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    CARLOS AUGUSTO DE MEDEIROSHILBERNON FERNANDES COELHO

    (COLABORADORA)

    CURSO DE METODOLOGIACIENTÍFICA:

    contexto, fundamentos, organização dotrabalho acadêmico e iniciação à pesquisa

    científica(v. 2)

    Guará, Distrito Federal2006

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    CARLOS AUGUSTO DE MEDEIROSHILBERNON FERNANDES COELHO

    (COLABORADORA)

    CURSO DE METODOLOGIACIENTÍFICA: 

    contexto, fundamentos, organização dotrabalho acadêmico e iniciação à pesquisa

    científica

    (v. 2)Curso de Metodologia Científicadesenvolvido com o objetivo deimplementar o seu desenvolvimentovirtual para os cursos de graduação,licenciatura e tecnologia do InstitutoCientífico de Ensino e Pesquisa – UnICESP.

    Guará, Distrito Federal2006

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    DEDICO este breve estudo àprofessora MSc. Ana AngélicaGonçalves Paiva, Pró-ReitoraAcadêmica do UnICESP, emreconhecimento por sua inabalávelconfiança em meu trabalhodepositada, a quem desejo um

    FORTE ABRAÇO!

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    Agradecimentos

    à Andréia, ao Lucas e à AnaCarolina,

    AGRADEÇO também, a todos oscolegas que acreditaram em mim.

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    [...] a vocação técnica e instrumental doconhecimento científico tornou possível asobrevivência do homem a um nível nuncaantes atingido (apesar de a promessasocial ter ficado muito aquém da promessatécnica), mas, porque concretizada sem acontribuição de outros saberes,aprendemos a sobreviver no mesmoprocesso e medida em que deixamos desaber viver. Um conhecimento anônimo

    reduziu a práxis à técnica.

    (Boaventura de Sousa Santos, 1989)

    Hoje, no teatro desmedidamente extensodas representações de nosso mundo

    oferecidas a todos pelos textos e pelasimagens, a ciência certamente aparececomo uma personagem essencial.Misteriosa, porque o pormenor de suafigura não está ao alcance dos próprioscientistas; tutelar, porque dela dependemas maravilhosas máquinas que povoam oslugares em que vivemos; inquietante,porque estamos conscientes dos poderesantinaturais e aparentemente ilimitadosque um tal saber foi e será capaz dedesencadear.

    (Gilles-Gaston Granger, 1994).

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    Resumo

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    Résumé

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    Lista de Figuras

    FIGURA 1 – As dimensões da ciência............................................................... 266

    FIGURA 2 – Problematização: Estrutura............................................................ 254

    FIGURA 3 – Objetivos da Pesquisa................................................................... 255

    FIGURA 4 – Objetivos da Pesquisa................................................................... 256

    FIGURA 5 – Cronograma: Exemplo................................................................... 280

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    Lista de Esquemas

    ESQUEMA 1 – Especificando a área de interesse: exemplos........................... 278

    ESQUEMA 2 – Perguntas de partida: processo................................................. 280

    ESQUEMA 3 – Perguntas de Partida: Critérios de Qualidade........................... 251

    ESQUEMA 4 – Fontes de Informações.............................................................. 268

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    Lista de Quadros

    QUADRO 1 – Interesse de Pesquisa................................................................. 274

    QUADRO 2 – Interesse de Pesquisa: Preenchimento....................................... 276

    QUADRO 3 – Especificando a área de interesse............................................... 277

    QUADRO 4 – Interesse de Pesquisa: especificação e perguntas de partida..... 279

    QUADRO 5 – Atividade: Formulação de Perguntas de Partida......................... 246

    QUADRO 6 – Perguntas de Partida: Tratamento............................................... 251

    QUADRO 7 – Atividade: Perguntas de Partida: Tratamento.............................. 246

    QUADRO 8 – Problema de Pesquisa................................................................. 249

    QUADRO 9 – Atividade: Problema de Pesquisa................................................ 250

    QUADRO 10 – Desenvolvimento Positivista...................................................... 261

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    Lista de Tabelas

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    Lista de abreviaturas e siglas

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    Lista de símbolos

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    Sumário

    1 Apresentação ..................................................... Erro! Indicador não definido. 

    1.1 Atividade: Memorial. .................................................... Erro! Indicador não definido. 

    1.1.1 Definição de Memorial .........................................Erro! Indicador não definido. 

    1.1.2 A Atividade ..........................................................Erro! Indicador não definido. 

    2 Unidade I: Boas-Vindas! ................................... Erro! Indicador não definido. 

    2.1 Considerações Iniciais ...................................................Erro! Indicador não definido. 

    2.2 Lição 1: Impactos da mundialização/globalização na vida das pessoas .Erro! Indicadornão definido. 

    2.2.1 Efeitos da mundialização sobre a educação........... Erro! Indicador não definido. 

    2.2.2 Efeitos da mundialização sobre o emprego: o resgate da qualificação ...........Erro!Indicador não definido. 2.2.3 Atividade: crítica. .................................................Erro! Indicador não definido. 

    2.3 Lição 2: A organização do tempo de estudos ................. Erro! Indicador não definido. 

    2.3.1 Atividade: o meu tempo. ...................................... Erro! Indicador não definido. 

    2.3.2 Encontrando tempo .............................................. Erro! Indicador não definido. 

    2.3.3 A disciplina do estudo .......................................... Erro! Indicador não definido. 

    2.4 Lição 3: Os instrumentos de trabalho.............................Erro! Indicador não definido. 

    2.4.1 Atividade: Livros a adquirir. .................................Erro! Indicador não definido. 

    2.5 Leituras recomendadas .................................................. Erro! Indicador não definido. 

    2.6 Endereços eletrônicos interessantes ............................... Erro! Indicador não definido. 

    3 Unidade II: Epistemologia do Conhecimento: Reflexões acerca da razão edo conhecimento científico............ Erro! Indicador não definido. 

    3.1 Considerações iniciais ................................................... Erro! Indicador não definido. 3.2 Lição 4: A lógica clássica: primeiras aproximações ....... Erro! Indicador não definido. 

    3.2.1 A Razão ...............................................................Erro! Indicador não definido. 

    3.3 Atividades .....................................................................Erro! Indicador não definido. 

    3.3.1 Atividade: Teste rápido. .................................................................................. 268

    3.3.2 Atividade: Fórum. ........................................................................................... 268

    3.4 Lição 5: A lógica clássica e a ciência .............................Erro! Indicador não definido. 

    3.4.1 Introdução ............................................................Erro! Indicador não definido. 

    3.4.2 Nosso ponto de partida (“démarche”

    ) .................. Erro! Indicador não definido. 3.4.3 O Paradigma Emergente .......................................Erro! Indicador não definido. 

    3.5 Atividades .....................................................................Erro! Indicador não definido. 

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    3.5.1 Atividade: Teste rápido. ....................................... Erro! Indicador não definido. 

    3.5.2 Atividade: Participação em chat. .......................... Erro! Indicador não definido. 

    4 Unidade III: A organização do trabalho acadêmico....... Erro! Indicador não

    definido. 4.1 Considerações Iniciais ...................................................Erro! Indicador não definido. 

    4.2 Lição 6: A importância das técnicas de estudo: uma breve aproximação  ................Erro!Indicador não definido. 

    4.2.1 Aprendendo a aprender .........................................Erro! Indicador não definido. 

    4.2.2 Organização e planejamento .................................Erro! Indicador não definido. 

    4.2.3 Atenção e concentração: como alcançá-las? .......... Erro! Indicador não definido. 

    4.2.4 O que é uma leitura compreensiva? ...................... Erro! Indicador não definido. 

    4.2.5 Atividade: Aprendendo a aprender. ...................... Erro! Indicador não definido. 

    4.3 Lição 7: A prática da leitura .......................................... Erro! Indicador não definido. 

    4.3.1 Tipos de leitura..................................................... Erro! Indicador não definido. 

    4.3.2 Técnicas para a compreensão do texto .................. Erro! Indicador não definido. 

    4.3.3 Atividade: Resumo usando sublinha ..................... Erro! Indicador não definido. 

    4.3.4 Atividade: Anotações ........................................... Erro! Indicador não definido. 

    4.4 Lição 8: Referências Bibliográficas e Citações .............. Erro! Indicador não definido. 

    4.4.1 Elaboração de referências bibliográficas: Regras Gerais de Apresentação .....Erro!Indicador não definido. 

    4.4.2 Referências bibliográficas de monografias (livros, separatas, dissertações) ...Erro!Indicador não definido. 4.4.3 Referências bibliográficas de artigos de periódicos (jornais e revistas) .........Erro!Indicador não definido. 

    4.4.4 Trabalhos apresentados em eventos ...................... Erro! Indicador não definido. 

    4.4.5 Legislação ............................................................Erro! Indicador não definido. 

    4.4.6 O uso de citações: regras gerais de apresentação ... Erro! Indicador não definido. 

    4.4.7 Citações diretas .................................................... Erro! Indicador não definido. 

    4.4.8 Citação da citação: uso das expressões latinas ...... Erro! Indicador não definido. 

    4.4.9 Leituras Recomendadas ........................................Erro! Indicador não definido. 4.4.10 Atividade............................................................ Erro! Indicador não definido. 

    4.5 Lição 9: O Resumo ........................................................Erro! Indicador não definido. 

    4.5.1 Como elaborar um resumo, segundo a ABNT 6028 (nov. 2003)? Erro! Indicadornão definido. 

    4.5.2 Leituras Recomendadas ........................................Erro! Indicador não definido. 

    4.5.3 Atividade: ............................................................ Erro! Indicador não definido. 

    4.6 Lição 10: A Resenha ..................................................... Erro! Indicador não definido. 

    4.6.1 Considerações iniciais .......................................... Erro! Indicador não definido. 

    4.6.2 Estrutura de uma resenha ......................................Erro! Indicador não definido. 4.6.3 Leituras Recomendadas ........................................Erro! Indicador não definido. 

