Aspectos políticos, históricos e legais entre as cartas constitucionais do imperio e de 1988

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1 RICARDO HENRIQUE DE JESUS ASPECTOS POLÍTICOS, HISTÓRICOS E LEGAIS ENTRE AS CARTAS CONSTITUCIONAIS DO IMPÉRIO E DE 1988 (Comparações, Influências e Similitudes)

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RICARDO HENRIQUE DE JESUS

ASPECTOS POLÍTICOS, HISTÓRICOS E LEGAIS ENTRE AS CARTAS

CONSTITUCIONAIS DO IMPÉRIO E DE 1988

(Comparações, Influências e Similitudes)

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Reflexão

“Há, para todas as coisas, um tempo determinado por Deus.3.1. Tudo tem seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.2. Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de se arrancar o que se plantou;3. Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derrubar, e tempo de edificar;4. Tempo de chorar, e tempo de rir;Tempo de prantear, e tempo de dançar;5. Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de afastar-se de abraçar;6. Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de lançar fora;7. ... tempo de estar calado, e tempo de falar.” Ec.3:1 a 7.

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Dedico este estudo a minha esposa e companheira pelos seus incentivos e emos e, em especial, a orientadora Maria da Gloria D. Medeiro pela pelaiçãoib e orientação na primeira parte do estudo.

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RESUMO

A Constituição é norma suprema da nação, ordenamento jurídico maior em que subsume todo sistema de regras normativas do país, ponto de alicerce e respaldo para formação do sistema de normas, além de estruturar as balizas para a organização político-administrativa do Estado. É fonte principal da instituição do Estado Democrático de Direito e formação do Estado Constitucional. Esta pesquisa teve por objetivo analisar se no contexto legal, histórico e político, a Carta Magna de 1988 tem parâmetros de congruência política, histórica e legal com a Carta Magna outorgada em 1824, descrevendo o contexto político e legal da Carta Política de 1824; esclarecendo contexto político e legal da Carta Política de 1988 e estabelecendo comparações, influências e similitudes entre as duas Cartas Políticas. Para alcançar esses objetivos, este estudo propôs uma pesquisa exploratória bibliográfica e documental, de caráter qualitativo, onde se observou o contexto evolutivo- histórico e político da formação do Estado de Direito no âmbito constitucional, narrando em seus vários aspectos tudo que influenciou, por concorrer diretamente para, o surgimento da Carta Constitucional do Império e da Carta Magna de 1988, percebendo-se que tanto numa Carta quanto na outra houve uma crise pela luta do Estado Constitucional, primeiramente, com a Monarquia Constitucional e a influência do liberalismo político e econômico da época e a luta pela institucionalização do Estado Democrático de Direito e suas bases, em virtude do regime de exceção de direitos civis, políticos e sociais vividos na época.

Palavras-chave: Constituição de 1824-1988. Comparações. Influências. Similitudes.

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ABSTRACT

The Constitution is the Supreme Law of the nation, greater legal order in which subsume all normative rules system of the country, the Foundation and support for formation of standards system, in addition to structuring the beacons for the political-administrative organization of the State. Is major source of institution of the democratic State of law and formation of Constitutional State. This study aimed to analyze the legal, historical and political context, the Carta Magna of 1988 has parameters of political, historical and legal congruence with the Magna Carta granted in 1824 by describing the political and legal context of the Political Charter of 1824; clarifying political and legal context of the 1988 policy and establishing comparisons, influences and similarities between the two policies. To achieve these objectives, this study proposed a bibliographical and documental research exploratory, qualitative character, where he observed the evolutionary context-historical and political training formation of the rule of law in the constitutional context, narrating in his various aspects all influenced, by competing directly for the emergence of the Constitutional Charter of the Empire and of the Carta Magna of 1988, realizing that both in Letter and in another there was a crisis for the fight of the Constitutional State, first, with the Constitutional Monarchy, and the influence of political and economic liberalism of the time and the struggle for the institutionalization of the democratic State of law and their bases, by virtue of the exception regime of civil, political and social rights experienced at the time.

Keywords: Constitution of 1824-1988. Comparisons. Influences. Similarities

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................ 6

1 CONTEXTO POLÍTICO, HISTÓRICO E LEGAL DA CARTA MAGNA DE 1824 ...................................................................................................... 8

2 CONTEXTO POLÍTICO, HISTÓRICO E LEGAL DA CARTA MAGNA DE 1988 ...................................................................................................... 19

3 COMPARAÇÕES, INFLUÊNCIAS E SIMILITUDES ENTRE AS CARTAS CONSTITUCIONAIS 1824/1988 ................................................................ 37

CONCLUSÃO ................................................................................................. 43

REFERÊNCIAS................................................................................................ 45

ANEXOS ......................................................................................................... 49

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INTRODUÇÃO

A Constituição é norma suprema da nação, ordenamento jurídico maior em que

subsume todo sistema de regras normativas do país, ponto de alicerce e respaldo para

formação do sistema de normas, além de estruturar as balizas para a organização político-

administrativa do Estado. É fonte principal da instituição do Estado Democrático de Direito e

formação do Estado Constitucional.

O presente trabalho visa verificar se no contexto legal, histórico e político, a Carta

Magna de 1988, tem parâmetros de congruência política, histórica e legal com a Carta Magna

outorgada em 1824. Neste diapasão, procurou-se descrever o contexto político e legal da

Carta Política de 1824 e de 1988, estabelecendo comparações, influências e similitudes entre

as duas Cartas Políticas.

Para alcançar esses objetivos, este estudo propôs uma pesquisa exploratória

bibliográfica e documental, de caráter qualitativo, onde se observou o contexto evolutivo-

histórico e político da formação do Estado de Direito no âmbito constitucional, narrando em

seus vários aspectos tudo que influenciou, por concorrer diretamente para o surgimento da

Carta Constitucional do Império e da Carta Magna de 1988.

Primeiramente sobre o contexto político, histórico e legal da Carta Política de 1824,

verificaram-se vários aspectos que incidiram para que houvesse razões suficientes para

respaldar a decisão de elaborar a Carta Política do Império e, neste aspecto, passou-se a

contextualizá-los para haver maior compreensão do desenvolver dos acontecimentos.

A crise do sistema colonial, dando início ao fortalecimento em alta escala do capital

industrial, onde as idéias de Adam Smith de crítica à política mercantil, restrições a

monopólios, a tratados comerciais e trabalho escravo, foi abordada levando-se em ênfase o

enfraquecimento do Sistema Colonialista.

As influências liberais da Europa que movimentavam a vida Política e a febre do

liberalismo também foram aspectos de referência no tema abordado.

O sentido do constitucionalismo apresentado por D. Pedro, que via nele uma forma

para estabelecer o seu mandato imperativo, implementando a monarquia constitucional, foi

visto, pois D. Pedro entendia que a constituição deveria coibir abusos por parte do monarca,

da classe política e do povo.

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Nessa ótica, traçou-se um estudo comparativo existente entre o projeto da Carta

Constitucional do império e a Constituição outorgada de 1824, que foi elaborada após a

dissolução da Constituinte pelo imperador D. Pedro quando da convocação de um conselho

composto por notáveis juristas.

Alguns artigos da Carta Constitucional de 1824 foram abordados, onde assuntos como

o de ser o Brasil a associação Política de todos os cidadãos, foram aliados a temas como o

governo monárquico, constitucional e representativo além da divisão harmônica entre os

poderes, destacando-se que o Poder Moderador era chave de toda organização política. Neste

contexto, fez-se menção também a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos

brasileiros, que tinham por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, esta

garantida pela constituição do império.

De acordo com os autores Quirino e Montes (1986), estabeleceu-se um organograma

estrutural do processo eleitoral da época, esclarecendo-se de que forma era exercida a

cidadania pelo Direito de voto.

Traçou-se o contexto político histórico e legal que antecedeu a Carta Política de 1988,

passando-se do regime de exceção vivido pelo país nos idos de 1964 a 1985, onde se deixava

claro que se suprimiram as aspirações democráticas pela repreensão a todo e qualquer

movimento de mudança do regime político existente, onde a maior mostra disto foi o AI-5,

que fulminou quase que completamente os poderes da Constituição de 1967. Nessa corrente,

passou a uma análise sucinta dos Governos de Medici, Geisel, Figueiredo e Sarney. Neste

último, fez-se menção as principais ocorrências como a instituição da Assembléia Nacional

Constituinte, suas fases, os acontecimentos vividos e parte dos discursos dos manifestos dos

Governadores e do discurso de posse do Presidente da Anac (Assembléia Nacional

Constituinte).

Também mereceu destaque o preâmbulo da Carta Constitucional de 1988 além de

alguns princípios, direitos e garantias fundamentais, pela importância na abordagem do tema.

Por fim, se estabeleceu comparações, influências e similitudes entre as Cartas de 1824

e 1988, tratando-se de abordar os vários acontecimentos que desencadearam as principais

comparações entre as duas Cartas apesar do hiato temporal.

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1 CONTEXTO POLÍTICO, HISTÓRICO E LEGAL DA CARTA MAGNA DE 1824

Vários aspectos incidiram para que houvesse razões suficientes para respaldar a

decisão de elaborar a Carta Política de 1824 e, neste parâmetro, passa se a contextualizá-los

do ponto de vista histórico, político e legal para que se possa haver maior compreensão do

desenvolver dos acontecimentos.

A crise do sistema colonial deu inicio a um fortalecimento em alta escala do capital

industrial, onde as idéias de Adam Smith de crítica a politica mercantil, restrições a

monopólios, a tratados comerciais e trabalho escravo, passavam a afirmar as relações

internacionais, havendo um regime de livre concorrência entre as nações e a superioridade do

trabalho livre sobre a mão de obra escrava. Com isto enquanto na Inglaterra berço da

revolução industrial, encaminhava-se a corrente industrial e suas novas formas de

colonialismo, Portugal e Espanha defendiam o colonialismo de praxe ou comum ou, ainda, o

tradicional, onde se tornava evidente a existência da crise de todo sistema colonialista. Neste

contexto, com a crise do sistema colonial tradicional, passou a entrar em choque os sistemas

absolutistas de governos, surgindo com isto, de outro lado, as lutas liberais e nacionalistas que

se sucederam, sobretudo na Europa e na América.

As influências liberais da Europa movimentaram a vida política no século e a febre do

liberalismo, que era a ideologia que a classe burguesa defendia contra as instituições dos

regimes autoritários respaldados no excesso de poder real, privilégios da nobreza e do

feudalismo ao desenvolvimento econômico da época, se irradiavam ou se expandiam por toda

Europa. Nesta situação política o então regente D. João VI, não poderia deixar de ceder às

influências que o liberalismo político e a Revolução Francesa causaram para os movimentos

políticos que varriam Portugal. Para D João, segundo Scantimburgo (1996), os dias haviam

mudados e cabia a ele saber que o imperialismo absolutista do representante da Coroa

Portuguesa estava em transformação, pois havia de se esperar que o liberalismo que alcançava

Portugal também passasse a influenciar suas decisões no Brasil onde, aliás, diferentemente do

liberalismo da Europa, a luta não se travava por disputas da classe burguesa, mas sim por

adeptos do movimento liberal geralmente representados pelas categorias rurais (grandes

proprietários de terras-latifundiários), que tinham como base limite a não renuncia da

propriedade escrava, diferentemente das idéias lançadas na Inglaterra que condenava o

trabalho servil ou escravo. Para Costa (1987), entretanto, a escravidão constituiria o limite do

liberalismo no Brasil, pois em todos os movimentos revolucionários levantava-se o problema,

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que era frequentemente discutido por elitistas e escravocratas, já que se temia a existência de

número de homens pretos, livres, e escravos em superioridade a de brancos.

Não alheio a nenhum destes aspectos pré-falados D João enfrentava o

descontentamento de Portugal e dos brasileiros pela abertura dos Portos e consequente tarifas

preferenciais à Inglaterra, já que estes acontecimentos quebravam o monopólio de Portugal

em relação aos ganhos, através de fretes marítimos, alfandegas de importação e exportação

com ampla base de tributação voltada aos lucros da Coroa Portuguesa. Estes fatos, no

entretanto, concorreram também para que houvesse um enfraquecimento do Governo Regente

de D. João VI, que tentara minimizar a crise com medidas que limitassem os lucros e

vantagens dos ingleses. Neste particular, então, seguiram-se medidas que revogavam os

entraves à produção e ao comércio da colônia em cuja permanência era incompatível com a

situação de nova sede monárquica. Segundo Mota (l987) estas medidas foram o livre

estabelecimento de fabricas e manufaturas, autorização para os vassalos venderem livremente

suas mercadorias, declaração do livre comercio para qualquer tipo de gênero, autorização aos

conselhos da fazenda a conceder licença para o pau brasil, permissão à entrada de navios de

qualquer nação nos portos portugueses e saída dos nacionais e graduação do Brasil à condição

de Vice-Reino.

Ainda segundo Mota (1987) D. João oscilava entre a necessidade de liberalizar a

economia de acordo com os acontecimentos tendenciais da época e as exigências da

Inglaterra. Neste aspecto, adotar os princípios do liberalismo econômico consistiria em

arruinar os fundamentos da Coroa e desestruturar o sistema colonial. Daí porque as constantes

antagonias de sua política econômica e os inúmeros conflitos servirem para acentuar as

divergências entre as colônias e metrópole, posto que as colônias desejavam as vantagens de

se abrir cada vez mais para liberdade, enquanto as metrópoles se convenciam da necessidade

de restringir a liberdade.

Costa (1987) corrobora que a abertura dos portos a todas as nações em 1808, a

localização da sede do Governo no Rio de Janeiro, a elevação em l815 do Brasil à categoria

de Reino Unido e as medidas objetivando dotar a colônia de uma série de instituições

adequadas à sua nova função de sede de governo, prejudicaram profundamente os interesses

metropolitanos.

Daí porque o retorno de D João a Portugal era, no entendimento da época,

imprescindível para que houvesse a possibilidade de restauração do Pacto Colonial e do

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cancelamento dos benefícios concedidos ao Brasil e, por consequência o fortalecimento da

economia de Portugal, que estava bastante afetada pelos acontecimentos políticos-

econômicos e pela ascensão da Inglaterra com a abertura dos Portos.

Durante a regência de D. João além da crise do sistema colonial houveram episódios

que concorreram também para formação do Estado Constitucional, pois conforme Costa

(1987) o processo revolucionário constitucional da cidade do Porto, que era originário da

Espanha, exigia uma Constituição nos moldes da Constituição espanhola e contava com

adesão de Comerciantes, militares, fazendeiros, funcionários da Coroa radicados no Brasil,

em cujo os interesses eram de uma conquista liberal que poria por terra o absolutismo, os

monopólios e os privilégios que ainda sobreviviam no contexto político. Neste diapasão,

acreditava-se que um Governo Constitucional daria a oportunidade de representar nas cortes

os interesses da colônia.

Segundo Junior, Machado e Mergulhão (2011) ainda sobre o período de regência de

D. João, a Revolução Pernambucana foi algo decisivo para a influência do nascedouro de um

Estado Constitucional, posto que de todos os movimentos revolucionários da época, foi a

Revolução de 1817 o mais republicano de todos eles.

Por outro lado, como sucessor de D. João, D. Pedro, para Scantimburgo (1996),

aprendera o sentido do Constitucionalismo, pois via nele uma forma de estabelecer seu

mandato imperativo recebido na investidura a imperador e, de outra parte, era forma de

implementar a monarquia constitucional.

Scantimburgo (1996) assevera que não foram fáceis os primeiros tempos da

Constituinte, pois houvera muitos choques de idéias, sobretudo com Andrade Antonio Carlos,

que defendera o pensamento republicano. No entanto, a constituinte passou a fluir, segundo as

tendências liberais da época, tendo D. Pedro sido considerado por patrono do liberalismo pelo

respeito aos direitos individuais e a opinião pública. Não se podia dizer que ele (D. Pedro) era

um democrata, pois as idéias absolutistas eram fruto do seu temperamento, mas não tinha

idéias tão conservadoras como as do seu Pai. Entretanto, chegou a afirmar seu desejo de uma

Constituição digna do Brasil e de si mesmo.

Dom Pedro entendia que a Constituição deveria coibir abusos por parte do monarca e

por parte da classe política e, bem assim, do povo. Sendo assim, era necessário implantar no

país Leis que não fossem desobedecidas. Para tanto, a assembleia se prontificou em aceitar o

discurso de D. Pedro. No entanto, havia facções entre os deputados que não sendo unanimes

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divergiam em suas ideologias. Neste aspecto poderia se classificar três tipos de ideologia: A

primeira delas, as dos Bonifácios, que era aquela que pregava a existência de uma monarquia

forte, constitucional e centralizada para se evitar o esfacelamento ou desestrutura do País,

defendendo a abolição do tráfico de escravos e da escravidão e, bem assim, defendendo uma

reforma agrária e o desenvolvimento econômico do País, que deveria estar livre de

empréstimos estrangeiros; a segunda, a dos portugueses absolutistas, que era aquela que

defendia uma monarquia centralizada e absoluta com privilégios econômicos e sociais; e a

última, a dos liberais federalistaS, que era aquela que pregava uma monarquia proforme e

descentralizada com a manutenção da escravidão. Para D. Pedro a ideologia que mais o

identificava era a dos Bonifácios.

