Contos alemães

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Contos e lendas da Alemanha Compilados por M.Margarida Pereira-Müller

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Contos e lendas da Alemanha

Compilados por M.Margarida Pereira-Müller

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Índice

Índice____________________________________________________________________________

João e a noiva_____________________________________________________________________

O caçador e o cisne_________________________________________________________________

Os estudantes_____________________________________________________________________

O livro mágico_____________________________________________________________________

O irmão do Diabo__________________________________________________________________

A mão de gelo_____________________________________________________________________

O pescador diligente e o pescador mandrião_____________________________________________

O pobre José______________________________________________________________________

O homem sem coração______________________________________________________________

Maisbela_________________________________________________________________________

A pedrinha branca_________________________________________________________________

A árvore mágica___________________________________________________________________

O gigante-cenoura_________________________________________________________________

O veado branco____________________________________________________________________

Bibliografia_______________________________________________________________________

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João e a noiva

ra uma vez um velho lavrador que sentiu que a morte se aproximava. Como tinha dois filhos e as terras não podiam ser divididas, decidiu chamá-los à sua presença para que, juntos, resolvessem o caso. E

- Como gosto muito dos dois, não quero ser eu a decidir quem fica com as terras - explicou aos filhos.

O mais velho propôs então que cada um dos irmãos fosse procurar um presente para a sua noiva:

- O que trouxer o lenço de seda mais bonito e mais fino ficará com as terras.

O pai concordou, apesar de saber que o filho mais velho fizera aquela proposta porque o João, o irmão, não tinha noiva e que não saberia arranjar um lenço de seda fino.

João não sabia mesmo o que fazer. Foi para um bosque próximo, sentou-se num tronco de árvore partido e pôs-se a pensar. Foi então que viu aproximar-se um ratinho que lhe perguntou:

- Ó João, o que é que tens?

- Então não é que o meu irmão propôs ao meu pai que, após a sua morte, ficará com as terras aquele que lhe levar o lenço mais fino!

- Não te preocupes, João, aqui tens o lenço.

E o ratinho estendeu-lhe um lenço da seda mais fina que jamais tinha visto. João agradeceu-lhe muito e foi a correr para casa.

Quando lá chegou, o irmão já lá estava. Não se tinha esforçado nada. Para ele, o irmão mais novo era um palerma e não acreditava que ele encontrasse algum lenço fino; por isso, levou ao pai o primeiro lenço que encontrou, um lenço de serapilheira, muito feio. Mas quando João mostrou o seu lenço ao pai, todos ficaram sem fala.

- Nunca vi uma seda tão fina como esta - disse o pai, muitíssimo admirado. Este lenço é sem dúvida o mais fino dos dois. As terras pertencem-te, João.

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- Não, pai - interrompeu o irmão. - Não pode dar as terras ao João. Ele é um palerma. Foi de certeza por mero acaso que ele trouxe um lenço tão fino. Ponha mais uma condição, pai. Por exemplo, que fique com as terras quem trouxer o anel mais rico.

Apesar de não achar que tal fosse justo, o pai concordou. - Está bem, - disse por fim. - Após a minha morte, ficará com as terras quem me trouxer o anel mais rico.

Mais uma vez, João ficou sem saber o que fazer. Foi de novo para o bosque, sentou-se no mesmo tronco de árvore partido e pôs-se a pensar.

- Ó João, o que é que tens agora? - perguntou o ratinho.- O lenço não era fino?

- Então não era! Era o mais fino dos dois. Mas o meu irmão não ficou satisfeito com a decisão e voltou a pôr outra condição: que fique com as terras aquele que lhe levar o anel mais rico!

- Não te preocupes, João, aqui tens um anel. O teu irmão não vai encontrar nenhum anel mais rico.

E o ratinho estendeu-lhe um anel de ouro, do mais puro que jamais tinha visto e cravejado com as pedras preciosas mais raras do mundo. João agradeceu ao ratinho e foi a correr para casa.

Quando lá chegou, já o irmão lá estava. Tinha trazido o primeiro anel que viu - um anel muito rude, de cobre incrustado de vidros coloridos -, pois estava convencido de que o irmão nunca encontraria um anel melhor.

João mostrou o seu anel ao pai e admiração foi geral.

- Não há dúvida - disse o pai. - As terras serão para o João.

Mas o irmão não estava ainda de acordo. As terras nunca poderiam ir para o palerma do João. Nunca!

- Pai - pediu o irmão - põe mais uma condição. O João é palerma, não pode ficar com as terras!

- Mas, meu filho - ripostou o pai - já pus duas condições e o João trouxe não só o lenço mais fino como o anel mais rico. Por que hei-de pôr mais uma condição?

- Por favor, meu pai, só mais uma - implorou mais uma vez o filho mais velho.

- Está bem, mas esta é realmente a última condição. Ficará com as terras aquele que trouxer a noiva mais bela.

Pela terceira vez, João ficou sem saber o que fazer. Foi de novo para o bosque, sentou-se no mesmo tronco de árvore partido e pôs-se a pensar.

- Ó João, o que é que tens agora? - perguntou o ratinho. - O anel não era rico?

- Então não era! Era o mais rico dos dois. Mas o meu irmão não ficou satisfeito com a decisão e voltou a propor outra condição: ficará com as terras aquele que lhe levar a noiva mais bela!

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- Não te preocupes, João. Vem comigo!

O ratinho levou-o até à entrada duma toca e disse-lhe para o seguir.

- Mas eu não caibo aí! O buraquinho é muito pequenino! - retorquiu João.

- Claro que cabes! Anda atrás de mim - acalmou-o o ratinho.

E na realidade, assim que João se dobrou para tentar entrar, o buraquinho foi-se tornando maior e João entrou sem dificuldade alguma. A toca estava cheia de ratinhos que andavam em grande azáfama. O ratinho amigo do João chamou uma ratinha e pediu aos outros ratinhos que a cobrissem com a teia de aranha mais linda que houvesse na toca. Depois, aproximou-se da ratinha um coche muito pequenino, puxado por quatro ratinhos. A ratinha entrou, sentou-se e saiu da toca. Cá fora, convidou João a sentar-se ao seu lado.

- Mas o coche é muito pequenino! Eu não caibo lá dentro! - exclamou João desapontado.

- Claro que cabes - respondeu-lhe o ratinho seu amigo. - Senta-te lá!

Ao sentar-se, o coche transformou-se num grande e maravilhoso coche e a ratinha ao seu lado numa bela princesa, com um riquíssimo vestido cosido com fios de ouro e coberto com pedras preciosas que brilhavam à luz. Os quatro ratinhos que puxavam o coche transformaram-se em quatro garbosos cavalos brancos.

João conduziu o coche até às terras do pai. Ao passar pelos campos, os homens tiravam o chapéu e as mulheres faziam vénias. Quando a bela princesa se preparava para descer do coche, chegou o irmão do João com uma camponesa muito rude que tinha estado a limpar as pocilgas dos porcos. Não havia comparação possível entre as duas noivas.

- As terras são tuas, João! - disse o pai, muito feliz.

- Não é necessário - interrompeu a princesa. - As terras podem ficar para o irmão mais velho, apesar de ele não as merecer. João vai viver comigo para o meu palácio e, quando o meu pai morrer, tornar-se-á o rei do meu reino.

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O caçador e o cisne

ra uma vez um jovem caçador que vivia no bosque com a mãe. Um dia partiu para o bosque para caçar e encontrou tantos veados e corças que até lhe parecia que estavam todos ali à espera que ele os caçasse.

Quando já não podia carregar com mais nenhum animal e pretendia regressar a casa, viu uma linda corça castanha. Era tão linda que o jovem caçador queria fazer dela um troféu. Tentou apanhá-la, correu atrás dela durante algum tempo, mas ela era mais rápida que o vento. O caçador não desistiu e continuou a procurá-la, até que de repente se viu junto a um lago que não conhecia.

E

- Que estranho! - pensou o caçador. Conheço este bosque como as palmas das minhas mãos, mas juro que nunca vi este lago onde os peixes vivem como se estivessem no paraíso.

Estava ele nestes pensamentos, quando avistou um grupo de três lindos cisnes brancos. Pousaram nas margens do lago e, ao despirem a penugem que os cobriam, transformaram-se em três lindas jovens. Banharam-se durante algum tempo nas águas do lago; depois saíram, vestiram a penugem e voltaram a partir, voando pelo céu azul.

No regresso a casa, o caçador marcou o caminho, pois queria voltar no dia seguinte. E assim fez. No final do seu trabalho, o caçador procurou o caminho para o lago e a cena dos cisnes voltou a repetir-se.

Os cisnes não lhe saíam do pensamento e, no terceiro dia, quando as jovens estavam no banho, o caçador roubou a penugem duma delas. Ao ver o que alguém lhe levava a penugem, a jovem correu atrás do caçador, implorando-lhe que lha devolvesse. Sem sequer se voltar para trás, o caçador seguiu o caminho de casa, sempre seguido pela jovem que lhe pedia a penugem. Quando chegou a casa, escondeu a penugem e deu um vestido da mãe à jovem. Esta ficou a viver lá em casa e, passado algum tempo, casou com o caçador a quem deu três filhos.

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Um dia, quando andava a fazer arrumações, a jovem descobriu a sua penugem. Foi ter com a sogra, pediu-lhe que tomasse conta dos filhos e despediu-se:

- Quem me quiser ver, terá de me ir procurar no monte de vidro, onde vivo com o meu pai, o rei, e as minhas duas irmãs. Somos princesas e fomos enfeitiçadas há muitos anos. Adeus!

E naquele mesmo instante, vestiu a penugem, bateu asas e partiu.

Quando regressou a casa e a mãe lhe contou o que sucedera, o caçador quase que endoideceu. Mas rapidamente voltou a si, pegou num saco onde pôs alguns mantimentos e partiu por esse mundo fora para procurar a sua esposa muito amada.

Após ter andado três dias e três noites, encontrou um eremita já muito velho.

- Meu Deus! - exclamou o eremita. - Há quanto tempo não vejo uma pessoa. Moro aqui há várias décadas e nunca ninguém passou aqui. Que te traz por estes lados?

- Ando à procura dum monte feito de vidro. Saberás onde se situa?

- Lamento, meu filho, não te posso ajudar. Mas quem sabe se o meu irmão, que também é eremita, não saberá. Nunca mais o vi desde que me tornei eremita, mas pode ser que ele ainda esteja vivo. Segue sempre em frente e daqui a um dia de marcha, encontrá-lo-ás. Dá-lhe esta moeda, que foi a única coisa que guardámos quando viemos para aqui.

O jovem caçador agradeceu ao eremita e seguiu caminho. Na realidade, após um dia de marcha, encontrou outro eremita tão velho como o anterior.

- Meu Deus! - exclamou o eremita ao ver o caçador. - Há quanto tempo não vejo uma pessoa. Moro aqui há várias décadas e nunca ninguém passou aqui. Que te traz por estes ermos?

- Foi o teu irmão que me enviou, pois pode ser que me possas ajudar. Aqui tens a moeda dele.

- Então o meu irmão ainda vive?! Que felicidade! Diz-me, meu filho, que procuras?

- Ando à procura dum monte feito de vidro. Saberás onde se situa?

- Lamento, meu filho, não sei. Mas pode ser que o nosso irmão mais velho, que também é eremita, saiba. Já não o vejo desde que me tornei eremita, mas pode ser que ele ainda esteja vivo. Segue sempre em frente e daqui a um dia de marcha, encontrá-lo-ás. Dá-lhe esta moeda, pois, como já sabes, foi a única coisa que guardámos quando viemos para aqui.

O jovem caçador agradeceu ao eremita. No caminho, encontrou um boi morto sobre o qual estavam um leão, um galgo, uma águia e uma formiga. Ao verem-no pediram-lhe ajuda para dividir o boi.

- Está bem - respondeu-lhes. - Para o leão fica a carne toda, pois ele tem uma boca grande. Para ti, galgo, ficam os ossos, pois é do que gostas. As águias

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preferem depenicar; assim ficas com os chifres e as formigas gostam de estar na comida. A ela dou-lhe a cabeça.

Os animais agradeceram-lhe e este seguiu caminho. Já tinha andado um bom bocado, quando sentiu o galgo atrás dele que lhe pediu que voltasse para trás, pois todos lhe queriam agradecer convenientemente. O caçador achou um pouco estranho, mas, mesmo assim, foi ter com os animais. Disse-lhe a águia:

- Tu foste realmente muito justo ao dividir o boi. Aqui tens uma pena minha. Se um dia estiveres em perigo, dobra a pena e voarás três vezes mais alto do que eu.

- Toma um pêlo meu - disse-lhe o leão. - Se um dia estiveres em perigo, basta dobrares o pêlo, e ficarás com o triplo da minha força.

- Também eu te dou um pêlo meu - replicou o galgo. - Se um dia estiveres em perigo, basta dobrares o pêlo e correrás com o triplo da minha velocidade.

- De mim, recebes uma perninha. Se um dia estiveres em perigo, basta dobrares a perninha, e ficarás três vezes mais pequeno que eu.

O caçador agradeceu as prendas e continuou o caminho até que encontrou o eremita mais velho.

- Meu Deus! - exclamou o eremita ao ver o caçador. - Há quanto tempo não vejo uma pessoa. Moro aqui há várias décadas e nunca ninguém passou aqui. Que pretendes?

- O teu irmão do meio enviou-me a o teu outro irmão que me aconselhou a vir aqui falar contigo, pois talvez me possas ajudar. Aqui tens a moeda dele.