    4.6.4 Atividade: ............................................................ Erro! Indicador não definido. 

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    4.7 Lição 11: O Seminário................................................... Erro! Indicador não definido. 

    4.7.1 O que é? ...............................................................Erro! Indicador não definido. 

    4.7.2 Estrutura e Funcionamento ................................... Erro! Indicador não definido. 

    4.7.3 Como acontece um seminário? ............................. Erro! Indicador não definido. 4.7.4 Sugestão de avaliação de seminário ...................... Erro! Indicador não definido. 

    4.8 Lição 12: Os trabalhos Científicos .................................Erro! Indicador não definido. 

    4.8.1 O que são?............................................................ Erro! Indicador não definido. 

    4.8.2 Tipos de Publicações Científicas .......................... Erro! Indicador não definido. 

    4.8.3 Regras Gerais de Apresentação de Trabalhos Acadêmicos ....Erro! Indicador nãodefinido. 

    4.8.4 Atividade: teste rápido ..........................................Erro! Indicador não definido. 

    5 Unidade IV: Iniciação à Pesquisa Científica ............................................ 246 

    5.1 Considerações Iniciais .................................................................................................. 246

    5.2 Lição 13: Breve estudo sobre o conhecimento .............................................................. 247

    5.2.1 Sobre o conhecimento e a ciência: um ponto de partida ................................... 247

    5.2.3 Conhecimento e ciência: breve aproximação contemporânea ........................... 261

    5.2.4 Atividades ....................................................................................................... 2675.2.4.1 Atividade: Teste rápido. .............................................................................. 268

    5.2.4.2 Atividade: Fórum. ....................................................................................... 268

    5.3 Lições 14 e 15: O Projeto de Pesquisa .......................................................................... 269

    5.3.1 Pressupostos assumidos ................................................................................... 270

    5.3.2 Etapas do Projeto de Pesquisa.......................................................................... 2725.3.2.1 Do interesse à pergunta de partida ............................................................... 273

    5.3.2.1.1 Atividade ............................................................................................. 2805.3.2.2 Os critérios de qualidade da pergunta de partida .......................................... 246

    5.3.2.2.1 Atividade ............................................................................................. 2525.3.2.3 Da pergunta de partida ao problema de pesquisa ......................................... 246

    5.3.2.3.1 Atividade ............................................................................................. 2505.3.2.4 Problematização (ou Explicação do Tema ou Justificativa) ......................... 250

    5.3.2.4.1 Atividade ............................................................................................. 2545.3.2.5 Descrição de Objetivos ............................................................................... 254

    5.3.2.5.1 Atividade ............................................................................................. 2575.3.2.6 Aspectos Metodológicos ............................................................................. 257

    5.3.2.6.1 Atividade ............................................................................................. 2765.3.2.7 Referencial Teórico ..................................................................................... 277

    5.3.2.7.1 Atividade ............................................................................................. 2795.3.2.8 Cronograma ................................................................................................ 280

    5.3.2.8.1 Atividade ............................................................................................. 282

    5.3.2.9 Tema e delimitação ..................................................................................... 2825.3.2.9.1 Atividade ............................................................................................. 284

    5.4 Lições 16: O Desenvolvimento da Pesquisa: coleta e análise dos dados e relatório ....... 285

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    5.4.1 Considerações Iniciais ..................................................................................... 285

    5.4.2 Coleta de Dados .............................................................................................. 285

    5.4.3 Análise dos Dados ........................................................................................... 285

    5.4.4 Relatório de Pesquisa ...................................................................................... 2855.4.6 À guisa de conclusão ....................................................................................... 285

    Referências.................................................................................................... 287 

    ANEXOS ....................................................................................................... 292 

    ANEXO A –  Exemplo de Problematização ........................................................................ 292

    ANEXO B –  Lista de verbos em Norman Grounlund (1975) .............................................. 297

    Verbos ilustrativos para formulação de objetivos instrucionais gerais ....................... 297

    Verbos ilustrativos para formulação de resultados específicos de aprendizagem ....... 297Comportamentos criativos ...................................................................................... 297Comportamentos complexos lógicos e de julgamentos ............................................ 297Comportamentos discriminativos gerais ................................................................. 297Comportamentos sociais ......................................................................................... 298Comportamentos de linguagem .............................................................................. 298Comportamentos de estudo ..................................................................................... 298Comportamentos físicos ......................................................................................... 298Comportamentos artísticos ..................................................................................... 299Comportamentos dramáticos .................................................................................. 299Comportamentos matemáticos ................................................................................ 299

    Comportamentos relacionados à aparência geral, higiene e segurança ..................... 299Variedades ............................................................................................................. 300

    ANEXO C –  Revisão Teórica: exemplo ............................................................................. 301

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    5 Unidade IV: Iniciação à Pesquisa Científica

    O real demonstra-se,

    não se mostra.(Gaston Bachelard)

    Existem alguns  métodos científicos,mas um espírito e um só tipo de visão propriamente científica.

    (Gilles-Gaston Granger)

    5.1 Considerações Iniciais

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    5.2 Lição 13: Breve estudo sobre o conhecimento

    5.2.1 Sobre o conhecimento e a ciência: um ponto de partida

    Ver citações

    Colocando-se um basta às explicações religiosas sobre o homem, a

    vida e o mundo, o Renascimento Científico1, do século XV, constitui-se

    em um movimento e momento de transição fundamental para a Idade

    Moderna. Marcado pelas letras e pelas artes (JAPIASSU, 1991;

    WOORTMANN, 1997) foi um período de pouco espírito crítico e repleto de

    superstições, magias, bruxarias, demônios:

    a época do Renascimento foi uma das épocas menos dotadas deespírito crítico que o mundo conheceu. Trata-se da época da maisgrosseira e mais profunda superstição, da época em que a crençana magia e na feitiçaria se expandiu de modo prodigioso,infinitamente mais do que na Idade Média. Sabemos que, nessa

    época, a astrologia desempenha um papel muito mais importantedo que a astronomia – parente pobre, como disse Kepler – e queos astrólogos desfrutam de posições oficiais nas cidades e juntoaos potentados. E se examinarmos a produção literária dessaépoca, é evidente que não são os belos volumes das tradições dosclássicos produzidos nas tipografias venezianas que fazem osgrandes sucessos de livraria: são as demonologias e os livros demagia. (KOYRÉ apud JAPIASSU, 1991, p. 20-21).

    Há, contudo, a partir do Renascimento, a reformulação da história e

    com ela do homem: o teocentrismo  (Deus no centro do universo) é

    superado pelo antropocentrismo (o homem no centro do universo). E, coma reavaliação do passado, há uma reavaliação da verdade: “existe uma

    pluralidade de verdades –  e, por conseguinte, de escolhas”

    (WOORTMANN, 1997, p. 25). Nesse período, de considerável tolerância

    com as produções intelectuais da época, o “sagrado” sofre um processo de

    1 O período do chamado Renascimento, que se inicia em algum momento do século XV até se dissolver na

    modernidade, no século XVII  –  situado, portanto, entre a Idade Média e a Idade Moderna  – , marca o início deuma profunda transformação na cosmologia ocidental. Nesse período, surgiram, no interior do campo teológico,novas formulações, que fundarão a modernidade, e com ela novas ciência e concepção do homem.(WOORTMANN, 1997).

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    desmistificação: “a verdade cristã não pode estar separada da verdade

    humana” (JAPIASSU, 1991, p. 39). 

    Além disso, o Renascimento não é apenas Científico: carrega

    consigo os ideais de uma nova ordem que começa a se impor a partir de

    uma nova classe comerciante emergente – a burguesia. Os antigos servos

    que, com seu trabalho, desobrigam-se da obediência aos senhores

    feudais, impõem o valor do trabalho, da moeda, dos metais preciosos, da

    produção manufatureira em crescimento, da procura de outras terras e

    mercados. A partir daqui,

    o renascimento científico deve ser compreendido, portanto, como aexpressão da nova ordem burguesa. Os inventos e descobertassão inseparáveis da nova ciência, já que, para o desenvolvimentoda indústria, a burguesia necessitava de uma ciência queinvestigasse as forças da natureza para, dominando-as, usá-lasem seu benefício. A ciência deixa de ser serva da teologia, nãomais um saber contemplativo, formal e finalista, para que,indissoluvelmente ligada à técnica, possa servir à nova classe.(ARANHA; MARTINS, 1986, p. 141).

    Fazer ciência, portanto, deveria atender às necessidades de

    dominação e subjugação da natureza às vontades humanas. Aqui seseparam, pela primeira vez, o sujeito  (que quer conhecer) e o objeto 

    (que é conhecido). Em outras palavras, com o antropocentrismo nascente,

    o homem irá se colocar a si próprio no centro dos interesses e das

    decisões, o que mais tarde, na Idade Moderna, deslocará a ênfase na

    irrefutável existência do objeto para a capacidade do homem de conhecer.

    Nesse sentido,

    [...] o homem moderno descobre sua subjetividade. Enquanto opensamento antigo e medieval parte da realidade inquestionada doobjeto e da capacidade do homem de conhecer, surge na IdadeModerna a preocupação com a “consciência da consciência”. Oproblema central é o problema do sujeito que conhece, não maisdo objeto. Antes se perguntava: “Existe alguma coisa?”, “Isto queexiste, o que é?”. Agora o problema não é saber se as coisassão, mas se nós podemos eventualmente conhecer algumacoisa. (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 142, grifo nosso).

    Ora, entre o sujeito que conhece e o objeto conhecido estabelece-se

    uma relação. A esta relação é que se dá o nome de conhecimento. 

