ELDER JOSÉ MARCELITES TERRITÓRIO DA CIDADANIA ... · Este trabajo tiene como finalidad contribuir...

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1 Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” Campus de Presidente Prudente Curso de Graduação em Geografia Convênio UNESP/INCRA (PRONERA) ELDER JOSÉ MARCELITES TERRITÓRIO DA CIDADANIA CANTUQUIRIGUAÇU E ASSENTAMENTO CELSO FURTADO: MODELOS DE DESENVOLVIMENTO EM ANÁLISE PRESIDENTE PRUDENTE-SP NOVEMBRO, 2011

Transcript of ELDER JOSÉ MARCELITES TERRITÓRIO DA CIDADANIA ... · Este trabajo tiene como finalidad contribuir...

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Universidade Estadual Paulista

“Julio de Mesquita Filho” Campus de Presidente Prudente

Curso de Graduação em Geografia Convênio UNESP/INCRA (PRONERA)

ELDER JOSÉ MARCELITES

TERRITÓRIO DA CIDADANIA CANTUQUIRIGUAÇU E ASSENTAMENTO

CELSO FURTADO: MODELOS DE DESENVOLVIMENTO EM ANÁLISE

PRESIDENTE PRUDENTE-SP NOVEMBRO, 2011

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TERRITÓRIO DA CIDADANIA CANTUQUIRIGUAÇU E ASSENTAMENTO

CELSO FURTADO: MODELOS DE DESENVOLVIMENTO EM ANÁLISE

ELDER JOSÉ MARCELITES

Trabalho de monografia apresentado ao Conselho do curso de Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia, campus de Presidente Prudente da Universidade Estadual Paulista, para a obtenção do título de Bacharel em Geografia.

Orientador: Prof. Dr. Jorge Ramon Montenegro Gómez

PRESIDENTE PRUDENTE-SP NOVEMBRO, 2011

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Elder Jose Marcelites

TERRITÓRIO DA CIDADANIA CANTUQUIRIGUAÇÚ E ASSENTAMENTO

CELSO FURTADO: MODELOS DE DESENVOLVIMENTO EM ANÁLISE

Monografia apresentada como pré-requisito para a obtenção dos títulos de Licenciatura e Bacharel em Geografia da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”, submetida à aprovação da banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profº Doutor Eraldo da Silva Ramos Filho

Profª Doutora Miriam Loureição

Profº Doutor Jorge Ramón Montenegro Gómez

PRESIDENTE PRUDENTE-SP

NOVEMBRO, 2011

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Dedicatória Este trabalho é dedicado a minha companheira Janete, aos meus queridos filhos Hedivan e Laizy, e a minha mãe Maria Luiza e ao meu pai Antônio. Aos meus irmãos Eldilvane, Luiz, Geni, Ivonir, Eloini, e a minha inesquecível vovó Anália.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em especial

ao setor de educação por ter confiado em mim esta tarefa.

À minha família pelo apoio e carinho nestes anos.

A todos meus verdadeiros amigos.

Ao professor Jorge Ramon Gómez Montenegro por poder fazer parte do grupo de

orientação que foi fundamental no meu crescimento e desenvolvimento intelectual.

A todos os professores do Curso Especial de Geografia que direta ou indiretamente

contribuíram e muito com este momento.

Agradeço a todos os colegas de turma pela convivência nos últimos cinco anos.

Ao monitor Tiago Ribeiro que não mediu esforços para contribuir na elaboração deste

trabalho.

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RESUMO O presente trabalho tem por finalidade contribuir com novos elementos na análise das

políticas públicas com abordagens territoriais. Dessa forma, centramos o foco da pesquisa

nas experiências dos Movimentos Sociais, especificamente nas famílias assentadas no

Assentamento Celso Furtado no Município de Quedas do Iguaçu e no Programa de

Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PDSTR), através do Território da

Cidadania Cantuquiriguaçu, que propõem e implementam perspectivas diferentes. O fato de

o referido Assentamento estar geograficamente localizado em um Território da Cidadania,

portanto, prioritário para ser trabalhado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDA),

oferece um perceptível processo de conflito e disputas por modelos de desenvolvimento,

mas que ao mesmo tempo mostra que essas propostas em conflito em determinados

momentos se aproximam e em outros se distanciam. Essas disputas são mais evidenciadas

quando se analisa o histórico de ocupação da região, onde o latifúndio sempre foi uma

característica marcante. No entanto, nas últimas décadas, a luta dos Movimentos Sociais

camponeses têm indicado uma nova dinâmica territorial, sob tudo no que diz respeito às

formas de viver e de trabalhar na terra, um desses casos é o Assentamento Celso Furtado.

Diante desse contexto, a pesquisa pauta uma reflexão das políticas públicas do Território da

Cidadania no Assentamento, bem como de suas influências e desencadeamentos num dado

período histórico, político e econômico particularizados.

Palavra chave: Políticas públicas; Território; Desenvolvimento; Estado; Assentamento;

Disputas territoriais.

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RESUMEN

Este trabajo tiene como finalidad contribuir con elementos nuevos en el análisis de las

políticas públicas con enfoques territoriales. En ese sentido, centramos el objetivo de la

investigación en las experiencias de los movimientos sociales, especialmente en las familias

asentadas en el asentamiento Celso Furtado del Municipio de Quedas de Iguaçú y en el

Programa de Desarrollo Sostenible de los Territorio Ruralesl (PDSTR) a través del

Territorio de Ciudadanía Cantuquiriguaçu, que propone e implementa perspectivas

diferentes. El hecho de que este asentamiento se ubica geográficamente en un Territorio de

Ciudadanía, por tanto, prioritario para ser trabajado por el Ministerio de Desarrollo Social

(MDA), ofrece un perceptible proceso de conflicto y disputas por modelos de desarrollo,

pero al mismo tiempo muestra que esas propuestas en conflicto em determinados momentos

se aproximan y en otros se distancian. Esas disputas son más evidentes cuando se examina

la historia de la ocupación de la región, donde el latifundio ha sido siempre una

característica importante. Sin embargo, en las últimas décadas, la lucha de los movimientos

sociales campesinos ha permitido una nueva dinámica territorial, sobre todo en lo que

respecta a las formas de vida y de trabajo en la tierra, el asentamiento Celso Furtado es uno

de estos casos. En este contexto, la investigación propone una reflexión de las políticas

públicas del Territorio de la Ciudadanía en el asentamiento, así como sus influencias y

consecuencias en un determinado período histórico, político y económico.

Palabras clave: Políticas Públicas, territorio, desarrollo, Estado, asentamiento, disputas

territoriales.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 09

1. Caracterização socioeconômica do Território Cantuquiriguaçu Erro! Indicador não definido.

1.1. Histórico e dinâmica populacional ................................. Erro! Indicador não definido.

1.2. Associação dos municípios do Território Cantuquiriguaçu Erro! Indicador não definido.

1.3. Indicadores sociais e econômicos do Território Cantuquiriguaçu Erro! Indicador não definido.

2. Organização socioeconômica e política das famílias do Assentamento Celso Furtado e do

município Quedas de Iguaçu-PR ............................................... Erro! Indicador não definido.

2.1. Histórico do Assentamento Celso Furtado ..................... Erro! Indicador não definido.

2.2. Breve histórico de luta pela Terra na área ..................... Erro! Indicador não definido.

2.3. Contexto sócio-econômico do Município de Quedas do Iguaçu Erro! Indicador não definido.

2.4. Dinâmica territorial do Assentamento..........................................................................46

2.4.1. Educação como forma de resistência 7 ..................... Erro! Indicador não definido.

2.4.2. Caracterização dos sistemas produtivos no Assentamento Celso Furtado Erro! Indicador não defin

3. A política pública do DTR como mecanismo de controle social Erro! Indicador não definido.

3.1. Descrição da política do DTR ......................................... Erro! Indicador não definido.

3.2. Projetos no Território Cantuquiriguaçu .......................... Erro! Indicador não definido.

3.3. Projetos que o Assentamento se beneficia ...................... Erro! Indicador não definido.

4. Territórios e modelos de desenvolvimento em conflito: DTR e Assentamento Celso

Furtado ....................................................................................... Erro! Indicador não definido.

4.1. Qual é a proposta territorial dos assentados? .................. Erro! Indicador não definido.

5. Conclusão .............................................................................. Erro! Indicador não definido.

REFERENCIAS ........................................................................ Erro! Indicador não definido.

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INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, as políticas públicas para a redução da pobreza, o combate à

exclusão social e a diminuição das desigualdades sociais, têm ganhado caráter territorial.

Para isso, no meio rural, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) incorpora e

implementa estratégias e critérios em prol do desenvolvimento.

Neste sentido, o foco do trabalho é o Território da Cidadania Cantuquiriguaçu,

localizado nas mesorregiões Centro-Sul e Centro-Oeste do Estado do Paraná. Dessa forma,

pauta-se em compreender a história de ocupação e organização social desse território, mas

também, a luta da sociedade civil para que este se tornasse escolhido para ser incorporado

pelo MDA. Enfim, pretendemos analisar os impactos das políticas públicas desse programa

governamental no contexto de um tecido social organizado como é um assentamento.

Do conjunto de Movimentos Sociais que formam a sociedade civil no

Cantuquiriguaçu, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem tido nas últimas

décadas um papel especial, pois tem norteado as ações reivindicatórias por um modelo de

desenvolvimento contra-hegemônico. Um desses casos é a luta dos camponeses assentados

no Assentamento Celso Furtado localizado em um dos municípios que formam o Território,

Quedas do Iguaçu.

Assim, procuramos entender as influências e os conflitos de dois modelos de

desenvolvimento divergentes. Por um lado, as perspectivas da Secretaria de

Desenvolvimento Territorial (SDT), instituição pública vinculada ao MDA, em

proporcionar um desenvolvimento atrelado ao sistema de produção vigente. Por outro, os

camponeses do Assentamento Celso Furtado, partem do princípio de um sistema produtivo

em que cada vez mais os torne menos dependente desse modelo vigente.

Dessa forma, no atual contexto político e histórico que se encontra o Território, e o

Assentamento, com suas práticas e perspectivas de trabalho e de produção, vislumbram-se

estratégias de desenvolvimento opostas.

Para a realização deste trabalho, foram necessários os seguintes procedimentos

metodológicos: primeiramente pautamos o diálogo com os autores, buscando contemplar os

anseios da discussão pretendida na pesquisa. Para isso, tomamos como ponto de partida os

conceitos de desenvolvimento, políticas públicas, território; Estado e disputas territoriais.

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Em seguida, estabelecemos como primordial fazer entrevistas com os principais

agentes de desenvolvimento do território, dentre eles o Presidente do Conselho de

Desenvolvimento do Território Cantuquiriguaçu e prefeito do município de Porto Barreiro,

o senhor João Costa. O senhor James Guido Xavier, Assessor Técnico do Território, e

também a engenheira Florestal Taís Ribeiro Lima, representante da equipe técnica do Ates,

que desenvolve no Assentamento um trabalho de assistência técnica social e ambiental aos

assentados.

Ainda sobre a metodologia do trabalho, algumas das informações do território e do

Assentamento, foram possíveis a partir de jornais, Internet, documentos institucionais,

Projeto de Desenvolvimento do Assentamento (PDA), entre outros. Todavia, também da

minha participação e vivência junto ao movimento social.

Neste sentido, fazendo um breve relato da minha experiência adquirida no

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), iniciou-se a partir do ano de 1996

quando a Organização realizou uma das maiores ações no Estado do Paraná. Neste ano,

mais de 3 mil famílias ocuparam o latifúndio pertencente à empresa Giacomet-Marodin,

hoje denominada de Araupel, pertencente ao município de Rio Bonito do Iguaçu, na

localidade conhecida como Buraco.

Na época, somente meu pai ficou acampado. Eu, minha mãe e mais quatro irmãos

permanecemos na cidade de Laranjeiras do Sul, cerca de 25 quilômetros distante do

acampamento para trabalhar e estudar. Dessa forma, passaram-se uma ano e seis meses e as

condições econômicas foram se complicando, entretanto meu pai viu se obrigado a desistir

da luta pela terra e retornar para trabalhar na construção civil e assim contribuir nas

despesas da família.

No ano de 2002, com o desfecho das eleições presidenciais, houve uma conjuntura

favorável à Reforma Agrária, neste sentido, no inicio do ano de 2003, o MST realizou um

grande acampamento nas margens da PR-158, entre os municípios de Laranjeiras do Sul e

Rio Bonito do Iguaçu, com cerca de 2.300 famílias visando ocupar alguns latifúndios da

região. Foi aí que ingressei definitivamente no Movimento, inicialmente contribuindo na

coordenação dos Núcleos de Base de 10 famílias e depois no setor de educação, no qual

contribuo ate hoje.

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Esse acampamento foi subdividido em 3 grupos, o primeiro com aproximadamente

300 famílias ocuparam o latifúndio conhecido como fazenda do Bovino, pertencente a um

ex-prefeito do Município de Rio Bonito do Iguaçu, Cezar Bovino. O segundo grupo,

também com cerca de 300 famílias, ocuparam a Fazenda Solidor no município de Espigão

Alto do Iguaçu. Por último, o maior grupo com cerca de 1700 famílias, no qual eu me

incluo, ocupamos no dia 12 de julho do mesmo ano o latifúndio da Araupel, na localidade

denominada de Silo, por haver uma grande estrutura de armazenagem e secagem de grãos.

Nestas três ocupações, havia a necessidade de organizar a educação nesses

Acampamentos, assim, essas tarefas foram delegadas a um grupo de militantes com

experiências no setor, onde eu fazia parte.

Nesse sentido, durante os períodos dos três Acampamentos, fiz parte da

coordenação das Escolas Itinerantes localizadas nesses espaços. Com a conquista da terra e

a consolidação do Assentamento Celso Furtado na Araupel, surgiu a necessidade de criar

mais 7 escolas itinerantes na área. Na época, assumi a tarefa de coordenador da Brigada de

500 famílias no setor de educação.

Durante dois anos, minha tarefa foi articular os encaminhamentos do setor estadual

com a proposta de educação das famílias assentadas. Depois desse período, as Escolas

Itinerantes foram transformadas em municipais e estaduais, onde o município de Quedas do

Iguaçu e o Estado, através da Secretaria de Estado da Educação (SEED),

responsabilizaram-se pela infra-estrutura dessas escolas e pela contratação de educadores.

Atualmente, a dinâmica organizativa das escolas do Assentamento se dá através das

Associações de Paes e Mestres (APM’s), com a participação ativa da comunidade. Quanto

a minha militância ainda continuo na frente da educação, como educador.

A partir do contexto político e histórico em que se encontra o Território, e também

da minha experiência de luta adquirida no MST, esta monografia reproduzo anseio de

compreender esse processo, proponho-me a estudar as contradições estabelecidas, com

ênfase nas perspectivas distintas de desenvolvimento. Dessa forma, as políticas públicas do

governo federal para o desenvolvimento deste território considerado prioritário para ser

trabalhado pelo MDA através do Programa Territórios da Cidadania, muitas vezes não

contempla a realidade dos camponeses assentados, como é o caso dos do Assentamento

Celso Furtado.

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Para tal, o trabalho está organizado da seguinte forma: no primeiro capítulo, faço

uma análise histórica do processo de ocupação do território por povos não indígenas, até os

dias atuais e uma contextualização de sua população atual a partir dos principais índices

sociais. No segundo capítulo, a discussão está em torno do Assentamento Celso Furtado, da

história de luta pela terra na área, e também do contexto socioeconômico e da dinâmica

territorial tanto do município de Quedas do Iguaçu, quanto do referido Assentamento.

Quanto ao capítulo três, as análises partem da tentativa de entender os objetivos das

políticas públicas do Programa Territórios da Cidadania, analisandoo montante de recursos

destinados nos últimos três anos para o Território, mostrando os projetos planejados e

executados e as políticas públicas destinadas ao desenvolvimento do Assentamento Celso

Furtado. No quarto e último capítulo, estabeleço um diálogo, a partir de dois pontos de

vistas, do Desenvolvimento Territorial Rural (DTR) e dos camponeses do Assentamento.

Por último, nas considerações finais, elaboro uma reflexão baseada no resultado da

pesquisa.

Como contexto geral, o objetivo maior da monografia é entender como funciona a

política pública e como interfere no território.

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CAPÍTULO 1. Caracterização socioeconômica do Território Cantuquiriguaçu

Abrangendo uma área de 13.947,73 km², correspondente a cerca de 7% do território

estadual, o Território Cantuquiriguaçu localiza-se no Terceiro Planalto Paranaense nas

mesorregiões Centro-Sul e Centro-Oeste do Estado (figura 01). Está na rota de

comunicação entre Foz do Iguaçu a Paranaguá, através da rodovia federal BR - 277 , que

cruza toda a extensão longitudinal do território.

