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  • 8/17/2019 artigo suicidio 2

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    A primeira causa de morte por atos de violência no mundo não são os acidentes detrânsito, os homicídios nem os conflitos armados, mas o suicídio (CRHISTA T!, "#$#, p %%&'

    !sses dados intri antes foram revelados em outu)ro de "##", em *ru+elas, num encontro dar ani-a.ão /undial de Sa0de ( /S& para divul ar as conclus1es do Relat2rio /undial so)re3iolência e Sa0de' 4u5 3erhofstadt, então ministro da *6l ica, ao e+p78las (aparentemente pela primeira ve-& na cerim7nia, não conteve o susto e, a)andonando a formalidade, inda ou perple+o9 :; isso mesmoue deam)ula pelo romance numa ansiedade a 7nica defla rada pelo suicídio de seu melhor ami o Andr6'Trata8se de uma perda não fictícia, correspondente ao trauma real vivido pelo autor >uando perdeu seu cole a de faculdade em uma morte autoinflin ida e anunciada, em "## '

    So) a roupa em de um perito em cole.1es e anti o colecionador, o narrador mortificado pela culpa de não ter perce)ido os sinais evidentes do destino do ami o e, portanto, ter lhe ne adoa aBuda necess?ria, afunda8se numa crise e+istencial >ue o arrasta ao terreno oscilante dae+periência limítrofe entre a loucura e ra-ão' /eticuloso e autocontido, o colecionador,catalo ador e ordenador o)stinado de relí>uias choca8se com a irreduti)ilidade da morte e sedesestrutura por completo9 : unca tinha ritado tanto' Trato os meus pro)lemas em silêncio' !uos or ani-o e reor ani-o na ca)e.a como se fosse uma cole.ão, at6 solucion?8los= (@ SIAS, "#$", p' "%&' Dara >uem superestima o controle, o encontro com o ine+or?vel pode assemelhar8se aânsia do a)ismo' Eespossuído de si, o narrador a)orda o universo comple+o do suicídio por meioda uma per unta >ue o tortura9 s suicidas vão para o c6u<

    /esmo desprendido de valores reli iosos, @ísias perse ue essa >uestão aflitiva em umatentativa desesperada de ela)orar o luto pela morte de Andr6, de e+piar a culpa e de retomar ocontrole de si' Contudo, os encontros com sacerdotes e representantes de diferentes se mentosreli iosos, a >uem o narrador diri e sua an 0stia, apenas refor.am o preconceito e o silêncio a>ue estão condenados a>ueles >ue decidem dar ca)o da pr2pria vida' Sem a resposta >ue procurae F )eira de um colapso, o narrador peram)ula pelas ruas e pra.as, )radando improp6rios,inteiramente descontrolado' Todavia, >uanto mais rita, em meio F multidão, menos 6 ouvido'Sua dor passa desperce)ida, seu desespero 6, completamente, i norado' !le 6 su)metido F dolenteinvisi)ilidade da>ueles >ue sofrem as dores da alma, a mesma condi.ão fantasma 2rica pela >ualAndr6 passara antes de se enforcar9 :Tenho feito desco)ertas9 >uando a ente rita na rua,nin u6m repara'= (@ SIAS, "#$", p' G &

    Derple+o com a apatia das pessoas e com sua pr2pria insensi)ilidade diante da condi.ãohumana do outro, @ísias percorre os espa.os da e+clusão9 as clínicas psi>ui?tricas em >ue Andr6havia se internado ao lon o dos anos' Refa-er a traBet2ria do ami o era uma forma decompreender como a>uele processo medonho da desestrutura.ão psí>uica era silenciado esolenemente a)afado pelo flu+o intermitente da vida cotidiana' ta)u em torno do suicídio

    impede o narrador de lidar com naturalidade com a >uestão do luto e refor.a sua culpa diante doocorrido' Sufocado por esse sentimento >ue o impede de respirar, ele aca)a por descarre ar atensão em surtos de a ressividade ratuita direcionada F família, aos ami os e a desconhecidos'