    Quem se preocupa com essa relação é a ciência, que significa,

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    etimologicamente, conhecimento. Pesquisar é, pois, produzir um tipo de

    conhecimento denominado científico.

    O marco inicial dessa produção de conhecimento científico é, sem

    dúvida, Copérnico2. No contexto das navegações portuguesas e do

    descobrimento da América que provocaram profundo impacto na

    cosmovisão européia, Copérnico se situa entre o Renascimento (pré)

    Científico e Galileu que irá fundar as bases do método científico, sem o

    qual não há conhecimento científico. Assim,

    [...] as idéias copernicanas, mais do que uma revolução, podemser melhor consideradas como um passo na direção da revoluçãoque tomaria lugar mais tarde, a partir de Galileu, e dele atéNewton. (WOORTMANN, 1997, p. 27).

    Antes mesmo de existirem evidências empíricas, segundo

    Woortmann (1997), Copérnico apresentou um elegante modelo

    matemático, simples e harmonioso, no qual os fenômenos celestes eram

    representados por meio de círculos concêntricos em torno do Sol – 

    heliocentrismo. Inicia, assim, a desorganização do mundo centrado no

    homem e criado para ele. Contudo,

    Copérnico não foi um copernicano. Se o centro do mundo mudara,por razões puramente matemáticas, ele continuava sendo umponto fixo. Seu argumento continha, ademais, componentesteológico-estéticos: o Sol deveria estar no centro porque tinha umgrau superior de perfeição, já que era a fonte da luz. O mundotinha que ser esférico porque a forma esférica era a mais perfeita.A perfeição do mundo expressava-se também pela imobilidade dasestrelas fixas, em contraste com o movimento do mundo inferior,corruptível. (WOORTMANN, 1997, p. 46).

    De toda forma, as transformações produzidas pelo sistema

    heliocêntrico, segundo Aranha e Martins (1986), são fundamentais e

    caracterizam-se por: (1) secularização da consciência, isto é,

    abandono da dimensão religiosa; (2) descentralização do cosmos, ou

    seja, com a descoberta de outros mundos, nem o Sol é o centro, o que

    passa a ser questionado não é apenas o lugar do mundo, mas o lugar do

    2  Nicolau Copérnico (1473-1543), doutor em direito canônico, clérigo num bispado medieval altamenteenvolvido em questões políticas, foi durante muito tempo secretário e médico, administrador dos bens doCapítulo a que pertencia. Além de praticar a medicina, escreveu um tratado sobre a moeda. Lentamente, em meioa suas outras atividades, foi desenvolvendo cálculos e sua teoria astronômica. (WOORTMANN, 1997).

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    homem no mundo; (3) geometrização do espaço, isto é, o espaço

    passa a ser quantitativo, mensurável. O espaço se acha dessacralizado;

    (4) mecanicismo, onde a natureza e o próprio homem serão comparados

    a uma máquina, um conjunto de mecanismos cujas leis precisam ser

    descobertas.

    A adoção da teoria heliocêntrica copernicana por Galileu3  custou-

    lhe a abjuração (negação pública), em 1633 (aos sessenta e nove anos de

    idade), de aparentemente tudo para não sacrificar a vida. Um forte fator

    de sua “condenação” consistiu no fato de que enquanto Copérnico foi lido

    por uns poucos (escritos em latim, só acessível a um pequeno grupo

    letrado), Galileu foi lido por muita gente (escritos em italiano, língua

    conhecida pelo grande público). Além disso, Galileu veio trazer provas

    físicas às teses metafísicas de Copérnico o que leva seus ensinamentos a

    entrarem em contradição com a ordem estabelecida (JAPIASSU, 1991).

    O argumento de Galileu consistia no seguinte:

    [...] a terra se movia efetivamente e o Sol apresentava manchas,

    nenhum corpo era divino e também ele não escapava à lei damutação. O telescópio destrói, assim, a dicotomia aristotélica docosmos em matéria celeste (superior, eterna e divina) e matériaterrestre (inferior e corruptível). (JAPIASSU, 1991, p. 60).

    O que Galileu promove é a ruptura entre a razão da Igreja e a razão

    da ciência. A explicação científica se dessacraliza. Ao assinalar que o Sol é

    o centro do mundo e imóvel, e a Terra não é o centro do mundo e se

    move, impõe uma nova ordem onde, segundo Khun (apud JAPIASSU,

    1991, p. 62-63): (1) se a terra, deixando de ser o centro de toda verdade,torna-se um planeta entre outros, torna-se difícil nela situar a história da

    Queda e da Redenção; não constitui mais o lugar privilegiado da

    Encarnação; (2) se os outros planetas possuem o mesmo estatuto que a

    Terra, certamente a Providência Divina não os deixaria desabitados; mas

    3 Galileu Galilei (1564-1642), italiano que lecionou nas Universidades de Pisa e de Pádua, foi responsável pelasuperação do aristotelismo e precursor da moderna concepção de ciência. Sua vida foi marcada pela perseguição

     política e religiosa, por defender a substituição do modelo ptolomaico (geocentrismo) pelo copernicano(heliocentrismo). Escreveu O Ensaiador ,  Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo e Discurso sobreduas novas ciências. Condenado pela Inquisição, foi obrigado a abjurar publicamente suas idéias, sendo assimmesmo confinado em prisão domiciliar, a partir de 1633. (ARANHA; MARTINS, 1986).

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    seus habitantes não descenderiam de Adão e Eva, e não teriam o pecado

    original; (3) como se poderia falar da vida eterna, se o Cristo se encarnou

    num lugar geográfico preciso?; (4) num mundo onde havia uma

    relatividade generalizada dos valores espirituais, num mundo infinito, não

    podemos mais discernir o lugar de Deus nem tampouco do homem.

    A principal audácia de Galileu, contudo, segundo Woortmann (1997,

    p. 84), não foi a retomada do heliocentrismo4, mas da teoria corpuscular

    dos fenômenos, isto é, do atomismo, pois,

    a teologia afirmava que na Eucaristia, ainda que a substância dopão e do vinho desapareçam, suas qualidades sensíveis, como acor, o sabor, o calor e o frio, permanecem, miraculosamente, pelagraça da palavra todo-poderosa. Galileu, pelo contrário, afirmavaque o calor, a cor, o sabor são, externamente a quem os sente,puros nomes. Portanto, desaparecendo a substância do pão e dovinho. (WOORTMANN, 1997, p. 84).

    Para Woortmann (1997), é assim que no pensamento ocidental

    passam a existir duas ordens distintas: a verdade literal da realidade

    visível  e a verdade simbólica da mente, que se separam acompanhando a

    separação entre fato e valor, conhecimento e fé. Assim, Galileu demarca aIdade Moderna, onde se separam definitivamente os três modos de

    conhecimento: “revelação, de um lado; razão e observação, de outro,

    dando origem ao positivismo moderno” (WOORTMANN, 1997, p. 92, 

    grifo nosso).

    Galileu é o fundador da ciência quantitativa moderna: “todas as

    suas observações levam-no a destruir definitivamente o esquema

    astrobiológico ainda reinante” (JAPIASSU, 1991, p. 94). A explicação domundo, livre dos atributos sobrenaturais, irá se converter no objeto de

    uma ciência rigorosa, inequívoca, cuja linguagem capaz de atender às

    exigências das novas estruturas mentais é a matemática. Está-se diante

    de um novo modelo epistemológico correspondendo à interpretação

    4 “[...] a verdadeira acusação contra Galileu, motivo real de sua condenação, urdida pelo poderoso e influenteColégio Romano dos Jesuítas, não dizia respeito às suas idéias astronômicas, mas às suas teses sobre a matéria,matéria esta composta de „átomos substanciais‟” (REDONDI apud JAPIASSU, 1991, p. 69). 

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    mecanicista5 da realidade: “o aparecimento do mecanicismo consagra o

    nascimento da nova ciência e fornece os meios de todo conhecimento com

    pretensões à positividade” (JAPIASSU, 1991, p. 95). 

    Mas é Descartes6, contemporâneo de Galileu, quem “leva a fama

    de fundador da filosofia mecanicista: um erro de interpretação histórica

    torna-se uma verdadeira história” (JAPIASSU, 1991, p. 95). Para

    Descartes, quem pensa é o sujeito, o espírito humano, a razão. Daí a

    máxima: cogito, ergo sum! Penso, logo existo! Que significa: “tenho

    absoluta certeza de que existo, pelo menos enquanto uma coisa pensante”

    (SEVERINO, 1994, p. 100). Sua originalidade não se encontra na definição

    do ideal mecanicista do saber, nem tampouco na aplicação desse esquema

    epistemológico ao mundo material ou ao organismo vivo. Reside, pois

    [...] na síntese que realiza entre uma física abrindo caminho parauma exigência materialista e determinista, e uma metafísica salvaguardando inteiramente os direitos de uma ontologiaespiritualista [...] Descartes fala ao mesmo tempo duaslinguagens, dando satisfação tanto aos defensores da fé tradicionalquanto aos partidários da nova ciência. (JAPIASSU, 1991, p. 98;grifo no original).

    Inaugurando um novo modo de filosofar, Descartes admitia que a

    razão era um patrimônio de todo ser humano, contudo nem sempre bem

    utilizado. Por isso, a necessidade de um novo método de pensar o mundo,

    fundamentado na razão, único caminho capaz de levar os homens a um

    conhecimento verdadeiro e seguro (LUCKESI; PASSOS, 2002, p. 188). O

    eixo central do método cartesiano  de pensar foi a dúvida: “ele a tomou

    como método, pois acreditava ser preciso duvidar de todas as certezasexistentes até encontrar uma que fosse indubitável” (LUCKESI; PASSOS,

    2002, p. 189).

