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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO COTIDIANO ESCOLAR: estudo de caso etnográfico Marizélia Rodrigues Costa Ribeiro' Fernando Antônio Guimarães Ramos" RESUMO Educação ambiental no cotidiano escolar. Expõe como aconteciam as ações em educação ambiental no ensino fundamental de uma escola pública da rede municipal da cidade de São Luís-MA: formas de desenvolvimento e entraves relacionados com o corpo docente, currículo escolar e atividades extracurriculares. Aborda a inter-relação desenvolvimento-educação-ambiente nas sociedades capitalistas. Elege o "naturalismo" como categoria nas representações de ambiente e de educação ambienta!. Caracteriza o trabalho como um estudo de caso etnográfico. Utiliza, para análise, a "Conferência de Tbilisi". Revela estar o conhecimento em nível de senso comum, dentro do "naturalismo". Sugere a construção de projetos político-pedagógicos a partir da realidade dos atores sociais. Palavras-chave: Ambiente, Cotidiano, Educação, Etnografia. SUMMARY The environmental education on the day-by-day in the school. It shows how the actions in environmental education at elementary and hign public school which. belongs to lhe municipal net of the city of São Luís, capital of the Maranhão State h.appened: development fonns and obstacles related witn the professorate, school curriculum and extra scheduled activities. It covers lhe interrelation between development/education/environment in the capitalist societies. It selects the "naturalism" as lhe main. category in. lhe environment representations and environmental education. It was cliaracterizing as a study of ethnographic case. It uses as analysis basis the "Conference of Tbilisi". It reveals that knowledge is at the leve! of lhe common sense inside the "naturalism", It suggests the construction of potiticai-pedagogic projects in accordance with social actors reality. Key-words: Environment, Anthropology, Day-by-day, Ethnography. * Professora da disciplina de Puericultura e Pediatria da Universidade Federal do Maranhão; Membro do Departamento de Saúde Escolar da Sociedade Brasileira de Pediatria. ** Chefe do Departamento de Medicina [11 Universidade Federal do Maranhão; Presidente da Sociedade de Peuricultura e Pediatria do Maranhão. 36 Cad. Pesq., São Luís. v. 10,11.2, p. 9-21,jul./dez. 1999.

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EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO COTIDIANO ESCOLAR:estudo de caso etnográfico

Marizélia Rodrigues Costa Ribeiro'Fernando Antônio Guimarães Ramos"

RESUMO

Educação ambiental no cotidiano escolar. Expõe como aconteciam asações em educação ambiental no ensino fundamental de uma escolapública da rede municipal da cidade de São Luís-MA: formas dedesenvolvimento e entraves relacionados com o corpo docente,currículo escolar e atividades extracurriculares. Aborda a inter-relaçãodesenvolvimento-educação-ambiente nas sociedades capitalistas.Elege o "naturalismo" como categoria nas representações de ambientee de educação ambienta!. Caracteriza o trabalho como um estudo decaso etnográfico. Utiliza, para análise, a "Conferência de Tbilisi".Revela estar o conhecimento em nível de senso comum, dentro do"naturalismo". Sugere a construção de projetos político-pedagógicosa partir da realidade dos atores sociais.

Palavras-chave: Ambiente, Cotidiano, Educação, Etnografia.

SUMMARY

The environmental education on the day-by-day in the school. Itshows how the actions in environmental education at elementaryand hign public school which. belongs to lhe municipal net of thecity of São Luís, capital of the Maranhão State h.appened:development fonns and obstacles related witn the professorate,school curriculum and extra scheduled activities. It covers lheinterrelation between development/education/environment in thecapitalist societies. It selects the "naturalism" as lhe main. categoryin. lhe environment representations and environmental education.It was cliaracterizing as a study of ethnographic case. It uses asanalysis basis the "Conference of Tbilisi". It reveals that knowledgeis at the leve! of lhe common sense inside the "naturalism", Itsuggests the construction of potiticai-pedagogic projects inaccordance with social actors reality.

Key-words: Environment, Anthropology, Day-by-day, Ethnography.

* Professora da disciplina de Puericultura e Pediatria da Universidade Federal do Maranhão; Membro doDepartamento de Saúde Escolar da Sociedade Brasileira de Pediatria.

** Chefe do Departamento de Medicina [11 Universidade Federal do Maranhão; Presidente da Sociedadede Peuricultura e Pediatria do Maranhão.

36 Cad. Pesq., São Luís. v. 10,11.2, p. 9-21,jul./dez. 1999.

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1 INTRODUÇÃO

A educação ambiental tornou-se,a partir da década de 80, objeto de es-tudo, discussão e crítica por parte deeducadores e arnbientalistas brasileiros,resultando, no âmbito da educação, emsignificativas e catalizadoras alterações,que podem ser visualizadas tanto naConstituição Federal (Art. 225), comona expressa necessidade que viesse apermear todo o currículo, conforme pre-coniza a Lei 9394/96, que trata da novaLDB.

Os embates em nível mundial,quanto à situação de degradação am-biental do planeta Terra, iniciados nosanos 60 pelos países desenvolvidos, re-percutiram no Brasil, e de forma maisintensa, após a "Conferência Inter-governamental sobre EducaçãoAmbiental" ou "Conferência deTbilisi", realizada em 1977, resultan-do na criação de programas, projetos ecursos relacionados com a temáticaambiental, na instituição de órgãos decoordenação da política ambiental, alémde leis federais, estaduais e municipaisque objetivaram a regulamentação des-sa política por todo o país.

