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DEMOCRACIA E AUTORITARISMO: investidas do imperialismo na América Latina Célia Regina Congilio 1 Olga del Carmen Fernández Ríos 2 Ilse Gomes Silva 3 Joana Aparecida Coutinho 4 Maria Gorete de Sousa 5 O objetivo da mesa temática “Democracia e Autoritarismos: investidas do imperialismo na América Latina” é analisar o momento político da América Latina a luz dos processos de autoritarismo engendrados pelos Estados nacionais e pela ascensão dos setores de direita ao centro da política, que ameaçam a frágil democracia e os direitos dos trabalhadores. Os países latinos americanos tem uma história política marcada pelo autoritarismo e pela ingerência do imperialismo norte-americano. O processo de democratização é relativamente recente, assim como a presença de partidos de origem popular no poder executivo de alguns países da América Latina o que torna o momento mais delicado diante das investidas do imperialismo na política interna desses países. Para atingir nosso objetivo Georgina Alfonso Gonzalez apresenta a realidade cubana em seu processo de resistência ao imperialismo norte-americano; Joana Aparecida Coutinho aborda a crise do capital e as tensões provocadas na democracia; Célia Regina Congílio analisa o modelo de desenvolvimento baseado nos grandes projetos e seus impactos na vida e organização política das comunidades afetadas; Maria Gorete de Souza reflete sobre as lutas sociais dos trabalhadores rurais pela reforma agrária e o combate ao projeto de desenvolvimento do agronegócio e Ilse Gomes Silva problematiza o avanço do autoritarismo e da direita na política brasileira. 1 Doutora. Universidade Federal do Sul e do Sudeste do Pará (UNIFESSPA). E-mail: [email protected] 2 Instituto de Filosofía, La Habana, Cuba E-mail: [email protected] 3 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected] 4 Doutora.Universidade Federal do Maranhão (UFMA).E-mail: [email protected] 5 Doutoranda. Universidade de Cordoba

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DEMOCRACIA E AUTORITARISMO: investidas do imperialismo na América Latina

Célia Regina Congilio 1

Olga del Carmen Fernández Ríos 2

Ilse Gomes Silva 3

Joana Aparecida Coutinho 4

Maria Gorete de Sousa 5

O objetivo da mesa temática “Democracia e Autoritarismos: investidas do imperialismo na

América Latina” é analisar o momento político da América Latina a luz dos processos de

autoritarismo engendrados pelos Estados nacionais e pela ascensão dos setores de direita

ao centro da política, que ameaçam a frágil democracia e os direitos dos trabalhadores. Os

países latinos americanos tem uma história política marcada pelo autoritarismo e pela

ingerência do imperialismo norte-americano. O processo de democratização é relativamente

recente, assim como a presença de partidos de origem popular no poder executivo de

alguns países da América Latina o que torna o momento mais delicado diante das investidas

do imperialismo na política interna desses países. Para atingir nosso objetivo Georgina

Alfonso Gonzalez apresenta a realidade cubana em seu processo de resistência ao

imperialismo norte-americano; Joana Aparecida Coutinho aborda a crise do capital e as

tensões provocadas na democracia; Célia Regina Congílio analisa o modelo de

desenvolvimento baseado nos grandes projetos e seus impactos na vida e organização

política das comunidades afetadas; Maria Gorete de Souza reflete sobre as lutas sociais dos

trabalhadores rurais pela reforma agrária e o combate ao projeto de desenvolvimento do

agronegócio e Ilse Gomes Silva problematiza o avanço do autoritarismo e da direita na

política brasileira.

1 Doutora. Universidade Federal do Sul e do Sudeste do Pará (UNIFESSPA). E-mail: [email protected]

2 Instituto de Filosofía, La Habana, Cuba E-mail: [email protected]

3 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

4 Doutora.Universidade Federal do Maranhão (UFMA).E-mail: [email protected]

5 Doutoranda. Universidade de Cordoba

DEMOCRACIA E AUTORITARISMO E IMPERIALISMO: a centralidade da agenda

conservadora na política brasileira.

Ilse Gomes Silva6

RESUMO

O artigo problematiza o processo de crescimento da direita no Brasil, a hegemonia da agenda conservadora no cenário político e as fragilidades da democracia brasileira. Considero que a cena política está marcada pelo crescimento da presença de amplos setores da direita nas ruas, disputando o apoio da população para os seus temas conservadores e autoritários. Essa direita tem demonstrado força e tem pautado o debate político ancorada no resultado das eleições de 2014 que conferiu ao Congresso Nacional e às políticas governamentais um caráter conservador e autoritário que coloca em discussão o exercício da democracia no Brasil. Palavras chaves: democracia, autoritarismo.

ABSTRACT The article discusses the process of growth of the right wing in Brazil, the hegemony of the conservative agenda in the political scene and weaknesses of Brazilian democracy. I think that the political scene is marked by the growth of the presence of large sectors of the right wing in the streets, disputing for popular support for his conservative and authoritarian themes. This right has been shown strength and has guided the political discussion anchored in the results of the 2014 elections which gave to Congress and government policies a conservative and authoritarian character that calls into question the exercise of democracy in Brazil. Keywords - democracy , authoritarianism.

6 Doutora. Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO

Paraná, 29 de abril de 2015, na Praça Nossa Senhora da Salete, em frente à

Assembleia Legislativa, um protesto dos professores da rede estadual de ensino, em greve7

desde 09 de fevereiro, juntamente com os servidores públicos, contra o projeto de lei que

muda a previdência dos servidores públicos é duramente reprimido pela polícia militar,

resultando em mais de 200 feridos. O campo de guerra montado pelo governador Beto

Richa do PSDB e o tamanho da violência contra professores e servidores provocaram

indignação nacional e repercussão internacional.

Nesse episódio também chama atenção a simbiose entre os poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário para garantir a repressão ao movimento dos professores e impedir a

negociação da pauta de reivindicação. O judiciário prontamente decretou a ilegalidade da

greve e puniu o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública e seu presidente com

multas altíssimas por dias parados. O legislativo proibiu a presença dos professores no

plenário da Assembleia Legislativa e, enquanto professores sofriam com as bombas de gás

lacrimogêneo, balas de borracha e spray de pimenta, garantiu a aprovação do projeto de Lei

que muda a previdência, encaminhado pelo governador.

As imagens registradas da violência dos policiais contra os professores e dos feridos

são profundamente impactantes e nos fazem lembrar as cenas da ditadura civil militar de

1964 e nos perguntarmos que tipo de democracia estamos vivendo no Brasil do século XXI.

O que ocorreu com os professores do Paraná não é um caso isolado do governo do PSDB,

a esse fato podemos acrescentar os assassinatos de lideranças sindicais no campo, os

conflitos fundiários, a truculência da polícia de pacificação nas favelas, a violência contra o

Movimento do Passe Livre. A violência somente não foi registrada nas manifestações da

direita que ocorreram em março e abril desse ano, em uma clara demonstração de que a

atuação da polícia é seletiva e direcionada às classes trabalhadoras.

Esses registros de violência do aparato repressor do Estado brasileiro constituem o

padrão de atuação dos governos e que tem se intensificado nos últimos anos com o

crescimento do número de manifestantes nas ruas reivindicando melhores condições de

vida e de trabalho. Entretanto, na mesma medida em que cresce a violência policial, cresce

7 Veja a cronologia da greve em http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/cronologia-

bxyes24fyo4r7knblzc9uzrut.

também o movimento da direita em sua ação agressiva contra os direitos sociais tão

duramente conquistados nas últimas décadas pelas classes trabalhadoras.