- Ah, que felicidade! Os meus irmãos ainda vivem! Diz-me, meu filho, que procuras?

O jovem caçador contou a história toda ao velho eremita.

- Há muitos, muitos anos, antes de me tornar eremita, passei por um reino muito belo. Soube depois que todas as pessoas tinham sido enfeitiçadas e que o reino se tinha transformado num monte de vidro. Disseram-me que só alguém com forças quase sobrenaturais poderá lá entrar.

- Que bom! O monte existe. Não descansarei até o encontrar.

Lembrou-se então da pena da águia. Tirou-a do bolso, dobrou-a e começou a voar. Lá do cimo, avistou ao longe o monte de vidro. Quando lá chegou, procurou uma entrada em vão. Só conseguiu descobrir uma fenda muito pequenina. Tirou então do bolso a perninha da formiga e dobrou-a; tornou-se numa formiga tão pequenina que entrou na fenda sem dificuldade alguma. Dentro do monte de vidro estava o palácio real; encostado a uma janela, o velho rei olhava e suspirava. O caçador, ainda como formiga, passou ao pé do rei; entrou no primeiro quarto e viu uma princesa. Entrou no segundo quarto, onde a segunda princesa lia um livro e, finalmente, chegou ao terceiro quarto, onde estava a terceira princesa, a sua mulher.

Ouviu-se então que alguém chamava para o almoço. A jovem princesa foi até ao espelho para se arranjar. O caçador pôs-se atrás dela e tomou então a sua

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verdadeira forma. A princesa assustou-se, voltou-se e caiu nos braços do marido.

- Como conseguiste descobrir-nos, meu adorado esposo?

O caçador contou-lhe tudo o que tinha vivido no caminho e perguntou-lhe:

- Como é que te posso desenfeitiçar, a ti, ao teu pai, às tuas irmãs e a todo o reino?

- Não sei, mas penso que o meu pai saberá. Transforma-te outra vez em formiga e eu levo-te no meu regaço. Vou tentar que, durante o almoço, o meu pai diga o que sabe.

Seguiram para a sala; assim que se sentaram à mesa, a filha mais nova começou a chorar.

- O que tens, minha filha? - perguntou-lhe o pai preocupado.

A filha soluçou.

- Meu pai, tenho tantas saudades dos meus filhos e do meu marido. Como é que alguém nos poderá desenfeitiçar?

- Minha querida filha! Compreendo-te bem. Mas como é que alguém nos poderá desenfeitiçar se a tarefa é quase impossível?! Primeiro, tem de ser morto o dragão das doze cabeças. Da última cabeça saltará uma lebre, mais rápida que o vento. Tem de ser apanhada e morta e dela sairá uma pombinha branca que ao ser morta se transformará numa pedrinha que tem de ser atirada para dentro do monte de vidro. Então será quebrado o feitiço. E agora diz-me, minha filha, quem conseguirá executar esta tarefa?

Acabaram de almoçar em silêncio. No final, a jovem princesa, levou alguma comida para o quarto. O caçador voltou a tomar a sua verdadeira forma; após ter comido e recuperado forças, despediu-se da princesa e foi procurar o dragão das doze cabeças.

Chegou até uma quinta e ofereceu-se para guardador de porcos.

- Está bem - aceitou o dono. - Mas digo-te, é difícil ser guardador de porcos aqui nesta zona. Anda por aí um dragão com doze cabeças que nos come os animais ... e os guardadores.

O caçador juntou os porcos e partiu com eles para o campo. Assim o dragão o viu, correu para ele para o atacar, mas o caçador tirou do bolso o pêlo do leão, lutou ferozmente e matou-lhe duas cabeças. Voltou para casa com todos os animais o que admirou muito o dono.

No dia seguinte, a cena voltou a repetir-se. Ao ver aproximar-se o guardador de porcos, o dragão correu para ele. Mas este dobrou o pêlo do leão e matou-lhe mais umas quantas cabeças. No terceiro dia, o caçador conseguiu matar as restantes cabeças.

Tal como o rei dissera, assim que matou a última cabeça, saltou de lá uma lebre tão rápida como o vento. O caçador dobrou o pêlo do galgo e conseguiu apanhá-la e matá-la. Da lebre morta voou uma pombinha branca; o caçador,

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porém, dobrou a pena da águia, voou atrás dela, apanhou-a e matou-a. Naquele instante, a pomba transformou-se numa pedrinha.

O caçador estava cansado, mas muito feliz. Correu para o monte de vidro e atirou a pedrinha pela fenda. Naquele mesmo instante, ouviu-se um grande estrondo e todo o reino ficou desenfeitiçado.

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Os estudantes

proximando-se o início das aulas, dois estudantes puseram-se a caminho da cidade onde iriam cursar. O caminho era longo e, por isso, eles partiram cedo de casa para conseguirem chegar à

primeira pensão antes de anoitecer. A meio do caminho, encontraram um grupo de homens que estavam a jogar à malha.

A- Muito bom dia! - cumprimentou um dos jogadores. - Para onde vão?

- Somos estudantes e estamos a caminho da cidade onde vamos estudar.

- Ah, então ainda têm muito tempo! Joguem aqui um pouco connosco - sugeriu-lhes o mesmo jogador.

- Não podemos - retorquiram os estudantes. - O caminho é longo e queremos chegar à pensão antes que anoiteça.

- Não há desculpas - insistiu o jogador. - Os senhores têm tempo e mais que tempo. Joguem connosco. Não se preocupem que hão-de chegar ainda de dia à vossa pensão.

Os dois rapazes não estavam lá pelos ajustes, não só por causa do caminho ainda por fazer, mas também porque não queriam perder tempo com uns camponeses. Mas perante tanta insistência lá resolveram jogar uma partida. De repente, o jogador que os tinha interpolado começou a falar em latim com uma eloquência tal que os estudantes, já iniciados nessa língua, mal conseguiam acompanhar. Além disso, nunca tinham visto um jogador tão exémio como este.

Quando o jogo acabou, já o Sol ia alto. Os rapazes coçaram a cabeça, vendo que não conseguiriam chegar a tempo à pensão.

- Eu disse-vos que não se preocupassem - relembrou-lhes o homem. - Tomem aqui estes pauzinhos e vão ver que tudo se irá resolver.

Apesar de muito admirados - para que é que lhes serviria um pauzinho?! - os estudantes agradeceram e seguiram viagem. Puseram os pauzinhos

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ao ombro, mas passado algum tempo quase não conseguiam andar, tão pesados estes se tinham tornado.

- Como é que um pauzinho tão pequenino se pode ir tornando tão pesado? - perguntaram admirados os rapazes. - O melhor é deitá-los fora. Por este andar nem amanhã chegaremos à pensão.

Antes de o aventar, um dos estudantes pô-lo entre as pernas como se fosse um cavalinho. Naquele mesmo instante, o pauzinho disparou nos ares como uma flecha. Ao ver o que acontecera, o outro estudante fez o mesmo e partiu também disparado. Passados alguns segundos, estavam à porta da pensão onde iriam pernoitar.

Dormiram muito descansadamente e, no dia seguinte, após um farto pequeno-almoço, decidiram continuar a viagem. O largo à frente da pensão estava cheio de pessoas. Os dois estudantes sairam da pensão e puseram os pauzitos entre as pernas. Não aconteceu nada. Disseram. "Cavalinho, anda!", mas os pauzinhos continuaram pauzinhos. Ao verem os dois estudantes a brincar aos cavalinhos com dois pauzinhos como se fossem duas crianças pequenas, as pessoas começaram a rir-se. Algumas já choravam de tanto rir. Outras rebolavam-se no chão, perdidos de riso.

Os estudantes disseram mais uma vez: "Anda, cavalinho", mas como os pauzinhos não se modificavam e as pessoas continuavam a rir a bandeiras despregadas, os estudantes puseram os pauzinhos nas mochilas e, cheios de vergonha, puseram-se a andar. Quando passaram as portas da cidade, pararam um pouco.

- Não sei por quê, mas a minha mochila está tão pesada! - comentou um dos estudantes para o amigo.

- A minha também - retorquiu o outro. - Até parece que tenho uma pedra dentro.

Abriram as mochilas e qual não foi o seu espanto ao verem que as mochilas estavam cheias de malhas de ouro puro. Felizes, os estudantes depressa esqueceram a cena no largo da pensão e seguiram viagem.

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O livro mágico

ra uma vez um rapazinho cuja mãe pediu ao grande senhor da terra para o tomar ao seu serviço. O senhor acedeu e o rapazinho ia de manhã à escola e à tarde para os campos guardar as varas

de porcos do senhor.EO rapazinho sentia-se porém infeliz. Achava que estava mal empregue naquele serviço e disse à mãe que queria antes um serviço onde pudesse utilizar o que aprendia na escola. - Eu até sei ler e escrever - justificou à mãe. Como o senhor das terras não o quis mudar de lugar, a mãe foi com o filho à cidade ver se conseguia arranjar melhor emprego. Para lá chegarem tinham de atravessar um bosque. Quando estavam a meio do caminho, passou por eles uma carruagem com um senhor muito rico.

-Para onde vão? - perguntou-lhes o senhor.

- À cidade arranjar um bom emprego para o meu filho que não quer ser o rapaz dos porcos - respondeu a mãe.

- Queres ficar ao meu serviço? - propôs o senhor ao rapaz. - Tens de cuidar da minha casa que tem doze quartos. Em troca recebes comida, cama, roupa lavada e 300 moedas de ouro ao fim do ano.

O rapaz estava pelos ajustes; despediu-se da mãe e seguiu viagem com o senhor. Passado algum tempo, chegaram a um palácio muito belo.

- Pois bem, meu rapaz. Eis aqui o meu palácio. Como te disse, tem doze quartos; tens de limpar e manter em ordem todos eles, excepto um - explicou o senhor. - Nunca abras a porta do décimo segundo quarto! Sempre que tiveres fome, basta pedir e ser-te-á posta a mesa com todas as iguarias que quiseres. Para te vestires, tens muita roupa nos roupeiros. Escolhe a que mais te agradar. Agora vou-me embora; regressarei dentro dum ano.

O rapaz ficou sozinho no palácio e, dia após dia, limpava e mantinha a casa em ordem. Comia e bebia bem e levava um boa vida. Como combinado, ao fim de um ano, o senhor regressou.

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- Estou muito contente com o teu trabalho - disse-lhe. - Aqui tens as tuas trezentas moedas.

- Não mas dê ainda - retorquiu o rapaz. - Gosto deste trabalho e quero ficar mais um ano.

- Está bem, mas não te esqueças que não podes abrir a décima segunda porta!

O segundo ano passou-se tal como o primeiro e, ao fim do tempo, o senhor regressou para pagar ao rapaz.

- Vejo que trataste bem da minha casa. Aqui tens as trezentas moedas a que tens direito, mais as outras trezentas do ano passado.

- Obrigado, meu amo, mas não quero ainda o dinheiro. Gostaria de ficar mais um ano.

O senhor concordou e o terceiro ano passou-se como os outros dois. Só que algumas horas antes de acabar o tempo, o rapaz não cedeu à tentação e foi satisfazer a sua curiosidade.

- Antes de me ir embora, vou espreitar o décimo segundo quarto. Abro só um bocadinho a porta e depois fecho-a logo.

Pegou na chave do décimo segundo quarto e abriu a porta. O quarto tinha somente uma cama em cima da qual estava um livro aberto que caiu para o chão assim que a porta se abriu. O rapaz correu a colocá-lo de novo no lugar, mas ele voltou a cair. Após várias tentativas, o rapaz não viu outra solução se não pegar no livro, escondê-lo no bolso e fechar a porta do quarto. Passado algum tempo, chegou o senhor. O rapaz dirigiu-se a ele e disse que estava com saudades da mãe e que se queria ir embora.

- Está bem, aqui tens as tuas novecentas moedas, apesar de não teres cumprido o combinado: abriste a décima segunda porta. Mas como mantiveste a casa em ordem durante estes três anos, deixo-te ir. Ofereço-te também este fato, que mandei fazer especialmente para ti.

O rapaz entrou na carruagem e o senhor deixou-o no lugar onde três anos antes o tinha encontrado. Despediram-se e o rapaz seguiu a pé até à aldeia. Quando chegou a casa da mãe, esta nem a reconheceu pois estava muito bem vestido com um fato todo bordado a ouro. A mãe ficou tão contente que não só chamou todos os vizinhos para verem como o filho estava fino como foi à casa do senhor das terras e disse-lhe:

- Não quisestes dar outro lugar ao meu filho e vede como ele está agora: nem reconheceis o vosso antigo guardador de porcos.

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Quando toda a gente se tinha retirado, o filho recolheu-se ao quarto para descansar daquela confusão toda. Ao sentar-se na cama sentiu algo duro no bolso. Meteu a mão e viu que era o livro.

- Vamos cá ver então que histórias tens para me contar, livro pulador.

Porém, ao abrir o livro, deu um grito de susto. Lá de dentro saiu um monstro grande que lhe disse:

- Que ordena o meu senhor?

- Ah, este livro é mágico - disse o rapaz. - Quem és tu?

- Sou o génio do livro e vós sois o meu senhor. Que ordenais?

- Por enquanto nada.

O rapaz dirigiu-se logo de seguida ao senhor das terras e propôs-lhe um negócio:

- Gostaria de vos comprar aquelas terras que tendes acolá.

E apontou para uma encosta muito íngreme cheia de pedras.

