Arte Da Guerra Entre Os Astecas
-
Upload
marcos-macedo -
Category
Documents
-
view
218 -
download
0
Transcript of Arte Da Guerra Entre Os Astecas
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
1/92
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINAANTONIO JOSÉ DA COSTA SOARES
A ARTE DA GUERRA ENTRE OS ASTECAS
Palhoça
2013
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
2/92
ANTONIO JOSÉ DA COSTA SOARES
A ARTE DA GUERRA ENTRE OS ASTECAS
Monografia apresentada ao curso de Pós-Graduação lato sensu em História Militar, da Universidade do Sul deSanta Catarina, como requisito parcial para obtenção dotítulo de Especialista em História Militar.
Orientador: Prof. Renato Jorge Paranhos Restier Junior, Msc.
Palhoça
2013
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
3/92
ANTONIO JOSÉ DA COSTA SOARES
A ARTE DA GUERRA ENTRE OS ASTECAS
Esta Monografia foi julgada adequada à obtenção do tí-tulo de Especialista em História Militar e aprovada emsua forma final pelo Curso de Pós-Graduação lato sensuem História Militar, da Universidade do Sul de SantaCatarina.
Palhoça, Santa Catarina, 22 de novembro de 2013.
____________________________________________________
Orientador - Prof. Renato Jorge Paranhos Restier Junior, Msc.
Universidade do Sul de Santa Catarina
____________________________________________________
Prof. José Carlos Noronha de Oliveira, Dr.
Universidade do Sul de Santa Catarina
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
4/92
A Aurore.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
5/92
AGRADECIMENTOS
Tenho uma dívida de gratidão para com a Professora Karla Leonora Dahse Nunes,
por sua compreensão, atenção e ajuda em todas as fases do curso.
Devo também um agradecimento especial à Professora Heliana Castro Alves, da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro, que disponibilizou boa parte de seu precioso
tempo colaborando para que eu não me perdesse no labirinto da pesquisa acadêmica.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
6/92
RESUMO
A civilização asteca iniciou seu percurso na história como uma pequena tribo, e no decorrer
de poucos séculos tornou-se a civilização mais poderosa da América antes da chegada dos
europeus. O êxito do projeto expansionista asteca seria obtido pelo caminho das armas. Vá-
rios fatores contribuíram para que os astecas obtivessem inúmeras vitórias militares sobre os
demais povos mesoamericanos. Sua organização social, privilegiando guerreiros que obti-
nham desempenho meritório em combate, motivava os soldados para a luta. Este desempenho
era quantificado pela quantidade de prisioneiros que pudessem capturar para serem executa-
dos em sacrifícios cerimoniais. Paralelamente, o sistema de dominação asteca baseado na im-
posição de pagamento de tributo fazia com que se evitassem conflitos com alta taxa de des-truição e mortalidade, de forma que a região conquistada mantivesse seu potencial produtivo,
podendo assim fornecer material e homens para próximas conquistas. Muitas das vitórias as-
tecas foram realizadas com grande contribuição de soldados de regiões previamente conquis-
tadas. Apesar de não terem sido taticamente inovadores, realizaram grandes proezas logísticas
ao deslocar grandes contingentes, dispondo suas forças e as de seus aliados de forma a sempre
obter a superioridade numérica sobre os adversários. A forma de guerrear dos astecas não foi,
entretanto, capaz de conter o conquistador espanhol. Devido ao seu sistema de atribuição demérito militar e também às peculiaridades de seu sistema de dominação imperial, os guerrei-
ros astecas estavam habituados a um tipo de combate que privilegiava a captura de prisionei-
ros e que não previa a destruição completa do inimigo. Profundamente ligados a uma forma
de batalha incompatível com o conceito de “guerra total”, foram derrotados diante das eficien-
tes forças espanholas, que foram auxiliadas, entre outros motivos, pela posse de armamentos e
táticas desconhecidas na Mesoamérica.
Palavras-chave: História Militar. História Mesoamericana. Mesoamérica. Guerra Mesoameri-
cana. História Asteca. Guerra Asteca.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
7/92
ABSTRACT
The Aztec civilization has begun its path in History as a small tribe, and within few centuries
it has become the most powerful civilization of America prior to the arrival of the Europeans.
