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DEBATES GA CINT O informativo sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional N o 45 / 2016 Eleições nos EUA e possíveis impactos na América Latina Instituto de Relações Internacionais Carlos Eduardo Lins da Silva, Paulo Sotero e Ricardo Sennes N a manhã de 20 de abril de 2016, dia seguinte às prévias de Nova York (NY ) da eleição presidencial dos Estados Unidos (EUA), o Gru- po de Análise da Conjuntura Internacional (GACInt-USP) se reuniu para debater o pro- cesso eleitoral norte-americano e os impactos sobre a América Latina. Para apresentar o tema, foi convidado Paulo Sotero, jor- nalista, professor e atual diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center. Os comentários ficaram a car- go do também jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, e a reunião foi conduzida pelo cientis- ta político Ricardo Sennes, que, logo de início, destacou a importância desse debate devido a sua acentuada dimensão internacional. CORRIDA MALUCA As primárias nova iorquinas da véspera foram analisadas na abertura da fala de Sotero: para ele, marcam o começo da estabilização de uma disputa presidencial que, até então, não havia sido usual, graças à evidência de Donald Trump e Bernie Sanders, dois candidatos “fora do pa- drão”. Comentou que o processo atual está mar- cado por uma forte pressão anti-establishment, resultado das frustrações do eleitorado ameri- cano que, ao longo das últimas décadas, vem perdendo empregos enquanto assiste ao apro- fundamento da desigualdade e à concentração de renda. Nesse contexto, Sanders – apesar de ser do es- tablishment, graças a sua longa trajetória parla- mentar – se declara socialista e atrai o voto dos jovens. Por sua vez, Trump adota postura po- pulista, narcisista e altamente polêmica, e tem arrebanhado eleitores mais velhos, liderando a corrida republicana. Importante notar, contudo, que Sotero ressaltou sinais de transformação e de moderação no discurso de Trump na noite das primárias de Nova York, quando suas chan- ces de vitória se tornaram ainda mais concretas. Com os votos da Big Apple, somados aos das primárias do dia 26 de abril, Trump atingiu o número de 996 delegados a seu favor, 80% dos 1237 necessários para garantir a nomeação na Convenção do Partido Republicano, prevista para ocorrer em julho. No caso do Partido Republicano, se nenhum candidato obtiver os votos suficientes até o meio do ano, ocorrerá uma “convenção aberta e

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DEBATES GACINTO informativo sobre os debates no âmbito do Gacint Grupo de Análise da Conjuntura Internacional

No 45 / 2016

Eleições nos EUA e possíveis impactos na América Latina

Instituto de Relações Internacionais

Carlos Eduardo Lins da Silva, Paulo Sotero e Ricardo Sennes

Na manhã de 20 de abril de 2016, dia seguinte às prévias de Nova York

(NY) da eleição presidencial dos Estados Unidos (EUA), o Gru-po de Análise da Conjuntura Internacional (GACInt-USP) se reuniu para debater o pro-cesso eleitoral norte-americano e os impactos sobre a América Latina. Para apresentar o tema, foi convidado Paulo Sotero, jor-nalista, professor e atual diretor do Brazil Institute do Woodrow Wilson Center. Os comentários ficaram a car-go do também jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, e a reunião foi conduzida pelo cientis-ta político Ricardo Sennes, que, logo de início, destacou a importância desse debate devido a sua acentuada dimensão internacional.

CORRIDA MALUCA

As primárias nova iorquinas da véspera foram analisadas na abertura da fala de Sotero: para ele, marcam o começo da estabilização de uma disputa presidencial que, até então, não havia sido usual, graças à evidência de Donald Trump e Bernie Sanders, dois candidatos “fora do pa-drão”. Comentou que o processo atual está mar-cado por uma forte pressão anti-establishment, resultado das frustrações do eleitorado ameri-cano que, ao longo das últimas décadas, vem perdendo empregos enquanto assiste ao apro-fundamento da desigualdade e à concentração de renda.