O nome Cantuquiriguaçu é uma referência aos rios que delimitam o Território: ao

Norte, o Rio Piquiri; ao Sul, o Rio Iguaçu; e ao Oeste, o Rio Cantu, os quais comportam

sete usinas hidrelétricas.

O Território é constituído por 20 municípios: Campo Bonito, Candói, Cantagalo,

Catanduvas, Diamante do Sul, Espigão Alto do Iguaçu, Foz do Jordão, Goioxim,

Guaraniaçú, Ibema, Laranjeiras do Sul, Marquinho, Nova Laranjeiras, Pinhão, Porto

Barreiro, Quedas do Iguaçu, Reserva do Iguaçu, Rio Bonito do Iguaçu, Três Barras do

Paraná e Virmond. Esse conjunto de municípios reúne 233.973 pessoas, correspondendo

48,27% à zona urbana e 51,73% ao campo. Como mostra a tabela 01.

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Tabela 01: População por situação de domicilio, área e densidade demográfica dos municípios do Território Cantuquiriguaçu – Paraná – 2000.

População Urbana Campo Total Área (km) Densidade

(hab/km) Campo Bonito 2.260 2.868 5.128 433,84 10,94 Candói 5.158 9.027 14.185 1 512,77 8,68 Cantagalo 7.312 5.498 12.810 583,54 23,06 Catanduvas 4.944 5.477 10.421 581,75 18,07 Diamante do Sul 1.115 2.544 3.659 359,95 9,80

Espigão Alto do Iguaçu

1.575 3.816 5.388 326,45 15,70

Foz do Jordão 4.312 2.066 6.378 235,40 23,81 Goioxim 1.832 6.254 8.086 702,47 10,42 Guaraniaçú 8.126 9.075 17.201 1 225,61 14,70 Ibema 4.438 1.434 5.872 145,44 49,94 Laranjeiras do Sul

23.562 6.463 30.025 671,12 67,00

Marquinho 568 5.091 5.659 511,15 10,09 Nova Laranjeiras

1.813 9.886 11.699 1 145,49 17,21

Pinhão 13.734 14.674 28.408 2 001,59 14,10 Porto Barreiro 412 3.794 4.206 361,98 9,35 Quedas do Iguaçu

19.626 7.738 27.364 821,50 30,14

Reserva do Iguaçu

3.340 3.338 6.678 834,23 5,20

Rio Bonito do Iguaçu

1.878 11.913 13.791 746,12 18,04

Três Barras do Paraná

4.931 6.891 11.822 504,17 23,14

Virmond 1.399 2.550 3.949 243,18 17,25 Total Cantuquiriguaçu

112.332 120.397 232.729 13 947,73 19,84

Fonte: IPARDES, 2007 Organização: Elder José Marcelites Do conjunto dos municípios que formam o Território, Laranjeiras do Sul apresenta

o maior número de habitantes com mais de 30 mil. Sendo o município mais antigo, quanto

a sua emancipação política em 1946, segundo CONDETEC (2004), dessa forma, exerce

influência política na região, sediando a Associação dos Municípios da Cantuquiriguaçu.

Por outro lado, Diamante do Sul é o que possui o menor número de habitantes com 3.680.

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Na somatória total dos municípios, segundo o IBGE (2000), há no Cantuquiriguaçu

232.729 habitantes, destes, 112.332 moram em áreas urbanas e, 120.397 no campo.

No quesito área, Pinhão possui a maior extensão territorial com 2.001,59 km2,

enquanto Ibema aparece no outro extremo da tabela com 145,44 km2. Em relação à

densidade demográfica, Laranjeiras do Sul apresenta a mais alta, 67 hab/km2, enquanto

Reserva do Iguaçu apresenta a mais baixa, 5,20 hab/km2.

A partir desses dados acima, verifica-se que alguns municípios do Território,

possuem áreas em km2 relativamente pequenas ou então, números de habitantes

considerados baixos em relação aos demais. Segundo o IPARDES (2007), a explicação

seria o fato de que esses municípios foram criados a partir dos anos 80, com os sucessivos

desmembramentos e novas municipalidades. Exemplo disso são os municípios de Espigão

Alto do Iguaçu, Foz do Jordão, Goioxim, Marquinho, Porto Barreiro e Reserva do Iguaçu

que em 1997 obtiveram a emancipação política. Para o CONDETEC (2004), esta dinâmica

está fortemente ligada à expressiva migração rural decorrente da mecanização das

atividades agrícolas com o processo de monocultura, que paulatinamente transformou a

paisagem da região. Assunto que será abordado a seguir, com ênfase nos trabalhos e

documentos já existentes, sobre esse processo que a priori tem se vislumbrado como uma

tentativa de reorganização socioeconômica.

1.1. Histórico e dinâmica populacional

A partir das análises dos trabalhos e documentos existentes, e tomando como ponto

de partida a ocupação por povos não indígenas do Estado do Paraná, esse processo iniciou-

se ainda no século XVI, no período denominado de corrida pelo ouro, quando os

exploradores europeus formaram os primeiros povoamentos no litoral do Estado. Dessa

forma, nesta mesma época, tiveram início no interior do Estado a implantação de missões

jesuítas, que se deslocavam navegando pelo Rio Paraná, formando os primeiros caminhos

que foram utilizados pelos “desbravadores” do território.

No entanto, os interesses desses exploradores em capturar indígenas para trabalhar

como escravos, e na ampliação de suas fronteiras, levou à destruição dessas missões ainda

nas primeiras décadas do século XVIII, caracterizando-se assim como um período de

conflitos e derramamento de sangue. Nesse sentido, Costa (2008) traz à tona um processo

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demarcado por violência extrema, com o choque por dois modos de vida diferentes,

provocando grandes batalhas geralmente vencidas pelos dominadores que se estabeleceram

nessas terras. Os povos autóctones, assim como a terra e seus recursos, passaram a ser

considerados como mercadorias e a serem apropriados pelo colonizador.

Seguindo o percurso da história, mais tarde, durante os séculos XVIII e XIX, a

“descoberta” e depois povoamento da região Centro-Oeste se deu através dos Campos de

Guarapuava por diversas iniciativas. Inicialmente, a iniciativa oficial da então Província do

Paraná1

Outros elementos a serem observados pelos quais a Província almejava ter controle

político e econômico na região, era o fato de que essas áreas serviam de passagem de

comerciantes de São Paulo para Rio Grande do Sul, tendo como conseqüência a formação

de fazendas de invernagem e criação de gado bovino e muar às margens das estradas, o que

não era bem visto pelas autoridades

, que na tentativa de desenvolver economicamente essa referida região e barrar o

avanço de argentinos e catarinenses na exploração de erva mate e madeiras.

A partir desse contexto, o Governo da então Província estabeleceu algumas

estratégias de ação visando o controle político e econômico do território, principalmente no

que diz respeito às áreas fronteiriças. Ao abordar o assunto, Freitag (2007), argumenta que:

Desde o início do século XVIII esse território central do estado do Paraná, hoje reconhecido como região centro-oeste paranaense, representava um espaço desocupado surgido como passagem entre diferentes regiões e, portanto, deveria ser efetivamente incorporado aos domínios do Estado Português. Essa porção do território, assim reconhecida como um espaço desnacionalizado, tornou-se alvo de expedições de reconhecimento (FREITAG, 2007, p.26).

Dessa forma, mais que desenvolver economicamente essa porção do território, foi

um processo de integração e nacionalização da região. O espaço “desocupado” que a autora

relata, necessitava ter uma funcionalidade na perspectiva das autoridades daquela época.

Estabelecido um plano de reconhecimento do território, homens treinados e de

confiança do governo dirigiam-se para a região. No entanto, a tarefa de reconhecimento da

área ficou comprometida, o contato com os povos indígenas não foi de maneira amigável,

os colonizadores acabaram sendo expulsos por comunidades indígenas Kaingang e 1 Sobre a história da província do Estado do Paraná, ver Freitag (2007). Extremo-Oeste Paranaense: História Territorial, Região, Identidade e (re) ocupação. Paginas 23 a 44.

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Guarani, não conseguindo realizar estudos detalhados das características físicas do lugar,

mas servindo de base para traçar outros planos para continuar expedições pela Província do

Paraná.

As autoridades provinciais estabelecerem novas metas, planos mais audaciosos para

a região e dessa forma, em 1888, foi criada a Colônia Militar de Foz do Iguaçu. Seus

objetivos eram a segurança e proteção nos limites territoriais do Brasil, e promover a

colonização na região. Para isso, tinham duas bases estratégicas, uma no município de

Guarapuava e outra em Foz do Iguaçu interligando-as. Nesse sentido, a colonização desse

espaço geográfico, o que vem a ser atualmente o extremo-oeste paranaense, se deu com o

auxílio do exército através da concessão e venda de terras a colonos nacionais e

estrangeiros europeus principalmente.

O historiador Antonio Marcos Myskiw aborda o processo histórico da ocupação e

colonização da região a partir de documentos e relatos da época, principalmente emitidos

por militares, que informavam o governo das condições físicas dadas. Num desses casos,

ele destaca o papel dessas viagens para o reconhecimento da região:

Os viajantes e os relatos de viagens cumpriam um papel importante para com o processo inicial de ocupação das terras ao Oeste dos Campos de Guarapuava, visto que as narrativas mais do que informar as potencialidades e os caminhos de como se chegar aos lugares visitados, forneciam informações preciosas sobre as dificuldades a serem enfrentadas por aqueles que decidissem ir em busca de terras devolutas e férteis, entre outras coisas mais. (MYSKIW, 2008, p. 05).

Essa estratégia de fixar uma Colônia Militar nos limites territoriais do Brasil,

tencionava fazer impor limites econômicos e culturais em povos estrangeiros. Porém, a

falta de infra-estrutura para percorrer os caminhos até Guarapuava, acabou por isolar a

Colônia Militar do resto do Brasil.

No século XIX, já estabelecido e consolidado o controle fronteiriço do Estado, e

partes das terras já estar em posse de colonos, havia freqüentes confrontos entre ambos e os

povos indígenas. Este fato levou o Estado a declarar guerra contra os indígenas sob a

alegação de que estes impediam a fixação e o trânsito de pessoas. Para se ter idéia do que

esse plano de governo significou naquele período, segundo o Estudo Propositivo do

Território Cantuquiriguaçu (2005), afirma-se que a região do atual município de Laranjeiras

do Sul era um grande sertão, habitado por comunidades indígenas. Com o processo de

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povoamento e urbanização, trouxe consigo o confronto, assim, acabou empurrando os

indígenas sertão adentro. As comunidades que resistiram tiveram que se organizar em

poucas aldeias, contraditoriamente conforme política do Estado brasileiro, denominadas de

reservas. Todavia, se explica o fato de que no município de Novas Laranjeiras, existir a

maior comunidade indígena Kaingang e Guarani do Estado do Paraná.

A partir da década de 50 do século XX, registrou um grande fluxo de imigrantes

gaúchos e catarinenses que buscavam condições de vida melhores em terras férteis,

transformando a paisagem em grandes propriedades agropecuárias, nas regiões Sudoeste e

Oeste do Paraná. Com isso, o município de Guarapuava com uma área equivalente a um

quarto do território paranaense sofreu vários desmembramentos, pois os vinte municípios

que formam o Território Cantuquiriguaçu, são parte desse processo. Ao relatar o assunto

sobre as atividades econômicas desencadeadas no Território, o IPARDES, destaca: A história da ocupação populacional dos municípios que integram o território Cantuquiriguaçu insere-se na mesma dinâmica que orientou o povoamento de grande parte dos campos gerais paranaenses, em particular na região centro-sul do Estado. De modo geral, o desenvolvimento da sociedade campeira esteve associado a características tradicionais, de cunho patriarcal e latifundiário. (IPARDES, 2004b. P.24).

Portanto, a ocupação e a organização da região sempre estiveram associadas à

exploração de algum recurso natural, consumada de forma predatória e rudimentar e, sobre

tudo, demarcadas por grandes propriedades.

A partir desse contexto, nas últimas décadas do século XX, em que havia uma

organização espacial que dificultava a reprodução da classe camponesa do Território,

surgiu na região o MST, fato que aumentou os conflitos por terra. Dessa forma, a oligarquia

rural histórica, aos poucos vai sendo transformada em Assentamentos, tendo em vista que

aquela ainda é uma característica marcante.

O Território enquanto Associação de municípios, foi criada somente a partir do

ano de 1984, numa tentativa das autoridades da época, chamarem a atenção das autoridades

estaduais sobre o problema da desigualdade social existente. Durante os anos de 2002 e

2003, com a elaboração do Plano Diretor para o Desenvolvimento da Cantuquiriguaçu,

surgiu como proposta uma estrutura de gestão do território, a criação do Conselho de

Desenvolvimento do Território Cantuquiriguaçu (CONDETEC). Com caráter propositivo e

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normativo, com poder de decisão, seria formado por entidades públicas privadas e não-

governamentais.

No ano de 2004, foi realizado um diagnóstico socioeconômico, um trabalho

detalhado da economia e da população do território. Para tal, houve uma cooperação

técnica entre Governo do Paraná e a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e

Alimentação (FAO), a partir desse estudo, o território passou a ser reconhecido e a ser

trabalhado pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) do Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA), assunto que será abordado com mais contundência a

seguir.

1.2. Associação dos municípios do Território Cantuquiriguaçu A primeira tentativa de organização dos municípios que compõem o Território

Cantuquiriguaçu é datada do ano de 1984, quando foi criada a Associação dos Municípios

Cantuquiriguaçu, desmembrando-se do município de Guarapuava no intuito de dar mais

autonomia à região. Nesse sentido, somente no ano de 2001, lideranças do território

começaram a se reunir na tentativa de proporem políticas visando a diminuição das

desigualdades sociais. Neste propósito, durante os anos de 2001 a 2003, foram realizadas

atividades de levantamento de informações detalhadas sobre o território. Com reuniões

envolvendo a sociedade civil em todos os municípios, essas informações foram

sistematizadas no documento “Plano Diretor para o Desenvolvimento dos Municípios da

Cantuquiriguaçu”, que definiu as diretrizes territoriais e o modelo de gestão a ser adotado.

Em entrevista com o senhor James Guido Xavier, assistente técnico do Território da

Cidadania Cantuquiriguaçu, ele nos relatou com mais detalhes a história do Território

Cantuquiriguaçu:

[...] na realidade... é a Associação Cantuquiriguaçu, ela começou a funcionar em 1984, a partir daí a organização dos prefeitos começou a pautar questões que eram inerentes à região nossa da Cantuquiriguaçu e, criou-se essa associação que a sede era em Curitiba. Na gestão de 2000, o prefeito na época que era presidente da associação, então o Justi em 2003, ele resolveu é transferir a sede da associação para Laranjeiras do Sul porque era a base realmente do território né! Quer dizer, na época nem território, nem sabia se era território ..., mais na gestão anterior a do prefeito Justi,

21

o presidente da associação era o prefeito Crotti do Porto Barreiro. E ele, com a equipe dele: que era o Secretario da Agricultura, que era o Joaquim Manoel de Souza Neto, a Secretária de Educação Ivone Querber, o Mario Ramos que era o chefe da regional da SEAB que era aqui em Laranjeiras do Sul, mais o Luzo, eles sentaram e pensaram em traduzir isso num documento, por que estava se percebendo na época um êxodo rural muito forte, e eles queriam ver o que estava acontecendo na região, e chamaram o governo do Estado, para que juntos pudessem o que pensar e o que fazer, e que tipo de documentos ficar como indicador de políticas, e digamos, de projetos que pudessem agregar todos os municípios juntos, e que todos unidos melhorasse a qualidade de vida aqui. (Entrevista realizada no dia 03 de Julho de 2011, em Laranjeiras do Sul na sede da CONDETEC).

Portanto, a conjuntura em que se encontrava o Território nesse período fez surgir

por meio de reivindicação, um movimento na sociedade por mudanças. Insatisfeito com a

realidade e percebendo alternativas futuras incertas, buscaram junto aos poderes públicos

estaduais possíveis soluções. Dessa forma, já havendo um diagnóstico do perfil

socioeconômico dos habitantes do território, ficou mais fácil pleitear as políticas públicas

dos Programas governamentais, primeiramente o do Território Rural, depois Território da

Cidadania. Como segue na entrevista com o assitente técnico do Território: (...) Então esse trabalho foi feito através SEAB, pela EMATER e IAPAR, capitaneado pelo técnico do IAPAR, o Adelar Motter, que teve um período de dois anos de... digamos confecções, de reuniões, de workshops, dados com toda a sociedade, com todos os municípios, teve momentos em que tinham em torno de oitocentas pessoas mobilizadas pensando não só o urbano, mas o rural. Em fim, a mobilização geral do que fazia parte da região da Cantu de todos os municípios é..., levantando dados elencando todo tipo de informação possível, e isso, acabou nascendo o Plano Diretor para o desenvolvimento dos municípios do Cantuquiriguaçu. Esse Plano Diretor foi lançado em setembro... 12 de setembro de 2003, aqui em Laranjeiras do Sul, num grande ato político, onde o então vice-governador Orlando Pessut que era secretário da agricultura venho fazer a entrega. Então em 2003, a partir desse momento em que nós tínhamos um indicativo de dados e tal..., onde estaria o maior número de problemas, que a gente pudesse estar, trabalhando para melhoria e organização, veio do Presidente Lula, um programa de governo, é..., chamado..., Territórios Rurais de Identidade. Então esse programa de governo, ele via claramente as regiões mais deprimidas do Brasil, e ali, eles juntavam uma série de municípios com a mesma identidade, o mesmo perfil, onde o MDA, viria a trabalhar com recurso pra tentar organizar todos, fundar os conselhos e, a gente poder trabalhar a partir dos..., dos eixos que traduziram o que nós deveria fazer, os projetos de integração da

22

região. Então, em 2003 foi entregue o Plano Diretor, e já na seqüência no final a Cantuquiriguaçu foi elencada como um dos territórios prioritários do Estado do Paraná.

