações identitária na história oficial dos

pioneiros desbravadores do norte do Paraná com o gênero cultural e social do

universo do samba. Porém, nesses poucos mais de 70 anos que o Município de

Londrina possui, estabeleceram-se ligações com o samba que estão cada vez mais

crescentes, independente do processo de colonização empregado nas décadas de

1920 e 1930 com a abertura das matas vinculadas pela Companhia de Terras do

Norte do Paraná de origem inglesa, as territorialidades do samba foram sendo

construídas ao longo das décadas sendo a evidência dessas territorialidades o

objetivo de nossa pesquisa.

Para entendermos como o samba aporta em Londrina e cria suas

territorialidades faz-se necessário um resgate do processo histórico da constituição

do Município e da chegada dos primeiros negros no Município. Dessa forma

compreendendo a importância deles para disseminação desse gênero cultural na

cidade, que hoje através de sua consolidação não se trata apenas de uma forma

musical, mas também enquanto fato social e cultural.

Além do resgate histórico proposto, vislumbraremos nesse capítulo o

que vem a completar toda discussão das territorialidades e do samba nos capítulos

anteriores, ou seja, as entrevistas com os diversos sujeitos e disseminadores dessas

territorialidades dos quais estes são construtores e participantes efetivos do samba

em Londrina. Esses sujeitos foram selecionados para serem entrevistados, por

considerarmos a grande relevância com a formação do samba na cidade no qual

eles contribuíram para construir, tendo eles ligações com os mais diversos tipos de

atividades na sociedade além é claro do forte vinculo com o samba.

Dentro dessa gama de entrevistados dialogamos com a Mãe de

Santo Dona Vilma dos Santos de Oliveira, referência do Candomblé e do samba na

cidade. Foco também de nossa entrevista o aposentado Nelson José Silva

popularmente conhecido com Seu Nelson, sendo uma figura de extrema relevância

para nossa pesquisa, pela sua íntima ligação com o samba e com Londrina.

Entrevistamos também a universitária Camila Sampaio coordenadora do projeto

Page 63: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

63  

  

Quizomba: o samba e outros batuques. O resultado dessas entrevistas é concretude

da pesquisa em si.

As entrevistas (Anexo) tiveram papel fundamental no que tange

elucidar as territorialidades criadas pelos sujeitos e grupos da cidade com o samba,

através da investigação empírica foi possível analisar todo o processo identitário que

o samba criou em Londrina, e é desse processo de territorialidades que falaremos

adiante.

Figura 5: localização de Londrina; Fonte: Rogério Silva - 2009

4.1. Londrina da origem inglesa aos negros: a gênese a territorialidades do samba

O processo de formação e ocupação do território em Londrina se

distingue de muitas cidades médias do Brasil que possuem mais de 500 mil

habitantes. Essa distinção de outras cidades faz com que analisemos os fatores

determinantes para que o Município chegasse a ser o que é hoje.

De fundamental importância para o Estado do Paraná, Londrina é

um pólo estratégico por ser a segunda maior cidade do Estado, ficando atrás apenas

da capital Curitiba distantes 379 km, é também uma das maiores cidades do Sul do

Page 64: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

64  

  

Brasil ficando atrás de Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), e trocando de posições

frequentemente com Joinvile - SC.

Para entendermos como Londrina atingiu esse patamar de

importância no sul do Brasil, tendo em vista que é uma cidade relativamente nova

com pouco mais de 70 anos, é preciso compreender o processo histórico.

Na década de 1920 com a expansão do café, tem início o processo

de ocupação das terras do Norte Paranaense, empreitada pela Companhia de

Terras Norte do Paraná (CTNP), de origem inglesa.

Hoje o que vem a ser Londrina, no início do século XX era apenas

mata fechada batizado de Patrimônio Três Bocas sendo que funcionários da

Companhia de Terras promoveram a expedição que fundou o patrimônio três bocas

e posteriormente patrimônio Londrina. “No escuro picadão três bocas faz-se a

clareira. Está nascendo Londrina” (SCHARTZ, 2009, p.209)

A data de fundação da cidade gera controvérsias, mas o primeiro

marco da cidade foi colocado em 1929 [...] na verdade Londrina nasceu naquela

tardezinha de 21 de agosto de 1929, quando o Dr. Alexandre Razgulaeff fincou o

primeiro marco ao chegar às terras da companhia. (SCHARTZ, 2009, p.209)

O nome da cidade vem em homenagem aos ingleses que

desbravaram essas terras, remetendo a capital britânica Londres tendo o significado

de filha de Londres.

O nome Londrina, como as filhas de Londres, em reconhecimento e homenagem ao valoroso grupo de ingleses que através da Paraná Plantations Company, financiavam corajosamente, as realizações da companhia de Terras. (SCHARTZ, 2009, p.216).

A partir destas informações da história oficial do nascimento faz se

necessário compreender quando chegam os primeiros negros no Município de

Londrina, haja vista que a relação do samba com os negros é cultural e social.

Partindo da perspectiva que a história oficial do Município de

Londrina é contada retratando a classe hegemônica que dominou essas terras,

sendo esses colonizadores em sua maioria advindos da Europa, tentaremos elucidar

a chegada dos primeiros negros e as atividades exercidas por eles até encontrarmos

as territorialidades do samba que se evidenciam com as entrevistas com os mais

diversos personagens ligados ao mundo do samba na cidade de Londrina.

Page 65: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

65  

  

Em 1936 tem-se o registro do primeiro negro a residir na cidade de

Londrina, sendo ele contratado pela Companhia de Terras para exercer a função de

chofer particular de Mr. Arthur Thomas.

A história da negritude em Londrina tem sua trajetória vinculada a essa figura chave: o brincalhão e falador Cypriano Manoel, ou melhor, Manoel Cypriano como era conhecido, um paulista nascido na cidade de Campinas que chegou a Londrina e aos poucos foi escrevendo as primeiras linhas da história da presença negra na cidade. (ALMEIDA, 2004, p.25).

Manuel Cypriano foi um dos primeiros articuladores da cultura negra

em Londrina, principalmente em um período que o preconceito era explicito, no qual

os negros não podiam freqüentar os clubes da elite branca Londrinense.

Já anos 40, em contraponto ao clube “redondo” pertencente a elite londrinense, o ativo Cypriano organiza e preside o clube “quadrado”, que depois deu lugar a associação princesa Isabel.Como a entidade não tinha uma sede, as reuniões eram feitas na casa do próprio Cypriano, que organizava tudo e alugava até mesmo armazéns para a promoção de bailes, pois era justamente através da cultura que se buscava organizar os negros. (ALMEIDA, 2004, p.26).

Cypriano foi a primeira figura a articular algum tipo de movimento

cultural e de resistência contra o preconceito em Londrina, daí em diante ao longo

do século XX, muitas figuras negras surgiram na cidade, dando continuidade aos

movimentos e criando as territorialidades através das relações sociais e culturais.

Destas primeiras associações em defesa ao resgate da cultura

negra e as suas territorialidades, tais como a fundação de associações como o clube

do quadrado e a associação Princesa Isabel, serviram de exemplo para a criação da

AROL (Associação de Recreação Operaria de Londrina), essa associação foi criada

em 1956 pelo próprio Cypriano, abarcando não apenas os negros, mas também a

classe operaria como um todo.

A Associação de Recreação Operaria de Londrina deu sua graça em 56 – tendo como presidente naturalmente, Manoel Cypriano. Com seu líder nato, a AROL começa abrangendo vários sindicatos, reunindo muitos afro-descendentes [...] Apesar do trabalho pesado nos armazéns de café, os afro-descendentes viam na riqueza do ouro verde uma oportunidade socioeconômica no sonho de uma vida melhor. Houve várias tentativas de organizar movimentos sociais

Page 66: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

66  

  

voltados para os segmentos excluídos da sociedade, porém é nessa realidade que se evidencia mais uma vez razão do surgimento da AROL. (ALMEIDA, 2004, p. 69).