O cenário atual do Brasil está marcado pelo crescimento da presença de amplos

setores da direita nas ruas, disputando o apoio da população para os seus temas

conservadores e autoritários. Essa direita tem demonstrado força e tem pautado o debate

político. Ancorada no resultado das eleições de 2014 conferiu ao Congresso Nacional e às

políticas governamentais um caráter conservador e autoritário que coloca em questão o

exercício da democracia no Brasil.

Democracia, autoritarismo e imperialismo: contradições e compatibilidades

A relação da democracia com o capitalismo é um dos temas mais recorrentes e

polêmicos na Ciência Política. A facilidade com que a defesa da democracia aparece nos

discursos de amplos setores, tanto à direita quanto à esquerda, reforça o caráter ambíguo e

a multiplicidade de significados que tem a democracia.

Historicamente o debate sobre a compatibilidade ou não compatibilidade da

democracia com o capitalismo atinge sua importância no século XIX com as lutas das

classes trabalhadoras e com a formação dos Estados liberais. Bobbio (2000: 42/3) identifica

o encontro do liberalismo com a democracia no momento em que esta é “tomada não pelo

lado de seu ideal igualitário, mas pelo lado de sua fórmula política, que é (...) a soberania

popular”, ou seja, a participação do maior número de cidadãos direta ou indiretamente nas

decisões políticas coletivas. E defende que a única forma de se chegar a um consenso

sobre o que seja um regime democrático é considerar a democracia como “um conjunto de

regras (primárias e fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as

decisões coletivas e com quais procedimentos” (BOBBIO, 1986: 18).

Na década de 1940, Schumpeter desenvolve sua concepção de democracia

pluralista. Compreende-a como um método de escolha e autorização de governos, como um

"acordo institucional para se chegar a decisões políticas em que indivíduos adquirem poder

de decisão através de uma luta competitiva pelos votos da população" (Schumpeter, 1984:

336). Nessa concepção, a participação política está limitada àqueles grupos auto-escolhidos

para a função de direção do processo político, ou seja, "o papel do povo é produzir um

governo, ou melhor, um corpo intermediário que, por sua vez, produzirá um governo ou um

executivo nacional" (Schumpeter, 1984: 336).

DAHL (1996) atualiza as elaborações de Schumpeter ao considerar como critério

para a identificação de um regime democrático o processo de eleição da elite dirigente. Seu

interesse era "chegar a uma acomodação entre o poder das maiorias e o das minorias, entre

a igualdade política de todos os cidadãos adultos, por um lado, e o desejo de lhes limitar a

soberania, pelo outro" (Dahl, 1996: 13). Para haver o equilíbrio político e garantir a

estabilidade do sistema é necessário o consenso sobre a legitimidade das regras

estabelecidas. Não há a preocupação em garantir uma maior participação política. Na

verdade, essa ampliação é considerada um risco para o sistema, daí a restrição da

participação ao período de eleição ao executivo e ao legislativo.

Portanto, os limites da participação política estão inscritos no próprio modelo e

qualquer tentativa de ampliá-la ou questionar as decisões da chamada elite dirigente é

reprimida com violência, como única alternativa de manter as regras do jogo de dominação

da classe dominante. Arblaster esclarece que

a própria definição de democracia foi revista, adaptada, limitada e diluída para tornar compatível com a convicção persistente da necessidade ou da virtude do governo das elites, com uma desconfiança igualmente persistente em relação às "massas" , e talvez e mais importante de tudo, para a tornar compatível com os sistemas políticos existentes no mundo ocidental que se intitulam de "democracias" (Arblaster, 1987: 88).

No século XX, a partir da década de 1960, o mundo conheceu vários movimentos

sociais que questionaram a concepção de democracia restrita à participação no processo

eleitoral e introduziram a necessidade de vinculá-la ao processo de diminuição das

desigualdades sociais. Compreenderam que a desigualdade social é estrutural no modo de

produção capitalista e que a democracia liberal reproduz essa desigualdade no campo

político e social.

Os movimentos sociais que eclodiram nas primeiras décadas do século XXI

reafirmaram as denúncias da década de 1960. Milhares de pessoas organizados em

movimentos como o Occupy Wall Street (OWS) nos EUA, os indignados na Espanha, a

primavera árabe, nos países árabes e as manifestações de junho de 2013 no Brasil foram

às ruas para expressarem sua indignação às políticas neoliberais e exigiram respeito aos

direitos sociais e políticos e mudanças na política econômica.

Pressionaram a democracia burguesa que respondeu com violência policial em todos

os países. A ação foi unificada, os Estados nacionais utilizaram um forte aparato policial e

jurídico para reafirmarem que não tolerariam qualquer questionamento a política econômica

mesmo que nessa ação a face classista e autoritária da democracia burguesa ficasse

evidente.

A forte repressão às manifestações contra as políticas neoliberais deixaram claro que

a ampliação dos espaços de liberdade depende dos interesses políticos e materiais da

burguesia, que em situação de pressão nega o seu discurso de liberdade, ou como

escreveu Marx: “assim, desde que a palavra liberdade seja respeitada e que apenas a sua

efetivação seja proibida, pelas vias legais, é claro, a existência constitucional da liberdade

mantém-se integral, intacta, embora a sua existência real seja totalmente sufocada (18

Brumário, cap. II, p. 214 Obras Escolhidas).

Na atual fase do imperialismo e da financeirização da economia, os Estados

nacionais tem encontrado dificuldades de disfarçar o caráter autoritário da democracia

burguesa. O discurso ideológico da igualdade e da liberdade encontra sua negação no

processo de exploração da força do trabalho. O aumento da pobreza, dos conflitos no

campo, da precarização do trabalho, dos conflitos étnicos e religiosos possibilita que esse

discurso seja desmistificado. A elaboração de Marx nos permite compreender que

A esfera [...] da circulação ou da troca de mercadorias, dentro da qual se operam a compra e a venda da força de trabalho, é realmente um verdadeiro paraíso dos direitos inatos do homem. Só reinam aí liberdade, igualdade, propriedade e Bentham. Liberdade, pois o comprador e o vendedor de uma mercadoria, a força de trabalho, por exemplo, são determinados apenas pela sua vontade livre. Contratam como pessoas livres, juridicamente iguais. O contrato é o resultado final, a expressão jurídica comum de suas vontades. Igualdade, pois estabelecem relações mútuas apenas como possuidores de mercadorias e trocam equivalente por equivalente. Propriedade, pois cada um só dispõe do que é seu. Bentham, pois cada um dos dois só cuida de si mesmo. [...] Ao deixar a esfera da circulação simples ou da troca de mercadoria [...] o antigo dono do dinheiro marcha agora à frente como capitalista; segue-o o proprietário da força de trabalho como o seu trabalhador. (Marx, 1989, p. 196-197),

A política imperialista dos EUA8 é paradigmática como exemplo desse autoritarismo

ao intervir na política interna dos países para garantir que seus interesses não sejam

contrariados. Os exemplos são muitos, mas podemos ficar somente na América Latina, que

passou por regimes militares apoiados pelos EUA e cuja democratização teve o

monitoramento e a garantia de que o aparato repressor formado durante essas ditaduras

8 PETRAS nos oferece vários exemplos da interferência dos EUA na política interna dos países, desestabilizando

seus regimes políticos. Sugiro a leitura de Democracia y autoritarismo: Transición democrática o neoautoritarismo. http://www.herramienta.com.ar, consultado em 13/11/2014

não fosse desmantelado. No caso do Brasil, é esse aparato, formado durante o regime

ditatorial, que hoje é usado para reprimir as manifestações das classes populares.

