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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    INSTITUTO DE QUMICA DE SO CARLOS

    IMPORTNCIA DA COMPREENSO DOS CICLOS

    BIOGEOQUMICOS PARA O DESENVOLVIMENTO

    SUSTENTVEL

    Rogrio da Silva Rosa

    Rossine Amorim Messias

    Beatriz Ambrozini

    Coordenao: Profa. Dra. Maria Olmpia de O. Rezende

    So Carlos

    2003

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel i

    Instituto de Qumica de So Carlos - USP

    SUMRIO

    Apresentao iii

    1. Ecologia 1

    1.1. Fatores Histricos 1

    2. Ecossistema 3

    2.1. Introduo 3

    2.2. Biosfera vs. Fotossntese 3

    2.3. Os Componentes do Ecossistema 4

    2.4. A Pirmide de Energia 6

    2.4.1. Fluxo de Energia 6

    2.4.2. Fluxo de Matria 8

    3. Os Ciclos Biogeoqumicos 9

    3.1. Introduo 9

    3.1.1. O Ciclo da gua 10

    3.1.2. O Ciclo das Rochas 12

    3.1.3. O Ciclo do Carbono 13

    3.1.4. O Ciclo do Clcio 16

    3.1.5. O Ciclo do Fsforo 17

    3.1.5.1. O Fenmeno da Eutrofizao 17

    3.1.6. O Ciclo do Nitrognio 19

    3.1.6.1. A Rotao de Culturas 21

    3.1.7. O Ciclo do Enxofre 22

    4. Fatores de Desequilbrio Ambiental 24

    4.1. Introduo 24

    4.2. Concentrao de Poluentes nos Nveis Trficos 25

    5. Metais Pesados 27

    5.1. Efeitos Txicos Causados pelo Mercrio 27

    5.2. Uso do Mercrio no Brasil 28

    5.2.1. Histrico 28

    5.2.2. Mercrio como Contaminante Ambiental 29

    5.2.3. A Contaminao por Garimpos de Ouro 30

    5.2.4. O Acidente na Baa de Minamata 33

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    5.2.5. As Diferenas entre a Amaznia e Minamata 35

    5.2.6. Efeitos Txicos Causados pelo Chumbo 36

    6. Poluio da gua 39

    6.1 A Chuva cida 40

    7. Poluio do Ar 42

    7.1. O Efeito Estufa 44

    8. Poluio do Solo 48

    9. Concluses 50

    10. Bibliografia 52

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel iii

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    APRESENTAO

    Esta monografia comeou a ser desenvolvida durante a disciplina optativa

    Ciclos Biogeoqumicos, por mim oferecida durante o 1o. semestre de 2002. Na

    oportunidade, dois alunos matricularam-se: Rogrio e Beatriz. Eles, com o auxlio do

    M.Sc. Rossine, idealizaram o que agora est sendo lido.

    O objetivo desta monografia propiciar ao leitor o conhecimento bsico a

    respeito dos ciclos biogeoqumicos para a compreenso das mudanas globais em

    curso nos processos ambientais de nosso pequeno planeta.

    Com o conhecimento, possvel interferir, agindo de modo integrado e

    compatibilizando desenvolvimento e qualidade de vida.

    Boa leitura!

    Maria Olmpia de Oliveira Rezende

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    1. Ecologia

    1.1. Fatores Histricos

    O termo ecologia foi utilizado pela primeira vez em meados de 1870 pelo

    bilogo alemo Ernst Haeckel, discpulo de Charles Darwin, para designar a cincia

    das relaes dos organismos com o meio ambiente.

    A palavra ecologia deriva de duas palavras de origem grega: olkos, que

    significa casa, ou em um sentido mais amplo, ambiente, e logos, que quer dizer

    cincia ou estudo. Dessa forma, ecologia significa cincia do ambiente, ou, em uma

    definio mais completa, pode ser entendida como a cincia que estuda as relaes

    entre os seres vivos e o ambiente onde vivem. Atualmente, a designao que tem sido

    mais utilizada, define a ecologia como sendo a cincia que estuda os ecossistemas.

    Nos dias atuais, a ecologia passou a ser um dos temas de maior destaque nos

    meios de divulgao. Isso se deve em grande parte aos desastres ecolgicos que se

    sucedem no apenas em nosso pas mas tambm em vrios outros, de tal maneira,

    que a ecologia passou a adquirir grande importncia prtica.

    O Homem o ser vivo que mais agride o ambiente em que vive, sendo que at

    certo tempo atrs ele acreditava que poderia interferir no meio ambiente da maneira

    que lhe fosse mais conveniente. Aos poucos, porm, ele foi percebendo que o

    descarte inadequado dos subprodutos de suas indstrias, o uso indiscriminado de

    agrotxicos, e o descuido com rios, lagos e fontes no s acabava com a vida

    existente nesses meios, mas tambm trazia enormes transtornos a ele prprio, pois

    uma vez que o Homem alterava o meio onde vivia, a natureza lhe respondia cada vez

    mais de uma maneira mais rspida e rpida.

    Hoje em dia se faz necessrio conhecer as noes bsicas da ecologia, ou

    seja, aprender como os seres interagem com o ambiente e verificar o papel deles no

    equilbrio ecolgico.

    Sem sombra de dvida, o Homem j fez progressos considerveis na tentativa

    de recuperar os ecossistemas que foram destrudos e de preservar aqueles que

    poderiam ser atacados. Um exemplo disso foi o encontro da comunidade cientfica

    internacional em conjunto com polticos em junho de 1992, na cidade do Rio de

    Janeiro, na conferncia que ficou conhecida como ECO-92, durante a qual foram

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    discutidas solues e responsabilidades de problemas que so comuns aos pases. O

    ponto alto desse encontro foi a elaborao da Carta da Terra. Em contrapartida, a

    sada dos Estados Unidos, um dos maiores poluidores do meio ambiente, do Tratado

    de Kioto foi uma prova cabal que no so todos que aprenderam com as respostas da

    natureza. A defesa americana simplesmente insustentvel, pois alega que com a

    assinatura do Tratado, a indstria americana teria que se adequar a uma nova poltica

    de controle de emisso de gases poluentes, e isso levaria a indstria a ter gastos

    extras e a ter que fazer cortes de pessoal, o que poderia gerar uma crise na indstria

    americana e, conseqentemente, levaria a uma crise na economia mundial.

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    2. Ecossistema

    2.1. Introduo

    No incio da formao do planeta, existia uma grande camada de gases,

    constituda basicamente de metano, amnia, vapor de gua e hidrognio. Com o

    passar do tempo, o planeta foi se resfriando, o que permitiu um acmulo maior de

    gua, originando os primeiros mares, ou mares primitivos.

    Paralelamente a isso, a Terra a sendo bombardeada constantemente pelos

    raios solares que faziam com que transformaes fsicas e qumicas nos componentes

    da atmosfera e da crosta terrestre fossem ocorrendo. A partir desse momento, a vida

    se originou e nunca mais deixou de existir no planeta.

    Com o aparecimento dos seres vivos, uma nova entidade passou a fazer parte

    da constituio do planeta, ou seja, alm da litosfera, hidrosfera e atmosfera, a Terra

    passou a contar com a biosfera. A biosfera compreende todos os lugares do planeta

    onde existe vida. As camadas que envolvem o planeta recebem a terminao sfera

    devido ao formato esfrico da Terra. Assim sendo, pode-se montar uma tabela para

    ilustrar o nome e o significado de cada um.

    Tabela 1. Nomes e Significados

    Nome Significado

    Atmosfera Parte gasosa da Terra

    Litosfera Parte mineral da Terra

    Hidrosfera Parte aquosa da Terra

    2.2. Biosfera vs. Fotossntese

    Uma afirmao que se pode fazer a respeito da biosfera que a sobrevivncia

    de todos os seres vivos que a compem, com exceo de um pequeno grupo de seres

    procariontes quimiossintetizantes, depende, em uma ltima anlise, dos organismos

    clorofilados. Estes, por meio da fotossntese, produzem o alimento que utilizado por

    todos os outros seres vivos. Como subproduto da fotossntese, as plantas liberam

    oxignio, que fundamental para a respirao de todos os seres vivos, sejam eles

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    animais ou vegetais. Esse tipo de dependncia que existe entre animais e vegetais

    apenas um dos muitos exemplos de interaes que ocorrem na biosfera.

    Como regra, populaes de espcies diferentes devem viver em constante

    interao, formando as comunidades biticas, ou biocenose. A biocenose depende do conjunto de fatores fsicos e qumicos do meio, freqentemente chamado de bitopo.

    Uma comunidade bitica em interao com o conjunto de condies fsicas e

    qumicas, da regio onde ela habita, constitui um ecossistema. Assim, temos:

    BIOCENOSE + BITOPO = ECOSSISTEMA

    2.3. Os Componentes do Ecossistema

    Um conjunto de seres vivos e o meio onde eles vivem, com todas as interaes

    que estes organismos mantm entre si, formam um ecossistema. Qualquer

    ecossistema apresenta dois componentes bsicos: o componente bitico, que

    representado pelos seres vivos, e o componente abitico, que representado pelas

    condies qumicas e fsicas do meio.

    Em qualquer ecossistema, os representantes do componente bitico podem ser

    divididos em outros dois grupos: os auttrofos e os hetertrofos. O termo auttrofo

    usado para designar os seres fotossintetizantes que conseguem captar a energia

    luminosa e utiliz-la para suprir suas necessidades energticas. J o termo hetertrofo

    usado para denominar os organismos que necessitam captar, do meio onde vivem, o

    alimento que lhes fornea energia e matria-prima para a sua sobrevivncia. Dessa

    forma, os seres auttrofos so ditos produtores dos ecossistemas, pois so eles que produzem toda a matria orgnica e energia que ser utilizada como alimento por

    outros seres vivos. por meio deles que toda a energia necessria para a

    manuteno da comunidade bitica entra no ecossistema.

    Os hetertrofos so os consumidores dos ecossistemas: eles apenas utilizam o alimento produzido pelos auttrofos para assim sobreviver. Um grupo muito

    particular de hetertrofos so os decompositores, pois estes se utilizam de matria orgnica morta como fonte de alimentao. Os decompositores so de grande

    importncia, pois a partir deles que muitos nutrientes so devolvidos ao meio

    ambiente, tornando assim cclica a permanncia desses nutrientes, conforme ser

    visto mais adiante.

    Em termos de fatores abiticos, estes podem ser classificados em fsicos e

    qumicos, sendo que temperatura, luminosidade e umidade so exemplos de fatores

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    fsicos. Entre os fatores qumicos, pode ser citada a presena de gua e de minerais

    no solo.

