CROWDFUNDING- O CONSUMO COLETIVO FINANCIANDO SONHOS · crowdfunding se materializa exclusivamente...
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CROWDFUNDING: O CONSUMO COLETIVO FINANCIANDO SONHOS.1
Diego Edir Teixeira CEZAR DA CRUZ2 Greicy Marianne Lopes Guimarães Cahuana VILLEGAS3
Resumo Este trabalho pretende discutir qual a relevância que o financiamento coletivo
desempenha na sociedade enquanto potencializador de projetos empresariais e/ou
culturais que não dispõem de recursos financeiros, principalmente em sua fase inicial. No
decorrer do trabalho, os principais conceitos que regem esse fenômeno são destacados e
discutidos, bem como exemplificados por meio de histórias de projetos já financiados
através do Catarse.me, principal site brasileiro da área. Vamos perceber como
crowdfunding está ajudando pessoas a tirar seus projetos e sonhos do papel e começar a
realizá-los a partir da doação de quantias em dinheiro que indivíduos realizam, passando
assim, a consumir e patrocinar os sonhos alheios.
Palavras-chave: Crowdfunding; Consumo; Colaborativismo; Cultura Participativa.
Mudanças nos hábitos de consumo
A evolução tecnológica influencia diretamente nos hábitos de consumo e de
comportamento de uma sociedade e por consumo, entendemos como “o conjunto de
processos socioculturais nos quais se realizam a apropriação e os usos dos produtos” 1 Trabalho apresentado no Congresso Brasileiro Científico de Comunicação Organizacional e de Relações Públicas, que ocorrerou entre 17 e 20 de maio de 2016, na Universidade Anhembi Morumbi/ São Paulo terá como tema COMUNICAÇÃO-ECONOMIA CRIATIVA-ORGANIZAÇÕES. 2 Bacharel em Publicidade e Propaganda (FEAPA) e especializando em Marketing (UNAMA). Email: [email protected] 3 Orientadora do trabalho. Doutoranda em Tecnologias da Inteligência e Design Digital pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda – pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo – pelo Centro Universitário das Faculdades Integradas Alcântara Machado (FIAMFAAM). Bacharel em Relações Públicas pelo Instituto de Estudos Superiores da Amazônia (IESAM). E-mail: [email protected]
(CANCLINI, 1999, p. 77) impulsionados outrora apenas pelos grandes veículos de
comunicação, mas que hoje, tem na internet uma forte ferramenta de integração. O fato é
que em nossa sociedade, o ato de consumir vai além da aquisição de um produto, tem um
aspecto cultural e social, como uma espécie de identidade a partir da obtenção de
produtos e serviços, onde:
As criaturas se reconhecem em suas mercadorias; encontram sua alma em seu automóvel, hi-fi, casa em patamares, utensílios de cozinha. O próprio mecanismo que ata o indivíduo a sua sociedade mudou, e o controle social está ancorado nas novas necessidades que ela (a sociedade) produziu (MARCUSE, 1968, p. 31).
A internet trouxe fortes mudanças no comportamento do consumidor, fazendo com
que coisas que há décadas pareciam impossíveis, não passarem de rotina em nossas
vidas, como pagar uma conta sem sair de casa, visitar outro país por meio do Google ou
mesmo estudar em uma universidade de outro estado, como a UNIP, Maurício de
Nassau, Estácio de Sá dentre outras. Uma das mudanças mais significativas que a
internet implementou no consumo, é que o “mercado online não conhece as distâncias
geográficas. Todos os seus pontos estão em princípio igualmente ‘próximos’ uns dos
outros para o comprador em potencial” (LÉVY, 1996, p. 62), fazendo frente a ideia de
estar pessoalmente no ponto de venda e modificando a ideia de consumo que antes se
dava exclusivamente in loco.
Como já foi apontado por Marcuse (1968), o consumo está ligado à uma questão
social e mais do que isso, a uma apropriação semiótica do ato de consumir, visto que
“nunca se consome o objeto em si (...) manipulam-se sempre como signos que distinguem
o indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal, quer
demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto superior”
(BAUDRILLARD, 1995, p. 60) destacando o poder simbólico no ato de consumir. Uma
questão parece surgir, mesmo que o consumo esteja ligado a uma formatação social, ele
pode acontecer em circunstâncias onde o maior beneficiado é o “vendedor” e que o
produto a qual ele esteja consumindo se dá – pelo menos a princípio – de forma abstrata?