Alguns autores, por outro lado, mencionam que o esboço da Constituição de 1823,

sofreu forte influência da Constituição Francesa e Norueguesa e houve diversas diferenças

entre o projeto e a Constituição de 1824. No ponto sobre o federalismo, havia um

entendimento centralizador onde o Brasil ficaria dividido em comarcas que eram

estabelecidas conforme jurisdição, sendo este aspecto de cunho jurídico e não territorial

administrativo. No tocante ao eleitor era uma visão bem mais restrita do que na Constituição

de 1824. Sobre quem seria considerado cidadão, somente os homens livres assim poderiam

ser chamados, porque aqueles que fossem escravos e que viessem a ser livres não adquiririam

a cidadania. Quanto à separação de poderes o projeto constituinte previa só os três poderes,

enquanto a constituição previa um quarto poder, o Moderador. Propôs-se, de outra parte, que

o monarca seria uma pessoa no sentido figurativo e que os seus projetos sempre estariam

sujeitos à assembleia e dispensariam a sanção Monarca. Este aspecto levou D. Pedro a entrar

em choque com a Assembléia que para ele se afrontava com os seus ideais soberanos de

regente.

Passou-se a haver dissenção e disputa entre o imperador e a assembleia constituinte,

que tinha nos ideais dos liberais federalistas, uma oposição fechada contra as posições do

ministério de Bonifácio, que através de decreto eliminava os privilégios dos lusitanos e

mandava sequestrar os bens e imóveis dos portugueses que houvessem apoiado Portugal

durante a independência brasileira.

Para Costa (1987) ao lado de D. Pedro, Bonifácio, era o principal responsável pelos

acontecimentos que culminaram definitivamente com a separação do Brasil de Portugal como

também pela consolidação da independência e a manutenção da unidade nacional. Costa

(1987) assevera ainda que Bonifácio exercera papel importante nas influências políticas ao

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imperador, sobretudo porque sonhara com um governo apoiado nas camadas conservadoras,

nem democrático, nem absolutista. Para ele parecia pouco compreensível a estrutura

econômica do país baseada na mão de trabalho escrava, pois tinha diante dos seus desejos um

modelo de economia europeia sustentada na industrialização. Tinha entre seus ideais o

trabalho livre, a colonização e a imigração, a pequena propriedade e a mecanização da

lavoura. Na instrução ao governo provisório de São Paulo aos deputados da Provincia as

Cortes Portuguesas, por exemplo, incluiu em artigo que todas as terras dadas as sesmarias que

não fossem produtivas deveriam ser revertidas aos bens nacionais. Nisto suas pretensões

esbarrariam na resistência dos proprietários e traficantes de escravos. Atacado pelos liberais

por assumir uma posição conservadora e por seus projetos de transformação social, Bonifácio

dependia mais ainda da benevolência do imperador.

Nesse contexto, os entraves políticos criados a Bonifácio e a tentativa de redução da

constituinte aos poderes do imperador, criaram forte descontentamento com o andamento

daquele trabalho legislativo a ponto de D. Pedro I dissolver a assembleia constituinte e criar

um Conselho de Estado, que em apenas quinze dias finalizou a elaboração da Carta Magna.

Este conselho, entretanto, conforme preconizado por autores, não era o desejo, na verdade, do

Imperador, posto que ele não tinha intenção de imperar como um déspota, pois sua ambição

era ser guardado pelo amor a seu povo e pela fidelidade das suas tropas e não pela imposição

de tirania. No entanto, apesar deste entendimento e posição pessoal em 13 de novembro de

1823, o imperador D. Pedro I, segundo Brasil (1974) exarou o seguinte Decreto de sua lavra

que se transcreve na íntegra:

Havendo eu, por decreto de 12 do corrente dissolvido a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, e igualmente prometido um projeto de Constituição, que deverá (como tenho resolvido por melhor) ser remetido às Câmaras, para estas sobre ela fazerem as observações, que lhe parecem justas, e que apresentarão aos respectivos Representantes das Provincias, para delas fazerem o conveniente uso, quando reunidos em Assembléia, que legitimamente representa a Nação: e como para fazer semelhante projeto com sabedoria, e apropriação às luzes, civilização, e localidades do império, se faz indispensável, que eu convoque homens probos, e amantes da dignidade imperial, e da liberdade dos povos: Hei por bem criar um Conselho de Estado, em que também se tratarão os negócios de maior monta, e que será composto de dez membros; os meus seis atuais Ministros, que já são conselheiros de Estado natos, pela lei de 20 de outubro próximo passado, o Desembargador do Paço Antonio Luiz Pereira da Cunha, e os Conselheiros da Fazenda Barão do Santo Amaro, José Joaquim Carneiro de Campos e Manoel Jacinto Nogueiro de Gama: os quais terão de ordenado 2:400$000 anuais, não chegando a esta quantia os ordenados, quer por outros empregos tiverem. O ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império o tenha assim atendido, e faça executar, expedindo, e faça executar,

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expedindo ordens necessárias. Paço, em 13 de novembro de 1823, 2º da independência e do Império. (BRASIL, 1974, P.11)

Ainda segundo se preconiza, esse conselho era composto por juristas de notável saber

jurídico como Vilela Barbosa Maciel da Costa, Nogueira Gama e Melo dentre outros, e a

primeira Constituição foi outorgada e jurada solenemente na Catedral do Império em março

de 1824, tendo recebido influência das Cartas da França e da Espanha. Faz-se alusão de que

esta Constituição era um belo documento de liberalismo com sistema representativo baseado

na soberania nacional e podia se dizer ser a mais liberal da época, superando inclusive as

Europeias.

O preâmbulo da Carta de 1824 que se segue abaixo, conforme Brasil (1974) guarda

grande importância demonstrando já à época, as tendências liberais de uma monarquia

constitucional:

Dom Pedro Primeiro, por graça de Deus e unânime aclamação dos povos, imperador constitucional e defensor perpetuo do Brasil:

“Fazemos saber a todos os nossos súditos, que, tendo-nos requerido os povos deste império, juntos em câmaras, que nós quanto antes jurássemos e fizéssemos jurar o projeto de Constituição, que havíamos oferecido às suas observações para serem depois presentes à nova Assembléia Constituinte, mostrando o grande desejo que tinham de que ele se observasse já como Constituição do Império, por lhes merecer a mais plena aprovação, e dele esperarem a sua individual e geral felicidade política; nós juramos o sobredito projeto para observarmos, e fazermos observar como Constituição, que dora em diante fica sendo, deste império;...” (BRASIL, 1974, P.12

Também podem ser lembrados alguns dispositivos da mesma Carta Política pela

importância que eles representam para o contexto político e legal:

Artigo 1º: “o Brasil é a associação Política de todos os cidadãos brasileiros”.

Vê-se a primeira vista uma tendência liberal, posto que, associação pressupõe uma

sociedade, que é a harmonia ou relação entre idênticas idéias sugeridas. No entanto, só um

grupo seleto de pessoas como, quais, aquelas que mantinham a possibilidade de votar nas

assembleias paroquias poderiam exercer na íntegra o seu direito de cidadania e somente

aqueles que eram elencados no artigo 6º, poderiam ser chamados de cidadãos.

Artigo 3º: “O governo é monárquico, constitucional e representativo”. Note-se que

aqui ficava evidente uma monarquia constitucional onde se rompia os liames com o

autoritarismo e o absolutismo e buscava-se, portanto, um caminho liberal contra o status quo

da nobreza e do clero.

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Artigo 5º: “A Religião católica apostólica romana continua a ser a religião do

império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico.”

Apesar da supremacia da religião católica, houve a liberdade de culto, o que se pode

constituir para época um avanço de caráter da liberdade do pensamento ainda que se

preservasse a impossibilidade de exteriorizar através dos templos religiosos a liberdade do

culto.

Artigo 9º: “A divisão e harmonia dos Poderes Políticos é o princípio conservador dos

Direitos dos Cidadãos e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição

oferece”.

Já nesta época havia a preservação as garantias fundamentais, pois quando se previa

que a harmonia entre os poderes era meio de garantir e conservar os direitos do cidadão

estava-se deixando claro que o respeito às instituições de Estado e a organização

administrativa politica da nação também garantiam e asseguravam garantias constitucionais

ao direito de cidadão.

Artigo 11º: “Os representantes da Nação brasileira são o imperador e a Assembleia

Geral”.

Percebe-se que a pessoa do imperador não poderia deixar de ser representante da

nação, pois a própria Carta de 1824, nos artigos 98 e 99, nomina que o imperador era o Chefe

Supremo da Nação, não estando seus atos sujeitos ou submetidos a nenhum referendo ou

apreciação de quem quer que fosse, sendo, portanto, inviolável e sagrado nas suas ações. Na

mesma esteira, era a Assembléia Geral, assim como o imperador, representante da nação

brasileira pelo fato talvez de a Assembléia Geral ser formada pela composição da Câmara dos

Deputados e pelo Senado e ter entre suas atribuições a de velar pela Constituição e a

promoção do bem geral da nação (artigo 15, inciso IX da mesma Carta) além de representar a

nação que nos termos do artigo 1º, era formada pelos Cidadãos. Assim, sendo as Assembleias

Gerais eleitas pelos eleitores de Província que por sua vez eram escolhidos pelas Assembleias

Paroquias formadas pelos cidadãos, estariam representando os interesses destes mesmos

cidadãos, que por sua vez representavam a Nação (art. 1º).

Artigo 14º “A Assembléia Geral compõe-se por duas Câmaras: Câmara dos

Deputados e Câmara dos Senadores ou Senado”

A Assembleia Geral era eleita pelo sistema representativo dos eleitores da província

que por seu turno era escolhida pelas Assembléias de Paróquia, que era formada pelos

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cidadãos ativos. Já a Câmara dos Deputados que compunha a Assembléia era eletiva e

temporária e era estabelecida conforme o número da população, tendo entre suas principais

atribuições a de por à exame a administração passada com seus abusos praticados além de

decretar a acusação dos Ministros de Estado e conselheiros. O Senado, por sua vez, era

vitalício e tinha como principal atribuição conhecer dos delitos cometidos pelos membros da

família imperial, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, Senadores e Deputados além

de conhecer da responsabilidade dos Senadores e Conselheiros de Estado e, bem assim, de

convocar Assembléia na morte do imperador.

Artigo 98º “O poder Moderador é a chave de toda organização Politica, e é delegado

privativamente ao imperador como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante,

para que incessantemente vele sobre a manutenção de independência, equilíbrio e harmonia

dos demais Poderes Políticos.”

Neste artigo vê-se que o Poder Moderador era o quarto poder privativo do imperador,

atuando como mecanismo de absorção de atritos entre os demais poderes e como poder

sobreposto no qual nenhum outro poder se lhe sobrepunha em autoridade. Era a fiel balança

que iria permitir ao imperador a situação de primazia das suas decisões por ser o poder chave

de todo a organização politica. Tinha a particularidade de ser ponto de equilíbrio e de

manutenção da independência nacional, pois dava ao imperador poder soberano de tomar

decisões como imperador constitucional e defensor perpetuo do Brasil na ordem soberana. Era

um poder absoluto e pessoal do Imperador.

Artigo 179 “A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros,

que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela

Constituição do império...”

Aqui se depreende que a inviolabilidade de direitos civis e políticos constitui rol de

garantias fundamentais no qual o Estado se reserva a protegê-las por alcançarem a esfera

jurídica do cidadão nos seus interesses individuais. Neste aspecto, o próprio Estado além de

garantir o direito individual por ser uma garantia fundamental também veda qualquer

intromissão do próprio aparato estatal, havendo, neste particular, um não fazer ou um se

abster do próprio Estado que assim agindo preservava direitos essenciais e fundamentais do

indivíduo.

Quirino e Montes (1986) asseveram também aspectos relevantes da Carta

Constitucional de 1824 como, sejam:

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17

• A constituição estabelece no Brasil um governo monárquico hereditário representativo

constitucional onde o imperador é supremo e inviolável;

• Os poderes políticos são quatro: executivo, legislativo, judiciário e moderador. Neste

último qual, seja, Moderador está a chave de toda a organização política, sendo

delegada exclusivamente ao imperador, que como chefe Supremo da Nação e seu

primeiro representante, vela pela manutenção da independência, equilíbrio e harmonia

dos Poderes Políticos. Nestes parâmetros poderíamos dizer que este poder era o que

se sobrelevava aos demais, tendo força coativa e força de equilíbrio, sendo pessoal do

imperador, que com suas decisões e atribuições próprias de imperador podia nomear

e demitir ministros de Estado e suspender magistrados;

• O imperador é o chefe do poder executivo, cabendo-lhe nomear bispos bem como

comandantes de Mar e Terra;

• O legislativo representa um terceiro poder em que os cidadãos podem exercer a

influência política pela escolha de seus representantes. Todavia, o Poder Legislativo é

delegado à assembleia com sanção do imperador. No, entretanto, esta assembleia é

composta por duas câmaras, as dos deputados e dos senadores, sendo que a primeira é

eleita temporariamente, enquanto a segunda é vitalícia e realizada por eleição

provincial;

• Segundo a constituição todos que podem ser eleitores podem ser deputados. No

entanto, para que se pudesse ser senador as exigências eram maiores, pois que era

necessário que a pessoa tivesse pelo menos 40 anos e que fosse dotada de grande

conhecimento, capacidade e virtudes e, bem assim, que tivesse rendimento anual por

bens equivalente a oitocentos mil reis;

• Quem eram as pessoas que tinham direito de participar da escolha dos seus

representantes? As eleições para membros dos conselhos das províncias eram feitas

de forma indireta, uma vez que se elegia primeiro os cidadãos da assembleia

paroquial, os eleitores de província e, por sua vez, estes, elegiam os representantes da

nação e da província. Logo a eleição dos representantes era feita em duas etapas,

primeiro se escolhiam os membros da assembleia paroquial, que elegiam os chamados

grandes eleitores, que por sua vez elegiam os membros das câmaras legislativas. A

assembleia paroquial era o que se pode chamar atualmente do poder municipal.

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18

• Podia-se estabelecer, de acordo com a estrutura constitucional, um organograma do

processo eleitoral da época, esclarecendo de que forma era exercida a cidadania pelo

direito de voto:

ASSEMBLEIA GERAL CONSELHOS GERAIS DE PROVÍNCIA

SENADO: vitalício, CÂMARA DOS DEPUTADOS: Membros dos ConselhosTrês vezes o número temporária, com duração de man- Gerais de Província. de Senadores, dos dato estabelecido por lei. Número quais o Imperador es- estabelecido por lei conforme a colhe um. população.

ESCOLHEM

Eleitores de Província

ESCOLHEM

Assembleias Paroquiais = todos os cidadãos ativos

Fonte: Brasil, 1974

• Eram considerados cidadãos ativos: os nascidos no Brasil ou os estrangeiros

naturalizados que estivessem no gozo dos direitos políticos. Eram necessárias ainda as seguintes exigências: maiores de 25 anos; se casados ou oficiais militares os maiores de 21; Bacharéis formados e clérigos de ordem sacra; pessoas com rendas de pelo menos Cem mil Réis; não fossem filhos de família em companhia dos pais a não ser que fossem oficiais públicos; não fossem criados de servir; não fossem religiosos de vida em conventos ou de vida no claustro;

• Para ser cidadão ativo, se transformando em grande eleitor onde se poderia votar nas

eleições de deputados, senadores e membros dos Conselhos de Províncias, era necessário ter pelo menos Duzentos mil Réis, não ser liberto e nem ser criminoso pronunciado além de que qualquer cidadão que tivesse sentença condenatória à prisão perderia seus direitos políticos;

• Quando se via que a organização do legislativo era na assembleia geral e nos

conselhos de província e, bem assim, a nomeação dos integrantes do judiciário e dos membros do senado, era pelo imperador, vê-se que não era grande a influência do povo nas decisões políticas, visto que era enorme a participação do poder de concentrar decisões nas mãos do imperador.

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19

• É preciso lembrar que a totalidade da população escrava estava à margem sequer tendo

direitos civis e muito menos direitos políticos, pois era excluída da própria sociedade.

Bastos (1989), por seu turno, afirma que a Constituição outorgada de 1824, embora trouxesse características que não eram aceitáveis nos dias atuais como democráticas, era respaldada num forte liberalismo a ponto de elencar um rol de direitos individuais e a separação clássica dos poderes acrescentada por um quarto poder chamado Moderador.

Por fim, apesar dos avanços para época vigente e de ser a terceira Constituição mais antiga depois das Cartas do Estados Unidos e da França, as imperfeições do regime não retrataram fielmente a vontade popular, mas sim ainda as raízes de um absolutismo monárquico que mesmo fazendo a vezes de um constitucionalismo monárquico não atendia o conjunto de forças politicas, ideológicas e econômicas que aspirasse a vontade do povo que ficava a mercê de uma maciça intervenção do imperador, como inviolável, absoluto e sagrado.

Em anexo, segue a Carta Constitucional do Império em sua integra (ANEXO 1).

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20

2 CONTEXTO POLÍTICO, HISTÓRICO E LEGAL DA CARTA POLÍTICA DE 1988

O chamado regime de exceção vivido pelo país nos idos de 1964 a 1985 foi algo

decisivo para a abertura do processo democrático que culminou com a Carta Magna atual.

Neste período suprimiram-se as aspirações de ideais democráticas pela repreensão a todo e

qualquer movimento de mudança do regime político existente. A maior mostra disto foi a

instituição do chamado AI-5 que fulminou quase que completamente os poderes da

Constituição de 1967. A partir deste ato institucionalizou-se o arbítrio pela exceção de direitos

e garantias onde o que se reafirmava eram o controle e a suspensão de direitos. O congresso

nesta época foi fechado e os que se contrapunham ao regime existente eram presos. José

( 2010) assevera que o AI-5 foi responsável pela cassação de mandatos como, seja, 113

mandatos de deputados federais e senadores, 190 deputados estaduais, 38 vereadores e 30

prefeitos. Assevera ainda o mesmo autor que o aparato policial é o que imperava nesta época

e que eram muitos os números de mortos e desaparecidos além de torturados.

