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  • RAP R io de Ja ne ir o 34(6):81-93, Nov . /Dez . 2000

    Interdisciplinaridade na educao mdica: a experincia da Faculdade de Medicina de Marlia (Famema)

    Ricardo Shoiti Komatsu*Roberto de Queiroz Padilha*Gilson Caleman*

    S U M R I O: 1. Introduo; 2. Aprendizagem baseada em problemas: umametodologia de ensino-aprendizagem; 3. Aprendizagem autodirigida; 4. Apren-der a aprender; 5. Aprendizagem baseada em problemas: uma filosofia educa-cional; 6. Aprendizagem baseada em problemas: uma estratgia para o desen-volvimento curricular na Famema; 7. Alguns esforos na transformao curri-cular; 8. Reflexes sobre o processo.

    PA L AV R AS - C H AV E : educao; educao mdica; aprendizagem baseada emproblemas.

    A construo do novo currculo da Famema, organizado em unidades educa-cionais, configura uma nova prtica interdisciplinar. Todas as unidades edu-cacionais do novo currculo de medicina so fruto de uma atuao interdis-ciplinar na qual 10 a 15 docentes, oriundos de diversas disciplinas e comdistintas formaes, desenvolvem um trabalho de construo dos objetivosda unidade e dos problemas educacionais, bem como de organizao dosrecursos de aprendizagem e das atividades prticas pr-programadas. Doisdos docentes organizadores da unidade assumem a funo de coordenado-res do processo, e as equipes de construo das unidades educacionais con-tam com assessoria pedaggica. Resulta deste processo a criao de unida-des educacionais que no so o reflexo curricular de uma disciplina ou deuma prtica unidisciplinar, mas de mltiplas disciplinas, em uma prticainterdisciplinar.

    * Professores da Faculdade de Medicina de Marlia (Famema).

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    Interdisciplinarity in medical education: the Famema experience

    The development of the new curriculum at Marilia Medical School (Famema),in the city of Marlia, So Paulo, Brazil, organized by educational units, con-stitutes a new interdisciplinary practice. All educational units are developedby an interdisciplinary team of 10 to 15 teachers from different disciplinesand with distinct backgrounds. Each team builds the learning objectives andthe educational problems, and organizes learning resources and pre-pro-grammed practical activities. Two professors work as coordinators of the pro-cess, and the teams receive educational advice. The result of the process isthe creation of educational units that are not a curricular reflex of one disci-pline or a disciplinary practice, but of multiple disciplines, in an interdiscipli-nary practice.

    1. Introduo

    A Famema, Faculdade de Medicina de Marlia, iniciou suas atividades em1967, tendo como mantenedora a Fundao Municipal de Ensino Superior deMarlia. Estadualizada em 1994, atualmente uma autarquia especial vincu-lada Secretaria de Estado da Cincia, Tecnologia e do DesenvolvimentoEconmico do governo de So Paulo. Possui dois cursos: medicina e enferma-gem, j graduou mais de 2 mil mdicos e tem importante papel na ateno sade da populao local e regional atravs das unidades I e II do seu Hospi-tal das Clnicas, do Hemocentro e da presena de discentes e docentes narede municipal de servios de sade.

    Desde 1993, a Famema desenvolve, em parceria com a Secretaria Mu-nicipal de Higiene e Sade de Marlia e com as associaes de moradores ecomunidade organizada do municpio, o Projeto UNI-Marlia, uma nova ini-ciativa de integrao da academia, servios de sade e comunidade, com apoiotcnico e financeiro da Fundao W. K. Kellogg. Recentemente, constituiu-seem plo de capacitao regional do Programa de Sade da Famlia do Minis-trio da Sade.

    Impulsionada pelo iderio do Programa UNI na Amrica Latina, pelastendncias de inovao da educao mdica mundial e pela necessidade dereestruturao e reorganizao institucional para consolidar-se como autar-quia, a Famema decidiu empreender uma transformao de grande monta,priorizando suas razes: a graduao.

