Cinefilia a 24 quadros por segundo
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CINEFILIA A 24 QUADROS POR SEGUNDO
Fernando Romero Castor de Lima1
Resumo - Reeducando o olhar – esta é a linha que resume a orientação deste artigo, resultado de um exercício empírico voltado para o estímulo de uma cultura cinematográfica pouco acessível ao grande público. O texto discorre sobre a experiência de submissão de dois espectadores a uma filmografia alheia aos seus próprios hábitos de fruição, geralmente caracterizados por um cinema de gosto massificado e linguagem previsível. Trata da trajetória e dos efeitos dessa experiência, um percurso marcado pelo sabor da descoberta de novos olhares, de novos sentidos, em uma história que ultrapassa os limites do entretenimento e posiciona o cinema como expressão de arte.
Palavras-chave: cinema; espectador; recepção; cinematográfica.
Abstract - Re-educating the watching habits – this is the line that summarizes the main concern of this paper, which results from an empirical exercise directed toward stimulating interest in a less accessible cinematographic culture. We discuss the exposure of two spectators to a filmography completely unrelated to their own film-watching habits, generally characterized by a massified cinema with predictable language. We describe trajectory and effects of this experience marked by the taste of discovering new watching habits and new feelings, through a story that surpasses the limits of entertainment and affirms cinema as an aesthetic manifestation.
Keywords: cinema; spectator; cinematographic; reception.
Introdução
O que é ver um filme? É sentar diante de uma projeção e fixar os olhos numa tela por
aproximados 120 minutos? É torcer pela derrota do vilão e conseqüente vitória do herói? É
ver o mocinho e a mocinha selando um happy ending com um apaixonado e eterno beijo?
Aparentemente simples, a indagação que abre o parágrafo é uma pergunta-chave no esforço
de compreender o fenômeno da recepção cinematográfica, cuja resposta certamente não
caberia – na sua completude – nos limites aqui fixados, se considerada fosse a sua extensão e
profundidade.
Partindo da despretensiosa experiência que dá origem a este artigo, o esforço possível
– e caminho escolhido – pretende conduzir o leitor por um viés menos teorizador para lançar-
se em um exercício mais voltado para o empirismo, obviamente sustentado pela linguagem e
história do cinema, e seu corpus teórico, mas com a preocupação primeira de lançar um olhar 1 Formado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especialista em Jornalismo Cultural (Fundação Francisco Mascarenhas), professor do curso de Comunicação Social das Faculdades Integradas de Patos (FIP) e técnico de cinema com registro na função de continuísta. Curso de Comunicação Social – Rua Horácio Nóbrega, S/N – Belo Horizonte, Patos-PB.
sobre as reações de espectadores (dois jovens estudantes) submetidos à fruição de uma
filmografia não antes experimentada, diferente daquela de sua habitual predileção. E é
justamente na questão inicial que está o núcleo de Cinefilia a 24 quadros por segundo, um
projeto destinado inteiramente ao exercício da recepção, como o próprio nome sugere, cuja
idéia consiste, em linhas gerais, na promoção de uma cultura de cinema a partir do
conhecimento empírico de filmes.
Passeando pela história do cinema (um breve passeio), observamos o quanto a
condição da recepção serviu para consolidá-lo como uma expressão dona de uma linguagem
própria, autonomamente reconhecida como arte, contrariando curiosamente a visão daqueles
que lhe lançaram ao mundo, os irmãos Lumière, descrentes então do potencial de sua
invenção como suporte destinado ao espetáculo, incapaz de provocar interesses além da
curiosidade inicial, e que estava ali apenas como dispositivo destinado à vocação científica.
Pois bem, não tardou e logo veio a prova de que as observações dos inventores não
resistiram ao crescente interesse de espectadores e realizadores pelo cinematógrafo, que o
viam como um precioso instrumento a serviço da fruição, extremamente útil para o registro da
realidade, e compreensão do movimento, obviamente, mas sobretudo para o espetáculo
ficcional, entretenimento largamente experimentado, de início, pelo mágico francês George
Meliès, nas suas inúmeras, divertidas e criativas historietas.
Ali mesmo, na primeira sessão, em Paris, as reações de temor e louvor dos presentes já
davam mostras de que o cinematógrafo não era uma máquina passageira. Ela provocava
emoções – a essência do cinema. Daí por diante, o cinema se descobriu dentro de uma
linguagem nas mãos do norte-americano D. W. Griffith, com Nascimento de uma Nação, e
descobriu, nas mãos de outro, o russo Kulechov, o quanto um público é sugestionado pelo
poder ilusório da montagem, numa experiência que ficou conhecida pelo próprio nome de seu
autor, o famoso Efeito Kulechov, que observa a significação fílmica a partir da percepção do
espectador.