Ainda para José (2010) merece referencia os governos de Médici, Geisel e Figueiredo.

O governo de Médici foi assumido em 1969 após doença de Costa e Silva e recusa dos

militares de que o Vice Presidente Pedro Aleixo assumisse. Esta época é considerada a de

mais rigor e repressão do regime político existente além também de uma forte bandeira

nacionalista com visão de um país grande pela defesa do mar territorial (200 milhas) e de

aspectos do nacionalismo de 50 a 60. Já Geisel de 1974 a 1979 teve a política de distensão

lenta e gradual do regime dominante, adotando uma linha política mais moderada, nem tanta

repressão e nem tanta democracia. Buscou-se um equilíbrio entre uma coisa e outra, querendo

legitimar um Estado forte como agente econômico e político que, alias, tinha regras que

evitavam os excessos - mortes, torturas e etc - do aparelho repressivo. Ainda nesta época

reduz-se novamente a distensão, fecha-se o Congresso Nacional, torna-se permanente as

eleições de governadores, muda-se o sistema de representação do Congresso, dando-se força

ao Nordeste, institui-se a figura do senador biônico e impõe-se a restrição da Lei Falcão às

eleições (todas estas medidas constituem-se no Pacote de Abril). Ao fim do Governo Geisel

era possível se vislumbrar a situação política no país: a oposição parlamentar ganhava forças;

a sociedade civil se organizava e se mobilizava; e a classe dominante já estava insatisfeita

com as aberturas politicas, que eram vistas como posições contrarias a esta mesma classe.

Pode-se dizer que a trajetória de Geisel não foi tão pacífica, não só porque a oposição

pretendia ir muito mais além, mas também porque setores mais radicais dentre os militares

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21

queriam a volta aos tempos de Médici. Já com Figueiredo as medidas de abertura dão

prosseguimento e era possível se estabelecer o que era uma oposição aceitável e quais os

setores oposicionistas seriam intoleráveis. Neste período a chamada linha dura ou ditatorial

começou a atenuar e a haver uma insatisfação de setores que sempre eram os mais favorecidos

da sociedade. Houve também o crescimento de movimentos populares, eclesiásticos, sindicais

e da sociedade civil. Nos movimentos sindicais a grande novidade era do ABC paulista, onde

precisamente do Sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo dos Campos, iniciava-se lutas

por reposições salariais e geravam-se movimentos grevistas dos trabalhadores. Ainda no

Governo Figueiredo houve anistia concedida no segundo semestre de 1979, permitindo-se não

só a soltura de prisioneiros políticos, como também o retorno ao país de exilados e

consequente recuperação de direitos políticos que haviam sido cassados. A vida política neste

ponto voltava a se oxigenar, abrindo oportunidade para a atuação de centenas de militantes até

então proscritos, presos e exilados. Neste mesmo período, o então general Goubery, chefe da

Casa Civil, tentando dividir a oposição e quebrar a hegemonia do MDB, porque afinal o

partido crescia de eleição em eleição, cria uma novo Legislação extinguindo tanto o partido

MDB quanto a Arena, esperando com isto a criação de vários partidos de oposição, o que

gerou a troca da legenda para PMDB e a criação do atual PT, PP, PTB, PDS e PDT. O mesmo

autor continua arrazoando pela importância, que a ditadura passou por três grandes fases até

encerrar-se em 1985. A primeira de 1964 a 1968, com Castelo Branco e Costa e Silva, onde se

tentava uma ditadura constitucional, conservando aspectos de legalidade democrática. A

segunda de 1968 a 1974, época em que ocorre radicalização e se instaura uma ditadura

clássica com suas consequências. A terceira entre 1974 e 1985, com Geisel e João Batista

Figueiredo, época da chamada abertura política. Nestes períodos a burguesia brasileira não

perdeu sua hegemonia, pois soube produzir transição não só pacífica como de acordo com

seus interesses, afastando a interferência decisiva de classes subalternas.

A chamada Nova República, se deu com o advento da posse do então presidente José

Sarney, neste período, segundo José (2010), no plano político, uma das primeiras medidas foi

o restabelecimento de eleições diretas para Presidente, voto de analfabeto, legalização dos

partidos políticos, liberalidade para o regime de censura, não intervencionismo em sindicatos,

eleições diretas para prefeitos de capital, manutenção da Lei de imprensa, da Lei de

Segurança Nacional e do Decreto 1077 - Decreto de Censura.

No aspecto da política econômica o Governo Sarney foi por demais exigido em face

da herança do período do regime militar e das constantes crises internacionais. Em fevereiro

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de 1987 decretou-se o Plano Cruzado, o qual estabelecia a troca do cruzeiro pelo cruzado,

extinguia-se a correção monetária e estabelecia-se o gatilho salarial para toda vez que a

inflação chegasse à casa de 20%. No entanto, não se logrou êxito e dois outros planos foram

criados. O Plano Bresser, que tentava reenquadrar as contas públicas e despesas da

administração e o Plano Verão idealizado por Mailson da Nobrega, que decretava mais um

congelamento.

Ainda no plano político econômico a demora de Sarney em corrigir o plano de

correção econômica, causou seu verdadeiro insucesso. No entanto, neste aspecto pode se fazer

a ressalva de que esta demora não passava de uma manobra política, na qual o partido PMDB

que controlava o Ministério da Fazenda, não poderia ter sua imagem política abalada por

medidas de reajuste no Plano econômico, uma vez que ele era a hegemonia no governo.

Segundo José (2010) o Governo Sarney iniciou a política de desmonte das estatais,

descapitalizando-as a ponto de não poderem acompanhar o desenvolvimento do setor privado,

serem ineficientes e terem déficit público alto com funcionários em demasia que ganhavam

altos salários.

O período de Sarney foi marcado por acontecimentos como a instituição da

Assembleia Nacional Constituinte e promulgação da Carta Magna.

A Assembleia Nacional Constituinte encerrou o período de transição democrática

vivido pelo país, sendo a expressão de grandes conflitos de interesses a ponto de referenciar

as aspirações e anseios populares por ser forma de tradução do chamado poder constituinte.

Nela houve a afluência de vários setores da sociedade, onde havendo demasiada e permanente

mobilização de partidos políticos, deu-se intensa e incessante busca de acordos entre

lideranças das diferentes forças partidárias para consenso de decisões. Neste aspecto, o

Processo Constituinte foi solene e formal sofrendo a influência e atuação de grupos de

pressão, movimentos sociais, grupos econômicos e grupos de formação de opinião pública.

Destacou-se a atuação do Partido do Movimento Democrático Brasileiro dos então deputados

Ulisses Guimarães e Mario Covas que tinham a totalidade dos Governos de Estado e folgada

maioria na Constituinte, que foi fragilizada pela quebra da unidade de bancada do partido,

pela renuncia do seu líder na constituinte e pela saída de cerca de 70 Constituintes eleitos pelo

PMDB. Neste diapasão, houve o crescimento dos chamados partidos de esquerda pela

coalizão e consenso entre eles e daí a chamada frente progressista que influenciou em pontos

decisivos de alta importância, quebrando a hegemonia do bloco conservador majoritário da

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23

Constituinte. Pillati (2008) assevera que as questões mais polêmicas da Assembleia

Constituinte foram aquelas que se reportaram a constituição material da sociedade e Estado

brasileiro, como, seja propriedade latifundiária, recursos naturais, atividades econômicas,

concessões dos serviços públicos, distinção entre capital nacional e estrangeiro, posse da terra,

exploração petrolífera, recursos minerais, energia hidráulica, serviços de radio,

telecomunicação e televisão.

Coelho (2000) afirma que o fenômeno sociológico e político da constituinte era de

longas datas e derivou basicamente de um movimento de oposição ao regime de exceção

de1964. Neste movimento a reconstitucionalização do país através da Convocação da

Assembleia Nacional Constituinte livre e soberana que do ponto jurídico-formal resultou de

um ato convocatório do corpo constituinte que instalou seus trabalhos através de regimento

interno, foi posto em discussão e votação o corpo normativo Constitucional, que através de

promulgação deu efetividade a Carta Constitucional. Corrobora o autor que a constituinte foi

muito variada e envolvia grupos sociais e políticos que atuavam no regime de clandestinidade

durante o regime autoritário onde se pôde perceber a influência de vários movimentos que se

encaminharam para o desencadear dos acontecimentos voltados ao surgimento da Carta

Magna como, quais: Carta do Recife em 1971, pregando a convocação de uma constituinte;

crise de 1977, com o pacote de abril que levou o MDB a oficializar um movimento de

convocação de uma constituinte; lei da anistia e reforma partidária que substituiu a antiga

Arena e MDB, levando o quadro partidário a se organizar com o surgimento de partidos como

PDS, PMDB, PP, PMDB, PTB, PDT e PT; convocação do congresso Pontes de Miranda, por

decisão da OAB em 1981; surgimento de organização específica pela Constituinte -

sindicatos, federações, centrais sindicais, associações, movimentos estudantis, universidades,

representações profissionais, igrejas (CNBB), entidades nacionais – OAB, ABI, SBPS,

movimento político-ideológico. Ainda discorrendo o autor, dois fatos foram marcantes para o

movimento constituinte: Campanha pelas diretas e eleição de Tancredo Neves. O primeiro

fato, as eleições diretas, um movimento que marcou o Brasil e a sociedade, mesmo tendo

havido a rejeição da emenda a Constituição Dante de Oliveira, que não teve o número de

votantes entre deputados e senadores suficientes para a aprovação. O segundo fato, a eleição

de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral no dia 15 de janeiro de 1985, que antes de ser eleito

não tinha bons olhos ao movimento da Constituinte. Todavia, na convenção do PMDB onde

oficializou sua candidatura, assumiu o compromisso de velar pela discussão da aprovação da

Constituição, e no seu discurso logo após a sua eleição, assumiu em público a tarefa de

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promover a organização institucional do Estado, prometendo um Estado moderno com busca

a um consenso à Nova Carta Política, através de grande debate constitucional nos auditórios,

na rua, nas universidades enfim na sociedade para a escolha dos delegados ao Poder

Constituinte com o fim de elaborarem a Lei Fundamental da nação, que para ele não podia

estar adstrita aos juristas, aos sábios e aos políticos, mas ao povo através de uma profunda

reflexão nacional pelos seus representantes eleitos que no seu entendimento deveriam redigir

uma Carta Política, clara, imperativa em seus princípios, flexível quanto ao modo, para evitar

crises políticas e conjunturais, contida na inteligência da Lei e por fim ajustada as

circunstâncias históricas.

A estrutura de composição da Assembleia Nacional Constituinte era decorrente de

estrutura unicameral com duas casas de representação, Câmara de Deputados e Senado

Federal, cujos membros na condição de constituintes eram chamados a se reunirem nos

termos da Emenda Constitucional nº 26/85 que asseverava “ Os Membros da Câmara dos

Deputados e do Senado Federal reunir-se-ão, unicamente em Assembleia Nacional

Constituinte, livre e soberana, no dia 1 de fevereiro de 1987, na sede do Congresso Nacional.

O presidente do Supremo Tribunal Federal instalará e dirigirá a sessão de eleição de seu

Presidente. A Constituição será promulgada depois da aprovação de seu texto, em dois turnos

de discussão e votação pela maioria absoluta dos Membros da Assembleia Nacional

Constituinte”.

Pilatti (2008) assevera que o número de constituintes era de 559, cabendo ao PMDB

306 constituintes, ao PFL 132, ao PDS 38, ao PDT 26, ao PTB 18, ao PT 16, ao PL 7, ao PDC

6, ao PCB e PC do B 3, cada um, ao PSB 2, ao PMB e PSC um constituinte. Ainda havia 23

eleitos em 1982, sobre os quais, conforme Pilatti (2008) acendeu-se a polêmica para

impugnação da participação dos senadores eleitos em 1982. Sustentava os deputados Plínio

Arruda(PT) e Roberto Freire(PC) em 2º sessão da ANC, que os senadores eleitos em 1982

não tinham delegação do povo para participar da Assembleia Nacional Constituinte. Em

contra partida Fábio Lucena(PMDB) e Gastone Righ(PTB), sustentavam que a Emenda

26/85, fazia menção a todos os senadores sem acepção entre os eleitos em 1986 e os eleitos

em 1982. Houve manifestação dos lideres do PDS, Amaral Neto, do líder do PT, Luiz Inácio

Lula da Silva e do líder o PC do B, Haroldo Lima, os dois últimos apoiavam a tese de que os

senadores eleitos em 1982, não poderiam participar da ANC. O então senador Fernando

Henrique Cardoso (PMDB), contra as questões de ordem, pediu ao presidente da ANC,

Ministro José Carlos Moreira Alves, que a decisão fosse levada a plenário. Após a sessão

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plenária houve a decisão dos votos pela confirmação pró-participação dos eleitos com

mandato a partir de 1982.

Segundo Oliveira (1993), o trabalho da constituinte desenvolveu-se em 7 etapas,

as quais, por sua vez, desdobraram-se em 25 fases distintas, conforme se resume no

quadro a seguir:

ETAPAS/ FASES

Preliminar

Regimento Interno da ANC Sugestões: Cidadãos, Constituinte e Entidades

Subcomissões Temáticas

Anteprojeto do Relator Emenda ao Anteprojeto do Relator Anteprojeto da Subcomissão

Comissões Temáticas

Emenda ao Anteprojeto da Subcomissão Substitutivo do Relator Emenda ao Substitutivo Anteprojeto da Comissão

Comissão de Sistematização

Anteprojeto de Constituição Emenda Mérito (CS) ao Anteprojeto

Emenda Adequação (CS) ao Anteprojeto Projeto de Constituição

Emenda (1P) de Plenário e Populares Substitutivo 1 do Relator

Emenda (ES) ao Substitutivo 1 Substitutivo 2 do Relator

Plenário

Comissão de Redação Epílogo - Promulgação

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Com isso, a elaboração do projeto da Constituição caberia as seguintes

Comissões: Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem e da

Mulher; Comissão da Organização do Estado; Comissão da Organização dos Poderes e

Sistema do Governo; Comissão de Organização Eleitoral, Partidária e Garantia das

Instituições; Comissão do Sistema Tributário, Orçamento e Finanças; Comissão da

Ordem Econômica; Comissão da Ordem Social; e Comissão da Família, da Educação,

Cultura e Esportes, da Ciência e Tecnologia e da Comunicação. Cada uma das

Comissões teria um Presidente e um Vice além de relator, podendo, conforme já

detalhado, ser dividida em Subcomissões, que elegiam presidentes e relatores.

Merece destaque, por outro lado, conforme Pereira (2007), em alguns pontos, o

discurso em manifesto dos Governadores em apoio a ANAC, e o discurso de posse do

Presidente da Constituinte Ulisses Guimarães, os quais expressam o momento

histórico político vivido pela nação, abordando aspectos da expectativa de vida para o

povo, da política econômica e dos ideais democráticos, sociais e políticos.

No manifesto dos Governadores pôde-se destacar os seguintes aspectos:

- apoio as mudanças profundas que o país aspira expressamente manifestadas

pelo voto e pelos movimentos em praças públicas;

- o dever que decorre de inegável legitimidade das urnas para cumprir em favor

do povo as inadiáveis soluções conjunturais e estruturais da Nação;

- a 15 de novembro o país realizou, há mais de vinte anos, a sua primeira

eleição livre, passo decisivo para transição do autoritarismo democrático à

democracia;

- a democracia tem que ser forte para assegurar o direito à livre manifestação

dos cidadãos e organizações sociais;

- o povo não quer a recessão que paralisa a atividade produtiva, pois corrói o

salário, impõe a miséria, a fome, o genocídio, destrói o mercado interno e a economia

nacional;

- política de distribuição de renda compatível com a sociedade e democracia,

sem arrocho salarial e com salário mínimo que atenda a vida digna;

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- tratamento da divida externa, respeitando a soberania nacional, uma vez que

ela (divida externa) resultou da política unilateral de taxas de juros insuportáveis, não

podendo ser motivo de sofrimento e fome para o povo;

- suspensão de parte da divida, vinculando as remessas de valores ao PIB ou

valores da exportação;

- fortalecimento da federação;

- estado de direito democrático com governo transparente, austero, participativo

e eficiente;

- e efetivação da reforma agraria sobre as terras improdutivas.

No discurso de posse do Presidente da ANC, Ulisses Guimarães, destacam-se

os seguintes pontos:

- em nossas mãos está a soberania do povo e tarefa de construir com a lei um

Estado democrático, moderno, justo que sirva ao homem e não um Estado que o

submeta;

- faremos uma constituição para justiça, para liberdade e para soberania

nacional;

- a constituição deve ser – e será – o instrumento jurídico para o exercício da

liberdade e da plena realização do homem brasileiro;

- o caminho vivido pelo país desde a campanha por diretas já demonstra que o

Brasil não cabe mais no limite histórico dos exploradores;

- condenamos o liberalismo clássico, pois o papel regulador de preços e

salários, que deixa as livres forças do mercado atuarem com carteis, não pode deixar

de intervir no mercado econômico, mas que a sua força busque a paz social;

- não há um só exemplo de nação forte, sem um bom sistema de educação. A

cidadania começa no alfabeto.