    5 A ciência moderna compara a natureza e o próprio homem a uma máquina, um conjunto de mecanismos cujasleis precisam ser descobertas. As explicações passam a ser baseadas em um esquema mecânico cujo modelo preferido é o relógio. (ARANHA; MARTINS, 1986).6  René Descartes (1596-1650), pensador francês do século XVII, fez seus estudos no Colégio Jesuíta de LaFleche. Cursou Direito em Poitiers, mas, espírito curioso e aguçado, pôs-se à procura de novos conhecimentos,viajando muito e acompanhando, com interesse, as experiências que os cientistas estavam começando a fazer

    fora dos ambientes universitários. Estuda a física copernicana, matemática e filosofia por conta própria.Escreveu:  Discurso do Método  (1637);  Meditações Metafísicas  (1641); Os princípios da filosofia  (1644);  As paixões da alma (1649); O tratado do homem (1662); O tratado do mundo (1644) e Regras para a direção doespírito (1701). (SEVERINO, 1994).

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    O método cartesiano se orientava por quatro regras: (1) a

    evidência; (2) a análise; (3) a síntese; e, (4) o desmembramento:

    a primeira indica que não se deve aceitar nada como verdadeiro,caso não se apresente como evidência, ou seja, claro por simesmo; a segunda orienta que as dificuldades devem serdivididas, ou seja, um problema complexo deve ser dividido empartes; a terceira ensina a ordenar o pensamento, de forma acomeçar pelos problemas mais simples até chegar aos maiscomplexos; a quarta orienta para a necessidade de enumeraçãodas partes, a fim de evitar qualquer tipo de esquecimento.(LUCKESI; PASSOS, 2002, p. 189).

    Esse empenho com o método, lembram Luckesi e Passos (2002, p.

    190), visava a conduzir a razão humana a encontrar a verdade, ou seja, “a atingir idéias claras e distintas”. Descartes é considerado o pai do

    racionalismo7 que, como doutrina filosófica, foi formalizado a partir de

    sua teoria das idéias inatas8. Desenvolvido no século XVII, o racionalismo

    colocou as questões básicas para a superação das concepções medievais9.

    A filosofia mecânica triunfa:

    [...] com o mecanicismo, um limiar foi transposto; um primeiro

    positivismo  foi criado; certo determinismo, condicionando anatureza humana à natureza das coisas, foi inventado; uma novalinguagem foi instaurada, considerando o homem como um objetoe subtraindo-o de sua especificidade própria; em suma, foiconstruída toda uma inteligibilidade inteiramente mecânica esusceptível de exorcizar toda transcendência. (JAPIASSU, 1991, p.116, grifo nosso).

    Considerado o protótipo do sábio moderno por outro erro de

    interpretação, Isaac Newton10 entra para a história como o “baluarte do

    7  “Racionalismo vem do latim ratio, que quer dizer razão, entendimento. A concepção racionalista coloca narazão a fonte de todo o conhecimento. Só ela seria capaz de nos levar a conhecimentos universalmente válidos,uma vez que os sentidos e a experiência nos proporcionariam apenas idéias confusas e contingentes [...] Oconhecimento oriundo da experiência não pode ser definido como verdadeiro, pois sofre as variações dosfenômenos e se modifica com as alterações desses. Ciente disso, o racionalismo procura trabalhar com verdades provenientes dos processos racionais e não somente da experiência [...]” (LUCKESI; PASSOS, 2002, p. 186). 8  “A tese central dos inatistas é a seguinte: se não possuirmos em nosso espírito a razão e a verdade, nuncateremos como saber se um conhecimento é verdadeiro ou falso, isto é, nunca saberemos se uma idéiacorresponde ou não à realidade a que ela se refere. Não teremos um critério seguro para avaliar nossosconhecimentos.” (CHAUÍ, 1995, p. 71). 9  O francês Descartes, o holandês Spinoza (1632-1677) e o alemão Leibniz (1646-1716) sustentavam que a principal fonte e prova decisiva do Conhecimento eram os raciocínios dedutivos apoiados em princípios inatos

    evidentes por si mesmos e sustentados pela exatidão dos modelos matemáticos. (CORTELLA, 2000).10 Isaac Newton (1642-1727) não foi propriamente um filósofo. Entretanto, sua física e mecânica celeste irãoinfluenciar toda a reflexão filosófica do século XVIII. Nasceu na Inglaterra, no natal do ano em que Galileufaleceu. Ingressou em Cambridge, aos 18 anos, onde permaneceu durante toda a vida. Doutorou-se aos 26 anos

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    método científico  experimental, como um puro cientista, como um

    estrito racionalista e como um rigoroso positivista” (JAPIASSU, 1991, p.

    124-125, grifo do autor). Mito fundante da ciência moderna, a “fascinação

    newtoniana” permeou tanto as ciências físicas como as morais. Tal

    fascinação traduz-se em seu epitáfio, escrito pelo poeta Alexander Pope

    (WOORTMANN, 1997; JAPIASSU, 1991):

    A natureza e suas leis escondiam-se na noite;Deus disse: “faça-se Newton”, e tudo se fez luz.

    Mas, não é bem assim. A instauração de uma nova filosofia natural,

    livre das qualidades ocultas, fixa nas quantidades inteligíveis (forteargumento positivista), leva o século XVIII a acreditar que

    [...] Newton é o cientista que conseguiu passar a teoria física doestádio cartesiano da metafísica dos princípios ao estádio positivoda legalidade rigorosa em que se constata o encadeamento dosfatos sem necessidade de interpretá-los em virtude de entidadesextra-experimentais (JAPIASSU, 1991, p. 124).

    Na verdade, sua teoria física se constitui em função de uma

    metafísica e de uma teologia subjacentes, segundo Japiassu (1991, p.125): “trata-se uma física de crente que utiliza a experiência e o cálculo

    para decifrar a presença de Deus no mundo: é o poder divino que

    assegura a coesão e a permanência do universo”. Nesse sentido, Newton

     jamais viu a contradição entre a ciência e a Revelação, cuja dissociação se

    dará no positivismo do século das Luzes.

    A tentativa da construção de uma história da ciência de Copérnico a

    Newton como uma progressão contínua em direção às “Luzes”,favorecendo o progresso do reino da Razão, obscurece suas oposições. O

    próprio Newton não escapa das investigações em terrenos considerados

     “menos científicos” 11. Por isso, embora insista constantemente nos

    de idade. Dirigiu a Casa da moeda, em 1695, e foi presidente da Royal Society, de 1703 até sua morte. Escreveu:(1687) Princípios Matemáticos da Filosofia Natural ; (1704) Óptica e (1733) Observações Sobre as Profecias de Daniel e do Apocalipse de São João. (GALILEO; NEWTON, 1991).11  “[...] geralmente Newton se conforma com essa imagem dos pu ristas da ciência. No entanto, histórica eepistemologicamente, essa imagem é insustentável. Diversos estudos mostram que, para compreendermos agênese e a significação do pensamento newtoniano, precisamos levar em conta suas especulações alquimistas eherméticas. Assim, hoje não temos mais dúvidas de que Newton, em segredo, praticava a alquimia. Escreveu

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    procedimentos do estrito método experimental, foi marcado por uma

     “tríplice tradição”: (1) a organicista, formulando suas explicações em

    termos biológicos; (2) a mecanicista, formulando suas explicações por

    analogias com as máquinas; e, (3) a mágica, suas explicações sendo

    dominadas pelas tendências místicas. (JAPIASSU, 1991, p. 128).

    Todo o século XVII permaneceu impregnado de forte sensibilidade

    religiosa: “o racionalismo de Newton não o impede de construir um

    sistema do mundo inseparável da intuição da onipresença divina”

    (JAPIASSU, 1991, p. 132).

    Em oposição ao racionalismo, o empirismo12  se desenvolveu, a

    partir da Inglaterra, entre os séculos XVI, XVII e XVIII, centrado nos

    dados da experiência. Para o empirismo era impossível haver uma

    verdade única, mas sim verdades em contínuo processo de reformulação.

    Os principais representantes desta concepção são Francis Bacon, Thomas

    Hobbes, John Locke, Georges Berkeley e David Hume.

    Para Francis Bacon13 o método dedutivo não dava conta das novas

    exigências de domínio e subjugação das forças da natureza, uma vez quenão levaria a novas verdades, à formulação de novos conhecimentos e

    sim, à demonstração do conhecido. Por isso, desenvolve o método 

    indutivo estruturado em dois momentos: o negativo e o positivo. Segundo

    Luckesi e Passos (2002, p. 195):

    [...] o primeiro consistia em submeter a própria razão a umacrítica, a partir da qual os indivíduos tomariam consciência dosseus erros e teriam condições de superar os seus preconceitos.Somente depois desse processo teriam condições de conhecer ascoisas. Seria uma forma de purificar o intelecto dos preconceitos,noções falsas ou ídolos (como denominou), adquiridos ao longo do

    numerosas obras sobre o livro da Revelação [...] vivendo imerso em especulações metafísicas e místicas, dedicoumuito tempo aos estudos da teologia e da Bíblia” (JAPIASSU, 1991, p. 128). 12  Despreocupados das verdades absolutas da fé ou da razão, os empiristas concentraram-se na realidadeconcreta, no conhecimento humano advindo dos dados da experiência, de modo que não seria possível pensar emverdade e muito menos em conhecimento absoluto. “O empirismo partia do princípio aristotélico de que „nadaestava no intelecto sem que antes não tivesse estado nos sentidos‟. Assim, negava qualquer idéia inata e afirmavaque todo conhecimento tem sua origem na experiên cia sensível de percepções do mundo externo.” (LUCKESI;

    PASSOS, 2002, p. 194).13 “Francis Bacon (1561-1626) nasceu em Londres e morreu na mesma cidade. Dedicou-se à vida política, tendoalcançado posições elevadas, como os cargos de procurador-geral e grande chanceler. Em 1621, foi acusado decorrupção e condenado a pagar pesada multa e proibido de exercer cargos públicos.” (CHAUÍ, 1995, p. 115). 