Vamos tentar responder essa pergunta a partir da cultura participativa apontada por
Jenkins (2008).
Dentro desse contexto de reciprocidade consumista, encontramos uma nova forma
de consumir, dessa vez, sem o caráter individualista divulgado pelo mercado, pelo
contrário, é um espaço onde todos estão sinergicamente consumindo e mais do que isso,
é fundamental que todos consumam para que haja a existência do produto final. Esse
fenômeno ficou conhecido como financiamento coletivo e que vem ganhando força,
basicamente se é uma “prática que se constitui na reunião de um grupo de pessoas
dispostas a doar pequenas quantias em prol de uma causa” (XAVIER, 2014, p. 7), o que
conhecemos popularmente no Brasil como “fazer uma vaquinha”4. Essa prática não é
nova e muito menos surgiu com a internet, a rede apenas “acelera e simplifica o processo
de encontrar grandes grupos de financiadores potenciais” (HOWE, 2009, p. 222). Apesar
da afirmação de Howe (2009) ser generalista tendo em vista que crowdfunding não está
ligado necessariamente a grandes grupos, mas também ao consumidor final, ela não
anula a mecânica do processo.
O termo brasileiro inclusive deu origem ao nome a empresa Vakinha5 que trabalha
com financiamento coletivo e se intitula um site de “vaquinha digital”. Dentro desse
panorama de trocas que já acontece há certo tempo, tivemos a ajuda da rede mundial de
computadores, que fez com que o fenômeno a tomasse proporções maiores e recebendo
o nome de crowdfunding, palavra que vem do inglês da junção de duas outras palavras,
crowd que significa “multidão” e funding que significa “financiamento”.
O financiamento coletivo não foge do caráter social e semiótico do consumo, como
como vamos perceber no decorrer desse trabalho, pois muito mais do que a “vaquinha”, o
crowdfunding se baseia na troca mútua, visto que não é apenas uma doação unilateral, o
doador recebe por sua doação, algum tipo de recompensa previamente definida de
acordo com o valor doado, mas o fenômeno é muito maior do que uma troca
mercadológica, há um sentimento que motiva o ato de ajudar o próximo, esse sentimento
está ligado ao fato de que o consumidor não é mais passivo, ele é parte integrante de um
sistema e colabora ativamente com o desenvolvimento de coisas que acredita, todavia,
veremos como se dá essa troca mais adiante, por hora, nos concentraremos em
esclarecer os conceitos que regem o crowdfunding.
Há primeiramente a necessidade de entender um ponto importante nesse
processo, antes de avançarmos, esse entendimento se dá no que conhecemos como
multidão, pois é preciso destacar a importância de falar dela e principalmente, falar sem
estereótipos ou homogeneização, do contrário é impossível haver um fenômeno que
precisa necessariamente de uma configuração social que foge de unidades. A ideia que
se quer colocar a respeito da multidão, é que ela seja vista como:
4 Uma expressão de várias pessoas com a intenção de atingir um determinado objetivo ou comprar alguma coisa". Disponível em http://www.significados.com.br/fazer-uma-vaquinha/ acesso em 25/02/16. 5 Site de financiamento coletivo online. Disponível em: https://www.vakinha.com.br/ Acesso em 22/02/16.
(...) uma multiplicidade irredutível; as diferenças sociais singulares que constituem a multidão devem sempre ser expressas, não podendo ser aplainadas na uniformidade, na unidade, na identidade ou na indiferença. A multidão não é apenas uma multiplicidade fragmentada ou dispersa. (HARDT; NEGRI, 2005, p. 145)
A visão holística é importante dentro do conceito do crowdfunding, principalmente
porque estamos falando de agentes ativos dentro do processo de contribuição e
transformação do cenário em que vivemos. É a diferença entre os indivíduos que faz com
que seja possível a evolução de conhecimento por meio de debate de ideias contrárias ou
mesmo por questionamentos subjetivos. As pessoas dentro de sua visão subjetiva,
debatem, pontuam, afirmam, discordam e concordam entre si e isso é fundamental para
que tenhamos uma inteligência formada por todos os cidadãos mutuamente, isso é o que
conhecemos como inteligência coletiva, uma espécie de:
(...) inteligência distribuída em toda parte, continuamente valorizada e sinergizada em tempo real. (...) o conjunto canônico das aptidões cognitivas, a saber, as capacidades de perceber, de lembrar, de aprender, de imaginar e de raciocinar. Na medida em que possuem essas aptidões, os indivíduos humanos são todos inteligentes. No entanto, o exercício de suas capacidades cognitivas implica uma parte coletiva ou social geralmente subestimada. (...) Antes de mais nada, jamais pensamos sozinhos, mas sempre na corrente de um diálogo ou de um multidiálogo, real ou imaginado. Não exercemos nossas faculdades mentais superiores senão em função de uma implicação em comunidades vivas com suas heranças, seus conflitos e seus projetos (LÉVY, 1996, p. 96 e 97).