    A transformao do Curso Mdico da Famema, iniciada no ano letivode 1997, tem como objetivo implementar um processo dinmico e centradona aprendizagem, atravs de um currculo flexvel, integrado e interdiscipli-nar, baseado na explorao de problemas, utilizando predominantemente aaprendizagem baseada em problemas, e com atividades prticas orientadaspara a comunidade.

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    Entendemos que no possvel reformar o currculo aos saltos, alteran-do simplesmente a grade curricular a cada cinco, 10 ou 15 anos. O desenvolvi-mento curricular necessita ocorrer permanentemente, de forma sistematizada,organizada. Assim, a construo do novo currculo ocorre em processo, ou se-ja, cada unidade educacional planejada no novo currculo da Famema progra-mada, executada e reprogramada para o ano letivo seguinte. Isto permite umaevoluo constante.

    2. Aprendizagem baseada em problemas: uma metodologia de ensino-aprendizagem

    A aprendizagem baseada em problemas, ABP (ou PBL, de problem-based lear-ning), surgiu no cenrio educacional como uma metodologia de ensino desenvol-vida inicialmente na Universidade de McMaster, em Hamilton, Ontrio, Canad,onde um grupo de aproximadamente 20 docentes desenvolvia um novo progra-ma para o Curso de Medicina ao final da dcada de 1960 (Spaulding, 1969).

    A educao mdica evoluiu do currculo centrado na cincia, criado porFlexner no incio do sculo XX, para o centrado em rgos, da Case WesternReserve University nos anos 1950, e para o currculo centrado nas molculas,no paciente e na populao, desenvolvido na Universidade de McMaster apartir do incio da dcada de 1970.

    A metodologia da ABP disseminou-se para a Universidade de Maastricht,na Holanda (Van der Vleuten & Wijnen, 1990), a Universidade de Harvard,nos EUA (Tosteson et alii, 1994) e a Universidade de Sherbrook, no Canad(Des Marchais, 1993), entre outras mais de 60 escolas ou universidades, ten-do recentemente sido implementada na Universidade de Cornell, nos EUA, naFaculdade de Medicina de Marlia, em 1997, e na Universidade Estadual deLondrina, em 1998.

    Ensino-aprendizagem um processo ativo e contnuo de duas vias entreo professor e o estudante que percorre recursos educacionais e est imerso emum contexto social, cultural, poltico e econmico. Tal processo envolve o reco-nhecimento e sucessivas aproximaes do objeto em estudo (Komatsu, Zanolli& Lima, 1998).

    Cremos que no h aprendizado finito, estanque, unidisciplinar ,mas aprendizagem, processo ao longo da vida que envolve uma ampla gamade conhecimentos, habilidades e atitudes, voltado realidade e necessaria-mente interdisciplinar (Komatsu, Zanolli & Lima, 1998).

    No nosso entendimento, as possibilidades de aprendizagem so restri-tas se no houver uma motivao: um obstculo, um problema, e o estudantetem reduzidas oportunidades de uma efetiva aprendizagem sem uma proxi-midade com a prtica e a realidade (Komatsu, Zanolli & Lima, 1998).

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    Na ABP o problema utilizado como estmulo aquisio de conheci-mentos e habilidades, sem que nenhuma exposio formal prvia da informa-o seja necessariamente oferecida. O problema educacional deve refletir arealidade, antecip-la como acontecimento ao estudante que se prepara paraa atuao profissional, permitindo a reflexo de uma temtica em um contex-to, a seleo de recursos educacionais, a busca de informaes, a avaliaocrtica e a aplicao (Komatsu, Zanolli & Lima, 1998).

    Os problemas virtuais oferecidos desde a primeira semana do curso an-tecedem os problemas cotidianos da prtica profissional, devendo traduziruma situao desafiadora aprendizagem, um obstculo a ser superado.

    Tais problemas so elaborados em funo das unidades educacionais,blocos ou mdulos, que so momentos curriculares nos quais o estudante en-contra objetivos de aprendizagem a serem alcanados.