Nesse contexto, Sanders – apesar de ser do es-tablishment, graças a sua longa trajetória parla-mentar – se declara socialista e atrai o voto dos jovens. Por sua vez, Trump adota postura po-pulista, narcisista e altamente polêmica, e tem arrebanhado eleitores mais velhos, liderando a corrida republicana. Importante notar, contudo, que Sotero ressaltou sinais de transformação e de moderação no discurso de Trump na noite das primárias de Nova York, quando suas chan-ces de vitória se tornaram ainda mais concretas. Com os votos da Big Apple, somados aos das primárias do dia 26 de abril, Trump atingiu o número de 996 delegados a seu favor, 80% dos 1237 necessários para garantir a nomeação na Convenção do Partido Republicano, prevista para ocorrer em julho.

No caso do Partido Republicano, se nenhum candidato obtiver os votos suficientes até o meio do ano, ocorrerá uma “convenção aberta e

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Paulo Sotero

quebrada”, na qual 70% dos delegados republi-canos estarão livres para votar em qualquer pes-soa, independentemente de  ter  se apresentado como pré-candidato nos meses anteriores. No entanto, essa hipótese de “convenção quebrada” tornou-se improvável após os novos resultados das primárias realizadas uma semana depois das de NY, todas confortavelmente vencidas por Trump.

Ted Cruz, que parecia  ser o único candida-to republicano com chances reais de derrotar Trump,  tem 565 votos e é rejeitado pelos se-nadores e boa parte da elite do Partido Repu-blicano. Apesar de ser reconhecido como extre-mamente inteligente e competente, as posições radicais adotadas por ele causaram o afastamen-to de um número elevado de membros de seu partido.

Já no Partido Democrata, a escolha recairá en-tre Hillary Clinton, que lidera a disputa com 2165 delegados, e Bernie Sanders, que atual-mente conta com 1357. São necessários os vo-tos de 2383 delegados para confirmar a nomea-ção. Numericamente, a candidatura de Clinton tem fortíssimas chances de vitória após as pri-márias de 26 de abril. A favor da ex-secretária de Estado, contam   também os votos  dos “su-perdelegados”, próceres da elite partidária que, segundo Sotero,  reduzem  o peso dos votos dos delegados eleitos na eleições primárias e dão al-gum controle ao comando do partido sobre o processo de escolha do candidato. No momento da reunião, Clinton superava Sanders com am-

pla vantagem nesse sentido, com cerca de 500 superdelegados a seu favor contra apenas 33 de seu oponente.

CLINTON vs. TRUMP: A POSSÍVEL BA-TALHA HAWK

Tomando como base as observações anteriores, Paulo Sotero teceu algumas considerações sobre o que imagina serem características possíveis das presidências de Hillary Clinton e Donald Trump, os candidatos que até o momento pare-cem ser os mais prováveis a alcançar a nomea-ção em cada partido.

No caso de Hillary, ressaltou ter ela sucesso en-tre o eleitorado feminino, ao passo que Sanders é mais popular entre os eleitores jovens. Uma vez terminada a convenção, porém, Clinton  terá o desafio de atrair os eleitores da esquerda do Par-tido Democrata, que se empenharam na cam-panha de Sanders. Essa tentativa de unificação partidária, semelhante à aproximação feita por Obama, que, vitorioso, a nomeou Secretária de Estado, será essencial  para fortalecer  o Partido Democrata nas eleições de 8 de novembro.

Com relação aos temas mais amplos da atu-al agenda política dos EUA, Sotero realçou a mudança de posição de Hillary com relação aos acordos de livre-comércio, especialmente a Par-ceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês). Por muito tempo, ela defendeu a liberalização comercial; posicionou-se, contudo, contra a as-sinatura da TPP durante a campanha, mesmo sendo o Acordo elemento central do mais am-plo “pivô para a Ásia”, mudança de orientação geopolítica dos EUA promovida por Obama e pela própria Clinton, enquanto Secretária de Estado.

Essa mudança de posição representa um aceno à sociedade norte-americana, que tem-se mos-trado  reticente  quanto à  tese segundo a qual o livre-comércio traz mais ganhos do que perdas à economia e aos trabalhadores. Embora seja impossível saber se essa mudança será revertida

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Carlos Eduardo Lins da Silvaaos programas sociais do país quando visitou o Brasil, ainda enquanto primeira-dama, reco-nhecendo positivamente a “capacidade do Brasil em inovar em política social”. Ademais, o Depar-tamento de Estado conta atualmente com uma série de funcionários em altos cargos que tam-bém conhecem profundamente o país – como o ex-embaixador no Brasil e atual Subsecretá-rio de Estado para Assuntos Políticos, Thomas Shannon, e o atual Cônsul-Geral dos EUA em São Paulo, Ricardo Zuñiga – o que facilitaria a relação bilateral. Em suma, portanto, a vitó-ria de Hillary Clinton, nesse contexto, criaria a possibilidade de enfatizar que Brasil e EUA são as duas maiores democracias do continente e de aprofundar a agenda entre os dois países.