    O céu dos suicidas ("#$"& de @ísias 6 um dos poucos romances contemporâneos >ueousam tocar nesta ferida9 a morte de si' H? tempos escritores dedicam seus escritos F morte e aviolência e demais vicissitudes humanas e, mesmo havendo uma consider?vel por.ão de o)ras em>ue o suicídio aparece como meio de dar fim a este ou a>uele persona em, mas são poucas as>ue o tem como prota onista' A ausência do tema no escopo liter?rio su ere a dificuldade de selidar com um assunto tão espinhoso concomitantemente tão desafiante, como elucida 3incent($ , p'%G & : suicida pode ser tido como desafiante a)soluto' Eesafio aos vivos por recusar

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    uma e+istência >ue ele Bul a insatisfat2ria ou intoler?vel' J'''K Eesafio a Eeus, B? >ue ne a sua pr2pria Cria.ão='

    Todavia, o romance não tenta indicar >uais caminhos la)irínticos levaram Andr6 a prescindir da pr2pria vida' A >uestão central 6 o ponto de vista dos so)reviventes' A>ueles >uetem lidar com a perda e com a culpa de não haver apreendido os sinais da morte do outro, ou tê8los perce)ido mas não conse uido evitar o fim' silêncio persistente >ue envolve o tema, a

    solidão na >ual estão mer ulhadas as vítimas, familiares e ami os do suicida'Toda o)ra de arte 6 um di?lo o a)erto esta)elecido entre a su)Betividade de um autor e ascondi.1es sociais e naturais da 6poca e local na >ual 6 produ-ida' Como afirma Antonio Candido("##G&, os elementos e+ternos a em de tal forma so)re a o)ra artística >ue aca)am e+ercendoimportante papel na constitui.ão da estrutura e, conse>uentemente, tornando8se, elementosinternos dessa mesma o)ra' *aseando8se nisso, o o)Betivo deste estudo 6 analisar o modo como oromance de @ísias ("#$"& mimeti-a o inv2lucro de preconceito >ue cerca a desafiante >uestão dosuicídio e, ao mesmo tempo, o)servar como a o)ra liter?ria, em sua constitui.ão, responde aesse desafio social contemporâneo'

    Os suicidas vão para o céu?

    Então é pecado Arrojar-se à casa secreta da morte.

    Antes que a morte venha nos buscar?Lillian ShaMespeare

    Eante Ali hieri ("## & dedica o canto NIII da Eivina Com6dia F meticulosa descri.ão doinferno endere.ado F>ueles >ue praticam violência contra si' A)ai+o dos here es >ue ardem nofo o e dos assassinos >ue co-inham em um rio de san ue >uente, h? uma floresta escura em >uecrescem as almas dos suicidas em forma de espinheiros tortuosos' Tam)6m h? harpias i antescom rostos humanos e arras ferinas >ue pousam nas plantas arrancando8lhes os peda.os'

    Eas harpias o )ando a>ui pousava('''&Asas têm lar as, colo e rostos humanos,4arras nos p6s, plumoso o ventre enormeSoam na selva os uivos seus insanos('''&Dor >ue ra-ão me arrancas< O di- fremente'Ee san ue ne ro o ramo B? tin indo,Dor >ue me rompes< O prosse uiu emendoAssomos de piedade nunca h?s tido<(A@I4HI!RI, "## , c'NIII, est' P,$$,$"&

    a Idade /6dia, o suicídio era a)Beto, um pecado mortal' Dode8se o)servar esseima in?rio fomentado pela I reBa cat2lica por meio dos versos de Eante' !m)ora, se undoAlvare- ($ &, muitos estudiosos interpretam certa compai+ão do poeta pelos suicidas ao

    comparar8se o distanciamento com >ue ele descreveu outros infernos e a apro+ima.ão ecomisera.ão com >ue retratou a floresta dos lamentos' Ee >ual>uer modo, a visão do autor so)remorte de si não dei+a de estar em consonância com o horror imposto pela visão reli iosa ao ato'

