ARTEFACTO 1 - Vitalino José Santos
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O Relatório de Stern e uma nova visão para o planeta azul
Vitalino José Santos
É um dado aceite que a actividade humana (sobretudo, a produtiva) tem grande responsabilidade no aumento das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) com acentuada influência nas alterações climáticas.
Os principais GEE são o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4),
o dióxido de azoto (N2O), os hidrofluorcarbonetos (HFC), os
hidrocarbonetos perfluorados (PFC) e o hexafluoreto de enxofre
(SF6). O CO2 emitido por milhares de fábricas e outras unidades de
produção em todo o Mundo é, segundo os cientistas, o principal
causador do efeito de estufa.
«As emissões de gases para a atmosfera estão a fazer aumentar a
temperatura da Terra de uma forma perigosa para os seres
humanos»1, porque as radiações solares que chegam à superfície
terrestre aquecem-na e são reflectidas sob a forma de radiação
infravermelha. Todavia, esta radiação é absorvida pelos GEE e
devolvida novamente à superfície da Terra, causando um aumento
da temperatura global do planeta.
Se bem que o vapor de água, o CH4 e CO2 – que, como aludimos,
também contribuem para o efeito de estufa – tenham origem natural
na atmosfera e assumam vital importância no desenvolvimento dos
1 A Terra, um planeta com vida, de Miguel Ángel García Lucas (texto), sob a coordenação de Josep Antoni Lainz, colecção da revista Visão, Lisboa 1995.
seres vivos (daí os efeitos positivos, inclusivamente para a
agricultura, como defendeu o físico Freeman Dyson, num ensaio
datado de 19952), a verdade é que a actividade antropogénica e a
utilização maciça dos combustíveis fósseis provocou um aumento
do CO2 na atmosfera em cerca de 30% desde a Revolução
Industrial e no que se refere à concentração do gás metano em
143%.
Acordo de não agressão ao planeta
Assim, na véspera de mais uma cimeira mundial (Conferência das
Partes – COP, no âmbito da Convenção Quadro para as Alterações
Climáticas – CQNUMC) com o objectivo de falar das questões
ambientais e de arranjar maneira de um acordo global de não
agressão a este planeta onde a extinção de animais e de florestas
nos coloca no fio da navalha, escrevíamos3 (em 2002) – no editorial
da revista de saúde In Vivo – que não nos podemos também
esquecer da urgência de uma estratégia para a conservação dos
oceanos4.
Perante as realidades irremediáveis da destruição da vida marinha,
das vastidões amazónicas e das alterações climáticas que têm
dado origem a inúmeras catástrofes, mais artificiais que naturais, é
preciso muita serenidade e cabeça fria para ultrapassar os
interesses particulares acima da vontade de controlar a poluição e
os vários tipos de congestionamento e da vontade de zelar para que
as gerações futuras tenham um meio ambiente não muito diferente
deste que faz o esforço de nos aceitar como somos.
2 Climate Change: from science to lived experience (manual de apoio ao curso), Wilson et al. (2012).3In Vivo – Revista mensal de Saúde, Ano III, n.º 12, Maio-Julho 2002.4 O Dia Mundial dos Oceanos é celebrado todos os anos a 8 de Junho.
Num dos ensaios de Alberto Moravia – integrados na obra O
Homem como fim5, onde o sempre actual escritor italiano põe em
causa as relações da sociedade com o homem e a alienação deste
num mundo moderno movido por interesses imediatos – lemos que
há duas maneiras de construir uma estrada. A primeira consiste em
«respeitar os limites das propriedades, em contornar os currais, em
passar o rio pelo ponto mais estreito, em deixar intactas as capelas,
os lagares, os moinhos, os poços, as oficinas, o campo desportivo e
em evitar os terrenos movediços e rochosos». A segunda maneira é
a de quem projecta a estrada «sem ligar importância aos
obstáculos», esquecendo-se, por exemplo, das pontes.
Entre a incerteza das consequências e o seu grave impacto
Por conseguinte, deixando a linguagem metafórica e dada a
natureza do fenómeno das alterações climáticas, embora
admitamos existir uma elevada incerteza sobre as consequências,
elas poderão ter impactos muito graves sobre o crescimento e o
desenvolvimento.