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    processo histórico, pelas mais variadas fontes e que dificultam oacesso da razão humana à verdade.

    Bacon, segundo Chauí (1995, p. 115?), elaborou uma teoria

    conhecida como a crítica dos ídolos14, na qual existiam quatro tipos deídolos ou de imagens que formam opiniões cristalizadas e preconceitos

    que impedem o conhecimento da verdade: (1) ídolos da caverna: as

    opiniões que se formam em nós por erros e defeitos de nossos órgãos dos

    sentidos. São os mais fáceis de corrigir por nosso intelecto; (2) ídolos do

    fórum: são as opiniões que se formam em nós como conseqüência da

    linguagem e de nossas relações com os outros. São difíceis de vencer,

    mas o intelecto tem poder sobre eles; (3) ídolos do teatro: são as

    opiniões formadas em nós em decorrência dos poderes das autoridades

    que nos impõem seus pontos de vista e os transformam em decretos e

    leis inquestionáveis. Só podem ser refeitos se houver uma mudança social

    e política; por fim, (4) ídolos da tribo: são as opiniões que se formam

    em nós em decorrência de nossa natureza humana; esses ídolos são

    próprios da espécie humana e só podem ser vencidos se houver uma

    reforma da própria natureza humana.

    Essas preocupações de Bacon expressaram bem as aspirações da

    sociedade emergente na qual vivia: “uma sociedade que não se

    contentava com o saber adquirido, que investia em novas descobertas e

    que, portanto, ressentia-se da necessidade de um novo modo de produzir

    conhecimento” (LUCKESI; PASSOS, 2002, p. 196). 

    Diferentemente de Bacon que privilegiou as questões doconhecimento, Thomas Hobbes15  enfatizou as questões políticas. Para

    ele, o conhecimento inicia-se no exterior e atinge o interior, mediatizado

    pelo cérebro (indo de encontro, portanto, ao racionalismo das idéias

    inatas). Considerou ter encontrado um adequado intercâmbio entre as

    concepções racionalista e empirista, ao equilibrar a razão e a experiência:

    14 “a palavra ídolo vem do grego eidolon e significa imagem” (CHAUÍ, 1995, p. 115). 15 Thomas Hobbes (1588-1679) estudou em Oxford, foi preceptor de uma família nobre. “Com ele, o empirismotornou-se um sistema, tendo como pontos centrais as questões do conhecimento e da política”   (LUCKESI;PASSOS, 2002). Escreveu: (1640)  Elementos de lei natural e política; (1651)  Leviatã; (1665)  De corpore;dentre outros.

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    [...] o seu racionalismo empirista partia da natureza e a elaretornava. Aceitou, do empirismo, a tese de que as idéias eramproduzidas sensorialmente e, do racionalismo, o princípio dadedução que recompunha os elementos da realidade concreta,independentemente da experiência. (LUCKESI; PASSOS, 2002, p.198).

    John Locke16, amigo pessoal de Newton, propõe-se a analisar cada

    uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de nossas

    idéias e nossos discursos, a finalidade das teorias e as capacidades do

    sujeito cognoscente relacionadas com os objetos que ele pode conhecer

    (CHAUÍ, 1995).

    Assim como Aristóteles17, Locke considera que o conhecimento se

    realiza por graus até chegar às idéias, começando pelas sensações até

    chegar ao pensamento. Desenvolveu uma séria crítica à teoria das idéias

    inatas, pois, se as possuíssemos, teríamos consciência delas: “[...] o que

    existia de inato era poder do intelecto, limpo, livre de qualquer idéia,

    como um tabula rasa” (LUCKESI; PASSOS, 2002, p. 199).

    Segundo Luckesi e Passos (2005, p. 200), para Locke, o espírito

    humano era incapaz de conhecer imediatamente as coisas; mas podiaconcebê-las mediante as idéias que possuía delas. Existiam duas

    categorias de idéias: (1) simples: adquiridas por meio de experiências

    concretas; e (2) compostas: formadas por um processo de associação

    das primeiras. Assim sendo, “o conhecimento se constituía ou pela

    percepção simples ou pela associação das percepções, formando idéias

    complexas.”  

    Para que fique claro, para Locke “as fontes de todo conhecimentosão a experiência sensível e a reflexão” (LOCKE, 1991, p. XI-XII).

    16  John Locke (1632-1704), filósofo inglês, descendia de uma família de burgueses comerciantes. Esteverefugiado por um tempo na Holanda, por ter-se envolvido com pessoas acusadas de fazer movimentos contra orei Carlos II. Teve importante papel sobre a teoria do conhecimento, mas também se destacou em política.Escreveu  Ensaio sobre o entendimento humano e  Dois tratados sobre o governo civil . Tornou-se o teórico darevolução liberal inglesa, cujas idéias irão fecundar todo o século XVIII. (ARANHA; MARTINS, 1986).17  As duas orientações da teoria do conhecimento  –   a racionalista  e a empirista  –   fundam-se em duas perspectivas: de um lado, Platão e Descartes que afastam a experiência sensível ou o conhecimento sensível doconhecimento verdadeiro, que é puramente intelectual; e, de outro lado, Aristóteles e Locke consideram que oconhecimento se realiza por graus contínuos, partindo da sensação até chegar às idéias. (CHAUÍ, 1995).

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    No século XVIII, conhecido como Iluminismo –  século das luzes –,

    assiste-se à tentativa de síntese entre o racionalismo e o empirismo18 com

    o criticismo19. Kant 20criticou essas duas formas de entendimento:

    Diante da questão “Qual é o verdadeiro valor dos nossosconhecimentos e o que é o conhecimento?”, Kant coloca a razãonum tribunal para julgar o que pode ser conhecido legitimamentee que tipo de conhecimento não tem fundamento. Com issopretende superar a dicotomia racionalismo-empirismo (ARANHA;MARTINS, 1986, p. 177).

    Chauí (1991, p. IX) afirma que ao analisar a faculdade de conhecer,

    na Crítica da Razão Pura, Kant distingue duas formas de conhecimento: o

    empírico (ou a posteriori ) e o puro (ou a priori ). Kant promove umarevolução: “a revolução consiste em, ao invés de admitir que a faculdade

    de conhecer se regula pelo objeto, mostrar que o objeto se regula pela

    faculdade de conhecer” (CHAUÍ, 1991, p. X).  Nesse sentido, Cortella

    (2000, p. 97) afirmará que “[...] o impasse ficou mais forte ainda, porque

    oscilou entre um ceticismo (nada pode ser verdadeiramente sabido) e um

    racionalismo baseado na intuição improvável”. 

    Luckesi e Passos (2002, p. 204) irão apresentar uma síntese do

    processo do conhecimento em Kant:

    Vejamos, sinteticamente, esse processo. Os sentidos recebem asimpressões do mundo exterior, porém estas não constituem umconhecimento do objeto. Elas são parciais e fragmentárias. Essesdados (que são variados e, por isso, caóticos) são ordenados pelosujeito do conhecimento, dando origem às percepções do objeto.Para tanto, o sujeito utiliza-se das formas de espaço e tempo.Porém, essas percepções ainda não atingiram o nível do

    entendimento; permanecem na esfera da sensibilidade. Ordenandoessas percepções, o entendimento procede à síntese, que são os juízos. Por exemplo, na expressão “Pedro é homem” há um juízo,que é síntese de percepções, que, por sua vez, é síntese de

    18 “Descartes justifica o poder da razão de  perceber o mundo através de idéias claras e distintas; Locke valorizaos sentidos e a experiência” (ARANHA; MARTINS, 1986, p. 175).19  “[...] o criticismo em geral é aquela atitude mental, que torna dependente de uma prévia investigação dacapacidade e limites do nosso conhecimento o destino da filosofia especulativa, e principalmente a metafísica[...]” (BRUGGER, 1962, p. 142). 20  Immanuel Kant (1724-1804), filho de um artesão humilde, tornou-se o ponto de convergência cuja obra éfonte da maior parte das reflexões dos séculos XIX e XX. Sob o signo da análise crítica, duas grandes questões

    ocuparam sua atenção: o conhecimento (analisado na Crítica da Razão Pura, 1781) e a moral (Crítica da Razão Prática, 1788). Escreveu: (1755)  História Geral da Natureza e Teoria do Céu; (1763) O Único Argumento possível para uma Demonstração da Existência de Deus; (1766) Sonhos de um Visionário, Interpretados Mediante os Sonhos da Metafísica; dentre muitos outros. (CHAUÍ, 1991).

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    sensações produzidas pelo mundo exterior. Porém, os juízos(afirmativos, negativos, universais, particulares etc.) só sãopossíveis em razão dos modos universais a priori de operar dointelecto. São as categorias a priori que garantem os juízos, quesão conceitos necessários e, por isso, devem ser verdadeiros.

    Por fim, sobre Kant, Luckesi e Passos (2002, p. 207) afirmam que

    ele mudou os rumos da teoria do conhecimento “[...] ao mostrar que,

    apesar de o mundo exterior nos ser dado apenas como sensação, a mente

    humana, por ser ativa, seleciona e coordena toda a experiência”. Isso

    significa dizer, que a partir dele o sujeito ganha um papel significativo no

    processo do conhecimento.

    Na trilha de Luckesi e Passos (2002), pós-Kant21, o maisproeminente pensador foi Hegel22. Tendo vivido o movimento da

    Revolução Francesa na qual assistiu ao desmoronamento do feudalismo e

    a ascensão da burguesia Hegel rompe, em certa medida, com Aristóteles:

    [...] o processo de contradição vivido em seu tempo fez com queele substituísse os princípios da lógica aristotélica, baseada noprincípio da identidade, pela lógica dialética, inspirada nacontradição e no movimento. A dialética, segundo ele, a única

    forma de compreender os movimentos e as contradições darealidade23 (LUCKESI; PASSOS, 2002, p. 207-208).