A AROL tinha diversos tipos de atividades com os seus

freqüentadores, escola primária, assistência social, “a AROL foi palco da primeira

escola de samba de Londrina: a “Unidos da Vila Nova”. ( ALMEIDA, 2004,p. 75)

A sede da AROL se localizava no bairro Vila Nova, um dos bairros

mais antigos de Londrina, localizado próxima a desativada linha férrea que cruzava

a cidade. Na década de 1980 a AROL entra em decadência por diversos motivos, e

a sua sede que servia como centro cultural foi desativado. [...] O golpe de

misericórdia veio em 81, quando a câmara de vereadores revogou o decreto anterior

e doou o terreno da sede, já então abandonada para a igreja quadrangular

(ALMEIDA, 2004, p. 77).

Na década de 1980 surge em Londrina o bar Zumbi, foi nesse bar

que efervesciam as discussões políticas do Brasil, aquele foi um período de muitas

mudanças políticas no Brasil, como o fim da ditadura militar, o movimento pelas

diretas já. O samba se fazia presente nesse ambiente, a proposta do bar era

cultural, além é claro dos debates políticos.

Localizado em uma casa de madeira na rua Pernambuco, em frente ao colégio Hugo Simas, e depois na sobreloja da rua Hugo Cabral na esquina do calçadão, o Zumbi Bar marcou época, principalmente por sua proposta de ser um espaço para debates de ideias e de convivência pluriracial.( ALMEIDA, 2004,p. 117-118).

Como já visto anteriormente o samba tem suas origens advindas

dos negros, é natural que essa inserção na cidade de Londrina tenha vindo dos

negros e dos movimentos formado por eles, sendo assim o samba que a partir de

seus aspectos culturais sociais encontrou o seu espaço em uma cidade que não

possuía características relacionadas como é o caso de São Paulo e o Rio de

Janeiro, mas é através de sua formação ao longo das décadas que o samba

permeia e mediante os seus sujeitos se territorializa e cria as suas territorialidades

em Londrina.

A partir das análises da ocupação do território em Londrina na

perspectiva dominante dos ingleses e da chegada dos negros, evidenciaremos

Page 67: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

67  

  

mediante as entrevistas as territorialidades do samba em Londrina, emanados pelos

mais diversos sujeitos do samba da cidade de Londrina.

A metodologia utilizada por nós nas entrevistas foi a de transcrição

da narrativa dos entrevistados, ou seja, optamos por transcrever a fala dos

personagens do samba em Londrina para que eles a partir de suas palavras

evidenciassem as territorialidades do samba em Londrina mediante as suas

participações na construção de tais territorialidades.

4.2. Projeto Quizomba: o samba e outros batuques

Em uma tarde agradável do dia 23 de outubro de 2009 foi concedida

por Camila Sampaio coordenadora do projeto Quizomba: o samba e outros batuques

(Anexo II) na ONG (Organização não governamental) Alma Brasil no bairro Vila

Brasil em Londrina para a entrevista sobre o projeto quizomba no qual trataremos a

seguir.

Segundo Camila a ideia do projeto surgiu em 2003, na universidade,

onde cursava Ciências Sociais, conheceu um pessoal que participava de um projeto

de ação cultural, no qual o professor coordenador era diretor da casa de cultura da

UEL, e nós tínhamos um amor em comum pelo samba. Diante dessa paixão em

comum pelo samba esse grupo indagou-se o do porque não abrir um espaço

agradável para quem gosta de samba e para as pessoas que não têm o contato

direto ter um acesso a cultura do samba. Nessa perspectiva Camila entende que o

samba faz parte da vida de cada um por mais que isso não esteja explícito.

Camila nos relata que o início se deu através da estrutura da casa

de cultura, como serviço de som, transporte, entre outros elementos da estrutura

básica, contando com a parceria da Usina Cultural que cedeu o espaço no qual foi

realizada a primeira edição do Quizomba em novembro de 2005. Esta primeira

edição foi montada através da ajuda de voluntários como a Dona Vilma e o Braga,

figuras carimbadas do samba em Londrina. “A aceitação da primeira edição foi de

muito sucesso, abrindo perspectiva de crescimento do projeto”.

A ideia do projeto é abrir espaço para as pessoas da periferia vim

desfrutar de uma coisa que já era deles e aprimorar o que vêm deles e conseguir

Page 68: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

68  

  

conquistar as outras pessoas das diversas classes sociais que não tinham acesso

por diversos motivos, e o ambiente festivo gera essa possibilidade, pois ao final as

pessoas saem cantando, conhecendo, pesquisando, escrevendo e elogiando o

projeto, salientou Camila.

Em relação ao nome do Projeto, Camila explica que Quizomba tem o

significado de celebração, palavra advinda do continente africano, casando bem com

a proposta do projeto de celebrar as festividades ligadas ao samba. Quizomba

também significa um tipo de dança na África, um ritmo, por isso também da ideia de

fazer oficinas. As oficinas (Figura 6) geralmente são de percussão e danças ligadas

a cultura popular e samba. Dentro dessa proposta de oficinas a intenção é a mesma

da festa, não existe critério para participar das oficinas, participando desde

adolescente a idosos, sem a necessidade de ter conhecimentos prévios.

 Figura 6: Oficina de atabaque projeto Quizomba; Fonte: Carolina Martinz

 

O Quizomba por tradição ocorre geralmente no primeiro domingo de

cada mês, sobre a escolha do dia Camila diz que foi fácil e o consenso foi geral,

Page 69: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

69  

  

primeiro porque domingo é dia do programa do Faustão e Gugu, as pessoas não

merecem ficar em casa ou ir para rua e não ter nada para fazer, além do que

domingo é um dia que o evento pode começar cedo,as pessoas almoçam,

descansam e vão para o Quizomba, com luz do dia ainda, com a possibilidade de

terminar cedo, porque segunda-feira é dia de trabalhar, além do que no sábado tem

o ar de noite festiva, madrugada adentro, e a proposta é de fazer um clima bem

familiar, tranquilo.

Sobre as pessoas que participam como convidados do projeto para

ministrar as oficinas e para os shows são geralmente da própria cidade, Camila nos

revela que existe uma grande dificuldade de trazer pessoas de fora para

participarem do evento, principalmente pela questão do recurso, apesar de ter vindo

pessoas de fora para se apresentar no projeto.

No que se refere à relação com os movimentos sociais Camila deixa

claro que a ideia do projeto é de não criar vínculos diretos com nenhum tipo de

movimento, os movimentos estão presentes na concretude do projeto sem que haja

vinculo, por exemplo, sobre a presença da Dona Vilma falando sobre candomblé,

samba de roda, dos universitários do movimento estudantil, ou seja, as coisas

acontecem lá, a ideia de não se vincular a qualquer tipo de movimento parte do

pressuposto de não restringir as pessoas de participarem, para se ter uma ideia até

evangélico participa sendo que o samba é intimamente ligado a cultura afrobrasileira

e consequentemente as religiões como candomblé e umbanda, então a ideia é não

rotular o projeto a partir de qualquer tipo de movimento, assim o projeto flui diante

das pessoas sem o peso de algum tipo de movimento social, os movimentos estão

presentes tanto implicitamente como explicitamente de alguma maneira.

Partindo para questões mais estruturais do projeto Quizomba Camila

explica que até o ano de 2008 o projeto recebia fomentos do PROMIC (Programa

Municipal de Incentivo a Cultura), da prefeitura de Londrina, foram três anos

recebendo recursos do PROMIC, sendo que o projeto perdeu o vínculo em 2009

porque a comissão avaliativa do PROMIC considerou que não houve explicações

convincentes sobre as oficinas, foi uma questão burocrática, a justificativa foi

problemas com documento.