Dessa forma, fica explicito na fala do “Guido”, a luta do conjunto da sociedade civil

organizada, em alertar as autoridades estaduais sobre o dilema que se encontrava o

território, desde 1984 quanto à criação da Associação dos municípios. Contudo, somente a

partir de 2001 que esse processo ganha visibilidade, se materializa.

Ainda na entrevista, o assistente técnico do território, nos relatou que os fatores

pelos quais o Cantuquiriguaçu pôde ser elencado como um dos primeiros territórios a ser

trabalhado pelo MDA no Estado do Paraná e no Brasil, foi justamente o histórico de luta

dos agentes sociais em prol de melhores condições de vida, e também das informações

detalhadas bem como das demandas já serem sistematizadas no Plano Diretor. Assim,

foram apresentadas ao Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) no ano de 2003,

buscando a inserção do território nos programas federais, o qual foi proclamado como

Território Rural no ano seguinte.

Em 2004 foi criado o Conselho de Desenvolvimento do Território Cantuquiriguaçu

(CONDETEC), com o objetivo de agregar maior participação social, em um órgão de

caráter consultivo, normativo e deliberativo. Dentro da estrutura organizativa do Território

também estão as câmaras setoriais, orientando o processo de desenvolvimento territorial e

agrupadas entorno dos temas de interesse do mesmo. Sendo formadas por temas de

interesse do Território, orientam o processo de desenvolvimento territorial e são elas:

Educação e saúde; Agricultura; Assistência social e Infra-estrutura.

No Território existe também uma Unidade de Gerenciamento Territorial (UGT),

cuja principal finalidade é garantir o acompanhamento e implementação dos projetos em

execução ou aqueles que possam ser contratados. Com o assessoramento das câmaras e da

UGT, o CONDETEC se configura como instância máxima de deliberação das políticas

territoriais, e é composto por 21 entidades públicas e 21 privadas incluindo ONG’s e

Movimentos Sociais.

23

Quadro 01: Entidades representantes do Conselho de Desenvolvimento do Território Cantuquiriguaçu Representantes públicos Representantes da sociedade civil

Associação dos Municípios da Cantu Associação de Engenheiros do Vale do Piquiriguaçu – AENVAPI

Associação das Câmaras de Vereadores do Centro-Oeste do Paraná – ACAMCOP

Associação dos Empreendedores Rurais do Cantuquiriguaçu

Banco do Brasil Associação Paranaense de Pequenos Agricultores – APPA

Caixa Econômica Federal Associação dos Quilombolas de Despraiado – Candói PR

Companhia Paranaense de Energia Elétrica-COPEL

Centro de Desenvolvimento Sustentável e Capacitação em Agroecologia CEAGRO

Casas Familiares Rurais – CEFAS Centro Laranjeirense de Associações Rurais - CELAR

Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER-PR Central de Integração do Proleg – CIP

Instituto Ambiental do Paraná – IAP Comunidade Indígena Rio das Cobras Instituto Agrônomo do Paraná – IAPAR Conselho Regional das APAES do Paraná

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA

Coordenadoria das Associações Comerciais e Empresariais de Centro Oeste do Pr-CACICOPAR

Secretaria do Estado da Agricultura e do Abastecimento – SEAB-PR

Cooperativa Central de Base de Serviços com Interação Solidária – CRESOL

Secretaria de Estado da Ciência e Tecnologia - SETI

Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar com Interação Solidária – COORLAF

Secretaria do Estado do Planejamento Coordenação Geral – SEPL-PR

Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do PR – FETAEP

Secretaria Municipal de Agricultura – SMABs Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar – FETRAF SUL

Secretaria do Estado do Trabalho, Emprego e Promoção Social – SETR-PR

Fundação para o Desenvolvimento Econômico Rural da Região Centro Oeste do Paraná – RURECO

Secretaria Municipal de Saúde – SMSs Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA

Secretaria Municipal de Educação – SMEs Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST

Secretaria Municipal de Assistência Social – SMASs Ordem dos Advogados do Brasil – OAB

Secretaria Municipal de Viação e Obras – SMVOs Sistema de Crédito Cooperativo – SICREDI

Secretaria Municipal de Esportes – SMEs Sociedade Rural do Centro Oeste do Paraná

Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná – UNICENTRO Tractebel Energia S.A

Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE

União das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do PR – UNICAFES

Fonte: CONDETEC, 2004 Organização: Elder José Marcelites

24

A partir do quadro, percebe-se que dentre os representantes da sociedade civil,

grande parte dessas organizações são ligadas ao campo, isto afirma as características

camponesas que se expressam no território, nesse sentido a importância de suas existências,

enquanto norteadores das políticas públicas.

Entretanto, o sistema de gestão do território foi estruturado numa perspectiva de

contemplar todas as “demandas apresentadas”, contudo esses projetos necessariamente

devem partir na ótica das matrizes de desenvolvimento já determinadas pelo programa.

Com o argumento da representatividade de todos os agentes sociais, foi criado o

Conselho de Desenvolvimento do Território, “seu principal objetivo é promover a

integração das estruturas públicas e privadas que representam as comunidades organizadas,

visando concentrar esforços para o desenvolvimento harmônico e integrado do

Cantuquiriguaçu.” (CONDETEC, 2009. p.35). Dessa forma, possui regimento interno e

instâncias, que estabelecem procedimentos e ações de encaminhamento dos trabalhos.

Como mostra a figura 01 a baixo:

Fonte: Informe Final do Território Cantuquiriguaçu Estado do Paraná – Brasil, p. 30

25

Essa estrutura de gestão, leva em conta algumas experiências já implantadas em

outros estados, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Considera, ainda, experiências

de outros países como Argentina, Chile e Espanha, além de iniciativas dentro do Paraná,

segundo o CONDETEC (2004). Dessa forma, cada organismo tem funções importantes

para o bom funcionamento da estrutura.

Nessa lógica, sendo a Condetec e a Associação dos Municípios, as duas instâncias

máximas, têm finalidades de estruturar e gerenciar as ações a serem desenvolvidas no

território. Por exemplo, de responsabilizar-se administrativamente e financeiramente pela

manutenção da sede da Associação, que se localiza em anexo ao Sindicato dos

Trabalhadores Rurais de Laranjeiras do Sul, e também do assessor técnico.

Cabe à Unidade de Gerenciamento Territorial (UGT), o papel de fazer a interlocução

entre as demais. Pode-se dizer assim, que é a mais importante do sistema. É o canal de

circulação de todas as informações do Programa; de sistematização dos projetos desde o

momento de discussão; da viabilidade financeira, até a execução final.

É de responsabilidade dos Fóruns Municipais, a tarefa de promover reuniões nos

Municípios e, levantar as demandas apresentadas pelas câmaras municipais, e apresentá-las

as Câmaras Setoriais do Conselho, que depois de analisadas acerca daviabilidade são

encaminhadas à UGT para apreciação e execução final.

Por último, as entidades públicas buscam auxiliar nos debates de projetos nos fóruns

municipais e de outros espaços do gênero, como é o caso das Universidades. Ainda nesse

sentido, o papel dos bancos é liberar os recursos financeiros.

Concluído o listado de funções e finalidades de cada organismo da estrutura de

gestão, o que nos chama a atenção, é o fato de que por ser um território movido pelo

sentimento de mudanças, principalmente a partir dos movimentos sociais, esse modelo tem

tido avanços, porque são os próprios sujeitos sociais imbuídos no processo que orientam as

direções, os caminhos a percorrer.

Contudo, fica claro que apesar da proposta de gestão inovadora podemos dizer que

existem limites no que diz respeito ao padrão de matrizes produtivas imposto pelo

Programa, que vem de um exercício de democracia apenas restrito ao local. Em outras

palavras, o grau de desenvolvimento, para quem, como e por quê, são questões já bem

democratizadas nas perspectivas dos teóricos e idealizados por essas políticas.

26

1.3. Indicadores sociais e econômicos do Território Cantuquiriguaçu

O Território da Cidadania Cantuquiriguaçu, como foi mostrado, nasce da

confluência entre um território historicamente construído, fruto de conflitos intensos, e de

uma política pública que recorta um conjunto de municípios para estruturar uma estratégia

de desenvolvimento territorial. Nesse recorte municipal, e também para ser contemplando

com a caracterização de Território da Cidadania, um dos elementos principais a ser

considerado é o contexto social, através de indicadores com o Índice de Desenvolvimento

Humano Municipal (IDH-M). Este índice que analisa os componentes de educação, saúde e

renda, apresenta que a média dos índices municipais do Território Cantuquiriguaçu (0,708),

está bem abaixo das médias do Paraná (0,787) e do Brasil (0,766) – tabela 02.

Partindo da metodologia de análises do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal

(IDM-M), que analisa os componentes de educação, saúde e renda, nota-se que os índices

do Território Cantuquiriguaçu (0,708), está bem abaixo das médias do Paraná (0,787) e do

Brasil com (0,766) – tabela 02.

Tabela 02: Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil, do Paraná em relação ao Território Cantuquiriguaçu IDH-M IDH-L IDH-E IDH-R (Renda)

Brasil 0,766

Paraná 0,787 0,747 0,879 0,736

Território 0,708 0,697 0,805 0,621

Fonte: Estudo Prepositivo do Território Cantuquiriguaçu Paraná, 2005. P.10

Por outro lado, os municípios que compõem o território vêem acompanhando um

movimento de variação positiva durante o período entre 1991 e 2000. No entanto, esse

movimento não foi suficiente para melhorar suas posições em relação à média estadual.

Laranjeiras do Sul e Quedas de Iguaçú, que registram melhor índice em relação aos demais

municípios do Cantuquiriguaçu (0,753), estão, por muito pouco, na metade melhor dos

municípios do Estado. Ver tabela 03.

Tabela 03: Crescimento do Índice de Desenvolvimento Municipal dos municípios do Território Cantuquiriguaçu entre os anos de 1991 a 2000, em relação ao ranking do Estado

27

MUNICÍPIO IDH-M 1991

IDH-M 2000

RANKING ESTADUAL IDH-M 2000

Campo Bonito 0,614 0,687 365º Candói 0,613 0,712 294º Cantagalo 0,619 0,686 369º Catanduvas 0,634 0,717 275º Diamante do Sul 0,563 0,675 380º Espigão Alto do Iguaçú 0,627 0,708 309º Foz do Jordão 0,631 0,689 363º Goioxim 0,565 0,680 375º Guaraniaçú 0,638 0,728 247º Ibema 0,633 0,721 267º Laranjeiras do Sul 0,676 0,753 152º Marquinho 0,598 0,691 359º Nova Laranjeiras 0,573 0,697 349º Pinhão 0,602 0,713 289º Porto Barreiro 0,587 0,716 276º Quedas do Iguaçú 0,681 0,747 172º Reserva do Iguaçú 0,703 0,726 253º Rio Bonito do Iguaçú 0,607 0,669 388º Três Barras do Paraná 0,661 0,720 269º Virmond 0,664 0,719 270º Fonte: IPARDES, 2007. P.29. Esses valores expressam de forma clara a desigualdade que se encontram os

municípios do território, basta analisar as posições dos municípios em relação ao Estado.

Mesmo Laranjeiras do Sul a melhor colocada no ranking, aparece no lugar 152º dos 399

municípios do Paraná, isto é, aparece em posições intermediárias, enquanto Rio Bonito do

Iguaçu (388º), Diamante do Sul (380º) e Goioxim (375º), apresentam índices próximos do

extremo inferior desse ranking.

Essas disparidades são mais evidenciadas, a partir dos resultados do diagnóstico

socioeconômico. Um trabalho detalhado da economia e da população, realizado com a

cooperação técnica entre o Governo do Paraná e a Organização das Nações Unidas para a

Agricultura e Alimentação (FAO), visando à inclusão do território nas políticas públicas

federais. Os resultado sistematizados no IPARDES (2007), tomando como referência o

CENSO (2000), refletem essa realidade. O documento mostra que o Cantuquiriguaçu

28

apresenta altos índices de pobreza2

Em relação à produção do território, essas características são comprovadas pela

somatória dos valores adicionados por setores de atividades. Os municípios da

Cantuquiriguaçu participam com apenas 2,3% do total produzido no Estado.

, com 26.159 famílias considerados pobres naquele ano.

O mais alto índice de mortalidade infantil do Estado (20,3 crianças mortas para cada mil) e,

taxa de analfabetismo a cima de 15 anos, de 14,4% da população, enquanto no Paraná ela é

de 9%.

A produção primaria é responsável por 32,8%, enquanto no Paraná ela corresponde

por 15%. Da mesma forma, o valor adicionado no setor industrial representa 57%, frente a

31,4% do Estado. O comércio e serviços agregam 10,2% dos valores do território, enquanto

no Paraná o setor responde por 53,6%.

Tabela 04: Setores de atividades e percentuais do Paraná e do Território Cantuquiriguaçu

Setores de atividades Paraná (%) Cantuquiriguaçu (%) Primário 15,0 32,8 Indústria 31,4 57,0 Comércio e serviços 53,6 10,2 Total 100 100 Fonte: CONDETEC, 2004.P.47.

O que mais chama a atenção nessas equações é a forte participação do setor

primário, reforçando assim a presença da produção de matérias-primas e importadora de

produtos manufaturados e de serviços especializados, devido à baixa participação do setor

terciário.

Isto se justifica respectivamente ao analisar a organização produtiva dos municípios

que formam a Cantuquiriguaçu, que está de certa foram ligada ao processo de povoamento

do território. Recuperando alguns elementos desse período, compreenderemos melhor a

realidade.

Primeiramente a transformação da paisagem em grandes fazendas com a criação de

muares e de bovinos, conforme já relatado nesse mesmo capítulo anteriormente. Hoje

apresenta atualmente com o nome de agronegócio, ocupando grandes áreas com a produção

destinada à exportação. O Censo Agropecuário do IBGE (2006) comprova essa situação,

2 O documento estabeleceu como famílias pobres àquelas com rendimento mensal per capita até um salário e meio, em relação ao numero total de residentes no território.

29

dos estabelecimentos agropecuários do território 62,8% são acima de cem hectares, por

outro lado, 1,3% até cinco hectares.

Essa realidade fica clara inda quando analisamos os cinco produtos que mais

abrangem área de plantio por município, conforme aponta o (gráfico) a baixo.

Gráfico 01: Área ocupada com os cinco produtos mais cultivados por município do Território

Cantuquiriguaçu em 2009

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal Organização: Elder José Marcelites e Thiago Ribeiro Machado de Sousa

Dessa forma percebe-se que a produção tem-se configurado de forma parecida, ou

seja, uma evidente tentativa de homogeneização agrícola. Dos cinco produtos mais

cultivados por município, nove formam o conjunto total, portanto não havendo diversidade

nos cultivos, o que explicaria, portanto, o fato do território ser exportador de matérias-

primas e importador de produtos manufaturados.

30

Nesse sentido, a soja, o milho e trigo estão presentes em todos os municípios, com

destaque para Condói e Pinhão com maiores áreas plantadas. Por outro lado, sendo o feijão

uma atividade agrícola de caráter da agricultura camponesa, está presente também em todos

os municípios, no entanto com ocupações de área bem menores. Já a mandioca tem

significância maior em Três Barras do Paraná. Outros produtos como o triticale, fumo,

cana-de-açúcar e cevada, não ocupam grandes áreas, aparecendo em poucos municípios,

sendo mais cultivado em Candói, Pinhão e Reserva do Iguaçu.

No que diz respeito à quantidade produzida em relação à área plantada, o milho é a

cultura que mais rende, seguido da soja e trigo. As outras culturas não diferenciam

significamente, com exceção da batata inglesa colhida em Candói. Ver gráfico abaixo.

Gráfico 02: Produção em toneladas dos cinco produtos mais cultivados nos municípios do

Território Cantuquiriguaçu

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal Organização: Elder José Marcelites e Thiago Ribeiro Machado de Sousa

Em termos de rendimentos monetários, a soja é a cultura que sobresai das demais,

seguida pelo milho e trigo. As culturas praticadas em caráter da agricultura familiar

31

camponesa, ou seja, a mandioca, o feijão e a batata inglesa, cumprem papéis importantes na

produção de alimentos.