    Dentre os fatores fsicos, a radiao solar a que ocupa lugar de destaque,

    pois ela quem comanda a maioria dos outros fatores. Dela provm toda a energia

    necessria para a sobrevivncia dos seres vivos, alm de ser ela a responsvel pela

    manuteno da temperatura no planeta. Essa manuteno da temperatura fator

    fundamental na distribuio dos seres vivos na superfcie da Terra. Alm disso, a

    radiao solar tambm afeta outros fatores climticos como umidade relativa do ar,

    pluviosidade, etc.

    Com relao aos fatores qumicos, pode-se dizer que a presena ou ausncia

    de um determinado elemento na gua decisiva para a manuteno da vida em um

    dado ambiente. Por exemplo, a presena de fsforo, encontrado na forma de fosfato

    em alguns tipos de rochas, fundamental, pois o fsforo constituinte importante da

    matria viva. Outros elementos, como o clcio, o boro, o carbono, o nitrognio e o

    oxignio, so essenciais para a manuteno da vida, tanto animal quanto a vegetal,

    sendo que esses elementos ficam presentes no meio ambiente em uma forma cclica,

    ou seja, de alguma maneira eles so retirados do meio, cumprem o seu papel, seja

    formar uma protena ou um cido nuclico, como no caso do nitrognio, seja a de um

    fosfolipdio no caso do fsforo, e, de alguma forma, eles devem retornar ao meio para

    novamente se tornarem parte do ciclo.

    Figura 1. Diagrama de transferncia de energia solar para os seres vivos.

    Pela figura 1, fica evidente a forma como a energia solar transferida e

    utilizada por todos os seres vivos. Inicialmente, a energia que produzida pelo sol e

    que chega Terra suficiente para que as plantas consigam realizar a sntese de

    matria orgnica por meio do processo de fotossntese, ou seja, esse processo

    fornece toda a energia necessria para os processos vitais e para que as plantas

    possam crescer e se desenvolver. Nesse processo de crescimento e desenvolvimento,

    Energia radiante do

    Sol

    Plantas (Produtores)Auttrofos

    Animais (Herbvoros)Hetertrofos

    Animais (Carnvoros)

    D E C O M P O S I T O R E S

    (Bactrias e Fungos)

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    as plantas vo produzindo e armazenando energia, sais minerais e matria orgnica,

    que vo ser posteriormente passados para os organismos superiores, via cadeia

    alimentar.

    A matria orgnica que foi sintetizada pelas plantas contm energia, que por

    sua vez vai servir de alimento para manuteno de processos vitais e de crescimento

    para os animais. Inicialmente, essa energia passada aos herbvoros e, em seguida,

    passada via cadeia alimentar a todos os outros organismos superiores, inclusive o

    Homem. Caso esse mecanismo de transporte seja interrompido em algum ponto, a

    decomposio da matria orgnica por ao de bactrias e fungos, faz com que todos

    os nutrientes voltem ao solo e possam ser reabsorvidos novamente, dando

    continuidade ao ciclo.

    O esquema apresentado ilustra o conceito de cadeia alimentar, e inerente a

    esse conceito est o conceito de nvel trfico, que ser discutido um pouco mais tarde, mas de antemo j possvel perceber que cada organismo ocupa um lugar

    pr-determinado na cadeia alimentar, e em virtude de sua colocao na cadeia

    depender a sua colocao em um nvel trfico ou no.

    2.4. A Pirmide de Energia

    A pirmide de energia mostra uma conseqncia natural das leis da

    termodinmica, ou seja, parte da energia dissipada ao passar de um nvel trfico

    para outro, e em cada nvel a energia transformada, nunca criada. Alm disso, ela

    indica os nveis de aproveitamento ou produtividade biolgica da cadeia alimentar.

    2.4.1. Fluxo de Energia

    Uma das caractersticas mais marcantes dos ecossistemas que os

    organismos que os compem podem ser agrupados de acordo com seus hbitos

    alimentares. Nesse caso, cada grupo em particular constitui aquilo que costuma se

    denominar nvel trfico. De acordo com essa definio, o nvel trfico nada mais que

    o lugar onde cada grupo de organismos ocupa em um determinado ecossistema. A

    seqncia dos nveis trficos representa o caminho que tanto a energia como a

    matria percorre em um ecossistema.

    A fonte de energia que mantm qualquer ecossistema o Sol. Assim, a energia

    luminosa proveniente do Sol captada e metabolizada pelos produtores, que na sua

    maioria so seres fotossintetizantes, portanto auttrofos. Incluem-se nesse grupo os

    vegetais clorofilados e os organismos quimiossintetizantes (algumas bactrias).

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    Posteriormente, os herbvoros, ao se alimentarem dos produtores, obtm parte dessa

    energia e, assim sucessivamente, a energia vai passando de nvel trfico at a sua

    chegada aos organismos que esto no topo da cadeia alimentar.

    Do total de energia armazenada pelo auttrofo na matria orgnica produzida

    pela fotossntese, parte consumida por ele mesmo na respirao, o que lhe mantm

    vivo. Portanto s passado para o nvel trfico seguinte aquilo que o produtor no

    consumiu, e desse, uma parte eliminada pelos excrementos e uma parcela

    considervel da energia do alimento consumida como forma de energia de

    movimento. As sobras so incorporadas aos tecidos permanecendo disposio do

    nvel trfico seguinte. Assim, a cada nvel trfico, vai ocorrendo uma perda de energia,

    principalmente na forma de calor, forma essa que os seres vivos no tem condies

    de reaproveitar. Portanto, a energia flui de um nvel trfico a outro sem possibilidade

    de retrocesso, numa nica direo; da vem a denominao de que o fluxo de energia

    unidirecional.

    O esquema a seguir (figura 2) ilustra o que foi dito. Os raios solares, assim que

    chegam s plantas, que so os produtores da cadeia alimentar e por isso se

    encontram na parte debaixo da pirmide, transformam essa energia em matria

    orgnica, que, por sua vez, vo servir de alimento e fonte de energia para todos os

    consumidores que esto na parte superior da cadeia, transferindo, assim, a energia

    para esses consumidores. Uma vez que os animais do topo da cadeia no tem como

    reciclar essa energia, uma parte dela se perde na forma de calor para o ambiente.

    C A L O R

    E n e r g i a L u m i n o s a

    Figura 2. Fluxo de energia do Sol para o meio ambiente via cadeia alimentar.

    S O L

    E s p a o (M e i o A m b i e n t e)

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    2.4.2. Fluxo de Matria

    Ao contrrio do que acontece com o fluxo de energia, o fluxo de matria no

    unidirecional; ele segue o caminho inverso, ou seja, o caminho cclico.

    Principiamos o raciocnio pelos produtores, que so os seres que transformam

    a energia radiante do sol em alimento, inicialmente para si, e depois para os demais

    organismos vivos que compem os nveis trficos superiores atravs da alimentao.

    Assim que qualquer um desse seres que compem os nveis trficos morre, a

    matria orgnica absorvida pelos microrganismos decompositores que trazem de

    volta ao solo os sais minerais e outros elementos, tornando-os disponveis para serem

    reaproveitados novamente por outros organismos (figura 3).

    Figura 3. Diagrama de fluxo de matria entre os seres vivos.

    Produtores de Alimento

    (Auttrofos)

    Consumidores de Alimentos

    (Hetertrofos)

    D E C O M P O S I T O R E S

    (Fungos e Bactria)

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    3. Os Ciclos Biogeoqumicos

    3.1. Introduo

    Os ciclos biogeoqumicos so processos naturais que por diversos meios

    reciclam vrios elementos em diferentes formas qumicas do meio ambiente para os

    organismos, e depois, fazem o processo contrrio, ou seja, trazem esses elementos

    dos organismos para o meio ambiente. Dessa forma, a gua, o carbono, o oxignio, o

    nitrognio, o fsforo, o clcio, entre outros elementos, percorrem esses ciclos, unindo

    todos os componentes vivos e no-vivos da Terra.

    Sendo a Terra um sistema dinmico, e em constante evoluo, o movimento e

    a estocagem de seus materiais afetam todos os processos fsicos, qumicos e

    biolgicos. As substncias so continuamente transformadas durante a composio e

    a decomposio da matria orgnica, sem escapar da biosfera, sendo, portanto

    reciclveis.

    Um ciclo biogeoqumico pode ser entendido como sendo o movimento ou o

    ciclo de um determinado elemento ou elementos qumicos atravs da atmosfera,

    hidrosfera, litosfera e biosfera da Terra.

    Os ciclos esto intimamente relacionados com processos geolgicos,

    hidrolgicos e biolgicos. Como exemplo, pode-se lembrar que um modesto

    conhecimento sobre o ciclo geolgico (aqui referido como um conjunto dos processos

    responsveis pela formao e destruio dos materiais da Terra, subdividido em ciclo

    hidrolgico e ciclo das rochas) valioso para o conhecimento e compreenso de

    nosso ambiente, que est intimamente relacionado aos processos fsicos, qumicos e

    biolgicos.

    Os caminhos percorridos ciclicamente entre o meio abitico e o bitico pela

    gua e por elementos qumicos conhecidos, como C, S, O, P, Ca e N, constituem os

    chamados ciclos biogeoqumicos.

    O estudo desses ciclos se torna cada vez mais importante, como, por exemplo,

    para avaliar o impacto ambiental que um material potencialmente perigoso, possa vir a

    causar no meio ambiente e nos seres vivos que dependem direta ou indiretamente

    desse meio para garantir a sua sobrevivncia.

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 10

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    Como j fora visto anteriormente, a matria pode ser constantemente

    reaproveitada na natureza, ou seja, quando uma planta ou um animal morre, as

    bactrias e fungos que esto presentes nos solos do incio ao processo de

    decomposio desses seres, e nesse processo de decomposio so trazidos de volta

    ao solo sais minerais, gua e outros elementos, como Na, K, P, N.

    Uma vez que esses elementos esto disponveis novamente no solo, ar ou no

    ambiente de maneira geral, o processo todo se reinicia, como se fosse uma grande

    engrenagem, ou seja, o nitrognio que est no ar atmosfrico utilizado por algumas

    bactrias que se encontram nas razes de algumas plantas, o fsforo novamente

    incorporado pelos seres vivos para compor os fosfolipdios e assim sucessivamente.