Nesse início do século XXI os EUA tem tentado desestabilizar governos de esquerda

ou de centro-esquerda que foram eleitos com uma política de independência frente ao seu

domínio na região. A política dos EUA9 é fortalecer no interior de cada país, os setores de

direita para empreenderem uma oposição e provocarem golpes institucionais, como

podemos destacar as ações de interferência ocorridas na Bolívia, Venezuela, Paraguai,

Equador10, Haiti11.

Na Bolívia, a eleição de Evo Morales em 18 de dezembro de 2005, oriundo das lutas

sociais dos povos indígenas e com uma campanha eleitoral de crítica às políticas neoliberais

e aos EUA, deu origem a uma série de articulações da extrema direita para desestabilizar o

governo e derrubar o presidente eleito. Todas elas com o apoio do governo norte americano.

A ação mais grave foi o levante violento entre a extrema direita e os apoiadores do

presidente que ocorreu nas províncias do Leste, por conta do reverendo da Constituição em

8 de agosto de 2008 e das eleições em que Evo Morales12 saiu mais uma vez vitorioso com

67% de aprovação.

Esse fato teve seu agravante com a denuncia dos deputados do MAS da participação do embaixador norte-americano na Bolívia, Philip Golberg, no processo de desestabilização do governo de Evo Morales. O embaixador Philip Golberg desde que chegou, em 2006, financiou, incentivou e organizou a direita neofacista que colocou em questão a legitimidade do governo. (SILVA, 2010: 281)

13

9 A 7ª. Cúpula das Américas, no Panamá, em 10 de abril de 2015 foi marcada pelas denúncias contra os Estados

Unidos em suas tentativas de desestabilizar os governos da Bolívia, Cuba, Venezuela, Brasil e Argentina.

http://www.rededemocratica.org/index.php?option=com_k2&view=item&id=7554:evo-morales-denuncia-a-

a%C3%A7%C3%A3o-desestabilizadora-dos-eua-contra-a-am%C3%A9rica-latina. Consultado em 19/06/2015

1010 No Equador o Presidente Rafael Correa expulsou a embaixadora dos EUA por interferir nos assuntos internos

do país, em abril de 2011. 11

O golpe militar no Haiti ocorreu em fevereiro de 2004 que derrubou o presidente Jean-Bertrand Aristides, eleito

em 2001.

12 No 1

0 de maio de 2013 o presidente Evo Morales expulsou da Bolívia a Agência dos Estados Unidos para o

Desenvolvimento Internacional (USAID)sob a acusação de conspiração contra o seu governo.

http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,evo-morales-expulsa-agencia-norte-americana-da-

bolivia,1027417. Consultado em 19/06/2015

13 Por conta da comprovação da conspiração o embaixador Philip Golberg foi expulso da Bolívia. Para maiores

informações sugiro a leitura de Silva (2010).

Na Venezuela a interferência dos EUA no fortalecimento da extrema direita foi

direcionada para desestabilizar os governos de Hugo Chaves14 e, mais recentemente, de

Nicolás Maduro. O presidente Maduro15 denunciou que desde 2013, quando assumiu o

governo já sofreu várias tentativas de golpe, causando uma grande instabilidade política em

seu governo que é agravada pela crise econômica. A oposição que tem se alimentado da

crise econômica provocada principalmente pela queda do preço do petróleo e pelas sanções

dos EUA torna-se cada vez mais audaciosa na conspiração contra o governo. As

manifestações da direita levou o governo a realizar, em fevereiro de 2015, a prisão do

prefeito de Caracas, Antonio Ledezma16. Em março de 2015 o presidente Obama publicou

um decreto que considera a Venezuela uma ameaça à segurança do país e inimigo dos

EUA.

No Paraguai, o processo de impeachment no Congresso Nacional contra o

presidente Fernando Lugo, foi relâmpago. No dia 22 de junho de 2012 os partidos

conservadores conseguiram aprovar no Senado com ampla maioria o afastamento do

presidente. Praticamente tudo ocorreu sem direito a defesa e sem debate com a população.

Os motivos do impeachment estão relacionados a postura do governo diante dos conflitos

com trabalhadores rurais em terra e a rapidez do processo foi justificada pelo suposto receio

de Fernando Lugo mobilizar sua base e provocar conflitos violentos.

No Brasil a presença do imperialismo norte americano tem sido marcante e danosa

para nossa soberania e economia ao longo dos anos. Nesse texto, nos interessa destacar a

proximidade do PSDB com os interesses dos EUA, estreitados durante o governo do

presidente Fernando Henrique Cardoso. A política econômica pró Estados Unidos garantiu o

domínio político da grande mídia e o apoio financeiro às campanhas eleitorais do PSDB.

14

Hugo Chaves foi eleito presidente da Venezuela várias vezes, a primeira ocorreu em 1998, e posteriormente

em 2002, 2006, 2012. Seu governo foi marcado por forte posição antiimperialista e contra as políticas neoliberais

e os EUA. Em 11 de abril de 2002 sofreu um golpe de Estado que durou 47 horas. Após o golpe de Estado

assumiu a presidência da república Pedro Carmona, na época presidente da maior organização empresarial –

FEDECÂMARAS (Federação Venezuelana de Câmaras de Comércio. O novo governo teve reconhecimento

imediato dos EUA. Chaves morreu em 2013.

15 http://www.cartacapital.com.br/internacional/unasul-nega-omissao-em-crise-na-venezuela-3913.html

16 A prisão do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, provocou a reação dos partidos de oposição ao governo

Dilma, que exigem que o Brasil imponha medidas contra a Venezuela, retirando-a do Mercosul, sob a acusação

de violar a democracia. Líderes do PPS, PSDB e DEM organizaram comitiva e viajaram para Caracas para

prestarem solidariedade a Antonio Ledezma. http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2015/06/1642404-comissao-

liderada-por-aecio-viaja-a-venezuela-por-opositores-presos.shtml. Consultado em 19/06/2015

Durante o governo de FHC, o Brasil cumpriu com as orientações do FMI e abriu o mercado

através das privatizações das empresas estatais para o capital norte americano. Na política

externa priorizou a criação da ALCA em detrimento de uma maior integração com os países

do MERCOSUL.

Essa proximidade com os EUA foi amenizada com a eleição de LULA a presidência

da república em 2002. Embora timidamente, os governos do PT se voltaram para uma

articulação com os países latinos americano e os países emergentes, investiram no

MERCOSUL e na formação dos BRICS e ficaram simpáticos a proposta da ALBA,

encaminhada pela Venezuela.

Os interesses políticos dos EUA no Brasil ficaram mais explícitos durante a

campanha eleitoral de 2014 em que as frações da classe dominante pró-Estados Unidos se

concentraram em apoiar o candidato do PSDB, Aécio Neves e empreenderam uma forte

campanha ideológica contra Cuba e a Venezuela. Inconformados com a derrota eleitoral,

essa direita postou dois dias após as eleições uma petição17 no portal da We The People,

da Casa Branca solicitando do presidente Obama medidas para barrar o crescimento do

comunismo e da revolução bolivariana pelo governo Dilma.

Muitos outros exemplos podem ser dados que evidenciam as ações do imperialismo

norte-americano na América Latina. Suas táticas são variadas e específica para cada pais.