32

Gráfico 03: Valores adicionados dos cinco produtos mais cultivados no município de Quedas do Iguaçu - 2009

Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal Organização: Elder José Marcelites e Thiago Ribeiro Machado de Sousa

33

Os gráficos revelam as disparidades entre os dois modelos de produção. Por um

lado, uma agricultura que abrange grandes áreas de terra, praticada de forma predatória

destinada à exportação, entretanto restando a degradação do meio ambiente. Mas por outro

lado, o papel fundamental da agricultura camponesa na produção de alimentos de primeira

necessidade.

É nesse sentido, que a especificidade da produção de alimentos deve ser a bandeira

dos camponeses. Para isso, a resistência é de fundamental importância enquanto reprodução

de um modo de vida, de uma representação própria e de identidade, é vital para o grupo

social.

A situação nesse cenário é tão paradigmática que a luta dos camponeses ganha

amplo sentido, não somente pela produção de alimentos, contudo, como organização social

e política, em contraposição do monopólio da terra e dos meios de produção.

Assim, essa negação da subordinação desse modelo vigente, ocorre com o

surgimento e principalmente a partir dos movimentos sociais camponeses, que aos poucos

vão forjando novas paisagens camponesas. Dessa forma, segundo o INCRA, o

Cantuquiriguaçu apresenta o maior número de famílias assentadas do Estado, o que apesar

de todo faz com que a situação de monopólio da propriedade privada da terra não seja

maior.

A estrutura fundiária demonstra esse movimento, no entanto quanto se compara

com os percentuais totais, o latifúndio ainda é predominante, sendo abordado anteriormente

como uma característica marcante no Território. De acordo com os dados do Censo

Agropecuário do IBGE (2006), a estrutura fundiária se apresenta de forma desigual, como

expressa na tabela 05. Adotando uma metodologia de somatória dos estabelecimentos, em

relação à quantidade de área e respectivos percentuais, percebemos que os estabelecimentos

de 0 a 50 hectares, indicam ser a maioria deles. Entretanto, os poucos estabelecimentos

acima de 50 hectares somam as maiores áreas. Por exemplo, os estabelecimentos acima de

100 hectares (7,1%) correspondem a 62,8% do total das terras no Território.

Tabela 05: Número de estabelecimentos por grupo de área dos estabelecimentos agropecuários no Território Cantuquiriguaçu.

Variáveis Estabelecimentos % Total da Área (hectares)

%

Mais de 0 a menos de 5 há 5.584 21,9 14.077 1,3

34

De 5 há a menos de 10 há 3.377 13,3 26.320 2,5 De 10 há a menos de 20 há 7.376 29,0 104.919 9,8 De 20 há a menos de 50 há 4..817 18,9 145.686 13,6 De 50 há a menos de 100 há 1.529 6,0 107.872 10,1

De 100 há acima 1.797 7,1 672.449 62,8

Sem área 983 3,9 0 0

Soma 25.463 1.071.32310,1

Fonte: CONDETEC, 2011. P. 19.

Nesse sentido, confirma nossa hipótese de um sistema produtivo que tem nas suas

bases o latifúndio e a monocultura, sendo característicos de um processo colonial

excludente, descrito no primeiro capítulo.

A partir de aqui, no segundo capítulo, avançamos na análise do Assentamento Celso

Furtado, tendo em vista que esta fração do território é fruto do processo de conflito e

resistência dos camponeses. Em seguida, descrevemos alguns índices sociais do município

de Quedas do Iguaçu, estabelecendo um contraponto no Assentamento.

35

CAPÍTULO 2. Organização socioeconômica e política das famílias do Assentamento

Celso Furtado e do município Quedas de Iguaçu-PR

O Assentamento Celso Furtado está situado no Município de Quedas do Iguaçu, sob

a transição das microrregiões Centro-Oeste e Sudoeste do Paraná. A distância que separa o

Assentamento da sede municipal é de apenas seis quilômetros. A cidade pólo mais

próxima, tanto do município quanto do Assentamento, é a cidade de Cascavel, que fica a

162 quilômetros. Em seguida, como centro de referência, tem-se Laranjeiras do Sul, que

fica a 66 quilômetros. A distância da capital do Estado é de 427.

2.1. Histórico do Assentamento Celso Furtado

Partindo do pressuposto de que as informações aqui apresentadas são embasadas em

oficinas realizadas com educadores/as das Escolas Itinerantes, ainda na época dos

36

Acampamentos. Esse documento tinha como objetivo, registrar os principais momentos de

lutas reivindicatórias internamente e externamente vivenciados nesses espaços.

Outra fonte de informações importantes desse período foi o PDA, onde as famílias

discutiram as linhas de produção, educação e organização social a ser implementadas, bem

como os possíveis encaminhamentos no que diz respeito ao desenvolvimento do

Assentamento.

Nesse sentido, a história do PA Celso Furtado demarca o seu ponto de partida muito

antes de ser oficializado. No ano de 1999 houve a Marcha Popular pelo Brasil, onde

trabalhadores do campo marcharam até Brasília em demanda de terra, trabalho e

democracia. Nesta ocasião, houve uma grande repercussão perante a opinião pública

nacional, da necessidade da Reforma Agrária no país, fortalecendo dessa forma a luta pela

terra na Região Centro-Sul do Estado do Paraná.

Diante dessa conjuntura, iniciou-se na região um acampamento às margens da PR-

158, entre os Municípios de Laranjeiras do Sul e Rio Bonito do Iguaçu. O acampamento

permaneceu por quatro meses no local, até que se decidiu a entrada na fazenda Araupel3

A ocupação realizada por 1300 famílias ocorreu na madrugada do dia 10 de maio de

1999, numa parcela da área da referida empresa. Localizado no município de Quedas do

Iguaçu, o lugar onde foi realizada a ação era chamado de Bacia, devido a sua característica

física com fortes ondulações onde funcionava uma granja de suínos e de grãos da empresa.

,

empresa de celulose e papel com mais de 70 mil hectares de terras, espalhadas por nove

municípios da Região: Quedas do Iguaçu onde está localizada a sede da empresa; Rio

Bonito do Iguaçu; Nova Laranjeira; Saudade do Iguaçu; São Jorge do Oeste; Espigão Alto

do Iguaçu; Três Barras do Paraná; Sulina e Porto Barreiro.

Durante o primeiro ano de acampamento houve duas ameaças de despejo, mas o

grande número de famílias freou a possibilidade de que esta ação se concretizasse. No

entanto, com o passar dos anos, muitas famílias foram embora do acampamento, o que

trouxe o enfraquecimento do mesmo. Diante desse contexto, outra estratégia teve então de

ser pensada: construir outro acampamento e ocupar outra parte do latifúndio. No início do

3 A Empresa Araupel, é a mesma Giacomet Marodim. A mudança de Razão Social foi pelo motivo da repercussão ocorrida pelo fato que guardas desta empresa, ano de 1997, emboscaram e assassinaram os Trabalhadores Rurais Sem-Terra Vanderlei das Neves e José Augusto dos Santos, no Acampamento denominado de Buraco localizado no município de Rio Bonito do Iguaçu. Por esse motivo, a Giacomet Marodim muda de Razão Social numa tentativa de camuflar a repressão frente aos trabalhadores.

37

ano de 2002 foi montado outro grande acampamento novamente na PR-158, com cerca de

2300 famílias. Na madrugada do dia 12 de julho daquele ano, foi ocupado novamente o

latifúndio, no local agora conhecido como Silo, isto devido a uma grande estrutura de

secagem e armazenamento de grãos. Fato que foi, e é ainda, repercutido nos meios e

comunicação.

Para se ter idéia, o jornal Correio do Povo do Paraná ao fazer uma matéria de jornal

sobre ao montante de recursos destinados para o desenvolvimento do Assentamento, trouxe

presente um pouco do resgate da história do Assentamento, como segue a baixo: No dia 12 de julho de 2003, uma ocupação de terra iniciava a transformação na vida de 1,1 mil famílias oriundas de diversas cidades do Estado. Algumas estavam acampadas em rodovias e outras na periferia de cidades pólos. A ocupação foi feita por mais de cinco mil pessoas, entre elas trabalhadores rurais sem-terra, numa área de 25 mil hectares, denominada Silo e Margarete, pertencente à empresa Araupel (antiga Giacomet/Marondin), de Quedas do Iguaçu. Organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), esta era segunda ocupação na mesma área, já que em outro local, conhecido como Bacia, havia milhares de pessoas acampadas. Com a chegada das famílias no Silo, ficou difícil para a empresa Araupel manter seu domínio, vindo a ceder a área para o INCRA fazer a Reforma Agrária. (Jornal Correio do Povo do Paraná, edição de 7 de julho de 2011).

Dessa forma, a partir desse período, muitas ações em conjunto entre os dois

acampamentos foram realizadas em caráter de protesto e de reivindicação para acelerar o

processo de desapropriação, até que na data de 10 de novembro de 2004, a propriedade foi

arrecadada para fins de Reforma Agrária por decisão judicial proferida pelo Juiz Federal

Eduardo Appio, fato que foi muito festejado pelas famílias acampadas no local e pelo

conjunto da organização do MST regional e estadual.

Entretanto, o desfecho da compra da área foi repercutido nacionalmente. Em uma

matéria de jornal, a Agencia Globo de noticias questiona o valor a ser pago, fazendo

referência ao montante que o governo Fernando Henrique Cardoso desembolsou para

adquirir parcelas da área onde atualmente são os assentamentos Ireno Alves e Marcos

Freire, que como já citados acima estes foram os primeiros assentamentos criados na área

da empresa . Como segue:

38

Agencia (Globo) - “Quedas do Iguaçu - O governo decidiu dar a partida em seu projeto de reforma agrária comprando, por R$ 132 milhões, uma área de 25 mil hectares da fazenda Araupel, em Quedas do Iguaçu, no Sudoeste do Paraná, onde pretende assentar 1558 famílias de sem-terra. O investimento surpreende não apenas pelo valor, mas também porque a área a ser desapropriada se divide entre terra para agricultura, reflorestamento e preservação ambiental da Mata Atlântica (...) O valor que o governo pagará pela área é o triplo do gasto pelo governo Fernando Henrique para adquirir uma propriedade no mesmo local, no município vizinho de Rio Bonito do Iguaçu (...) Entre 1995 e 1999, o governo Fernando Henrique desembolsou R$ 40 milhões no processo de desapropriação de 26 mil hectares para assentar 1404 famílias na região. A negociação para a compra de parte da fazenda Araupel está em processo acelerado. No Paraná, as autoridades esperam apenas a chegada da documentação, ainda em análise na superintendência do Incra em Brasília (...) Pressionada pela quarta invasão (dois assentamentos, um acampamento que se estende por cinco anos e o que ocorreu recentemente), a empresa decidiu vender a área de 25 mil hectares. O Incra desembolsará R$ 70 milhões em dinheiro vivo. O restante será pago com Títulos da Dívida Agrária (TDA), incluindo o abatimento de parte da divida que a Araupel tem com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE) (...) O valor é devido e a área de floresta, também incluída, que continuará intocável diz o superintendente do Incra no Paraná, Celso Lisboa de Lacerda, justificando os R$ 132 milhões que serão gastos na desapropriação. (Parte da reportagem realizada em 29/11/2003).

Nesse contexto, percebe-se que as ações do MST no local significaram mais que uma

conquista da terra, uma conquista política. A insatisfação dos camponeses frente ao

latifúndio da Araupel, que há vários anos vem sendo premiada4

pela Confederação das

Associações Comerciais e Empresariais do Estado do Paraná por estar nos ranking das 100

maiores empresas exportadoras do Estado, dentre as 20 maiores exportadoras do setor de

madeira do país e pertencer ao grupo das maiores 300 empresas do Sul, se consolidou na

derrota infringida na oligarquia latifundiária através do seu maior representante da região.

2.2. Breve histórico de luta pela Terra na área

A história da área conhecida popularmente, ainda hoje, como Giacomet, iniciou-se

em 1976, quando a fazenda foi comprada pela madeireira gaúcha Giacomet Marodin

Indústria de Madeiras S.A5

4 http://araupel.com.br/araupel.php?secao=77. Acesso em 01/12/2010

., constituindo-se assim como herdeira das grilagens de terra que

5 História da Araupel: ver www.araupel.com.br

39

aconteceram nessa região do Paraná nas décadas passadas. A partir desse momento, a

empresa passou a dominar a economia e a política dos pequenos municípios que abrange.

Na década de oitenta, em diversas ocasiões, trabalhadores rurais sem-terra tentaram

se instalar na área, mas sempre foram expulsos com violência pelos guardas da empresa.

Durante o ano de 1995, o MST regional articulou dois grandes acampamentos nas margens

da PR-158: um entre os municípios de Laranjeiras do Sul e Rio Bonito do Iguaçu e o outro

perto do município de Saudades do Iguaçu, com a perspectiva de ocupar a fazenda

Giacomet Marodin, o maior latifúndio do Sul do país com 83.000 hectares segundo a

COOTRARA (2005).

No ano seguinte, diante de uma conjuntura nacional favorável, onde a necessidade

de uma Reforma Agrária passou a ser um tema debatido na sociedade brasileira, cerca de

3.000 famílias do MST ocuparam e realizaram um acampamento em parte do latifúndio

Giacomet Marodin, pertencente ao município de Rio Bonito do Iguaçu, na localidade

conhecida como Buraco. Em janeiro de 1997, guardas armados da Giacomet Marodin

emboscaram os sem-terra Vanderlei das Neves e José Augusto dos Santos, que foram

assassinados. No dia seguinte, o Governo Federal desapropriou 16.800 hectares da fazenda,

consolidando-se, desta forma, o primeiro P.A. (Projeto de Assentamento) na área do antigo

latifúndio. Hoje, esta área pertence ao P.A. Ireno Alves dos Santos, com 900 famílias.

Apesar do número importante de famílias assentadas no P.A. Ireno Alves, foram

muitas as que não conseguiram se fixar, permanecendo como excedente, fato pelo qual se

fez necessária a ocupação de nova parcela de terra. Dessa nova ocupação realizada ainda no

ano 1997, resultaria no ano seguinte o P.A. Marcos Freire, onde foram assentadas 604

famílias em mais 10 mil hectares.

O grande número de famílias que conformavam os Projetos de Assentamento Ireno

Alves e Marcos Freire, foi a base para que se perseguisse a luta pela Reforma Agrária na

região Centro-Sul, onde, de forma paulatina, novas famílias se uniram, possibilitando assim

a ocupação de novas terras, fazendo avançar o processo. Um desses casos, seria o P.A.

Celso Furtado que depois de um histórico de seis anos de luta e resistência, foi efetivada a

arrecadação de 25.038,90 hectares de terra para fins de Reforma Agrária no dia 10 de

novembro de 2004, data importante que marcou o destino de 1095 famílias.

40

2.3. Contexto sócio-econômico do Município de Quedas do Iguaçu

O município de Quedas do Iguaçu está localizado na Mesorregião Centro-Sul do

Estado do Paraná, em uma microrregião de transição entre as Mesorregiões Centro-Oeste e

Sudoeste. Abrangendo uma área de 827,928 km, foi desmembrado do território de

Laranjeiras do Sul em 1968, fazendo limites administrativos com os municípios de:

Catanduvas, Guaraniaçu, Espigão alto do Iguaçu, São Jorge do Oeste, São João, Três

Barras do Paraná, Cruzeiro do Iguaçu, Sulina e Rio Bonito do Iguaçu.

41

O município de Quedas do Iguaçu apresenta uma característica semelhante ao

comportamento do Território Cantuquiriguaçu6

Dessa forma, Quedas do Iguaçu tem tido um movimento populacional negativo de

1991 a 2000, nesse período se retiraram do município 4145 pessoas. A partir de aí até o ano

de 2007 houve novamente um acréscimo populacional de 2717 pessoas, provavelmente

com a criação do Assentamento, como mostra o gráfico 04. Atualmente residem no

município 30.065 habitantes, destes, 20.987 na zona urbana e 9.618 no campo.

, o rítmo de crescimento populacional da

maior parte dos municípios vem sendo baixo, notando-se a ocorrência de inúmeros casos de

decréscimo absoluto de população.

Gráfico 04: evolução da população do município de Quedas do Iguaçu durante os anos de

1991 a 2007

31.509

30.444

27.364

30.181 30.065

25.000

26.000

27.000

28.000

29.000

30.000

31.000

32.000

1991 1996 2000 2007 2010

Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2010.

Segundo o IDH-M, o município de Quedas do Iguaçu tem índices um pouco

melhores que a média do Estado, ainda assim, longe de ser satisfatórios:.