E pensar o espectador nos faz novamente recuar no tempo e chegar aos estudos de
Hugo Munsterberg no início do século XX, período da consagração inventiva de Griffith.
Munsterberg morreu no ano seguinte a Nascimento de uma Nação, em 1916, sem conhecer
Intolerância, segundo filme daquele que é reconhecido como o pai da linguagem
cinematográfica, mas felizmente o tempo que a vida lhe destinou foi suficiente para torná-lo
pioneiro no estudo da recepção fílmica, e seus estudos de psicologia e recepção sobre as
funções internas no campo da significação, sobre as relações mentais do espectador diante da
narrativa de um filme, fixou para a posteridade a máxima de que “o cinema obedece às leis da
mente, não às do mundo exterior”.
Além de Munsterberg, referência validada historicamente no estudo da recepção,
outros nomes depositaram aqui sua contribuição, auxiliando na compreensão de questões
preciosas que ajudaram a imaginar um modelo ideal de espectador, que ajudaram a
reconhecer no espaço ficcional da tela elementos para a sua apreciação. Embora não haja, no
corpo do texto, citações desses autores – como o leitor irá perceber –, nenhuma das
abordagens deste artigo, excetuando-se as experiências do projeto estritamente ligadas aos
alunos-espectadores, são estranhas à literatura cinematográfica, e as referências postas na
bibliografia poderão ser consultadas caso queira o leitor ampliar sua leitura.
Ver Cinema Com Outros Olhos
Na primeira metade das atividades de Cinefilia a 24 quadros por segundo, observamos
que a natureza do projeto exigia uma revisão das pretensões inicialmente estabelecidas, dentro
da sua compreensão de projeto de extensão. Percebemos que não haveria tempo hábil para
trabalhar uma formação primária junto aos bolsistas, de cultura cinematográfica, que
possibilitasse a ampliação dessa formação a um público externo, com resultados satisfatórios.
Seguir tal caminho implicaria, ainda, inserir a dupla de alunos bolsistas num processo
preparatório ligeiro, raso, comprometendo o objetivo maior de sua formação cultural em
cinema. A saída foi investir nas atividades redirecionando o projeto para a área de pesquisa,
reforçando e delimitando o exercício da leitura fílmica para o campo da análise, da
compreensão e da manifestação de juízo de valor, através de sessões de cinema, leituras de
textos de crítica e ensaios, além de debates envolvendo os alunos bolsistas.
O projeto criou oportunidade de inserção dos alunos-bolsistas numa filmografia pouco
acessível ao grande público – habituado com um cinema de gosto massificado e linguagem
previsível –, justificada por aspectos que passaram pelo crivo da relevância histórica e força
dos clássicos, pela magnitude e estilo dos diretores, pelo critério da força autoral e das
conquistas estéticas, numa lista definitiva que somou um total de 50 filmes filtrados de uma
primeira seleção de 100 títulos.
Tornou-se necessário na composição da filmografia estabelecer o crédito da direção
como critério primeiro da seleção, uma vez que a escolha centrada no filme acabaria
beneficiando um diretor com mais de um título, excluindo da lista outros diretores de igual
relevância. O mestre Hitchcock e o versátil Billy Wilder, para ficar em dois exemplos,
certamente seriam nomes favorecidos, abocanhando com seus filmes uma fatia grossa da
relação.
Com o propósito de oferecer aos alunos um quadro diversificado de diretores e
despertar o interesse pela obra de cada cineasta trabalhado, despertávamos também a
consciência de que muitas vezes um conjunto de filmes incrusta marcas que identificam o
estilo de um autor, habilidades que são próprias de uma mão criadora. À parte as discussões
sobre a quem pertence a autoria cinematográfica, cujas razões não cabe aqui discuti-las, a
função da direção é historicamente consolidada como autoral. Claro que, se bem observado,
em um filme há diversas autorias (fotografia, trilha musical...), mas todas elas são
compreendidas como setorizadas, e estão quase sempre condicionadas pelo imaginário de um
diretor.
Os encontros foram desenvolvidos dentro de uma linha não-cronológica, inicialmente
de grau introdutório, trabalhando títulos mais acessíveis ao gosto e compreensão dos bolsistas,
e posteriormente alçada a outros níveis, trabalhando aspectos mais elevados de linguagem e
relevância histórica. Tal medida ancorava na suspeita de que certos filmes poderiam assustar
os dois jovens espectadores, não por uma questão de gênero, de um bandido a espreita de sua
inocente vítima numa rua escura e deserta, ou um malvado morcego invadindo um quarto de
uma bela donzela à noite para sugar-lhe o sangue do pescoço, obviamente que não.