Com a ausência da fonte de fomento advinda do PROMIC Camila

considera que a verba faz falta, porém o fomento vem da gente, “perdemos uma

Page 70: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

70  

  

condição financeira de realizar uma coisa para todo mundo, principalmente porque o

projeto cresceu, no primeiro ano em 2005 quando ainda não recebia verbas do

PROMIC, o evento foi gratuito apesar de ter sido apenas uma edição e foi gratuito

também 2006, porém com a grande aceitação do projeto em 2007 e 2008 já não

havia condições de manter a entrada gratuita, principalmente pela infraestrutura,

como banheiros, seguranças, músicos, questões vitais para o bom andamento do

projeto. Em 2007 o valor cobrado na entrada era de R$ 2,00 sendo que estudante

pagava meia-entrada, ou seja, R$ 1,00 e em 2008 o valor R$ 6,00 e R$ 3,00 meia-

entrada, mas essa questão de cobrar a entrada vem pela necessidade de manter o

projeto, por mim não seria cobrado nada, e quando surgiam pessoas que não tinham

condições de pagar elas vinham conversar conosco e entravam gratuitamente,

porque a ideia do projeto não é de excluir ninguém”.

Em 2008, o projeto aprovado pelo PROMIC foi pra 10 meses no

valor de R$ 29.000, para 10 edições, R$ 2.900 por edição, sendo que cada edição é

planejada para 600 pessoas, 3 bandas, equipamentos, segurança, e outra estruturas

básicas, o orçamento fica apertado, principalmente porque não existe fonte de lucro

no projeto a não ser o valor da portaria no qual o valor recebido cobre os custos

excedentes da organização.

O vínculo do Quizomba com a Usina cultural onde o projeto se

realizou na maioria das vezes que era uma vila cultural é em relação ao espaço no

qual eles cediam para a realização do projeto, porém a parte do bar ficava com a vila

cultural.

Para Camila muitas coisas permeiam a organização da festa além

da própria materialização da festa, não é só ir lá e fazer o samba, por isso tem que

ter vários cuidados para a organização, pois na festa participam desde crianças a

idosos, por isso tem que ser bem organizado para que não ocorra nenhum tipo de

problema, com a falta de recurso entramos no mérito de que se o governo te

possibilita através de recursos todo mundo ganha se ele tira todo o recurso todo

mundo perde.

O Quizomba passa por um processo de reestruturação depois que

perdeu os recursos advindos do PROMIC, para Camila é complicado tecer

comentários sobre essa questão de recursos, sendo assim possibilitei a ela para

ficar a vontade de falar ou não sobre o assunto. Para ela, mesmo sendo difícil tratar

Page 71: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

71  

  

sobre essa questão de recursos acabou aceitando falar sobre o assunto por

considerar uma questão de relevância do projeto.

Dentro desse processo de reestruturação Camila lembra que com os

recursos públicos o projeto podia abrir mão de várias fontes de renda como, por

exemplo, o bar. Na usina cultural onde a maioria dos Quizombas foi realizado existe

a necessidade de ceder o bar para o pessoal de lá, e sem os recursos públicos

passou a necessitar dos recursos do bar.

A partir do processo de reestruturação a questão do espaço veio a

ser um problema, ao longo do ano o quizomba é realizado na usina cultural, porém

com a corte dos recursos ficou difícil fazer na Usina pela questão do bar, que dá um

valor médio de R$ 2.000.00, esse dinheiro pagaria metade da festa, tanto que em

2009 foram realizadas apenas 3 edições, duas vezes na Usina Cultural e uma na

quadra na vila Brasil em frente à ONG Alma Brasil, porém por ser um espaço aberto,

quando passou 30 minutos após as 22:00 os moradores reclamaram do barulho, por

isso existe uma grande dificuldade para conseguir um espaço.

Em 2007 e 2008 o encerramento do ano do quizomba ocorreu no

aterro do lago Igapó no Jardim Maringá, durante o ano nós economizávamos um

dinheiro ali outro aqui para ser empregado nessa grande festa de encerramento do

ano, além da boa relação com os músicos que fazem um preço “camarada”, por isso

da para trazer várias bandas, na união de todas as pessoas o evento se realizava.

Para conseguirmos a autorização para realizar o evento no aterro e montar a

estrutura, quando o projeto tem a possibilidade através de recursos é fácil de

conseguir, é fazer um ofício que o aterro está disponível. A ideia de fazer o evento

no aterro é que atinge efetivamente todos os tipos de público, por ser um lugar

amplo e aberto, gratuito, todo mundo pode ir, cheio de árvores, crianças correndo,

ou seja, um evento feito para todos.

Em relação ao público (Figura 7) que frequenta 60 % são de

estudantes universitários da UEL, pois se o som é bom, a festa é boa, universitário

sempre vai, porém nesses outros 40 % o público é bem diversificado, idoso, família,

“nenezinho que nasceu lá”, trabalhador informal, hippie, executivo, ou seja, um

ambiente de samba feito para todos.

Page 72: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

72  

  

 Figura 7: Público do Quizomba; Fonte: Carolina Martinz.

 

Camila chega a se emocionar ao falar da dimensão que o projeto

ganhou, de ver a “coisa” se concretizando, do sorriso das pessoas e a mensagem

que o quizomba passa para a sociedade londrinense, nesse período de existência

do quizomba que após o seu surgimento, as pessoas passaram a valorizar mais o

samba e surgiram diversos grupos de samba na cidade, tem muito samba

acontecendo, pode não ter espaço, mais o samba está acontecendo, o samba se

propagou em Londrina. O um sentimento, vêm de dentro, os pequenos movimentos

incentivam a dar valor na cultura, e ela transforma as relações, por isso o quizomba

incentiva a ação cultural em vários sentidos e procura transformar as melhorias da

sociedade e de vivência através da cultura. O samba é mágico, a ideia cresce e se

propaga, parece que vai pelo vento, no lugar que você nem imagina o projeto chega.

O projeto quizomba criou sua territorialidade na cidade de Londrina,

a dimensão do projeto atingiu boa parte da população que passou a conhecer

melhor o samba, vencer preconceitos e participar de um processo de relações

sociais nas quais as pessoas dialogam a sua cultura, se divertem e fazem trocas

culturais.

Page 73: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

73  

  

A expectativa de muitas pessoas é a de esperar todo primeiro

domingo do mês para sair de casa e rumar ao quizomba, sambar, conversar,

namorar, se divertir através da cultura brasileira. A territorialidade materializada a

cada Quizomba mediante um território onde as pessoas se encontram para se

relacionar, conhecer e se identificar com a cultura advinda do samba, desta forma

compactuando com a ideia de SAQUET (2007) que [...] a territorialidade faz parte de

um fenômeno social, que envolvem indivíduos que fazem parte de grupos interagido

entre si, mediados pelo território, mediações que mudam no tempo – espaço

(SAQUET, 2007, p.115).

Figura: 8 Croqui com as localizações do Quizomba Fonte: Google Earth Org.: Ricardo Manfrenatti.

Page 74: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

74  

  

4.3. Os personagens do samba em Londrina: construtores de territorialidades

Em uma tarde de sol do dia 30 de outubro de 2009 na Universidade

Estadual de Londrina em um clima amistoso fomos recebidos pelo sambista Leandro

de Almeida, sujeito que se tornou uma das referências do samba na cidade de

Londrina.

Em uma entrevista esclarecedora Leandro elencou pontos no qual

ele contribui para a formação das territorialidades do samba em Londrina.

O início da conversa se deu de uma maneira geral no que se refere

ao gênero samba, no qual Leandro procurou diferenciar o pagode do samba, para

mim a palavra pagode tem o significado de festa e esse termo não é restrito ao

samba, até Tião Carreiro ícone da música caipira já citava em suas canções o

pagode, sendo assim pagode seria uma festa onde as pessoas se encontram e

tocam algum tipo de gênero musical. Nos anos de 1990 cria-se ao rótulo de

pagodeiro onde a mídia tem papel fundamental para vender discos, desvalorizando

a arte e a cultura, as pessoas confundem o que é samba e pagode, o pagodeiro

também é sambista, porém as pessoas criam qualquer coisa e distorce os ritmos do

samba, sendo música de entretenimento e não a arte, isto é musica de

entretenimento, esse tipo de música não fica na história, simplesmente a música

morre depois que se passa a moda.