    A a)Be.ão ao suicídio era tamanha >ue, na Qran.a, se undo 3eneu ($ %&, o corpo de umsuicida deveria ser pendurado pelos p6s e então arrastado por cavalos, depois Bo ado em um li+ãoou cortado em partes' Eurante certo período, as ordens eram para >ue se enterrassem os corpos naestrada, fora da cidade, mas >ue antes se cravassem uma estaca no peito do cad?ver' Isso perdurou at6 meados de $ #' Al6m da humilha.ão p0)lica, havia o confisco dos )ens da famíliae a difama.ão do nome do morto'

    !ntrementes, nem sempre fora comum a oBeri-a cristã ao suicídio, pelo contr?rio, cou)e

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    a Santo A ostinho a tarefa de forBar ar umentos )í)licos para transformar a morte de si em uma perversão (A@3AR! , $ , p' #&'

    So) o ponto de vista dos primeiros cristãos, a inocuidade da vida terrena e o ass6dio provocado pelo deslum)ramento do paraíso tornavam o suicídio um convite irresistível' A)reviar a vida seria um modo de evitar a prolon ada a)ne a.ão e o constante peri o do pecado na vidaterrena' Ee acordo com Alvare- ($ &, alia8se a isso o fato de a morte her2ica e valente ser vista

    como o fim mais prodi ioso para um romano, ou seBa, morrer como um m?rtir era um fimhonr?vel' A morte em si não o-ava importância em Roma, a não ser como espet?culo san rento,contudo o modo como se morria era o mais relevante B? >ue isso poderia conferir valor a pr2priavida' Assim, >uanto mais se reafirmava a f6 cristã, o vale de l? rimas terreno e a l2ria do c6u,mais os cristãos viam na morte uma solu.ão para seus pro)lemas9 :Dor >ue viver sem reden.ão>uando a felicidade celestial estava apenas a uma punhalada de distância< s ensinamentoscristãos, foram a princípio um forte incentivo ao suicídio= (A@3AR! , $ , p' &'

    ual foi o em)ara.o dos romanos ao verem os cristãos enfrentarem seus le1es não comoum suplício, mas como m?rtires )uscando l2ria e salva.ão' /ilhares de homens, mulheres ecrian.as, conforme 3eneu ($ %&,atiravam8se F pr2pria morte como uerreiros para a irrita.ão dosromanos >ue perdiam a essência de seu espet?culo' A f0ria san uin?ria romana se depara com aânsia cristã de martírio e o resultado desse encontro 6 um verdadeiro massacre'

    Qrente a essa insanidade e consciente do dilema l2 ico cristão9 se o suicídio fosse aceitocomo modo de evitar o pecado, lo o seria o pr2+imo passo )uscado pelos rec6m8)ati-ados, SantoA ostinho, a despeito do silêncio )í)lico so)re o assunto, forBa uma interpreta.ão capa- dedesatar o n2' Conforme Alvare- ($ &, A ostinho partiu do se+to mandamento : ão matar?s= para asseverar >ue a>uele >ue procura a morte e mata a si mesmo, torna8se um assassino,homicida de si, portanto um criminoso' ! ainda, apropriando8se do ar umento de Dlatão >ue propunha ser a vida uma d?diva divina, a >ual s2 ca)e a Eeus, F I reBa ou ao !stado tir?8la, e aresi na.ão ao sofrimento como forma de le itimar a rande-a da alma, A ostinho compunha asfor.as ideol2 icas )?sicas de seu ar umento antissuicida'

    s e+cessos cometidos pelos pretensos m?rtires aliados a enorme autoridade e prestí iode Santo A ostinho condu-iram, se undo Alvare- ($ &, a uma reviravolta da opinião p0)licacontra o suicídio' !m %% d'C', o Concílio de Urleans proi)iu >ue se prestassem honras f0ne)resaos suicidas, tal ato aca)ou por condenar a morte autoinflin ida a um crime pior do >ue o dohomicídio, B? >ue lhe ne ava at6 assistência reli iosa' Assim, a morte de si dei+ou de ser umatalho para o c6u e se tornou um ato a)omin?vel, um pecado mortal, uma falha de car?ter e demoral cuBos efeitos se enrai-aram no senso comum e são perceptíveis at6 o presente'