Brincadeira à parte, a razão está no simples fato de que alguns filmes possuem baixíssimo
grau de apreciabilidade, são difíceis, estranhos, pesados, caso em que se encontra o já
mencionado Nascimento de uma nação, de 1915.
Mesmo possuindo um grau altíssimo de relevância histórica, sacralizado como uma
superprodução que inaugura a gramática cinematográfica, tecnicamente inovador, o épico de
Griffith, com quase três horas de duração, exige de seu espectador um nível de envolvimento
muito acima da média, um razoável conhecimento em cinema, capacidade de desprendimento
dos hábitos modernos de fruição (a favor de um olhar historiográfico), e ainda uma postura
flexível, aberta a diferenças ideológicas para evitar equívocos de leitura e ojeriza. Não por
acaso, ele foi disposto na filmografia para ser o último filme a ser visto pelos bolsistas.
Na outra ponta da linha, um filme como Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore, de
1988, é nutrido de uma dose de apreciação gigantesca, agradando indistintamente camadas de
público nos quatro cantos do mundo, dos mais exigentes cinéfilos aos espectadores comuns.
Definimos que esta seria a película apropriada para abrir as atividades de Cinefilia a 24
quadros por segundo, não apenas por ser bastante apreciável, mas também por tratar de uma
temática diretamente ligada à natureza do nosso projeto, capaz de provocar o estímulo inicial
que garantiria, em tese, o ânimo para as etapas seguintes.
A nossa programação, apesar de obedecer a alguns critérios, foi bastante maleável no
que diz respeito à ordem das sessões, apoiada em um senso de oportunidade orientado pelo
desempenho da dupla de alunos – observado pelo seu nível de compreensão e aceitação – e
por razões especiais, como, por exemplo, o falecimento de Ingmar Bergman e os cinco anos
da morte de Billy Wilder.
Em julho de 2007, com o falecimento do diretor sueco, pela sua importância no
cinema mundial, antecipamos o já programado Morangos Silvestres, obra-prima de 1957,
vigésimo quarto filme do cineasta, de uma extensa e intensa filmografia que reúne mais de 50
títulos. Ao saudoso Billy, um dos mais versáteis cineastas da história do cinema, austríaco-
hollywoodiano, reservamos um encontro com Crepúsculo dos Deuses, de 1950. Ambos
clássicos consagrados do cinema. Sobre estes filmes, nossos dois jovens espectadores
manifestaram uma reação positiva, madura e estimulante.
A experiência com Billy Wilder encerrava a trilogia de abertura de Cinefilia a 24
quadros por segundo, voltada exclusivamente para a metalinguagem, aberta com Giuseppe
Tornatore, no já mencionado Cinema Paradiso, seguida por François Truffaut, com o seu
descontraído A Noite Americana, de 1973, e finalmente Crepúsculo dos Deuses, pontuando as
discussões sobre o universo metalingüístico no cinema. Aliás, o tema foi recorrente na
filmografia do projeto, emergindo em um título ou outro nas sessões posteriores. Mas nesses
casos as intenções já eram outras, não carregávamos mais o clima de boas vindas ao mundo
dos cinéfilos, nem tampouco estávamos presos ao didatismo introdutório de iniciação dos
alunos à temática metalingüística.
Morangos Silvestres introduziu os bolsistas em um cinema mais introspectivo,
profundamente simbólico, marcado por uma temática de forte carga psicológica e moral.
Exigiu deles, pelo o que observamos um envolvimento muito mais concentrado, totalmente
absorvidos pelos limites da tela e pesadelos do Dr. Isaak Borg, na sua intensa viagem de
autoconhecimento e arrependimentos.
Curiosamente, o filme parece ter provocado uma espécie de autoconhecimento no que
diz respeito à postura dos espectadores, aos seus hábitos, contribuindo para despertar um novo
olhar, uma nova maneira de enxergar um filme. Contribuiu, felizmente ao contrário da
descoberta tardia de Borg, para o despertar de uma consciência de um cinema voltado para
temáticas mais profundas e erudição narrativa. Em Crepúsculo dos Deuses, os alunos tiveram
um comportamento próximo do aqui descrito, mas o filme, apesar da forte pulsação dramática
e narrativa apurada, cinema de primeira grandeza, tem uma característica que areja momentos
da fruição, própria do estilo Wilder, uma fina membrana que alivia, num ponto e noutro de
cenas dramáticas, pequenas tensões na relação filme-espectador, algo que põe em equilíbrio
sentimentos de graça e dor.