De tudo isso e sobre todos esses fatores, resulta que a Assembleia Nacional

Constituinte representava o poder constituinte de um lado e poder reformador do outro. Poder

Constituinte porque participa da criação da lei basilar da sociedade, pois nele estava o caráter

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amplamente aceito da titularidade popular na medida em que prevalecia a soberania do povo

como princípio jurídico-político, posto que é o povo através dos seus representantes eleitos

que se sub-rogam no poder popular de decidir sobre a sobrevivência ou não da Constituição

Positiva, suas alterações e substituições. Poder reformador porque é poder autônomo que não

depende de nenhum outro e é através dele que se altera, elabora, substitui e se revoga

soberanamente.

Por outro lado, em segundo momento, o governo Sarney promulga em 05 de outubro

de 1988 a Carta Constitucional da República, fruto do poder constituinte outorgado aos

Congressistas do Senado e da Câmara dos Deputados, sendo elaborada com nove títulos

dispostos em 247 artigos além do conteúdo das Disposições Constitucionais Transitórias.

Nela, discorre José (2010), afigura-se texto digno de um Estado de Bem-Estar social

comparável com as sociedades ocidentais mais modernas e mais desenvolvidas do Mundo

Capitalista. Pode se vislumbrar que pela disposição de Cartas Politicas anteriores, houve uma

inversão por importância de matéria, na Carta Magna atual, fica elencado os Direitos

Individuais e Coletivos, Sociais e Políticos no título II e, imediatamente anterior, os Princípios

Fundamentais; já em Cartas anteriores vem disposta a Organização do Estado primeiro. Ainda

se pode observar institutos inovadores do Direito de Ação como, seja, o Mandado de

Segurança Coletivo, impetrado por entidade Sindical, o Mandado de Injunção, com o qual por

falta de Lei regulamentadora da matéria supre-se o próprio direito pela promoção do mandado

de injunção. Outro meio via acionária inovador, é o Habeas Data, meio hábil de assegurar

informações em bancos de dados de entidade pública sobre pessoa do impetrante. Na mesma

esteira é o Direito de Petição aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra a

ilegalidade ou abuso de poder e o Habeas Corpus no qual sempre que alguém sofrer ou se

achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade

ou abuso de poder, possa impetrá-lo. Não se deve olvidar da ação popular.

Merece destaque, pela importância, o preâmbulo da Carta Magna:

Nós, representantes do Povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional

Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia

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social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 1988)

O preâmbulo constitui um enunciado programático dos fundamentos principais

assumidos pela Assembleia Nacional Constituinte para a efetiva permanência do chamado

Estado Democrático de Direito e seus valores sócio jurídico e políticos fundamentados numa

sociedade justa em seus valores e comprometida interna e internacionalmente com a solução

pacífica das controvérsias.

Para Bulos (2002) preambulo não é um conjunto de preceitos, mas de princípios. Tais

princípios exercem uma força centrípeta sobre as demais normas da constituição, projetando

sua eficácia no nível da interpretação.

E continua Bulos (2002) que existe vasta doutrina a respeito de demarcar a natureza do

preâmbulo: tese da irrelevância jurídica ( o preâmbulo situa-se fora do domínio do direito);

tese da eficácia idêntica ( o preâmbulo é um conjunto de preceitos que possui eficácia igual a

qualquer dispositivo constitucional); e, tese da relevância específica (o preâmbulo participa

das características jurídicas da constituição).

Os Direitos e Garantias Fundamentais também elencam o conteúdo normativo da

Carta Magna, neles o indivíduo tem ou recebe prerrogativas que se sobrelevam ao ponto de,

na ordem jurídica, serem reconhecidas em face do Estado, que por sua vez, mesmo apesar de

sua potestade jurídica ou da soberania de seu poder em relação ao indivíduo, não ignora que

este mesmo indivíduo, tenha preservada a garantia de seus direitos a ponto de o próprio

Estado não violar o âmbito da esfera jurídica de direitos do cidadão. Neste contexto pode-se

dizer que o aparato do poder estatal deixa de operar seus efeitos, quando em confronto com

garantias fundamentais do indivíduo, possa violar ou agredir a esfera jurídica dos direitos do

próprio indivíduo a ponto de invadir suas garantias individuais. Bom dizer, não é apenas um

dever de se abster do Estado em relação a alguns direitos, mas também dever de prestar

assistência destes mesmos direitos do cidadão em relação as garantias de sua existência como

bens e valores do indivíduo.

Para Bastos (1989) as garantias fundamentais se basearam na Declaração Francesa e

na Declaração Americana. Na primeira, através da Declaração dos Direitos do Homem e do

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Cidadão de 1789, que por sua vez se baseou mais fortemente em Rousseau e na sua obra o

Contrato Social, pois como se afigura no artigo primeiro da Declaração, expressa-se a mesma

frase que abre a obra de Rousseau, “O contrato Social”, quando se diz categoricamente que

“Os Homens nascem livres”. Para Rousseau, que parte do postulado do Direito Natural, há um

estado de natureza no qual o homem é livre e um contrato social, onde estariam limitadas as

liberdades individuais pela vontade geral da sociedade que limita o homem a submeter-se a

ela. Neste diapasão onde estaria a liberdade? Estaria na expressão da vontade da maioria, que

por sua vez sujeita o homem a vontade geral que escaparia a vontade particular. Obedecendo

a Lei em que o próprio homem contribuiu para existência dela, estaria o homem obedecendo

senão a ele mesmo. Por outro lado, as garantias fundamentais se baseariam na Declaração

Americana, que declara na mais importante delas, Declaração do Estado da Virginia, em seu

artigo 1º “ Que todos os homens são por natureza igualmente livres e independentes e tem

certos direitos inatos, dos quais quando entram em estado de sociedade, não podem privar ou

despojar seus pósteros que são: o gozo da vida e liberdade com meios de adquirir felicidade e

segurança.” O respaldo desta Declaração foram os mesmos da Declaração Francesa, sendo

que com forte influência do liberalismo inglês e de autores como Locke, Montesquieu e

Rosseau além das causas específicas da liberdade de culto dos religiosos que fugiam da

Inglaterra por razões de perseguições religiosas.

E continua Bastos (1989) discorrendo no mesmo entendimento já esposado que as

liberdades públicas tiveram como causa o liberalismo, que por sua vez assegurava uma

liberdade contra o Estado, garantindo o Direito a Vida, a locomoção, a expressão de

pensamento e de propriedade. Neste aspecto nasceu a formação da vontade do Estado,

preservando direitos clássicos que não desapareceram, mas tão somente mudou seu caráter

absoluto no tocante a imperiosidade de compartilhar o direito com outros princípios

constitucionais. Um exemplo é a destinação da propriedade.

Aspecto por demais importante e que fulcra as garantias fundamentais por ser da sua

própria essência, é a igualdade de todos perante a lei ou o caráter isonômico do

reconhecimento de direitos e obrigações. Neste ponto, veda-se e elimina-se qualquer tipo de

atitude discriminatória em relação à pessoa e aos bens e valores da vida. É por assim dizer

uma igualdade formal diante do que preconiza a lei. Alguns doutrinadores mencionam tratar-

se de igualdade substancial ou um tratamento de igualdade de todos os homens perante os

bens da vida, sendo a equiparação de todos os homens no que diz respeito ao gozo e fruições

de direitos e sujeição de deveres. Para Bastos (1989) o princípio da igualdade material está

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31

inserido nas Constituições sob a forma de normas programáticas, tendentes a planificar

desigualdade na fruição dos bens, quer materiais, quer imateriais. É em outras palavras, o

direito de todo cidadão não ser desigualado pela Lei, senão em consonância de critérios

albergados.

Outro princípio no qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a

não ser em virtude de lei preconiza o respaldo da Lei no exercício do limite a liberdade

individual. Neste aspecto o Estado como detentor de potestade e o particular no uso de seu

direito não pode fazer cumprir ou deixar de cumprir alguma coisa senão em virtude de lei que

o autorize. É por assim dizer, o princípio da legalidade que eleva a lei à condição suprema de

estabelecer o comportamento de fazer ou deixar de fazer algo. Trata-se de condição de Estado

de Direito ante autoridade do preceito da lei, quer perante o indivíduo, quer perante o Estado e

suas organizações. É a garantia constitucional expressada pelo império da vontade da Lei em

um comportamento comissivo ou omissivo.

Esses princípios pré-mencionados encerram conteúdo normativo no artigo 5º e seus

incisos e além deles podem se destacar pela importância o rol de princípios e direitos que se

segue.

• Princípio da Liberdade de Culto ou crença religiosa é o que se pode chamar do

direito do indivíduo livremente deliberar sobre sua consciência de crença religiosa além de

livremente assegurar a liberdade de cultos religiosos. Neste princípio preserva-se a liberdade

de pensamento nos termos da própria Carta a ponto de não haver intromissão na liberdade

individual de crença e na realização de sua exteriorização através de cultos.

• Direito a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem,

sendo assegurado o direito a indenização pelo dano moral e material. Na intimidade está

presente o aspecto reservado da vida, da privacidade pessoal, dos valores que preservam a

pessoa em relação aos outros. Na vida privada há o óbice à intromissão pessoal, quer por

informações indevidas, quer por revelações indevidas da intimidade do indivíduo em pessoa

ou por outros meios que exteriorizem os valores íntimos. Na honra esta tudo aquilo que fere a

reputação do indivíduo perante os outros, tirando a dignidade da reputação dos valores do

indivíduo; é a injuria; a calunia e a difamação. Na privacidade da imagem há vedação a

reprodução real da pessoa quer por foto, quer por meio de filmagem. Nela normalmente a

pessoa é ferida por ser violada na sua imagem em decorrência de sua profissão ou ofício que a

coloca em meio público de exposição capaz de torna-la conhecida.

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32

• Direito de liberdade do exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

Neste aspecto vemos presente o livre exercício profissional para que o trabalhador possa ser

qualificado subjetivamente ou objetivamente naquilo em que livremente exerça por atividade,

ofício ou profissão. Pode-se dizer que este direito está implícito aos princípios fundamentais

insculpidos no artigo 1º da Carta Magna quais, sejam, o Valor Social do Trabalho e da livre

iniciativa.

• Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição corresponde a dizer que a lesão ou

ameaça ao Direito não será excluída da apreciação do judiciário, o que quer dizer que toda

ofensa ao direito pode ser objeto de apreciação pela prestação jurisdicional do Estado,

mediante o direito subjetivo de ação pelas vias do devido processo legal. É de se verificar que

a apreciação em matéria administrativa não faz coisa julgada. Logo a rejeição de direito do

postulante a recurso por via administrativa é mais do que razão para motivar o acionamento

do direito por lesão ou ameaça de lesão. Para Araújo e Júnior (2010) conclui-se que o que

preconiza o dispositivo constitucional no artigo 5º, inciso XXXVI, é que o poder geral de

cautela expresso neste inciso, mesmo a míngua de disposição infraconstitucional expressa,

deve-se presumir concedido, quer em medidas liminares ou cautelares como forma de

resguardo do indivíduo das ameaças de direitos.

• Princípio do devido processo legal é a garantia constitucional ao processo no

desencadear de seus atos até a entrega da coisa julgada. Nele esta implícito a garantia do

contraditório de ampla defesa com os meios a ela inerentes. Para Araújo e Junior (2010)

citando Nelson Nery Junior, bastaria a norma constitucional haver adotado o princípio do due

processo of law para que dai decorressem todas as consequências processuais que garantiriam

aos litigantes o direito a um processo e uma sentença justa. È por assim dizer gênero do qual

todos os demais princípios são espécies.

• A dignidade da Pessoa Humana é outro princípio fundamento do texto

constitucional. Neste princípio, segundo Araújo e Junior (2010) as pessoa humana é o valor

constitucional supremo que agrega diante de si a unanimidade dos demais direitos e garantias

fundamentais do homem expressos na constituição. Daí estar intrinsecamente ligado o direito

à vida, os direitos pessoais tradicionais, mas também os direitos sociais, os direitos

econômicos, os direitos educacionais, bem como as liberdades públicas em geral. Quando a

constituição proclama a dignidade da pessoa humana, está corroborando um imperativo de

justiça social.

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33

• Direitos sociais também considerados direitos fundamentais elencam a Carta

Constitucional e podem ser considerados o direito a educação, a saúde, ao trabalho, a

moradia, ao lazer, a segurança, a previdência social, a infância, a proteção a maternidade e a

assistência aos desamparados.

Pode-se dizer que os direitos sociais encampam toda ação decorrente de

critério de justiça distributiva na sociedade e representam toda gama de direitos que mesmo

assegurado individualmente excedem os limites das garantias pessoais do próprio indivíduo,

alcançando pela sua abrangência a esfera da própria sociedade por dar melhores condições de

sobrevivência e igualdade entre os indivíduos.

Para Silva (2012), os Direitos Sociais são aqueles que têm objetivo de garantir aos

indivíduos condições materiais tidas como imprescindíveis para pleno gozo de seus direitos,

por isso tendem a exigir do Estado intervenções na ordem social segundo critérios de justiça

distributiva tendendo sempre a diminuir as desigualdades sociais.

Nesse grupo de direitos, pode-se se vislumbrar que a Carta Magna elencou normas de

direito expressas na, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dando ordem pública de

caráter constitucional a direitos como FGTS, décimo terceiro salário, remuneração do trabalho

noturno maior que o salário diurno, salário-família, duração do trabalho normal não superior a

oito horas diárias e 44 semanais, repouso semanal remunerado, licença gestante, aviso prévio,

proibição de diferenças de salários, remuneração do serviço extraordinário superior a 50 % do

normal, ação quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho com prazo prescricional

de cinco anos para trabalhadores urbanos e rurais, com o limite de até dois anos até a extinção

do contrato, reconhecimento das convenções e acordos coletivos e igualdade de direitos entre

o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Ainda no tocante a direitos sociais, é possível dizer que entre avanços sociais no

campo do direito coletivo está o que prescreve o artigo 8º, inciso III, da Carta Constitucional

“ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria,

inclusive em questões individuais ou coletivas”. Neste dispositivo houve inovação no tocante

a assistência por representação sindical, posto que o legislador constituinte prevê uma

assistência anômala, extraordinária da categoria na qual o sindicato postula direito alheio em

nome próprio, havendo um caráter concorrente entre o substituto processual, sindicato, e os

substituídos de dada categoria profissional, detentores do direito material postulado pelo

sindicato. Pode-se dizer que do ponto de vista jurídico-formal o sindicato é detentor da

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subjetividade jurídica para a ação e os substituídos daquela categoria profissional, detentores

da subjetividade jurídica do direito material posto em questão. No entanto, há concorrência

para o direito de ação.

• Direitos Políticos constituem outra gama de direitos elencados na nossa Carta

Magna, no capítulo quarto do título segundo, conforme se passa a mencionar os mais

importantes.

O voto direto e secreto como valor igual para todos é o direito de soberania popular

que se manifesta pela representação da vontade do cidadão participante do processo eletivo,

através do chamado sufrágio universal, que nos termos da Lei pode ser exercido através de

plebiscito, referendo e iniciativa popular. No primeiro, plebiscito, há uma consulta popular a

respeito de proposição normativa. Já no segundo, referendo, ao contrario, há uma consulta

popular sobre texto de Lei já incorporado no ordenamento vigente. Tanto uma forma de

expressão da vontade popular quanto a outra, representa uma ordem expressa que regra a

exteriorização da vontade por soberania popular. A iniciativa popular, por sua vez, representa

a exteriorização da expressão popular através de representação mínima de três décimos

porcento em pelo menos cinco Estados da Federação. Agra (2010) discorre que na iniciativa

popular cada eleitor deve ser nominado individualmente com endereço e dados que

possibilitem saber o número de seu titulo eleitoral. Há também de se observar que a iniciativa

popular pode ser patrocinada por partidos políticos e entidades da sociedade civil e somente

deve se limitar a um assunto.

No tocante ao alistamento eleitoral o voto é obrigatório para os maiores de dezoito

anos, sendo facultativo para analfabetos, maiores de setenta anos e maiores de dezesseis e

menores de dezoito. Neste ponto o texto constitucional é claro sem mais contornos

referenciando de forma expressa a condição pessoal para ser eleitor e o poder ser eleitor

através de deliberação volitiva da pessoa que alcançar os requisitos prescritos para esta

mesma volitividade facultativa.