A ideia colocada por Lévy (1996) de que existe uma espécie de inteligência social,
é reforçada ainda, por Jenkins (2008, p. 54) onde ele afirma que a inteligência coletiva –
falando neste caso em âmbito cibernético - “refere-se a essa capacidade das
comunidades virtuais de alavancar a expertise combinada de seus membros”. Sendo
assim, todos os indivíduos contribuem subjetivamente a partir de sua gama de
conhecimento, entendimento, significado, fazendo com que a união de todos os tipos de
conhecimento, configure a inteligência coletiva.
Então para que o crowndfunding seja possível, precisamos entender que ele só
existe em sociedade e que a multidão, a partir de sua inteligência coletiva é que consegue
operacionalizar e contribuir cognitivamente com esse fenômeno, em grande parte com a
ajuda da internet, mas não somente dela como veremos mais a frente. Esse cenário de
compartilhamento também implica em outro conceito importante, conhecido como
crowdsourcing, ou seja, quando a “multidão se une para criar conteúdo, solucionar
problemas ou desenvolver tecnologia ou projetos, compartilhando e unindo ideias e
conhecimentos” (GIARDELLI, 2012, p. 25) ponto fundamental para o financiamento
coletivo, visto que não se trata apenas da contribuição financeira de cada indivíduo, mas
também cognitiva.
É curioso perceber que por mais que estejamos falando de um processo de
contribuição de vários indivíduos em uma franca troca de conhecimentos, habilidades,
experiências e importâncias financeiras, não se perde o caráter semiológico do ato de
consumir, pois ele ainda representa simbolicamente o contribuinte, ainda que não mais de
uma forma de segregação social, mas de participação na sociedade.
O individuo no papel de produtor coletivo.
Os usuários do século XXI são agentes modificadores, criadores e motivadores de
novas arrumações na sociedade, como pontuou Castro (2011, p. 01) ao afirmar que “o
mundo está vivendo a era C: colaboração, conectividade, compartilhamento de
conhecimentos, co-criação”, daí vem o reforço de que não podemos entender multidão
com uma visão estereotipada, pois o conceito da crowdfunding está ligado principalmente
ao dinamismo da inteligência coletiva e a forma como ela se articula a partir da
subjetividade dos consumidores. A fim de uma melhor explanação a respeito do processo
de construção do financiamento coletivo, podemos atentar para o fato de que o:
Crowdfunding envolve um chamado aberto, essencialmente através da Internet, para a provisão de recursos financeiros, quer em forma de doações ou em troca de algum tipo de recompensa e/ou direitos de voto, a fim de apoiar as iniciativas para fins específicos. (BELLEFLAME; LAMBERT & SCHWEINBACHER, 2012, p.7).
Apesar da afirmação de Belleflame e Lambert & Schweinbacher (2012) de que o
crowdfunding se materializa exclusivamente por meio da internet, ela pode ser pouco
objetiva se entendermos que é perfeitamente possível haver um financiamento coletivo de
um projeto, sem que haja necessariamente o intermédio da rede mundial de
computadores. Existem dois bons exemplos no Brasil de como o crowdfunding pode ser
realizado por meio tradicionais de comunicação, usando apenas a convergência midiática,
termo cunhado por Jenkins (2008) para definir a união de meios comunicacionais a fim de
uma melhor difusão de determinada narrativa. Esses exemplos são dois programas de
auxilio às pessoas com dificuldades financeira e física que tem no financiamento coletivo,
o apoio para que ele se torne viável, são eles o Teletom e o Criança Esperança (Figura
01).