Mas mesmo na cena final, extremamente dramática, de grande tensão, quando Norman
Desmond desce a imponente escadaria, revelando-se numa tragédia humana de forte impacto,
de uma vida de estrelato em violenta decadência, é carregada de um brilho ofuscante e
fabuloso que lhe confere um glamour reservado apenas às divas imortais do cinema mudo.
Um efeito inefável, em um misto de dor e encanto que inebria e silencia o espectador. Um
clima bizarro graciosamente doloroso.
Não que o filme de Bergman seja doloroso do início ao fim, não é isso, o sueco
também sabe afrouxar o nó quando necessário. A viagem de Estocolmo a Lund de carro, que
conduz Dr. Borg a uma condecoração acadêmica, caminho que orienta boa parte do filme,
reserva laços menos apertados que afrouxam sorrisos no espectador, caso do trio carona
formado por dois rapazes e uma moça, em que diferenças ideológicas e disputa amorosa criam
momentos de certa graça no filme, graça observada também no casal inconveniente que toma
carona e instaura um clima de hostilidade no banco de trás, sem nenhum senso de cerimônia.
Acontece que mesmo diante dessas cenas, aparentemente despretensiosas, o
espectador percebe que ali estão sendo oferecidas pistas que podem levá-lo a um
entendimento mais profundo da história – daí a necessidade de manter esticado o fio da tensão
para que se possa tirar um melhor proveito do filme; e mesmo na ausência dessa percepção
recortada, o espectador reconhece estar diante de um filme que exige dele um estado de
envolvimento que proíbe (a palavra pode soar forte, mas é apropriada), caso queira prolongar
sua leitura, o relaxamento da atenção.
Cinefilia a 24 quadros por segundo funcionou como uma espécie de laboratório, com
os bolsistas sendo expostos a doses intensas de cinema, em experiências que revelaram
diversos tipos de reação. Entre Wilder e Bergman, por exemplo, foram submetidos a uma
profusão de sentimentos oscilantes, em contrastes provocados por clássicos do relevo de um
John Ford, de um Stanley Kubrick e de um Alfred Hitchcock, e pelo impacto de obras mais
recentes encabeçadas pelo veterano Francis Ford Coppola e pelos independentes irmãos Coen.
Em O Homem que Matou o Facínora, chumbo grosso de John Ford, de 1962, a
experiência serviu como um tiro certeiro contra preconceitos em torno do gênero. A dupla de
bolsistas era formada por uma aluna e um aluno, e foi da parte feminina que se manifestou a
aversão ao western, observado antes da sessão como um gênero excluído de sua predileção,
numa exposição de motivos que posicionou o espectador e o universo ficcional do bang-bang
no campo das motivações masculinas.
Embora não dispondo aqui de dados que comprovem a estatística, a observação
empírica parece confirmar a tese da garota, pondo de fato o homem como parte mais
interessada pelo gênero – pensando obviamente em um público maior, não especializado.
Acontece que a postura de recusa ao gênero, e isso vale para qualquer outro tipo de cinema
(policial, comédia...), expõe o espectador a uma condição de perdas consideráveis, não apenas
por privá-lo de ver bons filmes, alguns alçados à categoria de obra-prima, mas também por
afastá-lo do entendimento de questões ligadas à linguagem, cuja gênese muitas vezes é
identificada em determinado gênero, e cuja compreensão de sua origem amplia a noção dessas
questões na correspondência entre os gêneros.
John Ford favoreceu o reposicionamento do olhar da jovem espectadora, em uma
sessão que culminou com sua entusiasmada reação de louvor ao Homem que Matou o
Facínora, encantada por gostar, pela primeira vez, de um filme de cowboy – entusiasmo
repetido meses depois com o lírico, romântico e ousado Johnny Guitar, película de Nicholas
Ray, de 1954. O filme de Ford veio para mostrar que um gênero pode romper com certas
convenções, sem trair sua natureza.
Um faroeste-noir, que se desenrola na sombra, em espaços fechados, de heroísmo
pouco convencional, e um punhado de outros elementos estranhos aos cânones do western. É
bem possível que essas peculiaridades tenham contado pontos a favor do filme na apreciação
da aluna, mas longe de desviá-lo do gênero elas estão aí para renová-lo, para confirmar e
reforçar a capacidade inventiva como uma das maiores virtudes do cinema.