The success of the Aztec expansionist project was attained by war. Several factors contributed
for the Aztec victories over other Mesoamerican societies. The Aztec social organization priv-
ileged warriors with distinguished performance in combat. The merit in combat was measured
by the number of captives (for the ceremonial sacrifices) a warrior could make in warfield.
This system stimulated warriors to perform well in the field. At the same time, the Aztec
domination system, based on the imposition of tribute payment, avoided conflicts with great
level of mortality and destruction in order to preserve the productive potential of the con-
quered provinces, so it could furnish tribute and personnel for further campaigns. Many of the
Aztec victories were achieved with great contribution of soldiers from previously conquered
areas, which means, foreign soldiers. Even though they were not tactically inventive, the Az-
tecs performed great logistic accomplishments, displaying great contingents over enormous
distances, in such a way that they would always obtain numeric superiority. Though, their
way of fighting was not enough to counter the Spanish conquistadors. Due to their military
merit system and to the peculiarities of their domination system, Aztec warriors were used to
a way of combat focused on taking captives associated to avoiding complete destruction of
the enemy. The Aztecs were very attached to a kind of warfare not compatible with the con-
cept of “total war”, and it contributed greatly to their defeat upon the efficient Spanish forces,
who had tactics and weapons not known in Mesoamerica.
Key words: Military History. Mesoamerican History. Mesoamerica. Mesoamerican Warfare.
Aztec History. Aztec Warfare.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
8/92
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Períodos históricos mesoamericanos ..................................................................... 10
Mapa 1 – Lago Texcoco ........................................................................................................... 28
Mapa 2 – Fronteiras do Império Asteca em 1519 .................................................................... 36
Figura 1–Representação asteca da patente e indumentária referentes a número de capturas ... 46
Figura 2 – Técnica de emprego do atlatl .................................................................................. 53
Figura 3 – Líderes militares portando lança asteca e escudo ................................................... 55
Figura 4 – Guerreiros armados de espada asteca e escudo ....................................................... 56
Figura 5 – Soberano de Texcoco portando equipamento defensivo completo ......................... 58
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
9/92
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 9
2 A SOCIEDADE ASTECA .................................................................................................. 17
2.1 A estrutura social asteca ..................................................................................................... 17
2.2 Economia: agricultura, comércio e tributo ......................................................................... 20
2.3 O Estado: Pax Asteca e sistema de dominação .................................................................. 22
3 HISTÓRIA ASTECA .......................................................................................................... 26
3.1 Origens incertas e mito da migração .................................................................................. 26
3.2 Tenochtitlán ........................................................................................................................ 27
3.3 Sob o Jugo Tepaneca: 1345-1428 ....................................................................................... 293.4 Independência e Expansão: Itzcoatl (1427-1440) ............................................................ 30
3.5 Primeira grande expansão: Moctezuma I (1440-1468) ...................................................... 32
3.6 Insucessos: Axayacatl (1468-1481) e Tizoc (1481-1486) .................................................. 34
3.7 Segunda grande expansão: Ahuitzotl (1486-1502) ............................................................ 36
3.8 Moctezuma II (1502-1520) ................................................................................................. 38
3.9 Invasão espanhola (1519-1521) .......................................................................................... 40
4 A ARTE DA GUERRA ASTECA ...................................................................................... 444.1 O Exército Asteca ............................................................................................................... 44
4.2 Formação e treinamento ..................................................................................................... 49
4.3 Armamento ......................................................................................................................... 51
4.4 Logística ............................................................................................................................. 59
4.5 Guerra florida ..................................................................................................................... 65
4.6 Sacrifícios cerimoniais e captura de prisioneiros .............................................................. 68
4.7 Tática .................................................................................................................................. 70
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 79
5.1 Razões que levaram às vitórias ........................................................................................... 79
5.2 Razões que levaram à derrota ............................................................................................. 81
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 86
GLOSSÁRIO .......................................................................................................................... 88
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
10/92
9
1 INTRODUÇÃO
Durante muito tempo discutiu-se a origem do homem americano. No passado al-
guns estudiosos chegaram a defender a hipótese autóctone, que basicamente diz que o homem
americano originou-se e desenvolveu-se na América. O fato de terem sido encontrados diver-
sos fósseis de Homo sapiens, mas nenhum de seus ancestrais, faz com que não haja evidên-
cias concretas de que o homem tenha evoluído neste continente. Hoje em dia, a teoria autóc-
tone está praticamente descartada.