    Os problemas so explorados em sesses de tutoria, com aproximada-mente oito estudantes e um ou dois docentes como tutor ou co-tutores. O prin-cipal papel do tutor o de facilitar a aprendizagem dos estudantes. Assim, assesses de tutoria no devem ser seminrios ou miniconferncias. No com-pete ao tutor ou ao co-tutor ensinar, no sentido de ministrar aulas, mas permi-tir que os estudantes desenvolvam uma discusso em torno de um problemaque seja produtiva para todos os integrantes do grupo, considerando o contex-to, integrando as dimenses biolgica, psicolgica e social e caminhando em di-reo aos objetivos de aprendizagem de cada unidade, bloco ou mdulo.

    3. Aprendizagem autodirigida

    A busca, seleo, avaliao crtica e aquisio de conhecimentos e habilida-des visando a uma aplicao prtica ou uma reflexo constituem um processoao longo da vida de cada indivduo. Destarte, os estudantes devem ser encoraja-dos a desenvolverem seus prprios objetivos, mtodos e estilos de aprendiza-gem, tomando, inclusive, a responsabilidade de avaliarem seus progressospessoais, no sentido de quanto esto se aproximando dos objetivos educacio-nais propostos para cada fase da sua capacitao.

    A existncia de padres individuais de aprendizagem torna bvia a neces-sidade da flexibilizao das atividades pr-programadas, de maneira a permitirespaos e tempos curriculares necessrios e suficientes para a auto-aprendiza-gem. Habitualmente, em um programa que utiliza a ABP como metodologia,mais da metade da carga horria curricular semanal destinada s atividades deauto-aprendizagem.

    Este tempo constitui um marco referencial da metodologia, que com-partilhar com cada estudante a responsabilidade pela sua formao.

    Os estudantes tm de assumir a funo de verdadeiros condutores deseu prprio processo de aprendizagem e, para tanto, h uma habilidade fun-damental a desenvolver: aprender a aprender.

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    4. Aprender a aprender

    A educao oferecida no ensino mdio e superior vem massacrando a criativi-dade e a individualidade dos estudantes na medida em que oferece como nicaalternativa formal para os educandos a aquisio passiva de conhecimentos.

    Informalmente, desenvolve-se o currculo oculto, ou paralelo, onde osestudantes procuram, atravs de atividades prticas de ateno sade, aexemplo das ligas estudantis que se disseminam pelas escolas mdicas brasi-leiras, suprir as necessidades de uma aprendizagem autnoma.

    Tal busca de autonomia reveste-se, alm da curiosidade epistmica, danecessidade de aprender a aprender. Como, ento, facilitar tal aprendizagem?

    Oferecendo a oportunidade aos estudantes para que eles possam ad-ministrar seu prprio tempo. A elaborao de uma grade horria compatvelcom as necessidades de auto-aprendizagem, que envolvem o aprender aaprender, pode seguir uma proposio como a do quadro 1. O tempo pr-es-tudo do aluno constitui mais da metade do tempo da grade horria semanalde 40 horas, visto que as sesses de tutoria tm uma durao mdia de trshoras, assim como as atividades de interao comunitria; as atividades prti-cas pr-programadas tm em mdia uma ou duas horas, e as conferncias oumesas de discusso (plenrias) tm a durao mxima de quatro horas.

    Assim, em nosso programa educacional na Famema, desde a primeirasemana os estudantes de medicina iniciam atividades prticas que envolvemcapacitao para utilizar adequadamente a biblioteca, bem como para aces-sar as informaes nas bases de dados locais e remotas (via Internet), pormeio do treinamento bsico em informtica.

    No decorrer do Curso Mdico, os estudantes familiarizar-se-o tambmcom a avaliao crtica da literatura, que possibilitar uma prtica baseadaem evidncias cientficas (Sackett et alii, 1997).

    A capacidade para a busca, seleo, avaliao crtica e utilizao das infor-maes, associada ao tempo pr-estudo do aluno e a um programa educacionalcoerente e consistente que utilize a ABP e oferea os subsdios indispensveis,

    Q u a d ro 1

    Semana-padro da 1 srie do Curso Mdico da Famema

    Turno

    Dia

    Segunda-feira Tera-feira Quar ta-feira Quinta-feira Sexta-feira

    Manh Sesso de tutoria Tempo pr-estudo do aluno

    Tempo pr-estudo do aluno

    Sesso de tutoria Conferncia (plenria)

    Tarde Tempo pr-estudo do aluno

    Atividade prtica Interao comunitria

    Tempo pr-estudo do aluno

    Tempo pr-estudo do aluno

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    assim como a adequada capacitao docente e a organizao de recursos de(auto) aprendizagem, tudo isso impulsiona os estudantes a aprenderem aaprender.

