Educar Sensible

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Educación

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  • EDUCAR PARA ASUSTENTABILIDADE

  • Moacir Gadotti

    EDUCAR PARA ASUSTENTABILIDADE

  • EXPEDIENTE

    Instituto Paulo Freire

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    Janaina Abreu Coordenadora Editorial Lina Rosa Preparadora de Textos Maurcio Ayer Revisor Kollontai Diniz Capa, projeto grfico, diagramao e arte-final Cromosete Impresso

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    Gadotti, MoacirEducar para a sustentabilidade: uma contribuio dcada da educao

    para o desenvolvimento sustentvel / Moacir Gadotti. So Paulo: Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2008. (Srie Unifreire; 2)

    Bibliografia.

    ISBN: 978-85-61910-03-7

    1. Desenvolvimento sustentvel 2. Educao Finalidades e objetivos I. Ttulo. II. Srie.

    08-11090 CDD-370.115

    ndices para catlogo sistemtico:1. Educao sustentvel 370.115

    Copyright 2008 Editora e Livraria Instituto Paulo Freire

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    T: 11 3021 [email protected] | [email protected] | www.paulofreire.org

    A categoria sustentabilidade central para a cosmoviso ecolgica e, possivel-mente, constitui um dos fundamentos do novo paradigma civilizatrio que procura harmonizar ser humano, desenvolvimen-to e Terra entendida como Gaia.

    Leonardo Boff

  • Apresentao09

    Aliana mundial pela sustentabilidadeA Dcada no contexto da globalizao

    Uma grande oportunidade para os sistemas de ensino

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    Sustentabilidade e bem viverPolissemia do conceito de desenvolvimento sustentvel

    Uma outra economia para o desenvolvimento sustentvel

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    Educar para uma vida sustentvelEcopedagogia e educao para a sustentabilidade

    Educar para uma cultura da paz e da sustentabilidadeEncontro da educao ambiental com a educao para a

    sustentabilidade

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    Sustentabilidade e modelo econmicoGrandes desafios da Dcada

    Um chamado para a ao transformadora

    87

    Consideraes finais105

    Bibliografia109

    Sumrio

  • 9Apresentao

    Os dados divulgados, entre 2006 e 2008, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanas Climticas, conhecido pela sua sigla em ingls IPCC, provoca-ram debates em todo o mundo. No h hoje tema to preocupante como o do aquecimento global e o das mudanas climticas. Mas ele no novo. Alertas foram dados pelos ecologistas desde os anos 60 do sculo passado. Na Rio-92, 173 chefes de estado e de governo apro-varam um documento, a Agenda 21, para colocar o mundo na rota do de-senvolvimento sustentvel, um com-promisso com as futuras geraes. O Frum Global, na mesma ocasio, apro-vou dois importantes e complementa-res documentos para uma sociedade

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    Educar para a Sustentabilidade

    sustentvel: a Carta da Terra e o Tratado da Educao Ambiental para as Sociedades Sustentveis e a Responsabilidade Global. Em 2002, as Naes Unidas lanaram a Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel (2005-2014). O mundo est se mobilizando, de diferentes maneiras, para evitar o pior. Contudo, as preo cupaes persistem e os gran-des desafios ainda no foram superados.

    O que a educao pode fazer nesse contexto? Esta a questo que desejamos enfrentar neste livro.Cheguei educao para o desenvolvimento sustentvel

    por meio da Carta da Terra e da educao ambiental. Vejo que existe uma ligao estreita entre a iniciativa da Carta da Terra e a Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel (Deds). Para Mikhail Gorbachev, presiden-te da Cruz Verde, a Carta da Terra o terceiro pilar do desenvolvimento sustentvel. O primeiro pilar a prpria Carta de Fundao das Naes Unidas; o segun-do a Declarao dos Direitos Humanos. Ele sustenta que a Carta da Terra precisa ser universalmente adotada pela comunidade internacional (Corcoran (org.), 2005, p.10). A Carta da Terra serviu de inspirao tica para os Objetivos do Milnio das Naes Unidas. Por isso, completa Peter Blaze Corcoran, professor da Florida Gulf Coast University, a Carta da Terra uma arca de espe-rana (Idem, p.16), centrada no novo conceito de modo de vida sustentvel.

    Para Mirian Vilela, diretora executiva da Iniciativa Internacional da Carta da Terra, que escreveu sobre a hist-ria e o significado desta iniciativa (Idem, p.17-22), o proces-so de consulta impulsionado por Maurice Strong, secretrio geral da Cpula da Terra Rio-92, em todos os continentes, deu legitimidade mundial a esse documento: a Carta da

    Terra um movimento da sociedade civil planetria para construir consensos e compartir valores (Idem, p.22) na busca de um modo de vida justo e sustentvel.

    A Carta da Terra tem um grande potencial educativo ainda no suficientemente explorado, tanto na educao formal, quanto na educao no-formal. Por meio de sua proposta de dilogo intertranscultural, pode contribuir na superao do conflito civilizatrio que vivemos hoje. Vivemos uma crise de civilizaes. A educao poder ajudar a super-la. Os princpios e valores da Carta da Terra podem servir de base para a criao de um sistema global de educao, uno e diverso, sob a coordenao da Unesco, que poder colocar uma base humanista comum para os sistemas nacionais de educao. No se trata de formar um sistema ideologicamente nico, o que seria uma iniciativa totalitria. Trata-se de realar o que temos em comum. Se no tivermos nada em comum o que nos restar ser a guer-ra. Precisamos realar, antes de mais nada, o que nos une. Antes de realarmos nossas diferenas, precisamos realar o que temos em comum como seres humanos. Precisamos buscar o que comum para a humanidade que est em to-dos ns. Os sistemas de educao so muito semelhantes em quase todo o mundo, apesar da imensa diversidade cultural existente. Isso tem vantagens e desvantagens. A desvanta-gem que so sistemas rgidos, que resistem a mudanas; a vantagem que uma inovao introduzida num sistema pode mais facilmente ser introduzida tambm em outros.

    Est demonstrado que a degradao ambiental gera con-flitos humanos. A Carta da Terra est servindo, em muitos casos, como base para a resoluo de conflitos criados pelo modo insustentvel de produzir e reproduzir a nossa exis-tncia no planeta, principalmente no cotidiano de muitas

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    Educar para a Sustentabilidade

    pessoas particularmente os jovens que a adotaram em suas vidas. Ela nos ajuda a superar os fundamentalismos que hoje desafiam o convvio pacfico dos povos e naes do planeta. Como sustenta Abelardo Brenes, professor da Universidade da Paz das Naes Unidas, o princpio da responsabilidade universal estabelecido no prembulo da Carta da Terra complementa a Declarao dos Direitos Humanos, reconhecendo cada pessoa como cidado do mundo (Idem, p.35). Toda e qualquer pessoa igualmen-te responsvel pela comunidade da Terra como um todo, mesmo que, individualmente, tenhamos diferentes ofcios, funes e responsabilidades.

    Associar a Carta da Terra a outros documentos e con-venes das Naes Unidas tem sido uma estratgia cada vez mais utilizada para desenvolver o seu potencial trans-formador. Entre aqueles documentos podemos destacar a Campanha Mundial pela Educao para Todos, a Dcada da Alfabetizao, a Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel, a Declarao dos Direitos das Crianas, a Agenda 21 e a preveno do HIV/Aids. Sem dvida, os valores da Declarao do Milnio coincidem plenamente com os va-lores defendidos pela Carta da Terra: liberdade, igualdade, solidariedade, tolerncia, respeito natureza, responsabili-dade compartilhada.

    Leonardo Boff, um dos fundadores da Teologia da Libertao e membro da Comisso da Carta da Terra, sus-tenta que a Carta da Terra representa uma importante contribuio para uma viso holstica e integrada dos pro-blemas socioambientais da humanidade (Idem, p.43). Ele sustenta que o ser humano um subcaptulo do captulo da vida. Por isso, o ser humano precisa cuidar de toda a comunidade de vida com amor, a energia mais poderosa

    que existe no ser humano e no universo (Idem, p.44).O encontro entre a Agenda 21 e a Carta da Terra acon-

    teceu porque h muitos pontos convergentes e comple-mentares. Um novo modelo de desenvolvimento precisa de uma nova sustentao tica. Mas ainda estamos longe de uma verdadeira integrao. Baseada em princpios e va-lores fundamentais, que devero nortear pessoas e estados no que se refere ao desenvolvimento sustentvel, a Carta da Terra servir como uma base de sustentao tica para a Agenda 21. Uma vez aprovada pelas Naes Unidas (ainda nos empenhamos nisso), a Carta da Terra ser o equivalente Declarao Universal dos Direitos Humanos no que con-cerne sustentabilidade, equidade e justia.

    O projeto da Carta da Terra inspira-se em uma variedade de fontes, incluindo a ecologia, as tradies religiosas, a literatura sobre tica global, o meio ambiente e o desen-volvimento, a experincia prtica dos povos que vivem de maneira sustentada, alm das declaraes e dos tratados in-tergovernamentais e no-governamentais relevantes. Nesse sentido, ela um complemento imprescindvel da Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel.

    No Instituto Paulo Freire (IPF), consideramos a Carta da Terra como um convite da Terra, uma mensagem, um guia para a vida sustentvel e um chamado para a ao. Com essa viso tica que inclumos a Carta da Terra como tema gerador transversal de todos os nossos projetos de atuao, tais como educao de adultos, alfabetizao, educao ci-dad, currculo, educao popular etc. como uma temtica intertransdisciplinar. Construmos, para isso, o conceito e a viso de uma ecopedagogia (inicialmente chamada de pedagogia do desenvolvimento sustentvel), como peda-gogia apropriada Carta da Terra, educao ambiental

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    Educar para a Sustentabilidade

    e educao para o desenvolvimento sustentvel (EDS). Como resultado desse percurso, apresentei, em parceria com ngela Antunes, diretora pedaggica do IPF, um texto que foi publicado no livro organizado por Peter Blaze Corcoran, A Carta da Terra em Ao (2005).

    A sustentabilidade , para ns, o sonho de bem viver; sustentabilidade equilbrio dinmico com o outro e com o meio ambiente, harmonia entre os diferentes. O educador Paulo Freire (1921-1997) dizia que tinha esperana, no por teimosia, mas por "imperativo histrico e existencial", como afirma no seu livro Pedagogia da esperana (Freire, 1992). Com base no pensamento da epgrafe deste livro, podemos afirmar que, hoje, a sustentabilidade tambm representa uma esperana e, tal como esta, a sustentabilidade tornou-se um imperativo histrico e existencial. Como sustenta Carlos Rodrigues Brando (2008, p.136), sustentabilidade

    ope-se a tudo o que sugere desequilbrio, competio, con-flito, ganncia, individualismo, domnio, destruio, expro-priao e conquistas materiais indevidas e desequilibradas, em termos de mudana e transformao da sociedade ou do ambiente. Assim, em seu sentido mais generoso e amplo, a sustentabilidade significa uma nova maneira igualitria, li-vre, justa, inclusiva e solidria de as pessoas se unirem para construrem os seus mundos de vida social, ao mesmo tempo em que lidam, manejam ou transformam sustentavelmente os ambientes naturais onde vivem e de que dependem para viver e conviver.