A hipótese mais amplamente aceita é a da imigração proveniente da Ásia. Há
aproximadamente 70.000 anos, durante a quarta Era Glacial, o nível das águas baixou mais de
100 metros, descobrindo uma “ponte” de terra ligando o nordeste da Ásia ao noroeste da
América, permitindo a travessia de grupos humanos. Com o fim da glaciação e o consequente
degelo, há 12.000 anos, o nível das águas encobriu esta passagem. Esses imigrantes, vindos
em diversas vagas, eram basicamente caçadores seguindo o fluxo dos animais que lhes servi-
am como alimento. Os vestígios comprovados mais antigos da presença do homem na Améri-
ca datam de aproximadamente 12.000 anos a.C., embora haja evidências ainda não comple-
tamente comprovadas de sua presença há pelo menos 40.000 anos (NEVES, 2006, p.45).
Foi na Mesoamérica que as sociedades americanas mais complexas se desenvol-veram. A Mesoamérica é a região que abarca a maior parte do território mexicano atual, en-
globando Guatemala, El Salvador, e estendendo-se até a fronteira sul da Nicarágua; ponto a
partir do qual a influência das sociedades andinas sul-americanas predomina (DAVIES,
1982). É um conceito não somente geográfico, mas principalmente temporal e cultural, uma
vez que diz respeito às civilizações pré-colombianas estabelecidas neste espaço geográfico
que compartilhavam diversos paradigmas culturais, artísticos e religiosos.
Ainda não se sabe exatamente quando o homem chegou à região do atual México,mas vestígios apontam sua presença pelo menos desde 21.000 a.C. nas proximidades de onde
hoje se situa a Cidade do México. Neste local, a diversidade vegetal lhe ofereceu uma dieta
muito mais variada do que no norte, uma vez que nesta época animais como o cavalo e o ma-
mute, que lhe serviam de alimento, já estavam extintos. Entre os anos 7.000 e 5.000 a.C., o
homem aprendeu a cultivar o gênero alimentício mais importante da Mesoamérica: o milho. O
cultivo deste alimento propiciou o início do processo de sedentarização dos primeiros grupos
humanos na América. Os primeiros vilarejos surgiram a partir de 3.000 a.C., e por volta de2.000 a.C. a agricultura já era a principal atividade de subsistência nestas comunidades. O
quadro 1 mostra as principais divisões da história mesoamericana.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
11/92
10
Quadro 1 –Períodos históricos mesoamericanos
7000-5000 a.C. Domínio do cultivo do milho
2000 a.C. Agricultura como principal atividade de subsistência
2000 a.C. – 1 d.C.FORMATIVO ou
PRÉ-CLÁSSICO
Surgimento de pequenas cidades
Surgimento da cultura olmeca
1-750 CLÁSSICO
Auge da cultura maia
Florescimento de Tikal e Monte Albán
Hegemonia de Teotihuacán
750-950 EPICLÁSSICO Surgimento de cidades-estados descentralizadas
950-1150
P
ÓS
-
C
L
Á
S
SI
C
O
PÓS-
CLÁSSICO
INICIAL
Hegemonia Tolteca
1150-1345
PÓS-
CLÁSSICO
TARDIO
Declínio do Império Tolteca
Chegada dos imigrantes astecas
Desenvolvimento de cidades-estados
Fundação de Tenochtitlán (1345)
1345-1521
Hegemonia do Império Tepaneca (1370-1428)
Hegemonia do Império Asteca (1428-1521)
Conquista Espanhola (1521)
Fonte: Elaborado a partir de Santamarina (2005, p. 69)
Os dois primeiros milênios antes de Cristo caracterizaram-se pelo aparecimento
de características que se tornariam presentes em praticamente toda a região mesoamericana:
construção de centros cerimoniais, jogo de bola ritual, sacrifício humano, pinturas de códex e
o calendário religioso. Este período é comumente chamado pelos historiadores de Formativo
ou Pré-clássico. Neste período surgiu a primeira das principais grandes culturas da Mesoamé-
rica, que é a olmeca. Os traços desta cultura foram descobertos através de achados arqueoló-
gicos ao longo de vasta área. Ainda é discutido se estes vestígios são realmente oriundos de
uma civilização, ou se seriam na verdade um padrão cultural adotado por diferentes tribos. De
qualquer modo, a cultura olmeca demonstrou ser não somente original, mas também a primei-
ra cultura com aspectos mais universais do que regionais (DAVIES, 1982).