Porém, como fez notar o Painel Intergovernamental para as
Alterações Climáticas – IPCC (2001), no século XX, verificou-se
«um aquecimento médio da superfície terrestre de entre 0,2º e
0,6ºC». E, ainda segundo o IPCC (estrutura criada em 1988 pela
Organização Mundial de Meteorologia e pelo programa para o
Ambiente das Nações Unidas – UNEP), nos últimos 50 anos, «tal
ficou a dever-se, com uma probabilidade de 60% a 90%, ao
aumento da concentração de gases de estufa na atmosfera»,
5 O Homem como fim, ensaios de Alberto Moravia (com tradução de Nunes Martinho), colecção Documentos do Tempo Presente (n.º 32), Editora Ulisseia Limitada, Lisboa, Janeiro de 1966.
prevendo-se que a «temperatura média da superfície terrestre
aumente entre 1,4º e 5,8º até 21006».
O Protocolo de Quioto estabeleceu os limites legais à emissão de
GEE pelos países desenvolvidos que são signatários do
denominado Anexo I da CQNUMC (sob o auspício das Nações
Unidas). E esses limites estavam quantificados para o período de
2008-2012 (tendo em conta os países do Anexo I, pertencentes à
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e estabeleciam que o volume total de emissões
deveria ser, em média, 5,2% inferior ao registado em 1990, ano de
referência, preconizando a implementação conjunta (joint
implementation), o mecanismo de desenvolvimento limpo e os
chamados direitos de poluição (note-se que o artigo 17.º do
Protocolo de Quioto possibilita aos países do Anexo I
transaccionarem títulos de poluição entre eles).
Sucessão de gerações e capacidade inventiva
«Há duas coisas ilimitadas: a sucessão de gerações, pelas quais
nos deveríamos sentir responsáveis, e a nossa capacidade
inventiva. No primeiro caso, estamos diante de um desafio:
alimentar e providenciar não apenas em nome da geração actual,
mas no de todas as que se lhe seguirão, contando apenas com o
fluxo finito de recursos naturais da Terra. No segundo caso, a nossa
capacidade inventiva pode gerar ideias e princípios normativos que
contribuirão para enfrentar esse desafio», escreveu Jan Tinbergen
(laureado com o Prémio Nobel de Economia), num texto introdutório
6 Apontamentos de Política Económica (Política de Alterações Climáticas), de Adelaide Duarte, Coimbra, 2006-2007.
do livro Além dos limites – Da catástrofe total ao futuro sustentável,
da autoria de Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows e Jørgen
Randers7.
E, nesse contexto, Jan Tinbergen adiantava: «A nossa
responsabilidade perante todas as gerações estende-se sobretudo
aos que vivem nos continentes pobres e nas zonas mais miseráveis
das cidades de todos os continentes. Hoje em dia e no futuro,
significa mais do que garantir alimentação e provisões materiais;
também significa manter limpo o meio ambiente.»
Ciente do confronto entre o curso do desenvolvimento humano que
ameaça exceder os limites e a criatividade humana – que
«melhorou as nossas perspectivas em termos de eficácia
energética, reciclagem de recursos e aumento da duração média da
vida humana» –, aquele economista reconheceu «o grande desafio
posto aos homens de evitarem a guerra, a fome, a doença, a
poluição, e de edificarem um futuro sustentável».
As alterações climáticas e o Relatório de Stern
Actualmente, as orientações no caso da Política de Alterações
Climáticas da União Europeia (UE) para o período pós-2012 parece
estarem ancoradas no Relatório de Stern (apresentado no dia 30 de
Outubro de 2006), considerado um dos instrumentos de análise
importantes para a concretização, por parte da UE, de metas tidas
como «ambiciosas» para uma Europa que se assume como um dos
principais actores, a nível mundial, na estabilização dos gases de
efeito de estufa (GEE) entre 550ppm (partes por milhão) e 500 ppm
7 Além dos limites – Da catástrofe total ao futuro sustentável, de Donella H. Meadwos, Dennis L. Meadows e Jørgen Randers (com tradução de Ana Barradas), Difusão Cultural, Lisboa, Setembro de 1993.
de dióxido de CO2e (concentração equivalente de dióxido de
carbono atmosférico), cujo nível actual é de 430 ppm (estimando-
se, entretanto, um aumento anual de 2 ppm).