Ainda pela importância, sobre os Direitos Políticos, a Carta traça parâmetros para

elegibilidade: ser de nacionalidade brasileira; ter pleno exercício de direitos políticos; ter

alistamento eleitoral; ter domicílio eleitoral na circunscrição; ter filiação partidária; ter idade

mínima dependendo do cargo a ser postulado. A elegibilidade é, portanto, a condição sine qua

non para que o candidato adquira condição de tornar possível a posse em cargo eletivo. Neste

diapasão, então, pode-se dizer que no tocante a nacionalidade estaríamos diante de atributo

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personalíssimo da pessoa humana no concerne a requisito de aquisição de seu direito de

cidadania no país. Trata-se de atributo pessoal intransferível, só sendo adquirido pela própria

pessoa. Já no concernente ao pleno exercício dos direitos políticos, diz –se a prerrogativa de

poder gozar e fruir da plena atividade de cargo eletivo, quer por provimento em eleição no

executivo ou legislativo, através do sistema proporcional ou majoritário. No tocante ao

alistamento eleitoral ou a inscrição do candidato, trata-se de requisito indispensável para

tornar possível a existência do registro jurídica eleitoral do candidato e de sua candidatura. Já

o domicílio eleitoral na circunscrição é o animus de exercer a atividade eletiva em

determinado âmbito territorial de jurisdição eleitoral. Quanto a filiação partidária só aqueles

que estão em pleno gozo de seus direitos políticos podem filiar-se com a ressalva de ser

possível também àqueles eleitores considerados inelegíveis. Para Silva (2012) a filiação

partidária é o ato pelo qual um eleitor adota um programa e passa a integrar um partido

político, sendo vínculo de elegibilidade do cidadão por um partido político. Disto decorre que

para eleição em cargo eletivo, o eleitor deve se filiar a partido político com antecedência de

um ano. Há pessoas ou categorias nas quais existem vedações de atividade política partidária

prevista em lei: Magistrados; membros do Ministério Público; membros do TCU; membros da

defensoria pública; serventuário da justiça eleitoral. No que concerne a idade mínima para

elegibilidade, é preconizado que para Presidentes, Vice Presidente e Senadores a idade

mínima limite é de trinta e cinco anos; já para Governador e Vice Governador a idade limite

mínima é de trinta anos; Deputado Federal, Deputado Estadual, Distrital e Prefeito Vice

Prefeito e Juiz de Paz, a idade é de vinte e um anos como limite mínimo; e vereador a idade

limite mínima é de 18 anos.

A Carta Magna ainda no artigo 14, parágrafo 4º, trata dos inalistáveis e inelegíveis.

Por inalistáveis entende-se segundo Agra (2010) aqueles cidadãos que tiveram seus direitos

políticos perdidos ou suspensos pelo tempo que durar a suspensão. São os estrangeiros e os

conscritos. Conscritos são os militares no serviço militar obrigatório. Ainda o mesmo autor

arrazoa que o impedimento é no caso de serviço militar obrigatório, sendo alistável o cidadão

antes ou depois do serviço militar obrigatório. E continua o autor arrazoando que os

estrangeiros, cidadãos que não tenham nacionalidade brasileira, não podem votar ou se alistar

como candidatos. No tocante aos inelegíveis ou aqueles que não têm capacidade eleitoral

passiva, sendo impedido no exercício do direito de se inscrever politicamente em cago

público eletivo, a Constituição estabelece em seu parágrafo 7º, artigo 14, que o cônjuge e os

parentes afins até segundo grau ou por adoção de Presidente da República, Governador e

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Prefeito ou de quem os haja substituído nos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular

de mandato eletivo e candidato à reeleição, são inelegíveis.

Outro aspecto de grande relevância elencado na Carta Constitucional é o que se

preconiza no teor do artigo 16 da Carta Magna “A lei que altera o processo eleitoral entrará

em vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data

de sua vigência (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4/93).” Este dispositivo foi

fundamental para assegurar a decisão por maioria de votos da não aplicabilidade imediata da

Lei Complementar 135/ 2010, a qual previa aplicação imediata da tipicidade prevista neste

texto legal. O entendimento foi de que o princípio da anterioridade legal de um ano para a Lei

que altere o processo eleitoral constitui cláusula pétrea eleitoral e a lei interfere sobremodo no

próprio processo eleitoral, devendo ser aplicada na espécie a Carta Constitucional no seu

artigo 16 por tratar-se de norma com eficácia temporal para início de aplicabilidade.

O entendimento da Corte Suprema já mudou, pois se antes no entendimento daquela

corte não havia condições para aplicabilidade imediata da Lei 135/2010 ou Lei da Ficha

Limpa pelas razões do efeito inter-temporal da anterioridade do preceito legal para as eleições

de 2010, hoje já não existe este entendimento face o transcurso desta mesma anterioridade

para Lei 135/2010 para as eleições vindouras. Não raro também pela decisão do Supremo da

Constitucionalidade da Lei 135/2010.

Ainda no tocante a aspectos dos direitos políticos, a Carta Constitucional diz ser livre

a criação, extinção, fusão incorporação de partidos políticos, devendo ser assegurada a

soberania nacional, os direitos fundamentais da pessoa humana, o regime democrático e o

pluripartidarismo.

Nestes aspectos vê-se que a Carta preserva a liberdade política e suas formas de

expressões, criações, nascimento e extinção, desde que as garantias fundamentais da pessoa

humana estejam preservadas pela sua liberdade de consciência política e que haja respeito ao

regime democrático ou expressões do posicionamento político do povo além de ser possível o

pluripartidarismo político. Todos estes aspectos devem preservar a soberania nacional que não

permitirá a subordinação e a ingerência política a partidos políticos, mediante recursos

financeiros de entidade ou governos estrangeiros.

Note-se na mesma corrente que entre os fundamentos do Estado brasileiro,

constituindo o Estado Democrático de Direito está o pluralismo político ou diversidade

política como reconhecimento expresso onde vários partidos são reconhecidos no exercício do

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37

seu poder político, segundo as regras e diretrizes da sua criação nos respectivos estatutos da

entidade e conforme o procedimento eleitoral previsto em lei.

A Constituição ainda assegura aos partidos políticos autonomia para definir sua

estrutura interna, organização e funcionamento e critérios para adotar a escolha e o regime de

suas coligações eleitorais sem obrigatoriedade de vinculação entre candidatos a nível

nacional.

Essa é a gama mais importante de direitos e princípios constitucionais que interessam

a esta obra.

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3 COMPARAÇÕES, INFLUÊNCIAS E SIMILITUDES ENTRE AS CARTAS CONSTITUCIONAIS 1824/1988

A Carta Constitucional de 1824 teve sua proclamação antecedida de vários

acontecimentos que desencadearam seu surgimento.

Em primeiro lugar, antecedeu a Carta de 1824, uma crise no sistema colonial

enfraquecida pela grande alta do comércio industrial, posto que se deixava de lado o comércio

de mercearias e de matéria prima para se dá ênfase ao comércio de produtos industrializados e

manufaturados com a livre concorrência entre as nações. Neste ponto as relações

internacionais não eram mais regidas em seus aspectos comercias pela superioridade das

metrópoles em detrimento das colônias, mas sim pela livre concorrência de mercado pelo

império do capital industrial. Nisto, então, havia uma superioridade do trabalho livre sobre a

mão de obra escrava, posto que o sistema capitalista até por questões de maior fluxo de capital

para o comércio e suas relações dava mais ênfase as relações de trabalho, já que empreendidas

pelo trabalho livre.

O liberalismo político da época também falou mais alto para o advento da Carta de

1824, já que se tratava de luta contra instituições dos regimes autoritários da época pelo

excesso de poder real e privilégios da nobreza, do sistema feudalista e forte absolutismo e

concentração do poder monárquico. E neste aspecto, o regente D. João VI também adepto do

liberalismo político trouxe ao Brasil Colonial grande influência deste regime político que

concorreu decisivamente para o constitucionalismo nacional.

Outro aspecto que desencadeou e concorreu para a Carta de 1824 foram os

movimentos revolucionários, sobretudo o da Revolução de 1817 fundamentada na crise

Econômica Regional, no fim do absolutismo monárquico português, independência do Brasil

e proclamação da Republica.

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A revolução constitucional do Porto com o desencadeameto da Carta Magna

Portuguesa e a proposta de uma Monarquia dual com o Brasil e o sentimento de

independência e sua proclamação com o fico de D. Pedro, rompendo com a Coroa Portuguesa

também concorreram para a Monarquia Constitucional do Brasil.

Outro fato existente e que Alguns autores não reconhecem, mas que houve grande

influência para concorrer para Carta Constitucional de 1824, era o medo de uma revolta de

negros e mestiços, através de movimento revolucionário, já que tratava-se da camada da

sociedade que não tinha cidadania e que era posta à margem dos direitos civis.

Pode-se dizer que a Carta Constitucional do Império foi outorgada após um processo

de golpe do então imperador D. Pedro que dissolveu a Constituinte da época, que estava sobre

forte influência dos ideais de correntes republicanas, uma vez que entendia que o imperador

deveria submeter seus atos e decisões à Assembleia, não sendo inviolável e soberano em seu

poder. Daí porque o imperador D. Pedro resolveu, sentindo-se violado em seu mandato

imperial, dissolver a Assembleia Constituinte e convocar um Conselho de notáveis para

elaborar o texto jurídico constitucional.

Já a Carta Constitucional de 1988 foi antecedida de uma forte luta pela

institucionalização da democracia no país, posto que havia um regime de exceção que não

reconhecia ou restringia Direitos Políticos, Direitos de Cidadania e Direitos Civis. Este

período durou de 1964 a 1985, atingindo seu auge de maior exceção com o Ato do AI- 5, que

representava a repreensão a todo e qualquer movimento de mudança do regime político

existente além de institucionalizar o arbítrio pelo direito onde não se havia garantias, mas sim

a afirmação do controle e suspensão de direitos. Neste período houve o fechamento do

congresso e a cassação de direitos políticos de deputados e senadores, havendo grande

repressão por aparato militar além de mortos, desaparecidos, torturados e presos. Era período

de grande processo inflacionário e crescimento da dívida externa com cavalar política de juros

internacionais para correção da dívida, onde o Fundo Monetário Internacional regia o fluxo de

divisas do país, estabelecendo, em face da influência das regras financeiras impostas, as

diretrizes para política interna do País e influência para as regras das relações internacionais

no campo econômico.

Como visto, o contexto repressivo político e recessivo econômico aliado a luta pela

busca do reconhecimento das garantias individuais, dos direitos políticos, dos direitos da

cidadania e de direitos sociais além da tentativa da emancipação política do povo com a

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Emenda Dante de Oliveira para as diretas já e as eleições indiretas de Tancredo Neves,

também foram aspectos de influência relevante para a Carta Constitucional de 1988.

Nesses aspectos, então, pode-se dizer que não houve similitude para as influências das

duas Cartas, no entanto, havia a busca pela identidade política da nação nos diferentes

períodos. Por um lado, houve as influências do liberalismo político, movimento burguês que

visava entre as suas principais causas o enfraquecimento do absolutismo real pela quebra da

autoridade excessiva do poder real, concentração monárquica e privilégios da nobreza; por

outro, houve a luta pela democracia e pela implantação na nação do chamado Estado

Democrático de Direito com o respeito aos direitos políticos, sociais e individuais com suas

garantias fundamentais. Tudo em confronto com regime de exceção de direitos e sua rigidez

política.

No campo econômico havia uma crise do sistema colonial e um fortalecimento do

capital industrial, que forçava o Brasil a aderir ao liberalismo econômico. Houve ainda um

período recessivo e suas conseqüências sociais além de uma dívida externa excessiva, que

forçava o país a aderir às regras impostas pelo FMI, enfraquecendo sua soberania.

Alguns movimentos revolucionários do Brasil como, qual, e, sobretudo, a Revolução

Pernambucana uma das causas decisivamente preocupantes na época, influenciou ou

concorreu também para Carta de 1824 pelo temor de algo de proporções revolucionárias

maiores e a preocupação em garantir a ordem no país.

Já para Carta de 1988, não houve processo revolucionário, mas algo que influenciou

para formação da Assembleia Nacional Constituinte (ANC) foi a luta do povo pelas diretas já

ou emenda Dante de Oliveira.

No campo jurídico legal, podem-se mencionar alguns dispositivos da Carta de 1824,

que apesar do hiato legal até a Carta de 1988, de alguma forma por um processo de recepção

das demais Cartas Constitucionais, influenciaram princípios e normas constitucionais de

1988.

Logo no artigo 1°, da Carta do Império, vê-se que há traços marcantes da Soberania

Nacional respaldada nos princípios de independência, quer quanto a sua política interna não

admitindo laço de união ou federação e quer na sua política internacional quando considera o

Brasil uma Nação livre e independente. Neste contexto, em si tratando da Soberania Nacional

a Carta Política de 1988, alude, expressamente, como fundamento principal, conforme

disposição no Artigo 1°, inciso I, a soberania.

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Ainda no artigo primeiro da Carta Política de 1824, afigura-se que o Brasil é a

associação política de todos os cidadãos brasileiros, enquanto na Carta Constitucional atual

todo poder emana do povo. Nestes parâmetros há grande diferença, posto que enquanto uma

Carta faz menção que o Brasil é a associação política de cidadãos a outra referência que todo

poder emana do povo e que o Brasil é a união indissolúvel dos entes federados. De se ver por

ressaltar que somente as pessoas seletas do artigo 6° da Carta Constitucional do Império

podiam ser cidadãos brasileiros e, por conseguinte, compor a estrutura Política da associação

do Império.

Na Carta Política de 1824 do artigo 6º ao artigo 8º, faz-se menção aos brasileiros natos

e naturalizados, esclarecendo-se quem são os cidadãos brasileiros, a perda do título de cidadão

brasileiro e quando havia suspensão do exercício de direitos políticos. Já na Carta atual faz-se

menção a nacionalidade, especificando quem são os brasileiros natos e naturalizados. Em

ambas as Cartas com suas especificidades, trata-se da nacionalidade ou atributo inerente à

pessoa ou personalíssimo da pessoa que nasceu no Brasil ou adquiriu a nacionalidade

brasileira.

No tocante a divisão, independência e harmonia entre poderes, não havia o conceito

tripartido dos poderes apregoados por Montesquieu, mas sim uma divisão, diferentemente da

de hoje, que preceituava o Poder legislativo, Judiciário, Executivo e o Moderador. Neste

ficava claro que a chave de toda organização política dependia deste poder e que o imperador,

sendo chefe supremo da Nação, mantinha através deste mesmo poder a independência,

equilíbrio e harmonia dos demais poderes, atuando como instrumento de absorção de atritos

que se sobrepunha ou estava sobreposto a qualquer autoridade, sendo suas decisões soberanas

como imperador constitucional.

Note-se que não há nada igual ao poder Moderador da época, apesar de haver os três

poderes de então hoje. No entanto, pode-se dizer que existe hoje instrumentos que podem não

fazer as vezes do poder moderador, mas guarda alguma relação com autoridade que se

atribuía à época ao referido poder, que mesmo não sendo similar guarda traços. É o caso das

chamadas Medidas Provisórias como instrumento atípico usado pelo executivo, através de

prerrogativa pessoal do Presidente da Republica. Nestas, diferentemente do Decreto-Lei, que

também era usado por autoridade do Presidente da Republica, que o editava e tinha força de

Lei a partir de sua edição, sendo tacitamente acolhido quando não houvesse à apreciação do

Congresso nos sessenta dias subsequentes a sua edição e tendo em caso de sua rejeição a

eficácia dos atos jurídicos que fossem praticados com sua égide de existência, o Presidente da

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República em face da relevância e urgência manda para o Congresso a mensagem de Lei em

forma de medida para que seja no prazo de sessenta dias prorrogável por mais sessenta, em

caso de não apreciação em 45 dias, ser votada ou, em caso contrário, não sendo votada perca

sua eficácia, voltando-se ao status quo e sendo por decreto legislativo disciplinada as relações

jurídicas dela decorrentes em caso de não apreciação pelo congresso.

Não se pode dizer que se faz às vezes do Poder Moderador, mas o Tribunal de Contas

exerce a função de freios e contra pesos, se sobrepondo a todo e qualquer poder, pois para

Naufel (1988) é órgão de controle, sem subordinação direta a qualquer dos poderes

constitucionais da República e dos Estados Membros, por ser responsável pela competência

de acompanhar e fiscalizar a execução do orçamento e julgamento das contas, despesas e atos

que envolvam o interesse financeiro dos órgãos e entes públicos e seus permissionários.

No tocante ao poder legislativo havia Assembleia Geral composta da Câmara dos

Deputados e da Câmara de Senadores ou Senado. Neste parâmetro podemos dizer que a

Assembleia fazia as vezes do atual Congresso Nacional além de seus membros serem

invioláveis por atos e opiniões, sendo necessária a permissão da Câmara para que um senador

ou deputado fosse processado, dando-se já na época a chamada imunidade parlamentar.

O processo de criação e aprovação da Lei era bem parecido com o atual onde na época

o imperador dava ou negava a sanção aos decretos e os enviava as Câmaras do Império,

tribunais e demais localidades onde se pudesse fazer público.

No Executivo o Imperador era o chefe do poder que o exercia com os ministros. Neste

poder muitas das atribuições eram idênticas as atuais atribuições do Presidente da República

no exercício do seu Poder. Neste aspecto, houveram influências para os dias atuais tais como

nomear magistrados, prover cargos, nomear comandantes da força de terra e de mar, nomear

embaixadores e diplomatas, dirigir negociações políticas, fazer tratados, declarar guerra e

fazer paz, conceder honras, títulos e ordens militares, expedir decretos, instruções,

regulamentos, jurar observar e fazer observar a Constituição, impossibilidade de se ausentar

do Pais, senão em virtude de consentimento da Assembléia Geral entre outras.

O Conselho de Estado, fazendo as vezes do Conselho de Republica e do Conselho de

Defesa Nacional atuais, era ouvido em todo os negócios graves e medidas gerais da pública

administração, principalmente, pela declaração de guerra, ajustes de paz, negociações com

nações estrangeiras, destacando-se e sendo órgão de consulta do imperador.

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Processo de reforma constitucional já previsto, mas guardando certa complexidade

com tempo delimitado de revisão, discussão, expedição e sanção do Imperador, sendo

observado como matéria de ordem na primeira sessão para sua apreciação.

Não havia o chamado controle de constitucionalidade, sendo atribuição da Assembleia

Geral a de fazer leis, interpretá-las, suspendê-las e revogá-las além de velar pela guarda da

Constituição. Note-se que à época o Supremo Tribunal de Justiça, não exercia a guarda da

constituição que era feita pelo poder legislativo (artigo 15 da Constituição do Império).