    Sem d0vida, a visão cristã contri)ui imensamente para a manuten.ão do preconceito e para a sustenta.ão do ta)u acerca do suicídio ainda na contemporaneidade' romanceO céu dos suicidas ("#$"& representa a fossili-a.ão do discurso reli ioso por meio das respostas emitidas por padres e pastores >ue, consultados pelo narrador, repetem sem titu)ear o mesmo ar umentomedieval so)re o suicídio9 :6 uma das faltas mais raves e e+i ir? um esfor.o muito rande daalma des arrada e infiel para se e+piar= (@ SIAS, "#$"' p' $% &'

    A despeito do inferno de Eante, @ísias procura, desesperadamente, refutar os ar umentosreli iosos e forBar um c6u para os suicidas' !sse c6u nada mais 6 do >ue um espa.o de aceita.ão eacolhimento para os dissidentes da dor psí>uica, para a>uele ami o entil e inteli ente, um:cavaleiro templ?rio= >ue não poderia ser condenado a um inferno ainda mais doloroso >ue a

    pr2pria e+istência' Tam)6m se constitui num espa.o ima in?rio de reconforto para os >ueso)reviveram a morte do outro, mas tem >ue lidar com a culpa pela impotência diante da escolhadele ou ainda a culpa por>ue se ne aram a reconhecer os pedidos de aBuda e preferiram osilêncio ou o distanciamento9 :Tinha aca)ado de desco)rir >uem eu sou de verdade9 um )osta,dei+ei meu rande ami o Andr6 se enforcar= (@ SIAS, "#$", p'$" &'

    Contudo, a persistência dos do mas reli iosos >ue condenam a morte volunt?ria não pode ser considerada Bustificativa suficiente para o insistente inv2lucro preconceituoso >uesu)mete ainda os suicidas e o seu entorno ao silêncio e a invisi)ilidade' Isso por>ue odesenvolvimento filos2fico do pensamento ocidental, durante a modernidade, promoveuimportantes rupturas com a influência da i reBa so)re a visão de mundo da sociedade'

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    racionalismo e o iluminismo propuseram novas cate orias de percep.ão social e preconi-aramnovas vis1es so)re a vida, o mundo e a pr2pria morte'

    Do suicídio racional ao suicídio romântico

    Eurante o Renascimento, no entanto, sur em ins2litas rupturas no discurso vi ente acerca

    da morte volunt?ria' Tais modifica.1es podem ser sentidas, entre outros lu ares, na o)ra deShaMespeare, especialmente, na leitura de Hamlet , escrita em$P##' Se undo 4reen)latt ($ G&, ossolil2>uios do príncipe inau uram um ênero do discurso >ue, ao se ne ar a representar o pensamento e a realidade como uma completude, opta pela e+posi.ão do car?ter fra ment?rio,transit2rio e err?tico do pensamento e das pai+1es humanas' Eesse modo, Hamlet ($P##& e+pressade modo inusitado para o período os pensamentos íntimos e conflitos da persona em em crise e,ao mesmo tempo, evoca sutilmente a morte volunt?ria como forma de a)revia.ão dos infort0nios' o Ato I, B? 6 possível o)servar essa su estão9 : hV Se esta carne dolorosamente suBa pudessederreter8se, evaporar8se e transformar8se em orvalho ou se o Dadre !terno não tivesse assentadocânones contra o autoassassinatoV= (ato I, cena IIW trad' Ee 4' C' Silos ($ G& apud 3eneu, $ % p'G%&' o entanto, 6 no ato III >ue a d0vida latente se defla ra, tomando forma do verdadeiroimpasse e+istencial de Hamlet