De modo geral, são utilizadas desde a ocupação militar, bloqueios econômicos, reforçar a

oposição conservadora para desestabilizar governos independentes ou críticos até a

destruição de movimentos sociais antiimperialistas.

O autoritarismo e democracia: a agenda conservadora no Brasil

O padrão conservador e autoritário da política brasileira foi discutido por autores

de variadas áreas do conhecimento. Para Florestan Fernandes o que caracteriza o

desenvolvimento capitalista dependente dos países da América Latina é a articulação da

industrialização em grande escala com a intensificação da “arcaização do moderno”

(FERNANDES, 1973: 41). Na esfera política, as classes dominantes mantiveram as práticas

autoritárias como forma de garantir seus privilégios o que tornou frágil e sob tensão as

17

https://petitions.whitehouse.gov/petition/position-yourself-against-bolivarian-communist-expansion-brazil-

promoted-administration-dilma-rousseff. consultado em 21/06/2015.

experiências de democratização. Por esse motivo, “à medida que os interesses, as posições

e as formas de solidariedade das classes ‘altas’ e ‘médias’ se viram ameaçadas pela

classificação, mobilidade social e violência dos setores assalariados, pobres ou

despossuídos, passou-se da conciliação para o endurecimento” (FERNANDES, 1973:105).

No Brasil, nossa formação sócio-histórica tem como traço estrutural essas

práticas autoritárias. Nossa república nasce pelas mãos dos militares e com a exclusão dos

setores populares. A concepção de nação hegemônica não incorporou a participação do

negro e do índio na comunidade nacional. Os momentos de ascensão do movimento

sindical e popular foram interrompidos por períodos ditatoriais. Em nossa curta experiência

republicana tivemos 29 anos de ditaduras, o Estado Novo (1937-45) e a ditadura civil-militar

(1964-85), intercalados por períodos de democracia restrita e sem rompimento com os

instrumentos autoritários.

A ideologia do medo que justifica e legitima as práticas autoritárias e a agenda

conservadora de preservação da família tradicional e da propriedade se renova a cada

período de reorganização política dos setores populares. O processo de ampla mobilização

de massas que teve como principal bandeira a democratização do Estado e que resultou,

em 1988, na promulgação da chamada Constituição Cidadã não conseguiu mudar a prática

autoritária do Estado brasileiro e de omissão diante dos assassinatos de lideranças dos

movimentos sociais, dos processos de grilagem de terras indígenas e quilombolas, de

ameaças e prisões de manifestantes. Pelo contrário, o Estado brasileiro continua sendo o

principal articulador da violência contra as classes populares que saem às ruas para

reivindicarem melhorias das condições de vida e denunciarem as políticas neoliberais.

Desde a década de 1980 que o debate sobre a democracia assumiu o centro da

agenda política no Brasil. O discurso da democratização tem ecoado nas ruas sustentado

por setores tanto à direita e quanto à esquerda. Essa multiplicidade de concepção provoca a

necessidade de aprofundamos a discussão teórica sobre a democracia, principalmente no

aspecto de sua funcionalidade para a reprodução das relações capitalistas e de domínio da

ideologia burguesa da igualdade e da liberdade.

A década de 1990 se inicia com a ascensão do neoliberalismo e com o discurso

de exaltação do mercado como espaço privilegiado de exercício da liberdade, ao mesmo

tempo em que se atacava e se desmontava as tímidas políticas sociais conquistadas pelos

movimentos sociais da década de 1980.

Nesse período, o setor conservador se rearticula rapidamente e tem na figura do

então presidente da república Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, seu principal

interlocutor. A reforma do aparelho de Estado18 encaminhada pelo governo federal em 1995,

que apresentava como principal objetivo a democratização e a modernização do Estado

brasileiro, rompeu com a perspectiva universalizante, pública e estatal das políticas sociais

inscritas no texto constitucional de 1988 e restringiu a participação das classes populares no

processo decisório dessas políticas.

Os governos do Partido dos Trabalhadores, iniciados com o presidente Lula em

2002, não interromperam esse processo, em que pese as políticas de combate a pobreza.

Esses governos mantiveram a agenda neoliberal e contribuíram para a consolidação e o

fortalecimento da extrema direita no atual cenário político. Não enfrentaram problemas

estruturais importantes como a reforma agrária e o modelo de desenvolvimento.

O resultado das eleições de 201419 em que a presidente Dilma Rousseff venceu

com uma margem muito pequena de votos, expressou a polarização política em que o país

mergulhou nesses últimos anos de crescimento dos setores conservadores. A composição

do Congresso Nacional é paradigmática a esse respeito. As chamadas bancadas ruralista,

da bala e evangélica cresceram na mesma medida em que diminuiu o número de deputados

ligados aos setores sindicais, aos partidos de esquerda e aos trabalhadores rurais. Na

sociedade civil o que se observa é o crescimento da intolerância com o aumento dos

assassinatos de homossexuais, de invasões a terreiros da religião afro-brasileira e da

violência doméstica.

Os setores das classes dominantes não tem se contentado com a

implementação da agenda neoliberal, desejam ocupar diretamente o executivo federal e

conquistar o apoio das massas para sua agenda conservadora. As manifestações do dia 15

de março em que a direita ocupou as ruas com bandeiras que incitavam o ódio às

organizações de esquerda e aos comunistas, ao mesmo tempo em que realçavam o viés

nacionalista são uma clara indicação dessa disputa. A ousadia da direita em apresentar

bandeiras como “chega de corrupção e intervenção militar já”, “impeachment: tira Dilma” em

18

Para esse tema sugiro a leitura de SILVA, Ilse Gomes. Democracia e participação na reforma do Estado. São

Paulo: Cortez, 2002.

19 Nas eleições presidenciais de 2014 a candidata do PT, Dilma Rousseff atingiu 51,54% dos votos, enquanto o

candidato do PSDB, Aécio Neves 48,16%.

ameaçar de morte João Pedro Stédile, líder do MST, o ex-presidente Lula e a presidente

Dilma Russeff, indicam que a agenda conservadora assumiu o centro da pauta política.

O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha do PMDB/RJ reabiu

vários projetos de cunho conservador que foram aprovados sem grande oposição e com

forte aparato policial de proteção aos deputados que se sentiram ameaçados pelos

movimentos sociais que realizaram mobilizações em frente do Congresso Nacional. Os

partidos de esquerda e as entidades sindicais e populares estão encontrando dificuldades

de realizarem grandes mobilizações de massa para pressionarem os deputados a

derrotarem essa agenda. Os pontos da agenda conservadora20 são muitos, mas para os

objetivos desse artigo destacamos apenas 4 dos projetos que foram votados na Câmara dos

Deputados.

No dia 08 de abril de 2015 foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de

Lei 4330/200421, conhecido como projeto da terceirização, que permite a contração de

serviços terceirizados em qualquer atividade, seja no setor público como no privado. Há 10

anos tramitando no Congresso, esse projeto intensifica a precarização do trabalho em vários

setores e prejudica a formação da carreira no setor público. As entidades sindicais alertam

que, na prática, o Projeto desobriga o gestor a abrir concursos públicos, enquanto privilegia

as indicações políticas via terceirizadas e não investe na qualificação da força de trabalho,

além de provocar uma diminuição nos salários22.