Tendo em vista os aspectos económicos das alterações climáticas,
as conclusões do Relatório de Stern (RS) levam a crer que «os
custos de estabilização do clima são consideráveis mas viáveis»,
pelo que «a demora seria perigosa e muito mais dispendiosa».
Ou seja, uma das principais conclusões que pode ser retirada
daquele estudo – encomendado pelo governo britânico (a um grupo
de trabalho coordenado por Nicholas Stern, economista do Banco
Mundial) sobre os efeitos das alterações climáticas na economia
mundial nas próximas cinco décadas – é a de que, com um
investimento de apenas um por cento (1%) do PIB (produto interno
bruto) mundial, se pode evitar a perda de 20% do mesmo PIB num
prazo de simulação de 50 anos.
Análise custo-benefício nas decisões políticas
Ao utilizar resultados com base em modelos económicos formais ou
tradicionais, o RS acentua que «os benefícios de uma acção forte e
imediata para enfrentar as mudanças climáticas ultrapassam de
longe os custos de não fazer nada»8.
A ferramenta mais usada em economia para permitir tais
conclusões e para fundamentar decisões adequadas é a análise
custo-benefício (ACB), a qual pondera os custos e os benefícios de
determinada acção, neste caso intervindo a nível das alterações
climáticas.
8 Wikipédia, artigo ou secção sobre o Relatório de Stern (acedido em 8 de Junho de 2013).
Segundo Mishan (1970), uma análise de custo-benefício pretende
medir, em termos de dinheiro, todos os benefícios e todos os custos
a esperar sobre o futuro de algum projecto, viabilizando esse
projecto, «se a soma das prestações exceder a soma dos custos
por alguma margem significativa»9.
Assim, partindo do pressuposto de que «as alterações climáticas
são uma forte ameaça global, que exige uma resposta global
urgente» e de que o RS analisou uma ampla série de provas
relativamente aos impactos das mudanças do clima e aos inerentes
custos económicos, servindo-se de um conjunto de técnicas
diferentes na análise dos custos e dos riscos, a estimativa de «uma
perda anual de 5% do PIB mundial, se nada for feito para reduzir o
aquecimento global da superfície terrestre»10, aconselha a que as
políticas consonantes sejam, de forma geral, implementadas
«desde já, estando associados custos anuais estimados da ordem
de 1% do PIB mundial»11, como registámos.
Procurar estabilização dos GEE
No entender de muitos especialistas, tal meta conviria a uma
estabilização dos GEE entre 550ppm e 500ppm CO2e, fazendo
notar que «a estabilização entre 450ppm e 550ppm de CO2e
corresponde a emissões, em 2050, inferiores aos valores actuais
em 25%»12.
Neste contexto, a política de alterações climáticas europeia,
seguindo algumas metas da UE para o presente período (posterior
9 Climate Change: from science to lived experience (manual de apoio ao curso), Wilson et al. (2012).10 Apontamentos de Política Económica (Política de Alterações Climáticas), de Adelaide Duarte, Coimbra, 2006-2007.11 Idem.12 Idem.
a 2012) também visa a estabilização da subida de temperatura
média da superfície terrestre em 2ºC, bem como «a redução das
emissões [de GEE] em 2020 em 20% relativamente aos valores de
1990, independentemente das metas fixadas pelos restantes
parceiros»13.
Sabendo que as mudanças climáticas afectam os elementos
básicos das populações, especialmente no que respeita ao acesso
à agua potável, à produção de alimentos, à saúde e ao ambiente, a
que é preciso atender com urgência, o Relatório de Stern «avisa»,
no entanto, que os investimentos nos próximos 10-20 anos irão ter
um impacto profundo no clima da segunda metade do século XXI e
posteriormente, mas cuja intervenção poderá ser similar, em
encargos, ao desequilíbrio económico e social subsequente às
guerras mundiais.
Tratando-se de um problema mundial, o RS (solicitado em 19 de
Junho de 2005, pelo então ministro da Fazenda – ou das Finanças
– Gordon Brown) indica que solução deverá partir, igualmente, de
um patamar internacional.