Tabela 06: Índices de Desenvolvimento de Quedas do Iguaçu

6 Sobre o crescimento da população do Território Cantuquiriguaçu, ver IPARDES, 2007

42

Informação Índice

IDH – L (Longevidade) 0,737

IDH – E (Educação) 0,839

IDH – R (Renda) 0,664

Fonte: IBGE – IPARDES Cadernos Estatísticos Municipais 2011 Organização: Elder José Marcelites : Analisando especificamente o índice de educação, percebemos um grave problema

que é ainda um desafio a ser superado, tendo em vista que não compete apenas à jurisdição

municipal, mas também estadual, e se refere ao grande número de analfabetismo na

população acima de 15 anos de idade. Quanto maior for a idade, maior é o número de

analfabetos, chegando a um patamar de 34% da população a cima de 50 anos, apresentado

pelo IBGE (2000).

Para melhor compreendermos essa questão, a partir dos dados do IPARDES (2011),

trazemos presente um panorama geral da educação no município, onde mais uma vez

percebe-se claramente um abandono por parte dos governos na questão da Educação de

Jovens e Adultos (EJA), a tabela 07 denuncia essa falha Nesse sentido, se compararmos os

números de matrículas por etapas de aprendizagens, percebemos que na do EJA, há muito

que aumentar.

Tabela 07: Matrículas no Ensino Regular segundo dependência administrativa - 2009 no município de Quedas do Iguaçu - PR

Dependência Administrativa

Fundamental Médio EJA

Estadual 2.646 1.582 649 Municipal 3.197 - - Particular 87 17 - Total 5.930 1.599 649 Fonte: IPARDES – Cadernos Estatísticos Municipais 2011 Organização: Elder José Marcelites

Definitivamente esse não é, e nem será, um caminho a ser percorrido por uma

sociedade que tanto se refere à educação como sendo fundamental para o desenvolvimento

humano.

43

Mais adiante no próximo item abordaremos o assunto, fazendo uma relação com a

proposta da Educação do Campo no Assentamento que tem como princípio a valorização

do ser humano que trabalha no campo enquanto classe social.

Mudando de assunto, do ponto de vista econômico, as principais atividades do

município é a de serviços, representando 64% do seu PIB. A segunda é agropecuária

representando 21%, e a terceira de caráter industrial, onde se destacam os ramos da

transformação da madeira e confecção de vestuário (malharias), com 15% do total. Como

mostra a Tabela 08:

Tabela 08: Valores adicionados, segundo ramos de atividades no município de Quedas do Iguaçu - 2008

Ramos de atividades Valor (R$ 1000,00) %

Agropecuária 47.793 21

Indústria 37.510 15

Serviços 142.911 64 Fonte: IBGE, Cadernos Estatísticos Municipais 2011

Tecendo um pequeno comentário em relação aos setores industrial e agrícola, os

quais agregam menor participação no PIB municipal, dessa forma, iniciando pela

caracterização das industrias, duas unidades de transformação de matérias-primas em

produtos manufaturados praticamente conformam esse setor, que são a Araupel na extração

de madeiraa para a fabricação de celulose e papel, e também das malharias na confecção de

roupas.

O setor agropecuário, tem se caracterizado de duas formas: as médias e grandes

propriedades de terras, onde a produção é realizada pela monocultura, voltada à produção

de commodities visando o mercado externo, e aquelas de base familiar camponesa, na

produção de alimentos que geralmente são consumidos na própria região.

Nos últimos anos, com a criação do Assentamento, a produção de alimentos de

primeira necessidade aumentou significativamente, principalmente o feijão, leite e a

mandioca. A comercialização desses produtos acontece no município e na região,

geralmente o feijão é no município, a mandioca seu principal destino é uma fécularia no

44

município de Três Barras do Paraná. O leite é coletado in natura na própria casa dos

camponeses, realizado por vários laticínios da região que repassam para empresas maiores.

No entanto, fazendo uma pesquisa dos cinco produtos mais cultivados no município,

percebemos que dentre esses produtos citados, apenas o feijão faz parte desse conjunto.

Com uma metodologia de maior abrangência por áreas de plantio, da quantidade produzida

em grãos e, também dos valores adicionados a cada produto, observamos uma situação

bastante similar à que está posta no Território. Assim, o gráfico 05 revela que a soja

abrange a maior área, seguida do milho, já o feijão e trigo tem áreas menores de plantio. E

por último o fumo, com apenas 1% do total da área.

Gráfico 05: Área plantada com os principais produtos no município de Quedas do Iguaçu - 2009

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2009

(Dados agrupados SIDRA).

Em relação à quantidade produzida em toneladas, há alterações na composição dos

produtos em relação à primeira situação. Neste gráfico 06, o milho aparece como sendo o

produto que mais rende, somando-se mais da metade, em seguida a soja. O feijão tem a

mesma quantidade do trigo, no entanto com uma pequena porcentagem a mais de solo

cultivado. O fumo continua com a mesma cifra do gráfico anterior.

Gráfico 06: Produção em toneladas dos principais produtos em Quedas do Iguaçu - 2009

Área plantada - 2009

3960; 13%

264; 1%

9510; 30%14615; 46%

3000; 10%

FeijãoFumoMilhoSojatrigo

45

Produção em toneladas - 2009

41795%

4311%

4584753%

3060536%

45005%

FeijãoFumoMilhoSojaTrigo

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário 2009 (Dados agrupados SIDRA)

Neste quesito, a soja é a cultura que adiciona o maior valor, representando 52%,

enquanto o milho que aparece em segundo lugar com 30%. O feijão 11% e o fumo agregam

4% do valor enquanto o trigo 3%.

Gráfico 07: Valor adicionado bruto nos principais produtos cultivados no município de Quedas do Iguaçu em (R$ 1000,00)

Fonte: Censo Agropecuário 2009 (Dados agrupados SIDRA)

A partir dessa configuração produtiva posta no município, reforça novamente a

hipótese de uma supremacia das culturas de soja e de milho na região, já relatado neste

trabalho.

Valor adicionado em (R$ 1000,00)

4597; 11%

1550; 4%

12837; 30%22954; 52%

1350; 3%

Feijão

Fumo

Milho

Soja

Trigo

46

As causas dessa estrutura produtiva, certamente estão ligadas aos pilares da

produção visando o mercado externo, da monocultura, e da propriedade privada da terra em

grandes extensões, sendo característico do processo colonial e de povoamento do

Território. 2.4. Dinâmica territorial do Assentamento

A forma de organização social das famílias assentadas no Celso Furtado está

vinculada às formas de organização do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Terra)

do Estado do Paraná.

Na prática, isto quer dizer que o elemento de referencia na estruturação social é a

unidade familiar. Desse modo, a cada 10 famílias é um grupo (também chamado de grupo

de base), a união de cinco grupos forma uma brigada de 50 famílias. Nessa mesma lógica, a

composição de uma brigada de quinhentos, é formada por dez grupos de cinqüenta famílias.

Nesse sentido, com 1095 famílias assentadas no maior Assentamento do Paraná em

número de famílias, existem duas brigadas de quinhentas famílias, sendo a Mao Tse Tung

que compõe as famílias do antigo Acampamento do Silo, e a brigada Padre Josimo Tavares,

do Acampamento da Bacia, tem possibilitado a realização das ações de implementação das

políticas públicas, e sob tudo de reprodução enquanto classe.

Esta organização social das famílias reflete significativamente no grau de submissão

ou superação do modelo hegemônico. Com tudo, compreendendo os conflitos e as disputas

estarem presentes em todos os espaços, o que não é diferente neste caso, há uma sinalização

evidente para mudanças principalmente nos processos produtivos e educacionais.

Daí a importância de abordar o desenvolvimento a partir dos aspectos da produção

e da educação, na nossa compreensão, são os dois temas centrais na discussão de um

projeto com vias de autonomia dos camponeses, sem dúvida sendo elementos convenientes

e oportunos para uma reflexão sobre a realidade do local.

Dessa forma, as lutas dos Movimentos Sociais do campo, por emancipação política,

cultural e de trabalho, devem se pautar por esses princípios fundamentais, que além do mais

estão intrinsecamente relacionados, ou seja, não existe um sistema de produção com certa

autonomia do modelo vigente, sem que haja ações planejadas e estratégicas dos agentes

sociais num determinado espaço geográfico, o que coloca a educação em um papel

fundamental.

47

Abrindo mais o leque dessa discussão com um olhar voltado para o sistema de

produção do Assentamento enquanto proposta coletiva, percebemos que anida é um

embrião, podemos dizer assim, de mudanças. Com algumas limitações, é claro,

principalmente na execução da proposta de manejo sustentável das áreas de cultivo

agroflorestais, onde o avanço de empresas madeireiras da região fere a imagem da luta pela

terra e da organização das famílias. Ou na produção agrícola de commodities, que colocam

em xeque um sistema de produção com viés de autonomia dos camponeses, no que diz

respeito ao trabalho e modos de vida.

Mas por outro lado, tem avançado a proposta de Educação do Campo, que tem

como princípios os seus múltiplos aspectos, vindo assim, de forma paulatinamente

contribuir na superação desse dilema, forjando um espaço de resistência e de identidade.

2.4.1. Educação como forma de resistência

Como dito anteriormente, a educação sempre foi um dos pilares da luta pela terra,

uma bandeira de luta do MST, tendo como princípio os aspectos políticos e culturais dos

sujeitos, da valorização do ser humano inserido em determinadas condições sociais, num

determinado espaço geográfico.

Partindo desse pressuposto, a luta dos camponeses do Assentamento Celso Furtado

por educação teve início ainda na época dos acampamentos da Bacia e do Silo. Com um

número bastante significativo de crianças sem escola, os trabalhadores juntamente com o

Setor de Educação do MST7

O jornal Paraná Online cumpriu o evento, veja reportagem completa a baixo:

, reivindicaram junto ao poder Executivo do Estado, o direito

de seus filhos estudar no próprio Acampamento. De fato foi o que aconteceu, no dia 30 de

outubro de 2003, o Secretário de Educação do Estado do Paraná na época, Maurício

Requião, oficializou as Escolas Itinerantes em um ato público no Acampamento do Silo,

sendo a Escola Chico Mendes, a primeira delas. Esse momento histórico significou um

grande avanço no processo de luta e de resistência, não somente das famílias acampadas na

área, mas também do MST no Estado do Paraná.

7 Sobre o Setor de Educação do MST e uma descrição e análise mais detalhada da trajetória histórica da relação do Movimento com as escolas, pode ser encontrada em CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. Vozes, 2000

48

Paraná Online, 31/10/2003 - Acampamento do MST ganha primeira Escola Itinerante do Paraná. As crianças que moram no acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na Fazenda Araupel, em Quedas do Iguaçu, vão voltar para sala de aula. Ontem, o secretário de Estado da Educação e presidente da Fundepar, Maurício Requião, inaugurou a primeira Escola Itinerante do Paraná. Criado a partir de um convênio entre o Movimento e a Secretaria, o projeto prevê que se os acampados mudar de região a escola vai junto, possibilitando que os alunos tenham um ensino continuado. “É necessário que todas as crianças do Paraná tenham acesso a escola e isso não pode ser diferente com essas que vivem nos acampamentos”, afirmou o secretário. É uma questão de cidadania, completou.O projeto também será desenvolvido em outro acampamento em Quedas do Iguaçu, Cascavel, Espigão Alto do Iguaçu e em General Carneiro. Inicialmente, no acampamento 10 de maio, como é conhecido o da Fazenda Araupel, serão atendidas 600 crianças em idade escolar. Além disso há turmas de educação de jovens e adultos cujas aulas já foram iniciadas.

Para possibilitar o acesso das crianças à escola, a Fundepar levou equipamentos como mesas, carteiras, caixas d água, lousas, mangueiras, armários e até lonas para cobrir as salas de aula.

A coordenadora da Educação do Campo na Secretaria da Educação, Sônia Schwendler, explicou que o projeto prevê que todos os alunos das escolas itinerantes serão matriculados em uma escola base, a Escola Estadual Iraci Salete Strozack, que fica no assentamento Ireno Alves, em Rio Bonito do Iguaçu. “As crianças vão fazer a matrícula na escola itinerante, que vai enviar os formulários para a escola-base”, afirmou. “Dessa forma nós vamos ter um controle do fluxo de alunos e do rendimento”, completou. Sônia disse ainda que, ao contrário das demais escolas, nas itinerantes, os alunos não cumprem series específicas, mas etapas. “As quatro séries do ensino básico são feitas em duas etapas. Da 5ª à 8ª séries são mais duas etapas”, explicou. Segundo ela, as férias também poderão ser diferenciadas, de acordo com o calendário de cada escola. Isso significa que os alunos das escolas itinerantes podem concluir o ensino fundamental antes dos alunos das demais escolas.

Dessa forma, mediante a luta por políticas públicas que garantam o direito dos

camponeses a ser educados no lugar onde vivem e, acima de tudo, pensada com a

participação desses próprios camponeses, passou a fazer parte do Movimento que vem

incorporando essa dinâmica como estratégias de luta, como afirma CALDAT (2004),

argumentando:

Podemos afirmar hoje que o MST incorporou a escola em sua dinâmica, e isto em dois sentidos combinados: a escola passou a fazer parte do cotidiano e das preocupações das famílias Sem Terra, com maior ou menor intensidade, com significados diversos, dependendo da própria trajetória de cada grupo, mas inegavelmente

49

já consolidada como sua marca cultural: acampamento e assentamento dos sem terra do MST têm que ter escola e, de preferência, que não seja uma escola qualquer; e a escola passou a ser vista como uma questão também política, quer dizer, como parte da estratégia de luta pela Reforma Agrária, vinculada as preocupações gerais do Movimento com a formação de seus sujeitos”. (CALDART, 2004. P, 92).

Concomitantemente com a autora, a escola passou a fazer parte do cotidiano das

pessoas, seja nos momentos de reuniões, de lazer, etc. Nesse sentido, a escola passa a ter

um caráter político formador de seus sujeitos. Sendo geograficamente localizado dentro do

próprio espaço físico do Acampamento, possibilitou ampla interação entre comunidade e

escola.

Nesse propósito, os professores eram os próprios acampados ou então seus filhos,

obrigatoriamente com o ensino médio sem ter a necessidade de experiência em docência,

mas contudo, com dinâmica de luta e organização social. Entretanto, o Estado através da

Secretaria de Estadual de Educação (SEED), capacitaria os educadores de pré-escola até a

4ª série. Divididas em dois ciclos (1º e 2º ciclo do ensino fundamental), as demais séries

também com organização curricular em ciclos, os educadores eram oriundos da cidade de

Quedas do Iguaçu, com graduação ou cursando.

Os alunos eram devidamente matriculados nas Escolas Itinerantes e depois

encaminhados os documentos para a Escola Estadual Iraci Salete Strozack, denominada de

escola-base, localizada no Assentamento Ireno Alves dos Santos, no município de Rio

Bonito do Iguaçu, do Iguaçu.

Com a transformação da área em Assentamento e as famílias assumindo seus lotes,

houve a necessidade da criação de mais dez novas Escolas Itinerantes em dez comunidades.

Desta vez, somente de 1ª a 4ª série, quanto ao Ensino Fundamental e Médio, continuaria

nas Escolas Chico Mendes e Olga Benário.

Estas Escolas permaneceram como Itinerantes por quatro anos, dois anos de

Acampamento e dois de Assentamento. No caso de Assentamento, foi durante o processo

de transição de Itinerante para Estadual ou Municipal, ou seja, a Secretaria Estadual de

Educação se responsabilizaria pela estrutura física das Escolas Chico Mendes e Olga

Benário, enquanto a Organização Política e Pedagógica continuaria com responsabilidade

das famílias e educadores. Para os primeiros anos do Ensino Fundamental, a prefeitura

50

assumira também a responsabilidade da construção do prédio destas, realizando concurso

público para a contratação de educadores.

Atualmente, as dez escolas que a prefeitura assumiu são de alvenaria, as outras duas

de responsabilidade do Estado, a Chico Mendes terá inicio na construção do prédio a partir

do mês de outubro de 2011, sendo uma Escola modelo para a Educação do Campo na

Região, contendo 16 salas de aulas, quadra coberta, e garagem. Quanto a Olga Benário, está

em processo de licitação.

A partir desse contexto, podemos destacar que o êxito da luta pela educação no

Assentamento, só foi possível com a unidade das famílias das duas brigadas. Engajadas

num objetivo em comum, estas reivindicavam nos poderes públicos tanto municipal,

estadual e até federal, a realização desse sonho que aos poucos está se tornando realidade.

Concluído o histórico de luta pela educação, a partir de estão, faremos uma reflexão

mais teórica do papel da escola na comunidade e vice-versa. Inicialmente penso que não

existe escola sem comunidade e menos comunidade sem escola. Dessa forma, a luta pela

criação da ou das escolas tanto no Acampamento e Assentamento, dá-se não somente pela

necessidade das crianças estudarem, mas também como um espaço político-educativo e

formativo das famílias. O fato pelo qual vieram a reivindicar o direito a educação, por si só

já é un momento educativo, almejando o direito à manutenção da cultura e da identidade.