No dia 17 de junho de 2015 foi aprovada pela comissão especial, com ampla

maioria de votos a proposta de emenda constitucional que reduz a maioridade penal23 de 18

para 16 anos para crimes hediondos, homicídios doloso, roubo qualificado e lesão corporal

grave seguida de morte. Os inúmeros protestos das entidades de proteção à criança e ao

20

Podemos incluir na agenda conservadora o projeto 6583/13 que institui o Estatuto da Família limitando a

concepção de família ao agrupamento composto por um homem, mulher e filhos; as mudanças nas regras do

seguro desemprego e do reajuste do salário mínimo; as mudanças no Estatuto do Desarmamento e o projeto

que garante a independência do Banco Central.

21 http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/04/27/quadro-pl-4.330, consultado em 21/06/2015.

22 O Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-econômicos – informa que as

terceirizadas são responsáveis pela maioria dos trabalhadores resgatados da condição de escravidão, pela maioria dos acidentes de trabalho com óbitos, pela grande rotatividade no mercado de trabalho http://www.vermelho.org.br/noticia/262184-1. consultado em 21/06/2015.

23http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/06/17/sob-protesto-e-forte-seguranca-comissao-

aprova-reducao-da-maioridade-penal.htm. Consultado em 21/06/2015

adolescente, os estudos que indicam que a participação dos adolescentes nesses crimes

não alcança nem 1% dos crimes praticados no Brasil, não foram suficientes para mudar os

votos esses deputados.

A reforma política é outro tema bastante debatido no Congresso Nacional e

instrumentalizado como mecanismo de combate a corrupção. Entretanto são muitos os

discursos para que nada seja mudado. O projeto aprovado24, em junho de 2015 na Câmara

dos Deputados, garante as doações de empresas aos partidos políticos em período eleitoral,

estabelece o fim da reeleição, aumenta o mandato para cinco anos, diminui a idade mínima

para deputado, senador e governador e instituiu uma clausula de barreira que prejudica os

partidos menores, principalmente do campo da esquerda, dentre outras. Entretanto o projeto

apresentado pela sociedade civil com a assinatura de mais de 800 mil pessoas e subscrito

por mais de 100 entidades como a OAB, CNBB, CUT, MCCE (Movimento de Combate a

Corrupção Eleitoral) e que faz críticas ao projeto aprovado não foi sequer apreciado pelos

deputados.

Diante do avanço da agenda conservadora que não tem encontrado dificuldade

no Congresso Nacional para ser aprovada, resta aos movimentos da classe trabalhadora o

desafio de construir a unidade do campo da esquerda para organizar as massas na luta de

resistência ao processo de negação dos direitos políticos e sociais. Em períodos de crise, a

relação capital/Estado lança mão do aparelho repressor para impedir a luta dos

trabalhadores enquanto garante que o processo de acumulação continue nos trilhos.

REFERENCIAS

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BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Brasiliense, 2000.

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FERNANDES, Florestan. Revolução burguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

24

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manifestações de junho de 2013. In Congresso Luso Afro Brasileiro. ANAIS, 01 a 05 de

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antissistêmicos. Revista de Políticas Públicas, número especial, agosto de 2010.

DUAS FACES DA MINERAÇÃO NO SUDESTE PARAENSE: o extrativismo

minerário como base material do neodesenvolvimentismo

Celia Regina Congilio25

RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar convergências entre o neodesenvolvimentismo e os incentivos estatais ao neoextrativismo mineral, identificadas no sudeste paraense. Convivem ali, desde tempos pretéritos, diferentes modelos de políticas econômicas, com características comuns: ações indutoras do Estado que articulam desenvolvimentismo com atividades primárias exportadoras de commodities, em especial, o ferro. PALAVRAS-CHAVE: mineração, neodesenvolvimentismo, extrativismo.

ABSTRACT: The objective of this paper is to analyze the convergence between neo-development and incentives state for mineral extractivism, identified in southeastern Pará. Lives there since past time different models of economic policies, with commons characteristics: actions of the state that articulate developments and extraction of primary products for export, especially the iron. KEYWORDS: mining, neo-developments, extractivism.

25

Doutora. Universidade Federal do Sul e do Sudeste do Pará (UNIFESSPA). E-mail: [email protected]

1. Introdução

As amazônias brasileiras (assim mesmo no plural) representam mais de 60% de

todas as amazônias, o que significam cerca de cinco milhões de quilômetros quadrados

para os quais não se pode olhar como uma região homogênea em termos socioculturais,

políticos, econômicos e ambientais26. As políticas estatais de expansão do capital para

diferentes ecossistemas que compõem a região variam conforme diretrizes do mercado

mundial e, nos últimos anos, se modificam ou se arranjam combinadamente de lugar para

lugar. Num é a soja, noutro a madeira, o gado em larga escala, estradas, portos, barragens

energéticas, grandes projetos de mineração. Trata-se de uma ocupação desordenada por

políticas que, invocando modernidade e progresso homogeneizadores, produzem

contradições e resultados que aprofundam desigualdades sociais, destroem ecossistemas,

afetam de forma avassaladora comunidades locais, proletarizam populações indígenas,

ribeirinhas e camponesas e reproduzem as formas mais torpes de exploração do trabalho

vigentes no modo de produção capitalista.

No plano teórico, o tema nos remete aos diferentes autores que trataram da

expansão capitalista a partir das considerações de Trotsky (1980, p.21) sobre o

desenvolvimento desigual e combinado. Ao tratar das condições da integração da Rússia

czarista ao capitalismo europeu, Trotsky enunciou a teoria que ainda hoje exprime

atualidade quando refletimos sobre o avanço do capital nos países periféricos:

A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processo histórico, manifesta-

se com o máximo de vigor e de complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o

açoite de necessidades exteriores, a vida retardatária é constrangida a avançar por saltos.

Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, na falta de uma

denominação mais apropriada, chamaremos lei do desenvolvimento combinado, no sentido

da reaproximação de diversas etapas, da combinação de fases distintas, de amálgama de

formas arcaicas com as mais modernas.

Hilderfing (1985, p.303), seguindo os passos de Trotsky, lançou pistas sobre a

expansão das relações capitalistas como corolário do imperialismo e o caráter desigual e

combinado do desenvolvimento capitalista:

26

A Amazônia brasileira abrange os Estados do Pará, Amazonas, Maranhão, Goiás, Mato Grosso, Acre, Amapá, Rondônia e Roraima, compreendendo uma área de 5.033.072 Km2, o que corresponde a 61% do território brasileiro (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia- INPA).

A exportação de capital, especialmente desde quando se deu em forma de

capital industrial e financeiro, acelerou enormemente a reviravolta de todas as velhas

relações sociais e a submersão do mundo no capitalismo. O desenvolvimento capitalista não

se deu de modo autóctone em cada país isoladamente; pelo contrário, com o capital foram

simultaneamente importadas produção capitalista e relações de exploração, e isso sempre

no grau alcançado no país mais avançado.

Ao tratar do tema sobre expansão do capitalismo em territórios amazônicos

podemos nos referenciar também em conhecidas teses propostas pelos teóricos da

dependência, numa fase posterior à originária nos grupo de estudos da Cepal, representada

por Raul Prebisch nos anos de 1950. Nesta, considerando apenas elementos econômicos e

numa concepção etapista de progresso, a explicação para o subdesenvolvimento se deu

pela “ausência de desenvolvimento”: “O atraso dos países subdesenvolvidos era explicado

pelos obstáculos que neles existiam ao seu pleno desenvolvimento ou modernização”

(Santos, p.8 – Grifo do autor).

Nos anos de 1960, uma versão crítica da Teoria da Dependência, revigorada

pelo marxismo, ganha aspectos mais condizentes com a realidade dos países subordinados.