    O primeiro contato com a cultura da sustentabilidade estranho, difcil, complexo, porque no enxergamos a realidade dessa forma. Para implementar o princpio da sus-tentabilidade nos projetos e no Plano de Desenvolvimento Institucional do IPF, desenvolvemos, nos ltimos anos, uma

    Pedagogia da Terra (Gadotti, 2001) como sinnimo de ecopedagogia, centrada no paradigma Terra de sustentabi-lidade ecolgica. Como disse Paulo Freire (2000, p.66-7), num de seus ltimos escritos,

    urge que assumamos o dever de lutar pelos princpios ticos fundamentais como o respeito vida dos seres humanos, vida dos outros animais, vida dos pssaros, vida dos rios e das florestas. No creio na amorosidade entre mulheres e homens, entre os seres humanos, se no nos tornamos capazes de amar o mundo. A ecologia ganha uma importncia fundamental neste fim de sculo. Ela tem que estar presente em qualquer prtica educativa de carter radical, crtico ou libertador (...). Neste sentido me parece uma contradio lamentvel fazer um discurso progressista, revolucionrio, e ter uma prtica negadora da vida. Prtica poluidora do mar, das guas, dos campos, devastadora das matas, destruidora das rvores, amea-adora dos animais e das aves.

    Consideramos hoje a Terra tambm como um oprimido, o maior de todos. Por isso, precisamos tambm de uma pedagogia desse oprimido que a Terra. Precisamos de uma Pedagogia da Terra como um grande captulo da pedagogia do oprimido, precisamos de uma ecopedagogia. A ecopeda-gogia uma pedagogia centrada na vida: considera as pes-soas, as culturas, os modos de viver, o respeito identidade e diversidade. Considera o ser humano em movimento, como ser incompleto e inacabado, como diz Paulo Freire (1997), em permanente formao, interagindo com os ou-tros e com o mundo. A pedagogia dominante centra-se na tradio, no que est congelado, no que produz humilhao para o aprendente pela forma como o aluno avaliado. Na ecopedagogia, o educador deve acolher o aluno. A acolhida, o cuidado, a base da educao para a sustentabilidade

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    promovida desde 2002 pelas Naes Unidas com a criao de uma Dcada dedicada a ela.

    A ecopedagogia tem tudo a ver com a educao para a sustentabilidade. Como afirma Gro Harlem Brundtland no prefcio do Relatrio das Naes Unidas Our Common Future,

    a menos que sejamos capazes de traduzir nossas palavras em uma linguagem que atinja as mentes e coraes das pessoas, velhas ou novas, no poderemos executar as extensas mudanas sociais necessrias para corrigir o curso do desenvolvimento.

    Essa uma das tarefas da educao para a sustentabilidade. Por que prefiro falar em educao para a vida sustentvel

    ou simplesmente educao para a sustentabilidade? Educar para o desenvolvimento sustentvel me parece

    um conceito limitado e limitador da educao. No tem a abrangncia necessria para se constituir em concepo organizadora da educao.O conceito de sustentabilidade paradigmtico, como vem sustentando Leonardo Boff em suas obras. O conceito de educao para o desenvolvimento sustentvel (EDS) no tem potencial para transcender a noo ambgua e vaga de desenvolvimento. S uma viso crtica da EDS poder nos fazer avanar.

    Sem dvida, devemos continuar caminhando tambm com esse conceito to contraditrio, como tantos outros, mas sem ignorar suas limitaes. o que nos permitir transcend-lo. Por outro lado, tambm no o caso de ficar polarizando posies entre sustentabilidade e desen-volvimento ou entre educao ambiental e educao para o desenvolvimento sustentvel. Podemos mostrar critica-mente as diferenas sem necessariamente abrir polmicas inteis e desmobilizadoras.

    O tema da sustentabilidade e do desenvolvimento sus-tentvel esto hoje em moda. Nesse contexto, esses termos acabaram assumindo diversas acepes e conotaes, sendo usados, inclusive, para justificar o contrrio do que signifi-cavam originalmente. Por isso, precisamos entend-los de forma crtica. O que proponho, neste livro, no rejeit-los por eles serem ambguos, mas aproveitar suas potenciali-dades e essa mesma ambiguidade para afirmar e disputar uma concepo de sustentabilidade e de desenvolvimento sustentvel que nos ajude a viver melhor nesse planeta, de forma justa, saudvel, equilibrada e produtiva, em benefcio de todos e de todas.

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    A Dcada das Naes Unidas da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel foi instituda em dezem-bro de 2002 pela Assemblia Geral das Naes Unidas, por meio da resoluo n 57/254. A resoluo encomenda Unesco a elaborao de um plano, en-fatizando o papel da educao na pro-moo da sustentabilidade. Em maio de 2003, na Conferncia de Ministros de Meio Ambiente, realizada em Kiev (Rssia), eles se comprometeram a promover, em seus respectivos pases, um plano internacional de aplicao da Dcada.

    Em 2006, a Unesco criou um grupo de referncia para subsidiar a Secretaria da Dcada com insumos conceituais e

    Aliana mundialpela sustentabilidade

    Captulo 1

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    Educar para a Sustentabilidade

    estratgias. A Secretaria da Unesco para a Dcada, com base em estudos e pesquisas sobre a educao para o de-senvolvimento sustentvel (EDS), est produzindo mate-riais educativos para a formao necessria para facilitar a emergncia de uma reforma educacional que inclua a sustentabilidade como princpio e diretriz e que nos con-duza a uma nova qualidade do ensino-aprendizagem. O Grupo de Referncia da Dcada da Unesco tem como orientao bsica cinco estratgias:

    estabelecer os princpios para uma grande aliana mundial pela sustentabilidade, governamental e no-governamental;concretamente, iniciar pela criao e acompanhamento dos trabalhos das comisses nacionais da Dcada;criar centros de referncia em diferentes partes do mundo para fomentar a discusso, a pesquisa e a interveno na EDS;estabelecer estreita ligao com outras iniciativas e d-cadas da ONU, tais como: Dcada da Alfabetizao, Educao para Todos, HIV/Aids e os Objetivos do Milnio;estabelecer uma estratgia de comunicao e informao fortemente ancorada nas novas tecnologias e, particu-larmente, na internet.

    Algumas alianas j esto sendo estabelecidas, como a aliana com a Iniciativa da Carta da Terra. A Unesco, em sua Conferncia Geral de 2003, reconheceu a Carta da Terra como um quadro de referncia importante para o desenvolvimento sustentvel e, agora, para a EDS.

    A primeira Conferncia que tratou do tema da educa-o para o desenvolvimento sustentvel foi a realizada em 1977, em Tbilisi, na Rssia. Mas foi s vinte anos depois que o tema retomou com a fora dos tempos atuais na Conferncia Internacional sobre Meio Ambiente e Sociedade, Educao e Conscientizao Pblica para a Sustentabilidade, realizada pela Unesco, em Tessalnica (Grcia), de 8 a 12 de dezembro de 1997 e que reuniu mais de 1.200 tcnicos de 84 pases. Nela, insistiu-se muito na questo do consumo responsvel.

    Na Conferncia, ficou evidente o papel dos consumido-res, uma grande fora que pode agir em direo a um estilo de vida mais sustentvel. A Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel (Deds) tem, portanto, precedentes histricos que precisam ser levados em conta. Em Tessalnica, j se falava da importncia de introduzir o conceito de sustentabilidade na reorientao da educao formal, na mudana do padro de produo e de consumo e na adoo de estilos de vida sustentveis. O modo de vida imposto pelas mquinas de publicidade das grandes corporaes, mas no necessariamente somos determinados por elas. A participao e a mobilizao dos consumidores pode ser decisiva para o xito da Dcada. Nesse sentido, importante criar a contrapropaganda insustentabilidade, propondo uma comunicao alternativa com todos os p-blicos, visando ao consumo sustentvel1.

    1. Um guia publicado pela Unesco e pela Unep, em 2002, em parceria com algumas ONGs, trabalha o conceito de consumo sustentvel e mostra, sobretudo para os jovens, de forma prtica, como se pode levar um estilo de vida sustentvel. Uma das estratgias por meio da criao de grupos e redes de consumo responsvel, trocando ideias, otimizando energias e descobrindo a aldeia global (Unesco/Unep, 2002)

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    Vrias regies j tm suas estratgias de implementao da Dcada. Entre elas: a Europa, a regio da sia-Pacfico, a Amrica Latina e Caribe2.

    A Europa definiu sua estratgia em junho de 2005 numa reunio de alto nvel dos ministros de Meio Ambiente e da Educao com a Comisso Econmica para a Europa, juntamente com o Comit de Poltica Ambiental. Na es-tratgia da Europa destacam-se os objetivos de formar os educadores para que possam incluir o desenvolvimento sustentvel na sua atividade docente e garantir o acesso aos instrumentos e materiais necessrios EDS (Naciones Unidas, 2005, p.4). A EDS faz parte dos quatro grandes programas de educao europeus: Comenius, Erasmus, Leonardo da Vinci e Grundtvig (Busch, 2007).

    A Europa vem demonstrando uma preocupao muito grande, talvez at exagerada, com indicadores de sustenta-bilidade, difceis de definir. Uma conferncia internacional realizada em Berlim, nos dia 24 e 25 de maio de 2007, sobre a Contribuio da Europa para a Dcada, convocada pela Comisso Alem da Unesco, discutiu em profundidade a questo dos indicadores, realando sua importncia e, ao mesmo tempo, alertando para que no se valorize apenas o que pode ser medido3. Essa preocupao est associa-da sobretudo ao que vem sendo demandado pela United Nations Economic Commission for Europe (Unece) em rela-o s competncias relacionadas sustentabilidade.