    5. Aprendizagem baseada em problemas: uma filosofia educacional

    Segundo Venturelli (1997), a aprendizagem em pequenos grupos de tutoriapromove a cooperao e o estmulo constante dos membros do grupo, permitea integrao das dimenses biolgica, psicolgica e populacional, bem como oraciocnio crtico, e favorece o desenvolvimento das habilidades de trabalharem grupo, de respeitar os objetivos comuns e de adquirir um sentido de tarefacomum.

    no grupo de tutoria que o pensamento crtico pode ser encorajado e osmelhores argumentos levantados, idias podem ser construdas de maneiramais criativa e novos caminhos estabelecidos, permitindo a anlise coletiva deproblemas que espelhem a prtica profissional futura (Komatsu, Zanolli & Li-ma, 1998).

    Constituem funes do tutor: ser um bom facilitador; estimular os estu-dantes; guiar o grupo sem for-lo nem dirigi-lo; prover o pensamento crticoe de auto-avaliao, apoiando o grupo neste processo; ajudar os estudantesno desenvolvimento do pensamento cientfico; ser o responsvel pela avalia-o de cada um dos estudantes durante as sesses de tutoria, com preciso,com tato e de forma construtiva; identificar as qualidades e problemas dos es-tudantes (Venturelli, 1997).

    A dinmica do grupo de tutoria permite que o estudante desenvolva,alm de conhecimentos tericos, habilidades de comunicao e de relaciona-mento interpessoal, despertando, ainda, no aluno a conscincia de suas pr-prias reaes no trabalho coletivo. Com a avaliao ao final de cada sesso detutoria envolvendo a auto-avaliao, a avaliao dos pares e a avaliao dotutor, o estudante aprende a ouvir, receber e assimilar crticas e, por sua vez,a oferecer anlises e contribuies produtivas ao grupo (Komatsu, Zanolli,Lima & Branda, 1998).

    A aprendizagem baseada em problemas no sentido mais amplo daproposta defendida por Venturelli (1997) tambm uma filosofia educa-cional, aproximando-se da corrente personalista e da pedagogia da autonomiade Paulo Freire (1998) em pontos como: no h docncia sem discncia, en-sinar exige: respeito aos saberes dos educandos; criticidade; esttica e tica;corporificao das palavras pelo exemplo; risco, aceitao do novo e rejeioa qualquer forma de discriminao; reflexo crtica sobre a prtica; reconhe-cimento e a assuno da identidade cultural; ensinar no transferir conheci-mento; ensinar uma especificidade humana.

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    6. Aprendizagem baseada em problemas: uma estratgia para o desenvolvimento curricular na Famema

    Na Famema, com a elaborao de unidades educacionais organizadas segundosistemas orgnicos, ciclos de vida ou apresentaes clnicas, ganhou-se a necess-ria flexibilidade para o ajuste de cada unidade pelo grupo de docentes de diver-sas disciplinas que participam de sua construo ano a ano (Komatsu, Zanolli &Padilha, 1997; Zanolli, Branda & Komatsu, 1997). Os subsdios para a anlisedos ajustes necessrios vm da avaliao das unidades educacionais pelos estu-dantes e tutores.

    A figura 1 esquematiza a distribuio das unidades educacionais nasquatro sries iniciais da Famema. A primeira unidade, introduo ao estudoda medicina, tem oito semanas de durao (Komatsu, 1997). Para as demais,so previstas seis semanas.