A período que vai de 1 a 900 d.C. é chamado de Clássico. Neste período, a cultu-
ra, as artes e a ciência mesoamericana atingiram seu ápice. Algumas cidades desenvolveram-
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
12/92
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
13/92
12
No imaginário mitológico asteca, os toltecas foram um povo sábio e detentor de
uma grande civilização. A própria palavra “tolteca” quer dizer em nahuatl (língua asteca) “sá-
bio”, “civilizado”, “grande construtor”. A sociedade tolteca, sem sombra de dúvidas, foi a que
mais motivou, inspirou e influenciou os astecas; e, como será visto adiante, a concepção de
que eram destinados a ser os verdadeiros herdeiros da gloriosa civilização tolteca teve enorme
influência em sua saga.
Após o declínio de Tula (a partir de 1150), inicia-se o período de interesse deste
trabalho: o Pós-Clássico Tardio. É nele que se desenrolam os principais acontecimentos da
história asteca. Compreende a chegada dos imigrantes astecas ao Vale do México, a fundação
de sua capital México-Tenochtitlán (atual cidade do México) em 1345, a ascensão e queda do
Império Tepaneca (do qual os astecas eram vassalos inicialmente), a independência astecasobre os seus suseranos tepanecas em 1428, seguida de enorme expansão de seu império, e
por fim, a chegada dos europeus e a subsequente conquista espanhola, em 1421.
Os astecas foram a última das tribos a se instalar na região do Vale do México.
Segundo a tradição oral, a fundação de Tenochtitlán marca o fim de um período nômade, que
durou alguns séculos, e teria se iniciado quando da partida de Aztlán (“local das garças”, em
nahuatl). Teriam partido de Aztlán sob a liderança de um sacerdote chamado Mecitl , para fu-
gir do regime tirano a que eram submetidos pelos chefes locais (LEÓN-PORTILLA, 2000).Diversos estudiosos debruçaram-se sobre as fontes históricas sem conseguir apontar a locali-
zação exata de Aztlán, ou até mesmo confirmar sua existência. Um desafio constante no estu-
do da antiguidade mesoamericana é saber até que ponto pode-se considerar qual parcela dos
relatos é essencialmente histórica, e qual é mitológica. Mito ou realidade, este local viria a dar
o nome pelo qual este povo seria conhecido: Asteca (azteca em espanhol), seria uma deriva-
ção de aztlaneca, que em nahuatl significa “povo de Aztlán”. No entanto, ainda segundo a
tradição oral, seu deus patrono, Huitzilopochtli, teria ordenado ao seu povo, por intermédio dosacerdote-líder Mecitl , que deveriam abandonar o nome dos tempos em que eram tiranizados,
e a partir de então deveriam se autodenominar mexicas (MONTORO, 2001).
A etimologia do termo mexica é incerta. Montoro (2001) cita a hipótese de que a
tribo dissidente de Aztlán adotou o nome mexica como uma derivação do nome do influente
sacerdote-líder Mecitl . Davies (1982) sugere que o nome seria uma derivação de meztli (lua),
simbolizando a reflexão do luar nas águas da lagoa de seu habitat original, Aztlán, o “lugar
das garças”.
O gentílico asteca passou a ser intensamente utilizado a partir do século XIX gra-
ças à influência de autores como Alexander von Humboldt e William Prescott, que o utiliza-
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
14/92
13
vam para designar os habitantes do antigo México. Como aponta León-Portilla (2000), o ter-
mo popularizou-se entre o mundo anglo-saxão por desfazer a ambiguidade que poderia existir
na língua inglesa devido a proximidade entre mexica e mexican (méxica e mexicano, respecti-
vamente). Carlos Santamarina (2005) lembra que, por esta razão, na língua inglesa, o uso do
gentílico asteca é majoritário; enquanto no ambiente acadêmico espanhol prefere-se méxica.