Figura 01: Programas que utilizam o financiamento coletivo.
Fonte: http://novaslistas.com.br/televisao/155-crianca-esperanca-x-teleton
Nesses programas, a emissoras televisão (Rede Globo e SBT) criam uma
programação específica que conta com a participação de diversos artistas e celebridades
para – por meio do apelo a autoridade – que consigam que os telespectadores doem
dinheiro para ajudar jovens necessitados, pelo menos em teoria. Agora se levarmos em
consideração que nesses programas a única participação do consumidor (colaborador
financeiro) é realmente como a pessoa que doa dinheiro e não a que contribui
cognitivamente para o projeto (com exceção pontual do Teleton que presenteia o
contribuinte com bonecos de acordo com a quantia doada), realmente colocamos a
internet como a única plataforma que permite esse tipo de contribuição, levando em
consideração que para as pessoas, “o que as motiva não é dinheiro nem reconhecimento,
mas a sensação de estarem inseridas no mundo, [...], de se expressar, transformar e
trocar ideias que merecem ser espalhadas” (GIARDELLI, 2012, p. 21). Isso é o um retrato
da cultura participativa que a nova sociedade está desfrutando, o que:
(...) contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis separados, podemos agora considerá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo (JENKINS, 2008, p. 28).
Um completo rompimento com o modelo funcionalista de enxergar o receptor, onde
ele deixa a cadeira de passivo e assume sua postura crítica perante os conteúdos das
mídias. A globalização é sem dúvida um importante fator dentro desse processo, afinal, foi
ela quem democratizou os meios de comunicação, principalmente com o advento da
internet e deu voz aos que não podiam falar. Esse processo foi definido por Anderson
(2006) como a teoria da calda longa, que tirou o monopólio comunicativo de pequenos
grupos de liderança e distribuiu de maneira muito mais igualitária, quebrando o antigo
modelo broadcast de comunicação que funcionava como “uma máquina de imposição da
cultura dominante – ideologia dos dominantes, bem entendido – sobre o resto da
sociedade” (ROCHA, 1995, p. 62), programando as vontades, desejos, ideologias e
sentimentos nas pessoas, realidade muito diferente do que podemos perceber no século
XXI. O impacto que a globalização trouxe para o mundo pode ser percebido por meio de
diversos aspectos como as:
(...) mudanças em tecnologia, demografia, negócios, na economia e no mundo, estamos entrando em uma nova era, na qual as pessoas participam da economia como nunca antes. Essa nova participação atingiu um ápice no qual novas formas de colaboração em massa estão mudando a maneira como bens e serviços são inventados, produzidos, comercializados e distribuídos globalmente. Essa mudança apresenta oportunidades de longo alcance para todas as empresas e pessoas que conectam. (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 20).
A possibilidade de comunicação entre as mais diversas camadas sociais, culturais,
demográficas, políticas e educacionais, trouxe para o mundo a possibilidade do trabalho
em equipe e da contribuição sinérgica da sociedade. Hoje todo mundo pode apoiar
causas que causas que acredita por meio de um simples clique ou ainda, por meio de
algumas teclas que expressem dicas, conselhos ou críticas. Financiando sonhos
É no contexto de uma sociedade conectada, participativa e com uma imensa
vontade de contribuir com questões que lhe são atraentes, que os sonhos e projetos têm
uma grande chance de sair do papel e ganhar o mundo, tudo depende de como o
proponente mostra o seu desejo e qual a forma de recompensa dará de acordo com a
contribuição de cada um, porque apesar de haver sim uma vontade contributiva do
usuário, existe uma espécie de moeda de troca entre o proponente e o contribuinte dentro
do processo de persuasão. O crowdfunding a partir de uma linha de pensamento mais
adequada a sociedade da informação, é entendido como um:
(...) processo em que o próprio público colabora para o financiamento de um projeto. Através de sites na internet, os produtores anunciam sua ideia (para um filme, obra de arte ou produto de qualquer espécie) e pedem ajuda financeira aos
internautas, que fazem então doações com a intermediação desses sites. (FELINTO, 2012, p. 140).