    F i g u r a 1

    Unidades educacionais das quatro sries iniciais da Famema(implementadas at a 3 srie em 1999)

    1 srie

    Introduo ao estudo da medicina

    Ataque e defesa Implicaes do crescimento celular e diferenciao

    Pele e tecidos moles

    Sistema nervoso

    Locomoo

    Interao comunitria

    Habilidades profissionais

    2 srie

    Cardiovascular Respiratrio Urinrio Digestrio Hematolgico Endcrino Eletivo

    Interao comunitria

    Habilidades profissionais

    3 srie

    Mente e crebro

    Prtica baseada em evidncia

    Reproduo e sexualidade

    Eletivo Nascimento, crescimento e desenvolvimento

    Envelheci-mento

    Introduo a apresentaes clnicas

    Interao comunitria

    Habilidades profissionais

    4 srie

    Eletivo Apresentaes clnicas 1

    Apresentaes clnicas 2

    Apresentaes clnicas 3

    Apresentaes clnicas 4

    Apresentaes clnicas 5

    Apresentaes clnicas 6

    Interao comunitria + Habilidades profissionais = Prtica na comunidade

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    Quanto s unidades de apresentaes clnicas, uma apresentao clnica(Mandin et alii, 1995) deve: representar uma forma comum ou importante emque um paciente, grupo de pacientes, comunidade ou populao apresente-sede fato ao profissional de sade, situao em que se espera do graduado de-sempenho adequado; ser importante e substancial o bastante para garantiruma abordagem interdisciplinar, cobrindo uma extensa rea do conhecimento.

    Os eletivos referem-se a estgios de livre escolha de cada estudante,desde que de interesse comum do estudante e do programa (o professor res-ponsvel pela srie e o coordenador do curso devem estar concordes com area eleita pelo estudante). Tem durao de seis semanas na 2, 3 e 4 s-ries, alm do internato.

    O objetivo proporcionar uma flexibilizao curricular mxima nestesestgios eletivos, permitindo a cada estudante personalizar sua capacitao ealiar oportunidade a interesse.

    A interao comunitria (Silva & Komatsu, 1997) prev no somente autilizao do espao da comunidade para a capacitao de profissionais desade, mas a atuao legtima na, com e para a comunidade. Estudantes doscursos de medicina e enfermagem da Famema atuam conjuntamente em gru-pos com 12 alunos e um docente. As aes desenvolvem-se em bases territo-riais do municpio de Marlia.

    Outra unidade educacional horizontal no currculo a de habilidadesprofissionais, que trabalha, a partir da 1 srie, habilidades clnicas e de co-municao com atividades prticas semanais.

    O internato do novo currculo da Famema prev estgios integrados desade do adulto, sade materno-infantil, emergncia e trauma, alm de est-gios eletivos (quadros 2a e 2b). O diferencial entre a 5 e a 6 srie funda-menta-se na distribuio das atividades em estgios supervisionados em umambiente diverso do hospital. Basicamente, a proposta para a 5 srie umexternato que privilegia atividades fora do ambiente hospitalar, em unida-des de ateno primria e secundria.

    Q u a d ro 2 a

    Proposta para o novo internato da 5 srie da Famema

    Estgio integrado reas de conhecimento Carga horria

    Sade do adulto 1 Clnica mdica, cirurgia, sade de famlia, prtica baseada e evidncias, psicologia e psiquiatria. 640 horas

    Sade materno-infantil 1 Pediatria e puericultura, ginecologia e obstetrcia, sade da famlia, prtica baseada e evidncias, psicologia e psiquiatria. 640 horas

    Eletivo rea de interesse do estudante. 320 horas

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    Tal prtica de insero de estudantes na comunidade e nos servios desade do municpio pressupe o desenvolvimento de uma slida parceria en-tre a academia, os servios e a comunidade.

    7. Alguns esforos na transformao curricular

    possvel destacar alguns esforos na transformao curricular da Famema: acapacitao docente, a organizao de recursos educacionais e a avaliao.

    A capacitao docente foi impulsionada no contexto do desenvolvimen-to e institucionalizao do Projeto UNI-Marlia, realizado com o apoio tcni-co e financeiro da Fundao W. K. Kellogg (Lima, Komatsu & Padilha, 1996).Foram realizadas oficinas de didtica, pedagogia e sobre ABP com diferentesenfoques. Atualmente concentram-se as atividades na frente de capacitaode docentes (tutores). O maior desafio , sem dvida, a mudana cultural: doprocesso centrado no professor, em disciplinas e em departamentos, para ocentrado (tambm e principalmente) no estudante e na aprendizagem.