Leandro Almeida nos revela que é um Londrinense genuíno, nascido

na periferia da cidade a sua relação com o samba vem desde tempos de criança. A

minha relação com o samba vem com os sambistas do bairro Jardim Leonor na

Zona Oeste da cidade, através de sambistas como Didi, Pardalzinho, a lembrança

desta inserção no mundo do samba foi através da escola de samba Navegantes do

mar azul, além de Serginho que faz parte do movimento do samba da padaria na

Vila Brasil, tendo sempre em sua memória os sambistas tocando os sambas.

Cantar profissionalmente foi em 2006 quando fiquei desempregado e

nesse período já por ter essa veia musical advinda da infância, comecei a cantar e

compor sambas, comecei tocando para os universitários da UEL, o primeiro samba

composto foi em 2007, porém desde menino eu participava das rodas de partido-

Page 75: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

75  

  

alto, no qual se cantavam o refrão e os participantes da roda improvisavam a

segunda parte, muito parecido com o repente nordestino.

Ao falar do Partido alto, Leandro cita Candeia, para mim Candeia é

um dos maiores expoentes do partido-alto do Brasil, principalmente por ser do

Movimento negro e portelense, minha escola de samba do coração. Essa relação

com as escolas de samba é indissociável dos sambistas, no qual as maiorias se

identificam com alguma escola de samba, mesmo não participando efetivamente do

carnaval.

Não vivo profissionalmente das apresentações de samba, sou

funcionário de uma empresa de café no qual desempenho a função de promotor de

vendas, infelizmente não é possível se sustentar financeiramente do samba.

O local no qual me identifico é na periferia através dos movimentos

de resistência promovidos por nós como é o caso do samba da padaria da Vila

Brasil, porém gosto de estar inserido com os estudantes universitário, é um público

que respeita e aprecia o samba e estão passando a conhecer de maneira mais

efetiva o samba, o público que frequenta as minhas apresentações geralmente são

constituídas de universitários da UEL.

Os sambistas em que meu inspiro são vários, desde os

compositores cariocas, os poetas da Mangueira como Nelson Cavaquinho, Cartola,

mas sem deixar de lado o samba paulista de Geraldo Filme, Adoniran Barbosa,

Osvaldinho da Cuíca, sambas da Bahia, o samba não tem região, o samba é do

brasileiro, é um patrimônio nosso, ou seja, o samba quando é bom tem que ser

tocado.

Ao ser indagado sobre a frase da canção de Nelson Sargento

“samba, agoniza mais não morre” Leandro utiliza da frase de seu compadre e

sambista da cidade de Londrina Wilson Soler, “não é você que escolhe o samba é o

samba que te escolhe”, o samba está registrado na história, o samba vai viver e

nunca vai acabar, quando ele chega à universidade sendo essa pesquisa prova

disso, estará sempre registrado, não precisa de rádio e nem televisão ele é parte da

cultura do Brasil.

O samba para mim é como a Amazônia, queira ou não queira ele é

nosso, o mundo inteiro conhece mais ninguém sabe melhor do que nós brasileiros,

como a feijoada, todo mundo pode fazer, mas ninguém melhor que uma “tia” do

Page 76: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

76  

  

morro, ou uma mãe de santo, nessa relação quem tem o tempero é o brasileiro, ou

seja, é a identidade nossa.

Vou revelar em primeira mão que estou formulando um projeto

relacionado ao samba, intitulado de “samba do Almeida”, sendo um projeto para

marcar o samba em Londrina, na maior simplicidade, a intenção é fazer uma ou

duas vezes por mês, com o sol ou com chuva, dando continuidade ao movimento do

samba, como o exemplo do Quizomba criando uma ou duas datas definitiva por

mês. A ideia é que o projeto seja desenvolvido na periferia, para fazer um resgate do

samba, pois a periferia está muito mudada, as pessoas estão perdendo o

pertencimento do que é seu.

Em relação aos locais em que eu me apresento para tocar o samba

geralmente são nos barzinhos da cidade, porém o que me projetou como cantor de

samba foi o projeto Quizomba: sambas e outros batuques, foi o que me levou a fazer

as caminhadas no universo do samba, o quizomba foi um projeto no qual mostrou

muita gente que estava escondida. Outro ambiente que faço minhas apresentações

são nas festas universitárias, de repúblicas.

Londrina é uma cidade grande que tem mentalidade de cidade

pequena de interior, no sentido cultural, é você ligar o violão que a prefeitura vem

multar, Londrina precisa de um local como a Lapa no Rio de Janeiro, não só para o

samba e sim para que as pessoas possam ouvir música e apreciar a boemia.

As minhas referências do samba em Londrina e na qual eu me

espelho é o Braguinha e o Wilsinho Soller, são eles personagens que tem história no

samba em Londrina.

A mensagem que passo para as pessoas relacionadas ao samba em

Londrina é de agradecimento, principalmente ao meu público e que as pessoas da

cidade passem a entender o que é o samba antes de criticar e dizer que não gosta

passar a compreender a sua estrutura, o porquê ele resiste até hoje, pois ele não

significa apenas um gênero musical, mas sim um aspecto cultura de

representatividade do que é o Brasil.

Em um domingo chuvoso do dia oito de novembro de 2009, fomos

recebidos na casa do aposentado Nelson No Jardim Albatroz nas proximidades do

Aeroporto de Londrina para realizarmos mais uma entrevista referente às

territorialidades do samba em Londrina.

Page 77: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

77  

  

Seu Nelson (Figura 9) como é mais conhecido no meio musical

londrinense nasceu em Minas Gerais, na cidade de Ponte Azul terra do cantor João

Bosco, porém viveu boa parte de sua vida na cidade de São Paulo, no qual

trabalhou em diversos ofícios, chegando a Londrina em 1997.

Sou Mineiro, porém eu vivi 44 anos na cidade de São Paulo, cheguei

à capital paulista com 18 anos em outubro de 1956, fui para trabalhar, quando eu

cheguei, trabalhei de servente de pedreiro, tinha que dormir na obra, cozinhar por lá

mesmo, banho de mangueira, foram 3 anos de luta, quando perdia o emprego, não

tinha nem onde dormir, ai dormia escondido em cima de saco de cimento vazio na

obra, foi quase uma semana nessa fase. No começo de 1956 eu trouxe minha mãe

e minha irmã para São Paulo, eu comecei a trabalhar no SESI (Serviço Social da

Indústria), em outubro de 1956 e saí em setembro de 1992, as coisas melhoraram,

casei e adquiri família.

Desta vida de luta que tive em São Paulo eu compus uma valsinha

baseado na perda do meu pai, que se foi quando eu tinha 9 anos, porém eu não

costumo fazer composições, mas se eu parar e compuser eu acredito que eu

consigo, mas gosto mesmo é de interpretar, no meu repertório eu canto Roberto

Ribeiro, Luiz Airão, Noel Rosa, Geraldo Pereira,Cartola, Vinicius de Moraes, de

repente eu canto música que eu não sei nem de quem é, eu não sei se é defeito,

mais dificilmente eu sei de que cantor é a música que estou cantando.

Cheguei a Londrina no dia 15 de dezembro de 1997, não conhecia

ninguém no meio musical, até que um “senhor” que ainda está vivo me passou o

contado de dois “senhores” do clube choro aqui da cidade o “Robertão” e o

“Cabeção”

A minha inserção no samba se deu em 2007, porém toda a vida eu

gostei de samba, eu cantava com um grupo de regional em São Paulo em um hotel,

mas ali nos cantávamos de samba a bolero, foi em 2007 que eu resolvi cantar só

samba, ai formamos o grupo Quarteto do samba, no qual eu faço violão e voz, meu

filho Nenê que toca tantã, Luizinho pandeiro, e o Juninho toca surdo, e deu certo, é

impressionante porque nós fazemos tudo sem ensaio, de repente eu me lembro de

um samba de 60, 70 anos atrás e o pessoal do grupo acompanha, isso é o bom do

samba, costumo dizer que “se tocar samba no velório o defunto é capaz de levantar

e sambar”, brinca Seu Nelson descontraído.