Há ainda outras nomenclaturas pertinentes que merecem menção. Carrasco (1977
apud SANTAMARINA, 2005) prefere tenocha a mexica para se referir aos habitantes de Mé-
xico-Tenochtitlán. León-Portilla (1963) utiliza a denominação nahua, para designar o povo
asteca, uma vez que fazem parte da cultura que tem em comum o uso do idioma nahuatl.
Neste trabalho, as expressões Império Asteca e Tríplice Aliança (aliança formada
entre as cidades de Tenochtitlán, Texcoco e Tlacuba em 1428 sob a liderança de Tenochtitlán)serão utilizadas com igual sentido. Quando houver referência aos povos de qualquer destas
cidades, que formaram o império independente em 1428, será utilizado o termo asteca. Quan-
do se desejar fazer menção específica aos habitantes da cidade de México-Tenochtitlán (mais
comumente chamada somente de Tenochtitlán) será utilizada a palavra méxica. Quando se
estiver tratando do período anterior à formação da Tríplice Aliança, os gentílicos méxica e
asteca serão utilizados como sinônimos; embora neste trabalho haverá preferência por asteca,
para efeitos de maior adequação à historiografia brasileira.Outro fator que merece destaque é a questão das fontes históricas. O conhecimen-
to da origem das fontes históricas é essencial para qualquer interpretação que se faça da his-
tória da antiguidade mesoamericana. Para quase todas as civilizações mesoamericanas anteri-
ores aos astecas, a arqueologia é o principal guia para a compreensão de seu passado, havendo
escassas ou nenhuma fonte escrita. No caso asteca a lógica se inverte. A conquista espanhola
teve como resultado a destruição de grande parte do potencial arqueológico asteca como con-
sequência de intenso conflito militar, do processo de sistemática eliminação de templos eimagens religiosas nativas empreendido pelos sacerdotes espanhóis, e, também, da febre es-
panhola por riquezas que provocou o desmantelamento de diversas obras de arte compostas
de ouro e pedras preciosas. No entanto, no que diz respeito à documentação escrita, há relati-
va abundância.
Jacques Soustelle (1961) cita os principais gêneros de fonte escrita. Primeiramen-
te há os documentos dos próprios nativos, escritos através de seu sistema de escrita pictográ-
fica, os chamados códices (ou codex). Estes escritos tinham temática mitológica ou religiosa,
porém muitas vezes possuíam conteúdo secular com narrativas históricas. Infelizmente não há
muitos documentos deste tipo remanescentes. Os nativos também produziram outro tipo de
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
15/92
14
documento escrito logo após começarem a ser alfabetizados pelos clérigos espanhóis. Os
chamados anales eram escritos em sua língua nativa, o nahuatl, porém com caracteres latinos.
Por vezes, estes documentos já eram escritos diretamente em espanhol. Esta produção possui
alto valor histórico, e, segundo Soustelle (1961), seria a fonte de informação mais confiável
sobre a história asteca anterior à conquista. Finalmente, existem os relatos feitos pelos pró-
prios espanhóis. Fruto da primeira leva de colonizadores, pode-se citar as cartas escritas ao
Rei Carlos V pelo comandante dos conquistadores, Hernán Cortés. Afortunadamente, nesta
mesma expedição havia um membro com talento nato para a escrita. Chamava-se Bernal Días
de Castillo, e produziu a esclarecedora História Verdadeira da Conquista da Nova Espanha.
Mais tarde, os religiosos católicos também dariam sua valiosa contribuição histórica, citando-
se principalmente Bernardino de Sahagún, Juan de Zumárraga e Juan de Torquemada (nãoconfundir com o célebre inquisidor Tomás de Torquemada). Obviamente, estes últimos do-
cumentos apresentam os eventos sob viés completamente eurocêntrico.