Comentários

O jornalista Carlos Eduardo Lins e Silva tam-bém ressaltou a excepcionalidade da atual cam-panha eleitoral devido aos dois “candidatos fora da curva”. Segundo ele, porém, de acordo com a história dos EUA, candidaturas desse tipo tendem a sofrer expressivas derrotas eleitorais. Como exemplos, nesse sentido, apontou a der-rota de Barry Goldwater, em 1964 – à direita do Partido Republicano, foi derrotado pelo de-mocrata Lyndon Johnson em 48 estados – e de George McGovern, em 1972 – à esquerda do Partido Democrata, perdeu em 49 estados para o republicano Richard Nixon.

Com base nesse retrospecto, caso se confirme a candidatura de Clinton e Trump, o republica-no provavelmente seria derrotado; caso, porém,

após uma vitória eleitoral, Sotero apontou que analistas americanos têm trabalhado com a hi-pótese de o Presidente Obama  obter apoio do Republicanos pela autorização à ratificação do TPP durante o período conhecido como “lame duck”, ou seja, entre a vitória eleitoral em  no-vembro de 2016 e a posse em janeiro de 2017. Nesse caso, Hillary, uma vez eleita, contaria com  a aprovação de uma medida transcenden-tal de liberalização do comércio global, à qual outrora ela manifestara simpatia, sem alienar o apoio do eleitorado contrário à medida.

No Partido Republicano, a provável candidatura de Donald Trump tem trazido preocupações. O empresário, que apenas recentemente se filiou ao partido e relutou em descartar a possibilida-de de uma candidatura independente caso não conseguisse a nomeação, se identifica com te-mas altamente controversos. Com essa postura, apesar de conquistar alguns nichos específicos, Trump apresenta dificuldades para atrair o elei-torado historicamente republicano. Ao defen-der o protecionismo “como bandeira política”, por exemplo, se aproxima à plataforma de Ber-nie Sanders, ao mesmo tempo em que se afasta da tradição pró-livre-comércio que caracteriza o Partido Republicano.

Trump seria, portanto, um “candidato vazio”, que se apoiaria mais em se apresentar como uma marca do que em defender uma plataforma política consistente. Tal postura gerou críticas mesmo de célebres figuras republicanas, como o colunista do New York Times David Brooks, que lamentou a “escolha do Partido Republicano pela imbecilidade”, e afirmou que sentirá sauda-des de Obama, cuja administração foi marcada pela falta de escândalos.

Por fim, Sotero afirmou acreditar na vitória eleitoral de Hillary Clinton, e sugeriu que tal cenário seria favorável ao Brasil. Segundo ele, Hillary conhece bem o país há muito tempo, graças, em grande parte, a seus contatos com Fernando Henrique Cardoso e Ruth Cardoso. Sotero lembrou que Clinton foi apresentada

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Membros do Gacint ADHEMAR DA COSTA MACHADO FILHOADRIANA SCHOR ADRIANO HENRIQUE REBELO BIAVA AFFONSO CELSO DE OURO PRETO AFFONSO DE ALENCASTRO MASSOTALBERTO PFEIFER ALEXANDRE BARBOSAALEXANDRE RATSUO UEHARA ANGELO DE OLIVEIRA SEGRILLO ANTONIO CARLOS PEREIRA ANTONIO CORRÊA DE LACERDA ANTONIO RUY DE ALMEIDA SILVABORIS FAUSTO CARLOS EDUARDO E CARVALHOCARLOS EDUARDO LINS DA SILVACELSO GRISICELSO NUNES AMORIMCHRISTIAN LOHBAUER CLAUDIO GONÇALVES COUTO CORONEL UBIRAJARA NEVESDANIELA CARLA DECARO SCHETTINIDÉCIO ODDONE DEISY VENTURA DEMÉTRIO MAGNOLI FELICIANO GUIMARÃESFELIPE LOUREIROGELSON FONSECA JUNIOR