Uma alterativa para as pessoas que não conseguem financiamento por meio de
agências de crédito e bancos. Para deixar mais claro como funciona esse fenômeno,
citaremos um caso brasileiro de um site que funciona como uma plataforma que une
pessoas que querem tiras seus sonhos do papel com pessoas que estão dispostas a
contribuir financeira e cognitivamente com ele, nesse contexto:
(...) o site de crowdfunding que mais se destaca, devido ao número e variedade de projetos e doações, é o Catarse. Criado no ano de 2011, a plataforma foi inspirada no site americano Kickstarter. O funcionamento é comum à maioria das plataformas: o proponente envia o projeto, preenchendo um formulário no próprio site, determinando o valor e prazo para a arrecadação do dinheiro (no máximo 60 dias). A partir de então, o autor do projeto é responsável pela divulgação e escolha da recompensa que deverá ser entregue aos doadores (pode ser um DVD, um ingresso para o show, livro, nomes nos créditos do filme, etc.). As doações começam a partir de R$ 10. Se, ao término do prazo estabelecido, o montante não for atingido, o dinheiro é devolvido e o projeto não é financiado. (VALIATI, 2013, p. 48).
Para que não haja lacunas a respeito do termo crowdfunding, é interessante saber
que ele “teve origem a partir da evolução de iniciativas como o banco de microempréstimo
americano Kiva, uma organização que usa as doações de pessoas físicas para realizar
empréstimos a usuários de países em desenvolvimento” (VALIATI, 2013, p. 47). Foi com
isso que começou a se ter uma noção mais precisa do poder que a população tem
quando resolve somar pequenas quantias em dinheiro, que juntas, acabam sendo
fundamentais para financiar projetos que outrora não tinham apoio.
A internet potencializou o fenômeno do financiamento coletivo, o que resultou na
criação de diversos sites como o já citado Vakinha6, o Benfeitoria7, o Juntos.com.vc8, o
Bicharia9 – que levanta a bandeira das causas animais - e o Queremos10, além de
muitos outros, mas por efeito de consistência deste trabalho, optamos por trabalhar
apenas com o também já citado, Catarse, que até a data de execução desse trabalho já
arrecadou R$ 39 milhões, financiou 2.365 projetos por meio da doação de pelo menos
265.624pessoas11. Isso mostra a força que esse fenômeno possui enquanto mobilizador e
6 Disponível em: https://www.vakinha.com.br/ acesso 25/02/16. 7 Disponível em: http://benfeitoria.com/ acesso em 25/02/16. 8 Disponível em: http://juntos.com.vc/pt/projects acesso em 25/02/16. 9 Disponível em: http://www.bicharia.com.br/ acesso em 25/02/16. 10 Disponível em: www.queremos.com.br/ acesso em 25/02/16. 11 Disponível em https://www.catarse.me/pt/hello acesso em 25/02/16.
transformador da realidade. A exemplo de projetos que foram financiados pelo Catarse a
partir de financiamento coletivo, podemos citar o da literatura infanto-juvenil, A princesa e
a costureira, que fala de “um conto de fadas sobre o casamento de uma princesa e um
príncipe. Até aí, tudo parece normal. Só que quando a princesa vai a uma costureira para
preparar seu vestido, elas se apaixonam” (Catarse, 2015). Com apenas uma semana de
projeto, ela já havia arrecadado R$ 5.240,00 sendo que a meta era apenas R$ 4.600,00.
Figura 02 – Projeto A princesa e a costureira.
Fonte: http://goo.gl/Wy0vLc
Os avanços que o crowdfunding trouxe para a humanidade são diversos e
comportam todas as atividades da sociedade, desde causas LGBT12 como vimos no
exemplo anterior, até financiamento de turnês de bandas. Entretanto é possível também
verificar a influência desse fenômeno na ciência, pois foi por meio do Catarse que Marcela
Uliano13 conseguiu financiar o seu projeto de doutorado intitulado Genoma do Mexilhão
Dourado, que buscava sequenciar o genoma de uma espécie específica de mexilhão que
12 A sigla LGBT se refere a lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e trangêneros. Disponível em http://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/lgbt acesso em 30/07/15. 13 Bacharel e licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (2010) e mestre em Ciências Biológicas (Biofísica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013). É doutoranda do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF) da UFRJ com o projeto de sequenciamento e montagem do genoma do mexilhão invasor, Limnoperna fortunei. Atualmente realiza doutorado sanduíche no Berlin Center for Genomics in Biodiversity Research (BeGenDiv) em Berlim, na Alemanha. Tem grande interesse por bioinformática, biologia molecular e bioquímica além de filosofia da ciência, literatura e divulgação científica. Possui um blog de divulgação (improvisocientifico.blogspot.com) e financiou parcialmente seu projeto de doutorado através de Crowdfunding no website Catarse (www.catarse.me/genoma). Marcela é TED Fellow 2014. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/5262353304713118 Acesso em 25/02/16.