Apesar da importância destas fontes, Davies (1987) aponta algumas ressalvas que
devem ser tomadas ao interpretá-las. A primeira é que, a maior parte da informação histórica
deriva da tradição oral nativa. Infelizmente, a tradição oral nem sempre é confiável. A segun-
da dificuldade reside na tradição dos astecas de reescrever sua própria história. Thelma Sulli-
van (1979 apud DAVIES, 1987) afirma que os códices oficiais eram frequentemente destruí-dos e reescritos para se adequar ao governante e à ideologia predominante do momento. Davi-
es (1987) afirma ainda que a versão asteca dos eventos era periodicamente revisada e servia
mais para criar do que para informar. A terceira dificuldade, muito próxima à segunda, é a
extrema parcialidade dos relatos mesoamericanos de seu próprio passado. Cada sociedade
mesoamericana tentava atribuir a si mesma o passado mais glorioso, o que por vezes resulta
em versões contraditórias de um mesmo evento quando relatado por fontes diferentes. A quar-
ta dificuldade reside no fato de que a maior parte dos relatos da história asteca foram obtidosno período pós-conquista, e por isso, interpretados segundo os padrões culturais dos espanhóis
ou de nativos hispanizados.
Essas fontes são essenciais para a compreensão da história militar das civilizações
pré-colombianas. Dentre essas civilizações, a asteca foi seguramente a que mais se destacou.
De uma tribo primitiva e nômade, em pouco menos de dois séculos passaram a ser a civiliza-
ção mais poderosa da Mesoamérica, construindo um imenso império, cujas fronteiras eram
próximas às do atual México, em um continente onde não havia cavalos ou animais de carga
que pudessem facilitar o transporte a grandes distâncias. Esta prosperidade e expansão não
viriam gratuitamente, mas pelo caminho das armas. Os astecas, para sobreviver e prevalecer,
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
16/92
15
tiveram que tornar-se exímios soldados e foi desta forma que venceram e dominaram quase
todos os povos que cruzaram seu caminho. A chegada dos europeus na América se dá justa-
mente no auge de sua expansão. Apesar de terem se dedicado de maneira intensa à atividade
guerreira e terem sido vitoriosos em quase todas as suas guerras, os astecas foram derrotados
de forma trágica pelo conquistador espanhol.
Não obstante a historiografia ter diversas abordagens do período que vai desde a
fundação da capital asteca Tenochtitlán em 1345, até a vitória espanhola em 1521; pouco foi
estudado sobre como a guerra era efetuada pelos astecas, e como ela foi responsável tanto por
sua ascensão como por sua queda. Ainda está em aberto a questão de porquê o modus ope-
randi militar asteca foi praticamente invencível contra a maior parte de seus adversários lo-
cais, mas, ao mesmo tempo, mostrou-se ineficaz diante do invasor espanhol. É justamenteesta lacuna histórica que interessa a este estudo. Como forma de explicar esses acontecimen-
tos, pretende-se aqui analisar a arte da guerra asteca no período citado.
Este trabalho pretende descrever o modo como a guerra asteca era empregada
através da análise de seus aspectos tipicamente militares como os estratégicos, táticos e logís-
ticos. Entretanto, para que a abordagem de sua arte da guerra seja o mais abrangente possível,
antes de analisar-se o modo pelo qual era executada, faz-se necessário o estudo de como era
concebida. Para isso, será efetuada uma abordagem de sua sociedade e de sua história. O es-tudo de ambos os aspectos mostra-se fundamental, pois, como será visto, se foi o modo como
empregavam a guerra que possibilitou suas inúmeras vitórias, foi a maneira como concebiam
o fenômeno da guerra que contribuiu para a sua derrota.
A finalidade maior desta pesquisa é responder ao problema: como era concebida e
executada a arte da guerra pelos astecas entre o período da fundação de sua capital até a derro-
ta final frente ao conquistador espanhol (1345-1521)?