Meta ambiciosa no quadro da política global
Nessa convicção, «a redução de 60 a 80%, em 2050, relativamente
a 1990, no quadro da política global, no caso de os parceiros
cooperarem para que essa meta seja realizável», é a intenção mais
ambiciosa da própria UE.
«Há ainda a fixação de objectivos intermédios para que aquelas
metas possam ser cumpridas», alegam alguns ensaístas a este
13 Apontamentos de Política Económica (Política de Alterações Climáticas), de Adelaide Duarte, Coimbra, 2006-2007.
propósito14, exemplificando que «20% das energias deverão ser
renováveis em 2020»; ou com «um mínimo de 10% de
biocombustíveis no conjunto do diesel e do petróleo usado nos
transportes».
Embora seja preciso confirmar a «robustez dos resultados» do RS
para sabermos se as metas ou objectivos traçados são aceitáveis –
tendo subjacentes as críticas vigorosas de William Nordhaus e de
Tol, no próprio ano da divulgação daquele estudo preparado por
uma equipa de economistas britânicos (2006) – julgamos «razoável
a interpretação do Relatório de Stern sobre os impactos previstos
das alterações climáticas, a partir de bases científicas».
Porém, de acordo com a revisão de William Nordhaus (de Yale),
«os resultados obtidos devem-se essencialmente ao valor escolhido
para o parâmetro taxa de desconto social=0,1% (Stern)», não
havendo razão para que seja um valor próximo de zero. «As
estatísticas apontam para um valor de 3% no quadro de um modelo
de crescimento óptimo», observa a autora Adelaide Duarte15.
«Não estar a par com a literatura revista»
Já a revisão de Tol faz notar que o objectivo de 550 ppm CO2e é
«criticado por não estar a par com a literatura revista pelos pares» e
que «nos impactos não é considerada a capacidade de adaptação
das sociedades às novas temperaturas médias», além da «falta de
robustez dos resultados e dos impactos estimados devido à
utilização de um único modelo integrado climático e económico»,
sobrestimando o impacto das alterações climáticas, «bem como o
14Apontamentos de Política Económica (Política de Alterações Climáticas), de Adelaide Duarte, Coimbra, 2006-2007. 15 Idem.
benefício da redução das emissões porque se baseia em modelos
como os desenvolvidos no Innovation Modelling Comparison Project
(Edenhofer et al., 2006)»16. Por outro lado, a revisão de Tol também
acentua que o Relatório de Stern não apresenta uma análise
sistemática de custo-benefício da redução das concentrações dos
GEE na atmosfera.
Em relação ao RS surgiram também críticas que se prendem com a
selectividade nos estudos que cita e nos impactos das alterações
climáticas. Ou seja, «esta selecção é dirigida, não é aleatória,
enfatizando os estudos mais pessimistas». O que, segundo
algumas vozes não concordantes, Stern fez foi escolher «a dedo» a
estatística para caber nos seus argumentos17.
«O relatório diz que o custo de inundação do Reino Unido
quadruplica a o,4% de 0,1% do PIB, devido às alterações
climáticas. Contudo, não é referido que esta imagem alarmante só
pode ser considerada como verdadeira se se assumir que o Reino
Unido não tomará nenhuma medida adicional. Por que é que Stern
não partilhou esta informação?», questionam algumas dessas
pessoas que apontam alguma inconsistência no RS18.
Relatório de Stern «é dirigido»
As mesmas vozes dissonantes acrescentam que o RS «refere que
foi feita uma análise custo-benefício, mas na realidade isto não foi
efectuado» e que o Relatório de Stern «é dirigido, no sentido em
16Apontamentos de Política Económica (Política de Alterações Climáticas), de Adelaide Duarte, Coimbra, 2006-2007. 17Blogue «Engenharia do Ambiente»: http://e-ambiente.blogspot.pt/2006/11/crticas-ao-relatorio-stern.html (acedido no dia 8 de Junho de 2013).18 Idem.
que foca, quase exclusivamente, o corte nas emissões de carbono
como a solução para o problema das alterações climáticas».