    Por outro lado, suas reflexões sobre as relações Estado e Sociedade,

    na contramão do pensamento vigente, retomam o modelo de aristotélico

    ao atribuir à família, tal qual Aristóteles, o primeiro momento da formação

    do Estado.

    Segundo Arantes (1991, p. XIII), Hegel, desde cedo, apresentou

    suas idéias de filosofia enquanto teoria do conhecimento:

    21  Aranha e Martins (1986, p. 179) assinalam que pós-Kant surgiram duas linhas divergentes. De um lado,materialistas (Feuerbach) e positivistas (Comte) e, de outro, idealistas (Fichte, Schelling e Hegel).22  Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) iniciou seus estudos no seminário de teologia protestante deTübingen, ao lado de Schelling (1775-1854) com quem manteve estreito laço de amizade que só se romperiaanos mais tarde, anunciado em a  Fenomenologia do Espírito (1807). Recomendado por Goethe (1749-1832) foinomeado “professor extraordinário” da Universidade de Jena, em 1805. Onze anos depois, é nomeado para acátedra de filosofia da Universidade de Heidelberg. Com a indicação para a cadeira de filosofia da Universidadede Berlim, em 1818, atingiu o ápice de sua carreira universitária. Esse cargo coincide com o fim de seudesenvolvimento político, tendo ainda publicado os Princípios da Filosofia do Direito (1821). Foi eleito reitor da

    Universidade em 1829. (ARANTES, 1991).23 Para maior compreensão da importância desse rompimento lógico de interpretação da realidade, ver UnidadeII: Epistemologia do Conhecimento: Reflexões acerca da razão e do conhecimento científico, Curso deMetodologia Científica, v. 1.

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    [...] Hegel redefine filosofia diante do problema das relações entreo pensamento e a objetividade, analisando três posições que, paraele, representam atitudes alternativas contemporâneas e possuemencadeamento sistemático e histórico [...]

    A primeira posição é a da experiência imediata. Nela, há a crença de

    que  “a consciência pode representar, verdadeiramente, o que são as

    coisas”. Hegel criticava o dogmatismo de então que frente a antíteses não

    resolvidas de “[...] duas afirmações opostas [...] uma tem que ser

    verdadeira, e a outra, falsa”. (ARANTES, 1991, p. XIII). 

    Na segunda posição, ainda com Arantes (1991, p. XIV), Hegel

    analisa o empirismo e o idealismo crítico kantiano. O empirismo é elogiado

    por ele, pois, “o que é verdade deve estar na realidade e conhecer-se por

    meio da percepção”. Por outro lado, o empirismo “pecaria por negar o

    supra-sensível ou, pelo menos, a possibilidade de se conhecê-lo,

    reduzindo todo pensamento à abstração e à generalidade e identidade

    formais”. Segundo Hegel, 

    a ilusão fundamental do empirismo consiste em que sempre fazuso das categorias metafísicas da matéria, força, unidade,multiplicidade, universal etc., e com ditas categorias raciocina, edesse modo pressupõe e aplica formas do raciocínio, sem saberque admite um conhecimento metafísico; o que equivale aempregar e ligar essas categorias sem discernimento crítico e demodo inconsciente. (HEGEL apud ARANTES, 1991, p. XIV).

    A filosofia crítica de Kant, sempre com Arantes (1991, p. XIV), é

    elogiada por Hegel, “que reconhece o fato de ela submeter a uma

    investigação prévia o valor dos conceitos intelectuais empregados na

    metafísica”. Mas também é reprovada “por não ter penetrado no conteúdoe na relação que aquelas determinações têm em si [...]”. Segundo Hegel, 

    Essa oposição [entre subjetividade e objetividade], como é tomadaaqui, refere-se à diferença dos elementos dentro do círculo daexperiência. Chama-se objetividade, nessa doutrina, ao elementode universalidade e necessidade, ou seja, o elemento dasdeterminações que integram o pensamento, o chamado a priori .Mas a filosofia crítica aumenta a oposição, de tal modo que reúnena subjetividade o conjunto da experiência; isto é, os doiselementos mencionados, e diante deles não permanece senão a

    coisa em si. (HEGEL apud ARANTES, 1991, p. XIV).

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    A terceira posição, por fim, refere-se ao saber imediato. Contrário à

    tese do saber imediato24, Hegel desenvolve seu contra-argumento em

    duas linhas: na primeira, reflete sobre a união entre o saber imediato e a

    mediação que o precedeu25; na segunda, reflete sobre a conexão entre a

    existência imediata e sua mediação26 (ARANTES, 1991, p. XIV-XV).

    Sobre as três posições relativas à relação entre o pensamento e seu

    objeto,

    [...] Hegel conclui que a idéia, como mero pensamento subjetivoou como um mero ser por si (um ser que não é idéia), não seconstitui como verdade: “Só a idéia por meio do ser e, ao

    contrário, só o ser por meio da idéia, é a verdade”. Isso significaque Hegel construiu uma filosofia que pretende se apresentarcomo a própria expressão da realidade, eliminando a distinçãotradicional entre a idéia e o real. Ambos seriam facetas de umamesma coisa: o que é real é racional e o que é racional é real.(ARANTES, 1991, p. XV).

    Nessa linha, Chauí (1995, p. 81) afirma que para Hegel,

    a razão [...] não é nem exclusivamente razão objetiva (a verdadeestá nos objetos) nem exclusivamente subjetiva (a verdade estáno sujeito), mas ela é a unidade necessária do objetivo e do

    subjetivo. Ela é o conhecimento da harmonia entre as coisas e asidéias, entre o mundo exterior e a consciência, entre o objeto e osujeito, entre a verdade objetiva e a verdade subjetiva [...]

    Com Hegel, encerramos a modesta reflexão sobre o conhecimento

    na Idade Moderna. Agora, façamos uma breve aproximação das relações

    entre conhecimento e ciência, na Idade Contemporânea.

    5.2.3 Conhecimento e ciência: breve aproximação contemporânea

    24  Tese de que: “se o objeto do conhecimento é Deus ou a verdade, o infinito ou o incondicionado;   e, se o pensamento só compreende um objeto, quando este é colocado sob a forma de conceitos os quais convertem oreferido objeto em algo condicionado e mediatizado; então o conhecimento dos ditos objetos só se dá graças aum saber imediato” (ARANTES, 1991, p. XIV).25 “Como ilustração do primeiro argumento, Hegel toma a matemática, na qual as solu ções, embora possam seapresentar de maneira imediata, na verdade seriam obtidas através de considerações complicadas e grandementemediatizadas; essas soluções, segundo o filósofo, só surgem imediatamente àqueles que estão familiarizados com

    elas.” (ARANTES, 1991, p. XV).26  “Exemplo para elucidar o segundo nível da argumentação é encontrado por Hegel no fato de que, embora possam constituir uma existência imediata em relação aos filhos, os pais „são imediatos‟, apesar da mediaçãoanterior que está ligada à própria existência imediata.” (ARANTES, 1991, p. XV).

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    Como conhecemos o mundo? Com essa questão Kerlinger (1980)

    inicia uma reflexão que indicará que o conhecimento pode derivar da

    autoridade27 ou da observação. Ambas, contudo, afirma o autor, não são

    dignas de toda confiança. Nesse contexto,

    a ciência se desenvolveu, em parte, pela necessidade de ummétodo de conhecimento e compreensão mais seguro e digno deconfiança do que os métodos relativamente desprovidos decontrole geralmente usados. Foi preciso inventar uma abordagemdo conhecimento, apta a permitir informação válida e fidedignasobre fenômenos complexos [...] (KERLINGER, 1980, p. 1-2).

    A ciência, ainda com Kerlinger (1980, p. 3), é um empreendimentovoltado para o conhecimento e para a compreensão: “[...] os cientistas

    desejam conhecer e compreender as coisas [...]”  

    Morin (2003) assinala que a ciência é elucidativa, enriquecedora,

    conquistadora e triunfante e, ao mesmo tempo,

    [...] essa ciência libertadora traz [...] possibilidades terríveis desubjugação. Esse conhecimento vivo é o mesmo que produziu a

    ameaça do aniquilamento da humanidade. Para conceber ecompreender esse problema, há que acabar com a tola alternativada ciência “boa”, que só traz benefícios, ou da ciência “má”, que sótraz prejuízos. Pelo contrário, há que, desde a partida, dispor depensamento capaz de conceber e de compreender a ambivalência,isto é, a complexidade intrínseca que se encontra no cerne daciência. (MORIN, 2003, p. 16).

    Parte da preocupação de Morin (2003, p. 21) reside no fato de que

     “o espírito científico é incapaz de se pensar de tanto crer que o

    conhecimento científico é o reflexo do real [...]”. Com efeito, caso o

    fizéssemos, veríamos que o progresso das certezas científicas produz o

    progresso da incerteza28.

    Nesse sentido, acompanhando ainda Morin (2003, p. 24), “a ciência

    não é somente a acumulação de verdades verdadeiras [...]”, isto é, trata-

     27 “[…] alguma fonte que aceitamos como digna de crédito nos dá esse conhecimento.” (KERLINGER, 1980, p.1).28 “Podemos até dizer que, de Galileu a Einstein, de Laplace a Hubble, de Newton a Bohr, perdemos o trono de

    segurança que colocava nosso espírito no centro do universo: aprendemos que somos, nós cidadãos do planetaTerra, os suburbanos de um Sol periférico, ele próprio exilado no entorno de um galáxia também periférica deum universo mil vezes mais misterioso do que se teria podido imaginar há um século [...]” (MORIN, 2003, p.24).