Page 78: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

78  

  

Sempre me perguntam de qual música eu gosto mais, na verdade eu

gosto de cantar a música que o público assimila bem, ai me satisfaz, como os

estudantes das repúblicas que adoram quando eu canto Chico Buarque, quando

você percebe a participação das pessoas é muito bom. O público que geralmente

frequentam minhas apresentações são os mais jovens, os universitários, mas tem o

pessoal assíduo, amigos nosso, de diversas ideias.

Eu já toquei muito na noite e ainda toco mai não me considero

profissional, porque não vivo de cantar, não vou atrás, as pessoas ligam e nós

vamos tocar, eu tenho o prazer de tocar, claro que todo cachê é bem vindo, é

complicado tocar, porque o cantor tem que ter versatilidade, às vezes o garçom

chega com um papel de clientes pedindo músicas, não é sempre que agente sabe,

por exemplo, quando me pedem para tocar sertanejo eu não toco.

Aqui em Londrina eu canto nas festas de repúblicas, o público

universitário me recebe muito bem, e em alguns bares da cidade, por exemplo, de

abril de 2007 a maio de 2008 eu tocava aos sábados no extinto bar “axé Brasil”,

começávamos o samba a tarde e terminávamos a noite, lá era servido feijoada, era

uma combinação perfeita.

 Figura 9: Seu Nelson – apresentando-se no bar Axé Brasil. Fonte: Acervo pessoal Nelson José Silva

 

Page 79: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

79  

  

O samba é para o brasileiro como o tango para os argentinos, cada

País tem o seu ritmo, o samba é um tipo de música muito alegre, o samba resiste,

tem samba da década de 1920 cantado até hoje, o pessoal de Londrina tem

assimilado muito bem o samba, as pessoas cantam, incentivam, quando as pessoas

começarem a perceber a alegria que o samba traz, você não ouve dizer que o

Paraná é terra de samba, ficou aquela ideia de que o samba é paulista ou carioca,

mais o samba é do Brasil, do brasileiro.

Em uma tarde de sol do dia 10 de novembro de 2009 fomos

recebidos pela Yalorixá Dona Vilma dos Santos em sua residência no Jardim Hedi

nas proximidades do fundo de Vale do Rubi.

Dona Vilma (Figura 10) começou a entrevista falando sobre onde

nasceu e da inserção do samba em Londrina.

Eu sou de Jacarezinho-PR, a minha relação com o samba começa

aqui em Londrina, eu nasci em 1950 e vivi toda a minha vida em Londrina eu

acompanhei o samba nascer aqui, a partir de um grupo que se reuniram e

começaram a trabalhar o samba, pessoas da minha família e amigos participavam e

iniciaram a primeira escola de samba na Vila Nova.

O samba em Londrina tem início com o Sr. Manoel Cypriano que

trabalhava na Companhia de Terras do Norte do Paraná no qual ele criou a AROL,

ele fez ali um clube onde frequentavam os negros, nessa época Londrina tinha

muitos negros, principalmente os ensacadores de café que trabalhavam no IBC

(Instituto brasileiro do Café), o Manoel entendia que o negro tinha que ter o seu

espaço, daí surge a AROL, era uma coisa muito bonita.

Page 80: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

80  

  

 Figura 10: Dona Vilma cantando samba em evento intitulado Dona Vilma de todos os Santos; Fonte: Mauricio Lovadini.

Na verdade nunca fui sambista, mais sempre estive inserida no

movimento, principalmente nas escolas de samba, na década de 1980, fui para uma

escola chamada Quilombo dos Palmares, mais sempre ajudei todas as escolas,

recebia as personalidades do samba que vieram até Londrina, como os

compositores da Mangueira, Cartola, a Dona Zica esposa de Cartola, Martinho da

Vila e ai discutíamos o samba com eles.

Eu tive a oportunidade de conhecer o Cartola lá no Rio de Janeiro,

na casa dele, depois do almoço ele deitava tirava um cochilo acordava pegava um

caderninho e começa a compor um samba, ele era bom de conversa. A dona Zica

esposa de Cartola eu conheci em 1982 no Rio, ela esteve em casa em 1987,

conversávamos bastante, varávamos a noite conversando.

Eu tenho um trabalho com o samba que é diferenciado, eu sou

zeladora de santo no candomblé, então eu tiro do terreiro o samba de roda, o

partido-alto, o verdadeiro samba, o samba de fundo de Quintal, eu acredito que o

samba sai da senzala, a partir dos escravos, então eu tenho esse trabalho de cultura

popular.

Page 81: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

81  

  

Eu não faço composições, mas é pela questão do tempo mesmo,

porque eu faria tranquilamente composições. Eu na verdade nunca cantei, canto

sambas de roda, canto no terreiro, agora cantar em público não cantava, a minha

proposta sempre foi de ensinar.

Costumo cantar samba informalmente, sempre me convidam para

cantar nos lugares, no terreiro, canto samba o tempo inteiro, eu canto o que eu sei,

não tenho escrito, canto o que vem na cabeça.

Tudo do Negro vem da resistência, desde que chegou aqui no Brasil,

e sempre tentaram acabar com o que vem do negro, com o samba não foi diferente,

por exemplo, não posso ser hipócrita e dizer que não gosto de bossa nova, porém

ela veio para acabar com o samba, ocupou um espaço considerável, depois veio o

pagode na década de 1990, mais sempre o samba resistiu, o samba fica quieto

depois ele volta, ele agoniza mais não morre.

Esse projeto que eu estou trabalhando atualmente vinculado ao

Ministério da Cultura considero importante para os negros, porque hoje existe uma

lei no Brasil, que é a lei 10. 639, que obriga ensinar a história da África nas escolas,

porém os professores não estão preparados para passar a história dos negros,

porém alguns professores manifestam interesse porque está na lei, então o Governo

Federal criou o Mestre Griô, o mestre precisa saber um pouco de cultura popular,

tem que saber contar história, saber das religiões, uma série de coisas que o

professor não tem na vivência, eu sou uma mestre Griô, e eu tenho dois aprendizes,

o aprendiz tem que ter curso superior, Já tem que ter passado pela academia e eu

passo para eles e o aprendiz dissemina. Nós trabalhamos nas escolas e ensino

sobre o as religiões afro e o samba que fazem parte da história do negro, além de

desenvolver esse projeto nas vilas culturais da cidade.

Os jovens negros ainda estão muito tímidos em relação à cultura

negra popular, a sua cultura de origem, não querem se identificar e isso é difícil de

se recuperar e esse é o nosso papel, resgatar a identidade do negro. Isso se deve

porque a cultura do negro foi pisada, maltratada e o resgate é muito difícil.

Hoje existe uma forma de resgate do samba, isso é muito bom, e a

certeza de que as pessoas que entendem que o samba não pode morrer, significa

que o samba de fato nunca vai morrer, e o resgate é muito importante, de entender o

samba, de saber de onde ele surgiu, então nos samba você pode encontrar um

Page 82: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

82  

  

leque como sociedade, malandragem, raízes, preconceito racial, ou seja, é uma

multiplicidade.

A mensagem que eu passo para Londrina em relação ao samba é

plantar para ficar, não deixar que o samba morra que o samba acabe, porque o

Brasil é um misto de cultura, aqui se encontram muitas culturas, porém a cultura

negra sempre teve a margem na sociedade brasileira e londrinense, por isso é muito

importante você mostrar a cultura do negro e do samba, na concha acústica, nas

Vilas culturais, na universidade, ou seja, você coloca essa cultura marginalizada em

evidência, isso é muito importante.

Em uma tarde de calor do dia 23 de novembro de 2009 fomos

recebidos na casa de Joaquim Braga, mais conhecido como Braga ou Braguinha,

residente do Jardim Maringá nas proximidades do centro da cidade Braga é uma das

referências do samba em Londrina.

Eu nasci em Cornélio Procópio no Paraná, porém como 8 anos me

mudei para Ivaiporã Noroeste do Paraná e cheguei a Londrina com 18 anos, fui

bancário do banco do Estado do Paraná e hoje eu leciono língua inglesa na rede

pública de Ensino no Estado do Paraná.