    Os ciclos biogeoqumicos esto intimamente relacionados com os processos

    geolgicos, de tal forma que praticamente impossvel tentar entender um ciclo

    biogeoqumico sem antes saber o que se passou com o planeta, as transformaes

    que ele sofreu e que ainda hoje continua a sofrer, visto que a Terra um sistema que

    prima pelo equilbrio dinmico que possui.

    3.1.1. O Ciclo da gua

    A gua na natureza pode ser encontrada nos trs estados fsicos: slido,

    lquido e gasoso. Os oceanos e mares constituem cerca de 97% de toda gua; dos 3%

    restantes, 2,25% esto em forma de gelo nas geleiras e nos plos, e apenas 0,75%

    esto nos rios, lagos e lenis freticos.

    A quantidade de gua na forma de vapor na atmosfera reduzidssima quando

    comparada s grandes quantidades que so encontradas nos outros estados, mas

    apesar dessa pequena quantidade, ela fundamental na determinao das condies

    climticas e de vital importncia para os seres vivos. A gua encontrada na atmosfera

    proveniente da evapotranspirao que compreende a transpirao dos seres vivos e

    a evaporao da gua lquida. A evapotranspirao exige energia para ser realizada.

    Em ltima anlise, pode-se afirmar que essa energia provm do sol, atuando

    diretamente na evaporao e indiretamente na transpirao, afinal a transpirao

    dissipa calor do organismo para o ambiente. A gua gasosa da atmosfera se

    condensa e pode precipitar na forma de chuva (lquida), ou por um resfriamento

    excessivo na forma slida (neve ou granizo).

    Nos continentes e ilhas, a evapotranspirao menor do que a precipitao, o

    que possibilita a formao de rios, lagos e lenis freticos. O processo inverso ocorre

    nos oceanos e mares, onde a precipitao menor que a evapotranspirao. Isso

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 11

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    poderia sugerir que um dia os oceanos iriam secar, mas, ento, por que isso no

    ocorre?

    No ocorre porque o excesso de gua dos continentes de alguma forma

    levado aos mares e oceanos por ao dos rios, que sempre desembocam nos mares e

    oceanos.

    O esquema da figura 4 ilustra a maneira como a gua sai do ambiente e como

    ela retorna a esse ambiente. Mais uma vez conveniente observar que todo o

    movimento que a gua realiza cclico, ou seja, ela sai do ambiente, percorre o seu

    caminho, seja ele na terra, ou na atmosfera, cumpre todas as suas funes, e depois

    disso, quando ocorre a precipitao, ela volta ao seu ponto inicial, ficando disponvel

    para novamente recomear o seu ciclo na natureza.

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    Chuva ou Neve Chuva ou Neve

    Figura 4. Diagrama do ciclo da gua no planeta.

    3.1.2. O Ciclo das Rochas

    O ciclo das rochas consiste de vrios processos que produzem rochas e solos.

    Esse ciclo depende do ciclo tectnico para energia e do ciclo hidrolgico para gua.

    O calor gerado pelo ciclo tectnico produz materiais fundidos, como a lava

    vulcnica, que ao se solidificarem na superfcie ou em camadas mais finas do origem

    s rochas gneas. Essas rochas, ao se congelarem e descongelarem, quebram-se

    devido expanso e contrao. Podem tambm se desagregar devido a processos

    qumicos, pela ao de cidos fracos formados na presena de CO2, matria orgnica

    e gua, alm de processos fsicos, como o vento.

    O ciclo das rochas inicia-se com a destruio das rochas que esto na

    superfcie, pela ao de agentes externos, sejam eles fsicos ou qumicos, ao essa

    conhecida como intemperismo. O intemperismo o processo de degradao das rochas e acontece quando as

    rochas expostas atmosfera sofrem um ataque erosivo, provocado pelo clima (vento,

    chuvas, etc), que pode modificar o seu aspecto fsico ou a sua composio

    mineralgica. O intemperismo um processo de desgaste mecnico, operado pelas

    guas correntes, pelo vento, pelo movimento das geleiras e pelos mares.

    Evapotranspirao

    RIOS

    SERES VIVOS

    Continentes, Ilhas, Geleiras

    Oceanos e Mares

    N U V E N S

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    Os sedimentos, que so os produtos resultantes da ao do intemperismo, so

    transportados por diversos fluidos, passando a circular sobre a superfcie terrestre por

    ao do calor solar ou da gravidade.

    Quando cessa a energia que os fazem circular, eles se depositam nas regies

    mais baixas, formando-se ento as rochas sedimentares.

    Com o passar do tempo, as rochas sedimentares so sepultadas a grandes

    profundidades, sofrendo ento constantemente o efeito do calor terrestre e se

    tornando cada vez mais duras. Nos nveis mais profundos da Terra, cerca de 10 a 30

    km, a temperatura e a presso so cada vez maiores, acontecendo ento a

    transformao das rochas sedimentares em rochas metamrficas. A temperatura

    aumenta de tal forma que essas rochas so levadas fuso, transformando-se

    novamente em rocha gnea.

    Devido intensa atividade que ocorre no interior do planeta, ocorre o processo

    de levantamento dessa rocha. Isso acontece cada vez mais at o momento em que a

    rocha comea a chegar aos nveis superiores, e aps algumas dezenas de milhares

    de anos essa rocha chega novamente superfcie, onde estar sujeita a ao dos

    agentes externos, reiniciando, assim, o ciclo.

    A vida desempenha um papel fundamental nesse ciclo, por meio da

    incorporao do carbono nas rochas. Processos de biossedimentao produzem as

    chamadas rochas calcrias (CaCO3, principalmente), alm de substncias hmicas e

    petrleo.

    Fica evidente nesse ciclo a ao da gua, pois ela o principal agente

    responsvel pelo deslocamento dos sedimentos obtidos por meio do intemperismo,

    sendo que ela tambm um dos agentes capazes de causar esse intemperismo. Ela

    assume esse papel principal, pelo fato de ser capaz de dissolver materiais inorgnicos

    contidos nos sedimentos, bem como capaz de arrastar partculas de maior massa, o

    que seria impossvel apenas pela ao do vento.

    3.1.3. O Ciclo do Carbono

    O carbono um elemento qumico de grande importncia para os seres vivos,

    pois participa da composio qumica de todos os componentes orgnicos e de uma

    grande parcela dos inorgnicos tambm.

    O gs carbnico se encontra na atmosfera numa concentrao bem baixa,

    aproximadamente 0,03% e, em propores semelhantes, dissolvido na parte

    superficial dos mares, oceanos, rios e lagos.

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 14

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    Removido da atmosfera pela fotossntese, o carbono do CO2 incorpora-se aos

    seres vivos quando os vegetais, utilizando o CO2 do ar, ou os carbonatos e

    bicarbonatos dissolvidos na gua, realizam a fotossntese. Dessa maneira, o carbono

    desses compostos utilizado na sntese de compostos orgnicos, que vo suprir os

    seres vivos.

    Da mesma maneira, as bactrias que realizam quimiossntese fabricam suas

    substncias orgnicas a partir do CO2. Os compostos orgnicos mais comumente

    formados so os aucares (carboidratos), mas, alm deles, as plantas so capazes de

    produzir protenas, lipdeos e ceras em geral.

    O carbono das plantas pode seguir trs caminhos (figura 5):

    pela respirao devolvido na forma de CO2; passa para os animais superiores via cadeia alimentar; pela morte e decomposio dos vegetais, volta a ser CO2. O carbono adquirido pelos animais, de forma direta ou indireta, do reino

    vegetal durante a sua alimentao. Assim, os animais herbvoros recebem dos

    vegetais os compostos orgnicos e, atravs do seu metabolismo, so capazes de

    sintetizar e at transform-los em novos tipos de produtos. O mesmo ocorre com os

    animais carnvoros, que se alimentam dos herbvoros e assim sucessivamente. O

    carbono dos animais pode seguir, assim como as plantas, trs caminhos (figura 5):

    pela respirao devolvido na forma de CO2; passagem para outro animal, via nutrio; pela morte e decomposio dos animais, volta a ser CO2; Um outro mecanismo de retorno do carbono ao ambiente por intermdio da

    combusto de combustveis fossis (gasolina, leo diesel, gs natural). Alm desse, a

    queima de florestas uma outra forma de devoluo, mas vale ressaltar que esse

    mtodo pode acarretar srios danos ao ambiente, ocasionando grandes variaes no

    ecossistema global do planeta.

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    Figura 5. Esquema representativo do ciclo do carbono.

    Combustveis Fsseis

    Decompositores

    Resduos Orgnicos

    Vegetais Animais

    CO2 Atmosfrico

    Fossilizao de plantas e animais

    em eras geolgicas distantes

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    3.1.4. O Ciclo do Clcio

    O Ca um elemento qumico muito importante para os seres vivos. No

    vegetais, ele participa principalmente como ativador de enzimas, alm de participar

    como componente estrutural de sais de compostos pcticos da lamela mdia.

    A maior participao do clcio nos animais est relacionada com a formao de

    esqueletos, pois ele parte constituinte dos exoesqueletos de invertebrados e

    conchas. Alm disso, atua em processos metablicos: sua participao fundamental

    no processo de coagulao do sangue, alm de ser muito til no processo de

    contrao muscular.

    A fonte primria de clcio na natureza so, sem dvida, as rochas calcrias,

    que, devido ao de agentes diversos, sofrem intemperismo, o qual provoca eroso,

    levando os sais de clcio para o solo, de onde so carregados pelas chuvas para os

    rios e mares. Assim como ocorre com o fsforo, o clcio tende a se acumular no fundo

    do mar.

    O intemperismo pode ser entendido como o conjunto de processos mecnicos,

    qumicos e biolgicos que ocasionam a destruio fsica e qumica das rochas,

    formando os solos. Mais uma vez, fica muito claro a grande participao que a gua

    exerce nos ciclos biogeoqumicos; no ciclo do clcio, como no ciclo das rochas, sua

    presena de suma importncia para que os ciclos possam ser reiniciados. O

    mecanismo que rege o ciclo do clcio segue mais ou menos os seguintes passos.

    Inicialmente o CO2 atmosfrico dissolve-se na gua da chuva, produzindo H2CO3.

    Essa soluo cida, nas guas superficiais ou subterrneas, facilita a eroso das

    rochas silicatadas e provoca a liberao de Ca2+ e HCO3, entre outros produtos, que

    podem ser lixiviados para o oceano. Nos oceanos, Ca2+ e HCO3 so absorvidos pelos

    animais que o utilizam na confeco de conchas carbonatadas, que so os principais

    constituintes dos seus exoesqueletos. Com a morte desses organismos, seus

    esqueletos se depositam no fundo do mar, associam-se a outros tipos de resduos e

    originam uma rocha sedimentar, depois de um longo perodo de tempo. Esses

    sedimentos de fundo, rico em carbonato, participando do ciclo tectnico, podem migrar

    para uma zona de presso e temperatura mais elevadas, fundindo parcialmente os

    carbonatos. As mudanas lentas e graduais da crosta terrestre podem fazer com que

    essas rochas sedimentares alcancem a superfcie, completando o ciclo.