Para obter tal resposta, foram analisadas tanto fontes nativas quanto europeias.Dentre os espanhóis, estudou-se as narrativas de Bernal Díaz de Castillo (1963), Bartolomé de
las Casas (1992) e as cartas de Hernán Cortés ao rei espanhol (apud DAVIES, 1987). Dentre
as fontes nativas, procurou-se estudar os códices Vaticanus, Mendonza, Ixtlixóchitl, Telleria-
no-Remensis e Florentino. O estudo destes códices foi possível graças às análises e interpreta-
ções de Nigel Davies (1973, 1982, 1987), Ross Hassig (1988) e Miguel León-Portilla (1962,
1963, 2000). Ainda foi realizada pesquisa bibliográfica em artigos científicos e demais obras
dos principais pesquisadores da história mesoamericana, incluindo-se Richard Townsend
(1992), Jacques Soustelle (1961) e Carlos Santamarina (2005), além dos autores já citados.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
17/92
16
Após a pesquisa e coleta de dados foi realizada uma apresentação das principais correntes
historiográficas, que foram confrontadas a fim de que novos conceitos possam ser elaborados.
O presente trabalho é dividido em cinco capítulos.
Após a introdução, o segundo capítulo busca fazer uma descrição do Império As-
teca, a fim de que se possa fornecer um quadro global de sua estrutura social, economia e de
seu sistema de dominação. Como será abordado em capítulos posteriores, os conceitos supra-
citados são fundamentais para a compreensão da estrutura militar asteca.
No terceiro capítulo, será apresentada a cronologia da ascensão e declínio da soci-
edade asteca. O estudo da história asteca torna-se fundamental para a compreensão da impor-
tância que o fenômeno da guerra tinha para desta civilização. Ao mesmo tempo, o estudo de
sua história mostra como ela influenciou a maneira pela qual era concebida e executada a suaarte da guerra, assunto do capítulo seguinte.
No quarto capítulo serão analiticamente abordados os aspectos da maneira asteca
de se guerrear e de se preparar para o combate, com o intuito de fornecer subsídios para res-
ponder à questão norteadora deste trabalho.
O último capítulo apresenta como considerações finais algumas razões tanto para
o sucesso militar asteca diante dos demais povos mesoamericanos como para sua derrota di-
ante do conquistador espanhol.Por fim, faz-se necessário ressaltar que o presente trabalho tem também a intenção
de preencher outra lacuna que é o relativo desinteresse da historiografia brasileira pelo estudo
das sociedades mesoamericanas. Apesar da pesquisa histórica e arqueológica ser intensa em
outros países da América ou mesmo da Europa, no Brasil, curiosamente, este assunto não é
amplamente explorado. Assim, ao buscar-se conhecimento sobre o passado do continente
americano, este trabalho busca promover, de certa forma, uma maior identificação da histori-
ografia brasileira, especialmente da historiografia militar, com as suas raízes latino-americanas.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
18/92
17
2 A SOCIEDADE E O ESTADO ASTECA
2.1 A estrutura social asteca
No início de sua história, quando eram apenas uma tribo nômade, os astecas ti-
nham uma estrutura social bem pouco complexa. Organizavam-se baseados em um sistema
tribal muito simples, pouco estratificado e igualitário. Não havia indícios de haver divisão
social do trabalho. Os homens eram ao mesmo tempo agricultores, caçadores e quando neces-
sário, guerreiros. O primeiro germe de uma classe dominante foram os sacerdotes, que surgi-
ram como intérpretes da vontade dos deuses, especialmente o deus patrono dos méxica,
Huitzilopochtli (DAVIES, 1982).
Há fortes indícios de que neste período nômade, os astecas, assim como outras so-
ciedades mesoamericanas mais primitivas, eram liderados por um conselho de quatro sacerdo-
tes-líderes (o número quatro era um dos números de grande significado místico para os meso-
americanos). Apesar de pouco antes do término de suas migrações já serem liderados por um
único soberano com caráter mais secular do que religioso, foi somente após a fundação da
capital Tenochtitlán que sociedade asteca começou a adquirir maior complexidade.
Assim como cada cidade do império que viria a ser formado, Tenochtitlán possuía
como centro administrativo um tecpan (palácio) ao redor do qual a maior parte da nobreza
procurava viver. O corpo da cidade era dividido em calpullis (bairro, distrito), que eram for-
mados originalmente por clãs ou grupos com relações familiares interligadas. Com o desen-
volvimento e aumento de tamanho das cidades, perderam esse caráter familiar, passando a ser
a unidade básica de organização onde era possível recrutar pessoas (plebeus) para os trabalhos
públicos e para o serviço militar.