- É mesmo pacóvio, este guardador de porcos - pensou o senhor. - Apesar de estar tão bem vestido, continua a ter a cabeça dum guardador de porcos e não percebe nada de agricultura. Lá por ter dinheiro, quer comprar aquelas terras que não valem nada e onde não se consegue cultivar nada!

Mas em voz alta, disse-lhe:

- Para mim continuas a ser o guardador de porcos mas se tens duzentas moedas vendo-te as terras, pois não preciso delas.

O rapaz meteu a mão ao bolso e pagou-lhe logo as terras. O senhor ficou todo contente com o negócio pois viu-se livre das terras mais inférteis que tinha.

Quando chegou a casa, o rapaz abriu o livro e ordenou ao génio que lhe arranjasse as terras e lhe plantasse o melhor pomar do reino. O génio assim o fez. Qual não foi o espanto do antigo amo, quando no dia seguinte de manhã deparou com um belíssimo pomar mesmo em frente das suas terras.

- Como é que o rapaz conseguiu transformar numa noite um monte de pedras em terras tão férteis?! - indagou a si mesmo.

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Nesse dia, antes de se deitar, o rapaz voltou a abrir o livro e ordenou ao génio:

- Quero que construas no meio do pomar o palácio mais belo de todo o reino.

O génio assim fez. O antigo amo ia desmaiando ao ver pela manhã um lindíssimo palácio no meio do pomar. Mandou chamar logo à sua presença o seu antigo guardador de porcos.

- Vejo que sabes o que queres e que tens muito bom gosto. Ofereço-te a mão da minha filha - propôs-lhe o antigo amo.

Mas o rapaz replicou de imediato:

- Não posso aceitar a sua filha pois continuo a ser o guardador de porcos!

E saiu logo da casa do antigo amo. A beleza do palácio começou a ser comentada em todo o reino e chegou aos ouvidos do rei que decidiu ir vê-lo com a filha. Assim que desceram do coche, o rapaz foi dar-lhes as boas-vindas e mostrou-lhes todo o palácio, o jardim e o pomar. O rei e a princesa ficaram encantados não só com o que viram mas também com o rapaz. Este apaixonara-se logo pela princesa assim que a vira e a princesa também gostou logo do rapaz. O rei resolveu então casar a filha com o rapaz. Passado um ano, a princesa deu à luz uma menina, tão formosa quanto ela. E os três viviam muito felizes.

Quem não gostava nada desta felicidade toda era o conselheiro-mor a quem o rei prometera a princesa em tempos passados. Um dia, em que o rapaz tinha ido à caça com o rei, o conselheiro-mor aproveitou a ocasião e foi visitar a princesa para ver se descobria como é que um antigo guardador de porcos tinha ascendido a tanta riqueza.

A princesa recebeu-o como a um amigo. E no meio do chá, o conselheiro-mor perguntou-lhe:

- Como é que o teu marido conseguiu transformar um monte de pedras num pomar tão frutífero e num jardim tão belo?

- Como és meu amigo, vou dizer-te - confidenciou-lhe a princesa. O segredo está num livro que ele guarda em cima do armário.

- Posso vê-lo? - inquiriu o conselheiro-mor.

Sem desconfiar da maldade do conselheiro-mor, a princesa foi buscar o livro e mostrou-lho. Ao abri-lo saiu de dentro o génio que lhe disse:

- Tu não és o meu amo, mas tenho que te obedecer. Que desejas?

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- Leva este palácio com tudo o que está lá dentro para um sítio onde não chegue nem a luz do sol nem a do luar - ordenou o conselheiro-mor. - Não quero que nunca mais ninguém nos encontre.

Embora contrariado, o génio fez o que lhe ordenara o conselheiro-mor, pois tinha de obedecer a quem abrisse o livro.

Quando regressou da caça, o rapaz nem podia acreditar no que os seus olhos viam, ou melhor, nãoviam. Perguntou a toda a gente onde estava o palácio e a sua querida princesa, mas ninguém lhe sabia responder. O rapaz não sabia o que haveria de fazer, mas ficar parado é que não era com ele. Foi a casa da mãe buscar roupa e algo para comer e pôs a caminho.

Andou semanas, meses e anos a fio por todo reino e não encontro o palácio. Um dia, estava ele muito triste, viu ao longe uma cabana que lhe parecia estar abandonada. Como estava muito cansado, decidiu ir até lá para passar a noite num sítio abrigado. Ao abrir a porta, viu um campo muito verde e sentiu uma brisa muito agradável. Ainda mais admirado ficou, quando ouviu uma voz que lhe perguntou:

- O que procuras aqui?

- Ando à procura do palácio mais belo à superfície da terra e da minha mulher e da minha filha que estão lá dentro - replicou o rapaz. - E tu quem és?

- Sou o vento do oeste. Não vi nenhum palácio, mas se quiseres podemos ir perguntar ao meu irmão, o vento do leste.

O rapaz respondeu logo que sim. O vento do oeste pegou-o ao colo e levou-o pelos ares. Chegaram a uma região muito árida, sem vegetação.

- Meu irmão - cumprimentou o vento do oeste o vento de leste - trago-te aqui este rapaz que anda à procura do palácio mais belo à superfície da terra. Viste-o por acaso?

- A ti é que não te via há muito tempo - retorquiu o vento do leste. - Mas palácios também não tenho visto: nem bonitos nem feios.

- Como vês, o palácio mais belo à superfície da terra também por aqui não passou.

- Posso levá-lo ao nosso irmão, o vento do norte e perguntamos-lhe - sugeriu o vento de leste.

Todos concordaram. O vente do oeste despediu-se do irmão e desejou boa sorte ao rapaz. O vento de leste pegou no rapaz e levou-o pelos ares

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até que chegaram a uma região muito fria, coberta de neve e cujas árvores não tinham nem uma folha.

- Ora, bem-vindo, irmão - cumprimentou o vento do norte o vento de leste. - O que te trouxe até aqui?

- O nosso irmão, o vente do oeste, quer ajudar este rapaz que anda à procura do palácio mais belo à superfície da terra onde estão a mulher e a filha - informou-o o vento de leste.

- Não vi por aqui nenhum palácio - respondeu o vento do norte. - Mas posso levá-lo ao nosso irmão, o vento do sul.

O vento do leste agradeceu e o vento do norte pegou no rapaz ao colo e levou-o pelos ares até ao vento do sul. Ainda não estavam lá, já o rapaz sentia uma aragem morna e um óptimo cheiro a flores. Pássaros e borboletas voavam felizes pelos céus. Todos pareciam felizes. O rapaz ficou ainda com mais saudades da sua mulher e do sua filha, pois todo aquele ambiente lhe lembrava a felicidade em que vivera.

- Meu irmão - disse o vento do sul ao vento do norte - ainda bem que me vieste visitar. Já tinha saudades tuas.

- Vim cá a pedido do nosso irmão, o vento do oeste, que quer ajudar este rapaz a encontrar o palácio mais belo à superfície da terra, onde estão a mulher e a filha. Viste-o por acaso? - perguntou-lhe o vento do norte.

Também o vento do sul não vira nenhum palácio, mas propôs levar o rapaz até ao pai, o sol. Mas o sol também não vira nenhum palácio. Mandou os seus raios até aos lugares mais recônditos, mas em vão.

- Por que não levá-lo à vossa mãe? - lembrou o sol. E naquele instante, o sol pegou no rapaz e levou-o até à lua.

- O nosso filho, o vento do oeste, quer ajudar este rapaz a encontrar a mulher e a filha que estão no palácio mais belo à superfície da terra. Viste-o? - perguntou o sol à lua.

- Não te posso ajudar - lamentou a lua. Por estes lados não passa nenhum palácio há milhões de anos. Mas se quiseres posso levá-lo à minha prima, a terra.

O rapaz concordou - não se perdia nada tentar. A lua levou então o rapaz ao fundo da terra. A prima estava muito atarefada a tratar dos ratos, das toupeiras e de todos os seus animais queridos.

- Olá, prima lua! - cumprimentou-a a terra. - Que aborrecido, falta-me um ratinho. Neste últimos tempos, este ratinho anda sempre desaparecido. Onde é que andará? Mas que te traz por aqui?

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- O meu filho, o vento do oeste, quer ajudar este rapaz que anda à procura da sua mulher e da filha que estão no palácio mais belo à superfície da terra e que desapareceu do lugar...

Ainda a lua não tinha acabado de falar, quando se ouviu ao longe uma vozinha:

- O palácio mais belo da terra? Andam à procura do palácio mais belo à superfície da terra? É de lá que eu venho mesmo agora.

Todos olharam para o sítio donde vinha a vozinha. Um ratinho pequeno tinha acabado de sair dum buraquinho da terra.

- O que estás a dizer? - perguntou ansioso o rapaz. - Tu viste o palácio mais belo à superfície da terra?

- Claro - confirmou o ratinho. - Moram lá um homem muito antipático e uma mulher muito bela com uma filha pequena, que é a minha amiga.

- Depressa - pediu o rapaz. - Leva-me até lá.

O ratinho pegou na mão do rapaz e os dois desapareceram por um buraquinho da terra. Andaram um pouco pelo meio da terra até que chegaram ao sítio onde estava o palácio.

- Oh, o meu palácio! - exclamou o rapaz muito comovido. - Ouve lá, ratinho, por acaso viste lá um livro velho?

- Há lá muitos livros. Mas o homem antipático anda sempre agarrado a um livro. Até dorme com ele debaixo da almofada.

- Consegues ir lá buscar-mo? - pediu o rapaz ao rato.

- Não sei, é muito difícil. Mas vou tentar.

O ratinho entrou no palácio por um buraquinho na parede. Como era de noite, todos estavam a dormir. O ratinho foi até à cama onde estavam deitados o homem e a princesa e puxou por uma ponta do livro. O homem acordou e perguntou muito zangado quem lhe estava a mexer na almofada.

A princesa olhou à sua volta e disse:

- É só um ratinho.

- Vou matá-lo - gritou zangado o conselheiro-mor.

- Não faças isso - pediu-lhe a princesa. - É o único amigo da minha filha. Passa os dias a brincar com ele.

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O conselheiro-mor virou-se para o outro lado e continuou a dormir. O ratinho tentou outra vez, mas o conselheiro-mor voltou a acordar.

- E quem é que me acordou agora? - inquiriu ainda mais zangado.

- É só o ratinho.

- Se me volta a acordar, mato-o mesmo.

O conselheiro-mor voltou-se para o outro lado e recomeçou a dormir. O ratinho estava a ver que não conseguia levar avante a sua missão. Só havia uma coisa fazer: puxar o livro com força e fugir o mais depressa possível. E foi assim mesmo que fez. Desta vez, o conselheiro-mor levantou-se, acendeu a luz e viu o ratinho a fugir com o livro. Ainda o tentou apanhar, mas o ratinho foi mais rápido e meteu-se por um buraquinho mesmo quando o conselheiro-mor estava já quase a tocar-lhe.

Muito cansado, o ratinho deu o livro ao rapaz. Este abriu-o de imediato. O génio ficou todo contente de ver o seu amo e perguntou-lhe:

- Que desejais, muito querido amo?

- Leva já o palácio e todos quantos estão cá dentro para o lugar onde ele estava.

E no segundo seguinte, o palácio lá estava no meio do pomar e do jardim. O rapaz entrou no palácio com os guardas do rei que estavam no pomar desde o dia em que o palácio desapareceu e mandou-os prender o conselheiro-mor. Naquele instante, o rei chegou ao palácio. Abraçou filha e neta e elogiou o rapaz por ter conseguido recuperar o palácio.

- E quanto a ti, vais para a prisão - disse ao conselheiro-mor.

A princesa, que era muito boa, teve porém pena dele.

- Meu pai, tens de compreender o que o levou a proceder assim. Tinhas-lhe prometido que se casaria comigo, mas eu preferi casar-me com outro. Não o mandes para a prisão. Obriga-o só a sair do reino.

O pai acedeu ao pedido da filha e o conselheiro-mor foi levado pelos guardas até à fronteira do reino.

Quando o rei morreu, a princesa e o antigo guardador de porcos tornaram-se rainha e rei e governaram o reino com muita justiça e paz.

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O irmão do Diabo

ra uma vez um soldado que se cansou da vida do quartel e decidiu mudar de vida. Com um saco às costas, começou a percorrer mundo, mas o último soldo que tinha recebido depressa

se gastou.EAs refeições tornaram-se mais escassas e magras até que ficou sem dinheiro nenhum.

- Ai, de mim, porque é que deixei a vida de soldado? Ao menos no quartel tinha onde dormir e o que comer! - pensou o soldado.

Naquele instante, apareceu-lhe um homenzinho que lhe perguntou se queria trabalhar para ele.

- O que é que tenho de fazer? - perguntou o soldado.

- É fácil. Só tens que manter bem vivo o fogo que tenho debaixo de três caldeirões e manter a minha gruta bem varrida e arrumada, juntando o lixo atrás da porta - respondeu-lhe o homenzinho.

- Se é só isso, aceito já - retorquiu o soldado.

- Calma aí. Tens ainda que aceitar as minhas condições.

- Quais são?

- Tens de me servir durante sete anos e, durante esse tempo, não te podes nem lavar nem pentear nem espreitar para dentro dos caldeirões.

- De acordo. Mas quem és tu?

- Eu sou o Diabo.

Mesmo sabendo que ia servir o Diabo, o soldado aceitou o serviço, pois não sabia como havia de arranjar dinheiro para comer e dormir. O Diabo vivia numa gruta muito escura e muito quente; ao centro, estavam três caldeirões a ferver, debaixo dos quais crepitavam três fogueiras.