    Os vegetais absorvem do solo os sais de clcio, e os animais os obtm atravs

    da cadeia alimentar. Com a decomposio dos animais e vegetais mortos, o clcio

    retorna ao solo.

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    3.1.5. O Ciclo do Fsforo

    O fsforo um elemento qumico que participa estruturalmente de molculas

    fundamentais do metabolismo celular, como fosfolipdios, coenzimas e cidos

    nuclicos. Alm disso, um nutriente limitante do crescimento de plantas,

    especialmente as de ambientes aquticos. Por outro lado, por apresentar-se em

    grande abundncia no meio ambiente, pode causar srios problemas ambientais.

    Os grandes reservatrios de fsforo so as rochas e outros depsitos formados

    durante as eras geolgicas. Esses reservatrios, devido ao intemperismo, pouco a

    pouco fornecem o fsforo para os ecossistemas, onde absorvido pelos vegetais e

    posteriormente transferido aos animais superiores e, por conseqncia, ao Homem,

    via cadeia alimentar.

    O retorno do fsforo ao meio ocorre pela ao de bactrias fosfolizantes,

    atuando nas carcaas de animais mortos. O fsforo retorna ao meio na forma de

    composto solvel, sendo portanto facilmente carregado pela chuva para os lagos e

    rios e destes para os mares, de forma que o fundo do mar passa a ser um grande

    depsito de fsforo solvel.

    As aves marinhas desempenham um papel importante na restituio do fsforo

    marinho para o ambiente terrestre, pois ao se alimentarem de peixes marinhos e

    excretarem em terra firme, trazem o fsforo de volta ao ambiente terrestre. Ilhas

    prximas ao Peru, cobertas de guano (excremento das aves), mostram o quanto as

    aves so importantes para a manuteno do ciclo.

    O uso mais comum para o fsforo como fertilizante. Ele um dos

    componentes principais do tipo de fertilizante mais utilizado, o fertilizante base de

    NPK.

    Por ter a capacidade de formar compostos solveis, o fsforo facilmente

    carregado pela chuva para os lagos e rios, sendo justamente nessa etapa que podem

    ocorrer srios danos ao meio ambiente, pois se um excesso de componentes

    nitrogenados e fosfatados, que so largamente utilizados como fertilizantes, entra em

    um lago ou rio, esses nutrientes podem causar aumento da populao bacteriana e de

    algas verdes (fotossintticas), originando um processo conhecido como eutrofizao.

    3.1.5.1. O Fenmeno da Eutrofizao

    Um lago ou um rio eutrofizado, em um primeiro momento, apresenta uma

    elevada proliferao de fitoplncton, com conseqente incremento na produo de

    matria orgnica. As algas que compem o fitoplncton possuem um ciclo curto de

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    vida; assim, uma grande quantidade de algas morrem em um espao de tempo muito

    curto.

    Esse material orgnico proveniente das algas mortas provoca o crescimento de

    organismos decompositores aerbios, que, ao realizarem a decomposio, consomem

    todo o oxignio dissolvido na gua. Esse consumo provoca a morte de todos os seres

    aerbios, peixes, por exemplo, contribuindo ainda mais para o aumento da quantidade

    de matria orgnica a ser decomposta. Como no h mais oxignio, os organismos

    decompositores que se desenvolvem so anaerbios, que lanam uma quantidade

    muito grande de toxinas alterando totalmente as propriedades qumicas do meio

    aqutico, invibializando todas as formas de vida.

    O esquema da figura 6 mostra os caminhos que o fsforo pode percorrer,

    desde sua retirada das rochas, pela ao do intemperismo, at a sua chegada ao mar,

    sua participao na cadeia alimentar e sua respectiva volta ao solo, onde novamente

    fica disposio dos animais e dos seres humanos, dando continuidade ao ciclo.

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    Figura 6. Esquema representativo do ciclo do fsforo.

    3.1.6. O Ciclo do Nitrognio

    O nitrognio um elemento qumico que entra na constituio de duas

    importantssimas classes de molculas orgnicas: protenas e cidos nuclicos. Alm

    disso, o nitrognio componente de um nucleotdeo essencial a todos os seres vivos

    da biosfera: o ATP. Embora esteja presente em grande quantidade no ar (cerca de

    79%), na forma de N2, poucos seres vivos o assimilam nessa forma. Apenas alguns

    tipos de bactrias, principalmente cianobactrias, conseguem captar o N2, utilizando-o

    na sntese de molculas orgnicas nitrogenadas.

    O nitrognio utilizvel pelos seres vivos o combinado com o hidrognio na

    forma de amnia (NH3). A transformao do N2 em NH3 chamada fixao. Fenmenos fsicos, como os relmpagos e fascas eltricas, so processos fixadores

    de nitrognio. A produo de amnia por esses fenmenos atmosfricos

    pequenssima, sendo praticamente negligencivel em face s necessidades dos seres

    vivos. A fixao do nitrognio por esses meios denominada fixao fsica.

    Outra forma de fixao de nitrognio a fixao industrial, realizada por

    indstrias de fertilizantes, onde se consegue uma elevada taxa de fixao de

    nitrognio.

    Fosfato na Rocha

    Fosfato no Solo

    Animais Vegetais

    Decompositor Rochas

    Fosfato nos Mares

    Cadeia Alimentar Algas Peixes Aves

    Excrementos de Aves Marinhas

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    A fixao do nitrognio realizada pelas bactrias, algas azuis e fungos que

    vivem livres no solo ou associados s razes de plantas denominada de fixao

    biolgica ou biofixao. As bactrias do gnero Rhizobium, algas azuis do gnero

    Anabaena e Nostoc e certos fungos so organismos fixadores de nitrognio que vivem

    associados a plantas, principalmente a leguminosas. Esses microrganismos,

    conhecidos genericamente por radcolas, vivem em ndulos nas razes das plantas,

    estabelecendo uma relao de mutualismo, ou seja, eles recebem proteo da planta

    e em troca lhe fornecem um farto suprimento de nitrognio aproveitvel (NH3). A

    gimnosperma araucria um exemplo de uma planta que no leguminosa, mas

    apresenta ndulos em suas razes com fungos capazes de fixar nitrognio.

    A amnia pode ser produzida por dois tipos de biofixadores de vida livre:

    bactrias dos gneros Azotobacter (aerbias) e Clostridium (anaerbias).

    Quando os decompositores comeam a atuar sobre a matria orgnica nitrogenada (protenas do hmus, por exemplo), liberam diversos resduos para o

    ambiente, entre eles a amnia (NH3). Combinando-se com a gua do solo, a amnia

    forma hidrxido de amnio que ionizando-se produz o on amnio (NH4+) e hidroxila.

    Esse processo denominado de amonizao:

    NH3 + H2O NH4OH NH4+ + OH

    A oxidao dos ons amnio produz nitritos como resduos nitrogenados, que

    por sua vez so liberados para o ambiente ou oxidados a nitrato. A converso dos ons

    amnio em nitrito e nitrato conhecida por nitrificao, que ocorre pela ao de bactrias nitrificantes (Nitrosomas, Nitrosococus, Nitrobacter).

    O processo de nitrificao pode ser dividido em duas etapas:

    Nitrosao: A amnia transformada em nitrito (NO2): 2 NH3 + O2 2 HNO2 + 2 H2O + Energia

    Nitrao: Ocorre a transformao do on nitrito em on nitrato (NO3): 2 HNO2 + 2O2 2HNO3 + Energia

    Os nitratos, quando liberados para o solo, podem ser absorvidos e

    metabolizados pelas plantas.

    Assim, o ciclo do nitrognio envolve trs processos:

    Nitrosao: Converso de ons amnio em nitritos; Nitrao: Converso de nitritos em nitratos; Nitrificao: Converso de ons amnio em nitratos.

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    As bactrias nitrificantes so quimioautrficas, ou seja, utilizam-se da energia

    liberada na nitrificao para sintetizar as suas substncias orgnicas. Por meio de

    excreo ou da morte, os produtos nitrogenados dos organismos so devolvidos ao

    ambiente. Os excretas nitrogenados eliminados para o ambiente, como uria e cido

    rico, so transformados em amnia pela ao de bactrias e fungos decompositores.

    Outros compostos nitrogenados, como protenas, por exemplo, so degradados por

    ao de bactrias e fungos, transformando-os em amnia. A decomposio que se

    apresenta como produto final denominada amonificao.

    A amnia produzida pelos fixadores ou pela amonificao pode ser aproveitada

    pelas bactrias nitrificantes ou ser transformada em N2 livre, desprendendo-se para a

    atmosfera. Essa devoluo de nitrognio para a atmosfera conhecida por

    desnitrificao e comumente realizada pelas bactrias desnitrificantes (Pseudomonas denitificans). Aparentemente indesejvel, a desnitrificao

    necessria porque, se no ocorresse, a concentrao de nitratos no solo aumentaria

    de maneira desastrosa.

    3.1.6.1. A Rotao de Culturas

    A rotao de culturas um mtodo que consiste na alternncia de uma cultura

    de uma leguminosa com uma outra cultura de no leguminosas, por exemplo, a

    alternncia de uma plantao de cana, milho, soja com uma de leguminosas (por

    exemplo: amendoim, feijo ou lentilha), periodicamente. Assim, em uma safra planta-

    se uma no leguminosa e na entressafra uma leguminosa, deixando os restos das

    leguminosas nas reas onde se pretende plantar outra cultura. Os restos das

    leguminosas no devem ser queimados porque se assim for feito, a combusto

    devolve o nitrognio para a atmosfera.

    A decomposio da leguminosa adiciona compostos nitrogenados ao solo que

    sero utilizados posteriormente pela cultura da no leguminosa.

    Essa forma de adubao conhecida como adubao verde, e uma forma

    muito racional de se utilizar o ambiente, pois todos os indivduos envolvidos ganham,

    em especial o produtor ao economizar no uso do fertilizantes.

    Infelizmente, essa prtica ainda no muito difundida entre os agricultores que

    preferem em muitos casos simplesmente colocar fogo em sua cultura, para facilitar o

    corte e abreviar o tempo com que se planta entre uma safra e outra, caso muito

    comum em plantaes de cana. Esse procedimento, porm, traz prejuzo. Em muito

    pouco tempo, os solos ficam completamente exauridos de sais minerais, necessitando,

    ento, de correo, que feita base de fertilizante.