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    se de um combate entre teorias e princípios de explicação; entre visões de

    mundo e postulados metafísicos. De outra forma, seria ingênuo supor que

    o fato de a ciência advogar para si o status  de tradutora da realidade,

    como conhecimento superior às demais formas de conhecimento, é

    condição suficiente para a verdade.

    Em outro trabalho, Morin (1999) assinala que a noção de

    conhecimento parece-nos uma e evidente, mas desde que a

    questionamos, ela, antes segura, pulveriza-se em muitas interrogações:

    Os conhecimentos? O saber? Os saberes? A informação? Asinformações?A percepção? A representação? O reconhecimento? Aconceituação? O julgamento? O raciocínio?A observação? A experiência? A indução? A dedução?O inato? O adquirido? O aprendido? O adivinhado? O verificado?A investigação? A descoberta? Inculcar? O arquivamento?O cálculo? A computação? A cogitação?O cérebro? O espírito? A escola? A cultura?As representações coletivas? As opiniões? As crenças?A consciência? A lucidez? A clarividência? A inteligência?A idéia? A teoria? O pensamento?A evidência? A certeza? A convicção? A prova?A verdade? O erro?

    A crença? A fé? A dúvida?A razão? A desrazão? A intuição?A ciência? A filosofia? Os mitos? A poesia? (MORIN, 1999, p. 19).

    Para o autor, “ignorância, desconhecido, sombra, eis o que

    encontramos na idéia de conhecimento [...]” (MORIN, 1999, p. 20). Ou

    seja, quando desejamos conhecer, o conhecimento torna-se “estrangeiro

    e estranho”. Com isso, parece evidente supor, com o autor, que não é

    possível reduzir o conhecimento a uma única noção.

    Essa pulverização do conhecimento levou a um grau crescente de

    especializações que, agora, cada um desses fragmentos “ignora a vista

    global da qual faz parte” (MORIN, 1999, p. 21), provocando a “patologia

    do saber”: 

    Percebe-se ainda com muita dificuldade que a disjunção e oesfacelamento dos conhecimentos afetam não somente apossibilidade de um conhecimento do conhecimento, mas também

    as possibilidades de conhecimentos sobre nós mesmos e sobre omundo [...] (MORIN, 1999, p. 22).

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    Ainda com Morin (1999, p. 23-24), a fragmentação do conhecimento

    vem acompanhada de uma “vertiginosa crise dos fundamentos do 

    conhecimento”. O argumento do autor consiste em apontar que a ciência,

    em seu esforço para se transformar no único e indivisível instrumento

    capaz representar toda a verdade, ao longo dos séculos, falhou:

    Ora, a purificação do pensamento pela eliminação de todas asescórias, impurezas e impertinências revelou-se um expurgo quelevou junto tripas e intestinos: o sonho de encontrar fundamentosabsolutos desabou com a descoberta, em meio à aventura, daausência de tais fundamentos. (MORIN, 1999, p. 24).

    Relativizado o conhecimento científico, cabe agora precisar seu

    conceito e estreitar sua relação com a ciência, a fim de pôr fim a essa

    breve reflexão. Nesse sentido, o conhecimento científico será um saber

    aprendido por meio de metodologias apropriadas. Essas metodologias são

    tão variadas quanto os sujeitos da investigação, bem como seus objetos

    investigados. Por isso, é preciso fazer uma escolha. Nesse sentido,

    chamaremos de conhecimento científico aquele conhecimento proveniente

    do processo de investigação que o sujeito empreende sobre o objetoinvestigado, por meio do método científico.

    Afirmaremos com Bachelard (19--, p. 11) que  “[...] seja qual for o

    ponto de partida da actividade científica, tal actividade só pode convencer

    plenamente abandonando o domínio de base: se ela experimenta, terá de

    raciocinar; se raciocina, terá de experimentar   [...]”. Com isso,

    reconhecemos que na investigação considerada científica transitam

    livremente e inseparavelmente de um lado, empiria e de outro, teoria; istoé, entre o real e o racional29. É pois, na encruzilhada dos caminhos que

    devemos nos colocar assumindo um conhecimento que é “[...] conquista

    da fusão do racional com o empírico [...]” (SALOMON, 2000, p. 146). 

    29 Reforçando esse argumento da falsa dualidade que ocupou o pensamento científico opondo-se de um lado,racionalistas e de outro, empiristas, Bachelard (19--, p. 14) assinala que “[...] estamos perante uma razão denovidade metodológica que teremos de clarificar; as relações entre a teoria e a experiência são tão estreitas quenenhum método, quer experimental, quer racional, tem a garantia de conservar seu valor [...]” 

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    Construiremos nosso conceito de ciência com base em dois

    epistemólogos30. O primeiro, Granger (1994, p. 45-46), assinala três

    aspectos característicos da atitude científica:

    1.  a ciência é uma visão de uma realidade. Para o autor, a

    realidade é um “metaconceito” que se aplica às

    representações da experiência. Segundo Granger, “a ciência é

    uma representação abstrata, mas se apresenta, com razão,

    como representação do real”; 

    2.  a ciência visa a descrever  e a explicar , não diretamente para

    agir. Opondo-se, portanto, à técnica: “o primeiro resultado da

    visão é a satisfação de compreender, e de modo algum agir”; 

    3.  por fim, a ciência tem preocupação constante com critérios de

    validação, isto é, as condições de sua realização devem ser

    anunciados de tal forma que possam ser reproduzidas: “o

    conhecimento científico é necessariamente público, ou seja,

    exposto ao controle – competente – de quem quer que seja”. 

    Prosseguindo com a construção do conceito de ciência, faremos uso,

    por fim, dos ensinamentos de Salomon (2000, p. 146). Segundo o

    mesmo, é necessário que se faça uma distinção entre ciência como

     processo  e ciência como  produto  e, em seguida (e concomitantemente)

    entre ciência como instituição social   e ciência como conhecimento  (ver

    figura 1, abaixo).

    30 “[...] a diferença entre o historiador das ciências e o epistemólogo consiste em que o primeiro toma as idéias como fatos, ao passo que o segundo toma os  fatos como idéias, inserindo-os num contexto de pensamentos. Em

    outras palavras, o primeiro procede das origens para o presente, de sorte que a ciência atual já está sempreanunciada no passado, ao passo que o segundo precede do presente para o passado, de sorte que somente uma parte daquilo que ontem era considerado como ciência pode hoje ser fundado e justificado cientificamente.” (JAPIASSU, 1992, p. 33).

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    FIGURA 1 – As dimensões da ciência.Fonte: SALOMON, 2000, p. 146.

    Acompanhando a figura 1, acima,  processo  e conhecimento  se

    referem à interioridade da ciência, ao passo que  produto  e instituiçãosocial  se referem à exterioridade da ciência.

    A ciência quanto à dimensão  processo  identifica-se com a própria

    pesquisa, com o fazer ciência:

    compreende todas as atividades vivas dos pesquisadores ecientistas enquanto envolvidos em seus projetos e programas deestudo com o objetivo de descobrir e fazer avançar oconhecimento científico, especializado ou não [...] (SALOMON,

    2000, p. 147).

    Processo

    InstituiçãoSocial

    Produto

    Conhecimento

    Interior da ciência

    Exterior da ciência

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    A dimensão  produto, por sua vez, refere-se ao resultado do

    processo acima descrito:

    São as comunicações das descobertas e das invenções científicas,os relatórios de pesquisa, os informes científicos e técnicos.Encontram-se nos banco de dados, nos arquivos, nos anuários,nos periódicos científicos, nas bibliotecas, enfim constituem o quemodernamente se consagrou chamar de documentação científica.Seu conjunto é sistematizado e tem servido para alimentar oestudo dos próprios cientistas e fornecer o objeto de estudo daschamadas disciplinas científicas ensinadas nos centrosuniversitários, nas academias e nos institutos de pesquisa e deformação de futuros cientistas ou de profissionais de nívelsuperior. (SALOMON, 2000, p. 147).

    A instituição social  se refere ao “peso” da academia. Para Salomon(2000), nesse caso, a ciência se relaciona a disciplinas científicas

    particulares que regulam e se (pre)ocupam com a máxima avançar

    controladamente e sistematicamente o conhecimento:

    Esta sim exige formação específica, pois é uma pesquisa tambéminstitucionalizada, sob o compromisso de contribuir originalmente,de fazer novos enriquecimentos ao patrimônio universal daquelaespécie de saber. (SALOMON, 2000, p. 147-148).

    Por fim, como conhecimento, refere-se ao resultado que pesquisa

    promove no sujeito, isto é,

    [...] a pesquisa científica é algo que se propõe ao homem dotadodo mínimo de recursos intelectuais, como meio de alcançar o seuconhecimento, de nível científico, independentemente de ser estaobtenção significativa para a ciência como instituição. (SALOMON,2000, p. 148).

    Diante do exposto, consideramos ciência um conceito demasiado

    vago e abrangente o suficiente para não ser definido com uma simples

    sentença. É pois, por isso, que alertamos para seus aspectos

    estruturantes (histórico, social, político, econômico, psicológico, lógico ...),

    antes do fazer ciência.

    5.2.4 Atividades

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    Essa lição 3 conta com duas atividades. A primeira consiste na

    realização de um teste rápido e a segunda, em uma participação em

    Fórum, abaixo especificadas.

    5.2.4.1 Atividade: Teste rápido.

    Um teste rápido consiste em um conjunto de perguntas cujasrespostas são de tipo objetivas. Sua finalidade principal é verificar o nível

    de apreensão da leitura realizada. Não se busca, aqui, ver quem

    efetivamente compreendeu tudo e à contento, mas antes, trata-se de

    identificar quem realizou a leitura. Por isso, freqüentemente, são

    formulações simples e objetivas que requerem pouco esforço intelectual.