Assim que chegou, o soldado pôs-se logo a trabalhar.

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- Vou ter de sair, mas não te esqueças de manter o fogo bem acesso. E nunca espreites para dentro dos caldeirões.

O soldado foi fazendo o seu trabalho. Passado um ano, o Diabo voltou à gruta e ficou muito satisfeito com o trabalho do soldado. A gruta estava limpa e o fogo bem espevitado. Voltou a sair, mas fez antes de novo as suas recomendações:

- Não te esqueças de manter o fogo bem acesso. E nunca espreites para dentro dos caldeirões.

O soldado estava porém cheio de curiosidade em saber o que estava lá dentro e pensou que se levantasse só um bocadinho da tampa, o Diabo não iria notar nada.

Tirou a tampa do primeiro caldeirão e viu lá dentro o sargento do seu regimento.

- Ó, o meu sargento. Ora ainda bem que aqui estás, pois fizeste-me a vida negra enquanto estive no quartel.

Foi buscar mais lenha e avivou ainda mais o fogo.

Espreitou depois para dentro do segundo caldeirão e viu lá dentro o capitão do seu regimento.

- Ó, o meu capitão. Ora ainda bem que aqui estás, pois sempre que estavas de oficial de dia e eu de sentinela, fazias-me a vida negra.

Foi buscar mais lenha e avivou ainda mais o fogo.

Por fim, espreitou o terceiro caldeirão e viu lá dentro o general do seu regimento.

- Olha, o meu general. Ora ainda bem que aqui estás, pois nunca me promoveste apesar de eu ter sido um bom soldado.

Foi buscar mais lenha e avivou ainda mais o fogo.

Passados seis anos, o Diabo voltou.

- Fizeste tudo o que eu te disse? - perguntou-lhe o Diabo.

- Olhe à sua volta e veja - respondeu-lhe o soldado. - A gruta está bem varrida e o fogo bem vivo.

- Isso vejo eu. Mas o pior é que espreitaste para dentro dos caldeirões! Se não tivesses mantido o fogo vivo, ter-te-ia dado um grande castigo, assim vais sofrer só um pouco.

- Não me posso ir embora? - perguntou o soldado assustado.

- Claro. E como recompensa do teu trabalho, podes ir atrás da porta e pôr na tua mochila tanto lixo quanto couber nela. Além disso, até chegares a casa do teu pai, não te podes pentear nem lavar - nem sequer tirar as ramelas dos olhos. E se alguém te perguntar quem és, terás de responder que és o irmão enfarruscado do Diabo.

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O soldado não estava nada satisfeito com a recompensa nem com as últimas condições, mas foi atrás da porta, encheu a mochila com o lixo e partiu.

- Trabalhei sete anos - ia pensando o soldado enquanto caminhava - e o que ganhei foi uma mochila cheia de lixo. O melhor é despejá-la aqui mesmo. Para que é que hei-de carregar lixo?!

O soldado preparou-se para despejar a mochila, mas parou assim que a abriu. De lixo não havia nem sombras - a mochila estava cheia de ouro.

- Ora, que boa vida eu vou ter. Tenho aqui dinheiro até ao resto dos meus dias.

Dirigiu-se à primeira estalagem que encontrou. Ao ver aproximar-se aquele ser tão horrível - tudo sujo, com os cabelos até as pés e as unhas pretas e dar voltas -, o estalajadeiro tratou de o mandar embora.

- Vai-te já embora, que me afastas a clientela - advertiu-o o estalajadeiro. - Mas antes diz-me: quem é que tu és?

- Eu sou o irmão enfarruscado do Diabo - respondeu-lhe o soldado. - Mas se pensas que eu não te pago, olha só aqui para dentro da mochila.

Ao ver tanto ouro, o estalajadeiro deu-lhe logo o melhor quarto que tinha e mandou preparar os melhores manjares. Depois de comer e beber, o soldado ficou com muito sono e foi-se deitar. E dormiu tão profundamente que nem notou que, a meio da noite, o estalajadeiro entrou no quarto e lhe roubou a mochila.

No dia seguinte, o soldado acordou, quando já o Sol ia alto. Levantou-se e chamou o estalajadeiro. Ninguém respondeu.

- Que esquisito! - pensou o soldado. - Não está aqui ninguém. Bem, o que eu quero é seguir viagem e, por isso, vou deixar uma moeda de ouro em cima do balcão.

Foi ao lugar onde tinha colocado a mochila na noite anterior e esta já lá não estava.

- Ai, o malandro do estalajadeiro! Roubou-me a mochila! - lamentou-se o soldado. - Agora estou na mesma situação de há sete anos: sem posses algumas.

Voltou para trás e foi ter com o Diabo.

- O que é que me queres? - perguntou-lhe o Diabo ao vê-lo.

O soldado contou-lhe o que lhe tinha acontecido. O Diabo teve pena dele e disse-lhe:

- Lava-te, arranja-te e vai ter com o estalajadeiro; diz-lhe que te devolva a mochila senão ficará como estava o irmão enfarruscado do Diabo.

Depois de se ter arranjado, o soldado foi de novo ter com o estalajadeiro. Ao ver aproximar-se um belo jovem, não reconheceu o soldado a quem tinha roubado a mochila.

- Que desejais? - perguntou delicadamente o estalajadeiro.

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- Devolve-me já a mochila que me roubaste - exigiu o soldado.

- Não sei de que falais.

- Sabes e muito bem. Ou me dás já a minha mochila com tudo o que lá estava dentro ou ficarás como o irmão enfarruscado do Diabo.

Com medo de ficar com o aspecto que tinha tido o soldado, o estalajadeiro devolveu-lhe a mochila e deu-lhe ainda muitas mais moedas de ouro.

(dos Irmãos Grimm)

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A mão de gelo

ra uma vez um caçador que era muito pobre. Vivia numa cabana muito humilde com a mulher e o filho a quem muito queria. Como todos os dias, foi uma manhã para o bosque ver se encontrava algum

animal que pudesse vender ao rei e ainda lhe sobrasse um pouco para ele levar para casa. Nas últimas semanas a caça tinha sido tão escassa que ele, a mulher e o filho passavam os dias a pão e água.

EO bosque estava lindo. O Sol brincava às escondidas por entre as árvores, os pássaros chilreavam e o caçador sentiu uma grande paz de espírito.

- Oh, que belo dia! - exclamou o caçador.

Mas de repente, as árvores transformaram-se em picos, o Sol desapareceu e os pássaros deixaram de cantar. Um grande nevoeiro caiu sobre o bosque. De repente, o caçador viu ao longe uma figura de mulher, envolta em nevoeiro. Aproximou-se e a mulher estendeu-lhe a mão.

O caçador pensou que era a morte que o tinha vindo buscar. Mas a mulher tinha uns olhos tão tristes que o caçador teve pena dela e estendeu-lhe também a mão. A mão da mulher estava gelada e o caçador ficou com a mão dele presa na dela. Sentiu um medo terrível, mas não a largou.

Passado algum tempo, passou ali um anão com um cesto feito de um só diamante e que estava cheio de ouro. Disse ao caçador que o cesto era para ele, que pegasse nele e o levasse para casa. Mas o caçador não largou a mão de gelo da mulher e o anão foi-se embora.

Depois, o caçador ouviu um grande barulho. Virou-se e viu ao longe um grande lobo com uma criança na boca. Quando o lobo se aproximou deles, o caçador reconheceu a criança: era o seu filhinho. O caçador ainda pensou largar a mão de gelo e ir salvar o seu filho.

- Isto é só uma miragem - disse em voz alta o caçador. E não largou a mão de gelo da mulher.

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O lobo desapareceu e o nevoeiro dissipou-se. O Sol apareceu e os pássaros recomeçaram a chilrear. A mão de gelo derreteu-se; então, a mulher sorriu-lhe e disse-lhe:

- Obrigada, caçador! A bruxa velha e má tinha-me transformado numa figura de nevoeiro com uma mão de gelo. Com a tua coragem, quebraste o feitiço. Obrigada!

Entregou-lhe um cesto de diamante cheio de ouro, igual ao que lhe tinha sido oferecido pelo anão, e desapareceu.

O caçador regressou a casa todo contente, pois a sua existência e a da sua família estavam asseguradas até ao fim dos seus dias. E no bosque voltou a haver ta nta caça, que o caçador conseguia vender muitos veados, corças e renas ao rei e aos nobres.

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O pescador diligente e o pescador mandrião

ra uma vez um pobre pescador sem sorte. Saía de casa assim que sol nascia e ficava no mar a pescar até o sol se pôr. Contudo, não tinha sorte e eram poucos os dias em que apanhava algum peixe. Para

aumentar a desgraça, morrereu-lhe primeiro a mulher e, logo depois, o filho. EUm dia, à noite, estava tão desesperado com a sua triste sina que foi para a praia chorar. Sentou-se numa pedra junto a um barracão em ruínas e chorou até não poder mais. De repente, olhou para o mar e viu uma pequena chama a dançar. Depois, a chama foi a correr até à praia e voltou para o meio do mar. E assim como apareceu, desapareceu também. André, assim se chamava o pobre pescador, já tinha ouvido falar nestas chamas que aparecem no mar para indicar lugares onde estão escondidos grandes tesouros. Mas ele não acreditava em nada disso e resolveu ir para casa. Porém, ao afastar-se do barracão viu um velho, vestido com umas roupas muito estranhas e com um

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olhar muito terno. André queria seguir caminho, mas voltou para trás e perguntou-lhe:

- Necessitais de algo?

O velho disse que sim com a cabeça.

- Em que é que vos posso ajudar então? - perguntou André.

- Posso transformar-te no homem mais feliz da terra. Põe este anel no dedo e volta aqui depois de amanhã à meia-noite. Terás então de te dirigir até à beira-mar. Avança sempre, mar adentro, sem ligares ao que vais vendo por mais estranho que seja. A dada altura, encontrarás três panelas deitadas. Vira a do meio, que tem presa a alma dum pobre náufrago. Regressa depois a terra o mais depressa que puderes, mais uma vez sem ligares a nada que vejas. Serás depois o homem mais feliz da terra.

Assim que acabou de falar, o velho desapareceu. Na areia ficou somente um anel ferrugento. Apesar de não acreditar no velho, André pegou no anel, guardou-o no bolso e foi para casa.

Dois dias depois foi de novo à praia. - Afinal, não tenho nada a perder - pensou André. - Desgraças maiores do que as que já tive não me vão com certeza acontecer.

Dirigiu-se então à beira-mar e avançou mar adentro. À medida que o mar deveria ir ficando mais fundo, a água ia desaparecendo e dando lugar a um lindo prado, onde inúmeros jovens, cantando, estavam a trabalhar. André continuou a avançar e chegou a uma linda casa, da qual saiu a correr uma bela mulher que lhe disse: - Até que enfim que vieste para casar comigo! André porém lembrou-se das palavras do velho, não lhe ligou e continuou a andar até que viu as três panelas. No momento em que virou a do meio, a mulher deu um grito e os jovens que estavam no prado correram para ele para lhe baterem. Porém, um mão invisível puxou-o da multidão. Naquele instante, André perdeu os sentidos. Quando voltou a si, estava deitado na praia e, ao seu lado, um saco cheio de moedas de ouro e pedras preciosas. André levantou-se muito feliz, mandou derrubar a sua velha casinha e construiu uma casa nova melhor. Depois, encontrou uma mulher trabalhadora com quem casou e foram muito felizes. Falta de dinheiro nunca mais houve, pois tinha sorte em tudo o que fazia.

Na mesma aldeia vivia também um pescador muito preguiçoso, chamado Maximiliano. Ia para a taberna assim que o sol nascia e só saía de lá, completamente bêbado, quando o sol se punha. A pobre mulher trabalhava de manhã à noite, mas o dinheiro que levava para casa nunca chegava, pois o marido gastava-o todo na taberna. Para terem algo para comer, a mulher ia muitas vezes pescar para o mar. Um dia, veio uma grande tempestade, o barco virou-se e ela morreu afogada. Maximiliano nem chorou quando lhe disseram que a mulher tinha morrido.

A sua vida ainda ficou pior. Porque mesmo sem dinheiro, a mulher lá ia conseguindo algo para comer e mantendo a casa em ordem. Agora, não havia mesmo nada.

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- Que vida a minha esta! - lamentou-se um dia. - E se eu fosse tentar a sorte como o meu vizinho?

Foi até à cabana em ruínas, sentou-se numa pedra e esperou que lhe aparecesse o velho com roupas estranhas. Assim que o viu nem o cumprimentou e perguntou-lhe de chofre como é que se conseguia ficar rico como o vizinho. O velho não gostava nada de pessoas preguiçosas e atirou-lhe somente o anel enferrujado. Maximiliano dirigiu-se ao mar e, tal como aconteceu a André, as águas começaram a abrir-se. Maximiliano aproximou-se da casa donde saiu uma mulher muito feia e que correu para ele. Como o velho não lhe tinha dado instruções algumas, Maximiliano perguntou à mulher:

- Onde é que encontro três panelas viradas?

A mulher indicou-lhe o caminho. Maximiliano viu as três panelas e virou a primeira. De lá saiu um grande trovão e as águas voltaram a unir-se com grande estrondo. Maximiliano foi empurrado de um lado para o outro com tanta força que perdeu os sentidos. Quando voltou a si, estava deitado na areia. A primeira coisa em que pensou foi no saquinho com moedas de ouro; procurou-o mas a única coisa que encontrou foi um monte de peixes podres.