estava causando problemas na Amazônia, sem predadores naturais, o molusco se
infiltrava em tubulações de água e causava grandes problemas.
Figura 03 – Projeto Genoma do Mexilhão Dourado
Fonte: https://www.catarse.me/genoma Acesso em 24/02/16.
Em entrevista ao blog do Catarse, Marcela conta sobre a experiência que foi
participar esse projeto e como o financiamento coletivo foi decisivo na sua vida.
Há cerca de dois anos, um amigo me falou do Catarse, uma nova plataforma de financiamento coletivo que permite que pessoas arrecadem dinheiro para projetos criativos. Coincidentemente, naquela mesma semana, meu orientador prof. Mauro Rabelo, que tem uma extensa experiência com divulgação científica, me disse que estudava a possibilidade de usarmos o crowdfunding como meio para financiar nossa pesquisa, meu projeto de doutorado – o estudo da genética de um bivalve conhecido como Mexilhão Dourado (Limnoperna fortunei). Financiamento coletivo em uma pesquisa de doutorado? Parecia uma ideia bizarra, mas pensei: por que não?.14
Dessa forma, o crowdfunding vem modificando o cenário do mercado, da produção
cultural, da ciência, da literatura, da música, das causas sociais, da moda... e torna
possível a realização de sonhos e projetos que antes pareciam impossíveis,
principalmente pela dificuldade de concessão de crédito por parte de instituições
financeiras para pessoas que não conseguem comprovar as configurações solicitadas 14 Entrevista disponível em http://blog.catarse.me/crowdfunding-doutorado/ Acesso em 25/02/16.
pelos credores para a concessão. Marcela ainda completa sua experiência com o Cartase
e principalmente com o crowdfunding dizendo que aprendeu:
(...) muito nesse processo. E o melhor, acho que também ensinei. Hoje penso que minha função não é apenas realizar o rebuscado trabalho científico, mas também instigar a paixão pela ciência nas pessoas. E a melhor maneira de fazer isso é apresentando as informações de forma simples, concisa e interessante. A partir daí, se as pessoas se interessarem pelo tema, elas vão querer saber mais, e então vão atrás dos detalhes. Depois de nosso vídeo viralizar, centenas de pessoas nos escreveram com perguntas, e milhares compartilharam o link do nosso projeto de crowdfunding. O trabalho deu resultado: ao final da campanha, 361 pessoas contribuíram com R$ 40,7 mil para nossa pesquisa. (ULIANO, 2015). 15
O que podemos perceber é que mais do que o consumo de bens e serviços, a
sociedade agora está consumindo sonhos, mas não apenas os sonhos pessoais e sim, os
sonhos de outras pessoas. Os indivíduos estão buscando participar os projetos de outras
pessoas e não basta apoiar apenas financeiramente, é preciso somar cognitivamente. O
curioso é que a internet tem a fama de que ela isola as pessoas, restringindo-as à
interações sociais virtuais, mas:
Ao contrário da visão distópica e agourenta de que a internet serve principalmente para isolar as pessoas, o crowdfunding usa a tecnologia para incentivar níveis inéditos de colaboração e trocas significativas entre pessoas com formações mais diversas, das mais distantes localizações geográficas. (HOWE, 2009, p. 12).