    So desenvolvidos programas para formao e aprimoramento de tuto-res. Usualmente, esses programas iniciam-se com uma oficina de trabalho so-bre o processo de tutoria e a ABP, prosseguindo ao longo de 12 semanas emque so abordados temas como dinmica de grupo, prtica baseada em evi-dncias, biotica e avaliao. O docente ainda assume uma co-tutoria (pero-do mdio de 12 semanas) antes de iniciar-se na funo de tutor.

    A organizao de recursos de aprendizagem em um programa com ABPdeve privilegiar a disponibilizao de ambientes de (auto) aprendizagem. NaFamema os investimentos concentraram-se na biblioteca e nos laboratrios

    Q u a d r o 2 b

    Proposta para o novo internato da 6 srie da Famema

    Estgio integrado reas de conhecimento Carga horria

    Sade do adulto 2 Clnica mdica, cirurgia, sade de famlia, prtica baseada e evidncias, psicologia e psiquiatria. 400 horas

    Sade materno-infantil 2 Pediatria e puericultura, ginecologia e obstetrcia, sade da famlia, prtica baseada e evidncias, psicologia e psiquiatria. 400 horas

    Emergncia e trauma Medicina de urgncia, cirurgia do trauma, medicina intensiva, prtica baseada em evidncias, psicologia e psiquiatria. 400 horas

    Eletivo rea de interesse do estudante. 400 horas

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    de aprendizagem: de informtica, morfofuncional e de habilidades profissio-nais (Komatsu, 1997).

    Como possvel perceber na figura 2, a utilizao da biblioteca da Fa-mema apresentou um aumento significativo, coincidente com a implementa-o da ABP na 1 srie em 1997, 1 e 2 sries em 1998, e 1, 2 e 3 sries em1999, o que denota a necessidade da adequao do acervo e da rea fsicacomo recurso prioritrio metodologia de ensino-aprendizagem.

    F i g u r a 2

    Movimento total de emprstimos/consultas na biblioteca da Famema(abr. 1996, 1997, 1998 e 1999)

    A avaliao do curso mdico propicia informaes vlidas e oportunasque permitem identificar e corrigir as reas que requerem ateno, tanto es-pecficas de estudantes e tutores, quanto do programa, unidades e recursoseducacionais, objetivando a melhoria de processos e produtos, dentro do con-ceito de avaliao formativa. Tambm estimulado o desenvolvimento daauto-avaliao, da avaliao do trabalho em grupo ou equipe e da avaliaode tutores (Komatsu, Zanolli, Lima & Branda, 1998).

    Um grupo formado por docentes e representantes dos estudantes respon-sabilizou-se pelo desenvolvimento da proposta de avaliao, buscando garantire aperfeioar a coerncia desta com os objetivos educacionais do currculo. Fo-ram construdos documentos e instrumentos objetivando a anlise do processo

    4.278

    8.730

    9.883

    12.336

    0

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    4.000

    6.000

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    10.000

    12.000

    14.000

    Emprstimo/Consulta

    Abr. 1996

    Abr. 1997

    Abr. 1998

    Abr. 1999

    14.000

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    Abr. 1996

    Abr. 1997

    Abr. 1998

    Abr. 1999

    Emprstimo/consulta

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    ensino-aprendizagem, do desempenho dos estudantes e das unidades e recur-sos educacionais.

    Os documentos que avaliam o processo ensino-aprendizagem trazemum roteiro para a anlise de habilidades e atitudes nos trabalhos realizadospara e durante as sesses de tutoria. Ao final de cada unidade educacional,aplica-se o exerccio de avaliao cognitiva (EAC), para aferio de conheci-mentos especficos, atravs de um ensaio modificado com questes escritasbaseadas em problemas. Outras modalidades de exerccios escritos tambmso aplicados com uma periodicidade menor, como o exerccio do problema monografia (EPM) e o exerccio baseado em problema (EBP), alm de exameclnico objetivo estruturado (Osce e mini-Osce) (Lima et alii, 1999).