Stanley Kubrick impressionou com sua densa violência e preciosismo visual. Laranja
Mecânica, de 1971, apresentou a expressão futurista de seu diretor (já experimentada em
2001, três anos antes), numa obra com quase quatro décadas de existência, carregada de uma
modernidade sempre viva, e cultuada por gerações de cinéfilos. Alfred Hitchcock, o mestre do
suspense, validou o título conferido com o seu clássico Janela Indiscreta, de 1954.
Coppola, com uma filmografia iniciada no início dos anos 1960, contribuiu com um
dos seus filmes mais recentes, Drácula, de 1992, horror poético de uma imortal história de
amor, de impecável beleza plástica. E Joel e Ethan Coen apresentaram o seu sarcasmo
medonho em Fargo, sexto longa dos irmãos, lançado em 1995, uma história de seqüestro,
trapalhadas e mortes.
Janela Indiscreta provocou uma agradável discussão sobre o olhar, um bate-papo
inspirador motivado pelo voyeurismo de Jeff, protagonista do filme, numa relação contígua à
própria condição do espectador. No espaço ficcional, Jeff bisbilhota a vizinhança através da
janela de seu apartamento, imóvel na cadeira, em convalescença de um trauma sofrido na
perna, aflito por acreditar ter testemunhado um assassinato. Do lado de cá, no espaço real, o
espectador assiste a situação diegética, imóvel na poltrona, preso às expectativas de uma
trama.
O espaço geométrico da janela extensivo à tela funciona como uma brincadeira
cinematográfica com a recepção, em que mesmo na imobilidade a noção de passividade não
passa de uma impressão. Jeff, mesmo com os movimentos comprometidos consegue
mobilizar ações. O espectador, mesmo na visão limitada da perspectiva de Jeff, está longe de
ser passivo, participando ativamente das suspeitas de um crime, por transferência direta
daquilo que a personagem observa.
A tomada de consciência de que o campo de visão não passará daquele palco (o prédio
do suposto assassinato) talvez seja a grande angústia do espectador – observada aqui não
como um problema. Acostumado que está com os artifícios narrativos do cinema que lhe
revelam informações sonegadas às próprias protagonistas, no filme de Hitchcock ele não tem
o privilégio de saber mais do que a personagem sabe. Aí está o toque de mestre do velho
Alfred.
Considerações Finais
Cinefilia a 24 quadros por segundo proporcionou aos dois jovens cinéfilos a
oportunidade de ver e discutir cinema, de perceber que um filme é um corpo repleto de
significados, uma expressão cheia de segredos e vestígios à espera de alguém que possa
desvendá-los. Essa é a síntese da nossa experiência, que de tão vasta esgota o espaço deste
artigo e impossibilita lamentavelmente a cobertura de todos os filmes vistos e discutidos.
Aqui fizemos um pequeno recorte que resume alguns encontros do projeto, outros tantos
ficaram fora do texto.
Sentimos a falta de Elia Kazan, com o seu estupendo Vidas Amargas (1955), de
Vittorio DeSica, no sensível Ladrões de Bicicleta (1948), de Friedrich Murnau, com o
expressionista Nosferatu (1922), de um agressivo Martin Scorsese em Taxi Driver (1976), do
imaginativo Fellini, no espetacular Amarcord (1973), de Luis Buñuel e as fantasias eróticas de
A Bela da Tarde (1967), do meticuloso Akira Kurosawa, e Os Sete Samurais (1954), de Fred
Zinneman (Matar ou Morrer/1952), de Wim Wenders (Paris, Texas/1984), de Luchino
Visconti (Morte em Veneza/1971), de Orson Welles (A Marca da Maldade/1958), de Sergei
Eisenstein (Encouraçado Potemkim/1925), de Anselmo Duarte (O Pagador de
Promessas/1962), de Carl Dreyer (A Palavra/1955) e todos os demais da nossa filmografia
que não ocuparam as linhas deste artigo. Mas tem lugar melhor para ocupar do que o espaço
da tela?
Referências
BAZIN, A. O Cinema – Ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.
BRITO, J. B. de. Imagens Amadas. São Paulo: Ateliê Editorial, 1995.
EISENSTEIN, S. A Forma do Filme. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
EISENSTEIN, S. O Sentido do Filme. Rio de Janeiro: Zahar, 1990.
XAVIER, I. (Org.). A Experiência Cinematográfica. Rio de Janeiro: Graal-Embrafilme, 1983.
__________. O Cinema no Século. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1996.