Garantias de direitos civis e políticos do cidadão expressos tal qual a atual Carta

Constitucional, elencando-se garantias fundamentais como as de não fazer ou deixar de fazer

alguma coisa senão em virtude de Lei, Lei sem disposição de efeito retroativo, preservando-se

por critério inter-temporal de direitos já consolidados, liberdade de pensamento, de palavras e

de religião, apesar do catolicismo ser a religião oficial, liberdade de ir e vir, podendo sair e

entrar do império sem permissão, princípio da formação de culpa ou nota de culpa, ninguém

podendo ser preso sem culpa formada, exceto nos casos legais, prisão legal, ninguém podendo

ser preso a não ser em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade legítima, igualdade

substancial da Lei ou igualdade formal com a Lei igual para todos, abolição do crime de

tortura e açoites, pena igual para todos na medida do delito, pois a pena não podia passar da

pessoa do delinquente, garantia do direito de propriedade, proteção ao direito de invenções,

inviolabilidade de correspondências, direito de petição, podendo o cidadão apresentar queixas

ou petições por escrito e expor infrações da constituição perante as autoridades competentes e

preservação expressa ao direito individual, não podendo ser suspensos direitos individuais em

detrimento dos poderes constitucionais.

Pode-se dizer que esses aspectos já pré-mencionados são as principais similitudes,

comparações e influencias que mais chamam a atenção pela importância.

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44

CONCLUSÃO

Conclui-se que os motivos ou causas ensejadoras da Carta Política de 1824, não

chegaram a se coadunar com os aspectos e razões ensejadoras da Carta Política de 1988. No

entanto, houve situações políticas que desencadearam ou precipitaram movimentos que

inarredavelmente concorreram diretamente para as duas Catas Políticas.

Primeiramente havia no país a avidez de um constitucionalismo liberal, inflamado pela

própria febre do liberalismo, movimento burguês que pregava o individualismo pela ausência

do absolutismo real e ascensão das idéias de Adam Smith além de um total enfraquecimento

do sistema colonialista pela adoção do fortalecimento das metrópoles. Com isto, Portugal se

enfraqueceu economicamente, nascendo já pelo movimento constitucionalista da cidade do

Porto, a intenção de um Governo Monárquico Constitucional de caráter Dual. Daí a visão do

regente imperador de ver o País se emancipar politicamente das rédeas de Portugal além do

grande medo de processos revolucionários que causariam dificuldades em asseverar o

processo de independência anteriormente proclamado e que seria sedimentado com uma

monarquia constitucional.

Em um segundo momento político, havia o arbítrio da exceção pelo Direito, o que

possibilitou o desencadear de grandes movimentos de processo democráticos como, quais:

Carta do Recife em 1971, que pregava a convocação de uma constituinte; crise de 1977, com

o pacote de abril que levou o MDB a oficializar um movimento de convocação de uma

constituinte; lei da anistia e reforma partidária que substituiu a antiga ARENA e MDB,

levando-se o quadro partidário a se organizar com o surgimento de vários outros partidos

como PDS, PMDB, PDT e PT; convocação de congresso de Pontes de Miranda, por decisão

da OAB em 1981; surgimento de organizações específicas pela constituinte – sindicatos,

federações, centrais sindicais, associações, movimentos universitários, estudantis,

representações profissionais, igrejas; campanhas pelas diretas e eleição de Tancredo Neves;

instalação do Poder Constituinte com a Anac, que culminou com a atual Carta Magna e

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45

consequente ingresso no país do Estado Democrático de Direito com a ascensão pela

emancipação de Direitos Políticos, Sociais e Garantias Fundamentais.

Pode-se dizer que a luta pelo Estado Constitucional de Direito valorada pela busca de

um processo de maturidade política no qual, de um lado, se pregava a ausência de absolutismo

real e, do outro, o fim da exceção pelo Estado Democrático de Direito, foram

indubitavelmente aspectos que comprovam a similitude na luta pela instalação do Estado de

Direito com garantias de valores fundamentais, sociais e políticos.

A incidência da influência de crises econômicas que desencadearam movimentos que

repercutiram até as efetivas Cartas Políticas, onde num primeiro estágio se vivia a crise do

sistema colonial e ascensão do liberalismo econômico e, noutro, um período recessivo

econômico com dívida externa e regras traçadas pelo FMI, foram decisivamente causas de

grande relevância para as Cartas de 1988 e de 1824

No campo jurídico, verifica-se que alguns dispositivos da Carta Política de 1824 por

uma espécie de processo de recepção das demais cartas constitucionais, influenciaram

princípios e normas constitucionais de 1988. Noutros, em contrário senso, não houve a

influência direta, mas alguns direitos trataram o mesmo título jurídico em uma roupagem

sistemática diferente. É o caso, na Carta de 1824, do artigo 1º, 9º, 11º, 14º, artigo 179, com rol

de garantias fundamentais muito similares ao artigo 5º da Carta Magna de 1988 e seus incisos

além de outros.

Por fim, pode-se dizer que alguns direitos assegurados na Carta do Império tiveram

um grau de similitude, aproximando-se de direitos elencados na Carta Política Atual.

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46

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ANEXO I

Presidência da RepúblicaCasa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

CONSTITUICÃO POLITICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARÇO DE 1824)

EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE.

TITULO 1º

Do Imperio do Brazil, seu Territorio, Governo, Dynastia, e Religião.

Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles formam uma Nação livre, e independente, que não admitte com qualquer outra laço algum de união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.

Art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.

Art. 3. O seu Governo é Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo.

Art. 4. A Dynastia Imperante é a do Senhor Dom Pedro I actual Imperador, e Defensor Perpetuo do Brazil.

Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.

TITULO 2º

Dos Cidadãos Brazileiros.

Art. 6. São Cidadãos Brazileiros

I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.

II. Os filhos de pai Brazileiro, e Os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio.

III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em sorviço do Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil.

IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua residencia.

V. Os estrangeiros naturalisados, qualquer que seja a sua Religião. A Lei determinará as qualidades precisas, para se obter Carta de naturalisação.

Art. 7. Perde os Direitos de Cidadão Brazileiro

I. O que se nataralisar em paiz estrangeiro.

II. O que sem licença do Imperador aceitar Emprego, Pensão, ou Condecoração de qualquer Governo Estrangeiro.

III. O que for banido por Sentença.

Art. 8. Suspende-so o exercicio dos Direitos Politicos

I. Por incapacidade physica, ou moral.

II. Por Sentença condemnatoria a prisão, ou degredo, emquanto durarem os seus effeitos.

TITULO 3º

Dos Poderes, e Representação Nacional.

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Art. 9. A Divisão, e harmonia dos Poderes Politicos é o principio conservador dos Direitos dos Cidadãos, e o mais seguro meio de fazer effectivas as garantias, que a Constituição offerece.

Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial.

Art. 11. Os Representantes da Nação Brazileira são o Imperador, e a Assembléa Geral.

Art. 12. Todos estes Poderes no Imperio do Brazil são delegações da Nação.

TITULO 4º

Do Poder Legistativo.

CAPITULO I.

Do: Ramos do Poder Legislativo, e suas attribuições

Art. 13. O Poder Legislativo é delegado á Assembléa Geral com a Sancção do Imperador.

Art. 14. A Assembléa Geral compõe-se de duas Camaras: Camara de Deputados, e Camara de Senadores, ou Senado.

Art. 15. E' da attribuição da Assembléa Geral

I. Tomar Juramento ao Imperador, ao Principe Imperial, ao Regente, ou Regencia.

II. Eleger a Regencia, ou o Regente, e marcar os limites da sua autoridade.

III. Reconhecer o Principe Imperial, como Successor do Throno, na primeira reunião logo depois do sem nascimento.

IV. Nomear Tutor ao Imperador menor, caso seu Pai o não tenha nomoado em Testamento.

V. Resolver as duvidas, que occorrerem sobre a successão da Corôa.

VI. Na morte do Imperador, ou vacancia do Throno, instituir exame da administração, que acabou, e reformar os abusos nella introduzidos.

VII. Escolher nova Dynastia, no caso da extincção da Imperante.

VIII. Fazer Leis, interpretal-as, suspendel-as, e rovogal-as.

IX.Velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral do Nação.

X. Fixar annualmente as despezas publicas, e repartir a contribuição directa.

XI. Fixar annualmente, sobre a informação do Governo, as forças de mar, e terra ordinarias, e extraordinarias.

XII. Conceder, ou negar a entrada de forças estrangeiras de terra e mar dentro do Imperio, ou dos portos delle.

XIII. Autorisar ao Governo, para contrahir emprestimos.

XIV. Estabelecer meios convenientes para pagamento da divida publica.

XV. Regular a administração dos bens Nacionaes, e decretar a sua alienação.

XVI. Crear, ou supprimir Empregos publicos, e estabelecer-lhes ordenados.

XVI. Determinar o peso, valor, inscripção, typo, e denominação das moedas, assim como o padrão dos pesos e medidas.

Art. 16. Cada uma das Camaras terá o Tratamento - de Augustos, e Dignissimos Senhores Representantes da Nação.

Art. 17. Cada Legislatura durará quatro annos, e cada Sessão annual quatro mezes.

Art. 18. A Sessão Imperial de abertura será todos os annos no dia tres de Maio.

Art. 19. Tambem será Imperial a Sessão do encerramento; e tanto esta como a da abertura se fará em Assembléa Geral, reunidas ambas as Camaras.

Art. 20. Seu ceremonial, e o da participação ao Imperador será feito na fórma do Regimento interno.

Art. 21. A nomeação dos respectivos Presidentes, Vice Presidentes, e Secretarios das Camaras, verificação dos poderes dos seus Membros, Juramento, e sua policia interior, se executará na fórma dos seus Regimentos.

Art. 22. Na reunião das duas Camaras, o Presidente do Senado dirigirá o trabalho; os Deputados, e Senadores tomarão logar indistinctamente.

Art. 23. Não se poderá celebrar Sessão em cada uma das Camaras, sem que esteja reunida a metade, e mais um dos seus respectivos Membros.

Art. 24. As Sessões de cada uma das Camaras serão publicas á excepção dos casos, em que o bem do Estado exigir, que sejam secretas.

Art. 25. Os negocios se resolverão pela maioria absoluta de votos dos Membros presentes.

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Art. 26. Os Membros de cada uma das Camaras são inviolaveis polas opiniões, que proferirem no exercicio das suas funcções.

Art. 27. Nenhum Senador, ou Deputado, durante a sua deputação, póde ser preso por Autoridade alguma, salvo por ordem da sua respectiva Camara, menos em flagrante delicto de pena capital.

Art. 28. Se algum Senador, ou Deputado fòr pronunciado, o Juiz, suspendendo todo o ulterior procedimento, dará conta á sua respectiva Camara, a qual decidirá, se o processo deva continuar, e o Membro ser, ou não suspenso no exercicio das suas funcções.

Art. 29. Os Senadores, e Deputados poderão ser nomeados para o Cargo de Ministro de Estado, ou Conselheiro do Estado, com a differença de que os Senadores continuam a ter assento no Senado, e o Deputado deixa vago o seu logar da Camara, e se procede a nova eleição, na qual póde ser reeleito e accumular as duas funcções.

Art. 30. Tambem accumulam as duas funcções, se já exerciam qualquer dos mencionados Cargos, quando foram eleitos.

Art. 31. Não se pode ser ao mesmo tempo Membro de ambas as Camaras.

Art. 32. O exercicio de qualquer Emprego, á excepção dos de Conselheiro de Estado, o Ministro de Estado, cessa interinamente, emquanto durarem as funcções de Deputado, ou de Senador.

Art. 33. No intervallo das Sessões não poderá o Imperador empregar um Senador, ou Deputado fóra do Imperio; nem mesmo irão exercer seus Empregos, quando isso os impossibilite para se reunirem no tempo da convocação da Assembléa Geral ordinaria, ou extraordinaria.

Art. 34. Se por algum caso imprevisto, de que dependa a segurança publica, ou o bem do Estado, fôr indispensavel, que algum Senador, ou Deputado sáia para outra Commissão, a respectiva Camara o poderá determinar.

CAPITULO II

Da Camara dos Deputados.

Art. 35. A Camara dos Deputados é electiva, e temporaria.

Art. 36. E' privativa da Camara dos Deputados a Iniciativa.

I. Sobre Impostos.

II. Sobre Recrutamentos.

III. Sobre a escolha da nova Dynastia, no caso da extincção da Imperante.

Art. 37. Tambem principiarão na Camara dos Deputados

I. O Exame da administração passada, e reforma dos abusos nella introduzidos.

A discussão das propostas, feitas polo Poder Executivo.

Art. 38. E' da privativa attribuição da mesma Camara decretar, que tem logar a accusação dos Ministros de Estado, e ConseIheiros de Estado.

Art. 39. Os Deputados vencerão, durante as Sessões, um Subsidio, pecuniario, taxado no fim da ultima Sessão da Legislatura antecedente. Além disto se lhes arbitrará uma indemnisação para as despezas da vinda, e volta.

CAPITULO III.

Do Senado.

Art. 40. 0 Senado é composto de Membros vitalicios, e será organizado por eleição Provincial.

Art. 41. Cada Provincia dará tantos Senadores, quantos forem metade de seus respectivos Deputados, com a differença, que, quando o numero dos Deputados da Provincia fôr impar, o numero dos seus Senadores será metade do numero immediatamente menor, de maneira que a Provincia, que houver de dar onze Deputados, dará cinco Senadores.

Art. 42. A Provincia, que tiver um só Deputado, elegerá todavia o seu Senador, não obstante a regra acima estabelecida.

Art. 43. As eleições serão feitas pela mesma maneira, que as dos Deputados, mas em listas triplices, sobre as quaes o Imperador escolherá o terço na totalidade da lista.

Art. 44. Os Logares de Senadores, que vagarem, serão preenchidos pela mesma fórma da primeira Eleição pela sua respectiva Provincia.

Art. 45. Para ser Senador requer-se

I. Que seja Cidadão Brazileiro, e que esteja no gozo dos seus Direitos Politicos.

II. Que tenha de idade quarenta annos para cima.

III. Que seja pessoa de saber, capacidade, e virtudes, com preferencia os que tivirem feito serviços á Patria.

IV. Que tenha de rendimento annual por bens, industria, commercio, ou Empregos, a somma de oitocentos mil réis.

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Art. 46. Os Principes da Casa Imperial são Senadores por Direito, e terão assento no Senado, logo que chegarem á idade de vinte e cinco annos.

Art. 47. E' da attribuição exclusiva do Senado

I. Conhecer dos delictos individuaes, commettidos pelos Membros da Familia Imperial, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, e Senadores; e dos delictos dos Deputados, durante o periodo da Legislatura.

II. Conhecer da responsabilidade dos Secretarios, e Conselheiros de Estado.

III. Expedir Cartas de Convocação da Assembléa, caso o Imperador o não tenha feito dous mezes depois do tempo, que a Constituição determina; para o que se reunirá o Senado extraordinariamente.

IV. Convocar a Assembléa na morte do Imperodor para a Eleição da Regencia, nos casos, em que ella tem logar, quando a Regencia Provisional o não faça.

Art. 48. No Juizo dos crimes, cuja accusação não pertence á Camara dos Deputados, accusará o Procurador da Corôa, e Soberania Nacional.

Art. 49. As Sessões do Senado começam, e acabam ao mesmo tempo, que as da Camara dos Deputados.

Art. 50. A' excepção dos casos ordenados pela Constituição, toda a reunião do Senado fóra do tempo das Sessões da Camara dos Deputados é illicita, e nulla.

Art. 51.O Subsidio dos Senadores será de tanto, e mais metade, do que tiverem os Deputados.

CAPITULO IV.

Da Proposição, Discussão, Sancção, e Promulgação das Leis.

Art. 52. A Proposição, opposição, e approvação dos Projectos de Lei compete a cada uma das Camaras.

Art. 53.O Poder Executivo exerce por qualquer dos Ministros de Estado a proposição, que lhe compete na formação das Leis; e só depois de examinada por uma Commissão da Camara dos Deputados, aonde deve ter principio, poderá ser convertida em Projecto de Lei.

Art. 54. Os Ministros podem assistir, e discutir a Proposta, depois do relatorio da Commissão; mas não poderão votar, nem estarão presentes á votação, salvo se forem Senadores, ou Deputados.

Art. 55. Se a Camara dos Deputados adaptar o Projecto, o remetterá á dos Senadores com a seguinte formula - A Camara dos Deputados envia á Camara dos Senadores a Proposição junta do Poder Executivo (com emendas, ou sem ellas) e pensa, que ella tem logar.

Art. 56. Se não puder adoptar a proposição, participará ao Imperador por uma Deputação de sete Membros da maneira seguinte - A Camara dos Deputados testemunha ao Imperador o seu reconhecimento polo zelo, que mostra, em vigiar os interesses do Imperio: e Lhe supplica respeitosomente, Digne-Se tomar em ulterior consideração a Proposta do Governo.

Art. 57. Em geral as proposições, que a Camara dos Deputodos admittir, e approvar, serão remettidas á Camara dos Senadores com a formula seguinte - A Camara dos Deputados envia ao Senado a Proposição junta, e pensa, que tem logar, pedir-se ao Imperador a sua Sancção.

Art. 58. Se porém a Camara dos Senadores não adoptar inteiramente o Projecto da Camara dos Deputados, mas se o tiver alterado, ou addicionado, o reenviará pela maneira seguinte - O Senado envia á Camara dos Deputodos a sua Proposição (tal) com as emendas, ou addições juntas, e pensa, que com ellas tem logar pedir-se ao Imperador a Sancção Imperial.