    Ser ou não ser''' !is a >uestão' ue 6 mais no)re para a alma9 suportar osdardos e arremessos do fado sempre adverso, ou armar8se contra um mar dedesventuras e dar8lhes fim tentando resistir8lhes< /orrer''' dormir''' maisnada''' Ima inar >ue um sono p1e remate aos sofrimentos do cora.ão e aos

    olpes infinitos >ue constituem a natural heran.a da carne, 6 solu.ão paraalmeBar8se' /orrer'', dormir''' dormir''' (SHAX!SD!AR!, $ , ato III, cena I p' "G&'

    !sse retorno do tema, no entanto, não 6 verific?vel apenas nas o)ras de ShaMespeare'Se undo Alvare- ($ , p' $ G& : no final do s6culo N3I, a morte antes >ue a desonra e osuicídio por amor tornaram8se lu ares8comuns de poetas e dramatur os ('''&=, apesar de osrepresentantes reli iosos ainda vociferarem constantemente contra a ravidade do crime' Todo oteatro eli-a)etano e Baco)eu, de acordo com 3eneu ($ %&, se especiali-ou em morte tr? ica seBaautoinfilin ida ou volunt?ria )uscando o heroísmo e a consa ra.ão' !ntretanto, se undo esseautor, os primeiros indícios dessa ruptura são anteriores a essas manifesta.1es liter?rias,remontam Fs o)rasUtopia ($ $P& de Thomas /ore e principalmente aOs Ensaios ($ #& de/ontai ne'

    !m Utopia , conforme 3eneu ($ %&, a morte volunt?ria aparece nos termos de Dlatão9uma licen.a concedida pelas autoridades, ap2s uma Bustifica.ão dos motivos do pretendente'Doderia matar8se somente a>uele >ue defendesse, diante de um conselho, os motivos pelos >uaissua vida não merecia ser vivida e a morte fosse uma saída honr?vel' !ssa racionalidade dosuicídio, proposta por Dlatão, 6 >ue foi reincorporada na o)ra de Thomas /ore' H? de se salientar a admira.ão renascentista pelos cl?ssicos como um fator importante para o ressur imento darefle+ão so)re a morte volunt?ria' Se undo Alvare- ($ &, os re os foram respons?veis por esva-iar o medo primitivo >ue e+istia do suicídio e lhe dar uma roupa em racional e serena' sest2icos e seu ideal de vida, conforme a nature-a, corro)oraram essa visão, vendo na morte de siuma solu.ão no)re para o sofrimento' Y? os romanos radicali-aram essa perspectiva, atri)uindo F

    morte her2ica um ato capa- de conferir valor F vida' Dortanto, a releitura dos cl?ssicos pelosrenascentistas tra- ao rol de discuss1es e+istenciais a possi)ilidade da morte volunt?ria' !mUtopia , essa irrup.ão 6 ainda incipiente, 6 muito mais si nificativa no sentido de apontar a preeminência da vontade da comunidade so)re a do indivíduo, as linhas de for.a de uma visão demundo ainda não seculari-ada'

    o entanto, 6 /ontai ne >ue, no ensaio A prop sito de um costume na ilha de !eos("###& defende com clare-a a possi)ilidade da morte volunt?ria

    !is por >ue se di- >ue o s?)io vive >uanto deve e não >uanto poderiaW e o >uemelhor rece)emos da nature-a e >ue nos tira todo direito de >uei+a 6 a possi)ilidade de desaparecer >uando )em >uisermos' Criou ela um s2 meio de