Pelos motivos agora expostos, há quem afirme, sem
contemplações, que «este relatório não deve ser tido em
consideração, por ser alarmista e incompetente», fornecendo
«muito pouca informação para perceber o que está incluído nos
cálculos»; e dando «pouco peso à equidade»19.
Ao continuarmos a nossa consulta à procura de apreciações
discordantes do RS, como também sucede com o economista
dinamarquês Bjorn Lomborg (através do seu «desafecto do
ambientalismo xiita» ao Relatório Stern), lemos no sítio brasileiro
«Blog do Alon – Observações políticas»20 que «o aquecimento
global é um problema ninguém tem dúvida. Que ele é fruto do
excesso de civilização, tampouco. Mas o consenso sobre o tema
acaba aí».
Para o autor do post «Nós, o aquecimento global e as falhas do
Relatório Stern», há duas questões centrais em discussão: 1) «a
quanto de bem-estar deveríamos renunciar hoje para garantir o
bem-estar das gerações futuras»? e 2) «a quanto de bem-estar
deveriam renunciar os ricos para aumentar o bem-estar dos pobres
sem afetar o ecossistema»?
«Ricos preferem congelar o statu quo»
«Claro que os ricos preferem congelar o statu quo, centrar o
combate ao aquecimento global em sacrifícios igualmente
distribuídos pelo planeta. Já os pobres e menos ricos não são tão 19 Blogue «Engenharia do Ambiente»: http://e-ambiente.blogspot.pt/2006/11/crticas-ao-relatorio-stern.html (acedido no dia 8 de Junho de 2013).20 Blogue «Blog do Alon – Observações políticas»: http://www.blogdoalon.com.br/2007/01/ns-e-o-aquecimento-global-0501.html
espertos assim. Em vez de lutarem com unhas e dentes para que o
ponto 2 esteja nos centros dos debates, aceitam com grande
passividade teorias sobre os prejuízos globais decorrentes do
crescimento económico acelerado. Mas esse é um problema velho
no mundo em desenvolvimento», comenta o bloguista brasileiro,
concluindo que o «relatório foi encomendado pelo governo britânico
e disseminou o pânico ao afirmar que, se não forem tomadas
medidas imediatas, as perdas económicas futuras decorrentes do
aquecimento global serão maciças».
«Em 1971, concluímos que os limites físicos do uso humano das
matérias-primas e da energia estavam a poucas décadas de
distância. Em 1991, quando voltámos a analisar os dados, o modelo
de computador [o World3 foi o modelo informático que os ajudou,
então, a integrar os dados globais e a analisar as suas implicações
a longo prazo] e a nossa própria experiência do mundo,
descobrimos que, apesar dos avanços tecnológicos, de uma maior
consciência, de políticas ambientais mais rigorosas, muitos dos
fluxos de recursos e de poluição tinham crescido para lá dos seus
limites sustentáveis», escreveram os autores das obras Os limites
do crescimento e Além dos limites – Da catástrofe total ao futuro
sustentável 21.
«A forma como estamos a proceder é insustentável. O futuro, para
ser minimamente viável, terá de se basear em esforços de
abrandamento, de suavização, de cura», sublinhavam Donella H.
Meadwos, Dennis L. Meadows e Jørgen Randers, reparando que
não obstante possam existir limites de crescimento, «não é
necessários que haja limites de desenvolvimento». 21 In Além dos limites – Da catástrofe total ao futuro sustentável, de Donella H. Meadwos, Dennis L. Meadows e Jørgen Randers (com tradução de Ana Barradas), Difusão Cultural, Lisboa, Setembro de 1993.
As «boas» e as «más» notícias
Por conseguinte, servindo-se de dados estatísticos globais (à data,
muito tempo antes do Relatório Stern) e referindo-se aos recursos
naturais da Terra, os mesmos autores declaravam que «as más
notícias são que muitas dessas fontes essenciais estão a esgotar-
se ou a degradar-se e que muitos desses depósitos já transbordam.
Os fluxos de elementos incorporados como apoio à economia
humana não podem ser mantidos indefinidamente, ou por muito
mais tempo, nos seus níveis actuais».