    Os a lemes desenvolveram o conceito de Gestaltungskompetenz para referir-se s competncias e habilidades relacionadas com a EDS. Segundo Gerhard de Haan, professor da Universidade Livre de Berlim e presidente do Comit Nacional Alemo para a DEDS, o conceito de Gestaltungskompetenz, algumas vezes tra-duzido para o ingls como participation skills (habilidades de participao), foi formulado pensando exatamente na EDS. Gestaltungskompetenz a capacidade de se apli-car o conhecimento sobre desenvolvimento sustentvel e reconhecer os problemas que o desenvolvimento no-sustentvel implica (Haan, 2007, p.7). Em outro texto, ele traduz Gestaltungskompetenz como shaping competence (competncia formadora) e divide esse conceito em dez partes: produzir conhecimento com esprito de abertura frente ao mundo, integrando novas perspectivas; pensar e agir de forma prospectiva; adquirir conhecimento e agir de forma interdisciplinar; ter habilidade de planejar e agir em cooperao com outras pessoas; ter habilidade de participar de processos decisrios; ter habilidade de motivar outras pessoas a serem ativas; ter habilidade de refletir sobre seus prprios princpios e os de outras pessoas; ter habilidade de planejar e agir de maneira autnoma; ter habilidade de demonstrar empatia e solidariedade com os menos favo-recidos; ter habilidade de motivar a si mesmo a se tornar ativo (Haan, 2007a, p.12).

    Segundo Alexander Leicht, chefe da Secretaria Alem para Dcada da ONU, Geltaltungskompetenz inclui:

    pensamento prospectivo e orientado para o futuro; conheci-mento interdisciplinar complexo; e participao em processos sociais de tomada de deciso. Sendo assim, a EDS no trata apenas da criao de uma conscincia ambiental. Ela est, na

    2. Segundo Aline Bory-Adams, secretria da Unesco da Deds, a Dcada um processo e precisa considerar as especificidades de cada pas. Mesmo que seja possvel identificar pases onde a EDS j tenha ganhado visibilidade e j faa parte das prioridades educacionais, ns temos que respeitar o ritmo de cada pas (Bory-Adams, 2007, p.42).

    3. Veja-se a esse respeito Scott; Reid; Nikel, 2007.

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    verdade, mais preocupada em dar autonomia s pessoas para que elas tomem iniciativas orientadas pelo objetivo de um de-senvolvimento vivel e a longo prazo. (Leicht, 2005, p.27)

    Indicadores so importantes, desde que eles no se fun-damentem apenas em critrios de rentabilidade econmica. Como foi realado na Conferncia de Berlim, pode haver ambiguidades e dualismos entre indicadores e competn-cias, em funo dos diferentes modelos de competncias. As competncias em EDS no se resumem a seus aspectos cognitivos, j que implicam desafios, comportamentos, atitudes e intenes. Alm do componente cognitivo, elas implicam certos componentes emocionais e motivacionais. Competncias no se limitam capacidade ou habilidade de um indivduo resolver problemas. Elas implicam na capacidade de organizar seu prprio trabalho, de pensar criticamente, de trabalhar coletivamente, de sentir-se unido a uma comunidade humana, como se subentende na noo de Gestaltungskompetenz.

    Alm disso, ao se tratar de competncias e de indicado-res, deve-se estabelecer critrios de relevncia e respeitar os diferentes contextos e nveis de ensino, o que no impede de buscar alguns aspectos em comum. Os governos compro-metidos em incluir temas relacionados com a sustentabili-dade precisam levar em conta os nveis de pobreza, a cons-truo da paz, da justia e da democracia, a segurana, os direitos humanos, a diversidade cultural, a equidade social e a proteo ambiental, entre outros temas. Isso vale tambm para a estratgia de implementao da Unece na Europa, como sustentou, na Conferncia de Berlim, Arjen E.J. Wals, professor da Universidade de Wageningen (Holanda).

    Entre as boas prticas da Europa, est a experincia das

    ecoescolas da Esccia e da Hungria. A Rede Hngara de Ecoescolas compreende escolas cujo projeto pedaggico tem por base os valores da sustentabilidade, a educao ambien-tal, a educao para um modo de vida mais saudvel e a edu-cao para a participao democrtica. Aproximadamente 6% (272) das escolas do pas j fazem parte desta rede. Para fazer parte da rede, as escolas precisam demonstrar como acompanham e avaliam o seu plano de ao para a EDS.

    A regio sia-Pacfico desenvolveu sua estratgia regio-nal com o apoio do United Nations Environment Programme (Unep) e da Universidade das Naes Unidas (Unesco-Bangkok, 2005). Destacamos, na estratgia desta regio, o cuidado com a participao dos principais atores da EDS: ativistas sociais, governos, comunidades, setor privado, instituies de educao formal, sociedade civil, meios de comunicao social, jovens e agncias internacionais. Para cada um desses setores e atores a estratgia da regio sia-Pacfico dedica uma ateno especial. Destacamos ainda o papel dirigente da Unesco neste processo, principalmente da sua sede de Bangkok.

    Aline Bory-Adams, responsvel da Unesco-Paris pela Dcada, afirma que a Unesco tem dois papis a desem-penhar na Dcada: catalizar, coordenar e apoiar os pro-cessos globais iniciados com o Plano Internacional de Implementao, principalmente apoiando a reorientao de sistemas educacionais e facilitar um ambiente que via-bilize o xito dos objetivos e metas da Deds (Bory-Adams, 2007, p.41).

    A Amrica Latina definiu sua estratgia regional em novembro de 2006, num encontro latino-americano, em San Jos da Costa Rica (Unesco/Centro da Carta da Terra, 2007). A Amrica Latina tem uma longa tradio do

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    Educar para a Sustentabilidade

    movimento de educao ambiental ao qual vem se asso-ciando o desafio lanado pela Dcada da Educao para o desenvolvimento sustentvel. Entre as linhas estratgicas da regio, destacam-se: a articulao de esforos convergentes, a integrao e harmonizao da poltica educativa em cada pas com a EDS, o fortalecimento de marcos normativos e polticas pblicas para o seu incremento, a comunicao e a informao acerca do que sustentabilidade e o forta-lecimento da cooperao e da associao estratgica entre os diferentes setores e agentes do mbito pblico, privado e da sociedade civil organizada.

    Alm das regies mencionadas, vrios pases j tm planos ou estratgias nacionais para a EDS. Entre eles es-to a Finlndia, o Japo, a Esccia, a ndia, a Sucia e a Alemanha.

    A Finlndia envolveu fortemente a educao de adultos na Deds. Entre os princpios que orientam o seu plano estratgico da Dcada destacamos: a transparncia, a in-terdisciplinaridade, a cooperao e construo de redes, a participao e a pesquisa (Finland, 2006). O Ministrio da Educao da Finlndia publicou uma coletnea de artigos cujo tema a implementao da Dcada na Finlndia no ensino superior (Kaivola, 2007).

    O Japo foi um dos primeiros pases a criar seu pla-no, no incio de 2006, por intermdio de uma reunio interministerial (Educao e Meio Ambiente). O Plano de Ao da Deds do Japo coloca a EDS em conjunto com os Objetivos do Milnio e estabelece vrios programas para promover a qualidade da educao com base no princpio da sustentabilidade, principalmente para a formao dos professores:

    promovendo ativamente a EDS, temos o objetivo de aju-dar todos/as a tomarem conhecimento da situao em que o mundo se encontra, futuras geraes, nossa sociedade e a relao das pessoas com ela, e participar da criao de uma sociedade sustentvel (...). Dentro da diversidade de assuntos que envolvem o meio ambiente, a economia e a sociedade, o que se exige dos pases desenvolvidos, inclusive do Japo, a incorporao de consideraes sobre o meio ambiente em seus sistemas socioeconomicos. Isso significa que precisamos mudar nossos estilos de vida e a nossa estrutura industrial baseada na produo, consumo e gasto de biomassa e estabe-lecer sistemas de consumo e produo sustentveis que sejam seguros biodiversidade. (Japan, 2006, p.4-5)

    Na ndia, o Centro para a Educao Ambiental (CEE) de Ahmedabad, criado em 1984 e filiado a Fundao Nehru para o Desenvolvimento, tem-se destacado na promoo da Deds, com programas de formao em todo o pas. Em no-vembro de 2007, o Centro para a Educao Ambiental foi responsvel pela realizao da IV Conferncia Internacional sobre Educao Ambiental da Unesco.

    O Plano Nacional de Ao da Alemanha refora a Dcada como um processo contnuo, com uma fun-o integradora que promove a responsabilidade global: a importncia do aprendizado informal e ao longo da vida cresce medida que as instituies de educao tra-dicionais e os setores formais da educao precisam ser redefinidos conforme os processos de rpida mudana (German Commission for Unesco, 2005, p.8). Entre os objetivos do Plano Nacional da Alemanha destaca-se a ne-cessidade de promover a cooperao internacional. O programa Transfer-21 coordenado por Gerhard de Haan, da Universidade Livre de Berlim, e promovido pelo Ministrio Federal da Educao e da Pesquisa, desenvolve atividades

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    de EDS em nvel nacional, produzindo materiais e promo-vendo a formao em Gestaltungskompetenz.

    Mrio Freitas, da Universidade do Minho, Portugal, prope e defende que a Deds seja orientada para constituir-se numa oportunidade de: 1) aprofundar o debate terico e prtico acerca dos conceitos de sustentabilidade, desenvolvi-mento sustentvel, sociedades sustentveis; 2) promover um intenso e profcuo cruzamento de olhares, necessariamente diversos, para que se possa construir um futuro sustentvel; 3) promover a emergncia de abordagens epistemolgicas e metodolgicas complexas que valorizem a intertransdisci-plinaridade e a intertransculturalidade; 4) criar condies para a emergncia e fortalecimento de movimentos cvicos e populares no instrumentalizados pelo poder; 5) exigir do poder poltico e econmico a prestao clara, objetiva e pblica de contas relativas aos compromissos assumidos; 6) criar amplas redes de partilha, divulgao e debate de experincias de sustentabilidade; 7) promover pesquisas e produzir conhecimentos voltados para a educao comu-nitria e popular (Freitas, 2007, p.135-6).

    Para Carl Lindberg, assessor especial da Comisso Nacional Sueca da Unesco e membro do Painel de Alto Nvel sobre a Deds,

    esta a nossa oportunidade de ouro temos o comprometi-mento de professores de todos os nveis, diretores de escolas e universidades, estudantes, ministros da Educao e demais polticos da rea da educao em todo o mundo de levar os assuntos srios a srio, de trabalhar com outras pessoas para mudar nossos sistemas educacionais em todos os nveis. (Lindberg, 2007, p.38)

    A Dcada no contexto da globalizao

    A globalizao, impulsionada pela tecnologia, parece deter-minar cada vez mais nossas vidas. As decises sobre o que nos acontece no dia-a-dia parecem nos escapar, por serem tomadas muito distante de ns, comprometendo nosso papel de sujeitos na histria. Mas no bem assim. Como fenmeno, como processo, a globalizao irreversvel. Mas no esse tipo de globalizao, esse modelo de globalizao, o globalista (Ianni, 1996) ao qual estamos submetidos hoje: a globalizao capitalista. Seus efeitos mais imediatos so o desemprego, o aprofundamento das diferenas entre os poucos que tm muito e os muitos que tm pouco, a perda de poder e de autonomia de muitos estados e naes. H, pois, que distinguir os pases que hoje comandam a globalizao os globalizadores (pases ricos) dos pases que sofrem a globalizao os globalizados (pobres).