A minha relação com o samba surgiu depois que vim para Londrina,

porque até então o samba que eu ouvia era um “sambinha” que meu pai cantarolava

que se chamava Helena39, porque o nosso contato maior na zona rural de Ivaiporã

era com a música sertaneja.

Aqui em Londrina aconteciam as brincadeiras dançantes e nessas

brincadeiras tinham sambas como de Martinho da Vila, Ataulfo Alves, Noel Rosa, foi

ai que me encantei com o samba, me identifiquei muito com o Martinho da Vila,

estava aprendendo a tocar violão e ai se iniciou essa minha relação com o samba,

inclusive nós trouxemos um show do Martinho da Vila aqui em Londrina, no

Moringão, porém esse show foi peculiar, porque choveu tanto, nunca vi uma chuva

daquelas em Londrina, acabamos ficando com o prejuízo, mais foi bem interessante.

Eu nunca fui músico profissional do samba, mesmo tendo um grupo

atualmente, nós, aliás, criamos o primeiro grupo de samba de Londrina em 1981 o

“Ziriguidum”, porque não havia grupo de sambas em Londrina, e sim cantores

individuais, eu sempre militei no samba, mas não dá para sobreviver do samba em

                                                            39 Helena – samba de Antonio Almeida e Constantino Silva 

Page 83: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

83  

  

Londrina. Hoje em dia o samba está mais em evidência principalmente de uns cinco

anos para cá, você abre o jornal e na agenda cultural tem muito evento de samba,

antes não tinha espaço para a música em geral em Londrina, eram poucos os

cantores que faziam música ao vivo nos bares.

Eu não interpreto esses sambas atuais no caso conhecidos como

pagode da década de 1990, eu costumo interpretar o legítimo pagode, de raíz, de

terreiro, como Jovelina Pérola Negra, Dona Ivone Lara, o pessoal do Cacique de

Ramos, Fundo de Quintal, além de sambistas como Noel Rosa, João Nogueira,

Bezerra da Silva, Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Adoniran Barbosa, enfim,

procuro interpretar os verdadeiros sambistas.

Por exemplo, a minha filha que tem sete anos, com inserção nas

escolas municipais com aulas de musicalização, ela chega em casa cantando a

música Tiro ao Alvo de Adoniran Barbosa, o samba está presente na sociedade.

O Samba nos anos de 1920 era marginalizado perseguido pelas

políticas do presidente da época Arthur Bernardes, mais o samba foi para a Rua, na

praça onze lá no Rio De Janeiro, a elite tentou coptar o samba, e moldar o samba

nas formas que eles queriam para ser aceito nas classes dominantes, o samba

passou por determinas crises, com a marginalização na década de 1920, com a

bossa Nova na década de 1950 e o pagode da década de 1990 com o “sambanejo”,

que não era nem samba e nem sertanejo, por isso Nelson Sargento foi muito feliz

quando fez o samba “Agoniza mais não morre”.

A resistência do samba se dá pela ancestralidade, das senzalas, dos

batuques, o samba já vem de um processo de resistência, e quando ele volta fica

mais forte ainda, hoje em dia tem muita gente boa fazendo samba, como Tereza

Cristina, Diogo Nogueira, entre outros.

O Samba é de identidade brasileiríssima, ele acontece de forma

efetiva mais nas cidades, no urbano, por exemplo, quando nós fundamos a escola

de samba Quilombo dos Palmares nos Cincos Conjuntos na Zona norte da cidade,

imaginávamos que iríamos aglutinar muitas pessoas para a escola, principalmente

por ter muitos habitantes naquela região, mais essas pessoas vinham das zonas

rurais das proximidades de Londrina, com o êxodo rural, e quem passou a

frequentar a escola foi o filho desses migrantes, porque eles quando chegaram da

zona rural eram muito recatados, tímidos, é interessante essa questão geográfica.

Page 84: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

84  

  

Em relação aos movimentos culturais e sociais eu sempre estive

presente, eu comecei cantando em coral, fundamos o grupo “Ziriguidum” em 1981 e

depois a escola de samba Quilombo dos Palmares, então eu sempre estive

presente, fundamos a escola de samba Mirim Quilombo do futuro, fizemos um

trabalho social com as crianças, fazíamos o acompanhamento escolar, além do

trabalho da Escola de samba na região dos Cincos Conjuntos. A partir daí eu

comecei a militar no movimento negro de Londrina, e aí acabamos criando esse link

com os movimentos da cidade, é muito gratificante, temos um compromisso com a

cidade, não podemos nos omitir, nosso papel e de fazer com que a comunidade crie

consciência, principalmente a população afrobrasileira.

O nosso grupo que se chama Braguinha e banda sambaguidum, que

é composto por cinco pessoas, eu faço voz e violão, o Vitor que é filho da Dona

Vilma que faz Tantã, o meu irmão de Paranavaí que faz pandeiro, o meu amigo Luiz

Carlos Andreoti que faz o repique e geralmente chamamos “free lancer” para fazer o

cavaquinho, pois não contamos com uma pessoa fixa que toque cavaquinho.

Eu vejo Londrina como uma cidade heterogênea vieram pessoas de

muitos lugares e com o pólo universitário essa heterogeneidade se firmou de vez,

costumo dizer que em Londrina tem até londrinenses!., e Londrina tem espaço para

diversos gêneros, e com o samba não é diferente, mas acredito que o samba vem

de uma crescente aqui na cidade através das mídias e de eventos a partir do

surgimento do Quizomba, eu fui um dos proponentes do projeto, e partir dali o

samba cresceu de forma efetiva, o Quizomba foi o grande marco de aflorar essa

resistência e colocar o samba no espaço que merece aqui em Londrina.

O samba não é só deleite o samba tem o seu lado social, eu tenho

um projeto de contar a partir de palestras a história do samba nas escolas públicas,

principalmente nessa época do dia 20 de novembro que é dia da consciência negra

e faço um minishow que se chama cantos de negritudes, que é relacionada aos

negros, então a partir da oitava série e ensino médio eu ministro as palestras, é

muito interessante fazer essa viagem pelo samba.

A mensagem que eu posso passar para a sociedade londrinense em

relação ao samba é que as pessoas entendam que o samba é um bem cultural,

essencial na vida das pessoas, às vezes o samba passa uma mensagem dolente,

mais ele preza o sentimento do brasileiro, porque o brasileiro por natureza é um

Page 85: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

85  

  

povo de modo geral sofrido, tem toda uma questão de subalternidade, mais também

expressa à alegria, e o samba faz muito bem isso, então as pessoas abraçam o

samba como uma cultura maior e que o samba permaneça e resista como vem

sendo até hoje.

Figura 11: Croqui com a espacialização de locais onde ocorriam e ocorrem samba em Londrina. Fonte: Google Earth. Org.: Ricardo Manfrenatti.

Page 86: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

86  

  

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa a princípio surgiu para desvendar o mundo do samba

na cidade de Londrina, haja vista que o samba não é por tradição o ideário da

identidade desta cidade do Paraná. Ao decorrer desta pesquisa muita coisa se

esclareceu e amadureceu e o resultado esperado foi atingido.

Este trabalho não tem a finalidade de findar a discussão das

territorialidades do samba em Londrina, ou de qualquer territorialidade independente

de quem as constroem e nem de que o samba seja o método e metodologia

aplicada nesse gênero musical. A proposta é que esse trabalho venha a contribuir

para novas discussões sobre as territorialidades e o samba na cidade de Londrina

A partir das entrevistas concretizamos o nosso objeto de evidenciar

parte das territorialidades do samba em Londrina, como dito acima sem findar a

discussão, levando em consideração que por razões estruturais a monografia não

consegue abarcar todos os elementos que poderiam constituir a pesquisa. Desta

forma alguns construtores das territorialidades do samba em Londrina possam não

ter sido contemplados nessa pesquisa. De maneira geral, pesquisamos e elegemos

os construtores de tais territorialidades que contribuem com a construção dessas

territorialidades.