    O conceito dos estudantes, baseado no seu desempenho em relao aosobjetivos educacionais, considerado satisfatrio ou insatisfatrio. O estu-dante que obtiver um conceito insatisfatrio deve desenvolver programas es-pecficos para a melhoria de seu desempenho, de acordo com as dificuldadesidentificadas. A progresso nas sries somente acontece aps a obteno deconceito satisfatrio em todas as unidades daquela srie, porm no impedeque o estudante curse as unidades subseqentes.

    A avaliao tem sido efetivamente utilizada na melhoria do processoensino-aprendizagem e considerada uma importante ferramenta de trans-formao para todos que participam desta construo coletiva (Komatsu, Za-nolli & Lima, 1998).

    8. Reflexes sobre o processo

    A despeito de todas as dificuldades da transformao curricular na Famema,cremos que exista neste momento uma reflexo profunda sobre as prticasdocente e discente, o que possibilita uma renovao de valores e parmetroseducacionais, aproximando-os da realidade do mundo que habitamos.

    Lembramos que em nossa opinio o sucesso de programas como o daUniversidade de McMaster deve-se no somente ao emprego da ABP, mas aodesenvolvimento educacional rumo s reais necessidades da sociedade. Istoleva neste momento as escolas a aproximarem-se e integrarem-se comuni-dade, sem o que continuariam distantes e isoladas da realidade.

    Inexiste aprendizagem sem a prtica e a realidade. Os problemas de pa-pel devem desafiar e motivar para a prtica e a realidade.

    A aprendizagem baseada em problemas soma-se e complementa-se coma aprendizagem baseada na prtica (Barrows, 1994) e objetiva atingir plena-mente uma aprendizagem baseada na realidade. Somente a realidade integraos objetivos maiores de uma plena capacitao de nossos graduandos ou profis-sionais (Komatsu, Zanolli & Lima, 1998).

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    Desenvolver permanentemente o currculo passa, ento, a ser a meta dotrabalho docente-discente, e trabalhar em equipes interdisciplinares torna-seum fato presente e futuro de intensidade e magnitude ditadas pelas possibili-dades e limites das prprias equipes: Uma educao que abraa a interdisci-plinaridade navega entre dois plos: a imobilidade total e o caos. A percepoda importncia do passado como gestor de novas pocas nos faz exercer para-doxalmente o imperativo de novas ordens, impelindo-nos metamorfose deum saber mais livre, mais nosso, mais prprio e mais feliz, potencialmente pro-pulsor de novos rumos e novos fatos. O processo interdisciplinar desempenhaum papel decisivo no sentido de dar corpo ao sonho de fundar uma obra deeducao luz da sabedoria, da coragem e da humanidade (Fazenda, 1998).

    Referncias bibliogrficas

    Barrows, H. S. Practice-based learning. Problem-based learning applied to medical education.Springfield, Southern Illinois University School of Medicine, 1994.

    Des Marchais, J. E. A student-centred, problem-based curriculum: 5 years experience.Canadian Medical Association Journal, 148(9):1.567-72, 1993.

    Fazenda, I. C. A. Didtica e interdisciplinaridade. Campinas, Papirus, 1998. p. 8.

    Freire, P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessrios prtica educativa. 9 ed. So Paulo,Paz e Terra, 1998.

    Komatsu, R. S. Organising learning resources in a PBL curriculum. In: Network of Commu-nity-Oriented Educational Institutions for Health Sciences. Involvement of communitiesin health professions education: challenges, opportunities and pitfalls. 20th Network Anni-versary Conference. Mexico City, 1997. p. 241-2.

    & Zanolli, M. B. Introduction to the study of medicine: first educational unit (block)in a PBL curriculum. In: Network of Community-Oriented Educational Institutions forHealth Sciences. Involvement of communities in health professions education: challenges,opportunities and pitfalls. 20th Network Anniversary Conference. Mexico City, 1997. p. 240-1.

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