Esta foi a única recompensa que teve o pescador preguiçoso.

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O pobre José

ra uma vez um pobre rapaz, chamado José, cujo pai morreu quando ele era ainda muito pequeno. Passado algum tempo, a mãe adoeceu gravemente e ao sentir que iria morrer, chamou o

filho e disse-lhe:E- Quando eu morrer, vai ter com o teu tio que mora no cimo do monte. Ele tem uma quinta muito grande e muitas terras e há-de proteger-te.

Assim que acabou de falar, morreu.

José fez o que a mãe lhe tinha tido. Pegou nos poucos haveres que possuía e subiu o monte. O tio era um velho muito avarento que não ficou nada satisfeito de ter que alimentar o sobrinho.

- Não és mais do que um peso para mim. Mas como és meu sobrinho, não te posso mandar embora. Podes ficar aqui, mas tens de trabalhar. Tens de tratar das minhas oito vacas e dos meus dois vitelos.

A partir desse dia, o pobre José levantava-se muito cedo e saía, todos os dias, incluindo aos Domingos, com as vacas e os vitelos para o campo, à procura dum bom pasto. À noite, quando regressava, fechava a porta do estábulo e jantava um pedaço de pão com chouriço - mais não lhe dava o avarentoo do tio - e deitava-se num canto do estábulo numa cama feita de palha.

Um dia, sentiu uma saudade tão grande do pai e da mãe que pediu a um pastor amigo que lhe levasse os animais para o prado, enquanto ia a correr ao cemitério da igreja da aldeia pôr umas florzinhas nas campas dos pais. Quando regressou, já estava a escurecer e eram horas de regressar. Mas assim que passaram os portões da quinta, o tio notou logo que lhe faltava um vitelo. Ficou muito furioso, pegou num forcado de três dentes, daqueles que servem para juntar palha e correu em direcção ao pobre José. Este fugiu para o estábulo e escondeu-se no meio da palha. O tio começou a espetar o forcado na palha, mas José era muito ágil e conseguiu escapar. O tio só lhe tocou na ponta do calcanhar

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que no entanto deitou sangue. Ao ver a palha manchada de sangue, o tio pensou que tinha morto o sobrinho e ficou com tantos remorsos, que fugiu da quinta.

Entretanto, José foi ter com o pastor a quem tinha confiado os animais e perguntou-lhe se sabia do vitelinho.

- Nem dei conta que faltava um. Deixei as vacas no prado e fui ver das minhas ovelhas. Quando voltei lá, ainda vi ao longe um grupo de homens - respondeu-lhe o pastor.

- E para onde é que eles se dirigiam? - perguntou-lhe José.

O pastor indicou-lhe a direcção e José seguiu nas suas pegadas. Ao longe, viu uma fogueira e calculou logo que deveriam ser os ladrões a assar o vitelo. Aproximou-se pé ante pé, mas ao pisar um raminho seco, os ladrões deram por ele, apanharam-no e meteram-no num tonel.

Continuaram a assar o vitelo, mas de repente rebentou uma grande tempestade mesmo por cima do local onde eles estavam. Os ladrões fugiram para uma casa abandonada que estava ali perto e deixaram o pobre José dentro do tonel. Veio um grande vendaval que derrubou o tonel e este começou a rebolar pelo monte abaixo até que bateu numa árvore e rebentou.

O pobre José estava tão tonto que nem se conseguia pôr de pé, mas ainda se apercebeu que estava à beira dum grande precipício. Agarrou-se a uma raiz e subiu cuidadosamente para um sítio seguro. Continuava a chover a cântaros, a trovejar e a relampejar. Estava tão escuro que o pobre José não sabia para onde se deveria dirigir. Mas ali não podia ficar e, apesar de lhe doerem todos os ossos, começou a caminhar.

Passado algum tempo, sentiu que estava junto duma casa. Encontrou uma escada encostada a uma parede e logo calculou que a escada deveria dar acesso ao estábulo. Subiu-a e, às escuras, preparou uma caminha com palha. Mal tinha adormecido, rebentou um trovão tão grande que a casa estremeceu e o estábulo caiu para dentro da casa. Ora era também nesta casa que os ladrões tinham procurado refúgio e ao cair-lhes o estábulo em cima ficaram com tanto medo que fugiram dali.

Quando a tempestade acabou, José acendeu uma vela e viu então que sobre a mesa estavam os restos dum grande banquete - com o vitelo assado. José comeu até mais não poder e, como estava muito cansado e todo dorido, adormeceu.

Ao acordar, pôs-se a pensar na sua vida:

- Que hei-de fazer? Aqui não posso ficar, pois os ladrões podem voltar. Não tenho para onde ir. O melhor é tentar fazer as pazes com o meu tio.

E assim pôs-se a caminho da quinta do tio. Mas ainda estava longe e já ouvia muita música e alegria.

- Que se estará a passar na quinta do meu tio? - pensou o pobre José.

Todos dançavam e estavam alegres. Ao verem-no, ficaram muito espantados.

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- Afinal estás vivo, José? - perguntaram-lhe - O teu tio pensou que te tinha morto com o forcado. Fugiu para o bosque, veio um lobo e comeu-o.

Como José era o único herdeiro do tio, a quinta e as terras ficaram para ele, que as governou com muita bondade e bom senso.

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O homem sem coração

ra uma vez sete irmãos que não tinham nem mãe nem pai. Um dia, o irmão mais velho disse que a vida seria melhor se tivessem uma noiva. Todos concordaram e decidiram partir pelo mundo

fora à procura de sete noivas. Só o irmão mais novo teve de ficar a tomar conta da casa .

EOs sete irmãos partiram alegremente. Quando estavam no meio duma floresta muito espessa, passaram por uma pequena casa. À porta estava um velho que lhe perguntou por que estavam tão alegres.

- Somos sete irmãos e andamos pelo mundo fora à procura de noiva.

- Desejo-vos boa sorte - respondeu-lhes o velho. - Se encontrarem as vossas noivas, tragam-me uma também.

Os seis irmãos não responderam ao velho, pois pensavam que ele estava a brincar. Para que é que um velho quereria uma noiva?!

Em breve chegaram a uma cidade onde encontraram sete irmãs, todas elas muito formosas, que estavam dispostas a casar com eles. A sétima irmã foi também com eles para se casar com o irmão mais novo.

Ao passarem pela casa do velho, este estava de novo à porta e perguntou-lhes:

- Vejo que arranjaram as noivas. Qual delas é a minha?

- Não te trouxemos nenhuma. Esta que aqui está é para o nosso irmão mais novo que ficou em casa.

- Mas vocês prometeram-me que me traziam uma e o que se promete tem de se cumprir.

Mas apesar dos protestos dos irmãos que afirmaram que não lhe tinham feito nenhuma promessa, o velho pegou numa caninha que tinha sobre a porta e transformou-os a todos, menos à irmã mais nova, em sete pedrinhas que colocou em cima da lareira.

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- E tu, - disse o velho à irmã mais nova - és a minha noiva e ficas aqui comigo.

A rapariga não sabia o que havia de fazer e não teve outro remédio senão obedecer ao velho. Passava o dia ao tratar da casa, mas um pensamento não a abandonava:

- Que será de mim se o velho morrer? Não sei onde estou, as minhas irmãs e os seus noivos estão transformados em pedras - que hei-de fazer?

Este pensamento atormentava-a tanto que passava os dias a chorar. Até que um dia o velho perguntou-lhe o que tinha:

- Que será de mim se tu morreres? - perguntou-lhe.

- Não te apoquentes - acalmou-a o velho. - Eu nunca morrerei porque não tenho coração.

A rapariga ficou descansada por uns tempos, mas depois aqueles pensamentos voltaram-lhe. E voltou a chorar dia e noite.

- O que é que tens? - perguntou-lhe o velho.

- Que será de mim se tu morreres? - lamentou-se a rapariga.

- Já te disse que não te apoquentes. Não tenho coração e por isso, nunca morrerei.

A rapariga acalmou-se mas os pensamentos voltaram passados uns tempos.

- Ó rapariga, já te disse por duas vezes que nunca morrerei porque não tenho coração. Mas se por acaso eu morrer, basta-te pegar na caninha que está sobre a porta e bateres nas pedrinhas que estão sobre a lareira e as tuas irmãs e os seus noivos deixaram de ser pedras.

- Mas diz-me por que não tens coração?

- Claro que tenho coração, só que não o tenho no peito mas entre as penas do colchão - respondeu-lhe o velho.

Um dia, o velho teve de sair muito cedo para a floresta e ao voltar para casa encontrou o colchão todo bordado.

- Porque é que bordaste colchão? - indagou o velho.

- Tu mesmo me disseste que é aí que está o teu coração. Por isso quis fazer-te uma alegria e pu-lo mais bonito - respondeu a rapariga.

- Ah, menina, o meu coração não está nada no colchão. Está noutro lugar.

- Onde?

- Não te posso dizer.

A rapariga começou a lamentar-se:

- Afinal, tens o coração no peito e podes morrer. E eu que hei-de fazer se tu morreres?

Contos e lendas da Alemanha · 34

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- Então eu já não te disse o que tens de fazer? Se eu por acaso morrer, basta-te pegar na caninha que está sobre a porta e bateres nas pedrinhas que estão sobre a lareira e as tuas irmãs e os seus noivos deixaram de ser pedras.

Mas a rapariga não deixou o velho em paz até que ele lhe dissesse onde estava o coração.

- Pronto, vou dizer-te onde está o meu coração: está na porta da nossa casinha.

No dia seguinte, a rapariga enfeitou a porta de casa com as flores mais belas que encontrou no bosque. À noite, quando o velho regressou a casa, viu a porta toda enfeitada e perguntou admirado à rapariga o que tinha acontecido:

- Não é na porta que está o teu coração? - respondeu-lhe a rapariga. - Então tinha de a pôr bonita.

- Ah, menina, o meu coração não está nada na porta. Está noutro lugar.

E, tal como no dia anterior, ela voltou a lamentar-se:

- Afinal, tens o coração no peito e podes morrer. Que será de mim se tu morreres?

- Eu não te disse já que não posso morrer? Mas vou dizer onde está o meu coração para que não fiques tão apoquentada. Muito longe daqui, num ermo, rodeada por uma fosso muito largo, está uma igreja com uma porta de ferro. Dentro da igreja, vive um pássaro preto. O meu coração está nesse pássaro. Enquanto esse pássaro viver, eu viverei também. O pássaro não pode morrer por si e ninguém o pode matar. Por isso, eu nunca morrerei.

Entretanto, o irmão mais novo achou estranho que os irmãos demorassem tanto tempo a arranjar as noivas e decidiu ir à procura deles. Caminhou durante alguns dias até que passou à casa do velho. Este tinha saído para a floresta e só a rapariga estava em casa.

- Bom dia! - disse-lhe o irmão mais novo. - Por acaso não viste passar aqui à tua porta os meus seis irmãos? É que eles partiram há já algum tempo à procura de noivas e ainda não regressaram. Temo que algo lhes tenha acontecido.

A rapariga contou-lhe então tudo o que tinha acontecido, que ela era a sua noiva e que os irmãos dele e as irmãs dela tinham sido transformados pelo velho nas pedrinhas que estavam sobre a lareira.

- E que podemos fazer para os salvar? - perguntou-lhe o rapaz.

A noiva continuou a sua narração e explicou-lhe que o coração do velho estava dentro dum pássaro preto que vivia dentro duma igreja com uma porta de ferro no cimo dum ermo, rodeada por um fosso muito grande.

- Ele só morrerá quando o pássaro morrer e só então poderemos quebrar o feitiço.

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O irmão não sabia onde era esse ermo, mas decidiu ir à sua procura. Tinha de salvar os irmãos e as suas noivas. A rapariga preparou-lhe um grande cesto com comida, desejou-lhe boa sorte e deu-lhe um beijo de despedida.

O rapaz caminhou durante algum tempo até que sentiu fome. Sentou-se debaixo duma árvore, abriu o cesto e disse:

- Quem tiver fome, que venha comer!

Apareceu logo uma corça com quem ele partilhou o almoço. Antes de seguir viagem, a corça agradeceu-lhe e disse-lhe:

- Alimentaste-me quando tinha fome. Se um dia precisares de mim, chama-me.

O rapaz continuou o caminho e quando voltou a ter fome, sentou-se debaixo duma árvore, abriu o cesto e disse:

- Quem tiver fome, que venha comer!

Apareceu logo um javali muito grande e muito forte com quem ele partilhou o jantar. Antes de seguir viagem, o javali agradeceu-lhe e disse-lhe:

- Alimentaste-me quando tinha fome. Se um dia precisares de mim, chama-me.

O rapaz continuou a caminhar e quando voltou a ter fome, sentou-se debaixo duma árvore, abriu o cesto e disse:

- Quem tiver fome, que venha comer!

Apareceu logo uma águia com quem ele partilhou o almoço. Antes de seguir viagem, a águia agradeceu-lhe e disse-lhe:

- Alimentaste-me quando tinha fome. Se um dia precisares de mim, chamas-me.

O rapaz continuou o caminho até que chegou a um ermo no cimo do qual estava uma igreja.

- Deve ser esta a igreja. Ui, mas o fosso é tão largo! Como é que hei-de saltar?

Lembrou-se então da corça e chamou-a. Ela apareceu logo e perguntou-lhe o que queria.

- Preciso de saltar para junto da porta da igreja, mas o fosso é muito largo.