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    entrar na vida, mas cem de sair' Dodemos carecer de terras para viverW não nosfaltam para morrer' J'''K' (/ TAI4 !, "###, p' %#G&'

    ideal de morte para o pensador de s ensaios ("###& est? relacionado ao poder deovernar a pr2pria vida, sa)er condu-i8la, :viver com acerto= e escolher o fim mais condi-ente

    com ela' Assumir com cora em e desprendimento a pr2pria morte torna8se para /ontai ne osím)olo da li)erdade pessoal, do livre8ar)ítrio, do poder do indivíduo de moldar a vida do início

    ao fim, racionalmente, como uma narrativa' !ssa perspectiva se distancia muito do discursocat2lico ainda predominante no período, pois os princípios do autor estavam em total consonânciacom a m?+ima dos est2icos :o essencial não 6 apenas viver, mas viver )em= (DA4! TT ,"###, p'$ &'

    /as a contri)ui.ão essencial de /ontai ne, se undo 3eneu ($ %&, não est? no fato detra-er F tona claramente um tema pa ão e pre ?8lo como uma possi)ilidade do cidadão' Anovidade est? em por a >uestão em discussão e, somando ar umentos contr?rios e favor?veis,afirmar a consciência individual como ?r)itro le ítimo de escolha entre a vida e a morte' Atrav6sde e+emplos do mundo anti o, dos cl?ssicos, o sacrifício da pr2pria vida afirma8se como arantiade um pensamento livre frente aos desdo)ramentos do destino' Isso pode ser perce)ido comoindício si nificativo das mudan.as na percep.ão do mundo e do ser >ue come.aram a ocorrer no período' esva-iamento do poder de decisão do rupo so)re indivíduo, sua possi)ilidade dedeli)erar so)re a pr2pria morte apontam para a iminente consolida.ão das linhas ideol2 icas doindividualismo, nos termos de Eumont ($ P&, como cate oria de pensamento, princípio e valor da sociedade moderna'

    !sses deslocamentos operados pelo racionalismo e pelo humanismo desesta)ili-aram asfor.as da tradi.ão e da reli ião so)re a sociedade (A@3AR! , $ &, com)atendo os temoresreli iosos e racionali-ando a morte' Isso contri)uiu muito para a desmistifica.ão do suicídio'!nfim, a Revolu.ão Qrancesa se encarre ou de promover a primeira rande descriminali-a.ão damorte volunt?ria na le isla.ão de um !stado europeu moderno, por meio da omissão deli)eradade >ual>uer men.ão a ela no C2di o Denal de $ $ e tam)6m no C2di o apole7nico de $ $#(3! !Z, $ %&' As anti as penas contra o suicídio se tornaram invi?veis depois desse c2di o>ue proi)ia a desonra dos familiares, o confisco dos )ens do morto e a e+clusão da vala comum'

    Contudo, se os racionalistas contri)uíram para ameni-ar as leis e os ta)us em rela.ão aosuicídio foram os românticos >ue o tornaram po6tico e deseB?vel' !m $ G, 4oethe pu)lica um pe>ueno romance epistolar intituladoOs so"rimentos do #ovem $erther , no >ual um Bovemadvo ado de :alma sensível= muda8se para uma cidade-inha num vale das montanhas a fim decuidar de ne 2cios de família, no entanto apai+ona8se por uma das moradoras locais9 Charlotte' Amo.a, por6m, 6 noiva e um rapa- distinto e a impossi)ilidade dessa pai+ão se concreti-ar levaLerther ao desespero e F melancolia profunda' Zm pouco antes do natal, o rapa- mata8se com umtiro de pistola' romance tornou8se uma fe)re mundial no período, provocando a assimila.ãoimediata dos padr1es de comportamento da persona em pela Buventude a ele contemporânea >ueimitava desde o seu modo de vestir8se at6 a sua op.ão pela morte' Aca)ou sendo proi)ido pelasautoridades de @eip-i >ue ale avam ser a o)ra uma apolo ia ao suicídio (*!RT ZN, $ %, p'# & o >ue não o impediu de tornar8se um verdadeiro sucesso entre os Bovens e proBetar o seu auto para a fama'