Contudo, apesar dos avanços,existem várias maneiras de pensar aeducação relacionada à problemáticaambiental, múltiplas formas de agir e,conseqüentemente, inúmeros proble-mas.

Especificamente, com relação aoensino formal no Brasil, autores comoKRASILCHIK (1986, p.1959), DIAS(1993, p.11-12) e FAUNDEZ (1994,p.12) advertiram para situações quecomprometiam a realização da educa-

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ção ambiental, a saber: a) desinforma-ção e desvalorização de grande partedos docentes; b) grade curricular des-favorável; c) classes superlotadas; e d)ações restritas às atividades extra clas-ses e de forma pontual.

A "Declaração de Brasília paraa educação ambiental", documento re-sultante da I Conferência Nacional deEducação Ambiental, realizada em1977, aponta para outras situações quecomprometem as ações em educaçãoambiental não permitindo que sejamrealizadas dentro da concepção histó-rico-crítica: a) projetos pedagógicosrespondendo ao paradigma positivista,fragmentando o conhecimento, disso-ciando a teoria da prática, não conside-rando o contexto social dos seus atorese utilizando-se do senso comum paraexplicar os problemas ambientais; e b)ausência de pesquisas que fundamen-tem as atividades. (BRASIL. Ministé-rio do Meio Ambiente, dos RecursosHídricos e da Amazônia Legal, 1997b,p.21).

No entanto, há quem advogueestar a educação ambiental se aproxi-mando, embora lentamente, das orien-tações da "Conferência de Tbilisi",na medida em que as ações deixaramde fazer parte somente de atividadesextra classes ou como assunto das áreasde Ciências Físicas e Biológicas. (BRA-SIL. Ministério do Meio Ambiente, dosRecursos Hídricos e da Amazônia Le-gal, 1997a, p.8).

O interesse pelo objeto de estudoda pesquisa descrita neste artigo deveu-se também às inquietações oriundas davida profissional dos autores de compro-metimento com a educação, tan-

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to a partir de suas inserções como pro-fessores de pediatria na UniversidadeFederal do Maranhão (UFMA), como,principalmente, após suas atividades emsaúde escolar e que se direcionaramcontra: a) a fragmentação do conheci-mento; b) desconhecimento das cau-sas e relações entre os fenômenos, alémdo que eles vão determinar; e c) a prá-tica médica estar voltada para os agra-vos individuais e distanciada darealidade das camadas pobres da cida-de de São Luís, capital do estado doMaranhão (Brasil).

A construção do objeto de estu-do, as ações em educação ambiental,implicou na apreensão de diferentespercepções de ambiente e educaçãoambienta!. Tomou-se como referênciaa compreensão de educação ambientalproposta pela "Conferência deTbilisi", apresentada como uma reori-entação e rearticulação das diversasdisciplinas e experiências educativasque considerem a problemática ambi-enta! a partir da concepção histórico-crítica da educação. (UNESC0,1980,p.73).

Foi adotada a representação queREIGOTA (1995, p.14) fez de ambi-ente, considerando-se os elementosnaturais e sociais de forma interligadae do ponto-de-vista de suas contradi-ções.

Então, reputou-se como pressu-postos: a) as ações em educação am-biental apenas reproduziam conteúdosdas disciplinas escolares; b) elas erampontuais e se restringiam às atividadesextraclasses; e c) existiam fatores re-lacionados com o corpo docente e ati-vidades curriculares e extracurriculares

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a interferir de forma negativa para odesenvolvimento de uma consciênciacrítica em relação às questões ambien-tais.

Conseqüentemente, teve-secomo objetivo geral: conhecer as açõesem educação ambiental no ensino fun-damental de uma escola pública nomunicípio de São Luís, capital do esta-do do Maranhão (Brasil). E especifi-camente: a) identificar-lhes as formasde desenvolvimento; e b) apontare ana-lisar fatores relacionados com o corpodocente, currículo escolar e atividadesextracurriculares que poderiam inter-ferir negativamente nas atividades deeducação ambiental a partir da concep-ção histórico-crítica da educação.

De posse do conhecimento apre-endido sobre as ações em educaçãoambiental, confrontou-se o anunciadona literatura com o vivido no cotidianoescolar.

2 O NATURALISMOCOMO PARADIGMANAS REPRESENTAÇÕESDE AMBIENTE

A maneira como o homem serelacionou com o ambiente durante todaa sua história deveria ser sempre anali-sada sob a ótica da sociedade onde es-tava inserido. São as características dasrelações que orientam a forma de vi-ver dos grupos sociais que determinamo modo como o homem ocupa espa-ços.

O século XVIII, além de ter sidomarcado pela Revolução Industrial,também foi o início de pensar positivoa sociedade, segundo um modelo cien-

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tífico-natural. Com COMTE (1990,p.15,42-59) e DURKHEIM (1987,p.25,30) o positivismo se caracterizavaem: terminar com o estado de anarqui-as intelectual e moral; buscar a harmo-nia entre teoria e prática com afinalidade de obtenção de ordem sociale o progresso; desprezar as causas dosfenômenos; ser natural a divisão dasociedade em classes, as desigualda-des e a hegemonia dos que tinham bensmateriais; e serem desprovidos os fa-tos sociais de subjetividade e submeti-dos às leis naturais, devendo o cientistasocial olhar a realidade de forma neu-tra.