- Não há problema - retorquiu a corça. - Põe-te em cima de mim e saltamos os dois juntos.

A corça deu um pulo e o deixou o rapaz em frente da porta da igreja. A única entrada que havia era a porta e esta era realmente de ferro. O rapaz lembrou-se então do javali e chamou-o.

- Aqui estou eu. Que me queres?

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- Preciso de entrar na igreja; a porta é de ferro e as paredes são tão grossas que não lhes consigo fazer nenhum buraco - lamentou-se o rapaz.

- Não há problema - respondeu-lhe o javali. Tomou balanço e correu contra a parede da igreja, na qual fez um buraco tão grande que o rapaz nem se teve de baixar para entrar.

Dentro da igreja estava muito escuro, mas o rapaz conseguiu ver que lá dentro voava um pássaro.

- Como é que eu o hei-de apanhar. Ah, se aqui estivesse a águia! - suspirou o rapaz.

E a águia apareceu naquele instante e perguntou-lhe:

- Precisas de mim?

- Sim! Apanha-me o pássaro que anda aqui a voar.

A tarefa foi fácil para a águia e no instante seguinte, o rapaz já tinha o pássaro dentro do saco que trazia no bolso. Com o objectivo cumprido, regressou para a casa do velho. A noiva ficou muito contente de o ver e, como já era tarde, deu-lhe de jantar e disse para se esconder debaixo da cama. O rapaz assim fez e, quando o velho se deitou, ele começou a apertar o pescoço do pássaro.

- Ai, não me sinto nada bem! - queixou-se o velho.

- Ai de mim, se tu morres - lamentou-se a rapariga.

- Já te disse que não posso morrer porque não tenho coração. Estou só um pouco indisposto, devo ter comido muito ao jantar.

Voltou a deitar-se e o rapaz apertou o pescoço do pássaro com um pouco de mais força. O velho sentiu-se cada vez pior e, quando o rapaz matou o pássaro, o velho morreu.

A rapariga ajudou o rapaz a sair debaixo da cama e os dois procuraram a caninha para quebrar o feitiço. Assim que tocaram com ela nas pedrinhas, apareceram os seus irmãos e as respectivas noivas. Todos se abraçaram e seguiram para a casa dos sete irmãos, onde se fez uma grande festa de casamento que durou mais de uma semana.

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Maisbela

ra uma vez uma menina que não tinha mãe nem pai. Como não também não tinha tios e primos, vivia sozinha numa cabana muito pobrezinha, mas muito, mesmo muito limpinha. Assim que se

levantava, começava logo a trabalhar; fazia a cama, varria o chão, cozinhava e quando todos os trabalhos da casa estavam feitos, sentava-se numa cadeirinha de verga a coser e a bordar, até anoitecer. Na aldeia, não havia ninguém que tivesse umas mãos como as suas e os seus trabalhos eram muito apreciados. Era deles que vivia. Na aldeia era conhecida por Maisbela, pois não havia outra rapariga que fosse mais bela do que ela.

E

Maisbela era também muito casta e ia sempre à missa com o rosto tapado. Um dia, o filho do rei viu-a passar e ficou encantado com a sua graciosidade. Mas ficou também curioso de lhe ver a cara.

- Porque é que Maisbela vai à missa com o rosto tapado? -perguntou.

- Porque é muito casta - responderam-lhe as pessoas.

No dia seguinte, o filho do rei mandou um mensageiro a casa de Maisbela a pedir-lhe que se fosse encontrar com ele junto à faia grande quando anoitecesse. Maisbela aceitou pensando que o filho do rei lhe queria fazer uma encomenda dos seus bordados. Quando, porém, o filho do rei a viu sem véu, ficou logo apaixonado e pediu-a em casamento.

- Meu senhor, vós sois rico e eu não tenho nada. O vosso pai vai ficar muito zangado convosco.

Mas o filho do rei respondeu-lhe:

- Não me interessa o que o meu pai pensa. Amo-vos e eu quero casar-me convosco.

- Não vos posso dar já uma resposta. Dai-me uns dias para pensar.

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O filho do rei concordou e separaram-se. No dia seguinte, o filho do rei mandou de novo um mensageiro a casa de Maisbela, com um par de sapatos de prata e de novo o pedido para se encontrarem junto à grande faia ao cair da noite.

Maisbela lá foi e de novo o filho do rei perguntou-lhe se já se tinha decidido.

- Meu senhor, as galinhas tiveram de ser alimentadas, as couves tiveram de ser cortadas e a casa teve de ser limpa. Não tive tempo para pensar. Mas digo-vos o que vos disse ontem: vós sois rico e eu não tenho nada. O vosso pai vai ficar muito zangado convosco.

- Não importa! Quero que caseis comigo.

- Dai-me mais uns dias para pensar.

No dia seguinte, o filho do rei mandou de novo um mensageiro com um par de sapatos de ouro e o pedido para se encontrarem junto à grande faia ao cair da noite.

- Então, já vos decidistes? - perguntou o filho do rei a Maisbela.

- Digo-vos o que vos disse ontem: o vosso pai vai ficar muito zangado convosco, pois vós sois rico e eu não tenho nada.

- Não me interessa - respondeu-lhe o filho do rei.- Quero que sejais a minha mulher. Ser-vos-ei fiel durante toda a vida.

Separaram-se mais uma vez e no dia seguinte foi ele próprio à casinha de Maisbela. E pediu-a mais uma vez em casamento.

- Não me importa que sejas pobre e eu rico. Se quiseres, deixo o palácio e venho morar aqui contigo e serei tão pobre como tu.

Maisbela viu que ele gostava mesmo dela e aceitou. A partir desse dia, passaram a encontrar-se todas as noites junto à grande faia. Mas ninguém podia saber, senão o rei iria ficar muito zangado.

Havia, porém, na aldeia uma velha muito má que fazia mal sempre que podia. Foi assim ter com o rei e disse-lhe que o filho se encontrava todas as noites com Maisbela. O rei ficou furioso. Chamou os guardas e mandou-os deitar fogo à casa de Maisbela de maneira que ela morresse dentro queimada.

Maisbela estava a bordar à janela quando viu chegar os soldados. Teve tempo de fugir e saltou para dentro dum poço seco. A casa ardeu toda. Maisbela estava tão triste que ficou no poço a chorar durante alguns dias. Quando se secaram as lágrimas, saiu do poço, procurou algumas moedas no meio das cinzas da casa e com elas comprou roupas de homem.

Dirigiu-se então ao rei e pediu trabalho. O rei gostou do aspecto do rapaz e empregou-o como criado pessoal.

- Como te chamas? - perguntou-lhe o rei.

- Infeliz - respondeu Maisbela.

Em pouco tempo, Maisbela tornou-se o criado preferido do rei. Entretanto, o rei combinou o casamento do seu filho, que andava muito triste desde que Maisbela morrera no incêndio, com a filha do rei do reino vizinho. - Vais ver, meu filho, que te vais esquecer de Maisbela - garantia-lhe o pai.

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Uns dias antes do casamento, o rei, o filho e os criados pessoais partiram do palácio para se dirigirem ao reino vizinho para festejar o casamento. Maisbela ia tão triste que foi ficando para trás para ninguém ver que chorava. A dada altura a sua dor foi tanta que ela cantou: “ Chamam-me Maisbela, / mas também sou conhecida por Infeliz”.

- Quem canta assim tão bem? - perguntou o filho ao rei.

- É Infeliz, o meu criado.

Passado algum tempo, Maisbela voltou a cantar: “Chamam-me Maisbela, / mas também sou conhecida por Infeliz”.

Mais uma vez, o filho perguntou ao pai quem cantava assim tão bem. O rei voltou a responder: - É Infeliz, o meu criado.

Quando estavam quase às portas do reino da noiva, Maisbela voltou a cantar: “Chamam-me Maisbela,/ mas também sou conhecida por Infeliz”. Desta vez, o filho não perguntou nada ao pai e dirigiu-se ao fim da caravana. Olhou então bem para Infeliz e reconheceu Maisbela. O coração pulou-lhe de alegria ao ver que afinal Maisbela ainda estava viva. Sorriu-lhe e voltou para junto do pai.

A cidade estava toda engalanada para receber o noiva da princesa. A comitiva dirigiu-se para o castelo do rei, onde foi recebida com todas as honras. À noite, o pai da noiva propôs um jogo de adivinhas para passar o tempo. O príncipe tomou então a palavra e disse a primeira adivinha: - Há tempos, perdi a chave do meu armário preferido. Mandei então fazer uma nova, mas depois achei a velha. Qual das chaves hei-de usar?

O pai da noiva respondeu de imediato:

- A velha, claro está.

- Então, - respondeu-lhe o príncipe - fica com a tua filha que eu fico com a minha chave velha. E puxou Infeliz para junto de si, tirou-lhe o chapéu e todos puderam ver a beleza de Maisbela. Casaram e foram felizes para sempre. E nunca houve outra rainha tão bela como ela.

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A pedrinha branca

ra uma vez um pastor muito alegre que ia todas as manhãs para os campos com as suas ovelhas e cabras. Durante o dia, cantava em alto e bom som e suas cantorias eram ouvidas na aldeia. E

Um dia, sentiu sede e foi procurar um lago. Andou, andou , andou até que descobriu um lago com água pura e cristalina. Ao baixar-se para beber água, viu que havia um ninho no cimo do pinheiro que se espalhava na água.

-Tenho que ver de perto este ninho - pensou o pastor. E mais ágil do que um esquilo trepou até ao cimo da árvore. Mas para sua grande admiração, não encontrou nenhum ninho.

-Que estranho! - pensou. - Tenho a certeza de que tinha visto um ninho.

Desceu da árvore e voltou a observar a imagem do pinheiro na água. O ninho estava lá. Voltou a trepar a árvore uma, duas, três vezes e nada. O ninho não estava lá.

- Já sei o que vou fazer. Desceu rapidamente da árvore e contou os ramos do pinheiro na sua imagem na água. Voltou a subir, contando sempre os ramos. Quando chegou ao ramo certo, esticou a mão para apanhar o ninho mas na mão só ficou com uma pedrinha branca. No entanto, no instante seguinte, conseguiu ver o ninho.

- É tão lindo! - pensou o pastor. Mas não o vou roubar. Levo somente a pedrinha que é muito bonita.

Desceu da árvore e, cantando, juntou as ovelhas e as cabras para as levar para a aldeia. Mas ao passar pelas pessoas elas ficavam espantandíssimas. Algumas até fugiam.

- O que é que as pessoas têm? Parece que nunca me viram a cantar!

Só quando chegou a casa é que soube o que estava a acontecer.

- Meu filho, - disse-lhe o pai, muito assustado. O que é que te aconteceu? Foste à bruxa?

- Não, mas porque é que pergunta isso, meu pai?

- É que nós ouvimos-te mas não te vemos.

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O pastor contou então a história da árvore, do ninho e da pedrinha branca que tinha na mão.

- Dá-me já essa pedra! - ordenou-lhe o pai.

Assim que o pai pegou na pedrinha branca, ficou invisível, enquanto o filho voltou a tomar forma.

- Que pedrinha enfeitiçada é essa, meu filho? - perguntou a mãe, igualmente muito assustada. - Poisa já a pedra na mesa, homem!

O marido assim fez e naquele mesmo instante voltou a tomar forma, mas desaparecia a pesada mesa de carvalho que estava ali naquele lugar há já duas gerações.

Tacteando com cuidado, o pai encontrou a pedra e, invisível, correu porta fora e atirou-a para o fundo do poço. Assim que caiu na água, ouviu-se um grande trovão e muito relâmpagos, vindos do fundo do poço. Depois, tudo voltou ao normal e nunca mais se viu a pedra.

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A árvore mágica

ra uma vez um jovem pastor muito curioso. Estando ele um dia com o seu rebanho no pasto, descobriu uma árvore muito frondosa e sentiu uma enorme vontade de a trepar, pois queria

saber como seria a aldeia vista lá do topo.EDemorou muitos dias a chegar ao cimo e durante esse tempo nunca sentiu nem fome, nem sede, nem cansaço. No topo, deparou com um vale onde tudo estava coberto de cobre: as árvores, as casas, os animais. Ao longe viu uma árvore, claro está coberta de cobre, no cimo da qual estava um galo cujas penas eram de cobre. Ao lado da árvore, havia uma fonte que não deitava água mas cobre líquido. O pastor foi até à árvore e arrancou-lhe um raminho; de repente, sentiu os pés doridos de tanto trepar e molhou-os na fonte. Quando os tirou de lá, os pés estavam de cobre.

O rapaz decidiu voltar para casa, mas ao chegar à árvore pela qual tinha subido, verificou que afinal ainda não estava no topo. Trepou durante mais uns dias e quando chegou ao topo viu-se diante dum vale maravilhoso todo coberto de prata: as árvores, as casas, os palácios. No meio do vale estava uma árvore coberta de prata, no cimo da qual estava um galo cujas penas eram de prata. Ao lado da árvore, havia uma fonte que não deitava água mas prata líquido. O pastor foi até à árvore e arrancou-lhe um raminho; olhou para as mãos e viu que estavam magoadas de se agarrar à árvore para conseguir trepar bem e molhou-as na fonte. Quando as tirou de lá, as mãos estavam de prata.