Art. 59. Se o Senado, depois de ter deliberado, julga, que não póde admittir a Proposição, ou Projecto, dirá nos termos seguintes - O Senado torna a remetter á Camara dos Deputodos a Proposição (tal), á qual não tem podido dar o seu Consentimento.

Art. 60. O mesmo praticará a Camara dos Deputados para com a do Senado, quando neste tiver o Projecto a sua origem.

Art. 61. Se a Camara dos Deputados não approvar as emendas, ou addições do Senado, ou vice-versa, e todavia a Camara recusante julgar, que o projecto é vantojoso, poderá requerer por uma Deputação de tres Membros a reunião das duas Camaras, que se fará na Camara do Senado, e conforme o resultado da discussão se seguirá, o que fôr deliberado.

Art. 62. Se qualquer das duas Camaras, concluida a discussão, adoptar inteiramente o Projecto, que a outra Camara lhe enviou, o reduzirá a Decreto, e depois de lido em Sessão, o dirigirá ao Imperador em dous autographos, assignados pelo Presidente, e os dous primeiros Secretarios, Pedindo-lhe a sua Sancção pela formula seguinte - A Assembléa Geral dirige ao Imperador o Decreto incluso, que julga vantajoso, e util ao Imperio, e pede a Sua Magestade Imperial, Se Digne dar a Sua Sancção.

Art. 63. Esta remessa será feita por uma Deputação de sete Membros, enviada pela Camara ultimamente deliberante, a qual ao mesmo tempo informará á outra Camara, aonde o Projecto teve origem, que tem adoptado a sua Proposição, relativa a tal objecto, e que a dirigiu ao Imperador, pedindo-lhe a Sua Sancção.

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Art. 64. Recusando o Imperador prestar seu consentimento, responderá nos termos seguintes. - O Imperador quer meditar sobre o Projecto de Lei, para a seu tempo se resolver - Ao que a Camara responderá, que - Louva a Sua Magestade Imperial o interesse, que toma pela Nação.

Art. 65. Esta denegação tem effeito suspensivo sómente: pelo que todas as vezes, que as duas Legislaturas, que se seguirem áquella, que tiver approvado o Projecto, tornem successivamente a apresental-o nos mesmos termos, entender-se-ha, que o Imperador tem dado a Sancção.

Art. 66. O Imperador dará, ou negará a Sancção em cada Decreto dentro do um mez, depois que lhe for apresentado.

Art. 67. Se o não fizer dentro do mencionado prazo, terá o mesmo effeito, como se expressamente negasse a Sancção, para serem contadas as Legislaturas, em que poderá ainda recusar o seu consentimento, ou reputar-se o Decreto obrigatorio, por haver já negado a Sancção nas duas antecedentes Legislaturas.

Art. 68. Se o Imperador adoptar o Projecto da Assembléa Geral, se exprimirá assim - O Imperador consente - Com o que fica sanccionado, e nos termos de ser promulgado como Lei do Imperio; e um dos dous autographos, depois de assignados pelo Imperador, será remettido para o Archivo da Camara, que o enviou, e o outro servirá para por elle se fazer a Promulgação da Lei, pela respectiva Secretaria de Estado, aonde será guardado.

Art. 69. A formula da Promulgação da Lei será concebida nos seguintes termos - Dom (N.) por Graça de Deos, e Unanime Acclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil: Fazemos saber a todos os Nossos Subditos, que a Assembléa Geral decretou, e Nós Queremos a Lei seguinte (a integra da Lei nas suas disposições sómente): Mandamos por tanto a todas as Autoridades, a quem o conhecimento, e execução do referida Lei pertencer, que a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nella se contém. O Secretario de Estado dos Nogocios d.... (o da Repartição competente) a faça imprimir, publicar, e correr.

Art. 70. Assignada a Lei pelo Imperador, referendada pelo Secretario de Estado competente, e sellada com o Sello do Imperio, se guardará o original no Archivo Publico, e se remetterão os Exemplares della impressos a todas as Camaras do Imperio, Tribunaes, e mais Logares, aonde convenha fazer-se publica.

CAPITULO V.

Dos Conselhos Geraes de Provincia, e suas attribuições.

Art. 71. A Constituição reconhece, e garante o direito de intervir todo o Cidadão nos negocios da sua Provincia, e que são immediatamente relativos a seus interesses peculiares.

Art. 72. Este direito será exercitado pelas Camara dos Districtos, e pelos Conselhos, que com o titulo de - Conselho Geral da Provincia-se devem estabelecer em cada Provincia, aonde não, estiver collocada a Capital do Imperio.

Art. 73. Cada um dos Conselhos Geraes constará de vinte e um Membros nas Provincias mais populosas, como sejam Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Geraes, S. Paulo, e Rio Grande do Sul; e nas outras de treze Membros.

Art. 74. A sua Eleição se fará na mesma occasião, e da mesma maneira, que se fizer a dos Representantes da Nação, e pelo tempo de cada Legislatura.

Art. 75. A idade de vinte e cinco annos, probidade, e decente subsistencia são as qualidades necessarias para ser Membro destes Conselhos.

Art. 76. A sua reunião se fará na Capital da Provincia; e na primeira Sessão preparatoria nomearão Presidente, Vice-Presidente, Secretario, e Supplente; que servirão por todo o tempo da Sessão: examinarão, e verificarão a legitimidade da eleição dos seus Membros.

Art. 77. Todos os annos haverá Sessão, e durará dous mezes, podendo prorogar-se por mais um mez, se nisso convier a maioria do Conselho.

Art. 78. Para haver Sessão deverá achar-se reunida mais da metade do numero dos seus Membros.

Art. 79. Não podem ser eleitos para Membros do Conselho Geral, o Presidente da Provincia, o Secretario, e o Commandante das Armas.

Art. 80. O Presidente da Provincia assistirá á installação do Conselho Geral, que se fará no primeiro dia de Dezembro, e terá assento igual ao do Presidente do Conselho, e á sua direita; e ahi dirigirá o Presidente da Provincia sua fala ao Conselho; instruindo-o do estado dos negocios publicos, e das providencias, que a mesma Provincia mais precisa para seu melhoramento.

Art.. 81. Estes Conselhos terão por principal objecto propôr, discutir, e deliberar sobre os negocios mais interessantes das suas Provincias; formando projectos peculiares, e accommodados ás suas localidades, e urgencias.

Art. 82. Os negocios, que começarem nas Camaras serão remettidos officialmente ao Secretario do Conselho, aonde serão discutidos a portas abertas, bem como os que tiverem origem nos mesmos Conselhos. As suas resoluções serão tomadas á pluralidade absoluta de votos dos Membros presentes.

Art. 83. Não se podem propôr, nem deliberar nestes Conselhos Projectos.

I. Sobre interesses geraes da Nação.

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II. Sobre quaesquer ajustes de umas com outras Provincias.

III. Sobre imposições, cuja iniciativa é da competencia particular da Camara dos Deputados. Art. 36.

IV. Sobre execução de Leis, devendo porém dirigir a esse respeito representações motivadas á Assembléa Geral, e ao Poder Executivo conjunctamente.

Art. 84. As Resoluções dos Conselhos Geraes de Provincia serão remettidas directamente ao Poder Executivo, pelo intermedio do Presidente da Provincia.

Art. 85. Se a Assembléa Geral se achar a esse tempo reunida, lhe serão immediatamente enviadas pela respectiva Secretaria de Estado, para serem propostas como Projectos de Lei, e obter a approvação da Assembléa por uma unica discussão em cada Camara.

Art. 86. Não se achando a esse tempo reunida a Assembléa, o Imperador as mandará provisoriamente executar, se julgar que ellas são dignas de prompta providencia, pela utilidade, que de sua observancia resultará ao bem geral da Provincia.

Art. 87. Se porém não occorrerem essas circumstancias, o Imperador declarará, que - Suspende o seu juizo a respeito daquelle negocio - Ao que o Conselho responderá, que - recebeu mui respeitosamente a resposta de Sua Magestade Imperial.

Art. 88. Logo que a Assembléa Geral se reunir, Ihe serão enviadas assim essas Resoluções suspensas, como as que estiverem em execução, para serem discutidas, e deliberadas, na fórma do Art. 85.

Art. 89. O methodo de proseguirem os Conselhos Geraes de Provincia em seus trabalhos, e sua policia interna, e externa, tudo se regulará por um Regimento, que lhes será dado pela Assembléa Geral.

CAPITULO VI.

Das Eleições.

Art. 90. As nomeações dos Deputados, e Senadores para a Assembléa Geral, e dos Membros dos Conselhos Geraes das Provincias, serão feitas por Eleições indirectas, elegendo a massa dos Cidadãos activos em Assembléas Parochiaes os Eleitores de Provincia, e estes os Representantes da Nação, e Provincia.

Art. 91. Têm voto nestas Eleições primarias

I. Os Cidadãos Brazileiros, que estão no gozo de seus direitos politicos.

II. Os Estrangeiros naturalisados.

Art. 92. São excluidos de votar nas Assembléas Parochiaes.

I. Os menores de vinte e cinco annos, nos quaes se não comprehendem os casados, e Officiaes Militares, que forem maiores de vinte e um annos, os Bachares Formados, e Clerigos de Ordens Sacras.

II. Os filhos familias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem Officios publicos.

III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os Guardalivros, e primeiros caixeiros das casas de commercio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das fazendas ruraes, e fabricas.

IV. Os Religiosos, e quaesquer, que vivam em Communidade claustral.

V. Os que não tiverem de renda liquida annual cem mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou Empregos.

Art. 93. Os que não podem votar nas Assembléas Primarias de Parochia, não podem ser Membros, nem votar na nomeação de alguma Autoridade electiva Nacional, ou local.

Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se

I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego.

II. Os Libertos.

III. Os criminosos pronunciados em queréla, ou devassa.

Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se

I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92 e 94.

II. Os Estrangeiros naturalisados.

III. Os que não professarem a Religião do Estado.

Art. 96. Os Cidadãos Brazileiros em qualquer parte, que existam, são elegiveis em cada Districto Eleitoral para Deputados, ou Senadores, ainda quando ahi não sejam nascidos, residentes ou domiciliados.

Art. 97. Uma Lei regulamentar marcará o modo pratico das Eleições, e o numero dos Deputados relativamente á população do Imperio.

TITIULO 5º

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Do Imperador.

CAPITULO I.

Do Poder Moderador.

Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.

Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.

Art. 100. Os seus Titulos são "Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil" e tem o Tratamento de Magestade Imperial.

Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador

I. Nomeando os Senadores, na fórma do Art. 43.

II. Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos intervallos das Sessões, quando assim o pede o bem do Imperio.

III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.

IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87.

V. Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando immediatamente outra, que a substitua.

VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado.

VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154.

VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condemnados por Sentença.

IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado.

CAPITULO II.

Do Poder Executivo.

Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executivo, e o exercita pelos seus Ministros de Estado.

São suas principaes attribuições

I. Convocar a nova Assembléa Geral ordinaria no dia tres de Junho do terceiro anno da Legislatura existente.

II. Nomear Bispos, e prover os Beneficios Ecclesiasticos.

III. Nomear Magistrados.

IV. Prover os mais Empregos Civis, e Politicos.

V. Nomear os Commandantes da Força de Terra, e Mar, e removel-os, quando assim o pedir o Serviço da Nação.

VI. Nomear Embaixadores, e mais Agentes Diplomaticos, e Commerciaes.

VII. Dirigir as Negociações Politicas com as Nações estrangeiras.

VIII. Fazer Tratados de Alliança offensiva, e defensiva, de Subsidio, e Commercio, levando-os depois de concluidos ao conhecimento da Assembléa Geral, quando o interesse, e segurança do Estado permittirem. Se os Tratados concluidos em tempo de paz envolverem cessão, ou troca de Torritorio do Imperio, ou de Possessões, a que o Imperio tenha direito, não serão ratificados, sem terem sido approvados pela Assembléa Geral.

IX. Declarar a guerra, e fazer a paz, participando á Assembléa as communicações, que forem compativeis com os interesses, e segurança do Estado.

X. Conceder Cartas de Naturalisação na fórma da Lei.

XI. Conceder Titulos, Honras, Ordens Militares, e Distincções em recompensa de serviços feitos ao Estado; dependendo as Mercês pecuniarias da approvação da Assembléa, quando não estiverem já designadas, e taxadas por Lei.

XII. Expedir os Decretos, Instrucções, e Regulamentos adequados á boa execução das Leis.

XIII. Decretar a applicação dos rendimentos destinados pela Assembléa aos varios ramos da publica Administração.

XIV. Conceder, ou negar o Beneplacito aos Decretos dos Concilios, e Letras Apostolicas, e quaesquer outras Constituições Ecclesiasticas que se não oppozerem á Constituição; e precedendo approvação da Assembléa, se contiverem disposição geral.

XV. Prover a tudo, que fôr concernente á segurança interna, e externa do Estado, na fórma da Constituição.

Art. 103. 0 Imperador antes do ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Imperio;

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observar, e fazer observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e mais Leis do Imperio, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber.

Art. 104. O Imperador não poderá sahir do Imperio do Brazil, sem o consentimento da Assembléa Geral; e se o fizer, se entenderá, que abdicou a Corôa.

CAPITULO III.

Da Familia Imperial, e sua Dotação.

Art. 105. O Herdeiro presumptivo do Imperio terá o Titulo de "Principe Imperial" e o seu Primogenito o de "Principe do Grão Pará" todos os mais terão o de "Principes". O tratamento do Herdeiro presumptivo será o de "Alteza Imperial" e o mesmo será o do Principe do Grão Pará: os outros Principes terão o Tratamento de Alteza.

Art. 106.0 Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e ser obediente ás Leis, e ao Imperador.

Art. 107. A Assembléa Geral, logo que o Imperador succeder no Imperio, lhe assignará, e á Imperatriz Sua Augusta Esposa uma Dotação correspondente ao decoro de Sua Alta Dignidade.

Art. 108. A Dotação assignada ao presente Imperador, e á Sua Augusta Esposa deverá ser augmentada, visto que as circumstancias actuaes não permittem, que se fixe desde já uma somma adequada ao decoro de Suas Augustas Pessoas, e Dignidade da Nação.

Art. 109. A Assembléa assignará tambem alimentos ao Principe Imperial, e aos demais Principes, desde que nascerem. Os alimentos dados aos Principes cessarão sómente, quando elles sahirem para fóra do Imperio.

Art. 110. Os Mestres dos Principes serão da escolha, e nomeação do Imperador, e a Assembléa lhes designará os Ordenados, que deverão ser pagos pelo Thesouro Nacional.

Art. 111. Na primeira Sessão de cada Legislatura, a Camara dos Deputados exigirá dos Mestres uma conta do estado do adiantamento dos seus Augustos Discipulos.

Art. 112. Quando as Princezas houverem de casar, a Assembléa lhes assignará o seu Dote, e com a entrega delle cessarão os alimentos.

Art. 113. Aos Principes, que se casarem, e forem residir fóra do Imperio, se entregará por uma vez sómente uma quantia determinada pela Assembléa, com o que cessarão os alimentos, que percebiam.

Art. 114. A Dotação, Alimentos, e Dotes, de que fallam os Artigos antecedentes, serão pagos pelo Thesouro Publico, entregues a um Mordomo, nomeado pelo Imperador, com quem se poderão tratar as Acções activas e passivas, concernentes aos interesses da Casa Imperial.

Art. 115. Os Palacios, e Terrenos Nacionaes, possuidos actualmente pelo Senhor D. Pedro I, ficarão sempre pertencendo a Seus Successores; e a Nação cuidará nas acquisições, e construcções, que julgar convenientes para a decencia, e recreio do Imperador, e sua Familia.

CAPITULO IV.

Da Successão do Imperio.

Art. 116. O Senhor D. Pedro I, por Unanime Acclamação dos Povos, actual Imperador Constittucional, e Defensor Perpetuo, Imperará sempre no Brazil.

Art. 117. Sua Descendencia legitima succederá no Throno, Segundo a ordem regular do primogenitura, e representação, preferindo sempre a linha anterior ás posteriores; na mesma linha, o gráo mais proximo ao mais remoto; no mesmo gráo, o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo, a pessoa mais velha á mais moça.

Art. 118. Extinctas as linhas dos descendentes legitimos do Senhor D. Pedro I, ainda em vida do ultimo descendente, e durante o seu Imperio, escolherá a Assembléa Geral a nova Dynastia.

Art. 119. Nenhum Estrangeiro poderá succeder na Corôa do Imperio do Brazil.

Art. 120. O Casamento da Princeza Herdeira presumptiva da Corôa será feito a aprazimento do Imperador; não existindo Imperador ao tempo, em que se tratar deste Consorcio, não poderá elle effectuar-se, sem approvacão da Assembléa Geral. Seu Marido não terá parte no Governo, e sómente se chamará Imperador, depois que tiver da Imperatriz filho, ou filha.

CAPITULO V.

Da Regencia na menoridade, ou impedimento do Imperador.

Art. 121. O Imperador é menor até á idade de dezoito annos completos.

Art. 122. Durante a sua menoridade, o Imperio será governado por uma Regencia, a qual pertencerá na Parente mais chegado do Imperador, segundo a ordem da Successão, e que seja maior de vinte e cinco annos.