O termo naturalismo ou natu-ralista (grifos do autor), foi utilizado porREIGOTA (1995, p.74) para categori-zar representações de professores so-bre ambiente, considerado comosinônimo de natureza intocada ou trans-formada pela ação do homem, querenglobando as idéias de espaço físicoonde os seres humanos habitam querelementos que circundam o homem.

O "naturalismo" caracterizou omovimento ecológico de preservaçãoiniciado após a década de 60 desse sé-culo pelos países desenvolvidos preo-cupados com o estado de degradaçãoambienta!.

Embora as discussões, hoje, en-volvam os diversos aspectos do ambi-ente, o homem sente-se como "centro"do espaço onde habita, onde exerce"naturalmente" uma posição de domi-nação em relação aos outros compo-nentes do ambiente. Parece ser"natural" que degrade para ter as suasnecessidades atendidas.

Nessa perspectiva, a escola, por

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preparar o indi víduo para as relaçõesde trabalho, dentro do que pareça ser"natural", fez a autora pensar no "na-turalismo" como paradigma nas repre-sentações de meio ambiente.

Com base nessas premissas, con-siderou-se o "naturalismo" englobandoas idéias de natureza, preservação, har-monia, antropocentrismo e hegemoniada classe dominante. A dimensão "na-tural" também contemplou o enfoquede que os fatos não poderiam ser mo-dificados, pois seriam determinados porleis invariáveis para a manutenção daordem social.

3 POLÍTICASRELACIONADAS ÀEDUCAÇÃO AMBIENTALNO BRASIL

Ainda no ano de 1972, em Esto-colmo, capital da Suécia, pela primeiravez, a discussão sobre as relações ho-mem-desenvolvimento-educação-ambi-ente foi apresentada de formaorganizada e abrangente. A Organiza-ção das Nações Unidas (ONU)promoveu a "Conferência das NaçõesUnidas sobre o Meio Ambiente", opor-tunidade em que se chamou atençãopara as inúmeras transformações noambiente provocadas pelo homem comoconseqüência do rápido desenvolvimen-to da ciência a da tecnologia. No seutérmino recomendou-se a criação do"Programa Internacional de EducaçãoArnbiental' (PIEA) , reconhecendo aimportância do seu desenvolvimentopara o combate à crise ambiental domundo. (BRASIL. Ministério da Edu-cação e Cultura, 1994, p.7).

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Após a "Conferência de Estocol-mo", as discussões sobre o tema ambi-ente saíram do âmbito de crescimentozero e se tomaram constantes por todoo mundo, com disseminação de idéiasque pregavam desde argumentaçõesradicais (como aquelas que defendiama separação entre países centrais eperiféricos) até as que viam a necessi-dade de reorganizar a economia e ma-ximizar o crescimento, de por fim àpobreza e do surgimento de um novomodelo de desenvolvimento.(BRÜSEKE, 1994, p.142).

A partir da primeira "Conferên-cia Intergovernamental sobre Edu-cação Am biental", realizada emTbilisi, ex-URSS, no ano de 1977, pro-gramas de educação ambiental se dis-seminaram por todo o mundo, comessencial contribuição às políticas exis-tentes ou em construção relacionadasàs questões ambientais, quer fossemrealizadas pelo setor de educação querpelo de ambiente, ou os dois de formainterligada.

No documento final "EducaçãoAmbiental: as grandes orientações daConferência de Tbilisi", publicado pelaOrganização das Nações Unidas paraa Educação e Ciência e Cultura(UNESCO), foram apresentadas asprincipais diretrizes da primeira "Con-ferência Intergovernamental sobreEducação Ambiental". Nele, é de-monstrada a relação entre o modelo dedesenvolvimento adotado pelas socie-dades capitalistas e o estado de degra-dação ambiental pela ênfase nocrescimento econômico. E a educaçãoambiental é apresentada como fator demodificação dessa situação, ao possi-

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bilitar a aquisição do conhecimento crí-tico que desperte a consciência de cadaindivíduo de suas responsabilidadespara consigo, para com os outros com-ponentes do ambiente e para com asgerações futuras.

As orientações da "Conferên-cia de Tbilisi" repercutiram, no Bra-sil, no plano organizacional, através dacriação nos órgãos ambientais, de áre-as específicas de Educação Ambiental,assim como uma mudança gradual noconteúdo e na forma das ações educa-tivas. (BRASIL. Ministério do MeioAmbiente, dos Recursos Hídricos e daAmazônia Legal, 1997b, p.7).

A partir da promulgação da"Constituição Federal", em 1988, apromoção da educação ambiental emtodos os níveis de ensino passou a serexigência em nível federal, estadual edas leis orgânicas municipais. (BRA-SIL. Constituição, 1988, p.225).

No Maranhão, a lei estadual n."5.405, de 8 de abril de 1992, instituiu o"Código de Proteção do Meio Ambi-ente" e dispôs sobre o "Sistema Esta-dual do Meio Ambiente" (SISEMA) euso adequado dos seus recursos natu-rais. (MARANHÃO. Secretaria deEstado do Meio Ambiente, 1994, p.9).Quatro artigos desse documento fazemreferência à educação ambiental, po-rém somente no tocante à dimensãoecológica, em termos de conscientizara população para a preservação e paraa recuperação ambienta!.