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 22

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    Mas como tudo tem um limite, chegar um ponto que, por mais que se adicione

    fertilizante ao solo, esse no responder como anteriormente, ficando dessa forma

    improdutivo. O grande problema que tambm pode acontecer o uso indiscriminado

    de fertilizante, geralmente o NPK, que pode ocasionar o fenmeno da eutrofizao,

    descrito anteriormente.

    Como pode ser visto tambm, o homem, exerce grande influncia sobre os

    ciclos biogeoqumicos, sendo, s vezes, de modo negativo.

    3.1.7. O Ciclo do Enxofre

    O enxofre apresenta um ciclo que passa entre o ar e os sedimentos, sendo que

    existe um grande depsito na crosta terrestre e nos sedimentos e um depsito menor

    na atmosfera.

    No reservatrio terrestre, os microrganismos tm funo preponderante, pois

    realizam a oxidao ou reduo qumica. Dessas reaes, resulta a recuperao do

    enxofre dos sedimentos mais profundos.

    Na crosta e na atmosfera, paralelamente, ocorrem processos geoqumicos e

    meteorolgicos, tais como eroso, ao da chuva, alm de processos biolgicos de

    produo e decomposio.

    Os sulfatos (SO4) constituem a forma mais oxidada, sendo incorporada pelos

    organismos auttrofos para fazerem parte da constituio das protenas, pois o

    enxofre constituinte de certos aminocidos.

    O ecossistema, de uma forma geral, no necessita tanto de enxofre como de

    nitrognio e fsforo, mas quando se formam sulfetos de ferro nos sedimentos, o

    fsforo convertido de uma forma insolvel a uma forma solvel, sendo que esta

    forma pode ser assimilada pelos organismos vivos.

    Esse fato evidencia como um ciclo pode interagir com outro e ilustra muito bem

    o fato que havendo um desequilbrio em um ciclo, fatalmente esse desequilbrio se

    estender a outros ciclos fazendo que chegue at o Homem, uma vez que o Homem

    depende dos ecossistemas onde vive. Se o equilbrio desse ecossistema por algum

    motivo se altera, essas mudanas sero sentidas por todos os organismos.

    O dixido de enxofre (SO2) normalmente constitui um passo transitrio no ciclo.

    Na maioria dos ambientes aparece uma concentrao relativamente baixa desse

    composto. Todavia, com o aumento da poluio industrial, cada vez mais so

    produzidos xidos de enxofre, que, por sua vez, afetam esse ciclo. Com as emisses

    industriais, a concentrao de automveis e a queima de carvo nas termoeltricas, o

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 23

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    SO2 tem sido encontrado cada vez em maior concentrao no ambiente,

    principalmente em grandes centros urbanos.

    O aumento da concentrao de xidos de enxofre, alm de xidos de

    nitrognio, na atmosfera leva ocorrncia da chuva cida.

    O Brasil um dos poucos pases (seno o nico) que conseguiu uma

    alternativa muito vivel e econmica para de uma s vez se ver livre de dois

    problemas, a dependncia do petrleo como fonte de combustvel e o problema da

    poluio nos grandes centros. Em meados de 1975, criou-se o Pr-lcool, uma

    iniciativa pioneira que poderia livrar o pas desses dois problemas, pois o lcool uma

    fonte de combustvel plenamente renovvel (o mesmo no ocorre com o petrleo), e

    muito menos poluidora que a gasolina ou o leo diesel, pois o produto de sua queima

    , principalmente, gua e CO2 de acordo com a seguinte reao:

    C2H5OH + 3 O2 2 CO2 + 3 H2O

    Infelizmente, queima-se a cana-de-acar antes da sua colheita, liberando para

    o ambiente grande quantidade de CO2 e de material particulado, tornando-se uma

    grande fonte de poluio.

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    4. Fatores de Desequilbrio Ambiental

    4.1. Introduo

    O equilbrio encontrado na natureza foi alcanado atravs de um lento e

    gradual processo de ajuste entre os seres vivos e o ambiente. O longo processo

    evolutivo que resultou na adaptao dos organismos ao ambiente responsvel pela

    harmonia das relaes entre os seres vivos e o ambiente fsico.

    Os ciclos biogeoqumicos mostram como essa harmonia facilmente

    identificada. Mesmo retirando grandes quantidades de elementos do ambiente, os

    seres vivos acabam, de uma forma ou de outra, devolvendo esses elementos ao meio,

    o que permite uma contnua renovao da vida.

    A viso de uma natureza equilibrada capaz de resistir a tudo no mais faz parte

    do pensamento do homem moderno. preciso que se tenha um bom senso, aliado a

    um pensamento crtico, de que a natureza aceita as mudanas impostas pelo homem

    at um certo ponto, e a partir desse ponto ela comea a sua reao, seja de uma

    forma ou de outra.

    provvel que por causa da viso de que a natureza uma fonte de recursos

    inesgotveis e sempre capaz de se renovar, o homem tenha interferido de maneira to

    abusiva, pondo em risco a sua prpria estabilidade.

    O lanamento de substncias dos mais variados tipos no ambiente envolve

    dois tipos de problemas. Em um primeiro caso, ele pode ser txico ao prprio homem,

    chegando a ele pelos mais diversos meios, como ar, gua ou pelos alimentos. Em um

    segundo caso, ele pode constituir ameaas indiretas ao homem, pois afetando o

    equilbrio dos ecossistemas naturais, o homem pe em risco a sua vida, uma vez que

    ele depende diretamente desses ecossistemas para conseguir sobreviver.

    Substncias poluentes so aquelas que, quando lanadas no meio,

    representam um perigo em potencial sade dos organismos vivos. Dessa forma,

    possvel se classificar as substncias poluentes em dois grandes grupos: poluentes

    quantitativos e qualitativos.

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    Poluentes Quantitativos So aqueles j existentes na natureza, mas tambm so liberados pelo homem

    em quantidades significativamente maiores do que aquelas que ocorrem naturalmente.

    Poluentes Qualitativos So substncias sintticas, isto , no ocorrem na natureza; a nica forma

    delas entrarem no ambiente pela produo em fbricas e sua posterior liberao

    para o ambiente.

    Em termos dos perigos representados pelos poluentes quantitativos, sabe-se

    que quantidades adicionais de certas substncias podem ser nocivas por causarem

    desequilbrio nos ciclos biogeoqumicos, ou por sua concentrao, acima dos nveis

    naturais, determinar toxidez para os seres vivos.

    4.2. Concentrao de Poluentes nos Nveis Trficos

    Mesmo em pequenas quantidades no ambiente, os poluentes podem causar

    srios desastres ecolgicos ao ambiente, em grande parte devido capacidade que

    esses poluentes tm de se concentrarem ao longo da cadeia alimentar e assim serem

    passados a nveis trficos diferentes.

    Enquanto grande parte da matria e da energia que transferida de um nvel

    trfico para outro se perde, isso no acontece com certos tipos de poluentes. A esse

    processo de concentrao d-se o nome de magnificao trfica. Um dos exemplos

    mais marcantes o DDT (diclorodifeniltricloroetano). O DDT um pesticida

    organoclorado no biodegradvel, largamente utilizado desde a dcada de 40. A ao

    efetiva do DDT fez com que as aplicaes do produto fossem realizadas de uma forma

    cada vez mais generalizada e indiscriminada. Como conseqncia disso, muitas

    espcies inofensivas ou at teis de insetos foram sumindo. O problema que com o

    uso indiscriminado do DDT, com o passar do tempo, algumas classes de insetos

    comearam a desenvolver uma resistncia a esse inseticida.

    Iniciou-se, ento, o uso de uma nova classe de inseticidas, os

    organofosforados, que embora sejam mais txicos que os primeiros e dotados de

    menor efeito residual, apresentam a vantagem de no criarem resistncia.

    Percebeu-se, com o passar do tempo, que o efeito residual, tido no comeo

    como sendo muito vantajoso, era extremamente danoso ao ambiente e,

    conseqentemente, ao Homem, pois os organoclorados no sendo biodegradveis,

    tendem a se acumular no meio. A partir da ocorre o fenmeno de magnificao

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 26

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    trfica, mencionado antes, ou seja, as plantas incorporam esses organoclorados, que

    vo sendo passados, via alimentao para os mais diversos nveis trficos.

    O grande problema que esses organoclorados tm a capacidade de se

    concentrarem no tecido adiposo dos animais, potencializando a sua ao, de tal forma

    que muito comum encontrar animais com grandes concentraes de DDT.

    Como pode ser visto no esquema acima, o destino final do DDT o Homem, e

    de acordo com o fenmeno da magnificao trfica, no Homem onde dever ser

    encontrada a maior concentrao de DDT, ou seja, o Homem usa o DDT para matar

    as pragas que atacam as culturas, mas sem se dar conta, ele acaba por provocar a

    sua morte tambm, de uma maneira lenta, gradual e dolorosa.

    Um outro efeito do uso indiscriminado desses tipos de inseticidas a

    destruio de um nmero muito grande de espcies consideradas teis, ou seja, o

    pesticida no acaba somente com a praga, mas tambm com outras espcies. Um dos

    efeitos estudados em relao ao DDT o fato de que algumas aves apresentaram

    uma queda acentuada em sua taxa de reproduo. Isso se deve m formao das

    cascas das aves, o que as torna extremamente frgeis. Nesse caso, verificou-se que o

    DDT tinha uma ao decisiva e nociva no balano hormonal das aves.

    Entre os herbicidas mais utilizados atualmente, esto os compostos do cido

    fenxiactico (2,4D, 2,4,5T), as triazinas (atrazina, simazina), os compostos de uria

    (diuron), os compostos de bipiridilo (diquat e paraquat), as piridinas cloradas (picloran).

    Todos esses herbicidas, alm de potentes destruidores de vegetais, so extremante

    persistentes no solo.

    Alguns herbicidas como a dioxina, tambm conhecida como agente laranja,

    possuem propriedades teratognicas, ou seja, possuem ao deformante do feto em

    mulheres que se alimentem de vegetais contaminados. Esse efeito pode ser

    observado nas populaes do Vietn, onde durante o perodo em que ocorreu a

    guerra, o agente laranja foi usado indiscriminadamente e em larga escala pelos

    americanos, com o intuito de desfolhar as matas, para fins de observao e combate

    do avano das tropas vietnamitas.