Todo esse senso de mobilização configura o que chamamos de capital social, ou
seja, “um conjunto de recursos de um determinado grupo que pode ser usufruído por
todos os membros do grupo, ainda que individualmente, e que está baseado na
reciprocidade” (RECUERO, 2009, p. 50). É a inteligência coletiva definindo como o capital
social deve ser criado e modificado utilizando o crowdfunding e a “satisfação de
sentimentos de participação e compartilhamento pode aumentar nosso desejo de maior
conexão, o que aumenta sua expressão e assim por diante” (SHIRKY, 2011, p. 71). Como
falamos no início do trabalho, nos sites que trabalham com financiamento coletivo, não há
uma proposta unilateral, sempre o ato de doar é recompensado de alguma forma pelo
proponente. A moeda de troca dentro dos sites de financiamento coletivo é definida pelo
15 Disponível em: http://blog.catarse.me/crowdfunding-doutorado/ Acesso em 18/07/15.
valor da doação e o que será trocador é definido pelo autor do projeto, como por exemplo
o projeto Praia Limpa que:
Tem o objetivo de conscientizar as pessoas do evento sobre a importância na preservação das praias brasileiras através da entrega de kits de conscientização, e por isso a Chorume 22 se interessou em produzir a camiseta oficial da ação. (STARTANDO, 2015)16
Nesse projeto, o doador que doar R$ 10,00 ou mais, tem direito a Agradecimento
nas páginas da CHORUME 22 e ONDA VERDE, quem doar R$ 30,00 ou mais, tem direito
a agradecimento mais um Adesivo ONDA VERDE e um Adesivo CHORUME 22, quem
doar R$ 50,00 ou mais, tem direito a agradecimento mais camisa CHORUME 22 no
projeto Praia Limpa e assim por diante. Como podemos perceber, dependendo da
doação, o doador ganha determinado presente.
É claro que além dessa reciprocidade vista no processo doação nos sites, ainda
temos o sentimento de contribuição que o indivíduo moderno comporta, para ele, não
basta apenas colaborar financeiramente, apesar de esse ser o maior intuito, ele pode, por
meio da interatividade da internet, propor melhorias aos projetos, convidar mais pessoas
para contribuir, dar publicidade, consertar eventuais falhas e assim por diante.
Considerações Finais
O que se pôde observar durante esse trabalho, é que existe um novo hábito de
consumo trabalhando como combustor de sonhos e projetos de pessoas que antes, não
tinham como viabilizar seus objetivos, principalmente por falta de apoio financeiro. Hoje o
que podemos perceber é que o crowdfunding:
(...) muda a forma como devemos ver os serviços financeiros e o envolvimento dos consumidores. Seus mecanismos ajudam a diminui risco pré-investimento e para investimentos mais em estágios mais avançados antes de comprometer fundos, enquanto fornecer subsídios quanto à demanda, preços e validade do negócio ao mesmo tempo. (BUYSERE ET AL, 2012, p.19)17.
16 Descrição do projeto Praia Limpa. Disponível em https://www.startando.com.br/ch22nopraialimpa Acesso em 24/07/15. 17 Tradução livre de: crowdfunding changes the way we should see financial services and the involvement of consumers. Its mechanisms help to de-risk pre-seed to later-stage investments prior to committing funds, while provide input as to demand, pricing and validity of the business at the same time.
Atualmente, não cabe apenas aos grandes grupos bancários a decisão de quais
projetos podem ou não ser financiados, cada indivíduo comporta o poder de decidir o que
merece apoio e o que não merece, mas isso só pareceu possível por conta do:
(...) processo de atual transformação tecnológica expande-se exponencialmente em razão de sua capacidade de criar uma interface entre campos tecnológicos mediante uma linguagem digital comum na qual a informação é gerada, armazenada, recuperada, processada e transmitida. (CASTELLS, 2008, p.2)
Transformação essa, que tem na inteligência coletiva, uma importante válvula
capaz de mobilizar os consumidores para trabalhar como verdadeiros agentes dos
projetos disponibilizados nessas plataformas crowdfunding. A cultura participativa é outro
importante fator que faz com que os projetos acabem tomando incentivos suficientes para
a sua execução. Entretanto existe uma coisa que é comum em todos os casos de apoio
por meio de plataformas crowdfunding, o sentimento de participação que se mostrou tão
relevante atualmente, portanto, o consumidor contemporâneo não é de forma alguma,
passivo no processo mercadológico, bem como no sistema de financiamento, ele não só
dá apoio financeiro como ajuda na construção e na melhora dos projetos como um todo, é
a realização de sonhos financiada pelo consumo e apoio coletivo.
Referências
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BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Elfos Editora; 1995.
CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. (4a ed.). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.
CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 11 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
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