    Dentro deste complexo fenmeno, podemos distinguir tambm a globalizao econmica, realizada pelas trans-nacionais, da globalizao da cidadania. Ambas se utili-zam da mesma base tecnolgica, mas com lgicas opostas. A primeira, submetendo estados e naes, comandada pelo interesse capitalista; a segunda globalizao a outra globalizao, como chamada por Milton Santos (2000) a realizada pelas organizaes da sociedade civil global. Essas organizaes se reuniram pela primeira vez no Rio de Janeiro, em 1992, no Frum Global 92, um evento dos mais significativos do final de sculo 20, dando um grande impulso globalizao da cidadania. Hoje, o debate em torno da Carta da Terra e da Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel, est se constituindo num fator importante de construo desta cidadania planetria.

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    Qualquer pedagogia, pensada fora da nova globalizao e do movimento ecolgico mundial, tem hoje srios problemas de contextualizao.

    Diz a letra de uma msica do cantor brasileiro Milton Nascimento: Estrangeiro eu no vou ser / Cidado do mundo eu sou. Se as crianas de nossas escolas enten-dessem em profundidade o significado das palavras desta cano, estariam iniciando uma verdadeira revoluo peda-ggica e curricular. Como posso sentir-me estrangeiro em qualquer territrio desse planeta se perteno a um nico territrio, a Terra? No h lugar estrangeiro para terrqueos na Terra. Se sou cidado do mundo, no podem existir para mim fronteiras. As diferenas culturais, geogrficas, raciais e outras enfraquecem diante do meu sentimento de pertencimento humanidade, ao planeta Terra.

    A noo de cidadania planetria (mundial) sustenta-se na viso unificadora do planeta e de uma sociedade mundial. Ela se manifesta em diferentes expresses: nossa humanidade comum, unidade na diversidade, nosso futuro comum, nossa ptria comum. Cidadania plane-tria uma expresso adotada para expressar um conjun-to de princpios, valores, atitudes e comportamentos que demonstram uma nova percepo da Terra como uma nica comunidade. Frequentemente associada ao desen-volvimento sustentvel, ela muito mais ampla do que essa relao com a economia. Trata-se de um ponto de referncia tico indissocivel da civilizao planetria e da ecologia. A Terra Gaia, um superorganismo vivo e em evoluo. O que for feito a ela repercutir em todos os seus filhos.

    A globalizao no se constitui em si mesma num proble-ma. Ela representa um processo de avano sem precedentes na histria da humanidade. Assim como no existe apenas

    uma forma possvel de mercado, no existe uma nica globa-lizao possvel. O que vemos a globalizao hegemnica, na perspectiva do capital. Mas h outras formas possveis. O que problemtico a globalizao competitiva, em que os interesses do mercado se sobrepem aos interesses humanos, em que os interesses dos povos se subordinam aos interesses corporativos das grandes empresas transnacionais. Assim, podemos distinguir uma globalizao competitiva de uma possvel globalizao cooperativa e solidria que, em outros momentos, chamamos de processo de planetarizao. A primeira est subordinada apenas s leis do mercado e a segunda subordina-se aos valores ticos e espiritualidade humana. Para essa segunda globalizao que a Carta da Terra e a educao para o desenvolvimento sustentvel po-dem e devem dar uma contribuio importante.

    Como se situa o movimento ecolgico diante desse tema?

    importante notar, como o fez Alcia Brcena no prefcio do livro de Francisco Gutirrez e Cruz Prado (1998), Ecopedagogia e cidadania planetria, que a forma-o de uma cidadania ambiental um componente estra-tgico do processo de construo da democracia. Para ela, a cidadania ambiental verdadeiramente planetria, pois no movimento ecolgico o local e o global se interligam. A derrubada da floresta amaznica, ou de qualquer floresta do mundo, no apenas um fato local. um atentado contra a cidadania planetria. O ecologismo tem muitos e reconhecidos mritos na colocao do tema da planeta-ridade. Foi pioneiro na extenso do conceito de cidadania no contexto da globalizao e tambm na prtica de uma cidadania global de tal modo que hoje cidadania global e ecologismo fazem parte do mesmo campo de ao social,

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    do mesmo campo de aspiraes e sensibilidades. A cidadania planetria no pode ser apenas ambien-

    tal j que existem agncias de carter global com polti-cas ambientais que se sustentam numa viso capitalista. A cidadania planetria ultrapassa a dimenso ambiental. Implica compreender que a Terra nossa casa comum: um organismo vivo e interdependente. No adianta consertar o alicerce de apenas um cmodo desta casa. No vamos salvar o planeta, salvando apenas a Amaznia. Manter o planeta Terra vivo uma tarefa de todos ns, em todos os cmo-dos da casa e em suas diferentes dimenses: econmica, social, cultural, ambiental etc. A cidadania planetria no pode ser apenas ambiental porque a pobreza, o analfabe-tismo, as guerras tnicas, a discriminao, o preconceito, a ganncia, o consumismo, o trfico, a corrupo destroem a nossa casa, tiram a vida do planeta. A cidadania planetria implica entender a interdependncia, a interconexo, a luta comum (h um desafio que de todos ns, em todas as partes do planeta e nas diferentes dimenses) para todas as formas de vida em nossa casa. A cidadania planetria im-plica aprender a trabalhar em redes de forma intersetorial e compartilhada.

    A cidadania planetria dever ter como foco a superao das desigualdades, a eliminao das sangrentas diferenas econmicas e a integrao intercultural da humanidade, enfim, uma cultura da justipaz (a paz como fruto da jus-tia). No se pode falar em cidadania planetria ou global sem uma efetiva cidadania na esfera local e nacional. Uma cidadania planetria , por excelncia, uma cidadania inte-gral, portanto, uma cidadania ativa e plena, no apenas em relao aos direitos sociais, polticos, culturais e institucio-nais, mas tambm em relao aos direitos econmicos. Ela

    implica tambm a existncia de uma democracia planetria. Portanto, ao contrrio do que sustentam os neoliberais, es-tamos muito longe de uma efetiva cidadania planetria. Ela ainda permanece como projeto humano. Ela precisa fazer parte do prprio projeto da humanidade como um todo. Ela no ser uma mera consequncia ou um subproduto da tecnologia ou da globalizao econmica.

    Uma grande oportunidade para os sistemas de ensino

    A Dcada da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel se constitui numa grande oportunidade para a renovao dos currculos dos sistemas formais de educao. O apelo do documento das Naes Unidas , sobretudo, para os Estados membros. O documento resgata a histria de lutas por uma cultura da sustentabilidade, desde Estocolmo (1972), passando pelo Nosso Futuro Comum (1987), pela Rio-92, pelo Frum de Educao de Dakar (2000) e pelos Objetivos do Milnio (2002).

    A Dcada representa um meio de implementao do captulo 36 da Agenda 21, buscando reorientar e poten-cializar polticas e programas educativos j existentes como o da educao ambiental e iniciativas como a da Carta da Terra. O captulo 36 da Agenda 21 enfatiza que a educa-o um fator crtico para promover o desenvolvimento sustentvel e para desenvolver a capacidade das pessoas no que se refere s questes do meio ambiente e do desenvolvi-mento. O mesmo captulo identifica quatro desafios bsicos para implementar uma EDS: melhorar a educao bsica, reorientar a educao existente para alcanar o desenvolvi-mento sustentvel, desenvolver a compreenso pblica, o

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    conhecimento e a formao. Quais so os objetivos da Dcada da Educao para o

    Desenvolvimento Sustentvel? O documento afirma textualmente (edio brasileira,

    maio de 2005):

    o objetivo maior da Dcada integrar princpios, valores, e prticas de desenvolvimento sustentvel em todos os aspec-tos da educao e do ensino. Esse esforo educacional deve encorajar mudanas no comportamento para criar um futuro mais sustentvel em termos da integridade do meio ambiente, da viabilidade econmica, e de uma sociedade justa para as atuais e as futuras geraes (...). O programa Educao para o Desenvolvimento Sustentvel exige que se reexamine a poltica educacional, no sentido de reorientar a educao desde o jar-dim da infncia at a universidade e o aprendizado permanente na vida adulta, para que esteja claramente enfocado na aqui-sio de conhecimentos, competncias, perspectivas e valores relacionados com a sustentabilidade. (Unesco, 2005, p.57)

    Os objetivos especficos da Dcada, segundo a Unesco, so:

    facilitar as redes e os vnculos entre os ativistas que de-fendem a EDS; incrementar o ensino e a aprendizagem da EDS; ajudar os pases na implementao dos Objetivos do Milnio por meio da EDS; oferecer aos pases novas oportunidades para incorporar a EDS nos seus esforos de reforma educacional.

    uma ideia simples a de estimular mudanas de atitu-des e comportamentos. Um instrumento de mobilizao, difuso e informao que depende muito de parcerias,

    principalmente, com ONGs. Um dos objetivos da Dcada facilitar vnculos e redes, trocas e interao entre atores sociais e Educao para o Desenvolvimento Sustentvel, isto , facilitar contatos, a criao de redes, o intercmbio e a interao entre as partes envolvidas em EDS.

    A Dcada vem reafirmando que a educao um ele-mento indispensvel para que se atinja o desenvolvimento sustentvel (Idem, p.27), mas no decisivo sem medidas de poltica econmica. A economia pode mudar se houver mobilizao social contra o atual modelo capitalista insus-tentvel. Uma EDS sem mobilizao social contra o atual modelo econmico no alcanar suas metas. E isso est de acordo com o prprio documento quando afirma que a economia global de mercado, como existe atualmente, no protege o meio ambiente e no beneficia metade da populao mundial (Idem, p.56).