    DDT Plantas Consumidor Secundrio

    Homem ConsumidorPrimrio

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 27

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    5. Metais Pesados

    A contaminao por metais pesados , sem dvida alguma, umas das formas

    mais terrveis de poluio, pois os metais pesados apresentam, alm de um grande

    efeito txico, um poder de acumulao nos seres humanos altssimo, ou seja, alm de

    contaminarem o ambiente de uma forma geral, contaminam o prprio Homem,

    causando efeitos danosos em grande extenso.

    Dentre os metais pesados mais conhecidos, ser dada uma nfase maior ao

    mercrio e ao chumbo.

    5.1. Efeitos Txicos Causados pelo Mercrio

    A toxicidade dos sais inorgnicos de mercrio proporcional a sua

    solubilidade. O calomelano (Hg2Cl2) um sal pouco solvel que foi durante muito

    tempo utilizado como purgativo. Os ons de mercrio tm a capacidade de formarem

    complexos muito fortes com os grupos SH das protenas (presentes no aminocido

    cistena) e sua toxicidade provavelmente se relaciona com a inativao das protenas

    nas membranas celulares. Assim parece, pois os efeitos so particularmente notveis

    nos rins e no crebro, ambos nos quais a funo das membranas celulares muito

    importante, e tambm porque muitas bactrias e fungos morrem em contato com

    compostos de mercrio. A atividade bactericida no especfica tem sido

    freqentemente relacionada com danos membrana celular.

    Os compostos inorgnicos de mercrio, remdios, fungicidas, bactericidas etc,

    foram totalmente substitudos pelos chamados mercuriais orgnicos. comum pensar

    nos metais como elementos formadores unicamente de sais (compostos inicos), mas

    muitos deles podem formar compostos covalentes. O estanho e o chumbo so bons

    exemplos, e o mercrio em particular tem a capacidade de formar ligaes covalentes

    facilmente e em especial com compostos aromticos. Um bom exemplo o semesan,

    muito utilizado como fungicida e praguicida.

    A vantagem de seu uso est na possibilidade de se controlar sua solubilidade

    pela incluso nos substituintes apropriados ao mesmo tempo em que a ligao Hg-

    benzeno to estvel que ela forma o on R-Hg+, ainda capaz de reagir com grupos

    SH e formar derivados do tipo R-Hg-SH-protena.

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 28

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    Compostos insolveis, como o semesan, tm sido amplamente utilizados para

    impregnar sementes e proteg-las no solo dos ataques de pragas. O problema que

    numerosos acidentes tm ocorrido quando essas sementes foram usadas por pessoas

    desavisadas na preparao de alimentos.

    Em 1969, houve um decrscimo acentuado da populao de pssaros em

    torno dos lagos na Sucia central. Foram afetados especialmente os pssaros que se

    alimentavam de peixes. Seus tecidos continham nveis surpreendentemente altos de

    mercrio, mas a natureza de sua dieta no indicava que se tivessem envenenado por

    sementes tratadas com compostos de mercrio. Suspeitou-se, ento, da poluio

    industrial causada pelas fbricas ao redor do lago, que produziam derivados da polpa

    da madeira. A princpio suspeitou-se de que os fungicidas com mercrio, adicionados

    para a preservao da madeira, teriam sido concentrados ao longo da cadeia

    alimentar; depois, suspeitou-se do prprio mercrio elementar liberado acidentalmente

    pela fbrica de soda custica. Assim, a histria seria paralela de Minamata (que ser

    vista adiante).

    5.2. Uso do Mercrio no Brasil

    5.2.1. Histrico

    O mercrio foi usado pela primeira vez no Brasil em meados do ano de 1850,

    durante o incio do ciclo de explorao do ouro. Durante o ciclo do ouro, estima-se que

    a emisso total de mercrio no ambiente foi algo em torno de 500 toneladas, ou seja,

    cerca de 2 a 5 t/ano.

    Com o acelerado processo industrial brasileiro em meados da dcada de 50, o

    mercrio teve seu uso bastante difundido, chegando ao pice na dcada de 70, com

    uma mdia de utilizao em torno de 100 t/ano.

    Com a demanda da atividade de garimpo a partir de 1984, o consumo de

    mercrio praticamente dobrou, em particular nos estados de Mato Grosso, Par e

    Rondnia, onde essa atividade era mais intensa devido presena de imensas jazidas

    de ouro.

    Os garimpeiros usam o mercrio devido sua alta capacidade de solubilizar

    outros metais a frio, inclusive o ouro, formando amlgamas. Misturado ao solo, ou a

    sedimentos de fundo de rio, o mercrio consegue ligar-se a minsculas partculas de

    ouro ali presentes, permitindo dessa maneira a sua separao. Em seguida, queima-

    se o amlgama, volatilizando o mercrio e recuperando-se todo o ouro que venha

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 29

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    estar presente. Esse processo bastante atraente devido sua simplicidade e mais

    ainda pelo seu baixo custo.

    5.2.2. Mercrio como Contaminante Ambiental

    Entre os metais potencialmente danosos ao ambiente, o mercrio destaca-se

    dos outros por suas caractersticas qumicas mpares. O mercrio pode existir no

    ambiente sob inmeras formas, o que torna sua distribuio ambiental bastante

    complexa.

    Quando emitido na forma de vapor, o mercrio tem um tempo de residncia na

    atmosfera que pode variar de alguns dias at anos. Parte desse mercrio deposita-se

    no local e parte se incorpora circulao atmosfrica. A oxidao do metal Hg0

    Hg2+, por diversos processos, o torna altamente solvel, o que facilita a sua deposio

    pela ao da gravidade ou por intermdio das chuvas. Dessa forma, quando se fala no

    impacto causado pelo mercrio, deve sempre ser levado em conta a sua forma

    qumica.

    O mercrio inorgnico liberado nas formas metlica ou gasosa pode originar

    compostos organometlicos como o dimetilmercrio ((CH3)2Hg) e o on metilmercrio

    (CH3Hg+), sendo essas as mais danosas formas de contaminao.

    A sntese do CH3Hg+ a partir do Hg2+ mediada por diversos tipos de

    microrganismos presentes em organismos aquticos.

    Por muito tempo pensou-se que o sedimento do fundo de rios e lagos fosse o

    principal local da formao do CH3Hg+, mas essa reao j havia sido observada em

    outros tipos de substrato, como em algas que crescem em razes de plantas

    aquticas, outras superfcies submersas e tambm no prprio solo. Alm disso,

    existem bactrias capazes de fazer a converso do mercrio orgnico a metilmercrio.

    Embora o CH3Hg+ represente uma parcela muito pequena em sistemas aquticos, ele

    a forma dominante em organismos superiores, devido ao efeito da biomagnificao.

    Em certas bacias hidrogrficas, a produo e a disponibilidade de CH3Hg+ so

    maiores, mesmo no havendo fontes prximas de liberao de mercrio, como os

    garimpos. Isso se d em guas que apresentam uma natureza cida, pois so ricos

    em matria orgnica dissolvida e so pobres em nutrientes. Dessa forma, a gua

    poderia funcionar como uma espcie de reator biogeoqumico, aumentando

    consideravelmente a concentrao e a atividade txica do agente contaminante.

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    5.2.3. A Contaminao por Garimpos de Ouro

    Os garimpos de ouro na Amaznia empregam diretamente entre 400 a 600 mil

    pessoas, sendo que nessa regio so produzidos algo em torno de 100 toneladas de

    ouro anualmente.

    O ouro encontrado nessa regio ocorre como partculas finas, em terraos

    sedimentares e sedimentos ativos de rios. Os garimpeiros utilizam vrias tcnicas de

    pr-concentrao gravimtrica e amalgamao com mercrio. O amlgama ento

    queimado e, dessa forma, o mercrio liberado para a natureza.

    Uma vez formado, o CH3Hg+, que altamente solvel e estvel na gua,

    apresenta um longo tempo de residncia em organismos, com altos teores de

    bioacumulao na biota aqutica.

    O mapa da figura 7 apresenta as localidades potencialmente afetadas pelo uso

    do mercrio. Observa-se que a grande maioria das localidades afetadas se encontra

    em regies onde a atividade garimpeira mais intensa. Uma exceo a regio do

    vale do Paraba, onde no se tem uma atividade garimpeira muito intensa.

    Figura 7. Regies potencialmente afetadas por contaminao por mercrio.

    A seguir, na tabela 2, encontra-se a legenda referente Figura 7.

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    Tabela 2. Legenda das regies potencialmente afetadas por mercrio.

    1 - Rio Gurupi (Maranho) 7 - Estado de Roraima

    2 - Cumaru (Par) 8 - Estado do Amap

    3 - Carajs (Par) 9 - Roscio (Venezuela)

    4 - Pocon (Mato Grosso) 10 - Vale do Paraba (Rio de Janeiro)

    5 - Rio Tapajs, Itaituba (Amazonas) 11 - Crixs (Gois)

    6 - Rio Madeira (Rondnia)

    A figura 8 ilustra mais detalhadamente o efeito da atividade garimpeira e o uso

    do mercrio no ambiente. Como foi apresentado anteriormente, devido atividade de

    garimpo ser muito concentrada na regio Norte do pas, o mapa apresenta um

    destaque maior nessa rea.

    Figura 8. Principais reas de garimpo na Regio Norte do Brasil.

    As principais cidades ribeirinhas ficam no caminho do mercrio, ou seja, todo o

    mercrio liberado das atividades de garimpo tende a seguir para o Rio Madeira ou

    para o Amazonas. Como o mercrio sofre o processo de biomagnificao, a populao

    ribeirinha fica exposta a riscos de contaminao por mercrio, pois sua principal fonte

    de alimentao so os pescados retirados desses rios (figura 10), que podem estar

    contaminados pelo mercrio que foi jogado a muitos quilmetros de distncia das

    populaes. A partir da dcada de 80, com o reconhecimento dos danos causados

    pelo mercrio, diversos trabalhos foram realizados visando fazer um levantamento da

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    real contaminao da regio, sendo que em certos pontos observou-se ndice trs

    vezes superior ao permitido por lei.

    Figura 9. O mercrio ao longo da cadeia alimentar.

    Logo a seguir, na figura 10, so ilustradas as reaes que ocorrem com o

    mercrio quando o metal atinge um reservatrio.

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    Figura 10. As reaes sofridas pelo mercrio em lagos.