O pastor regressou à árvore pela qual tinha trepado e ficou espantado ao ver que afinal ainda não estava no topo. Pôs-se de novo a trepar e, tal como acontecera nas últimas vezes, somente passados alguns dias chegou ao cimo. Desta vez o vale estava todo coberto de ouro. O silêncio era tão grande como nos outros dois vales: não se ouvia absolutamente nada. No meio do vale estava uma árvore muito frondosa, toda coberta de ouro, no cimo da qual estava um galo cujas penas eram de ouro. Ao lado da árvore, havia uma fonte que não deitava água mas ouro líquido. O pastor foi até à árvore e arrancou-lhe um raminho; de repente, sentiu muito calor, tirou o boné e molhou os cabelos na fonte. Quando os tirou de lá, os cabelos estavam cobertos de ouro.

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Regressou à árvore pela qual tinha subido e resolveu descer. Não sabia quantos dias tinha estado naquela aventura e a mãe haveria de estar preocupada por ele estar tanto tempo fora. Quando chegou cá abaixo, o seu rebanho não estava no sítio onde o tinha deixado. Mais ainda, tudo estava diferente. Foi até à aldeia e não reconheceu nenhuma casa nem nenhuma pessoa.

- Bem vou ter de procurar trabalho - pensou o rapaz. Escondeu os raminhos das três árvores no bolso do casaco, arrancou um pedaço do casado e fez umas luvas para que ninguém visse as suas mãos de prata e escondeu os cabelos dentro do boné, também para que ninguém visse os seus cabelos de ouro. Dirigiu-se então ao palácio real onde o cozinheiro acabara de pedir ao rei um ajudante de cozinha.

- Vens mesmo a calhar - disse-lhe o rei. Queres trabalhar na cozinha?

O rapaz aceitou naquele instante.

- Só tenho uma condição a pôr - acrescentou o rapaz. - Terei de trabalhar sempre de casaco, luvas e boné, pois tenho um defeito muito grande que não quero que ninguém veja.

O rei e o cozinheiro estavam de acordo com a condição do rapaz e foi admitido. Trabalhava de sol a sol; descascava quilos e quilos de batatas, cenouras, nabos e cebolas, acendia o fogão logo pela manhã, cortava a lenha para o fogão e para todo o palácio, ia à fonte buscar água limpa, enfim, fazia todos os trabalhos que tinham de ser realizados. O cozinheiro estava muito contente com ele, porque ele era um trabalhador muito bom.

Por aqueles tempos, o rei achou que era tempo de casar a filha. Só que esta muito caprichosa; foi para cima duma pirâmide de vidro e disse que só casaria com o pretendente que conseguisse lá chegar acima. Vieram candidatos não só de todo o reino, como também de outros lugares. Os habitantes do reino passaram a reunir-se à volta da pirâmide de vidro para ver as figuras ridículas dos pretendentes que escorregavam pelo vidro abaixo sem conseguir alcançar o topo, onde estava sentada a princesa.

Um dia , o ajudante de cozinha pediu ao cozinheiro se também podia ir ver o espectáculo.

- Vai, mas não te demores muito - respondeu-lhe o cozinheiro. - Ainda tens de descascar as batatas para o banquete que o rei vai dar esta noite.

O rapaz correu para junto da a pirâmide de vidro. Escondeu-se atrás dum arbusto, despiu o casaco, tirou o boné e descalçou as luvas e as botas. Pegou no raminho da árvore de cobre, correu para a pirâmide e começou a subir. Assim que pôs os pés em cima do vidro, este deixou de ser duro e escorregadio para se tornar mole e fácil de subir. Quando chegou ao cima, deu à princesa o raminho de cobre e, sem dizer nada, desceu o mais depressa que pôde. Correu para detrás do arbusto, vestiu-se e calçou-se e foi para o palácio real. O cozinheiro também tinha estado junto da pirâmide, mas não tinha reconhecido o seu ajudante de

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cozinha. Quando regressou ao palácio, já o ajudante lá estava sentado num banquinho a descascar batatas.

- Ouve lá, ó rapaz - perguntou-lhe o cozinheiro. - Viste o pretendente que chegou até à princesa?

- Não, não o vi, porque era eu mesmo - respondeu-lhe o rapaz.

O cozinheiro riu-se muito com a piada do rapaz :

- Pois é, tu és o príncipe e eu sou o rei. Ah! ah! ah!

No dia seguinte, o rapaz voltou a pedir ao cozinheiro se poderia ir ver novamente as cenas ridículas na pirâmide de vidro. Quando estava perto, despiu o casaco, tirou o boné e descalçou as luvas e as botas. Pegou no raminho da árvore prateada e dirigiu-se à pirâmide. Tal como no dia anterior, o vidro deixou de estar escorregadio e o rapaz não teve dificuldade alguma para subir a pirâmide. Quando chegou ao topo , deu à princesa o raminho da árvore prateada e, sem dizer uma palavra, desceu a pirâmide tão rapidamente que as pessoas nem tiveram tempo de ver quem era. Voltou a vestir-se e voltou para o palácio real. O cozinheiro também tinha estado junto da pirâmide, mas não tinha reconhecido o seu ajudante de cozinha. Quando o cozinheiro regressou ao palácio, já o ajudante estava a preparar o forno.

- Viste hoje o pretendente que chegou até à princesa? - perguntou-lhe o cozinheiro.

- Não, não o vi, porque era eu mesmo - voltou a responder-lhe o rapaz.

O cozinheiro voltou a rir-se muito com a piada do rapaz :

- Pois é, tu és o príncipe e eu sou o rei. Ah! ah! ah!

No terceiro dia, a cena repetiu-se como nos dias anteriores. O rapaz voltou a pedir ao cozinheiro para ir ver os pretendentes a rebolarem pela pirâmide abaixo. Voltou a deixar as coisas atrás do arbusto junto à pirâmide, pegou no raminho da árvore de ouro, subiu até junto da princesa e deu-lho. Desceu rapidamente da pirâmide e, quando o cozinheiro regressou ao palácio, já o ajudante estava a arranjar o peixe para o jantar.

- Viste hoje o príncipe dos pés de cobre, das mãos de prata e dos cabelos de ouro?- perguntou-lhe o cozinheiro.

O rapaz voltou a dizer-lhe:

- Não, não o vi, porque era eu mesmo.

Mais uma vez, o cozinheiro voltou a rir-se muito:

- Pois é, tu és o príncipe e eu sou o rei. Ah! ah! ah!

A princesa estava porém muito triste. Tinha ficado encantada com este príncipe, mas ele não tinha dirigido palavra e ela não sabia nem como se chamava nem onde morava. Desceu da pirâmide de vidro e foi ter com o pai.

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Ao ver a filha tão triste, o rei mandou chamar todos os rapazes do reino e fê-los passar, sem botas, nem luvas nem boné, em frente da princesa. Mas nenhum deles era o rapaz que tinha subido a pirâmide. A princesa chorava dia e noite e o rei estava também muito desgostoso.

- Já vieram mesmo ao palácio todos os jovens do reino? - perguntou o rei aos guardas.

Foi então que o cozinheiro foi ter com o rei e disse-lhe que tinha um ajudante de cozinha que ainda não tinha desfilado perante a princesa.

- Mas esse não é de certeza - acrescentou o cozinheiro. - Ele é bom trabalhador, mas um pouco esquisito.

O rei não quis saber da opinião do cozinheiro e mandou chamar o rapaz. Assim que chegou à sala do trono, o rei tirou-lhe o boné e os cabelos de ouro caíram-lhe sobre os ombros. Depois, puxou-lhe as luvas e as mãos de prata ficaram à vista. E quando os guardas lhe descalçaram as botas, todos puderam ver os pés de cobre.

A princesa correu para o rapaz e abraçaram-se longamente. A festa de casamento, que durou muitos dias, foi organizada pelo cozinheiro que ainda não podia acreditar no que tinha acontecido.

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O gigante-cenoura

á muitos, muitos anos, reinava no centro das altas montanhas da Silésia o génio da montanha, a quem o povo chamava o “gigante-cenoura”. Este génio gostava de passear pelo seu reino, que era

enorme, e de observar se tudo estava bem. Tinha por tarefa transformar o fogo do interior da terra em pedras preciosas. Quando estava cansado, saía das profundezas da terra e ia para os bosques brincar com os ursos e outros animais.

HUm dia, porém, quis conhecer a terra. Quis saber como eram as pessoas, o que faziam, como viviam. Deixou a sua tarefa ao cuidados dos gnomos, tomou a forma de homem, saiu do buraco da terra e misturou-se entre as pessoas.

Foi ter com um lavrador e pediu-lhe trabalho.

- Sabes trabalhar no campo? - perguntou-lhe o lavrador.

- Sei fazer tudo - respondeu o génio da montanha.

- Podes então começar já a trabalhar. Estamos na Primavera e há muito que fazer. Quanto ao ordenado falaremos depois.

O génio da montanha não ligava muito ao dinheiro e, por isso, dirigiu-se ao estábulo, deixou lá o seu saquito e foi para o campo trabalhar. O lavrador estava muito contente com ele, pois trabalhava por cinco ou seis homens. E como era muito preguiçoso, aproveitou logo ter um bom ajudante, deixou de trabalhar no campo e passava o dia na taberna.

Um dia, o génio da montanha foi ter com ele e pediu-lhe o ordenado. O lavrador ficou muito zangado, porque sabia se ele se fosse embora teria de voltar a trabalhar e nunca arranjaria outro como ele.

- Não te podes ir agora embora - respondeu-lhe o lavrador. - Tens de ficar até ao fim do Verão, quando acabarem as colheitas.

- Quando comecei a trabalhar, não falámos quanto tempo ficaria aqui. Quero ir-me embora agora.

- Se partires agora, não recebes nem um tostão - gritou-lhe irado o lavrador. - Além disso, também não falámos nada sobre o ordenado.

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O génio da montanha partiu um pouco desgostoso, mas não desistiu de querer continuar a conhecer as pessoas.

- Nem todas hão-de ser assim tão ingratas - pensou o génio, enquanto seguia caminho.

Parou junto a um grande rebanho que pertencia a um agricultor que não era preguiçoso como o outro, mas muito avarento.

- Ando a procura de trabalho - disse-lhe o génio da montanha.

- Preciso dum pastor. Sabes tomar conta de ovelhas? - inquiriu o agricultor avarento.

- Claro que sim. Sei fazer tudo - respondeu-lhe o génio da montanha.

- Então podes começar já. Mas atenção, não quero que desapareça nem uma ovelha!

- Não irá faltar nenhuma - assegurou-lhe o génio da montanha. - Mas temos ainda de falar sobre o ordenado.

- Ainda não começaste a trabalhar e já queres falar de dinheiro. Mas está bem, como o trabalho é simples e poderia ser feito por qualquer criança, dou-te 1 tostão.

- Por semana? - perguntou um pouco incrédulo o génio da montanha.

- Estás maluco? - respondeu alvoraçado o agricultor. - Por ano!

Apesar de ser muito pouco dinheiro, o génio da montanha aceitou o trabalho, pois a ideia dele não era ganhar dinheiro, mas sim conhecer as pessoas.

O agricultor tinha dito que o trabalho era muito simples e poderia ser feito por um criança. Qual quê! O pobre génio tinha que andar constantemente a afastar os lobos e as raposas e, como o rebanho era muito grande, passava o dia numa grande correria. Além disso, tinha de ter cuidado com as ribanceiras e as ribeiras para que nenhuma ovelha caísse e morresse.

Com todos estes cuidados, o rebanho não só não perdeu nenhuma ovelha como ganhou muitas mais. Como ele o levava para prados muito verdes, as ovelhas estavam muitas gordas e nasciam constantemente novos borreguinhos e coredeiros. O agricultor andava muito contente, mas não o mostrava nunca ao génio da montanha. Passado um ano, o génio da montanha foi ter com o agricultor e pediu-lhe o ordenado.

- Não posso dar-to hoje; tenho primeiro que me certificar se não perdeste nenhuma ovelha - respondeu-lhe o agricultor. - Vem cá amanhã.

À noite, o agricultor foi pé ante pé até ao curral, tirou a maior ovelha do rebanho e escondeu-a em casa dum amigo. No dia seguinte, logo pela manhã, o agricultor dirigiu-se ao rebanho e pôs-se a contar as ovelhas.

- Falta uma - gritou zangado. - O que é que fizeste à maior ovelha do rebanho?

- Ontem à noite ainda aí estava - respondeu o génio da montanha. - Deve tê-la levado um ladrão.

- A minha melhor ovelha - suspirou o agricultor. - Logo a minha melhor ovelha! Lamento mas assim não posso pagar-te nada, pois com esse dinheiro tenho de comprar outra ovelha.

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De nada serviram os protestos do génio da montanha. Assim, teve de partir com as mãos a abanar, um pouco desgosto com o que tinha conhecido das pessoas. Resolveu deixar o campo e ir conhecer as pessoas da cidade. Dirigiu-se a uma cidade que lhe pareceu muito simpática e perguntou onde poderia arranjar emprego. Foi informado de que juiz estava a precisar dum escriba. Falou com o juiz e começou a trabalhar. Só o que o génio da montanha não sabia é que este juiz era muito corrupto e mau.

Um dia, foi ter com o juiz um agricultor muito aborrecido porque tinha um irmão, meio aparvalhado, a quem o pai tinha deixado as terras ao morrer.

- Venho pedir-lhe um favor - disse o agricultor. - Não poderá riscar o nome do meu irmão e pôr lá o meu? Pago bem.

Ao ver um saquinho cheio de moedas de prata, o juiz chamou o escriba e mandou emendar o testamento.

- Não posso fazer isso - retorquiu logo o génio da montanha. - Não se podem alterar testamentos.