Por ocasião da "Conferência dasNações Unidas sobre Meio Ambientee Desenvolvimento" (RIO 92), dois do-cumentos resultantes de discussões na-quela "Conferência" foram importan-

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tes no que diz respeito à educação am-biental: a "Agenda 21" e o "Tratado deEducação Ambiental para SociedadesSustentáveis e Responsabilidade Glo-bal". Eles reforçaram as orientaçõesda "Conferência de Tbilisi".

No seminário "Desenvolvimen-to e Educação Ambiental", em 1991,promovido pelo Ministério da Educa-ção e do Desporto (MEC) e pelo Insti-tuto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais (INEP), como prepara-ção para os debates a serem efetuadosna primeira "Conferência das NaçõesUnidas para o Meio Ambiente", discor-reu-se sobre a necessidade de um pro-grama mais concreto de educaçãoambiental, o qual dependeria da reali-zação de pesquisas educacionais, ten-do a educação como instrumento demudanças e utilizando-se de projetospedagógicos que considerassem as vá-rias dimensões do ambiente nas suasdiscussões sobre a temática ambienta!.(BRASIL. Ministério da Educação.INEP, 1992, p.12).

Em 1994, o Ministério da Edu-cação e do Desporto e o Ministério doMeio Ambiente, dos Recursos Hídri-cos e da Amazônia Legal, com o cola-boração do Ministério da Ciência eTecnologia e o Ministério da Cultura,formularam o "Programa Nacional deEducação Ambiental" (PRONEA) emcumprimento ao Artigo 225 da "Cons-tituição Federal" de 1988, o qual con-templa as orientações da"Conferência de Tbilisi". (BRASIL.Ministério da Educação e do Desporto,1997,p.l).

Os "Parârnetros Curriculares

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Nacionais", propostos pelo Ministérioda Educação e do Desporto para o en-sino fundamental, têm as questões am-bientais como um dos temastransversais, a ser inserido em todas asdisciplinas do currículo, de modo a pos-sibilitar a construção da cidadania, ematenção ao proposto na nova LDB.

A I "Conferência Nacional deEducação Ambiental", realizada no anode 1997, promoveu uma ampla discus-são sobre os fatores a interferirem ne-gativamente para a realização deprogramas de educação ambientalnuma concepção histórico-crítica.Apontou a falta de pesquisas que fun-damentem as atividades no cotidianodas instituições e o modelo de educa-ção vigente nas escolas e universida-des que re ponde a posturas derivadasdo paradigma positivista e da pedago-gia tecnicista, como empecilhos para aimplementação de modelos de educa-ção ambiental conforme orienta a Con-ferência de Tbilisi. (BRASIL. Ministériodo Meio Ambiente, dos Recursos Hí-dricos e da Amazônia Legal, I997b,p.17,21).

4 CONSIDERAÇÕESMETODOLÓGICAS

Para uma maior aproximaçãocom a concreticidade do objeto de es-tudo, a abordagem metodológica foi defundamental importância. A opção pelametodologia qualitativa foi por enten-der- e que os fenômenos humanos sãocomplexos e dinâmicos e, paracompreendê-Ias, torna-se essencial aapreensão de atitudes, valores, crençase representações.

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E por objetivar conhecer asações em educação ambiental no coti-diano escolar (reconstruindo as relaçõesentre os sujeitos e confrontando a falae a prática) utilizou-se o método et-nográfico, com etapas de observaçãoe convivência em campo, complemen-tada por entrevistas com o corpo do-cente da escola, buscando oautodiagnóstico dos atores das situa-ções vivenciadas. Reaveu-se, a partirde documentos, uma parte da históriada escola e do bairro, como forma deentender o cotidiano escolar no contextosocial mais amplo.

Com a abordagem etnográficapretendeu-se conhecer a escola maisde perto, apreendendo o não documen-tado, ou seja, os encontros e desencon-tros, tentando compreender comoaconteciam os diversos mecanismosque são operados no seu interior atra-vés das representações dos seus ato-res sociais. Tal proposição implicoumais do que descrever e reproduzircrenças, visões de mundo e situações,mas reconstruir as relações entre ossujeitos no cotidiano da escola, isto é,como dão sentido ao seu pensar e agir.

a trabalho foi caracterizado, por-tanto, como um estudo de caso etno-gráfico por ter sido realizado em umaúnica escola e para que fosse aprofun-dado o conhecimento enquanto "pro-cesso", sem a pretensão deuniversalizá-Io.

Como uma das vantagens dessetipo de estudo, ANDRÉ (1995, p.28)apontou a contribuição aos problemasda prática educacional, pois, retratan-do situações vivas no cotidiano escolar,

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"...os estudos de caso podemfornecer informações valiosaspara medidas de natureza prá-tica e para decisões políticas".A teoria das representações

sociais foi utilizada para interpretar oconfronto entre a fala e a prática e asorientações da "Conferência deTbilisi" fundamentaram a coleta dedados, a análise e as considerações fi-nais.

a trabalho de campo - foi divi-dido em 3 fases e se estendeu de se-tembro a dezembro de 97. A fase I,denominada de "Processo de entradaem campo", se estendeu desde o iníciodas preocupações em entrar na escolaaté a apresentação da pesquisadora àdireção e corpos docente e técnico-ad-ministrativo. A fase II englobou a ob-servação participante, que durou todoo período da pesquisa, e a busca dedocumentos para reaver as histórias daescola e bairro onde ela se insere. E afase llI, de entrevistas, realizada nastrês últimas semanas junto com a ob-servação participante e dividida em 2etapas: a primeira, para obtenção dedados profissionais de cada professor(realizada com todos os 29 docentes doensino fundamental); e a segunda, paracompreensão da formação em educa-ção ambiental e representações sobremeio ambiente e educação ambiental(27 docentes).