    5.2.4. O Acidente na Baa de Minamata

    A saga de Minamata remonta ao incio do ano de 1908, quando a Nippon

    Nitrogen Fertilizer instalou-se na cidade. A empresa produzia acetaldedo e derivados

    de cido actico e logo comeou a se destacar no cenrio nacional. Em 1941, a

    empresa comeou a produzir cloreto de vinila, tornando-se um dos alicerces do Japo

    na Segunda Guerra Mundial. A empresa utilizava sulfato de mercrio como catalisador

    na produo do cido actico e de seus derivados, alm de cloreto de mercrio para a

    catlise do cloreto de vinila.

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    Durante o processo qumico de metilao do acetileno, parte do mercrio

    tambm era metilado, liberando grandes quantidades do metal nos efluentes da

    fbrica. O detalhe que todos os rejeitos da fbrica eram lanados diretamente na

    baa de Minamata.

    Na poca, pouco se sabia acerca da toxicidade do metal, bem como a sua

    capacidade de se acumular na cadeia alimentar, e foi exatamente essa falta de

    informao o que ocasionou as propores gigantescas que o acidente tomou, pois

    uma vez que as pessoas no sabiam o mal que as acometia, nem a sua causa,

    procurar uma soluo era complicado.

    Abaixo est representado o esquema de operao que a indstria utilizava em

    sua planta industrial na cidade de Minamata.

    Figura 11. Uso do mercrio no processo de produo.

    Em 1956, foi notificado o primeiro de uma srie de casos que configurar-se-ia

    como o maior desastre envolvendo populao humana e contaminao por metais

    pesados. Meses depois, as autoridades sanitrias organizaram um comit de estudos

    sobre a doena. Inicialmente, eles suspeitaram de alguma doena infecto-contagiosa.

    Pesquisas preliminares apontaram uma grande mortandade de peixes na baa, alm

    de distrbios neurolgicos em gatos, que eram semelhantes aos que foram

    encontrados nas pessoas de Minamata.

    As pesquisas indicaram que no se tratava de uma doena infecto-contagiosa,

    mas sim de algo que estaria relacionado com peixes e frutos do mar contaminados. Os

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 35

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    primeiros elementos apontados como possveis agentes da doena foram o selnio,

    mangans e o tlio. S no primeiro ano, foram computados 52 casos da doena com

    17 mortes. Meses depois, a companhia afirmava que os nveis de metal na baa

    estavam dentro dos padres e que, portanto, os testes realizados no podiam

    comprovar contaminao por metais pesados.

    Em dezembro de 1960, a Associao de Vendedores de Produtos do Mar

    decidiu boicotar todo e qualquer tipo de produto marinho proveniente da regio de

    Minamata.

    Em 1977, comeou o processo de dragagem dos sedimentos do fundo da baa.

    Aterrou-se a regio e instalaram-se redes para que se pudesse impedir o acesso de

    peixes contaminados para o mar aberto e vice-versa.

    Em 1987, comeou a dragagem da segunda rea. Removeram-se os rejeitos

    do fundo da baa que em anlise posterior registraram mais de 25 ppm de mercrio.

    O projeto de despoluio s terminou em 1991, mas somente h pouco, as

    redes que separavam a parte limpa da contaminada foram retiradas.

    5.2.5. As Diferenas entre a Amaznia e Minamata

    O CH3Hg+, devido sua rpida absoro e migrao pelos tecidos dos

    organismos e tambm devido sua forte ligao com protenas que contm enxofre,

    acumula-se muito facilmente nos organismos inferiores e depois passado para os

    superiores na cadeia alimentar.

    Um fator importante a respeito da toxicologia do CH3Hg+ que sua difuso

    pelas barreiras biolgicas muito rpida, sendo que praticamente 95% da amostra

    ingerida absorvida pela corrente sangunea. Outro fator que merece destaque o

    fato de sua grande seletividade pelo sistema nervoso central, atacando principalmente

    as reas corticais do crebro.

    Outro agravante que ocorreu em Minamata, foi o fato de que mesmo depois do

    aparecimento da primeira vtima, transcorreram-se quase dez anos at a identificao

    do agente causador da doena. J na Amaznia, as autoridades tm pleno

    conhecimento do potencial efeito txico do CH3Hg+.

    A via preferencial de contaminao do CH3Hg+ o consumo de peixes, o que

    torna o problema ainda mais terrvel, pois os peixes so a base da dieta das

    populaes ribeirinhas.

    H ainda outro terrvel agravante. No caso da baa de Minamata, o efluente

    industrial j continha o mercrio sob a forma metilada, enquanto que na Amaznia, o

    mercrio lanado no ambiente como mercrio elementar, lquido ou na forma de

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    vapor. A forma de vapor do mercrio, aps sofrer oxidao na atmosfera volta sob

    Hg2+. Essa forma bastante reativa, podendo sofrer metilao principalmente em

    lagos de vrzea, reservatrios hidreltricos e rios de gua negra.

    5.2.6. Efeitos Txicos Causados pelo Chumbo

    A toxicidade do chumbo conhecida h muito tempo. Antigamente, as

    principais fontes de envenenamento por chumbo eram tintas, muitas vezes ingeridas

    por crianas, alm dos reservatrios e encanamentos de gua potvel feitos base de

    chumbo ou pintados com tintas base de chumbo.

    O grau de dissoluo do chumbo funo da dureza da gua Entende-se

    como gua dura aquela com concentrao de CaCO3 acima de 50mg/L. Alta

    concentrao de chumbo pode ser encontrado em gua mole e ligeiramente cida,

    principalmente se nela estiverem presentes agentes quelantes naturais (cidos

    hmicos), derivados da turfa.

    Embora o chumbo seja pouco absorvido nos intestinos, ele um metal txico

    de efeito cumulativo, concentrando-se nos ossos.

    Com o advento do motor a exploso e a intensificao do uso desse tipo de

    motor, pode-se verificar a partir de 1910 um aumento na concentrao de chumbo nas

    neves polares.

    O motor a gasolina muito exigente em relao ao seu combustvel; esse deve

    se vaporizar facilmente quando aspirado para dentro do cilindro, porm deve queimar

    devagar quando da ignio. Hidrocarbonetos que no sejam ramificados e tenham

    relativa volatilidade, tais com heptano, so combustveis pobres, principalmente

    porque as reaes iniciais com o oxignio produzem radicais livres. Em contrapartida,

    os hidrocarbonetos ramificados, como o isooctano, queimam muito mais

    vagarosamente porque a formao mltipla de radicais livres pra nos pontos de

    ramificaes.

    A soluo adotada foi diminuir a velocidade de combusto pelo uso de

    substncias que interrompem a srie de reaes (os chamados agentes anti-

    detonantes), sendo que uma das mais bem sucedidas tentativas como agentes anti-

    detonantes foi a utilizao do chumbo-tetraetila e chumbo-tetrametila.

    O problema da gasolina foi resolvido, mas o preo disso ficou muito alto.

    Estima-se que aproximadamente 0,8 mL dos compostos citados eram adicionados a

    cada litro de gasolina, o que correspondia a aproximadamente 2 gramas de chumbo

    por litro de gasolina. A quantidade de chumbo utilizada foi estarrecedora: 300.000

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 37

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    toneladas por ano nos EUA e cerca de 50.000 toneladas por ano no Reino Unido. O

    Brasil foi o primeiro pas a abolir o uso do chumbo na gasolina.

    As chumbo-tetralquilas so compostos volteis extremamente venenosos que

    afetam diretamente o sistema nervoso central, mas o chumbo inorgnico dos

    produtos de combusto que causa a maior preocupao, pois partculas finas de

    chumbo metlico ou de haletos de chumbo so emitidas e chegam aos pulmes. O

    chumbo parece ser absorvido pela corrente sangnea muito mais eficiente a partir dos

    pulmes.

    A poluio causada por partculas transportadas pelo ar, , portanto, um

    fenmeno tipicamente urbano, j que so nos grandes centros industriais que esto a

    maioria da frota de veculos automotivos e as grandes indstrias, que tambm podem,

    dependendo do tipo de matria com que trabalha, ser responsvel pela liberao de

    fuligem ou algum tipo de efluente no tratado que porventura possa vir a conter

    chumbo.

    Recentemente, no interior de So Paulo, um caso ganhou destaque na mdia.

    Nesse caso, a empresa responsvel tinha em seu ptio escria de chumbo, o que

    comprometeu enormemente a rea ao redor. O caso registrado ocorreu em Bauru,

    onde a empresa Acumuladores jax Ltda., uma das maiores fbricas de baterias

    automotivas do pas, foi multada por poluio ambiental. Laudos de diversos rgos

    comprovaram a contaminao por chumbo no solo, vegetao, animais e tambm em

    crianas nas proximidades da empresa. A CETESB realizou vrias campanhas de

    amostragem de chumbo nas chamins, no solo, guas subterrneas, na vegetao e

    ainda no solo no entorno da indstria. Na ltima inspeo, foram constatadas

    emisses de poeiras fugitivas nas operaes de fuso em fornos e no refino de

    lingotes de chumbo, alm de derrames de resduos de chumbo pelo ptio da indstria,

    propiciando emisso de material particulado para o ambiente, atingindo inclusive reas

    fora dos limites da fbrica.

    Os efluentes resultantes de lavagem de ptios, da operao de desmonte de

    baterias e do processo industrial, no eram totalmente captados pelas canaletas que

    os conduziam estao de tratamento. Tambm foi constatada deficincia na

    armazenagem de resduos contaminados com chumbo, propiciando a contaminao

    do solo, tanto na rea interna, como externa da fbrica. Pelas anlises feitas nos

    laboratrios da CETESB, observou-se que as concentraes de chumbo na atmosfera

    foram extremamente elevadas, com mdia de 9,7 g/m3, chegando a alcanar valores de at 37,7 g/m3. O padro de Pb adotado pela CETESB na atmosfera de 1,5 g/m3.

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 38

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    Com isso, animais e hortalias em propriedades prximas fbrica, tambm

    ficaram contaminadas por chumbo. De acordo com pesquisas e estudos mdicos, a

    contaminao por chumbo causa sintomas como anorexia, vmitos, convulso, dano

    cerebral permanente e leso renal irreversvel, caracterizando uma doena chamada

    saturnismo. A empresa teria de elaborar um plano de recuperao total das reas

    contaminadas, internas e externas, abrangendo solo, guas superficiais e

    subterrneas e vegetao.

    As demais exigncias dizem respeito instalao de equipamentos de controle

    de efluentes lquidos e gasosos, limpeza de roupas, equipamentos e mquinas,

    cuidados com o armazenamento, sistemas de ventilao, reprocessamento ou

    destinao final adequada de todos os resduos gerados, cuidados com as operaes

    de carga e descarga dos produtos manipulados e, at mesmo, a obrigatoriedade de se

    implantar uma "cortina" de rvores no permetro do terreno da fbrica, para diminuir o

    arraste de poluentes pela ao dos ventos.