O projeto Quizomba: Samba e outros batuques a partir das

informações cedidas gentilmente pela coordenadora do projeto Camila Sampaio, nos

trouxe como essas territorialidades do samba se materializam na cidade, através

das oficinas e apresentações de samba, a cada primeiro domingo de cada mês.

No que tange os personagens do samba em Londrina entrevistados

por nós, observamos que cada um deles contribui de suas maneiras para a

construção das territorialidades do samba.

Leandro Almeida nos contou a sua inserção no universo do samba e

discutiu sobre o samba e a sua identidade brasileira e o que o Município de Londrina

necessita para que o samba seja melhor compreendido na sociedade londrinense,

além de estar com o projeto no prelo “ Samba do Almeida”, no qual ele nos informou

de primeira mão a intenção de concretizar esse projeto, no qual pretende fazer uma

ou duas vezes por mês apresentações de sambas em um lugar específico da

Page 87: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

87  

  

cidade, preferencialmente na periferia, potencializando assim a criação da

territorialidade do samba.

Seu Nelson por sua vez nos contou a sua trajetória de vida até se

estabelecer em Londrina e se inserir no mundo do samba na cidade, em 1997

chegou a terra dos pés vermelhos e desde então nunca mais saiu. De 2007 em

diante Seu Nelson é integrante do quarteto do Samba, grupo esse que realiza

apresentações de samba na cidade, nos bares, festas de repúblicas e eventos. Em

um período de um ano de abril de 2007 até maio de 2008 Seu Nelson acompanhado

do quarteto do samba realizaram apresentações que se iniciavam as 14h e

terminava as 22h, muito samba com acompanhamento de feijoada na hora do

almoço e cerveja, durante esse um ano ininterruptos muito samba aconteceu no

extinto bar Axé Brasil, localizado no Jardim Maringá as margens do aterro do Igapó.

Dona Vilma dos Santos Yalorixá, zeladora de terreiro de Candomblé,

moradora da cidade de Londrina a mais de 50 anos acompanhou o trilhar do samba

na cidade, em entrevista nos relatou que participou da construção, da constituição

do samba em Londrina, Dona Vilma é uma das grandes personagens construtora

das territorialidades do samba em Londrina, pois fez desde intercâmbios com

grandes sambistas do Rio de Janeiro como Cartola, participou da fundação das

escolas de samba em Londrina, costuma fazer sambas informalmente,

principalmente samba de terreiro, e hoje desenvolve diversos projetos, como por

exemplo, o de Mestre Griô (ANEXO III), no qual com a sua sabedoria popular, leva

até as escolas públicas a história social e cultural dos negros através da lei número

10.639, projeto este que respaldado pela lei e fomentado pelo governo federal a

partir do ministério da Cultura. Dona Vilma leva a identidade negra, das religiões afro

e do samba para as escolas para que os estudantes passem a conhecer a cultura

africana que até hoje é marginalizada pela sociedade brasileira que por natureza é

heterogênia.

Joaquim Braga é sem dúvida junto com a Dona Vilma um dos

personagens de grande relevância na cidade de Londrina, sendo que todos os

entrevistados desta pesquisa sempre ao falar de samba citavam o nome de Braga

em suas falas.

Braga chegou a Londrina com 17 anos e desde então se inseriu no

universo do samba londrinense, foi fundados da escola de samba Quilombo dos

Page 88: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

88  

  

Palmares e fundou o primeiro grupo de samba em Londrina, o “Zirguidum”. Braga é

professor de inglês na rede de ensino público do Estado do Paraná, porém pela forte

relação que estabeleceu com o movimento negro em londrina, Braga ministra

palestras sobre a história do samba no Brasil, além de cantar em eventos com o seu

grupo Braga e sambaguidum.

A partir destas entrevistas e das discussões teóricas sobre as

territorialidades e do samba nos primeiro e segundo capítulos desta pesquisa

compreendemos que as territorialidades do samba em Londrina existem e estão

ficando cada vez mais em evidência, com destaques inclusive pelos meios de

comunicação da cidade, tendo cada vez mais espaços na sociedade Londrinense,

desta forma acreditamos que projetos como do Quizomba e os personagens do

samba do Município de Londrina constroem tais territorialidades mediante ás

relações emanadas por eles para a população constituinte de Londrina.

Esperamos que o estudo do Samba e de suas territorialidades não

se findem por aqui, esta pesquisa veio com o objetivo de iniciar as discussões sobre

as territorialidades do samba em Londrina, abrindo perspectivas para que os

pesquisadores da ciência geografia e das ciências sociais em geral deem

continuidade nas discussões.

Page 89: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

89  

  

6. REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Idalto José de. Presença Negra em Londrina: História da caminhada de

um Povo. Londrina: Atrito Art Editorial, 2004. 200 p.

CARDOSO, Marcos A., Edinéia L. FERREIRA, SANTOS, Elzelina D. Dos. Contando a história do Samba: caderno de textos. Belo Horizonte: Mazza edições 2a ed.

2004.

CARNEIRO, Edilson. Antologia do Negro no Brasil: De Joaquim Nabuco a Jorge

Amado, os textos mais significativos sobre a presença do negro no país. Rio de

Janeiro: Agir, 2005.

CLAVAL, Paul. O Território na transição da pós – modernidade. GEOgraphia,

Niterói, ano 1, n. 2. 1999.

CRUZ, V. do Carmo. R-existência, territorialidades e identidades na Amazônia. Terra Livre, Goiânia, ano 22, v.1, n. 26, jan./jul. 2006.

CUNHA, Fabiana Lopes Da. Da marginalidade ao Estrelato: O samba na

construção da nacionalidade (1917 - 1945). São Paulo: Annablume, 2004. 260 p.

DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora 34,

1992.

FOUCAULT, Michael. História da Sexualidade: A vontade de saber. São Paulo: Ed.

Graal. 19a Ed. 2009. 176 p.

GONÇALVES, Tomaz W. G., LOPES, Juliana P., SOUZA, Daniel R. de. O samba paulista: sua história e repercussão na mídia atual. 2008. Monografia em

comunicação social: Universidade de Sorocaba. Sorocaba.

HAESBAERT, Rogério. Da desterritorialização a multiterritorialidade. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina. Universidade de São Paulo. 2005.

______. Dês-caminhos e perspectivas do Território. In: RIBAS. A; SPOSITO. E;

SAQUET, M. Territórios e desenvolvimento: diferentes abordagens. Francisco

Beltrão: Ed. Unioeste, 2004. V.1, p. 87-119.

Page 90: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

90  

  

______. Des-territorialização e identidade: a rede gaúcha no Nordeste. Niterói:

EdUFF, 1997.

______. Identidades territoriais: Entre a multiterritorialidade e a reclusão territorial

(ou: do hibridismo cultural à essencialização das identidades). In: ARAÚJO,

Guilherme. B. de; HAESBAERT, Rogério. (org.). Identidades e territórios: questões

e olhares contemporâneos. Rio de Janeiro. Acess, 2007. EDUERJ, 2001.

______. Território, Cultura e Des-territorialização. In: RODENDHAL, Z.; CORREA, R.

L. (Orgs.). Religião, Identidade e Território. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001.

IOTI, Soraia da Rocha. Assim é o samba: conflitos políticos expressos pela

Embaixada do Samba Paulistana. 2004. 229 f. Dissertação (Mestrado em

Antropologia) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de

Campinas, São Paulo, 2004.

LEFEBVRE, H. La production de l’espace.Paris: Anthropos, 1986.

LOPES, Nei. Meu Lote. Disponível em: <http://neilopes.blogger.com.br/>. Acesso

em: 18 out. 2009.

MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena África do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:

Funarte, 1983.

MOURA, Roberto M. No Princípio, era a Roda: Um estudo sobre samba, partido-

alto e outros pagodes. Rio de Janeiro: Rocco, 2004. 318 p.