GERALDO DE FIGUEIREDO FORBES GERALDO ZAHRANGILMAR MASIERO GONZALO BERRONGUNTHER RUDZITHELGA HOFFMANN HENRI PHILIPPE REICHSTUL JAIME SPITZCOVSKYJANINA ONUKI JOÃO GRANDINO RODAS JOÃO PAULO CANDIA VEIGA JOSÉ LUIZ PIMENTA JÚNIORJOSÉ LUIZ CONRADO VIEIRAKAI ENNO LEHMANNKJELD AAGAARD JAKSOBSEN LEANDRO PIQUET CARNEIRO LENINA POMERANZ LOURDES SOLALUCIA NADERLUCIANA NICOLALUIZ AFONSO SIMOENS DA SILVA LUKAS LINGENTHALMARCO AURÉLIO GARCIAMARIA ANTONIETA DEL TEDESCO LINS MARIA HELENA TACHINARDI MARIANA LUZOLIVER STUENKEL

OTAVIANO CANUTO PATRÍCIA CAMPOS MELLOPAULO ROBERTO FELDMANPAULO SOTERO PEDRO MENDONÇAPETER ROBERT DEMANT PETERSON FERREIRA E SILVAPHILIPPE LAVANCHYRAFAEL DUARTE VILLA RAFAEL SOUZA FONSECARICARDO UBIRACI SENNES ROBERTO ABDENUR ROBERTO RODRIGUES RODRIGO TAVARESRONALDO SARDEMBERGROSSANA ROCHA REIS RUBENS ANTÔNIO BARBOSARUY MARTINS ALTENFELDER SILVASAMUEL FELDBERGSÉRGIO ERNESTO ALVES CONFORTOSÉRGIO FAUSTO SÉRGIO SILVA DO AMARALTULLO VIGEVANI VAHAN AGOPYAN VERA THORSTENSEN YI SHIN TANG

Gacint Coordenador Geral Ricardo SennesCoordenador AdjuntoAlberto Pfeifer

DiretorPedro Dallari

Edição Boletim Debates Gacint Coordenador ExecutivoAndré Luiz Siciliano

IRI Contato: [email protected]ção Victor Tibau

ColaboradoresAndré Michelin Bruno CamponêsMariana ChaimovichVictor Tibau

Coordenadora de ProduçãoPatrícia Tambourgi Fotografia

Gabriel Alves B. de Lima

CELSO LAFERJACQUES MARCOVITCHJOSÉ GOLDEMBERG

CAMILA ASSANO GIORGIO ROMANO SCHUTTEROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

AMANCIO JORGE S. NUNES DE OLIVEIRAMARIA HERMÍNIA TAVARES DE ALMEIDAPEDRO DALLARIWALTER COLI

Conselho de Orientação do Gacint

cano seria sempre mais adequado para o Brasil, o que para ele é um mito. Hillary Clinton, por exemplo, conhece e gosta do país, e, portanto, sua presidência seria positiva para a relação bi-lateral.

Qualquer que seja o vencedor, porém, Lins e Silva alertou para o fato de que o Brasil não es-tará no centro da agenda dos EUA, que pos-suem outras prioridades.

Sanders seja o candidato democrata, a eleição deverá ser completamente imprevisível. De qualquer forma, Lins e Silva também ressaltou a importância dos superdelegados nas primárias democratas, o que dá maiores garantias à pos-sível nomeação de Hillary Clinton. Contraria-mente, no Partido Republicano, a candidatura de Trump, apesar de quase garantida, ainda so-fre alta rejeição da elite partidária e se agrava pelo fato de o empresário não ser um membro histórico do Partido.

Lins e Silva destacou que, caso Hillary Clinton seja eleita, será a primeira vez, desde a presidên-cia de Franklin Delano Roosevelt, que o Partido Democrata venceria três pleitos seguidos. Uma estratégia que, segundo ele, tem sido bem-suce-dida nesse processo é a aproximação de Clinton à administração Obama. Enquanto isso, Bernie Sanders estaria perdendo votos por não elogiar tanto o atual presidente dos EUA.

Ao final de sua fala, o jornalista buscou des-construir a visão de que um presidente republi-