A análise dos conteúdos foi ide-alizada para acontecer à medida emque iniciou-se o trabalho de campo, oque é característico da pesquisa etno-gráfica.

Foi selecionada, por sorteio, umaescola da rede municipal como campo

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de trabalho, onde acontecia todo o en-sino fundamental.

Por questões éticas, objetivandoresguardar a origem das opiniões trans-mitidas, as falas dos docentes não fo-ram identificadas. Mesmo porque, oobjetivo era conhecer as ações em edu-cação ambiental da instituição como umtodo.

5 A EDUCAÇÃOAMBIENTAL NOCOTIDIANO ESCOLAR

Por os autores considerarem aescola como parte de um contexto so-cial, houve o interesse em conhecercomo "ela era" ao invés de como "de-veria ser". Por conseguinte, reaveu-seuma parte da história da escola, cujonome, como tantas outras, é homena-gem a um político do Maranhão, a quema comunidade "devia muito", e a dobairro onde se encontra inseri da, a "VilaEmbratel", situada no distrito Itaqui-Bacanga, a qual surgiu, principalmen-te, a partir do remanejamento de antigosmoradores do sítio "Sá Viana", comoresultado dos projetos de expansão doCampus Universitário da UniversidadeFederal do Maranhão (UFMA), e cujapopulação convive com o estigma depobreza como sinônimo de violência e"carência" de todos os tipos, principal-mente moral.

O "processo de entrada", perío-do que se estendeu desde o instante emque as preocupações com as estratégi-as de "entrar" na escola começaram afazer parte do dia-a-dia dos autores atéo momento da apresentação da pesqui-sadora a todo corpo docente e técnico

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administrativo, foi caracterizado por al-guns temores: a) recusa da escola emser observada; b) dificuldade em(re)construir o conhecimento sobre asações em educação ambiental, em ra-zão do objeto de estudo proposto nãoter suas abrangências na área da saú-de; c) falta de prática com a metodolo-gia qualitativa e com o métodoetnográfico (o que antes levou os auto-res a uma escola particular para testaros instrumentos e diminuir oestranhamento com a área de educa-ção, sem objetivar comparações); e d)preconceito com relação à situação de"violência" do bairro após sorteio daescola.

Utilizou-se como estratégia para"entrar" na escola a necessidade dedesenvolver-se um trabalho para aten-der às exigências do curso de mestra-do (pois, a partir da experiência naescola particular, sentiu-se que isso po-deria aproximar a pesquisadora dos pro-fessores, muitos deles, pensava-se,possivelmente ainda em fase de con-clusão de cursos superiores). Justificou-se o tema pelo estado de degradaçãodo planeta Terra e o interesse em rea-lizar o trabalho em uma escola comoconseqüência das participações em ati-vidades de saúde escolar.

Já no trabalho de campo, a rápi-da "quebra de gelo" por parte dos alu-nos, bem como os atendimentos na áreada saúde realizados com as crianças eos adolescentes, possibilitaram a acei-tação da pesquisadora pelos corposdocente e técnico-administrativo.

À proporção em que participa-vam do cotidiano escolar, os autoresquestionavam-se sobre a importância

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de conhecer corno acontecia a educa-ção ambiental diante do quadro da edu-cação geral. Corno empecilho havia:desvalorização do ambiente escolar;distanciamento escola-órgãos gestoresda política educacional-realidade dossujeitos a que se destina; falta de pro-jeto político-pedagógico; e "modeloscurriculares" realizados por cada do-cente e fundamentados na pedagogiatradicional. .

E, com relação à formação dosprofessores, compreendida pela suaformação básica e as experiências vi-vidas, entendeu-se que fazia parte deum contexto cuja maior preocupação éo resultado final: aprovação ou repro-vação dos alunos.

Além de se encontrarem incluí-dos nos problemas já relacionados, ain-da havia pontos negativos a contribuirpara que não pudesse ocorrer uma for-mação do corpo docente dentro da con-cepção sócio-crítica da educação. Essespontos negativos eram os professoressobrecarregados (a maioria com doisou três turnos de trabalho e/ou aindaem fase de conclusão de cursos supe-riores); as horas de estudo do corpodocente, na maioria das vezes, destina-das ao preparo de aula (a partir dos li-vros didáticos e mídia) ou para atenderaos cursos de formação profissional;quase a totalidade dos 29 docentes sereferiam aos "cursos" programadospela Secretaria Municipal de Educaçãocomo centrados nas disciplinas, com ateoria dissociada da prática, apresen-tando um conhecimento fragmentadoe dissociado da realidade dos sujeitos aque se destina e sem supervisão do tra-balho no cotidiano escolar; e dos 27

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entrevistados na 2a etapa, apenas 4 do-centes haviam freqüentado cursos teó-ricos ou reuniões em educaçãoambiental, embora com ênfase nas di-mensões física e biológica do ambientee com sentimento de preservação.

Mais especificamente com rela-ção à educação ambiental, nenhum dosdocentes tinha conhecimento sobre aConferência de Tbilisi e outros docu-mentos pertinentes, corno os Parâme-tros Curriculares Nacionais.