    Portanto, a EDS, para ser eficaz, deve ser uma educao eminentemente poltica. E isso tambm est no documen-to: o desenvolvimento sustentvel no busca preservar o status quo, ao contrrio, busca conhecer as tendncias e as implicaes da mudana (Idem, p.39). E conclui:

    necessita-se de uma educao transformadora, uma educao que contribua para tornar realidade as mudanas fundamen-tais exigidas pelos desafios da sustentabilidade (...). Aprender no mbito do programa EDS no pode, entretanto, limitar-se meramente esfera pessoal aprender deve levar a uma participao ativa na busca e aplicao de novos padres de organizao social e mudana. (Idem, p.42 e 45)

    O que me parece problemtico nos documentos da Dcada a relao entre a educao para o desenvolvimento sustentvel e a educao ambiental. Afirma-se que a

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    educao para o desenvolvimento sustentvel no deve ser equiparada educao ambiental. Educao ambiental , segundo o documento,

    uma disciplina bem estabelecida que enfatiza a relao dos homens com o ambiente natural, as formas de conserv-lo, preserv-lo e de administrar seus recursos adequadamente. Portanto, desenvolvimento sustentvel engloba a educao ambiental, colocando-a no contexto mais amplo dos fatores socioculturais e questes sociopolticas de igualdade, pobreza, democracia e qualidade de vida. (Idem, p.46)

    Uma pesquisa realizada em novembro de 2004, durante o V Frum Brasileiro de Educao Ambiental, no Brasil, com mais de 1.500 participantes mostrou que apenas 18% co-nheciam a Dcada e 68% achavam inconveniente mudar a expresso educao ambiental para educao para o desenvolvimento sustentvel porque, sustentavam, a educao ambiental contm j elementos sociais e econ-micos e a educao para o desenvolvimento sustentvel confusa conceitual e operativamente. Argumentavam que a substituio da educao ambiental pela educao para o desenvolvimento sustentvel representa a perda de um capital simblico construdo na regio com muita dificul-dade e com grande potencial transformador. Creio que devemos debater melhor a relao entre educao ambiental e educao para o desenvolvimento sustentvel para evitar esses equvocos.

    Existe nas Naes Unidas um grande arcabouo legal de declaraes e de programas, mas pouca efetividade. O impacto ainda pequeno. No h garantias de cumprimen-to das metas. Falta aperfeioar mecanismos de avaliao, acompanhamento, controle e monitoramento. Uma boa

    iniciativa seria a de apoiar os observatrios pelo direito educao e as campanhas j existentes em muitas partes do mundo.

    A Dcada reconhece a Carta da Terra como uma outra iniciativa internacional (Unesco, 2005, p.41). Estranhamente ela aparece nas reas do Desenvolvimento Sustentvel (sociedade, meio ambiente e economia), mas no a reconhece como estratgica e nem como movimen-to, como uma iniciativa global. Se a Carta da Terra for reconhecida como um movimento pela tica e como uma iniciativa global, uma causa global, ela deve aparecer tam-bm nas estratgias de implementao e no apenas como uma iniciativa a mais. Devido sua experincia vivida de 16 anos de existncia, a Carta da Terra pode contribuir muito na Dcada tambm na sua implementao, no seu acompanhamento e na sua avaliao crtica.

    Concordo com o teor geral do documento das Naes Unidas. Contudo, gostaria que ele desse maior importn-cia ao trabalho desenvolvido pelas ONGs e movimentos sociais. Somos essencialmente uma sociedade de redes e de movimentos. A Carta da Terra e a Deds deveriam estar mais presentes nos movimentos sociais como o Frum Mundial de Educao (FME) e o Frum Social Mundial (FSM). Elas teriam mais penetrao nos movimentos sociais se estives-sem associadas mais organicamente a esses Fruns.

    A Declarao do Rio (1992) sustenta que

    todos os programas de desenvolvimento sustentvel (...) devem considerar as trs esferas da sustentabilidade: ambiente (re-cursos e fragilidade do ambiente fsico), sociedade (incluindo cultura, participao, opinio pblica e mdia) e economia (o crescimento econmico e seu impacto na sociedade e no meio ambiente).

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    Estas so as reas chaves da EDS.A respeito do impacto do conceito de sustentabilidade

    na educao formal, podemos considerar dois nveis:

    o nvel legal: reformas educacionais (currculo, contedos).

    A lei, a regra, pode introduzir novos comportamentos, mas ns precisamos de um outro nvel:

    o nvel de compromisso das pessoas, engajando o seu en-dosso (para uma vida sustentvel), por um processo vi-rtico, biolgico, intuitivo (no um processo mecnico ou racional), possibilitado por diferentes motivaes (compaixo, amor, medo, raiva etc.).

    A educao para o desenvolvimento sustentvel, apesar de sua ambiguidade, uma viso positiva do futuro da hu-manidade, um consenso apoiado por uma grande maioria. Com o aquecimento global, a Dcada tornou-se ainda mais atual, e pode contribuir para a compreenso das grandes crises atuais (gua, alimento, energia etc.).

    A EDS implica mudar o sistema, implica o respeito vida, o cuidado dirio com o planeta e o cuidado com toda a comunidade da vida. Isso significa, compartilhar valores fundamentais, princpios ticos e conhecimentos (respeito Terra e a toda a diversidade da vida; cuidar da comunidade da vida com compreenso, compaixo e amor; construo de sociedades democrticas que sejam justas, participati-vas, sustentveis e pacficas). A EDS um ponto central do sistema educacional voltado para o futuro. Contudo, no suficiente mudar o comportamento das pessoas; ns necessitamos de iniciativas polticas.

    O sistema formal de educao, em geral, baseado em princpios predatrios, em uma racionalidade instrumental, reproduzindo valores insustentveis. Para introduzir uma cultura da sustentabilidade nos sistemas educacionais ns precisamos reeducar o sistema. Ele faz parte do problema, no somente parte da soluo.

    Estou convencido de que a sustentabilidade um con-ceito poderoso, uma oportunidade para que a educao re-nove seus velhos sistemas, fundados em princpios e valores competitivos, e introduza uma cultura da sustentabilidade e da paz nas comunidades escolares, a fim de serem mais cooperativas e menos competitivas. De qualquer forma, ns necessitamos adaptar esse conceito s diferentes rea-lidades. H diferentes formas de aplicao deste conceito, dependendo do contexto: ns temos diferentes compreen-ses, por exemplo, na Europa, na frica, no Iraque, no Afeganisto. Os riscos (vulnerabilidade) so globais, mas as solues so locais e regionais. Ns podemos reduzir, mas no eliminar riscos. Aprender a viver com o risco uma exigncia da EDS. Precisamos reforar a ideia de que no existe um modelo universal de EDS. Consequentemente, podemos ter diferentes abordagens de EDS, diferentes pedagogias e mtodos para traduzir esta viso comum em nvel local.

    A EDS um conceito integrativo (integra educao, sade, trabalho, cincias etc.) e interativo. Precisamos, por exemplo, estabelecer um dilogo entre EDS e as estratgias da educao para todos (EPT). A EPT j fez um longo caminho (Jomtien, Dacar...), enquanto a EDS est apenas comeando. Precisamos criar sinergias entre estes dois pro-cessos e usar o conceito de sustentabilidade para implemen-tar uma nova qualidade da educao formal, uma educao

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    socioambiental. Neste momento, os pases ricos tm dado mais ateno EDS e os pases pobres, devido a sua reali-dade, tm dado mais ateno a EPT (Wade, 2007).

    Qual a diferena de abordagem entre esses dois movimentos?

    A EPT refere-se educao bsica, ao sistema for-mal, s necessidades bsicas de aprendizagem, s escolas, alfabetizao, ao direito educao. Basicamente, a EPT envolve apenas o Ministrio da Educao. Ao contrrio, o movimento da EDS vai alm da educao bsica e da edu-cao formal. tambm no-formal e envolve a educao ao longo de toda a vida (nvel social, sistemas e organiza-es). A EDS serve para reorientar o currculo. Ela mais emancipatria e envolve outros ministrios, como o do Meio Ambiente, Agricultura etc. O conceito de desenvolvimento susten-

    tvel, embora tenha aparecido s em 1987, no Relatrio Brundtland, tem importantes antecedentes histricos. Ele remonta aos anos 60. Em 1968 foi fundado o Clube de Roma, um grupo de economistas e cientistas que adver-tiram a humanidade sobre o ritmo do crescimento (Meadows, 1972), que poderia levar, como est levando, a um limiar que, se ultrapassado, poria em risco a sobrevivncia da espcie. Esse conceito estava presente tambm em 1972 na Conferncia de Estocolmo (Sucia)4, em cuja Declarao sobre o

    Sustentabilidadee bem viver

    Captulo 2

    4. Este foi o primeiro grande evento internacional no qual a Repblica Popular da China participou como novo membro das Naes Unidas. A Conferncia foi presidida pelo ecologista canadense Maurice Strong.

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    Meio Ambiente manifestava preocupao sobre o uso dos recursos naturais. Dois anos depois (1974), o ambienta-lista Lester Brown criou uma organizao, o Worldwatch Institute para pesquisar o tema, cujos resultados foram publicados dez anos depois (1984) no relatrio State of The World Report, com dados muito preocupantes sobre os impactos ambientais do modelo econmico dominante5.

    A Conferncia de Estocolmo preocupou-se tambm com o problema da pobreza e da distribuio de renda, mas o foco mesmo era a poluio causada pelas atividades huma-nas, particularmente pelo desenvolvimento industrial, que degradavam o meio ambiente. Os pases ricos reconheceram que eram eles que mais poluam a Terra, mas no discuti-ram como evitar a poluio. Diziam que era o custo que se pagava pelo progresso.

    Em 1982, a ONU aprovou a Carta da Natureza, de-fendendo todos os tipos de vida e criou (1983) a Comisso Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento lide-rada pela primeira ministra da Noruega, Gro Harlem

    Brundtland, para formular propostas de superao des-se impasse. Seu relatrio saiu quatro anos depois (1987) com o nome Nosso Futuro Comum, tambm chamado de Relatrio Brundtland, em que aparece pela primeira vez o termo desenvolvimento sustentvel, definido nos seguintes termos:

    o desenvolvimento sustentvel um processo de transforma-o no qual a explorao dos recursos, a direo dos inves-timentos, a orientao do desenvolvimento tecnolgico e a mudana institucional se harmonizam e reforam o potencial presente e futuro, a fim de atender as necessidades e aspiraes humanas.

    O Relatrio Brundtland estabelece algumas condi-es para o desenvolvimento sustentvel (WCED, 1987, p.65):

    um sistema poltico que garanta a efetiva participao dos cidados no processo decisrio;um sistema econmico capaz de gerar supervit e conhe-cimento tcnico em bases confiveis e constantes;um sistema social que possa resolver as tenses causadas por um desenvolvimento no-equilibrado; um sistema de produo que respeite a obrigao de preservar a base ecolgica do desenvolvimento;um sistema tecnolgico que busque constantemente novas solues;um sistema internacional que estimule padres susten-tveis de comrcio e financiamento; eum sistema administrativo que seja flexvel e capaz de se autocorrigir.

    Somente dois chefes de estado participaram desta Conferncia: Olof Palme, primeiro ministro da Sucia, e Indira Gandhi, primeira mi-nistra da ndia. Ela viajou para Stockholm para enfatizar o estreito vnculo entre a deteriorao do meio ambiente e a pobreza. Ela sustentou que um problema no poderia ser resolvido sem o outro. As sementes do conceito de desenvolvimento sustentvel foram se-meadas (Sarabhai et alii, 2007, p.1).