Nas análises de Arroyo (2004), esse é um processo que se vivencia no campo atualmente,

em defesa dos modos de viver e trabalhar na terra: A defesa dos movimentos do campo por uma urgente política pública traz como lúcida motivação a defesa de sua permanência na terra. Conseqüentemente, a defesa de sua cultura, identidade, saberes, valores. A defesa de sua vida. A defesa de políticas públicas de educação dá às políticas e ao seu trato público um enraizamento na defesa de sua continuidade humana como coletivos sociais”. (ARROYIO, 2004. P. 96).

Portanto, a educação na perspectiva dos Movimentos Sociais do campo, tem como

princípio os aspectos políticos dos sujeitos concretos inseridos em determinadas condições

sociais, num tempo histórico.

Um projeto educacional que tenha como princípio a multidimensionalidade, deve

de antemão levar em consideração os aspectos culturais dos grupos sociais. Aí que o papel

da Educação do Campo com sua especificidade vem a completar essa lacuna, onde os

51

sujeitos sociais agem ativamente na construção de sua proposta que almeja objetivos da

valorização do ser humano enquanto classe. Ao contrário da educação formal que não dá

conta desse desafio.

Nesse sentido, tomando como exemplo os índices de analfabetismo do Território

Cantuquiriguaçu e de Quedas do Iguaçu, percebemos que isto é um dilema real. Para se ter

idéia do problema, segundo o IBGE (2000), o analfabetismo do Território na faixa etária da

população acima de 15 anos de idade, é de 14,4%, e no município 13,9% como mostra

tabela 09. Pior ainda, quanto mais idade, maior é o índice, na população acima de 50 anos

34% são analfabetos.

Tabela 09: Taxa de analfabetismo do município de Quedas do Iguaçu, segundo faixa etária - 2000

Faixa etária (anos) Taxa (%)

De 15 ou mais 13,9

De 15 a 19 2,7

De 20 a 24 4,4

De 25 a 28 6,9

De 30 a 39 9,0

De 40 a 49 16,0

De 50 e mais 34,0

Fonte: IBGE – Censo Demográfico 2000

Organização: Elder José Marcelites

Esse conjunto de números nos chama a atenção pelo motivo de que quanto mais

aumenta a faixa etária de idade, os índices de analfabetismo também aumentam.

Poderíamos então dizer que a exclusão desses sujeitos, vítimas do desenvolvimento das

forças produtivas, é uma exclusãoem vários âmbitos.

No entanto, nos sentimos inquietos quando a realidade é desvendada em nossos

olhos, isto vem a explicar o porque do município e do Território, possuir vários índices tão

baixos, principalmente de pobreza, já relatados nesse trabalho.

Voltando ao assunto, a crítica que se faz necessária, ao sistema educacional adotado

pelo município, mas que é um problema também do Estado e da estrutura social que está

52

posta na sociedade, é de um sistema com múltiplas limitaços que se convertem em

exclusões e que se convertem em desafios a serem superados. Assim, a proposta de

Educação do Campo no assentamento te um longo caminho a percorrer. No entanto, sendo

mais visível de superação, sobretudo, onde os sujeitos contribuem ativamente no processo,

não importando a faixa etária de idade.

Portanto, a lição que fica, é que não há possibilidade da existência de

desenvolvimento que não seja pautado pelos sujeitos organizados em determinados espaços

geográficos através de um processo de formação.

2.4.2. Caracterização dos sistemas produtivos no Assentamento Celso Furtado A organização produtiva do Assentamento está organizada em diferentes formas,

tendo como princípio o fortalecimento da agricultura camponesa, como fração geradora de

trabalho e renda, e da valorização dos saberes populares.

Primeiramente, podemos destacar o cultivo de espécies florestais devido à grande

concentração de madeira para reflorestamento, como pinus, araucária e eucalipto, que

ocupam uma área equivalente a 30% de todo o Assentamento. No total, 527 famílias vivem

em áreas mistas, ou seja, composto de madeira e outras espécies vegetais. Essas parcelas

mistas correspondem aos locais aonde a empresa que detinha a posse da terra, realizou

anteriormente o raleio da madeira. Também conhecidas como unidades de paisagem, a

produção está baseada nas atividades agroflorestais, além da produção voltada para o

autoconsumo, como: arroz, feijão, mandioca, milho, entre outros.

Ainda para as unidades de paisagem predominantemente demarcadas pelo plantio

comercial de madeira, a extração é realizada segundo o projeto de manejo sustentável,

acordado com o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), o Instituto Nacional de Colonização e

Reforma Agrária (INCRA) e as famílias assentadas nestas parcelas. Entretanto, este acordo

em muitos casos não tem sido cumprido por parte de alguns assentados, no que se refere à

extração ilegal de madeira.

Nos lotes onde há predominância de pinus, os assentados também podem optar pela

alternativa de extração de resina das árvores, em um processo bastante semelhante ao das

seringueiras. A colheita leva cerca de setenta dias e a resina serve como matéria-prima para

aplicações diversas, como fabricação de sabonete, verniz, cola e até amaciante de roupas.

53

Correspondendo à segunda matriz tecnológica, ocupando uma área equivalente a

24,46% da área total do Assentamento, segundo a COTRARA (2005), a agricultura divide-

se em dois modelos: convencional e agroecológico/orgânica.

Na agricultura agroecológico/orgânica, as 109 famílias que fazem parte dessa matriz

produtiva, 87 localizam-se da brigada Mao Tse Tung, e 21 na brigada Padre Josimo

Tavares, têm tido esforços para manterem e desenvolverem esse modelo de produção no

Assentamento. Estas famílias estão tendo dificuldades para comercializar seus produtos,

pois não existe um mercado organizado na região, ou seja, compradores da produção, tendo

em vista que a base fundamental do assentamento é o leite e os grãos.

Atualmente a comercialização de grãos, é realizada com empresas cerealistas, ou

seja, estabelecimentos que compram os produtos, passam por um processo de secagem e

revendidos, geralmente no mercado externo. Assim, o que se constata é uma dependência

dos agricultores em relação às empresas financiadoras dos insumos agrícolas. Para a

comercialização do leite, que é coletado na variedade in natura nas próprias casas dos

agricultores, são laticínios da região que geralmente repassam para empresas maiores como

a Parmalat e a Nestlé, entre outras.

No modelo convencional, a comercialização pode ser realizada logo após a colheita,

no entanto, esse modelo de produção, tem se caracterizado ineficaz devido aos altos preços

dos insumos agrícolas. E por último, podemos destacar como outra fonte de renda

importante para 45 famílias assentadas: a criação de tilápias em tanques redes no lago da

usina hidroelétrica de Salto Osório, que faz limite ao Sul com o Assentamento.

Sendo um projeto pioneiro na região em convênio entre assentados, Universidade

Federal da Fronteira Sul (UFFS) de Laranjeiras do Sul e também com a equipe técnica do

Ates, essas famílias formaram a Associação de Piscicultores Ecológicos de Quedas do

Iguaçu (APEQ) com 150 tanques de tilápias.

Concluindo, a determinação das diversas atividades produtivas, deu-se pelas

características e potencialidades da região e do lugar, elaborado e encaminhado a partir dos

debates com as famílias no Plano de Desenvolvimento do Assentamento (PDA). Dessa

forma, o processo de escolha de cada assentado pela forma de produção a ser desenvolvido

no Assentamento foi pela afinidade dessas atividades.

54

A partir desse contexto que se apresentam os sistemas produtivos no Assentamento,

apesar de todos os seus limites já apontados, se vislumbram mudanças. Dessa forma,

percebe-se a incorporação de novas atividades e organização produtivas, como por

exemplo: a produção de leite ganha espaço; a preocupação das famílias dos lotes

agroflorestais, de realizar a atividade de forma sustentável e da criação de peixes em

tanques redes, tendo em vista que estas atividades serem desenvolvidas em forma de

associações, conotam um cenário novo.

Em entrevista com a engenheira florestal Taís Ribeiro Lima, representante da equipe

técnica do Ates, que desenvolve no Assentamento um trabalho de assistência técnica social

e ambiental aos assentados, confirma essa dinâmica de organização produtiva.

[...] associações têm diversas dentro do Assentamento, normalmente cada comunidade tem a sua...e, principalmente na que eu trabalho mais com o pessoal da madeira. O pessoal da madeira tem uma central de associações, não chega a ser uma cooperativa, mas é uma central, que reúne todas as pequenas associações ligadas a exploração da madeira, e ao plantio de novas áreas, que é a CACEF, é a gente que ajuda a organizar a fomentar essa organização, porque a gente não vai estar mais aqui um dia e eles têm que aprender a se virar. Agora cooperativa, eu houvi o pessoal falando de uma cooperativa que está sendo montada. (Entrevista realizada em 27/06/10).

Portanto, nos permite pensar em algo que se apresenta como mudança, sabendo-se

ser um processo lento, mas que é visível e em andamento, contudo, sendo fruto da

formação política e cultural desde a época de acampamento.

Neste sentido, o modo de vida e a prática social dos camponeses apontam para uma

resistência que não está em curso em enfrentamentos amplos, mas importantíssimas para o

Assentamento como trincheira de luta contra esquemas de dominação do modo de produção

capitalista.

O fato pelo qual os camponeses assentados procuram incorporarem em suas

atividades novas formas produtivas cada vez menos dependentes, como está explícito na

fala da Taís, vislumbra um momento de mudanças prático não visto anteriormente.

Contudo, organizada e pensada pelo conjunto dos setores do Movimento dos Trabalhadores

Rurais Sem Terra, que tem possibilitado essas conquistas.

55

CAPÍTULO 3. A política pública do DTR como mecanismo de controle social

Neste capítulo, abordaremos uma reflexão acerca das políticas públicas do

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), para o desenvolvimento dos territórios

escolhidos como prioritários, através do Programa Territórios da Cidadania. Nesse sentido,

buscamos realizar nossas observações desde o seu ponto de partida até o seu

desencadeamento na escala do local.

Primeiramente apresentamos uma análise sobre o que consiste a política de DTR,

bem como dos seus objetivos e metodologia de trabalho. Num segundo momento,

procuramos compreender os resultados dessas políticas visualizados até então no território.

Dessa forma, comparando o montante destinado nos últimos três anos do programa em

relação a aplicação e a execução desses recursos. Finalmente, dentre essas políticas,

analisamos aquelas que beneficiem o Assentamento, analisando na perspectiva de

desenvolvimento atrelado à autonomia, mas também as que contribuem para a reprodução

do sistema.

Assim, no capítulo quarto, as reflexões e análises apresentadas partem da escala

nacional até a local, para entender em que consistem essas políticas públicas e os conflitos

gerados.

3.1. Descrição da política do DTR

O território do DTR no Brasil ganha estrutura a partir da Secretaria de

Desenvolvimento Territorial (SDT), que foi criada em 2003 pelo Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA), como um instrumento de apoio ao Programa de

Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais, concentrando seus esforços no

fortalecimento dos órgãos colegiados, formados pelos conselhos Estaduais e Nacionais.

Dessa forma, tem como finalidade promover e apoiar as iniciativas da sociedade

civil e dos poderes públicos, em prol da redução das desigualdades regionais. Nesse

sentido, atua como uma estratégia de integração dos territórios considerados prioritários

pelo Programa para implementação das políticas públicas. Contudo, tendo como princípio

os aspectos econômicos de cada região.

No documento institucional denominado de Referencias para o Apoio ao

Desenvolvimento Territorial, criado pelo MDA em 2004se afirma que a missão da

56

Secretaria de Desenvolvimento Territorial é definida no sentido de “apoiar a organização e

o fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão participativa do

desenvolvimento sustentável dos territórios rurais e promover a implantação e integração

de políticas públicas”.

A partir desse discurso, a propaganda da política pública é a construção de um

desenvolvimento atrelado aos aspectos culturais e ambientais, como promotores do

crescimento econômico. Nesse sentido, dois aspectos merecem total atenção nessa

promessa inovadora de redução das desigualdades sociais, a valorização dos atores sociais e

as dinâmicas próprias do território, seja elas socioeconômicas ou ambientais.

Dessa forma, em primeiro lugar, os argumentos da valorização dos atores sociais,

nada mais é do que umas sistematizações estratégicas de controle social, em colocar os

conhecimentos das populações do território no circuito mercadológico. Contudo, ainda

sendo um mecanismo de inculcar nas populações possíveis soluções para os problemas

estruturais que lhe afetam. Em segundo lugar, das dinâmicas próprias do território seja

sociais, econômicas ou ambientais, significam uma clara tentativa de transformação da

biodiversidade em recursos naturais, e da população em consumidores.

Então, não há nada de novo nesse processo, a continuidade e homogeneidade são as

características principais na essência desse modelo de desenvolvimento. Para Montenegro

Gómez (2006), a política pública do desenvolvimento territorial no Brasil, com ênfase nos

territórios, define-se como: A tendência do capitalismo e à acumulação e a perpetuar-se, através da manutenção de certo grau de desigualdades. O desenvolvimento funcionaria como esse regulador da desigualdade tolerável, tanto na prática como no discurso. Políticas de desenvolvimento que transfiram certo volume de recursos para paliar as situações mais urgentes e discurso de preocupação com a pobreza, com o meio ambiente etc., fazem parte dessa “regulação” que o desenvolvimento oferece ao sistema capitalista, assegurando sua continuidade, sem necessidade de mudanças estruturais. (MONTENEGRO GÓMEZ, 2006, p. 346).

Concomitantemente com o autor, o discurso do desenvolvimento social orienta-se

pelo âmbito do bem-estar-social da população, através da participação e gestão como forma

de cidadania, inculcando nessas populações a possibilidade de superação das mazelas que o

afetam, ao mesmo tempo adota um perfil de responsabilizar os pobres pelos seus próprios

57

problemas, oferecendo-lhes melhorias como forma de resolver a situação sem que haja

mudanças estruturais.

Da mesma forma, FABRINI (2008) reforça a idéia de que formão modo de

desenvolvimento através da participação e da gestão social, está pautado nas oportunidades

de negócios e da inserção dos sujeitos sociais no mundo da mercadoria, como se fosse o

consumo um fator de civilização, como indaga o autor:

Na essência, esse desenvolvimento (DTR) expressa uma compreensão marcado pela criação de oportunidades de negócio (como se o mercado criasse oportunidades iguais a todos) por meio da potencialização de competitividades. O desenvolvimento, nessa perspectiva, está pautado na inserção no mundo da mercadoria, ou seja, o desenvolvimento existe quando se eleva a capacidade de produzir e consumir. (FABRINI, 2008, p. 257.)

Portanto, o desenvolvimento é visualizado como um meio para alcançar padrões de

consumo de sociedades consideradas desenvolvidas. Nesse sentido, a intervenção do Estado

na forma de políticas públicas, visa a modernização da base técnica e o crescimento

econômico das populações locais.

Por mais que a proposta aborde preocupações com aspectos diversos além do

econômico, mas também sociais, políticos, culturais, etc, isso tudo se limita no discurso.

Como já sabemos, o sistema capitalista é excludente pela sua própria existência, portanto os

aspectos que não possuem princípios mercadológicos, certamente deixam de existir.

Na essência, o desenvolvimento visualizado e pensado como medidas paliativas

significa de antemão distribuir melhorias visando não permitir que o sistema exclua

totalmente os pobres desfavorecidos. Assim, baseia-se em relações de confiança, de

solidariedade entre os atores que participam do processo. Todavia, em muitos casos

acontece submetendo aos sujeitos sociais ao continuísmo, portanto fadada ao fracasso.

3.2. Projetos no Território Cantuquiriguaçu

Tomando como referência da análise os dados apresentados pelo programa

Territórios da Cidadania no seu portal de transparência, foi possível analisar parte dos

recursos executados entre os anos de 2008 a 2010, isto por haver apenas informações

detalhadas do ano de 2010. Em relação aos anos anteriores, apresenta informações com os

58

valores e ações a serem previstas, e também do total executadas, não especificando que tipo

de ações foram realizadas e os ministérios que as realizaram. No entanto, percebemos que

são montantes considerados elevados. Como mostra tabela a baixo.

Tabela 10: Total de investimentos e ações previstos para o Território Cantuquiriguaçu

ANO INVESTIMENTOS AÇÕES 2010 195.202.109,99 114 2009 188.204.261,61 79 2008 156.983.440,65 70 Fonte: www.mda.gov.br/cantuquiriguaçu Org: Elder Jose Marcelites

Comparando os dados da tabela 05 para a tabela 06 percebe-se que dos montantes

disponíveis e das ações planejadas, em todos os anos houve sobra de dinheiro e as ações

não foram todas executadas.

Para o ano de 2010, foram previstos investimentos totais de R$ 195.202,109,99 em

114 ações, no entanto, apenas R$ 127.727,103,51 foram executados em 56 ações. Desta

forma, em 2009 R$ 188.204.261,61 com 79 ações, sendo executados R$ 148.387.972,20.