    SituandoOs so"rimentos do #ovem $erther no >uadro das ideias de seu tempo, 6 possívelo)servar >ue ele fa- parte de um conBunto de o)ras >ue e+altavam o papel dos sentimentos para o

    indivíduo e >ue compunham o painel liter?rio romântico alemão' A consa ra.ão das emo.1es edas pai+1es (HIRSCH/A , $ & confi urava para os românticos uma forma de resistência aoimp6rio do racionalismo e seu corol?rio iluminista'

    Qrente ao otimismo e a f6 na ra-ão, >ue mo)ili-avam )oa parte do ima in?rio do s6culoN3III, instauraram8se desconfian.as e in>uieta.1es relacionadas Fs mudan.as tão contundentes propostas pelos ideais iluministas9 :As den0ncias dos males da civili-a.ão come.aram a ser veiculadas >uase ao mesmo tempo em >ue se compunham os hinos F sua vit2ria= (EZART!,"##G, p'# &' Eada a ênfase radical concedida pelos iluministas ao futuro, naturalmente, a frente aesse ide?rio refu iou8se no passado, nos meios rurais em oposi.ão aos randes p2los ur)anos, nocultivo aos sentimentos em detrimento dos e+cessos racionais' Tal rea.ão B? estava presente,

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    se undo Euarte ("##G&, em movimentos artísticos como as novelas sentimentais in lesas e o%turm und &ran' alemão, tam)6m em 4oethe e seu Bovem sofredor Lerther'

    Dortanto, o movimento romântico foi fundamentalmente uma resposta, uma rea.ão aouniversalismo, ao o)Betivismo iluminista no trato com o conhecimento em nome de umaconsidera.ão constante dos processos su)Betivos em Bo o na constru.ão dos sa)eres' Dode8seafirmar, desse modo, >ue o cen?rio cultural alemão, por uma s6rie de ra-1es >ue não podem ser

    tratadas a>ui, alavancou a crítica romântica ao racionalismo e, ao mesmo tempo, inau urou adimensão su)Betivista do individualismo (EZART!, "##G, p'$"&'Ao instaurar a resistência aos princípios universali-antes, o romantismo realocou o papel

    dos sentimentos, do cultivo interior do eu, da personalidade como rota de fu a F enerali-a.ão e padroni-a.ão propostas pelos ideais li)erais no plano político e econ7mico' Ee modo al umne ou os valores do individualismo, ao contr?rio, reafirmou o papel do indivíduo como c6lulamater da sociedade, acrescentando8lhe outro desdo)ramento9 o da sin ularidade o)tida por meiodo cultivo de uma personalidade (SA@!/, $ ", p'PG&'

    Ee certo modo, o desentranhamento do tema do suicídio pelos racionalistas e pelosromânticos serviu, acima de tudo, como mote para fa-er frente F vis1es de mundo as >uais )uscavam com)ater' s primeiros viam na morte volunt?ria a possi)ilidade da preeminência daescolha individual em detrimento das for.as coletivas e do destino, os se undos, tiveram nosuicídio e na morte o resultado da apoteose do sentimento, do res ate su)Betivo como rea.ão aose+cessos racionais' A morte volunt?ria foi eleita como o)Beto filos2fico e est6tico muito mais por seu status de ta)u reli ioso e poder trans ressor do >ue pela vontade de desmistific?8la' Ee modo>ue, se undo Alvare- ($ &, com a passa em do s6culo NIN, o romantismo de enerou e o idealde morte se uiu o mesmo destino' : fatalismo foi radualmente passando a si nificar se+o fatal,a "emme "atale su)stitui a morte no seu papel de suprema inspira.ão= (A@3AR! , $ , p' "$$&'

    homosse+ualismo, o incesto e o sadomaso>uismo continuaram de onde o suicídio havia parado,at6 por>ue pareciam muito mais chocantes en>uanto temas sociais e artísticos'