    5. Segundo Egbert Tellegen (2006, p.7), o primeiro documento a colocar o desenvolvimento sustentvel na agenda mundial do meio ambien-te foi a Estratgia de Conservao Mundial (World Conservation Strategy), uma publicao conjunta de duas organizaes internacionais de preservao da natureza: International Union for the Conservation of Nature e World Wildlife Fund, juntamente com a Agncia de Proteo do Meio Ambiente, das Naes Unidas (IUCN, Unep and WWF, 1980).

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    A consagrao do conceito de desenvolvimento susten-tvel deu-se, definitivamente, com a Rio-92, a Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente, tambm chamada de Eco-92. Seu maior resultado foi a Agenda 21, contendo um conjunto de propostas e objetivos para reverter o processo de degradao do meio ambiente. Cinco anos depois (1997), um Protocolo assinado por 84 pases (no os Estados Unidos) em Quioto, no Japo, previa a reduo da emisso de dixido de carbono e de outros gases que provocam o efeito estufa. Como se sabe, o efei-to estufa provocado pelo excesso de gases na atmosfera. O dixido de carbono faz parte desses gases. Quando a radiao solar atinge a Terra, parte dos raios absorvida pela sua superfcie e parte reenviada para o espao. Uma quantidade muito elevada de gases na atmosfera, como o dixido de carbono e o metano, faz com que a Terra absorva uma quantidade maior de raios solares, provocando um aquecimento excessivo.

    Um dos organismos das Naes Unidas, o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) vem trabalhando com o conceito de desenvolvimento humano sustentvel, ampliando o seu sentido inicial e enfatizando as vrias dimenses necessrias para o desenvolvimento de um povo, abrangendo no s o crescimento econmico e a sustentabilidade ambiental, mas tambm a erradicao da pobreza, a promoo da equidade, a incluso social, igualdade de gnero e raa e a participao poltica, todos considerados como fatores importantes na promoo de um modo de vida sustentvel, como sustenta a Carta da Terra.

    Na Rio+10 organizada pela ONU em Johanesburgo, em 2002, na frica do Sul, constatou-se o fracasso das medidas

    tomadas dez anos antes. O mundo tomava conhecimento de que a maior conscincia ecolgica que se seguiu Rio-92 no fora suficiente para evitar o desastre confirmado logo a seguir (2006 e 2007) pelo Painel Intergovernamental so-bre Mudanas Climticas (IPCC). O aquecimento global j no um episdio distante. Seus efeitos j comeam a fazer-se sentir em todo o planeta. Agora j ultrapassamos o limiar apontado pelo Clube de Roma em 1968. Em poucos anos, pela ao dos seres humanos agora est comprovado ficou demonstrado cientificamente que o aquecimento global uma realidade. No temos mais escolha: ou muda-mos o nosso modo de produzir e reproduzir nossa existncia no planeta ou simplesmente morreremos. Ou inventamos um novo modo de viver ou morreremos. Os dados do IPCC mostraram que a principal causa do aquecimento global a ao humana. A temperatura do planeta poder subir at o final do sculo entre 1,8 a 4C, com graves consequncias para todos os ecossistemas da Terra.

    O relatrio da ONU mostrou que a taxa de aumento da emisso de gs-estufa est no setor de energia, que cresceu 145% nos ltimos 15 anos, o setor de transporte cresceu 120%, o setor industrial cresceu 65% e o setor florestal, por meio do desmatamento e das queimadas, que cres-ceu 40%. Em princpio, todos podemos contribuir para reduzir a emisso de gases-estufa, mudando nosso estilo de vida, utilizando menos energia (desligar a luz, colocar o ar condicionado no to frio...), usando transporte co-letivo, deslocando-se mais p, trabalhando mais em casa (pela internet) etc. Precisamos olhar para dentro de ns mesmos e para nossos padres de consumo insustentveis. Os relatrios do IPCC nos alertam para o fato de que j passamos do limite. Agora temos que criar estratgias para

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    sobreviver, primeiro nos preparando para as mudanas e, segundo, diminuindo os efeitos negativos do aquecimento global rearborizando o planeta, por exemplo.

    Polissemia do conceito de desenvolvimento sustentvel

    Apesar de toda essa discusso, os termos sustentvel e desenvolvimento continuam vagos e controvertidos6. Por isso, precisamos qualificar cada um deles. Estamos tentando dar a esses conceitos um novo significado. De fato, sus-tentvel um termo que, associado ao desenvolvimento, sofreu um grande desgaste. Enquanto para alguns apenas um rtulo, para outros ele tornou-se a prpria expresso de um absurdo lgico: desenvolvimento e sustentabilidade seriam logicamente incompatveis. Para ns, sustentvel mais do que um qualificativo do desenvolvimento eco-nmico. Ele vai alm da preservao dos recursos naturais e da viabilidade de um desenvolvimento sem agresso ao meio ambiente. Ele implica um equilbrio do ser humano consigo mesmo e com o planeta, e, mais ainda, com o pr-prio universo. A sustentabilidade que defendemos refere-se ao prprio sentido do que somos, de onde viemos e para onde vamos, como seres humanos.

    Esse um dos temas que devero dominar os debates educativos das prximas dcadas. O que estamos estudando nas escolas? No estaremos construindo uma cincia e uma

    cultura que esto servindo apenas para a degradao do planeta e dos seres humanos? A categoria sustentabilidade deve ser associada planetaridade, isto , uma viso da Terra como um novo paradigma. Complexidade, holismo, transdisciplinaridade aparecem como categorias associa-das ao tema da planetaridade. Que implicaes tem essa viso de mundo sobre a educao? O tema remete a uma cidadania planetria, civilizao planetria, conscincia planetria. Uma cultura da sustentabilidade tambm, por isso, uma cultura da planetaridade, isto , uma cultura que parte do princpio de que a Terra constituda por uma s comunidade de humanos, os terrqueos, e que so cidados de uma nica nao.

    Esse debate j teve incio com o surgimento do conceito de desenvolvimento sustentvel utilizado pela primeira vez pela ONU em 1979, indicando que o desenvolvimen-to poderia ser um processo integral que deveria incluir as dimenses culturais, ticas, polticas, sociais, ambientais e no somente as dimenses econmicas. Muitas foram as crticas feitas a esse conceito posteriormente, muitas vezes pelo seu uso reducionista e sua trivializao, apesar de apa-recer como politicamente correto e moralmente nobre. Jos Gutirrez Prez e Mara Teresa Pozo, da Universidade Autnoma de Nuevo Len (Mxico), afirmam que a ex-presso desenvolvimento sustentvel

    converteu-se num tipo de instrumento multiuso que colo-cou em contato ambientalistas e imobilirias, empresrios e conservacionistas, polticos e gestores, sem que pelo simples fato do uso comum do termo nada se tenha feito; muito pelo contrrio, com a confuso gerada, quem mais ganhou tm sido os defensores do neoliberalismo, pois o termo desenvol-vimento pode significar qualquer coisa dependendo de como

    6. H uma tendncia de aplicao do conceito de sustentabilidade a tudo o que considerado bom, como um conceito guarda-chuva. O mercado considera desenvolvimento sustentvel como sinnimo de responsabilidade social

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    se olhe e com que finalidades se empregue. Diante de uma dcil aparncia de neutralidade semntica, podemos ver como seu uso polissmico permite acepes diametralmente opostas (Prez & Pozo, 2006, p.28).

    Como no poderia deixar de ser, a mesma crtica que feita expresso desenvolvimento sustentvel, por ex-tenso, feita EDS. Pablo ngel Meira Cartea, tambm da Universidade Autnoma de Nuevo Len (Mxico), sustenta que a EDS orientada pela ideologia neoliberal do mercado: no encontramos razes de carter lgico, epistemolgico, terico-pedaggico, metodolgico ou ideo lgico para aceitar sem mais que a EDS seja ou possa chegar a ser algo substancialmente distinto, superior ou mais eficaz do que a educao ambiental (Cartea, 2006, p.42). Mesmo levando em conta essas crticas, entendemos que a Deds e, portanto, a EDS, como foi concebida pela IV Conferncia Internacional sobre Educao Ambiental, realizada em Ahmedabad (ndia), de 24 a 28 de novem-bro de 2007, representa uma grande oportunidade para a educao ambiental. No o caso de ficarmos polarizando conceitos, mas de manter a nossa radicalidade, na prtica, enquanto educadores ambientais.

    H outras expresses que tm uma base conceitual comum e se complementam, tais como: desenvolvimen-to humano, desenvolvimento humano sustentvel e transformao produtiva com equidade (Cepal, 1990). A expresso desenvolvimento humano tem a vantagem de situar o ser humano no centro do desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento humano tem como eixos centrais a equidade e a participao. um conceito ainda em evoluo e se ope concepo neoliberal de desenvolvimento. Concebe a sociedade desenvolvida como

    uma sociedade equitativa, esta a ser alcanada por meio da participao das pessoas.

    Assim como o conceito de desenvolvimento sustentvel, tambm o conceito de desenvolvimento humano muito amplo e, por vezes, ainda vago. As Naes Unidas, nos l-timos anos, passaram a usar a expresso desenvolvimento humano como indicador de qualidade de vida fundado em ndices de sade, longevidade, maturidade psicolgi-ca, educao, ambiente limpo, esprito comunitrio e lazer criativo, que so tambm os indicadores de uma sociedade sustentvel, isto , uma sociedade capaz de satisfazer as necessidades das geraes de hoje sem comprometer a ca-pacidade e as oportunidades das geraes futuras.

    As crticas ao conceito de desenvolvimento sustentvel e prpria ideia de sustentabilidade vm do fato de que o ambientalismo muitas vezes trata separadamente as questes sociais e as questes ambientais. O movimento conservacio-nista surgiu como uma tentativa elitista dos pases ricos no sentido de reservar grandes reas naturais para serem preser-vadas para o seu lazer e a sua contemplao. A Amaznia, por exemplo. No se tratava propriamente da sustentabili-dade do planeta, mas, muito mais, da continuao de seus privilgios, em contraste com as necessidades da maioria da populao do mundo. Sem uma preocupao social, o conceito de desenvolvimento sustentvel esvazia-se de sentido. Por isso, devemos falar muito mais do socioam-biental do que do ambiental, buscando no separar as necessidades do planeta das necessidades humanas. Os eco-logistas, os ambientalistas e todos ns precisamos convencer a maioria da populao, a populao mais pobre, de que se trata no apenas de limpar os rios, despoluir o ar, reflorestar os campos devastados para vivermos num planeta melhor

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    num futuro distante. Trata-se de dar uma soluo, simul-taneamente, aos problemas ambientais e aos problemas sociais. Os problemas de que trata a ecologia no afetam apenas o meio ambiente. Afetam o ser mais complexo da natureza que o ser humano.