Com argumentos mais ou menos diferenciados, autores como André Günter Frank (1976),

Fernando Enrique Cardoso e Enzo Faletto (1977), Theotônio dos Santos (2000), Ruy Mauro

Marini(2005), entre outros, tratarão sobre a impossibilidade de que os países periféricos

superem sua condição de subdesenvolvimento ao desenvolverem processos capitalistas.

Amplamente conhecidos e com aspectos polêmicos e divergentes que não cabe neste curto

artigo detalhar, esses trabalhos partem da concepção comum de que o desenvolvimento

capitalista reitera e atualiza em trajetórias históricas renovadas “a superexploração do

trabalho, a remessa de excedentes e a situação de dependência e subordinação desses

países no interior do sistema mundial capitalista e da divisão internacional do trabalho”

(Filgueiras, Luiz, 2014, p.23). Nada menos por isso, o desenvolvimento do capitalismo no

Brasil se assentou em forte ideário de caráter nacionalista, cujas representações

perpassaram governos populistas e liberais como examina Almeida (2014), ao descrever os

processos de construção da ideologia nacional fundamentais ao ciclo desenvolvimentista

dependente no Brasil.

Os ventos neoliberais que assolaram o mundo a partir da crise capitalista dos

anos 1970 também redefiniram as políticas sociopolíticas direcionadas para a Amazônia.

Uma série de choques econômicos foi aplicada aos países do hemisfério sul, ao longo da

década de 1980. A inserção desses países na nova ordem mundial detonou uma série de

explosões sociais que nem mesmo os seus defensores puderam esconder, ainda que sob

os argumentos da inexorabilidade. Mais recentemente, Boito (2012) descreve o surgimento

de uma frente neodesenvolvimentista, “base ampla e heterogênea de sustentação da

política de crescimento econômico e de transferência de renda encetadas pelos governos

Lula da Silva e Dilma Rousseff”. Boito caracteriza as políticas desses governos como um

programa de política econômica e social que busca o crescimento econômico do capitalismo

brasileiro com alguma transferência de renda, embora o faça sem romper com os limites

dados pelo modelo econômico neoliberal ainda vigente no país (idem, p.5).

Em se tratando de periferias no interior do sistema periférico brasileiro,

identificamos uma tensão teórica entre neodesenvolvimentismo e neoextrativismo que

permeia a discussão sobre os processos econômicos que ocorrem no sudeste paraense nos

dias atuais. Ainda que a questão seja alvo de inúmeros debates, as análises sobre a

diversidade e dinâmica das mudanças em curso não permitem compreensão total da

realidade social ali existente. Essas condições se agravam de acordo com as alianças de

classe que se fazem entre diferentes frações de capitais nacionais e internacionais, aos

quais se associam os gestores da política local e configuram especificidades aos blocos de

poder que controlam e definem as políticas gerais do Estado.

Ainda que tratemos de uma questão regional, nosso ponto de partida é a crítica

a uma sociedade estruturada a partir da propriedade privada dos meios de produção,

considerando, como Poulantzas (1973), que o modo de produção capitalista é conformado

pela totalidade das relações compostas por suas estruturas econômicas, jurídicas e

ideológicas, que interagem e sustentam a dominação de uma classe por outra.

No tempo real, presente e pretérito da expansão capitalista em territórios

amazônicos, o Estado se agiganta, produz ideologia, assegura a ordem, financia empresas

e imensas obras de infraestrutura e ainda conduz a uma proletarização imensa de

trabalhadores do campo, garantindo que o capital se assenhore das terras e dos recursos

naturais. No plano ideológico, a materialidade do Estado se estabelece em suas formas

institucionais, que o apartam das relações de produção e atribuem a ele a "função particular

de coesão dos níveis de uma formação social" (Saes, 1998:42).

Isso nos indica a impossibilidade de tratar de questões locais sem uma análise

dos movimentos globais do capital e sua estreita relação com as políticas de Estado, uma

vez que a expansão das empresas multinacionais assume a forma dominante de

internacionalização do capital e modela a divisão internacional do trabalho em diferentes

formações sociais. Ao povo amazônico tradicional somam-se populações camponesas e

trabalhadores de outros estados, seduzidos por promessas de emprego desde os processos

de colonização quando, ao longo da década de 1970, o governo da ditadura intensificou a

ocupação amazônica atraindo desterrados de outras regiões para o trabalho já

extremamente precário, muito antes que o termo se tornasse conceito tratado por estudos

recentes da sociologia do trabalho. A oferta era de terras para quem quisesse nelas

trabalhar e de empregos nos grandes projetos mineradores e madeireiros. Com a promessa

de uma reforma agrária jamais concretizada naquele governo, ou precariamente pelos

sucessores até o presente, o governo da ditadura militar atraiu um contingente imenso de

trabalhadores, especialmente os expulsos pela seca e pelos conflitos agrários no nordeste.

Região pouco visitada no período do desenvolvimentismo brasileiro até os anos

de 1950, o governo da ditadura militar intensificou a ocupação amazônica com incentivos

aos grandes empreendimentos madeireiros, minerários e de agropecuária extensiva,

iniciados pelo presidente Castelo Branco, entre os anos de 1965 e 1968. Para a região do

sudeste paraense, cujo ciclo extrativista da castanha - que sucedeu o da borracha -

declinava, o grande impacto viria com o Projeto Carajás, criado em 1980 pelo Presidente

Figueiredo, ainda que desde a década de 1960 já se especulasse sobre as grandes jazidas

minerais existentes na região e que resultaram em diversas transações entre empresas

multinacionais e governos da ditadura militar.

Estudos críticos sobre esse período nos fornecem base fundamental para o

conhecimento da região, mas pesquisas mais recentes sobre os desdobramentos do

alargamento do capitalismo no sudeste paraense ainda são incipientes. Carecem

investigações que detalhem e aprofundem o caráter das ações políticas e econômicas que

avassalam um território que hoje encabeça a economia extrativista de commodities e se

torna responsável por uma boa parcela do PIB brasileiro, pela exportação do ferro e outros

minérios importantes, extraídos majoritariamente pela VALE S.A., empresa de capital

aberto, antiga estatal Vale do Rio Doce, privatizada pelo presidente Fernando Henrique

Cardoso em 1997.

2. O sudeste paraense e a mineração

Consequentemente, aos diferentes regimes de acumulação (extrativismo

colonial, desenvolvimentismo, neoliberalismo ou neodesenvolvimentismo) praticados pela

economia dependente do Estado nacional brasileiro, sucede-se a ampliação de contingentes

amazônicos vulneráveis diante de uma ordem mundial acedida pelos centros hegemônicos

de poder. Tendo a mineração, especialmente a do ferro como base material desde os anos

de 1980, assomam no sudeste paraense indústrias da construção, do agronegócio, de

serviços públicos e privados, de concessionárias e hipermercados, além de bancos privados

e nacionais dos grandes representantes do setor.

Pesquisas na região demonstram a frequente ocorrência de expropriações que

colocam em acordo antigas oligarquias extrativistas com empresários nacionais e

multinacionais que agem amparados pelo aparato jurídico estatal. Este cria as condições

legais que ampliam latifúndios, promovem desocupações de áreas indígenas e de

assentamentos, legalizam terras griladas por fazendeiros, promovem o acesso às instâncias

administrativas do poder local, esvaziam as ações dos órgãos de gerenciamento como a

Fundação Nacional do Índio–FUNAI e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma

Agrária-INCRA, entre outros. O saque constante se dá pela violência aberta institucional,

como os diversos assassinatos que se seguiram ao massacre de Carajás, ocorrido na

região em 1996, ou pela violência ilegal da pistolagem, nunca punida porque vigora o

descaso nas investigações ou lentos processos do sistema judiciário.