- Atreves-te a falar assim comigo!? - ripostou o juiz. - Guardas, levem-no para a prisão.

Os guardas apareceram logo e prenderam o escriba só porque ele tinha sido honesto. Sentado num canto da sua cela da prisão, o génio da montanha estava muito triste. Só tinha conhecido pessoas más. Resolveu voltar para as profundezas da montanha. E transformou-se de novo em génio e saiu da prisão pelo buraco da fechadura.

No caminho, viu a filha do rei da Silésia a banhar-se no rio com as suas aias e ficou apaixonado. Voltou a tomar a forma de homem e pediu-a em casamento. Mas a princesa disse-lhe que não. Então, naquele instante, formou-se um remoinho nas águas do rio e chupou a princesa até às profundezas da terra.

O génio da montanha estava muito contente de a ter junto a ele, mas a princesa estava muito triste.

- O teu palácio é muito belo, mas tenho muitas saudades do meu pai e das minhas amigas - disse-lhe um dia aprincesa.

O génio deu-lhe então um cestinho cheio de cenouras e avisou-a:

- Sempre que tocares numa cenoura e pensares em alguém, essa pessoas aparecerá logo aqui ao pé de ti.

E na verdade isso funcionava. A princesa então começou a planear a fuga. Um dia, pegou numa cenoura, a maior e a mais gorda de todas, e pensou no cavalo mais veloz da cavalariça do seu pai. Naquele instante, apareceu-lhe esse cavalo. A princesa saltou para ele e pôs a galopar o mais rapidamente que pôde pelas profundezas da terra até chegar ao cimo da terra, donde depois galopou para o palácio do pai.

O génio da montanha ficou muito triste, mas deixou-a ir.

- Agora já conheço bem as pessoas - pensou o génio, a quem as pessoas começaram a chamar “gigante-cenoura” quando a história da princesa foi conhecida.

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O veado branco

ra uma vez um soldado que não era igual aos demais soldados. Enquanto os seus camaradas gostavam de passar o tempo livre a comer, a beber e a jogar, este soldado gostava de passear pelo

campo e observar os pássaros e as flores. EUm dia, quando estava a passear pelos bosques que ficava junto ao quartel, viu ao longe um veado branco.

- Nunca vi um veado assim, todo branco! - admirou-se o soldado.

Voltou para o quartel, mas durante toda a noite não conseguiu dormir, pois o veado não lhe saía da mente. No dia seguinte, ofereceu o ordenado de um mês a um camarada para este lhe fazer o serviço e foi ao bosque procurar o veado. O soldado teve sorte e encontrou-o precisamente no mesmo sítio onde o tinha visto na véspera. Aproximou-se dele para o ver o melhor. O veado piscou-lhe o olho e desapareceu no meio das árvores. O soldado correu atrás dele e viu que ele tinha entrado por um grande buraco na terra.

O soldado não resistiu à tentação e seguiu o veado. Atrás do buraco, abria-se uma grande escadaria de mármore. O soldado desceu as escadas e chegou a um grande salão onde havia imensas arcas a abarrotar de ouro, diamantes e pedras preciosas. O soldado admirou a riqueza mas não tocou em nada. Continuou a seguir o veado branco que o levou para a sala seguinte. A sala era enorme mas estava praticamente vazia, tendo somente ao meio uma enorme mesa de carvalho com doze cadeiras; à volta, havia bancos de madeira e um relógio numa das paredes.

Como estava cansado, o soldado sentou-se num dos bancos para descansar e adormeceu imediatamente. Acordou quando o relógio começou a bater as doze badaladas da meia-noite. Naquele instante, entraram na sala doze anões com violinos. Alguns começaram a tocar e os outros a dançar. Um deles foi ter com o soldado e convidou-o para

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dançar. Este porém olhou para a porta onde estava o veado branco que lhe abanou a cabeça para que não o fizesse. Assim, o soldado declinou o convite e ficou sentado a ver a dança. Quando o relógio bateu a uma, os anõezinhos desapareceram como se fossem ar.

O veado apareceu e perguntou-lhe se tinha algum desejo.

- Sim - respondeu-lhe o soldado de imediato. - Gostaria de conhecer o mundo, mas como não tenho dinheiro não o posso fazer.

- Não desistas de sonhar - replicou-lhe o veado branco. - Se vieres amanhã, prometo-te que te ajudo.

De regresso ao quartel, os outros soldados não o deixaram em paz até ele lhes contar onde tinha estado durante todo o dia e toda a noite. Ao princípio, o soldado não queria contar nada, mas acabou por ceder e contou tudo. Os outros soldados não acreditaram numa única palavra e tomaram-no por tonto e sonhador.

Porém, no dia seguinte, quando o soldado partiu para o bosque ao encontro do veado branco, um camarada resolveu segui-lo para apurar até que ponto a história era verdadeira ou inventada. Tal como na véspera, o veado branco piscou o olho ao soldado e desapareceu no bosque. O soldado, seguido - sem o saber - pelo camarada, foi atrás do veado que entrou pelo buraco na terra. O soldado e o camarada desceram a grande escadaria de mármore e chegaram ao salão cheio de ouro, diamantes e pedras preciosas. Tal como na véspera, o soldado não mexeu em nada, mas o camarada começou logo a encher os bolsos e a mochila. Ouviram um estrondo e quando se viraram, a escadaria de mármore tinha desaparecido.

- Olha só o que fizeste! - exclamou o soldado para o camarada. - Como é que agora vamos sair daqui?

Não tiveram outro remédio que seguir o veado que se dirigiu à sala de jantar. Os dois soldados sentaram-se num dos bancos e adormeceram. Tal como na véspera, acordaram ao som das badaladas do relógio que batia a meia-noite. Naquele instante, entraram os doze anões. Uns puseram-se a tocar e outros a dançar. Um deles veio ter com os soldados e convidou-os a dançar. O soldado olhou para o veado que estava na porta e lhe abanou a cabeça para que ele declinasse o convite. O camarada, porém, respondeu ao anão:

- Vamos lá à dança, amigo anão.

Os tocadores começaram a tocar cada vez mais depressa. O camarada já estava muito cansado, queria parar mas os anõezinhos não deixaram. Obrigaram-no a dançar até morrer. O soldado não pode ajudar o camarada e saiu muito triste da sala. Para seu grande espanto, a escadaria de mármore já estava de novo no salão. Antes de a começar a subir, o veado branco apareceu e disse:

- Sobe as escadas. Lá fora, está à tua espera um coche puxado por dois magníficos cavalos. Debaixo do assento, encontrarás um baú repleto de

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moedas de ouro que nunca se irão acabar. Podes assim dar a volta ao mundo.

O soldado agradeceu. O veado branco mostrou-lhe um anel, partiu-o ao meio e disse-lhe:

- Toma esta metade. Sou a filha dum rei e o meu feitiço dura ainda três anos. Quando o tempo do feitiço chegar ao fim, vai até a uma cidade chamada Kammerland. Aí voltarás a encontrar-me.

O soldado subiu as escadarias e, na realidade, encontrou no cimo um lindíssimo coche puxado por dois maravilhosos cavalos. Entrou no coche, procurou o baú e viu que ele estava cheio de moedas de ouro. E o soldado partiu para a sua grande viagem.

Passados três anos, o soldado dirigiu-se a Kammerland e ficou na melhor hospedaria da cidade. À noite, teve porém um sonho muito estranho: sonhou que uma bela senhora, toda vestida de branco, o tinha ido visitar e que tinham ido ao dois até ao palácio real onde perante o rei tinha unido as duas metades do anel. Quando acordou, o criado disse-lhe que tinha lá estado uma senhora toda vestida de branco e que tinha perguntado por ele.

- Mas como o amo estava dormir tão profundamente, não o acordei - acrescentou ainda o criado.

O soldado advertiu-o logo que, se a senhora lá voltasse, que ele o acordasse logo.

Nessa noite, o soldado adormeceu e sonhou que uma senhora, toda vestida de encarnado, o tinha ido visitar. A sua expressão era porém de tristeza. Quando acordou, o criado disse-lhe que tinha lá estado uma senhora toda vestida de encarnado e que tinha perguntado por ele.

- Mas o amo estava a dormir tão profundamente que não o consegui acordar.

O soldado decidiu então ficar acordado durante toda a noite, mas o criado era mau e deu-lhe um soporífero para ele adormeceu. Nessa noite, o soldado sonhou com uma senhora vestida de preto que estava muito triste. E quando acordou, viu em cima da mesa a metade do anel que tinha ficado com o veado branco. Procurou o criado, mas este tinha partido sem dizer nada.

O soldado foi buscar o coche e voltou a partir por esse mundo fora. Passados três anos, foi ter a uma cidade onde nunca tinha estado antes, onde foi informado que a filha do rei andava a procurar marido. Já muitos tinham tentado a sorte, mas a filha do rei estava decidida a casar somente com o pretendente que conseguisse esconder-se tão bem que ela não o conseguisse encontrar. Só o que os pretendentes não sabiam é que ela tinha um espelhinho mágico que lhe mostrava sempre o esconderijo.

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O soldado resolveu ir tentar a sua sorte. Apresentou-se à filha do rei como pretendente e ela disse que se casaria com ele se ela não descobrisse o seu esconderijo. Tinha três dias para se esconder.

O soldado começou a procurar um esconderijo, mas não encontrou nenhum que fosse realmente bom. Quando o prazo estava quase a acabar, viu três rapazes que iam começar a depenar um lindo pássaro.

-Não o matem - gritou-lhes o soldado.

O soldado pagou-lhe bem pelo pássaro e eles largaram-no. O pássaro largou voo e voou três vezes sobre a cabeça do soldado. Depois, pegou no soldado e levou-o para o céu.

Assim que terminou o prazo, a filha do rei pegou no espelho e começou a procurar na terra o esconderijo deste pretendente. Mas não o encontrou. Procurou então na água, mas também não o viu. Procurou por fim no céu e descobriu o soldado no meio das penas do pássaro.

- Este pretendente agrada-me - pensou a filha do rei. - Se conseguir esconder-se mais duas vezes sem eu o encontrar, caso-me com ele.

O soldado voltou a procurar novo esconderijo. O prazo estava novamente a terminar e ele sem encontrar nenhum sítio bom para se esconder. Estava à procura debaixo da ponte quando descobre na margem do rio um monte de peixes quase a morrer, que um pescador sem coração tinha pescado mas não tinha levado porque eram muito pequenos. O soldado teve pena deles e atirou-os para a água. Logo a seguir, apareceu um peixe muito grande que deu três voltas ao rio; depois agarrou o soldado, engoliu-o e escondeu-o dentro da barriga.

Assim que o prazo terminou, a filha do rei correu para o espelho e procurou o pretendente na terra. Nada. Depois, procurou-o no céu e nada. Finalmente, procurou-o na água. O espelho mostrou-lhe um peixe enorme e, dentro da barriga, o soldado.

- Gosto mesmo deste soldado - disse a filha do rei. - Espero que o terceiro esconderijo seja também especial e difícil de encontrar para eu me poder casar com ele.

O peixe cuspiu o soldado, que começou logo a procurar de novo um esconderijo. O prazo estava quase a terminar e ele ainda não tinha encontrado nenhum cantinho bom para se esconder. Ao passear no jardim do palácio real, descobre um pé de alecrim todo coberto de ervas daninhas.

- Coitado do alecrim - pensou o soldado. - Assim não vai conseguir crescer. E apesar do prazo estar quase a acabar, o soldado arrancou todas as ervas daninhas e arranjou o pé de alecrim. Dum momento para o outro, o alecrim cresceu imenso e o soldado pôde esconder-se entre os seus ramos.

Assim que terminou o prazo, a filha do rei correu para o espelho e começou a procurar o soldado: primeiro na terra e nada. Depois na água e nada e finalmente no céu e também nada.

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A filha do rei ficou muito triste, pensando que o soldado se tinha ido embora, cansado das exigências dela. Foi passear para o jardim e viu o alecrim gigante. Chamou a aia e perguntou-lhe há quanto tempo o alecrim ali estava.

- Ainda não estava aqui quando há pouco fui à água - respondeu-lhe a aia.

A filha do rei mandou chamar o jardineiro.

- Há quanto tempo está aqui este pé de alecrim? - perguntou-lhe.

- Nunca o vi aqui - respondeu-lhe o jardineiro.

A filha do rei pediu então uma tesoura e cortou um raminho. Naquele instante, o pé de alecrim ficou com o tamanho normal e deixou no chão o soldado.

A filha do rei pulou de alegria ao ver o soldado e saltou-lhe ao pescoço.

- Que bom ter-te encontrado! - exclamou a filha do rei. - Eu sou o veado branco que tu encontraste há seis anos. Quando te procurei ao fim dos três anos, tu estiveste sempre a dormir. Fiquei tão zangada, que resolvi pôr esta exigência do esconderijo para ver se serias digno ou não de mim.

Os dois casaram-se e foram felizes para sempre.

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Bibliografia

BARKOW, Nick, Märchen aus deutschen Vauernhäusern. Herrsching, Hanseatische Edition, 1982.

CARSTENSEN, Richard, Rübezahl. Stuttgart, Boje Verlag, 1961.

KRANZ, Herbert, Der Wunderbaum. Freiburgo, Verlag Herder, 1956

MASSENBACH, Sigrid von (ed.), Es war einmal... Märchen der Völker. Baden-Baden: Holle Verlag, 1958.

RAUHOF, Carl Peter (ed.), Deutsche Heldensagen. Estugarda: Boje-Verlag, 1955.

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