    O conceito de desenvolvimento no um conceito neutro. Ele tem um contexto bem preciso dentro de uma ideologia do progresso, que supe uma concepo de hist-ria, de economia, de sociedade e do prprio ser humano. O conceito j foi utilizado numa viso colonizadora, durante muitos anos, nos quais os pases do globo foram dividi-dos entre desenvolvidos, em desenvolvimento e sub-desenvolvidos... remetendo-se sempre a um nico padro de industrializao e de consumo. Ele supe que todas as sociedades devam orientar-se por uma nica via de acesso ao bem-estar e felicidade, a serem alcanados apenas pela acumulao e consumo de bens materiais. Metas de de-senvolvimento foram impostas pelas polticas econmicas neocolonialistas dos pases chamados desenvolvidos, em muitos casos, com enorme aumento da misria, da violncia e do desemprego. Junto com esse modelo econmico, com seus ajustes por vezes criminosos, foram transplantados va-lores ticos e ideais polticos que levaram desestruturao de povos e naes. No de se estranhar, portanto, que muitos tenham reservas quando se fala em desenvolvimento sustentvel. Essa concepo e essa prtica desenvolvimentista e colonialista do desenvolvimentismo levou o planeta ao estado de agonia. Temos hoje conscincia de que uma imi-nente catstrofe pode se abater sobre ns, se no traduzirmos essa conscincia em atos para retirar do desenvolvimento essa viso predatria e conceb-lo de forma mais holstica, antropolgica e menos economicista.

    A polissemia do conceito de desenvolvimento sustent-vel tomou e ainda est tomando muito tempo de discusso. Ele continua um conceito em disputa. Como diz Gabriela Scotto, um conceito com muita fama e pouco consenso (Scotto et alii, p.8). Todos reconhecem a ambiguidade dessa expresso, que reconhecida, de um lado, como uma esperanosa revoluo e, do lado oposto, como a realizao do sonho liberal norte-americano. Por isso, muitos se negam a reconhecer na Dcada das Naes Unidas da Educao para o Desenvolvimento Sustentvel uma nova oportuni-dade de transformaes socioambientais e econmicas. Se conceitualmente pode-se discutir os termos dessa Dcada, na prtica, todos sabemos facilmente o que e o que no sustentvel. Insustentvel a fome, a misria, a violncia, a guerra, o analfabetismo etc. O critrio de superao dessa questo a prtica. Afinal, muitos outros conceitos so ambguos, como so os conceitos de cultura, de democra-cia, de cidadania, autonomia, justia etc. Muitos conceitos possuem significados diferentes conforme o contexto e os autores que os defendem. O grande nmero de definies desses conceitos no impede que os consideremos essenciais para as nossas vidas. Damos a eles o contedo prtico que nossos princpios e valores sociais e polticos lhes conferem. Por isso, no podemos deix-los ambguos. Precisamos ex-plicitar o seu sentido e o seu significado.

    A ambiguidade s ser superada na prtica. Os debates tericos so importantes, mas eles tm um limite sem a sua utilizao prtica. Planos concretos daro mais consistncia terica Dcada, superando propostas generalistas. Afinal, a sustentabilidade e o desenvolvimento sustentvel, pro-pondo novos modos de produo e de reproduo da vida novos modos ou estilos de vida sustentvel , dependem,

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    na sua prtica, da correlao de foras polticas existentes na sociedade. A prtica dever necessariamente superar a ambiguidade estabelecida pela vaguidade dos conceitos nela apresentados.

    Quando falamos em vida sustentvel a entendemos como um modo de vida de bem-estar e bem viver para todos, em harmonia (equilbrio dinmico) com o meio ambiente: um modo de vida justo, produtivo e susten-tvel. Amartya Sen (2000), em seu livro Desenvolvimento com liberdade, concebe o progresso da humanidade como um processo de expanso das liberdades das pessoas e dos povos, distanciando-se da concepo de um nico modo de produzir e reproduzir a existncia, ligado industrializao e ao crescimento econmico. O essencial garantir as liber-dades das pessoas construrem sua vida e seu bem estar da forma como o desejarem. O que os governos devem fazer oferecer oportunidades para que todos e todas possam desenvolver seus talentos, por meio da garantia universal dos direitos econmicos, individuais e culturais alm dos direitos sociais e polticos. As liberdades esto hoje inter-ligadas planetariamente. Por isso, a democracia precisa ser tambm planetria e radical.

    Est claro que entre sustentabilidade e capitalismo existe uma incompatibilidade de princpios. Essa uma contradio de base que pode inviabilizar a ideia de um desenvolvimento sustentvel. Tenta-se conciliar dois ter-mos inconciliveis. O fracasso da Agenda 21 o demonstra. Como pode existir um crescimento com equidade, um cres-cimento sustentvel, numa economia regida pelo lucro, pela acumulao ilimitada e pela explorao do trabalho? Levado s suas ltimas consequncias, o projeto do desenvolvi-mento sustentvel coloca em questo no s o crescimento

    econmico ilimitado e predador da natureza, mas o prprio modo de produo capitalista. Desenvolvimento sustentvel s tem sentido numa economia solidria, uma economia regida pela compaixo e no pelo lucro7.

    O tema do desenvolvimento sustentvel est ainda muito centrado na ecologia. Ele precisa ser mais tratado por polti-cos e economistas como est sendo feito por Joan Martnez Alier (2007), da Universidade Autnoma de Barcelona, um dos mais destacados economistas ecolgicos do mundo, e Ignacy Sachs (2007), presidente do Grupo Consultivo de experts da Iniciativa dos Biocombustveis da Unctad. Sachs foi assessor do secretrio executivo da Cpula da Terra (Rio-92). Segundo Joan Martnez Alier (2007), os pobres favorecem mais a conservao dos recursos naturais e so os que sofrem mais os impactos dos problemas ambientais do que as naes ricas. Para ele, o enfrentamento entre o crescimento econmico, a iniquidade e a degradao am-biental deve ser analisado nos marcos das relaes de poder (Alier, 2007, p.356).

    Os graves problemas socioambientais e as crticas ao modelo de desenvolvimento foram gerando na sociedade uma expanso da conscincia ecolgica nas ltimas dcadas.

    7. A economia solidria uma nova maneira de nomear, conceituar e interconectar muitos tipos de valores econmicos transformadores, prticas e instituies que existem em todo o mundo. Ela inclui, mas no limitada pelo consumo socialmente responsvel, trabalho e in-vestimento; cooperativas de trabalhadores, consumidores, produtores e credores; empreendimentos solidrios, sindicatos progressistas, em-preendimentos comunitrios, microcrdito, e cuidado com o trabalho no pago. A economia solidria trata ainda de unir essas diferentes formas de economia transformadora numa rede de solidariedade: so-lidariedade com uma viso compartilhada, solidariedade com a troca de valores, a solidariedade com os oprimidos. Disponvel em www.transformationcentral.org, acessado em agosto de 2007.

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    Embora essa conscincia no tenha ainda provocado mu-danas profundas no modelo econmico e nos rumos das polticas governamentais, algumas experincias concretas apontam para uma crescente sociedade sustentvel em mar-cha, como o demonstrou a Conferncia de Assentamentos Humanos Habitat II, organizada pelas Naes Unidas em Istambul, na Turquia, em 1997. Nessa Conferncia foram apresentadas experincias concretas de combate crise ur-bana como violncia, desemprego, falta de habitao, de transporte, de saneamento que vem degradando o meio ambiente e a qualidade de vida. Essas experincias apontam para o nascimento de uma cidade sustentvel. Polticas de sustentabilidade econmica e social, aos poucos, vm surgindo, constituindo-se em verdadeira esperana de que podemos, em tempo, enfrentar nossos desafios globais.

    Uma outra economia para o desenvolvimento sustentvel

    Hoje, a economia solidria destaca-se como um rico processo em curso no mundo, regido pelos princpios da solidariedade, da sustentabilidade, da incluso e da eman-cipao social. Nesse sentido, ela representa uma grande esperana:

    a economia solidria um movimento de alcance global que nasceu entre os oprimidos e os velhos e novos excludos, aque-les cujo trabalho no valorizado pelo mercado capitalista, sem acesso ao capital, s tecnologias e ao crdito. deles e dos ativistas e promotores da economia solidria que emergem a aspirao e o desejo de um novo paradigma de organizao da economia e da sociedade. (Loureiro (org.), 2003, p.162)

    Trata-se, na verdade, de uma desmercantilizao do pro-cesso econmico, programa bsico de construo de um novo socialismo hoje. Essa desmercantilizao no significa desmonetarizao ou o fim do mercado, mas sim

    a eliminao do lucro como categoria. O capitalismo tem sido um programa para a mercantilizao de tudo. Os capitalistas ainda no o implementaram totalmente, mas j caminharam bastante nessa direo, com todas as consequncias negativas que conhecemos. O socialismo deve ser um programa para a desmercantilizao de tudo. (Wallerstein, 2002, p.36).

    Nesse programa, a educao desempenha um papel muito destacado. A economia popular e solidria incor-porou, desde os seus primrdios, o tema da ecologia e do desenvolvimento sustentvel. Essa incorporao re-presenta uma possibilidade de ampliao do mbito dos empreendimentos de socioeconomia solidria, assim como ocorreu com a incorporao do enfoque de gnero, o en-foque dos direitos humanos e da defesa do controle social local. Sustentabilidade e solidariedade so temas emer-gentes e convergentes.

    Cada vez mais se associa desenvolvimento sustentvel e economia solidria, como foi destacado pela Carta de Princpios da Economia Solidria do Frum Brasileiro de Economia Solidria (Fbes):

    a economia solidria constitui o fundamento de uma globa-lizao humanizadora, de um desenvolvimento sustentvel, socialmente justo e voltado para a satisfao racional das neces-sidades de cada um e de todos os cidados da Terra, seguindo um caminho intergeracional de desenvolvimento sustentvel na qualidade de sua vida.

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    Todavia, enquanto o campo da economia solidria est cada vez mais bem definido, o conceito de desenvolvimen-to sustentvel sofre, como vimos, de certa ambiguidade. Como aponta Leonardo Boff (2002, p.55), o conceito de desenvolvimento sustentvel origina-se numa economia excludente e, a sustentabilidade, no paradigma inclusivo da ecologia.