Nessa discussão, a "Conferên-cia de Tbilisi" recomendou, não a for-mação de especialistas, mas de dar aoseducadores, qualquer que seja o seunível e em todos os setores do ensino, acompetência necessária para definir osconteúdos e experiências de educaçãoambiental e seus problemas. Essa for-mação, segundo relatório final daquelareunião, implica na elaboração de gui-as pedagógicos, bibliografias, materialdidático diversificado e utilização dosmeios de comunicação, bem como, oreforço de atividades de pesquisa eavaliação. (UNESCO, 1980, p.48-50).

Com isso, objetiva-se, referindo-se às características da formação docorpo docente, um educador ambientalconsciente da problemática sócio-eco-nômica nacional e do desenvolvimentohumano em geral, com atitudes e com-petências para instituir um diálogo in-terdisciplinar e redirecionar sua práticapedagógica habitual. (UNESCO, 1980,p.48-49).

As representações do corpo do-cente, relacionadas com a temáticaambiental, foram obtidas principalmen-te através das entrevistas. Isto porqueas questões ambientais não faziam par-

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te dos diversos "modelos pedagógicos"que cada professor construía a partirdo que compreendia como correto ouexeqüível para a "realidade" dos alu-nos, caracterizada por "carência" (mo-ral, de afetos e de interesse pelaescola).

Em apenas 3 ocasiões houve dis-cussões em sala-de-aula sobre a temá-tica ambienta!. Destarte, aindaconfiguradas no sentido de manter oambiente "naturalmente" organizado esobre a "violência" do bairro. Sem crí-tica, mas apenas reafirmando precon-ceitos. E não houve na escola atividadesextracurriculares relacionadas ou nãoàs questões ambientais.

Caracterizou-se as representa-ções do corpo docente, com relação aoambiente, na esfera do "naturalismo".Isso porque apresentavam, de uma for-ma geral, o meio ambiente com o signi-ficado de natureza, a exemplo destaafirmação:

"Eu acho que meio ambienteé o conjunto de tudo que exis-te; que faz parte da natureza.Tanto pessoas como as plan-tas, os vegetais ... ".E o homem como "centro" des-

se "ambiente":"Ambiente é... se falando as-sim, no geral, o ambiente étudo aquilo que tá envolven-do a gente, né? Nós estarmosno nosso meio".Que deveria estar preservado e

em harmonia para manutenção da or-dem:

"Bom, a gente liga com natu-reza, né? Mas, assim, com umanatureza bem cuidada. Uma

natureza organizada ... a natu-reza, em si, ela já é organiza-da, ela veio organizada, masnós estam os desorganizando.Acho que meio ambiente é osentido que a gente tem que dápara organizar, para reorga-nizar a natureza.: é como seuma pessoa chegasse aqui edesorganizasse a sala todinhae a gente vai e tenta arrumarda maneira que ela era ... achoque meio ambiente é isso ... ".Conhecimento que considerou-

se fragmentado e apresentando a prá-tica dissociada da teoria. Isso porque,ao serem questionados sobre o que en-tendiam por meio ambiente, de umaforma geral, os docentes buscavam oque consideravam como conceito cien-tífico, relacionando-o, principalmente, àsdimensões física e biológica. Sem críti-cas, apenas reproduzindo conceitos.

Mesmo os que representavam oambiente, nas suas várias dimensões ecompreendiam as questões ambientaiscomo resultado do modelo de desen-volvimento, utilizavam-se da pedagogiatradicional nas atividades de sala-de-aula e dissociando a teoria da prática.

Para GRAMSCI (1991, p.lS),isso não se deve a má-fé, mas é resul-tado da divisão social do trabalho e dacompreensão dos fatos a partir do sen-so comum. E KOSIK (1989, p.l0-I! ,64) afirmou ser tal fato parte dacotidianidade da vida humana, não ten-do o homem a visão da obra no seuconjunto, mas conhecendo apenas par-tes dos fenômenos.

E, quando os docentes se referi-am ao ambiente da escola ou do bairro,

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se utilizavam do que "percebiam" apartir de suas práticas, ora buscando oaspecto físico, ora o social, mas a par-tir do imediato, do superficial.

De uma forma geral, reporta-vam-se à escola como possuidora deproblemas físicos, pela falta de conser-vação; e de problemas sociais, pela faltade harmonia, resultado do comporta-mento "inadequado" daqueles que nãocontribuíam para a manutenção da or-dem no cotidiano escolar.

Os alunos eram representadoscomo carentes (de moral, de afetos einteresse pela escola). Diferenciadospelos turnos e séries a partir do que seacreditava ser o adequado para eles.Nesse quadro, as relações sociais setornavam diferentes em razão da per-cepção do aparente motivo que levavacada aluno até à escola e o que se pen-sava que cada um e sua farru1ia alme-javam em relação ao futuro.

Assim, era necessário abraçar,beijar, conversar, cantar, orar, enfim:"educar" os "pequeninos". Estes pre-cisariam "ser formados" a fim de se"transformarem em gente de bem". Porconseguinte, os professores que traba-lhavam com as quatro primeiras séries,os mais exigidos quanto ao cumprimen-to do horário, bem como a escola comoum todo, pareciam "investir" mais na-queles alunos por acreditarem que ain-da pudessem "ter jeito".

Aos outros, "os que não tinhamconsciência" e não correspondiam aoque a sociedade caracteriza como "pes-soas de bem", eram destinadas atitu-des de indiferença, de reprovação, dediscriminação, de desesperança; enfim:de exclusão.