Em 2008, R$ 156.983.440,65 com 70 ações, com um saldo total gasto R$ 136.857.138,44

em 67 ações executados, como mostra tabela.

Tabela 11: Total de investimentos e ações executados no Território Cantuquiriguaçu-Pr. ANO INVESTIMENTOS AÇÕES 2010 127.727.103,51 56 2009 148.387.972,20 69 2008 136.857.138,44 67 Fonte: www.mda.gov.br/cantuquiriguaçu Organização: Elder Jose Marcelites

Esses recursos disponíveis para o Território Cantuquriguaçu devem

obrigatoriamente seguir as determinações da estrutura operacional do Programa Territórios

da Cidadania. Neste sentido, o Programa estabelece as matrizes de desenvolvimento e as

organizações do Território, ou seja, os representantes públicos e da sociedade civil

organizada, estabeleceram os eixos de desenvolvimento, que foram os prioritários, e que a

partir dos quais de subdividem em temáticos.

No eixo dos prioritários destaca-se a importância da organização e o papel da

sociedade civil para o desenvolvimento, como na construção de alternativas visando elevar

59

os índices sociais. Nessa perspectiva, os projetos são de caráter de formação, como as

principais estratégias de potencialização humana.

Nos eixos temáticos as ações se referem aos aspectos do desenvolvimento

sustentável do território, o que de certa forma corresponde a projetos vinculados aos

sistemas produtivos.

Nesse propósito, no portal da transparência vinculado ao programa, aparece apenas

o relatório final do ano de 2010 no Território Cantuquriguaçu. Como mostra tabela abaixo.

Tabela 12: Projetos, Ações e valores executados no Território da Cidadania Cantuquiriguaçu em 2010

Eixos Estratégicos para o Desenvolvimento Ações R$

Direito e Desenvolvimento Social 8 33.729,242,77

Organização Sustentável da Produção 11 82.362,595,46

Saúde, Saneamento e Acesso à água 9 7.170,758,45

Educação e Cultura 11 1.381,575,14

Infra-estrutura 6 2.947,604,51

Apoio a Gestão Territorial 2 128.800,00

Ações Fundiárias 3 não informado

Total 50 127.727,103.51 Fonte: Fonte: www.mda.gov.br/cantuquiriguaçu Organização: Elder José Marcelites

O que mais chama a atenção nessa tabela, é o montante de dinheiro destinado à

organização sustentável da produção R$ 82.362,595,46, nesse sentido percebe-se uma

tentativa de estabelecer um rearranjo no setor produtivo.

Vale a pena destacar também, os valores destinados ao desenvolvimento do

território, onde todos os anos sobraram recursos. Nesse sentido, duas hipóteses poderão ser

levantadas. Primeiramente, do ponto de vista do crescimento econômico, poderíamos dizer

que a estrutura de gestão e operacionalização, não está correspondendo às expectativas do

Programa Território da Cidadania. Num segundo plano, parece ser o mais coerente, , é de

que os principais recursos existentes não têm contemplado os anseios da população

beneficiada.

60

Dessa forma, se analisarmos o maior volume no ano de 2010, R$ 82.362,595,46

sendo destinado a elevancar a produção, principalmente pelo fato da existência do grande

número de assentamentos. Digo isso não porque essa política não seja importante, muito

pelo contrário é um direito dos camponeses. A questão central que envolve a problemática,

é para quem e porque proporcionar esse modelo de produção.

Para completar nosso raciocínio, se faz necessário analisar o gráfico 08 abaixo, onde

percebemos que a partir da safra 2007/2008, houve uma queda acentuada no número de

operações do PRONAF, de 11.268 contratos para 5.580.

A explicação para tal contexto, certamente será pelo motivo do processo de

endividamento dos camponeses, que não conseguiram quitar suas dívidas dos anos

anteriores.

Gráfico 08: Evolução das operações do PRONAF, por safra de 2007/2008 a 2009/2010 no Território Cantuquiriguaçu

11.268

9.154

5.580

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

2007/2008 2008/2009 2009/2010

Fonte: CONDETEC, 2009 Organização: Elder José Marcelites

Fica claro que apesar de ser o maior volume de recursos destinado à produção, essa

linha de ajudas não tem proporcionado autonomia aos camponeses, muitos estão perdendo

suas terras. Isso explica o motivo da sobra de recursos todos os anos.

Dessa forma, é necessário pensar uma nova concepção para o campo, em que

contemple o camponês como sujeito social, organizado nas mais diversas formas de

61

cooperação. Sendo protagonistas de um desenvolvimento potencializador da terra e do

trabalho, num sentido de afirmar a autonomia camponesa.

Também é interessante perceber como uma ação fundamental no território, as ações

fundiárias, não tem informação disponível. O que mostra como a política de assentamentos

rurais se encontra em um momento de paralização.

Concluindo as análises sobre as políticas públicas no Território Cantuquiriguaçu,

focalizaremos no próximo subitem nossos esforços em compreender como esse processo

acontece na escala do local, ou seja, o Assentamento Celso Furtado.

3.3. Projetos que o Assentamento se beneficia

Como foi dito anteriormente, focalizaremos nosso esforço em compreender os

impactos das políticas públicas de DTR no Assentamento a partir do conjunto de

Ministérios vinculados ao Território da Cidadania Cantuquiriguaçu.

Dessa forma, primeiramente recorremos ao Projeto de Desenvolvimento (PDA),

elaborado pela Cooperativa de Trabalhadores em Reforma Agrária (COOTRARA). Esta

cooperativa foi criada pelos trabalhadores sem terra do Estado do Paraná, no mesmo ano

em que se discutiu com as famílias a proposta e elaboração do documento em 2005.

A partir dos recursos disponíveis no MDA (tabela 07) para cada família, na época

via INCRA, foi possível contabilizar o volume de recursos que somaram R$ 54.640,500,

em nove projetos. Destes, o PRONAF soma o maior valor, seguido da aquisição de

materiais para construção, atualmente em fase de final de implementação. Dos demais,

somente a instalação de luz elétrica e a construção e recuperação da malha viária, estão

concluídos.

62

Tabela 13: Valores de investimentos projetados para o PA Celso Furtado

Tipos de Projetos

População Beneficiada

Valor anual por família

Valor anual total (R$)

Fontes de financiamento

Projeto de recuperação ambiental

1095 1.000,00 10.950,000, 00 INCRA

PRONAF A – investimento

1095 21.000,00 22.995,000, 00 INCRA

Demarcação das parcelas

1095 400,00 438.000, 00 INCRA

ATES 1095 400,00 438.000, 00 INCRA PDA 1095 200,00 219.000, 00 INCRA PRA 1095 100,00 109.500, 00 INCRA Instalação e aquisição de materiais para construção

1095 15.000,00 16.425,000, 00 INCRA

Construção e recuperação da malha viária

1095 2.500,00 2.737,500, 00 INCRA

Energia elétrica 1095 2.000,00 219.000, 00 INCRA Saneamento básico

1095 1.000,00 109.500, 00 INCRA

Total 54.640,500, 00 Fonte: COOTRA, 2005. p. 266. Organização: Elder Jose Marcelites

Aparentemente, é um montante considerável. Do total, R$ 22.995,000,00 são

destinados à organização produtiva, o que chama a atenção nesses números, é que essas

políticas são impostas, sem levar em consideração as várias matrizes produtivas no

Assentamento. A produção orgânica, por exemplo, mais próxima das formas de cultivo

camponesasnão tem nenhum tratamento especial nessas ações. Ao contrário, o que está

acontecendo atualmente um desestímulo dos camponeses.

Outro fato a ponderar é o caminho pelos quais esses recursos passam até que chega

nas famílias. Primeiramente, sai do MDA através do Programa Nacional de Fortalecimento

da Agricultura Familiar (PRONAF); em seguida o INCRA é a instituição que determina o

momento de aplicação, e por último, o Território da Cidadania Cantuquiriguaçu aparece

63

como sendo executor dessas ações, neste caso o. Fica até difícil de compreender, mais é isto

mesmo, o dinheiro passa por duas instituições federais até o momento em que o assentado o

toma em mão. Mas então, qual é o papel do Território da Cidadania Cantuquiriguaçu?

Vejamos o que o Presidente do CONDETEC, senhor João Costa nos relatou em

entrevista:

Olha...o programa Territórios da Cidadania...na verdade...ele é um...é muito mais um canal de...de administração de políticas públicas que já existiam do que de criação de novas políticas e tudo mais...então...inclusive essa é a crítica que a gente tem feito ao programa... O Condetc além de ser um órgão pré-existente de gestão do território...em relação ao Territórios da Cidadania...ele é também o colegiado do programa Territórios da Cidadania...então é uma fusão porque senão você teria que ter um outro colegiado só para o programa...aí você cria um modo de colegiado e você tem “confusão” de gestão...então...a gente preferiu ficar com um colegiado só para fazer as duas coisas para fazer o processo que já existia e também...claro...para administra essa questão do PTC que é o Territórios da Cidadania...bom...é...nesse sentido que se dá a crítica...porque é um passo necessário que se dê... que é a matriz realmente...a matriz de ações do Territórios da Cidadania seja pré-discutido...pré-definido pelo território...por seu colegiado...mais não tem sido assim até agora...até o presente momento...(Entrevista realizada em 16/03/10)

Nota-se portanto que o Presidente do CONDETEC e também prefeito do município

de Porto Barreiro, dirige no mesmo momento três críticas diferentes ao programa.

Primeiramente, menciona o programa como se fosse apenas um canal de administração de

políticas públicas já existentes. Num segundo momento, faz referencia ao modelo de gestão

a ser adotado pelo território em forma de colegiado, o que não acabou acontecendo, nesse

sentido, o CONDETEC cumpriu as duas funções. E por último, em relação às matrizes

produtivas. João Costa é claro ao se dirigir às determinações do programa em relação ao

modelo de desenvolvimento a ser implementado.

Segundo o entrevistado, a política de desenvolvimento territorial rural, de certa

forma, enquadra o território num sentido de via única, por conseqüentemente

desencadeando e reproduzindo no Assentamento as mesmas condições sociais

hegemônicas.

Analisando as matrizes produtivas estabelecidas pelo MDA, aparentemente

contempla os anseios dos movimentos organizados, no entanto, todas sem exceção com

64

propósitos voltados ao sistema. Segundo o CONDETEC (2004. p.05), as 10 matrizes que

orientam as ações e os projetos de desenvolvimento no Cantuquriguaçu, são as seguintes:

1- Resgate a cidadania e garantia de acesso às políticas públicas;

2- Geração de postos de trabalho e renda;

3- Educação e alfabetização de jovens e adultos;

4- Capacitação em todos os níveis e setores;

5- Atração e retenção de profissionais das mais diversas áreas (professores,

agrônomos, veterinários, engenheiros, médicos);

6- Integração intersetorial dentro dos municípios e na região;

7- Parcerias e consórcios intermunicipais;

8- Parcerias com entes externos a região (Governos Federal, Estadual e ONGs);

9- Fomento a agroindustrialização na região;

10- Otimização no uso da infra-estrutura e recursos regionais (ferroeste, BR 277,

aeroporto, usinas e lagos).

Num primeiro momento, poderíamos dizer que essas matrizes contemplam as

expectativas da população do território. Visualmente, esse conjunto propiciador de

desenvolvimento, resolverá os problemas históricos existentes e que certamente reflete no

Assentamento.

Mas não, os processos acontecem de forma contraditória. Nesta lógica, muitas das

políticas públicas destinadas ao desenvolvimento do P.A. Celso Furtado, sem dúvida são

importantíssimas , não dá por exemplo para imaginar as casas sem luz, os lotes sem acesso

de estradas. Mas deve ser refletido sobre como algumas dessas ações têm o intuito de

colocar o camponês na submissãodo sistema de produção vigente.

No próximo capítulo, retorna-se ao tema para a compreensão dos processos de

desenvolvimento em curso no Assentamento. Dessa forma, minha intenção e realizar uma

descrição da realidade, estabelecendo um dialogo com importantes autores que trabalham o

tema nessa mesma perspectiva.

65

CAPÍTULO 4. Territórios e modelos de desenvolvimento em conflito: DTR e

Assentamento Celso Furtado

O ponto de partida para uma reflexão sobre o território é analisar as relações de

poder nele estabelecidas. Desta forma, para uma compreensão mais coerente da realidade,

são essências o estudo das dimensões culturais, econômicas e políticas contidas nas

relações sociais.

Inicialmente, pensar o território nessa conjuntura, considerando a conflitualidade

existente pelo controle dos processos produtivos, se faz necessário mediante a leitura e

análise das abordagens de alguns importantes pensadores. O primeiro deles tem

influenciado nos estudos sobre o tema no Brasil. Para Raffestin: É essencial compreender bem que o espaço é anterior ao território. O território se forma a partir do espaço, é o resultado de uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou absolutamente, o ator “territorializa” o espaço. (...) O território, nessa perspectiva, é um espaço onde se projetou um trabalho, seja, energia e informação, e que, por consciência, revela relações marcadas pelo poder. O espaço é a “prisão original”, o território é a prisão que os homens constroem para si (Raffestin, 1993, p. 143-144).

Portanto, para o autor a definição de território, se caracteriza como sendo um espaço

onde se dão as relações de poder. Contudo, essas relações são estabelecidas pelo conflito

entre as classes sociais que tentam se apropriar pelo domínio desse espaço. Dessa forma,

nada mais é do que um movimento de mudança para se almejar algo maior, que é a

transformação do mesmo em um território.

Nesta mesma linha de pensamento, Haesbaert (2004), sintetiza algumas concepções

de território a partir de três vertentes básicas: Primeiramente, apresenta uma concepção

política que se refere às relações espaço-poder em geral ou jurídica-política associada a

todas as relações espaço-poder institucionalizada. Seguidamente, é apresentada a síntese da

concepção cultural, muitas vezes culturalista. Em terceiro lugar, menciona uma concepção

econômica muitas vezes economicista.

- [...] política (referida as relações espaço-poder em geral) ou jurídico-política (relativo as relações espaço-poder institucionalizadas): a mais difundida, onde o território é visto como um espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce

66

um determinado poder, muitas vezes – mas não exclusivamente – relacionado ao poder político do Estado. - [...] cultural (muitas vezes culturalista) ou simbólico-cultural: aquela que prioriza a dimensão a dimensão simbólica e mais subjetiva, em que o território é visto, sobretudo, como o produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação ao seu espaço vivido. - [...] econômica (muitas vezes economicista): menos difundida, enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, o território como fonte de recursos e/ou incorporado no embate entre calasses sociais e na relação capital-trabalho, como produto da divisão “territorial” do trabalho, por exemplo. (Haesbaert, 2004, p. 91).

Concomitantemente com o autor, devemos reconhecer a importância da distinção

entre essas dimensões em que o território é vivenciado, entretanto, se faz necessário

compreender a problemática que as envolve, e sobretudo, o grau de determinação que uma

exerce sobre outra, tendo em vista que as dinâmicas territoriais não são homogêneas.

Numa concepção econômica, em que o capital determina as relações produtivas,

recorremos a Ariovaldo Umbelino de Oliveira que traz à tona a dinâmica das forças

produtivas prevalecentes que determinam a configuração dos territórios.

O território deve ser apreendido como síntese contraditória, como totalidade concreta do processo/ modo de produção/ distribuição/ circulação/ consumo e suas articulações e mediações (...). O território é assim produto concreto da luta de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua existência. (...) Dessa forma, são as relações sociais que dão a configuração histórica específica ao território. Logo o território não é um a prius ou um a priori, mas a contínua luta da sociedade pela socialização igualmente contínua da natureza (OLIVEIRA, 2002, P.74).

Fica evidente, portanto, que o território é um produto da luta de classes, nesse

sentido, o autor nos ensina que não devemos tomá-lo como homogêneo ou pré-determinado

como saldo final de luta de longos tempos, mas sim, buscarmos nas contradições originadas

nos conflitos de classe travados nas lutas pela existência, a possibilidade do controle de

frações desse território capitalista. Entretanto, quase sempre organizado pelo e para o

capital.

É nesse sentido que o autor tem mencionado que as forças produtivas prevalecentes

determinam as dinâmicas territoriais. Da mesma forma, aponta para um processo de

recriação do campesinato no interior do modo capitalista de produção.

67

Compreendido ser o território manifestações espaciais de poder qual será o território

dos Movimentos Sociais? E o caso do Assentamento Celso Furtado frente ao Território da

Cidadania Cantuquiriguaçu que queremos compreender? Estes e outros questionamentos

norteam nossa análise a partir de agora.

Sabendo-se que os conceitos trabalhados não são de forma alguma neutros,

realizamos uma análise dos caminhos do “desenvolvimento” do Assentamento, e do

Território da Cidadania Cantuquiriguaçu a partir do Programa de Desenvolvimento

Sustentável dos Territórios Rurais (PDSTR) do Governo Federal.