Todavia, «as boas notícias são que as actuais taxas elevadas de
incorporação de meios não são necessárias para suportar um nível
de vida decente para as pessoas do mundo inteiro. São possíveis
mudanças técnicas e estão ao nosso alcance certas
disponibilidades que podem ajudar a manter a produção de
produtos finais e serviços, ao mesmo tempo que se reduz em
grande parte a pressão sobre o planeta. Há muitas opções, muitas
formas de fazer recuar a sociedade humana aquém dos limites
máximos22», frisavam os referidos autores, para quem «uma cultura
que não consegue acreditar, reconhecer e fomentar as melhores
qualidades humanas é uma cultura que sofre de uma trágica
distorção de informação».
Contextualizando, as críticas ao Relatório de Stern tecidas por
William Nordhaus e Tol, entre muitos outros (para os quais «a
ancoragem da política de Alterações Climáticas Europeia pós-2012
22Além dos limites – Da catástrofe total ao futuro sustentável, de Donella H. Meadwos, Dennis L. Meadows e Jørgen Randers (com tradução de Ana Barradas), Difusão Cultural, Lisboa, Setembro de 1993.
a essas metas pode revelar-se contraproducente»23), aludem à
possibilidade de o RS «afastar parceiros importantes que é preciso
trazer» a esta causa, como os Estados Unidos da América e a
China».
Por outro lado, os contestatários admitem que a concretização do
RS pode também «reduzir o crescimento da União Europeia,
porque o modelo utilizado sobrestima os benefícios da inovação
tecnológica resultantes da subida do preço relativo do carbono e
minimiza os custos marginais de despoluição».
Apesar disso, queremos tomar uma posição optimista, acreditando
que «ainda vamos a tempo de evitar os piores impactos das
alterações climáticas, se tomarmos desde já medidas rigorosas».
Resposta internacional partilhada
Na certeza de que existe um leque de opções para a redução das
emissões dos GEE e de que é fundamental uma acção de política
forte e deliberada para motivar a sua aceitação (tal como se conclui
da leitura do Relatório de Stern), há sobretudo a necessidade de
uma resposta internacional que deva partilhar alguns elementos-
chave como os inerentes ao comércio de emissões (sublinhe-se,
por exemplo, que o comércio de carbono procura privilegiar os
países que emitem pouco a fazerem crescer a inovação tecnológica
não poluente), bem como à cooperação tecnológica, às acções para
reduzir a desarborização (ou desflorestação, entendida como «mais
importante e com mais custo-benefício que a redução no sector dos
transportes») e ainda à adaptação, tendo em conta que «os países
23 Apontamentos de Política Económica (Política de Alterações Climáticas), de Adelaide Duarte, Coimbra, 2006-2007.
mais pobres são os mais vulneráveis às alterações climáticas» e o
estabelecimento de fundos internacionais.
Para concluirmos, numa perspectiva optimista e de acordo com a
consciência ecológica24 [na opinião de Edgar Morin, esta também
passa pela «descoberta de que o crescimento industrial actual tem
um carácter fatal, se continuar a sua corrida exponencial, isto é,
para o infinito, isto é para a morte. Com efeito, tende a arruinar o
ecossistema com uma exploração insensata; tende a assassiná-lo
com injecções de veneno nas suas fontes vivas: a água, o ar e a
terra.»25], concordamos com o Relatório de Stern de que a
«mudança climática é a maior das falhas do mercado» (do carbono)
e que, por isso, deve ser combatida em várias frentes: valoração do
carbono, através de taxas, impostos, comércio e regulação;
desenvolvimento e inovação em tecnologias «verdes», que emitem
menos carbono. A par da remoção das barreiras à eficiência
energética, deverá igualmente prestar-se mais e melhor informação,
educando e responsabilizando as pessoas: fazendo-as repensarem
os hábitos, levando-as a reduzir, a reutilizar, a reaproveitar e a
reciclar, atempadamente.
24 Para Edgar Morin, «é antes de mais a descoberta de que aquilo a que se chama meio, ambiente, natureza, constitui um “ecossistema”, isto é, uma unidade viva de uma complexidade extrema constituída pelas inter-relações de um número muito grande de espécies vegetais e animais» (In Ecologia contra poluição, colecção «Novos Cadernos D. Quixote» - n.º 5, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Março de 1973).25 Idem.