    O conceito de desenvolvimento sustentvel tem a ver com o que Maurice Strong chamou, na Cpula da ONU de 1972 (Estocolmo), de ecodesenvolvimento, um de-senvolvimento voltado para o bem-estar das pessoas, que satisfaa as necessidades humanas sem destruir o meio am-biente (crescer e preservar), recriado, mais tarde por Ignacy Sachs em seu livro Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir (1986). Segundo o Relatrio Brundland, o conceito de desenvolvimento sustentvel bem simples: trata-se do desenvolvimento que atende s necessidades do presen-te sem comprometer a possibilidade das geraes futuras atenderem a suas prprias necessidades (Cmmad, 1988, p.46). E me parece que esse conceito ainda vlido, apesar de seu carter amplo.

    Na Cpula da Terra (Rio-92), o conceito de desenvolvi-mento sustentvel ganhou maior visibilidade no documento aprovado pelos 173 chefes de estado e de governo presentes, com o ttulo Agenda 21, que prev a cooperao interna-cional e a transferncia de tecnologia dos pases ricos para os pases pobres. Esse documento, porm, no conseguiu supe-rar a ambiguidade apontada por Leonardo Boff. A Agenda 21 no toca, por exemplo, na insustentabilidade intrnseca do modelo capitalista de produo. David Pepper (1992, p.13) escreveu logo aps a realizao da Rio-92:

    muitos verdes exprimiram o seu desalento com os pobres resultados da Cimera. Isto deve querer dizer que, de algu-ma maneira, esperavam que as naes mais ricas do mundo sacrificassem uma parte substancial das suas riquezas e, mais importante ainda, os meios de obt-las, para ajudar as naes mais pobres na proteo dos ambientes que agora se vem obrigados a destruir para sobreviverem e se desenvolverem no sistema econmico mundial. Deveramos, no entanto, entender que sendo naes capitalistas, os EUA, a CEE, o Japo e outras iguais no o podem fazer de uma maneira sria e permanente sem deixar de ser o que so.

    O pensamento de David Pepper foi proftico: passados quinze anos, esses pases ainda esto devendo uma resposta sria e permanente.

    Para ser sustentvel, o desenvolvimento precisa ser am-bientalmente correto, socialmente justo, economicamente vivel e culturalmente respeitoso das diferenas. Como diz Luis Razeto (2001, p.60),

    enfrentar a deteriorao ecolgica no se alcana simplesmente detendo o crescimento da economia atual, pois, mesmo dei-xando de crescer, continuaria gerando graves desequilbrios meio-ambientais no nvel no qual so produzidos atualmente ou, quem sabe, ainda mais agravados (...). evidente que recuperar o meio ambiente supe abundantes atividades eco-nmicas novas, que devem ser implementadas conforme a lgica de uma economia ecologicamente apropriada.

    Desenvolvimento sustentvel supe, portanto, que exis-tam diversos modos sustentveis de viver. A frmula correta seria viver feliz, em harmonia com o meio ambiente, sem destru-lo. O tema complexo e no pode ser visto de forma sectria.

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    A economia solidria se constitui num rico processo em curso, regido pelos princpios da solidariedade, da sustenta-bilidade, da incluso social e da emancipao. Nesse sentido ela representa uma grande esperana. Uma de suas carac-tersticas marcantes o seu sistema de gesto, nitidamente distinto do setor privado capitalista. A gesto capitalista est ligada ao acmulo do capital e ao lucro, ao passo que a gesto solidria est ligada melhoria da qualidade de vida dos associados, ao empreendimento solidrio, a um modo de vida sustentvel e ao bem viver da populao. So princpios tico-polticos antagnicos aos da gesto dos ne-gcios capitalistas que dirigida apenas aos seus dirigentes e proprietrios.

    A economia solidria est fortemente ligada necessidade de formao cultural. Trata-se de uma mudana profunda de valores e princpios que orientam o comportamento hu-mano em relao ao que e ao que no sustentvel. A efi-cincia econmica est ligada no s a valores econmicos, mas tambm a valores culturais das prticas solidrias.

    Necessitamos de uma economia que no coloque o mercado livre e o lucro como o centro de tudo. Existem relaes, recursos naturais, bens pblicos, conhecimento, educao e, sobretudo, os seres humanos, que no devem estar sujeitos ao mercado livre. No s de comida que todos os seres humanos precisam. Precisam de dignidade, de poder para decidir sobre sua existncia, precisam de cultura, conhecimentos e saberes. Precisam, por isso, de autodeterminao.

    Para mudar o modo pelo qual os homens hoje produzem e reproduzem a sua existncia preciso mudar a lgica que preside esse modo de existir humano. No se trata de extinguir a riqueza e o mercado que a faz circular. Trata-se

    de fazer circular a riqueza com uma outra lgica: da lgica da concentrao para a lgica da desconcentrao, da l-gica da competio que comanda o mercado livre para a lgica da cooperao que comanda o mercado solidrio. S podemos revolucionar o nosso modo de existir no planeta interferindo nessa lgica. Ele s pode ser transformado, superado, pela introduo de uma outra lgica, com alter-nativas econmica, poltica e socialmente viveis. Uma das alternativas apontadas pela Carta de Princpios da Economia Solidria associar a economia solidria ao desenvolvi-mento sustentvel. Essa associao levar necessariamente a uma ressignificao positiva do desenvolvimento susten-tvel. O desenvolvimento sustentvel tambm uma arena no qual vrias concepes e prticas esto em luta.

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    A sensao de pertencimento ao univer-so no se inicia na idade adulta e nem por um ato de razo. Desde a infncia, sentimo-nos ligados a algo que muito maior do que ns. Desde criana nos sentimos profundamente ligados ao universo e nos colocamos diante dele num misto de espanto e de respeito. E, durante toda a vida, buscamos respos-tas ao que somos, de onde viemos, para onde vamos, enfim, qual o sentido da nossa existncia. uma busca incessante e que jamais termina. A educao pode ter um papel nesse processo se colocar questes filosficas fundamentais, mas tambm se souber trabalhar ao lado do conhecimento, essa nossa capacidade de nos encantar com o universo.

    Educar parauma vida sustentvel

    Captulo 3

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    Hoje, tomamos conscincia de que o sentido das nossas vidas no est separado do sentido do prprio planeta. Diante da degradao das nossas vidas no planeta, chegamos a uma verdadeira encruzilhada entre um caminho tecnozico, que coloca toda a f na capacidade da tecnologia de nos tirar da crise sem mudar nosso estilo poluidor e consumista de vida, e um caminho ecozico, fundado numa nova relao saudvel com o planeta, reconhecendo que somos parte do mundo natural, vivendo em harmonia com o universo, caracterizado pelas atuais preocupaes ecolgicas. Fazemos escolhas! Nem sempre temos clareza delas. A educao carrega de intencionalidade nossos atos. Precisamos ter conscincia das implicaes de nossas escolhas. O proces-so educacional pode contribuir para humanizar o nosso modo de vida. Temos que fazer escolhas. Elas definiro o futuro que teremos.

    Todavia, no podemos realmente entender esses dois ca-minhos como caminhos antagnicos. Eles podem ser orien-tados paralelamente e no se opor um ao outro. Foi pela via tecnozica que o ser humano pde chegar Lua e ver a Terra, ao longe, fixa entre seus dedos. Tecnologia e huma-nismo no se contrapem. Mas, claro, houve excessos no nosso estilo poluidor e consumista de vida impulsionados pela tecnologia e por um paradigma econmico insusten-tvel. Esse que tem que ser posto em causa. E esse um dos papis da educao sustentvel ou ecolgica.

    Mesmo com essas ambiguidades, o conceito de desen-volvimento sustentvel, visto de forma crtica, tem um componente educativo formidvel: a preservao do meio ambiente depende de uma conscincia ecolgica e a for-mao da conscincia depende da educao. aqui que entra em cena a Pedagogia da Terra, a ecopedagogia. Ela

    uma pedagogia para a promoo da aprendizagem do sentido das coisas a partir da vida cotidiana, como dizem Francisco Gutirrez e Cruz Prado (1998). Encontramos o sentido ao caminhar, vivenciando o contexto e o processo de abrir novos caminhos e de caminhar. , por isso, uma pedagogia democrtica e solidria.

    A pesquisa de Francisco Gutirrez e Cruz Prado sobre a ecopedagogia originou-se na preocupao com o sentido da vida cotidiana. A formao est ligada ao espao-tempo no qual se realizam concretamente as relaes entre o ser humano e o meio ambiente e os seres humanos entre eles mesmos. Elas se do, sobretudo, ao nvel da sensibilida-de, muito mais do que no nvel da conscincia. A relao homemnatureza tambm uma relao que se d ao nvel da subconscincia. Por isso, precisamos de uma ecoforma-o para torn-la consciente. E a ecoformao necessita de uma ecopedagogia. Como destaca Gaston Pineau (1992), uma srie de referenciais se associam para isso: a inspirao bachelardiana, os estudos do imaginrio, a abordagem da transversalidade, da transdisciplinaridade e da intercultura-lidade, o construtivismo e a pedagogia da alternncia.

    Precisamos de uma ecopedagogia e uma ecoformao hoje, precisamos de uma Pedagogia da Terra, justamente porque sem essa pedagogia para a re-educao do homem/mulher, principalmente do homem ocidental, prisioneiro de uma cultura crist predatria, no poderemos mais falar da Terra como um lar, como uma toca, para o bicho-homem, como dizia Paulo Freire. Sem uma educao para uma vida sustentvel, a Terra continuar apenas sendo considerada como espao de nosso sustento e de nosso domnio tcnico-tecnolgico, um ser para ser dominado, objeto de nossas pesquisas, ensaios e, algumas vezes, de nossa contemplao.

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    Mas no ser o espao de vida, o espao do aconchego, de cuidado, como sustenta Leonardo Boff (1999).

    No aprendemos a amar a Terra apenas lendo livros sobre isso, nem livros de ecologia integral. A experincia prpria fundamental. Plantar e seguir o crescimento de uma rvore ou de uma flor, caminhando pelas ruas da cida-de ou aventurando-se numa floresta, sentindo o cantar dos pssaros nas manhs ensolaradas, observando como o vento move as plantas, sentindo a areia quente de nossas praias, olhando para as estrelas numa noite escura. H muitas formas de encantamento e de emoo frente s maravilhas que a natureza nos reserva. claro, existe a poluio, a degradao ambiental para nos lembrar de que podemos destruir essa maravilha e para formar nossa conscincia ecolgica e nos mover ao. Observar uma plantinha que cresce viosa no meio de uma parede de cimento. Acarici-la, contemplar com ternura o pr do sol, cheirar o perfume de uma folha de pitanga, de goiaba, de laran-jeira ou de um cipreste, de um eucalipto... so mltiplas formas de viver em relao permanente com esse planeta generoso e compartilhar a vida com todos os que o habitam ou o compem. A vida tem sentido, mas ele, o sentido, s existe em relao. Como diz o poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade: Sou um homem di