O sudeste do Pará constitui um espaço geográfico cortado pela Rodovia

Transamazônica e que, ao longo dos últimos 40 anos, se tornou essencial aos processos

produtivos requeridos pela expansão do capital. Somente a exportação do ferro responde

por 15,3% do valor total das exportações brasileiras e a VALE está abrindo nova mina e

expandindo sua produção na região, de 130 milhões de toneladas atuais, para 230 milhões

previstas em 2016. Isso condiz a um processo de compartimentação e fragmentação dos

territórios, os quais passam a ser utilizados em função dos interesses das forças

hegemônicas ou frações de classe que se estruturam, se desestruturam e se recompõem ao

sabor da divisão internacional do trabalho e dos desígnios do Estado para a região.

O Projeto Carajás se instala no que é considerada a mais rica área de minérios

do planeta. Ocupa cerca de 900 mil km² em plena floresta amazônica, numa área cortada

pelos rios Xingu, Tocantins e Araguaia. Além de explorar a maior reserva de minério de alto

teor de ferro do mundo, são explorados manganês, cobre, níquel, ouro, bauxita e cassiterita.

Com a implantação do Projeto Carajás a região do sudeste paraense se tornou rapidamente

um importante polo industrial, agrícola e comercial, mas, ao contrário de desenvolvimento ou

modernização, tais ações servem ao processo de expropriação e concentração do capital,

sempre mediadas pelas políticas centralizadoras do Estado nacional, de forma que, como

descrito por Almeida (2014), nação e território se constituem dialeticamente em partes

separadas de um todo articulado ao movimento de expansão do capital.

Constituídas como economias de enclave, uma vez esgotados os ciclos num

determinado município, os empreendimentos se atiram a outro, deixando para o poder

público local uma constelação de problemas sociais gerados pelo desemprego, por

aumentos populacionais estrondosos e ocupações urbanas irregulares. Exemplo disso é o

município de Canãa dos Carajás, onde a VALE está implantando a nova mina, conhecida

por projeto S11D. A população de Canaã dos Carajás no ano de 2000 era de 10.922, em

2010 aumentou para 26.716, com previsões de ultrapassar os 35.000 até 2016 (IBGE,

2010). Esse contingente é atraído para o período de construção da mina, mas quando esta

passa a funcionar, menos que 10% são absorvidos, gerando no município uma colossal

massa de trabalhadores desempregados. Atualmente, a Vale realiza, em Carajás, a

operação simultânea de cinco minas de ferro a céu aberto. O complexo é o maior produtor

de minério de ferro no planeta, além de possuir um produto com alto teor de ferro (66,7%) e

baixa concentração de impurezas.

O S11D fornecerá 90 milhões de toneladas métricas de minério de ferro por ano.

Quando estiver em plena capacidade, o projeto contribuirá para que a produção total de

minério da Vale no Pará alcance 230 milhões de toneladas por ano. Em conjunto com os

demais empreendimentos previstos para a região, S11D posicionará o sudeste do Pará em

patamar de importância equivalente à do Quadrilátero Ferrífero, localizado em Minas Gerais

(VALE S.A., s/n.).

Luxemburgo (1984, p. 285) discorre a respeito da expansão do capitalismo sobre

outras formações sociais nos Estados Unidos e África do sul. São relatos ainda conexos

quando retratados os processos atuais em territórios amazônicos e a incessante luta da

economia camponesa e dos povos indígenas e ribeirinhos contra a indústria extrativa do

ferro: “O processo de acumulação tende sempre a substituir, onde quer que seja, a

economia natural pela economia mercantil simples e esta pela economia capitalista, levando

a produção capitalista – como modo único e exclusivo de produção – ao domínio em todos

os países e ramos produtivos”.

As ações do Estado no que se referem às dinâmicas que conduzem à expansão

capitalista no Brasil, e em especial nessa região amazônica, são determinadas pela divisão

internacional do trabalho e o lugar ocupado pelos países dependentes no mercado mundial,

notadamente, como exportadores de commodities.

O modelo atual de expansão do capitalismo nessa região amazônica combina

ações do Estado numa articulação entre neodesenvolvimentismo (laminação do aço,

grandes obras de infraestrutura com o PAC, indução ao crescimento de grandes empresas

nacionais, em especial a da construção civil) com reprimarização da economia (com fortes

incentivos à exportação do minério bruto) em busca de superávits na balança comercial.

Isso propicia uma combinação contínua de diferentes formas de exploração do trabalho com

base em diversificadas naturezas de contratação: poucos empregos de organização

gerencial com regalias administrativas e hierarquias de cargos e funções e uma infinidade

de trabalhadores em situação de precariedade, terceirizados, quarteirizados e muitos

submetidos ao trabalho análogo ao da escravidão, notadamente nas carvoarias cujo produto

se destina a outra atividade ligada à extração do ferro.

A principal atividade mineradora da VALE corresponde à cerca de 30% do

volume do ferro produzido no Brasil; em compensação à queda do preço no mercado

internacional desde 2010, a exportação pelo Brasil, em março de 2014, aumentou para

24,47 milhões de toneladas, contra 22,57 milhões de toneladas em março do ano passado27.

O ferro tem como produto final o aço, cuja cadeia produtiva inicial combina a extração do

minério com atividades em carvoarias - a partir da floresta nativa ou pela substituição dela

por plantações de eucalipto - na produção do ferro-gusa, outro setor que compõe as

atividades econômicas do complexo Carajás, entre o sudeste paraense e municípios

circunvizinhos do Maranhão.

Estudos sobre a mineração particularmente a do ferro, sob o comando da VALE

S.A., indicam impactos variados, alguns sobre os quais temos nos detido em pesquisas

próprias e de orientações acadêmicas:

27

Conforme Portal da Mineração, http://www.odebraz.com.br/blog/mercado/min%C3%A9rio-de-ferro-exportado-brasil,

acessado em 18/12/2014.

Rurais, pela expropriação e proletarização de camponeses e comunidades

indígenas e ribeirinhas, ocasionando a desestruturação de agrovilas e de sociabilidades

anteriormente estabelecidas;

Urbanos, com inchaço populacional, ocupação de espaços com

empreendimentos empresariais (duplicação dos trilhos da VALE S.A. e especulação

imobiliária entre outra) e ocupações urbanas que constituem bairros densamente povoados

sem políticas de emprego, saúde, moradia, lazer e educação;

Ambientais, tendo como política única a criação de Unidades de Conservação

que não garantem a vida social, econômica e cultural dos seus moradores, mas a

exploração mineral como reserva econômica ao mercado internacional. Os moradores

dessas áreas, tolhidos de suas práticas produtivas, são forçados a se deslocarem para

outras áreas ou, se permanecem, devem se adequar às legislaçoes ambientais pouco

discutidas entre eles. As formas de gestão e de participação nessas áreas são limitadas e

dominadas pelo aparato institucional, cujo interesse está voltado aos do capital.

Nas formas de contratação pela expansão do trabalho precário e do

subemprego em vários setores (produção de bens e serviços públicos e privados). Do

taylorismo ao toyotismo (passando pelo análogo à escravidão), são várias as modalidades

de trabalho praticadas na extração e fundição do ferro, matéria prima para a laminação do

aço.