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Art. 123. Se o Imperador não tiver Parente algum, que reuna estas qualidades, será o Imperio governado por uma Regencia permanente, nomeada pela Assembléa Geral, composta de tres Membros, dos quaes o mais velho em idade será o Presidente.

Art. 124. Em quanto esta Rogencia se não eleger, governará o Imperio uma Regencia provisional, composta dos Ministros de Estado do Imperio, e da Justiça; e dos dous Conselheiros de Estado mais antigos em exercicio, presidida pela Imperatriz Viuva, e na sua falta, pelo mais antigo Conselheiro de Estado.

Art. 125. No caso de fallecer a Imperatriz Imperante, será esta Regencia presidida por seu Marido.

Art. 126. Se o Imperador por causa physica, ou moral, evidentemente reconhecida pela pluralidade de cada uma das Camaras da Assembléa, se impossibilitar para governar, em seu logar governará, como Regente o Principe Imperial, se for maior de dezoito annos.

Art. 127. Tanto o Regente, como a Regencia prestará o Juramento mencionado no Art. 103, accrescentando a clausula de fidelidade na Imperador, e de lhe entregar o Governo, logo que elle chegue á maioridade, ou cessar o seu impedimento.

Art. 128. Os Actos da Regencia, e do Regente serão expedidos em nome do Imperador pela formula seguinte - Manda a Regencia em nome do Imperador... - Manda o Principe Imperial Regente em nome do Imperador.

Art. 129. Nem a Regencia, nem o Regente será responsavel.

Art. 130. Durante a menoridade do Successor da Corôa, será seu Tutor, quem seu Pai lhe tiver nomeado em Testamento; na falta deste, a Imperatriz Mãi, em quanto não tornar a casar: faltando esta, a Assembléa Geral nomeará Tutor, com tanto que nunca poderá ser Tutor do Imperador menor aquelle, a quem possa tocar a successão da Corôa na sua falta.

CAPITULO VI.

Do Ministerio.

Art. 131. Haverá differentes Secretarias de Estado. A Lei designará os negocios pertencentes a cada uma, e seu numero; as reunirá, ou separará, como mais convier.

Art. 132. Os Ministros de Estado referendarão, ou assignarão todos os Actos do Poder Executivo, sem o que não poderão ter execução.

Art. 133. Os Ministros de Estado serão responsaveis

I. Por traição.

II. Por peita, suborno, ou concussão.

III. Por abuso do Poder.

IV. Pela falta de observancia da Lei.

V. Pelo que obrarem contra a Liberdade, segurança, ou propriedade dos Cidadãos.

VI. Por qualquer dissipação dos bens publicos.

Art. 134. Uma Lei particular especificará a natureza destes delictos, e a maneira de proceder contra elles.

Art. 135. Não salva aos Ministros da responsabilidade a ordem do Imperador vocal, ou por escripto.

Art. 136. Os Estrangeiros, posto que naturalisados, não podem ser Ministros de Estado.

CAPITULO VII.

Do Conselho de Estado.

Art. 137. Haverá um Conselho de Estado, composto de Conselheiros vitalicios, nomeados pelo Imperador.

Art. 138. O seu numero não excederá a dez.

Art. 139; Não são comprehendidos neste numero os Ministros de Estado, nem estes serão reputados Conselheiros de Estado, sem especial nomeação do Imperador para este Cargo.

Art. 140. Para ser Coaselheiro de Estado requerem-se as mesmas qualidades, que devem concorrer para ser Senador.

Art. 14I. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas mãos do Imperador de - manter a Religião Catholica Apostolica Romana; observar a Constituição, e às Leis; ser fieis ao Imperador; aconselhal-o segundo suas consciencias, attendendo sómente ao bem da Nação.

Art. 142. Os Conselheiros serão ouvidos em todos os negocios graves, e medidas geraes da publica Administração; principalmente sobre a declaração da Guerra, ajustes de paz, nogociações com as Nações Estrangeiras, assim como em todas as occasiões, em que o Imperador se proponha exercer qualquer das attribuições proprias do Poder Moderador, indicadas no Art. 101, á excepção da VI.

Art. 143. São responsaveis os Conselheiros de Estado pelos conselhos, que derem, oppostos ás Leis, e ao interesse do Estado, manifestamente dolosos.

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Art. 144. O Principe Imperial, logo que tiver dezoito annos completos, será de Direito do Conselho de Estado: os demais Principes da Casa Imperial, para entrarem no Conselho de Estado ficam dependentes da nomeação do Imperador. Estes, e o Principe Imperial não entram no numero marcado no Art. 138.

CAPITULO VIII.

Da Força Militar.

Art. 145. Todos os Brazileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a Independencia, e integridade do Imperio, e defendel-o dos seus inimigos externos, ou internos.

Art. 146. Emquanto a Assembléa Geral não designar a Força Militar permanente de mar, e terra, substituirá, a que então houver, até que pela mesma Assembléa seja alterada para mais, ou para menos.

Art. 147. A Força Militar é essencialmente obediente; jamais se poderá reunir, sem que lhe seja ordenado pela Autoridade legitima.

Art. 148. Ao Poder Executivo compete privativamente empregar a Força Armada de Mar, e Terra, como bem lhe parecer conveniente á Segurança, e defesa do Imperio.

Art. 149. Os Officiaes do Exercito, e Armada não podem ser privados das suas Patentes, senão por Sentença proferida em Juizo competente.

Art. 150. Uma Ordenança especial regulará a Organização do Exercito do Brazil, suas Promoções, Soldos e Disciplina, assim como da Força Naval.

TITULO 6º

Do Poder Judicial.

CAPITULO UNICO.

Dos Juizes, e Tribunaes de Justiça.

Art. 151. O Poder Judicial independente, e será composto de Juizes, e Jurados, os quaes terão logar assim no Civel, como no Crime nos casos, e pelo modo, que os Codigos determinarem.

Art. 152. Os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei.

Art. 153. Os Juizes de Direito serão perpetuos, o que todavia se não entende, que não possam ser mudados de uns para outros Logares pelo tempo, e maneira, que a Lei determinar.

Art. 154. O Imperador poderá suspendel-os por queixas contra elles feitas, precedendo audiencia dos mesmos Juizes, informação necessaria, e ouvido o Conselho de Estado. Os papeis, que lhes são concernentes, serão remettidos á Relação do respectivo Districto, para proceder na fórma da Lei.

Art. 155. Só por Sentença poderão estes Juizes perder o Logar.

Art. 156. Todos os Juizes de Direito, e os Officiaes de Justiça são responsaveis pelos abusos de poder, e prevaricações, que commetterem no exercicio de seus Empregos; esta responsabilidade se fará effectiva por Lei regulamentar.

Art. 157. Por suborno, peita, peculato, e concussão haverá contra elles acção popular, que poderá ser intentada dentro de anno, e dia pelo proprio queixoso, ou por qualquer do Povo, guardada a ordem do Processo estabelecida na Lei.

Art. 158. Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos.

Art. 159. Nas Causas crimes a Inquirição das Testemunhas, e todos os mais actos do Processo, depois da pronuncia, serão publicos desde já.

Art. 160. Nas civeis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juizes Arbitros. Suas Sentenças serão executadas sem recurso, se assim o convencionarem as mesmas Partes.

Art. 161. Sem se fazer constar, que se tem intentado o meio da reconciliação, não se começará Processo algum.

Art. 162. Para este fim haverá juizes de Paz, os quaes serão electivos pelo mesmo tempo, e maneira, por que se elegem os Vereadores das Camaras. Suas attribuições, e Districtos serão regulados por Lei.

Art. 163. Na Capital do Imperio, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Provincias, haverá tambem um Tribunal com a denominação de - Supremo Tribunal de Justiça - composto de Juizes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Titulo do Conselho. Na primeira organisação poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir.

Art. 164. A este Tribunal Compete:

I. Conceder, ou denegar Revistas nas Causas, e pela maneira, que a Lei determinar.

II. Conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias.

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III. Conhecer, e decidir sobre os conflictos de jurisdição, e competencia das Relações Provinciaes.

TITULO 7º

Da Administração e Economia das Provincias.

CAPITULO I.

Da Administração.

Art. 165. Haverá em cada Provincia um Presidente, nomeado pelo Imperador, que o poderá remover, quando entender, que assim convem ao bom serviço do Estado.

Art. 466. A Lei designará as suas attribuições, competencia, e autoridade, e quanto convier no melhor desempenho desta Administração.

CAPITULO II.

Das Camaras.

Art. 167. Em todas as Cidades, e Villas ora existentes, e nas mais, que para o futuro se crearem haverá Camaras, ás quaes compete o Governo economico, e municipal das mesmas Cidades, e Villas.

Art. 168. As Camaras serão electivas, e compostas do numero de Vereadores, que a Lei designar, e o que obtiver maior numero de votos, será Presidente.

Art. 169. O exercicio de suas funcções municipaes, formação das suas Posturas policiaes, applicação das suas rendas, e todas as suas particulares, e uteis attribuições, serão decretadas por uma Lei regulamentar.

CAPITULO III.

Da Fazenda Nacional.

Art. 170. A Receita, e despeza da Fazenda Nacional será encarregada a um Tribunal, debaixo de nome de 'Thesouro Nacional" aonde em diversas Estações, devidamente estabelecidas por Lei, se regulará a sua administração, arrecadação e contabilidade, em reciproca correspondencia com as Thesourarias, e Autoridades das Provincias do Imperio.

Art. 171. Todas as contribuições directas, á excepção daquellas, que estiverem applicadas aos juros, e amortisação da Divida Publica, serão annualmente estabelecidas pela Assembléa Geral, mas continuarão, até que se publique a sua derogação, ou sejam substituidas por outras.

Art. 172. O Ministro de Estado da Fazenda, havendo recebido dos outros Ministros os orçamentos relativos ás despezas das suas Repartições, apresentará na Camara dos Deputados annualmente, logo que esta estiver reunida, um Balanço geral da receita e despeza do Thesouro Nacional do anno antecedente, e igualmente o orçamento geral de todas as despezas publicas do anno futuro, e da importancia de todas as contribuições, e rendas publicas.

TITULO 8º

Das Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Politicos

dos Cidadãos Brazileiros.

Art. 173. A Assembléa Geral no principio das suas Sessões examinará, se a Constituição Politica do Estado tem sido exactamente observada, para prover, como fôr justo.

Art. 174. Se passados quatro annos, depois de jurada a Constituição do Brazil, se conhecer, que algum dos seus artigos merece roforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na Camara dos Deputados, e ser apoiada pela terça parte delles.

Art. 175. A proposição será lida por tres vezes com intervallos de seis dias de uma á outra leitura; e depois da terceira, deliberará a Camara dos Deputados, se poderá ser admittida á discussão, seguindo-se tudo o mais, que é preciso para formação de uma Lei.

Art. 176. Admittida a discussão, e vencida a necessidade da reforma do Artigo Constitucional, se expedirá Lei, que será sanccionada, e promulgada pelo Imperador em fórma ordinaria; e na qual se ordenará aos Eleitores dos Deputados para a seguinte Legislatura, que nas Procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração, ou reforma.

Art. 177. Na seguinte Legislatura, e na primeira Sessão será a materia proposta, e discutida, e o que se vencer, prevalecerá para a mudança, ou addição á Lei fundamental; e juntando-se á Constituição será solemnemente promulgada.

Art. 178. E' só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.

Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.

I. Nenhum Cidadão póde ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da Lei.

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II. Nenhuma Lei será estabelecida sem utilidade publica.

III. A sua disposição não terá effeito retroactivo.

IV. Todos podem communicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar.

V. Ninguem póde ser perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não offenda a Moral Publica.

VI. Qualquer póde conservar-se, ou sahir do Imperio, como Ihe convenha, levando comsigo os seus bens, guardados os Regulamentos policiaes, e salvo o prejuizo de terceiro.

VII. Todo o Cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel. De noite não se poderá entrar nella, senão por seu consentimento, ou para o defender de incendio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a Lei determinar.

VIII. Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas, havendo-as.

IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrar-se solto.

X. A' excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser executada, senão por ordem escripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar.

O que fica disposto acerca da prisão antes de culpa formada, não comprehende as Ordenanças Militares, estabelecidas como necessarias á disciplina, e recrutamento do Exercito; nem os casos, que não são puramente criminaes, e em que a Lei determina todavia a prisão de alguma pessoa, por desobedecer aos mandados da justiça, ou não cumprir alguma obrigação dentro do determinado prazo.

XI. Ninguem será sentenciado, senão pela Autoridade competente, por virtude de Lei anterior, e na fórma por ella prescripta.

XII. Será mantida a independencia do Poder Judicial. Nenhuma Autoridade poderá avocar as Causas pendentes, sustal-as, ou fazer reviver os Processos findos.

XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.

XIV. Todo o cidadão pode ser admittido aos Cargos Publicos Civis, Politicos, ou Militares, sem outra differença, que não seja dos seus talentos, e virtudes.

XV. Ninguem será exempto de contribuir pera as despezas do Estado em proporção dos seus haveres.

XVI. Ficam abolidos todos os Privilegios, que não forem essencial, e inteiramente ligados aos Cargos, por utilidade publica.

XVII. A' excepção das Causas, que por sua natureza pertencem a Juizos particulares, na conformidade das Leis, não haverá Foro privilegiado, nem Commissões especiaes nas Causas civeis, ou crimes.

XVIII. Organizar–se-ha quanto antes um Codigo Civil, e Criminal, fundado nas solidas bases da Justiça, e Equidade.

XIX. Desde já ficam abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente, e todas as mais penas crueis.

XX. Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. Por tanto não haverá em caso algum confiscação de bens, nem a infamia do Réo se transmittirá aos parentes em qualquer gráo, que seja.

XXI. As Cadêas serão seguras, limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos Réos, conforme suas circumstancias, e natureza dos seus crimes.

XXII. E'garantido o Direito de Propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem publico legalmente verificado exigir o uso, e emprego da Propriedade do Cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta unica excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação.

XXIII. Tambem fica garantida a Divida Publica.

XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude dos Cidadãos.

XXV. Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juizes, Escrivães, e Mestres.

XXVI. Os inventores terão a propriedade das suas descobertas, ou das suas producções. A Lei lhes assegurará um privilegio exclusivo temporario, ou lhes remunerará em resarcimento da perda, que hajam de soffrer pela vulgarisação.

XXVII. O Segredo das Cartas é inviolavel. A Administração do Correio fica rigorosamente responsavel por qualquer infracção deste Artigo.

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XXVIII. Ficam garantidas as recompensas conferidas pelos serviços feitos ao Estado, quer Civis, quer Militares; assim como o direito adquirido a ellas na fórma das Leis.

XXIX. Os Empregados Publicos são strictamente responsaveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsaveis aos seus subalternos.

XXX.. Todo o Cidadão poderá apresentar por escripto ao Poder Legislativo, e ao Executivo reclamações, queixas, ou petições, e até expôr qualquer infracção da Constituição, requerendo perante a competente Auctoridade a effectiva responsabilidade dos infractores.

XXXI. A Constituição tambem garante os soccorros publicos.

XXXII. A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos.

XXXIII. Collegios, e Universidades, aonde serão ensinados os elementos das Sciencias, Bellas Letras, e Artes.

XXXIV. Os Poderes Constitucionaes não podem suspender a Constituição, no que diz respeito aos direitos individuaes, salvo nos casos, e circumstancias especificadas no paragrapho seguinte.

XXXV. Nos casos de rebellião, ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades, que garantem a liberdede individual, poder-se-ha fazer por acto especial do Poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo reunida a Assembléa, e correndo a Patria perigo imminente, poderá o Governo exercer esta mesma providencia, como medida provisoria, e indispensavel, suspendendo-a immediatamente que cesse a necessidade urgente, que a motivou; devendo num, e outro caso remetter á Assembléa, logo que reunida fôr, uma relação motivada das prisões, e d'outras medidas de prevenção tomadas; e quaesquer Autoridades, que tiverem mandado proceder a ellas, serão responsaveis pelos abusos, que tiverem praticado a esse respeito.

Rio de Janeiro, 11 de Dezembro de 1823.- João Severiano Maciel da Costa.- Luiz José de Carvalho e Mello.- Clemente Ferreira França.- Marianno José Pereira da Fonseca.- João Gomes da Silveira Mendonça.- Francisco Villela Barboza.- Barão de Santo Amaro.- Antonio Luiz Pereira da Cunha.- Manoel Jacintho Nogueira da Gama.- Josè Joaquim Carneiro de Campos.

Mandamos portanto, a todas as Autoridades, a quem o conhecimento e execução desta Constituição pertencer, que a jurem, e façam jurar, a cumpram, e façam cumprir, e guardar tão inteiramente, como nella se contem. O Secretario de Estado dos Nogocios do Imperio a faça imprimir, publicar, e correr. Dada na Cidade do Rio de Janeiro, aos vinte e cinco de Março de mil oitocentos e vinte e quatro, terceiro da Independencia e do Imperio.

IMPERADOR Com Guarda.

João Severiano Maciel da Costa.

Carta de Lei, pela qual VOSSA MAGESTADE IMPERIAL Manda cumprir, e guardar inteiramente a Constituição Politica do Imperio do Brazil, que VOSSA MAGESTADE IMPERIAL Jurou, annuindo às Representações dos Povos.

Para Vossa Magestade Imperial ver.

Luiz Joaquim dos Santos Marrocos a fez.

Registrada na Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio do Brazil a fls. 17 do Liv. 4º de Leis, Alvarás e Cartas Imperiaes. Rio de Janeiro em 22 de Abril de 1824.

Josè Antonio de Alvarenga Pimentel.