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    6. Poluio da gua

    Considera-se que a gua est poluda quando ela deixa de ser adequada ao

    consumo humano, quando os animais aquticos no podem viver nela, quando as

    impurezas nela contidas a tornam desagradvel ou nociva seu uso como recreativo ou

    quando no pode ser mais utilizada em nenhuma atividade industrial, pois seus uso

    implicaria em srios danos.

    Os rios, os mares, os lagos e os lenis subterrneos de gua so o destino

    final de todo poluente solvel lanado no ar ou no solo. O esgoto domstico o

    poluente orgnico mais comum da gua doce e das guas costeiras, quando em alta

    concentrao. A matria orgnica transportada pelos esgotos faz proliferar os

    microrganismos, entre os quais bactrias e protozorios, que utilizam o oxignio

    existente na gua para oxidar seu alimento, e em alguns casos o reduzem a zero. Os

    detergentes sintticos, nem sempre biodegradveis, impregnam a gua de fosfatos,

    reduzem ao mnimo a taxa de oxignio e so objeto de proibio em vrios pases,

    entre eles o Brasil.

    Ao serem carregados pela gua da chuva ou pela eroso do solo, os

    fertilizantes qumicos usados na agricultura provocam a proliferao dos

    microrganismos e a conseqente reduo da taxa de oxignio nos rios, lagos e

    oceanos. Os pesticidas empregados na agricultura so produtos sintticos, que se

    incorporam cadeia alimentar, inclusive cadeia alimentar humana.

    Os casos mais dramticos de poluio marinha tm sido originados por

    derramamentos de petrleo, seja em acidentes com petroleiros ou em vazamentos de

    poos petrolferos submarinos. Uma vez no mar, a mancha de leo, s vezes de

    dezenas de quilmetros, espalha-se, levada por ventos e mars, e afasta ou mata a

    fauna e as aves aquticas. O maior perigo do despejo de resduos industriais no mar

    reside na incorporao de substncias txicas aos peixes, moluscos e crustceos que

    servem de alimento ao Homem. Exemplo desse tipo de intoxicao foi o ocorrido na

    cidade de Minamata. A poluio marinha tem sido objeto de preocupao dos

    governos, que tentam, no mbito da Organizao das Naes Unidas, estabelecer

    controles por meio de organismos jurdicos internacionais.

    A poluio da gua tem causado srios problemas ecolgicos no Brasil, em

    especial em rios como o Tiet, no estado de So Paulo, e o Paraba do Sul, nos

  • Ciclos Biogeoqumicos e Desenvolvimento Sustentvel 40

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    estados de So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. A maior responsabilidade pela

    devastao da fauna e pela deteriorao da gua nessas vias fluviais cabe s

    indstrias qumicas, com tratamento inadequado, instaladas em suas margens, e ao

    despejo de esgoto domstico no tratado.

    Os rios vo lentamente sofrendo um processo de degradao at o ponto em

    que esse quadro se torna praticamente irreversvel, ou seja, o rio torna-se impraticvel

    tanto para recreao, consumo ou mesmo como fonte produtora de alimentos. Quando

    isso acontece, costuma-se dizer que o rio est morto, pois no existe vida aqutica e

    os poucos organismos que esto presentes no rio, so seres anaerbios.

    6.1 A Chuva cida

    A Revoluo industrial, ocorrida na Inglaterra em meados do sculo XVIII, se

    caracterizou pela passagem da manufatura indstria mecnica. A introduo de

    mquinas fabris multiplicou o rendimento do trabalho e aumentou a produo global. A

    Inglaterra, bero da revoluo, adiantou sua industrializao em 50 anos em relao

    ao continente europeu e saiu na frente na expanso colonial.

    Assim, o mundo assistiu a uma mudana sem precedentes na histria. O

    mundo seria mais mecanizado do que jamais fora, a era da produo mecanizada viria

    a substituir a manufatura.

    Juntamente com a Revoluo Industrial, o mundo conheceu atravs dos

    tempos a outra face do progresso, a poluio e a destruio do meio ambiente. Um

    dos grandes viles sem dvida a destruio ocasionada pela chuva cida. Como se

    no bastasse provocar um buraco na camada de oznio da alta atmosfera e ameaar

    o planeta de superaquecimento, a poluio, nas suas diversas modalidades, tambm

    envenena a chuva, algo to essencial vida como o prprio ar. Em conseqncia, 10

    mil lagos na Sucia esto praticamente mortos. Na Noruega, outros 2 mil perderam

    seus peixes. E na Alemanha, mais de 35% das florestas esto doentes. O Taj Mahal,

    um dos mais belos monumentos hindus, est perdendo a sua cor branca. E na

    Pennsula de Yucatn, ao sul do Mxico, a chuva est rapidamente destruindo obras

    da civilizao Maia, que floresceu ali pelo menos 1500 anos antes da chegada do

    homem branco.

    Como sempre, em todos os lugares onde a chuva est servindo de meio de

    transporte para a poluio, os viles da histria so as indstrias e os veculos que

    despejam no ar, todos os dias, toneladas de dixido de enxofre e xidos de nitrognio.

    Esses gases reagem com o vapor de gua e outros compostos qumicos da atmosfera

    para formar o perigoso cido sulfrico e o cido ntrico. Apesar dos compostos serem

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    perigosos, o problema da chuva cida est associado degradao do meio ambiente

    a longo prazo.

    Alm de poluir rios, lagos e acabar com a flora e a fauna aqutica, a chuva

    cida se infiltra no solo liberando certos metais potencialmente txicos, como alumnio,

    chumbo e cdmio. Esses podem se introduzir na cadeia alimentar pelas plantas e

    acabar prejudicando o homem.

    O raciocnio a ser empregado bastante simples: existe uma relao direta

    entre a acidez das chuvas e a morte de peixes e plantas. A acidez mata algas,

    plncton e insetos. Sem esta vida microscpica, os lagos no tm como oferecer

    alimento aos habitantes desse nicho; em conseqncia, desaparecem os peixes. Por

    fim, os pssaros, que sem ter o que comer, tambm desaparecem.

    A chuva cida uma causa direta do desequilbrio que ocorre no ciclo do

    enxofre. Com o aumento da poluio, aumenta a concentrao de enxofre no

    ambiente e, por conseqncia, o nvel de acidez da chuva. Esse acrscimo no nvel de

    acidez responsvel direto pela lenta e gradual destruio do meio ambiente de uma

    forma geral.

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    7. Poluio do Ar

    O ar formado por uma mistura de vrios elementos e compostos distintos e,

    embora historicamente a sua composio tenha sofrido um processo de evoluo,

    pode-se considerar que, para fins prticos, a sua composio permanece invarivel,

    pelo menos em relao aos seus componentes principais.

    Os elementos e compostos representados na tabela 3, com exceo do gs

    carbnico, so considerados invariveis no gs atmosfrico.

    Tabela 3. Composio do Ar

    Componentes do ar Porcentagem (em volume)

    nitrognio 78,10

    oxignio 21,00

    argnio 0,93

    gs carbnico 0,033

    nenio 0,0018

    hlio 0,0005

    criptnio 0,0001

    hidrognio 0,00005

    metano 0,002

    xido nitroso 0,00005

    vapor dgua varivel

    A poluio do ar hoje uma das grandes preocupaes do homem. A emisso

    de gases poluentes chegou a tal ponto que compromete seriamente a qualidade de

    vida dos seres vivos. Essa poluio pode ser mais sentida em reas de grande

    concentrao industrial e/ou populacional.

    Embora a poluio do ar sempre tenha existido, como nos casos das erupes

    vulcnicas ou da morte de homens asfixiados por fumaa dentro de cavernas, foi

    somente na era industrial que esse tipo de poluio se tornou um problema mais

    grave. Ela ocorre a partir da presena de substncias estranhas na atmosfera, ou de

    uma alterao importante dos constituintes desta, sendo facilmente observvel, pois

    provoca a formao de partculas slidas de poeira e de fumaa.

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    Em 1967, o Conselho da Europa definiu a poluio do ar nos seguintes termos:

    Existe poluio do ar quando a presena de uma substncia estranha ou a variao

    importante na proporo de seus constituintes pode provocar efeitos prejudiciais ou

    criar doenas. Essas substncias estranhas so os chamados agentes poluentes, e

    podem ser classificados em quatro grupos principais:

    monxido de carbono; material particulado; xidos de enxofre; hidrocarbonetos.

    As causas mais comuns de poluio do ar so as atividades industriais,

    combustes de todo tipo, emisso de resduos de combustveis por veculos

    automotivos e a emisso de rejeitos qumicos, em sua maioria, txicos e

    extremamente danosos, por fbricas e laboratrios.

    O principal poluente atmosfrico produzido pelo homem (o dixido de carbono

    elemento constitutivo do ar) o dixido de enxofre, formado pela oxidao do

    enxofre no carvo e no petrleo, como ocorre nas fundies e nas refinarias. Lanado

    no ar, ele d origem a perigosas disperses de cido sulfrico. s vezes, poluio se

    acrescenta o mau odor, produzido por emanaes de certas indstrias, como

    curtumes, fbricas de papel e celulose, entre outras. O dixido de carbono, ou gs

    carbnico, importante regulador da atmosfera, pode causar modificaes climticas

    considerveis se tiver alterada a sua concentrao. o que ocorre no chamado efeito

    estufa, em que a concentrao excessiva desse gs pode provocar, entre outros

    danos, o degelo das calotas polares, o que resultaria na inundao das regies

    costeiras de todos os continentes. O monxido de carbono emitido sobretudo pela

    queima de combustveis fsseis. Outros poluentes atmosfricos so: hidrocarbonetos,

    aldedos, xido de nitrognio, xido de ferro, chumbo e derivados, silicatos, flor e

    derivados, entre outros.

    No final da dcada de 1970, descobriu-se uma nova e perigosa conseqncia

    da poluio: a reduo da camada de oznio que protege a superfcie da Terra da

    incidncia de raios ultravioleta. Embora no esteja definitivamente comprovado,

    atribuiu-se o fenmeno emisso de gases industriais conhecidos pelo nome genrico

    de clorofluorcarbonos (CFC). Quando atingem a atmosfera e so bombardeados pela

    radiao ultravioleta, os CFC, muito usados em aparelhos de refrigerao e em

    sprays, liberam o cloro, elemento que ataca e destri o oznio. Alm de prejudicar a

    viso e o aparelho respiratrio, a concentrao de poluentes na