Políticos, demarcados por novo ordenamento estatal e a adequação das

antigas oligarquias extrativistas ao poder estabelecido pela dinâmica atual da expansão do

capitalismo. Aqui também se inserem as lutas sociais e a busca permanente de estratégias

dos trabalhadores em resistência à sociabilidade imposta pelo capital.

Sem a pretensão de que no escopo de um artigo possamos desenvolver todos

esses temas, metodologicamente tais questões nos indicam no mínimo três aspectos

teóricos para reflexões a serem aprofundadas: primeiro, os fenômenos das políticas

recentes do Estado e sua eficácia essencial para a expansão do capital, o que reafirma o

caráter de classe do Estado capitalista. No Brasil dependente, as ações se articulam à

dinâmica mundial com incentivos à burguesia exportadora e a setores industriais, o que nos

indica a forte aproximação entre neodesenvolvimentismo e extrativismo exportador.

Para Gudynas (2012), o neoextrativismo se apresenta como um crescimento

econômico que induz a um desenvolvimento capitalista com base na apropriação de

recursos naturais. Isso se realiza por intermédio de um grupo cuja atividade econômica

ocorre pela remoção de grandes volumes de recursos naturais de uma dada região, cuja

finalidade é a comercialização no mercado mundial em estado bruto. O Estado incentiva

monetariamente, fornece o apoio logístico pelas gigantescas obras de infraestrutura e

legitima os empreendimentos empresariais ao mediar a expropriação com políticas

compensatórias que aparecem como redistribuição de parte da renda gerada. O caráter

desenvolvimentista se dá então pelo aporte que o extrativismo fornece ao crescimento

econômico e o protagonismo que confere ao Estado nas atividades econômicas e nas

políticas sociais. O autor conclui que tais práticas são próprias, especialmente na América

Latina, pelos governos que se autodesignam como progressistas (GUDYNAS, 2012, p. 130).

As reflexões de Gudynas nos oferecem pistas para um segundo aspecto teórico:

os desdobramentos nas relações sociais de produção, que incidem sobre a precarização e

terceirização do trabalho, a destruição ambiental e a fragmentação do território pelos

enclaves produtivos. Tais argumentos colocam em questão as reestruturações do capital e a

convivência de diferentes regimes de acumulação e de formas de exploração do trabalho,

tema tratado por Congilio (2004), ao discutir, através do Brasil, a coexistência de

taylorismos, fordismos e toyotismos numa época em que o chamado modelo japonês foi tido

como hegemonizador de uma “nova” racionalidade do trabalho. Na articulação entre

neodesenvolvimentismo e reprimarização da economia se combinam diferentes formas de

contratação e exploração do trabalho prestado em serviços diretos, terceirizados e análogos

ao de escravo.

A extração de minérios envolve, além da poderosa VALE, uma gama intensa de

investimentos do capital transnacional. Nesta atividade convivem processos de alto

desenvolvimento tecnológico (máquinas computadorizadas que escavam e transportam

minérios em esteiras aéreas guiadas por comandos eletrônicos) com formas rudimentares

de escavação, lavagem, carregamento e transporte, estes, terceirizados. Isso tudo envolve

uma grande diversidade de processos e mantém estreita relação com outras áreas de

trabalho, sendo as mais específicas a metalurgia, a química, a mecânica, a construção civil,

a eletrônica, a informática e o transporte. Numa outra ponta das mesmas atividades estão

trabalhos praticados pela excedente populacional expulso ou atraído pelos

empreendimentos: derrubada legal ou clandestina de áreas florestais, carvoeiros,

carregadores de carga pesada em trabalhos por empreitada, ajudantes gerais sem registro

em praticamente todos os setores mencionados e assim por diante.

Por último, a mineração no sudeste paraense nos coloca outro aspecto teórico a

ser aprofundado, que se refere às condições e dinâmicas da luta de classes: por um lado, os

rearranjos das políticas locais submetidas à lógica do Estado nacional e por outro, a

resistência dos trabalhadores enfraquecida pela ideologia, pela criminalização, assassinatos

por pistolagem e cooptação de lideranças, mas, buscando sempre estratégias renovadas de

enfrentamento. Região onde antes os conflitos se configuravam mais intensamente na

disputa pela terra, os embates surgem agora liderados pelo grande capital e sua dinâmica

produtiva. Desde a década de 1980, inúmeros movimentos sociais têm travado batalhas de

vida e morte contra a exploração dos minérios. Existe um conjunto de lutas que no presente

buscam articulações entre elas: movimentos dos atingidos pela mineração, dos atingidos

pelas barragens, movimentos indígenas, pela reforma agrária, resistências indígenas e de

operários em Altamira na construção da barragem de Belo Monte, greves urbanas e outras

que precisam ser melhores compreendidos, mas se inscrevem, certamente, no cenário da

luta de classes.

3. Conclusão

Se Estado burguês e relações sociais de produção são arcabouços teóricos

abstratos para abarcar reflexões sobre a dominação capitalista, se faz necessário conhecer

os processos concretos que dizem respeito às ações do Estado em políticas próprias que

garantem continuamente o servilismo dos expropriados dos meios de produção aos

expropriadores.

As relações capitalistas de produção assentam-se na divisão social do trabalho e

requerem um poder de dominação contínua dos proprietários dos meios de produção sobre

os não proprietários. Tal poder econômico sustenta-se politicamente no aparato

institucional-legal de coerção/repressão e consenso ideológico - que constitui a instância

estatal. Em sua forma política, o capital encontra nas instâncias ideológicas e jurídicas do

Estado, as condições estratégicas que garantem a expansão e consolidam a sociabilidade

hegemônica do capitalismo sobre as demais formações sociais (Poulantzas, 1973).

A convivência de diferentes modelos de expansão do capitalismo no sudeste

paraense, tendo como características em comum as ações indutoras do Estado, ora se

apresenta sob um determinado discurso ideológico, ora outro (livre comércio, progresso,

desenvolvimento) e representa apenas um pequeno universo do desprezo das políticas

governamentais a formas alternativas de existência que não se pautem pela lógica do lucro,

mas que apresentam fundamentos sólidos e resultados interessantes como possibilidades

produtivas. Por consequência, alastram-se no sudeste paraense bairros imensos sem

postos de saúde, sem escolas apropriadas, esgotos a céu aberto com jovens à mercê do

narcotráfico e da violência.

Novas dinâmicas territorias se inscrevem no espaço regional, uma vez que

cresce o comércio e o número de empresas que se afiliam ao processo de urbanização,

criando e recriando relações de trabalho inscritas numa correlação de forças favorável à

acumulação e circulação do capital. As dinâmicas territoriais que ocorrem no sudeste

paraense instigam pesquisas que possibilitem apreender as múltiplas facetas de um

processo social conflitivo e contraditório, que está sendo reafirmado e recolocado em novas

dimensões para atender às necessidades produtivas atuais da pilhagem capitalista.

As modificações constantes nas bases de acumulação exigem caracterizar

insistentemente o nexo que se estabelece entre as políticas em diferentes espaços

territoriais para que se compreenda como as relações de exploração se reproduzem na sua

totalidade. Desenvolvimentista ou liberal, mas sempre dependente, as práticas politicas que

acompanham as ações no sudeste paraense imprimem o caráter de classe do Estado

capitalista, em cumprimento do seu papel histórico: em nome da nação se constituir no

facilitador dos ajustes econômicos necessários aos padrões de acumulação. São aspectos

que tornam indispensáveis estudos criteriosos sobre as ações do capital, dos trabalhadores,

dos movimentos sociais e de suas articulações com o Estado.

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