    Encaminhe o teste respondido ao seu tutor. Atenção: não perca o prazo

    de realização.

    5.2.4.2 Atividade: Fórum.

    Definir fórum e a participação

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    5.3 Lições 14 e 15: O Projeto de Pesquisa

    Essas duas lições são ambiciosas. Procurarão acompanhá-lo por um

    labirinto denominado “projeto de pesquisa”. Esse projeto, como qualquer

    outro, refere-se a um  “lançar-se para o futuro” . Mas possui a

    particularidade de se constituir em um instrumento de leitura da

    realidade, amplamente difundido e cegamente aceito, chamado “pesquisa”. 

    Desenvolver uma pesquisa é uma tarefa complexa. Não há

    unanimidade entre os cientistas sobre o que se constitui a atividade

    científica. Há, sim, acordos e convenções registrados em meios formais

    para conhecimento de todos. São por esses meios e por nossa modesta

    experiência que nos apoiaremos para construir nossa proposta.

    O projeto de pesquisa assume dupla responsabilidade: por um lado,

    aquela função de projeção; por outro, a tradução das concepções do

    investigador. Não raras vezes, deparamo-nos com pesquisadores por

    cujas produções nada indicam quanto à forma de investigar. É essa forma

    de investigar a realidade, de construir conceitos, de definir condutas por

    meio da pesquisa científica que denunciam pressupostos assumidos.

    Sendo assim, deixemos claro desde o início que nos colocamos

    ombro a ombro com aqueles que

    ???

    Cabe ressaltar que se trata, portanto, de um estudo qualitativo 

    que embora não se furte a investigar em extensão o fenômeno de

    crescimento da pós-graduação Lato sensu, situa-se ao lado daquela

    concepção de ciência cuja finalidade é a compreensão interpretativa darealidade. Significa dizer, que a amostra mínima aceita pelo paradigma

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    dominante do fazer ciência, 25%, como única capaz de formular leis

    gerais, bem como seus instrumentos que pretendem por meio da

    matematização e estatistização atingir a realidade social não nortearão a

    presente pesquisa. Reconheço que o falso conflito travado na “guerra das

    ciências” (SANTOS, 2003) está superado. Trata-se, hoje, pois, de

    retormar a questão pertinente ao nascimento da Idade Moderna: Para quê

    serve a ciência?

     “[...] a verdadeira política, a verdadeira pedagogia, a verdadeira

    medicina, na medida em que algum dia existiram, pertencem à praxis”

    (CASTORIADIS, 1982, p. 94).

    5.3.1 Pressupostos assumidos

    Para Booth, Colomb e Williams (2000, p. 7), pesquisar é

     “simplesmente reunir informações necessárias para encontrar resposta

     para uma pergunta e assim chegar à solução de um problema”. Nessa

    linha, acreditamos que um projeto de pesquisa tem início um pouco antes

    do problema de pesquisa: no interesse do investigador. Mas que em seu

    percurso assume o problema de pesquisa (fruto do interesse do

    pesquisador) como ponto de partida concreto da investigação.

    Estamos convencidos, com Salomon (2000, p. 13, grifo nosso), de

    que não há pesquisa sem problema, pois,

    [...] só existe conhecimento científico, ciência, através dapesquisa vista como processo; esta só se realiza através dométodo e este só existe quando estamos diante de um problema assumido como tal pelo pesquisador e por ele corretamenteformulado. É a natureza do problema que dita o método a serempregado.

    Dessa forma, o autor assinala que conhecimento científico e

    método, meio de garantir o conhecimento científico, só existem a partir de

    um problema de pesquisa. Portanto, também para nós, categoriasanalíticas eleitas a priori , só têm razão de ser se combinadas às a

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     posteriori . Nesse sentido, o conhecimento como o concebemos, como

    processo que busca compreender interpretativamente a realidade, não

    foge ao fato de que

    [...] nenhum conhecimento é totalmente dado a priori   ou a posteriori ; ele resulta de um diálogo entre o a priori   e o a posteriori : nada de categorias mentais que nada deviam àexperiência, mas também nada de intuição empírica que não sejainformada pelo espírito. (FOULQUIÉ, 1978, p. 93). 

    Aliado a isso, reconhecemos com Santos (2003) que a construção

    da distância dicotômica entre sujeito e objeto nas ciências físicas deve ser

    abandonada em favor de uma nova construção, pois,

    [...] a ciência não descobre, cria, e o acto criativo protagonizadopor cada cientista e pela comunidade científica no seu conjuntotem de se conhecer intimamente antes que conheça o que com elese conhece do real [...] (SANTOS, 2003, p. 83).

    Nessa nova construção assumiremos que a ciência moderna não é a

    única explicação possível da realidade, mas antes, apenas, uma das

    possíveis explicações31. Reconhecida sua limitação como instrumento de

    construção da realidade, a ciência e a pesquisa, veículo da ciência, têmpor missão investigar o mundo em que o homem vive e, decorrente disso,

    o próprio homem.

    Tendo isso em mente, o projeto de pesquisa busca traduzir o rico

    processo de investigação. Assim, pertence à esfera do fazer  não destituído

    do saber , mas antes, procura associar saber   e fazer   nessa ordem. Em

    outras palavras, não há projeto de pesquisa (fazer ) que não corresponda

    a uma concepção de homem, sociedade e das relações nela existente

    (saber ).

    Bom Trabalho!

    31  “[...] A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razãocientífica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, daarte ou da poesia [...]” (SANTOS, 2003, p. 84). 

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    5.3.2 Etapas do Projeto de Pesquisa

    Um projeto de pesquisa é um produto. Esse produto busca

    representar o meio caminho de um processo de pesquisa, onde na ponta

    haverá outro produto (monografia, artigo, ensaio, relatório etc.). Nessa

    linha, o que se deve privilegiar é o processo e, por isso, nele iremos nos

    concentrar.

    Um projeto de pesquisa, independentemente da linha teórico-

    metodológica adotada, possui tema, delimitação do tema,

    problematização, objetivos, aspectos teórico-metodológicos, referencial

    teórico e cronograma. Esses pontos são suficientes para se garantir um

    projeto de pesquisa.

    Em nossa linha de investigação, sempre privilegiando o processo,

    assumimos como ponto de partida o interesse do pesquisador. É com

    ele que iremos trabalhar nas seções iniciais, desde dicas para a

    aproximação pesquisador-interesse até a definição de boas perguntas de

    partida.

    A seguir, daremos tratamento às perguntas de partida a fim de

    selecionarmos um problema de pesquisa  condizente, pois, com a

    vontade do pesquisador. Depois, colocaremos o problema de pesquisa em

    um conjunto de elementos que se relacionam mutuamente e põem em

    relevo a importância de se buscar a resposta ao problema apresentado:

    essa é a problematização.Colocada a pergunta na forma de problema de pesquisa, o passo

    seguinte consiste em determinar o mais minuciosamente possível os

    procedimentos que se intentam implementar a fim de respondê-lo.

    Primeiramente, estabelecem-se os objetivos  geral e específicos.

    Depois, os aspectos metodológicos, isto é, os caminhos da pesquisa. A

    seguir, realiza-se uma primeira aproximação com a produção escrita e

    tornada pública que auxiliam para a resposta pretendida: a isso

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    chamamos referencial teórico. Finalmente, fazemos uma projeção do

    uso do tempo, isto é, construímos o cronograma da pesquisa.

    Feito tudo isso, identificaremos (e não elaboraremos) o tema e sua

    delimitação. Pronto, o projeto está pronto! Tudo isso passo-a-passo.

    Bom trabalho!

    5.3.2.1 Do interesse à pergunta de partida

    Nosso ponto de partida é a identificação do interesse do

    pesquisador. É muito comum, infelizmente, os pesquisadores iniciantes

    terem seus projetos “moldados” a partir dos interesses do seu orientador.

    Isso se justifica em parte, pois, o paradoxo do avanço da ciência reside no

    fato de que para se conhecer é preciso recortar, entretanto, recortando

    perde-se a referência total. Assim, pesquisadores mais experientes são

    especializados em “campos do saber” muito bem delimitados e, com isso,

    possuem maior facilidade e condições mais efetivas de orientação bem

    sucedida.

    Mas quem pesquisa precisa garantir seu interesse porque, afinal,

    terá que levar a cabo todo um esforço, durante um período razoável

    (tempo em que durar seu TCC, normalmente em torno de 2 semestres

    letivos), que poderá se transformar em grande castigo, ao invés de fonte

    de prazer pela realização. Assim, essa seção apresenta técnicas de

    levantamento desses interesses.

    Booth, Colomb e Williams (2000, p. 46) assinalam que um interesse

    é “simplesmente uma área geral de investigação que gostaríamos de

    explorar”. Naturalmente, essa área geral está confinada a subáreas de seu

    curso32. Mas isso não deve desanimá-lo, pois mesmo assim sua liberdade

    32 Por exemplo, no Curso de Pedagogia, a partir da possibilidade de orientação de seus professores (leia-se: emfunção dos interesses dos professores e não dos alunos), tem-se a área de Planejamento e Política; Gestão daEducação; Organização do Trabalho Pedagógico e outras. Assim, como o curso é de Pedagogia, um aluno não

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    de escolha ainda é muito grande. Como sugestão para descoberta de seu

    interesse, o primeiro passo é preencher um quadro como o quadro 1,

    abaixo.

    INTERESSE DE PESQUISA

    Fontes reasBibliografia especializadaPlanos de CursoLivro

    QUADRO 1 – Interesse de Pesquisa.

    Detalhando o quadro 1, acima, em primeiro lugar, identificamos as

    possíveis fontes de informação. No nosso exemplo, a primeira é um