RAFFESTIN, Claude. Territorializzazione, desterritorializzazione, riterritorializzazione

e informazione. In: TURCO, A. (org.). Regione e regionalizzazione. Milano:Angeli,

1984.p. 69-82)

______. Por uma Geografia do Poder. São Paulo, Ática, 1993.

______.Paysges construits et territorialités.In: AMBROSINI, G. et al. ( org.).

Disegnari paesaggio contruitti, Milano: Angeli, 2003ª. p. 29-36.

RIBEIRO, Bruno. A Suprema Elegância do Samba: Notas sobre Campinas.

ampinas: Pontes, 2005. 128 p.

Page 91: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

91  

  

ROCHA, Francisco. Adoniran Barbosa: O poeta da cidade. Cotia-SP: Ateliê

Editorial, 2002. 184 p.

RODRIGUES, Nina. Os Africanos no Brasil. Cia Editora Nacional, 1935.

SAQUET, Marco Aurélio. Abordagens e concepções sobre o território. 1a ed.,

São Paulo, Expressão Popular, 2007. 200 p.

______. Território e Identidade. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina. Universidade de São Paulo. 2005.

SILVA, Maria T. Barboza Da. FILHO. Arthur L. de Oliveira. Cartola: os tempos idos.

2a ed. Rio de Janeiro: Griphus,2003.417 p.

SILVA, Wagner. Gonçalves Da. et al. Madrinha Eunice e Geraldo Filme: memórias

do carnaval e do samba paulistas. In:______ (org.) Artes do Corpo: memórias

afrobrasileira. São Paulo. Selo negro. 2004, 123 – 188 p.

SODRÉ, Muniz. Samba o dono do corpo. 2a ed. Rio de Janeiro: Mauad, 1998.

TINHORÃO, José Ramos. Música Popular: De Índios, Negros e Mestiços.

Petrópolis: Vozes, 1972. 204 p.

TINHORÃO, José Ramos. Música popular: um tema em debate. 3a ed. São Paulo:

Editora 34, 1997.

VIANNA, Luiz Fernando. Geografia Carioca do Samba. Rio de Janeiro: Casa da

Palavra, 2004.

WASSERMAN, Claudia. Identidade; Conceito, Teoria, História. Agora, Santa Cruz

do Sul, v.7, n.2, p 7-19, jul./dez.2001.

Page 92: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

92  

  

7. ANEXOS: 7.1. Anexo I

Modelo do roteiro de entrevistas com os Personagens do Samba em

Londrina:40 1- Nome completo:

2- É natural de onde? Se não for de Londrina, quando chegou aqui e porque

veio pra cá?

3- Profissão exercida ou qual exerceu antes de se dedicar ao samba.

4 - Quando começou essa relação com o samba?

5- Faz composições próprias? Quais

6- Quais os sambistas que mais se encontram em seu repertório?

6- Com qual sambista que mais influencia no seu repertório e que tipo de

samba se identifica mais?

7- O que acha das transformações ocorridas com o gênero samba desde a

sua criação até os dias atuais em cima da frase “O Samba agoniza mais não morre”

(Nelson Sargento)

8- Têm alguma relação com algum movimento social (negro, religioso,

político).

9- A gênese do samba é africana, carioca, paulista ou baiana?

10- Existe uma relação social, cultural com a comunidade onde mora?

11- O samba se figura como uma identidade brasileira?

                                                            40  A  metodologia  utilizada  durante  a  entrevista  partiu  da  perspectiva  de  deixar  o  entrevistado 

explanar, desta forma as perguntas elencadas acima não foram indagadas na mesma ordem, servindo apenas de orientação para a pesquisa. 

Page 93: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

93  

  

10 – Em que locais geralmente são feitos as apresentações; (Bares, eventos,

projetos) e esses locais têm uma relação forte com o samba?

11 – como vê a relação do samba com a sociedade londrinense em geral?

12- Qual o público que costuma freqüentar as apresentações?

13- Que mensagem deixaria para os londrinenses que não conhecem a

essência do samba?

Roteiro de entrevista para o projeto Quizomba: Samba e outros Batuques.

1) Quando surgiu a idéia do projeto Quizomba?

2) E a essência do nome?

3) O projeto desenvolve especificamente o que?

4) Para quem é feito esse projeto?

5) Vocês têm algum incentivo da prefeitura para manter o projeto?

6) O projeto tem algum vinculo com a usina Cultural, ou apenas aluga o espaço?

7) Qual a idéia de cobrar o preço do ingresso em dias de apresentações por um

valor simbólico ainda o estudante tendo a possibilidade de pagar

meiaentrada?

8) As oficinas e as apresentações são feitas por pessoas de Londrina ou

pessoas de outras localidades também se apresentam?

9) Por que as apresentações aconteciam no primeiro domingo de cada mês, as

oficinas também só aconteciam no domingo?

10) Qual público costuma freqüentar o projeto, tanto nas oficinas como nas

apresentações musicais?

11) Esse público que frequenta tem alguma ligação com o projeto ou vão para

prestigiar e se divertir?

Page 94: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

94  

  

12) Você acredita que o quizomba criou um foco de resistência da cultura do

samba em Londrina?

13) Qual a proposta que o quizomba pode deixar como projeto para a sociedade

Londrinense?

Page 95: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

95  

  

7.2. Anexo II

VÍDEO PROJETO QUIZOMBA

Produção: Juma produção.

Duração: 3.08 min.

Page 96: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

96  

  

7.3. Anexo III

O Griô é um caminhante, cantador, poeta, contador de histórias,

genealogista, mediador político. É um educador popular que aprende, ensina e se

torna a memória viva da tradição oral. Ele é o sangue que circula os saberes e

histórias, as lutas e glórias de seu povo dando vida à rede de transmissão oral de

uma região e de um país. O papel do griô aprendiz é garantir a vitalidade e

continuidade das redes de transmissão oral entre as gerações, as escolas e os

pontos de cultura do Brasil (Lílian Pacheco, criadora da pedagogia Griô).

http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/?p=40; Acesso em 29/11/2009.

A Ação Griô Nacional, criada e inspirada pela pedagogia do ponto de

cultura Grãos de Luz e Griô (Lençóis – BA) em parceria com uma rede de 50 pontos

de cultura de todo o Brasil atua com a vivência, a criação e a sistematização de

práticas pedagógicas relacionadas aos saberes e fazeres da cultura oral envolvendo

pontos de cultura, escolas, universidades e comunidades. A missão desta rede é

criar e instituir uma política pública de estado que promova o reconhecimento do

lugar político, social e econômico dos griôs e mestres de tradição oral na educação

das crianças e jovens brasileiros. http://www.cultura.gov.br/cultura_viva/?p=40;

Acesso em 29/11/2009

A importância dos “Griôs” na sociedade é plural. Os griôs são

considerados “mestres” que dominam algum saber prático ou algum saber popular,

saberes estes que estão se exaurindo a cada dia pela ausência de incentivos ao

ensino de tais conhecimentos. A palavra “Griô”, abrasileirada por um ponto de

cultura da Bahia, tem origem francesa, vem de Griot, que significa o sangue que

circula. Este significado traduz a magnitude deste projeto, pois o sangue circulando,

significa vida em abundância.

Para quem não consegue imaginar a figura de um Griô, com um

simples exercício irão identificá-los por todo lado. Quem nunca tomou um chá

quando doente preparado por algum raizeiro, grande conhecedor de ervas e ramos

do mato? Quem nunca foi bento quando criança ou até mesmo quando adulto por

aquela Senhora Rezadeira que tem o poder de tirar mau-olhado, quebranto ou

Page 97: ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA … · MAURICIO LOVADINI ELEMENTOS DAS TERRITORIALIDADES DO SAMBA EM LONDRINA Monografia apresentada ao curso de

97  

  

qualquer sintoma que nos tira o ânimo? E quem não gostaria de aprender tecer

lindos balaios feitos por artesãos de bambu? E na hora da merenda, aquelas

deliciosas receitas de biscoitos, broas e bolos, fazem ou não fazem a diferença na

mesa? http://patuaacessorios.blogspot.com/2009/07/projeto-acao-grio-alimentando-

raizes.html. Acesso em 29/11/2009.