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Alunos que não pareciam, à pri-meira vista, "preocupados" com agama de reclamações: continuavameles com as mesmas atitudes e lingua-gens, os' mesmos "zeros" e as mes-míssimas risadas quando das"ameaças" por parte do corpo de tra-balho da escola, como que sabendo te-rem no final a "aprovação" da escola etambém não "acreditando" naquelas"promessas", quer sejam de "um futu-ro melhor", quer sejam de "castigos".

Dentro de uma realidade em quenão se tem "esperança", em que nãose acredita, ou de que não se faz parte,a atitude de que "qualquer coisa ser-ve" talvez fosse um dos motivos tam-bém para que alguns docentes faltassemcom freqüência ou que se mantivessemà parte da vida dos alunos, de suas fa-mílias e do bairro.

A relação escola-comunidade foitida como distanciada pelo desinteres-se dos "de fora". A escola não é vistacomo pertencente à comunidade, mascomo um "favor" que lhe faz. Distân-cia que embora pareça, num primeiromomento, algo "natural" (já que exis-

. tem muros que as separam), na verda-de representa uma continuidade daspolíticas de repressão da classe domi-nante em relação às classes pobres"imaturas".

Essa ideologia do "despreparo"resulta na dificuldade do acesso dasclasses pobres ao ambiente da escola,menos no aspecto físico e mais na par-ticipação nas decisões e relações soci-ais. As diferenças de saber agravamainda mais a distância que separa osque fazem parte do ambiente escolardos que estão fora dos seus muros e

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não tiveram acesso a ele, transforman-do-se, então, em poder. (KRUPPA,1994, p.129).

De modo geral, viam a integra-ção escola-comunidade apenas comoa presença das famílias para ajudar namerenda escolar, na manutenção daordem e nas festividades, ou no acom-panhamento da situação dos filhos, aexemplo de saber sobre o comporta-mento e as notas ou conhecer a pro-fessora.

O bairro era considerado, de umaforma geral, como "violento", o que nãoera discutido, mas reafirmado no coti-diano escolar. Violência tida como re-sultado da pobreza, com o significadode transgressão de normas. Porém, al-guns professores haviam modificadoessa visão, após o início do trabalho naescola, a depender da relação que man-tinham com os alunos.

E, nessa forma de pensar, per-gunta-se se os outros problemas ambi-entais percebidos pelos docentes, alémda própria "violência", a saber, a faltade saneamento básico (água e esgoto),o lixo nas ruas e a falta de transportesnão seriam atos de violência para comaquela população?

A educação ambiental, por suavez, foi representada, de uma formageral, como um instrumento para man-ter o ambiente físico conservado:

"Educação ambiental é opera-cionalizar conteúdos relacio-nados com a conservação domeio ambiente, né? Na esco-la... trabalhar esses conteúdoscom. os alunos na escola: aconservação da natureza, be-nefícios que ela traz".

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Mais precisamente: conservarpara manter a vida humana, a exemplodo que um deles disse:

"Educação ambiental, no meumodo de ve/; é o zelo, o cuida-do que nós devemos ter com. anatureza, com todos os ambi-entes que nós cercam e que anatureza ajuda o homem a vi-ver melhor. .. ".E tudo deve estar organizado

para manter a ordem social:"Ah! A educação ambiental.:eu acho que é você ter umaeducação exatamente paramelhorar a qualidade daquiloque você vê, que você tenta ...que convive junto contigo. Éuma educação prá melhorartudo aquilo que está ao seuredor".E, ao tentar-se aprofundar o co-

nhecimento sobre como ela deveria serrealizada, de uma forma geral compre-endiam ser necessário reunir teoria eprática.

A teoria, imaginavam já feita emsala-de-aula, quando aconselhavam osalunos a adotarem um ou outro com-portamento ou falando da natureza apartir dos livros didáticos.

"Eu sempre costumo, assim,falar, quando ... na minhaaula ... quando eu falo a geo-grafia do Brasil; por exemplo,falo da região Nordeste ...Quando eu falo no Brasil,quer dizer, eu tento mostrarpara eles, exatamente, o cui-dado que devem ter, exatamen-te, com o meio ambiente, né?Não jogar lixo nos locais...

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Não devem fazer assim, comopor exemplo ... Até, assim, mes-mo, na sala, eu tento, e dequalquer maneira, eu tentomostrar que não devem que-brar carteira ... ".E, com relação à prática, acha-

vam que deveria melhor acontecer forada escola, em passeios ecológicos paramostrar os problemas e estimular a con-servação.

"... Seria ideal se tivesse umpasseio no ar livre, num bos-que, para mostrar como deveser o lugar, como na Fonte dasPedras ... mostrar que nãopode riscar uma coisa da na-tureza; que é um local parapreservar e não para destruir.Se tivesse um local para mos-trar para essa crianças, seriaideal".Por conseguinte, as disciplinas

mais apontadas como relacionadas àeducação ambiental foram Ciências eGeografia.

"Toda vez que eu trabalho comCiências. Por exemplo, eu es-tou vendo a parte de lago,ilha, montanha. Então, quan-do eu entrei nesse assunto,que é mais um pouco de Geo-grafia, né? Eu tô falando demeio ambiente. Porque meioambiente é toda vez que vocêfala da natureza, você envol-ve a natureza, você está falan-do de meio ambiente ... Aí euestou fazendo educação ambi-ental",Porém, quase todos afirmaram

que poderia ser introduzida em qualquer

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disciplina, a depender da formação ecolaboração do professor.