    Qoi EurMheim ("###& >ue na virada do s6culo NN reali-ou um importante e e+clusivoestudo so)re o tema' soci2lo o demonstra emO suic(dio ("###& >ue a morte volunt?ria 6 umfen7meno social, em)ora ele não e+clua por completo os fatores da psicolo ia' :Cada sociedadetem portanto, em cada momento da sua hist2ria, uma aptidão definida para o suicídio=(EZRXH!I/, "###, p'$P &' !m cada se mento social h? uma ta+a constante de suicidas >ue[não se pode e+plicar nem atrav6s da constitui.ão or ânico8psí>uica dos indivíduos nem atrav6sda nature-a do meio físico ((EZRXH!I/, "###, p'$ &' As ra-1es do suicídio não estão, dessemodo, nos indivíduos e no >ue eles ale am no instante a 7nico em >ue se lan.am a morte' sseres somente su)metem8se Ftend)ncia suicido')nea propa ada no âm)ito social en>uanto umestado eral, como um fator e+terior aos indivíduos e independentes deles'

    :'''primeiro, a nature-a dos indivíduos >ue comp1em a sociedadeW se undo, amaneira como estão associados, ou seBa, a nature-a da or ani-a.ão socialWterceiro, os acontecimentos passa eiros >ue pertur)am o funcionamento davida coletiva, sem alterar no entanto a constitui.ão anat7mica desta, tais comoas crises nacionais, econ7micas etc'= (EZRXH!I/, "###, p' $ &

    São as condi.1es sociais >ue elucidam, por e+emplo, por>ue o fen7meno suicida serevele de modos diferentes nas diversas coletividades' Eo mesmo modo, e+plica a ra-ão pela >ualo n0mero de suicidas e a sua distri)ui.ão entre as variadas fai+as et?rias e se mentos sociais permane.am constantes, modificando8se, si nificativamente, apenas >uando a conBuntura socialsofre a)alos' Assim, para EurMheim ("###&, as correntes suicido êneas são determinadas pelotipo da rela.ão entre o indivíduo e a sociedade' nível de inte ra.ão do suBeito em seu meio pode sinali-ar a apari.ão, o rau e o tipo de suicídio em determinadas 6pocas ou em al uns

    rupos sociais' Tendo em vista, a intensidade da rela.ão indivíduo 8 sociedade, EurMheim ("###&classifica a morte volunt?ria em três tendências )?sicas9 o suicídioanômico , o altruísta e o

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    egoísta 'Resumidamente, o suicídio an7mico decorre de momentos de insta)ilidades sociais,

    impulsionadas por crises econ7micas e políticas >ue desestruturam as condi.1es sociais so) as>uais se sustentavam os indivíduos' Y? o suicídio altruísta acontece em sociedades onde h? totala)sor.ão do indivíduo pela coletividade, de modo >ue o suBeito se disp1e a morrer pela causa

    eral' s MamiMa-es, homens8)om)a são al uns e+emplos dessa morte volunt?ria em fun.ão deuma ra-ão coletiva' /esmo o suicídio, nos termos de Dlatão, conservava essa prevalência dacoletividade' Contudo, a rande conti)ui.ão de EurMheim ("###& para a elucida.ão da mortevolunt?ria de Andr6 emO céu dos suicidas ("#$"& 6 a defini.ão do suicídio e oísta' Tal a.ãoocorre >uando os la.os entre indivíduo e sociedade estão )astante enfra>uecidos

    uanto mais se enfra>ue.am os rupos sociais a >ue ele (indivíduo& pertence,menos ele depender? deles, e cada ve- mais, por conse uinte, depender?apenas de si mesmo para reconhecer como re ras de conduta tão8somente as>ue se cal>uem nos seus interesses particulares' Se, pois, concordarmos emchamar de e oísmo essa situa.ão em >ue o eu individual se afirma come+cesso diante do eu social e em detrimento deste 0ltimo, podemos desi nar dee oísta o tipo particular de suicídio >ue resulta de uma individua.ãodescomedida(EurMheim, Suicídio, apud Z !S, $ '&