A realidade analisada se apresenta como um desafio a ser compreendido enquanto

construção de novas perspectivas, ou então talvez quem sabe, no fortalecimento destas.

Mais se analisarmos a história dos programas governamentais para o campo brasileiro,

percebemos seus limites enquanto superação de um sistema de produção excludente. De

fato, sempre marcados por visões de integração do campesinato ao modo de produção

capitalista, como já nos alertava Oliveira (1991). Dessa forma, ao mesmo tempo em que

forjava uma reestruturação produtiva engendrada por uma visão moderna de

desenvolvimento, naturalizava as desigualdades sociais.

Atualmente, no Assentamento Celso Furtado esse processo não é diferente, as

políticas públicas verticalisadas de cima para baixo, a partir das perspectivas do Território

da Cidadania como mecanismo de crescimento econômico, muitas vezes gera momentos

conflitantes. Basta analisarmos os recursos disponíveis para alavancar a produção, onde o

montante soma R$ 22.995,000,00. No entanto, destinado a um modelo de produção em que

os assentados tornam-se mais subalternos ainda ao sistema.

Assim, o desenvolvimento vislumbrado pelo Programa nada mais é do que uma

estratégia de controle social. Pode até existir uma organização dos municípios em quanto

associação, em que a participação da sociedade civil organizada julga o tipo de processo

produtivo será implantado, entretanto essas políticas já são pensadas e sistematizadas para a

reprodução do sistema e impostas de cima para abaixo..

É certo também que as iniciativas dos assentados para alterarem essa correlação de

forças, através da matriz produtiva agroecológica, embora com todos os seus limites,

significa uma insatisfação com a atividade agrícola convencional ligada a interesses

econômicos das empresas multinacionais. Se existe um grupo de resistência, foi pensado

68

pelos próprios assentados a partir de uma necessidade, onde o Estado enquanto interventor

de políticas públicas de desenvolvimento, não teve até o momento nenhuma participação.

Para se ter idéia, não existe nenhuma linha de crédito diferenciada especificamente

para a produção agroecológica. Nesse sentido, muitos assentados não estão conseguindo

pensar em termos de transição, de passagem de acordo com as condições reais do pequeno

agricultor camponês, e acima de todo sem uma política eficaz para a atividade em alguns

casos os empurraram a uma transição brusca, ou seja, um curto prazo. De um dia para

outro, a proposta exigia largar todas as práticas da Revolução Verde e praticar a

agroecologia. O que em alguns casos tem resultado em decepção e uma volta dos

agricultores camponeses a praticar os meios da agricultura subalterna.

É nesse contexto que lembramos do legado de Raffestin (1993) sobre que o

território se caracteriza como sendo um espaço onde se dão as relações de poder. Contudo,

essas relações são estabelecidas pelo conflito entre classes sociais que tentam se apropriar

pelo domínio desse espaço.

Assim, as disputas ocorridas no Território da Cidadania Cantuquiriguaçu em que os

movimentos sociais têm sido vitoriosos se deve à força política que estes desempenham. Se

algumas políticas públicas pendem ao seu favor, se deve às suas pressões. A criação da

Universidade Federal da Fronteira Sul no município de Laranjeiras do Sul em 2009, é um

exemplo disso, já que certamente será um mecanismo importante para a formação dos

trabalhadores do território. Entretanto, é um espaço em permanentemente disputa, se os

camponeses e os trabalhadores em geral juntamente com a coordenação dessa instituição

não assumirem a responsabilidade pelos rumos a ser tomados nessa Universidade,

certamente seu papel se inverterá.

Pautada por uma metodologia da Educação do Campo, a UFFS contempla os

movimentos sociais do campo. Dessa forma, vem de encontro com a proposta de educação

do Assentamento Celso Furtado, onde o ser humano deve ser o protagonista de sua própria

história,

Mas, no entanto, se os princípios educacionais se aproximam, a consolidação de um

projeto de desenvolvimento a partir do Assentamento e do Território, se distanciam

consideravelmente. Dessa forma, num contexto geral, há muitas divergências nesse aspecto,

principalmente no que diz respeito às formas de trabalho e de produção. Se por um lado, as

69

políticas públicas do Estado têm uma clara intencionalidade de crescimento econômico, por

mais que os discursos de gestão social camuflam seus verdadeiros objetivos, por outro lado

os camponeses se preocupam em almejar um modelo de desenvolvimento em que lhes

proporcione mais autonomia no processo.

Daí a importância da compreensão dos objetivos das políticas públicas,

questionando para quem são.

O Território mostra muito claramente o conflito entre modelos de desenvolvimento.

O MST que nos últimos anos tem questionado a propriedade privada da terra, forjando a

criação de Assentamentos onde as relações de trabalho e de produção se caracterizam como

sendo opostas ao do modelo vigente como por exemplo o Celso Furtado, tem assistido

ultimamente a uma nova forma de rearranjo territorial a partir do poder do Estado, através

da intervenção de políticas públicas focadas no desenvolvimento econômico e na

dependência.

Com isso não deve interpretar-se que as políticas públicas não tenham seu papel,

mas que devem ser aprimoradas para que permitam e potencializem a reprodução do modo

de vida camponês. No entanto, se fossemos radicalizar teríamos que negar a existência dos

próprios assentamentos, pois o Estado é o interventor dos conflitos agrários, que muitas

vezes age em prol dos trabalhadores, tendo em vistas que isto se deve ao poder de pressão

popular.

Finalmente, as reflexões aqui apresentadas de um possível rompimento das teias da

subalternidade dos camponeses do Assentamento Celso Furtado perante aos esquemas de

dominação do capital que se apresentam no Território Cantuquiriguaçu, não se dará pela

conciliação entre o camponês ecapital, mas sobretudo pela negação do modo de produção

capitalista na sociedade como todo. No entanto, a questão é saber se tanto os camponeses

assentados como a sociedade do território estão preparados para isso.

4.1. Qual é a proposta territorial dos assentados?

Evidentemente que a proposta territorial dos Movimentos Sociais sem dúvida é a

superação da subalternidade dos camponeses em relação às forças produtivas dominantes.

Portanto, a negação da divisão social do trabalho que os torna dependentes e subordinados

aos interesses do capital.

70

No entanto, defender um projeto que tenha como princípio a construção da

autonomia camponesa, tem requerido dos movimentos e organizações sociais e sindicais

populares, um conjunto de ações estratégicas e táticas que visem ir além, transpor as idéias

de que os camponeses simplesmente tenham direitos. Como arquitetos dessa conjuntura, se

sintam cada vez mais motivados para a compreensão de uma especificidade camponesa e, a

cima de tudo, de uma economia camponesa.

Essa proposta de outro modelo de produção tem como ponto de partida novos

mecanismos tecnológicos e científicos. Essas tecnologias, partem de aquilo que os

camponeses já possuem (agroecologia), ou seja, a capacidade de organização econômica

que lhes permita se reproduzirem socialmente com autonomia relativa perante o capital.

Sendo assim, só é possível de ser praticada por comunidades camponesas, pois é impossível

a convivência entre agroecologia e latifúndio, agroecologia e monopólios.

Nesta mesma lógica, a organização produtiva via cooperação agrícola defendida

pelo MST, torna-se um mecanismo de resistência a esquemas de subordinação. Desse

modo, só é possível e perceptível a prática da agroecologia com camponeses proprietários

de pequenas parcelas de terras. Neste sentido, vejamos o que Carvalho (2010), tem para

contribuir no debate:

A pretensão de um cenário futuro desejável de médio prazo seria os camponeses assumirem perante toda a sociedade --- e como sujeitos sociais, a produção agropecuária e florestal do país. Isso pressuporia uma outra divisão social do trabalho pela superação do modo capitalista de produção no campo. E mais, requereria ao menos a ampliação crescente do número de camponeses via a reforma agrária, a implantação de um modelo de produção e tecnológico a partir dos princípios gerais da agroecologia e a cooperação avançada entre seus pares pela criação de milhares de grupos de ajuda mútua, de comunidades de produção organizadas, de associações e cooperativas de produção e de serviços, em vários níveis de utilização em comum da terra e dos meios de trabalho. (Carvalho, 2010, p.13.)

Dessa forma, uma proposta de desenvolvimento para o campo na perspectiva dos

Movimentos Sociais deve superar a submissão dos camponeses em relação ao sistema de

produção vigente. Sendo assim, o fato dos camponeses possuírem terra, caracteriza-os

como sendo agentes de mudanças, pois além de possuidores dos seus próprios meios de

trabalho, também são protagonistas de seus modos de vida.

71

A partir de então, ensaiar um possível projeto de desenvolvimento que esteja

baseado no descobrimento de novas técnicas próprio do universo dos camponeses se faz

necessário, dessa forma redesenhando novas estratégias de resistência a partir da própria

identidade local. Ao contrário, as mudanças que possam ocorrer nas forças produtivas,

apenas reafirmarão a sua subalternidade ao capital e sua dependência das políticas

compensatórias governamentais.

Nesta mesma lógica, a Via Campesina do Brasil questiona o modelo de produção

vigente, argumentando sobre a necessidade de se estabelecer, principalmente a partir das

experiências dos camponeses, novas formas de trabalho, nas quais se afirmem a autonomia

e a acumulação camponesa. É possível e necessário que um novo paradigma para o campo se faça presente na concepção de mundo camponesa. Paradigma esse que contemple o camponês como sujeito social, organizado nas mais diversas formas de cooperação e com crescente e apropriado desenvolvimento dos seus meios de trabalho para potencializar a terra e o trabalho. Uma outra utopia, construída por eles próprios nos seus que-saberes e que-fazeres socializados, na qual se afirme a autonomia e a acumulação camponesas. E que contribua efetivamente para que os camponeses deixem de ser ‘os quase sempre’ ignorados. (Via Campesina do Brasil, 2004, p. 143.)

Nessa perspectiva, trata-se de promover novos arranjos produtivos como as

inovações tecnológicas, incorporando-as aos conhecimentos dos camponeses, buscando

novas alternativas socioeconômicas próprias do mundo camponês. Com isso, rompendo a

idéia de apatia, já que pressupõe uma continua renovação. Todavia, com a diferença de que

não se constitui sobre a base de intervenções meramente assentadas em idéias de

crescimento econômico desenvolvimentista.

No Assentamento Celso Furtado algumas formas de trabalho e de produção

procuram almejar esses princípios, ensaiando algumas mudanças no processo produtivo,

tendo em vista que está numa fase inicial, mas certamente a tendência é de que cada vez

mais se torne possível uma transformação estrutural.

Passada uma primeira fase de recuo organizativo, causado principalmente pelo

avanço de empresas madeireiras na região, os camponeses sentiram a necessidade de

estabelecerem novas formas de trabalho e de produção, em que os resultados obtidos lhes

beneficiassem .

72

Nesse sentido, podemos destacar a criação e o papel das Associações, entre elas: a

da extração florestal seguindo as normas acordadas entre o Instituto Ambiental do Paraná

(IAP), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e as famílias

assentadas em lotes agroflorestais, a de criação de peixes em cativeiros e dos produtores

orgânicos, entre outras.

Ainda nesse propósito, a conquista da construção da Escola Estadual Chico Mendes

depois de muita luta, como sendo modelo para a Educação do Campo, supõe um passo

importante para a consolidação de um de projeto de desenvolvimento na ótica dos

camponeses, como valor subjacente à valorização da pessoa humana.

Portanto, o desafio está lançado, contudo vale lembrar que este é um processo em

curso, que precisa de cuidados para não tomar caminhos opostos das perspectivas dos

assentados e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, dessa forma resistindo à

opressão capitalista, ainda que inseridos nesse sistema.

73

CONCLUSÃO

A história da organização social do Território Cantuquiriguaçu sempre esteve de

certa forma agregada a um sistema de produção e de trabalho, que na maioria das vezes

beneficiou uma pequena parcela da população. O legado do crescimento econômico

acompanhado das alterações na base técnica produtiva sempre gerou muitos resultados

negativos na sociedade.

Contudo, este processo produtivo baseado na monocultura e no latifúndio é

conseqüência do modelo implantado a partir da década de 50 do século XX, quando se

registrou um grande fluxo de imigrantes gaúchos e catarinenses que buscavam condições de

vida melhores em terras férteis, transformando a paisagem em grandes propriedades

agropecuárias, nas regiões Sudoeste e Oeste do Paraná. Dessa forma, estabelecendo um

sistema excludente como característica marcante no território.

No entanto, esse paradigma somente é questionado de forma mais perceptível com

as ações eficazes de enfrentamentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra na Região, a

partir das últimas décadas, forjando assim novas formas de viver e de trabalhar na terra.

Com o passar dos anos, o Movimento ganha força com as conquistas de Assentamentos, e

também de uma conjuntura política favorável à Reforma Agrária, de forma que aos poucos

essa estrutura produtiva perde poder.

Outro momento importante de insatisfação e de reivindicação da sociedade em

alcançar uma outra forma desenvolvimento, foi a criação da associação dos municípios a

partir do ano de 1984, numa tentativa de chamarem a atenção das autoridades estaduais

sobre os dilemas vivenciados no território, dentre eles: o êxodo populacional e o baixo

IDH. O que mais tarde foi fundamental para que fosse constituído o Território Rural

Catuquiriguaçu, e depois o Território da Cidadania.

Atualmente o que se percebe é que há outra tentativa de reestruturação produtiva a

partir das perspectivas do Estado-Nação, desta vez ancoradas em um conjunto de

instrumentos políticos e ideológicos, que hora se aproxima da ótica dos Movimentos, hora

se distancia, apresentando duas faces: a política de DTR.

Dessa forma, tendo em vista que o Estado não é um agente do bem comum, mas

mediador de conflitos, por um lado proporciona algumas melhorias, a maior delas que

merece destaque, foi sem dúvida à criação da Universidade Federal da Fronteira Sul, como

74

instrumento importante na formação política dos trabalhadores do Território. Mas por outro

lado, vislumbra-se o continuísmo, cada vez mais na reprodução do sistema, ligado a uma

produção agrpecuária hegemônica. O discurso de gestão social, empoderamento, entre

outros artifícios, nada mais é do que uma estratégia de controle social. Neste sentido, se

analisarmos as matrizes produtivas estabelecidas pelo Programa, deparamos que não existe

nada de novo, pois estão circunscritas na lógica do capital.

Se analisarmos a atual realidade agrícola do território, percebemos que há uma clara

e evidente homogeneização, onde apenas cinco principais culturas são responsáveis pelas

maiores áreas plantadas, com predomínio absoluto da soja. Portanto, a proposta

estabelecida pelo Programa não significa algo inovador e sim uma forma de reprodução do

sistema, pois está pré-determinado a um viés hegemônico. Por mais que a sociedade civil

delimite os projetos e aplicação dos recursos, estes projetos devem seguir via de regra o

crescimento econômico.

Um desses casos onde o Estado permite a reprodução camponesa é a luta dos sem

terra no Assentamento Celso Furtado, enquanto resistência a esquemas de dominação e

subordinação, através das iniciativas de produção em forma de associações. Mecanismo

esse que tem permitido se rebelarem contra a ordem produtiva desigual.

Entretanto, as capacidades de resistência dos camponeses pelo modo de vida e da

prática social do trabalho, às vezes, não alcançam enfrentamentos estruturais, mas fazem

toda a diferença localmente. Nesse sentido, organizados em Movimento Social e imbuídos

numa mesma perspectiva, desenvolvem um conjunto de ações que garantem sua existência

e reprodução social. Dessa forma, a fração do território se torna trincheira de luta contra os

esquemas de dominação do modo de produção capitalista.

Mas se o Estado permitiu alguns avanços, sob pressão, dos camponeses, as linhas de

créditos destinadas a alavancar a produção no Assentamento são voltadas a uma forma de

produção em que o camponês se torne subalterno ao modelo. Como vimos anteriormente no

subitem 4.3 ficou clara a intencionalidade desses recursos circunscritos ao paradigma

técnico dominante.

Então, para mudar essa realidade em curso, cada vez mais se faz necessária uma

postura política ativa dos movimentos sociais. O histórico de luta e resistência sempre foi

75

um ponto positivo no território, se existe alguma mudança, isto se deve à pressão popular.

Neste sentido, a história das ações dos Movimentos Sociais, em relação às conquistas e aos

desafios existentes, mostram que o atual período significa um momento importante para a

classe estabelecer certa autonomia relativa nos processos produtivos e de trabalho, onde as

organizações sociais têm a oportunidade de forjar um projeto coletivo menos dependente do

sistema vigente, não somente pela ação do Estado enquanto interventor de desenvolvimento

através de políticas públicas, mas também pela atual conjuntura política em que se encontra

o território.

Dessa forma, afirmamos que os projetos desenvolvidos no Território determinando

a forma de trabalho e de produção da sociedade seria uma irresponsabilidade, pois este é

um processo em curso. Nesse sentido, somente o poder de reivindicação da sociedade civil

norteará as perspectivas de um projeto de desenvolvimento que tenha como principio a

insubordinação ao esbulho do mercado.

76

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