"O professor é que vai dirigir.Mas, eu acredito que, paratoda e qualquer disciplina, temque ter esse espaço; tem quehaver essa preocupação coma questão ambiental. Com cer-teza há".A "Conferência de Tbilisi", ao

se referir ao tipo de conhecimento aser proposto pela educação ambiental,afirmou que aquele não deveria tercomo objetivo apenas divulgar novosconteúdos, mas ajudar as pessoas aquestionarem "...suas falsas idéias so-bre os diversos problemas ambientaise os sistemas de valores que susten-tam tais idéias". (UNESCO, 1980,p.27).

Quanto aos recursos didáticos,estes eram representados por livros di-dáticos, slides, cartazes, vídeo, mídia,retroprojetor e panfletos educativos.Dentro dessa discussão, a Conferên-cia de Tbilisi afirmou que deveriam es-tar voltados para o contexto social dosatores a que se destinam e serem utili-zados a partir de elementos do cotidia-no. (UNESCO, 1980, p.55-56).

Com relação à contribuição daeducação ambiental no ambiente esco-lar, apontavam como instrumento paramelhora dos aspectos físico e social doambiente e do conhecimento do aluno,com a finalidade de melhorar a vidahumana e manter a ordem social.

E apontavam como possíveisproblemas para a implantação da edu-cação ambiental: a) a prática no cotidi-ano pelo despreparo dos docentes ealunos; b) a falta de estrutura da esco-

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Ia em razão da "inadequação" do am-biente físico; c) o não apoio da Secre-taria Municipal de Educação; d) aausência de materiais didáticos consi-derados como "adequados"; e) a resis-tência inicial às mudanças; e f) a faltade conscientização dos alunos.

E quanto à possíveis soluçõespara esses problemas, pensavam que opoder público, principalmente, juntamen-te com uma população conscientizadae organizada poderiam contribuir paraa resolução dos mesmos. Essa consci-entização, porém, deveria estar volta-da, principalmente, no aceitar asdeterminações daqueles que têm o po-der.

Caracterizou-se, portanto, as re-presentações em educação ambientalcomo realizadas dentro da pedagogiab b

tradicional, do senso comum e do "na-turalismo", em concordância com asrepresentações de meio ambiente.

Pelo que é apresentado, concor-dou-se com a idéia de REIGOTA (1995,p.76), a de que os professores repre-sentavam as atividades relacionadas aoambiente sob a ótica da conservação(físico ou da ordem social).

"Coerentes com as representa-ções sociais de meio ambientee de educação ambiental, osprofessores de forma geraldescrevem atividades que, em-bora apresentando variaçõesde conteúdo e metodologia, seinserem dentro de um tipo deeducação ambiental preserva-cionista ... ".Observando-se e analisando-se

a formação do corpo docente e as ati-vidades curriculares e extracurriculares

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no cotidiano escolar, não se considerouque as ações em educação ambientalpudessem estar se aproximando dasorientações da "Conferência deTbilisi".

6 CONCLUSÃO

A partir do confronto entre o queé enunciado na literatura e o vivido nocotidiano escolar, compreendeu-se nãoser possível entender que a educaçãoambiental, à parte da realidade das es-colas e do contexto das sociedades ca-pitalistas, possa realizar transformaçõesnas práticas dos sujeitos.

Ora, se o pensar e o agir é resul-tante da divisão social do trabalho, queentre outras conseqüências provocaalienação, individualismo, hierarquiza-ção e manutenção da ordem social, éclaro que a educação ambiental paracumprir o papel que lhe é destinado nalegislação e nos documentos correla-tos, precisa estar articulada a toda umaprática que exercite a vivência da par-ticipação dos atores sociais e de suaco-responsabilidade pelos destinos pes-soais e coletivos.

Sendo assim, há que se conside-rar como os indivíduos se utilizam doconhecimento no seu cotidiano: se apartir do senso comum, fazendo partede um mundo prático-utilitário; ou comosujeitos participantes das histórias desuas sociedades.

Não se pode ver a educaçãoambiental como capaz de realizar "mi-lagres" em uma sociedade não prepa-rada para mudanças. E, neste particular,não se deve esquecer as causas de re-petência e exclusão e esperar que a

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educação ambiental possa, por si só,resolver os problemas pelos quais pas-sam a educação e os indivíduos no co-tidiano.

Para ser instrumento de trans-formação, a educação ambiental devefazer parte de ampla reforma sócio-econômica e de um novo projeto políti-co-pedagógico que leve em conta ocontexto social, construído coletivamen-te com a comunidade, respeitando-seas diferenças e em consonância com apossibilidade de conquista da cidada-nia. Para isso, faz-se necessário: a)avaliar através de pesquisas as reper-

cussões das decisões da política edu-cacional relacionadas às questões am-bientais no cotidiano escolar epublicá-Ias; b) trabalhar com profissio-nais qualificados e valorizados que com-preendam o modelo de desenvolvimentocomo influente no pensar e agir e comatores sociais que se identifiquem comosujeitos históricos; e c) utilizar materi-ais condizentes à reconstrução do co-nhecimento dentro da concepçãohistórico-crítica.

Sendo assim, a educação arnbi-ental deve fazer parte de uma ação to-talizadora da educação.

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