A nobreza asteca era dividida em três níveis: tlatoani, tecuhtli e pilli. No alto da
hierarquia estava o tlatoani, que era o soberano. Cada cidade-estado do império tinha o seu
tlatoani, que era subordinado ao tlatoani de Tenochtitlán, o imperador. O imperador asteca,
diferentemente do que acontecia em alguns impérios da antiguidade, não era considerado uma
divindade; no entanto, em uma civilização, onde a religião e a espiritualidade eram onipresen-
tes, o tlatoani tinha seu papel religioso como representante dos deuses na terra.
Ao contrário do que acontecia nas monarquias europeias, o trono de Tenochtitlán
não era necessariamente hereditário. Nos remotos tempos quando eram nômades, o soberanoera escolhido pela comunidade (o que originou o mito de que a sociedade asteca era democrá-
tica). O aumento da estratificação social e o surgimento de uma nobreza promoveram a mu-
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
19/92
18
dança para um sistema onde o novo imperador era escolhido por um conselho de quatro altos
dignitários. Com o tempo, formou-se uma dinastia (alegadamente possuidora de descendência
tolteca) e a escolha ficou limitada aos membros dessa linhagem real, embora nem sempre o
poder passasse de pai para filho (na verdade, raramente). O poder do tlatoani foi aumentando
gradativamente, de forma que, a época da chegada dos espanhóis, a sociedade asteca já come-
çava a se assemelhar a um sistema de monarquia absoluta (DAVIES, 1987, p. 102).
O Império Asteca tornou-se uma sociedade grandemente dedicada à guerra, logo,
não é de surpreender que, além de suas atribuições civis e religiosas, o imperador dedicasse
grande parte de seu tempo às questões militares. O tlatoani era o comandante em chefe das
forças do império, sendo frequente e desejável que liderasse pessoalmente suas forças durante
os combates. Por isso, por ocasião da escolha, as qualidades marciais do candidato a tlatoani eram grandemente levadas em conta.
Logo abaixo do tlatoani na hierarquia vinha a alta nobreza, composta pelos tecu-
htli. Tecuhtli é normalmente traduzido como “dignitário”, e se refere ao nobre que possuía
algum posto do mais alto nível administrativo, jurídico ou militar. Estes postos não eram he-
reditários, mas, por ocasião da escolha de um novo ocupante para um posto vago procurava-se
selecionar um membro da mesma família do ocupante anterior. No início eram os habitantes
que escolhiam os ocupantes destes cargos, mas, a medida que a máquina administrativa astecase burocratizou, as instituições tornaram-se cada vez menos democráticas e a escolha dos te-
cuhtli passou a ser responsabilidade do tlatoani.
Abaixo do tlatoani, o posto mais importante que um tecuhtli poderia ocupar era o
de cihuacoatl . A tradução que melhor explicaria suas atribuições seria a de “primeiro-
ministro”. Suas funções eram mais civis do que militares. Tinha amplos poderes e prestígio,
estando abaixo somente do próprio imperador. Também fazendo parte da alta esfera do poder
asteca, logo abaixo do cihuacoatl , estava um conselho supremo de quatro dignitários, traduzi-do pelos espanhóis ora como “conselheiros”, ora como “senadores”. Destes, dois tinham fun-
ções exclusivamente militares: o tlacateccatl , uma espécie de alto general, e o tlacochcalcatl ,
responsável pelo arsenal. O cihuacoatl (primeiro-ministro) mais estes quatro dignitários eram
os principais responsáveis pela escolha do governante seguinte, quando o tlatoani morria
(SOUSTELLE, 1961, p. 37-39).
O último nível da nobreza asteca era o dos pillis (nobres). Os pillis eram os des-
cendentes dos tlatoanis ou tecuhtlis que não conseguiam acesso a nenhum dos altos postos.
Normalmente, procuravam viver perto do tecpan (palácio) local. Tinham direito (não necessa-
riamente hereditário) à posse de terra e não necessitavam pagar tributo. Tinham obrigação de
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
20/92
19
servir ao estado, ocupando posições na administração, na hierarquia religiosa e, principalmen-
te, na estrutura militar.
A classe mais baixa de homens livres era a dos maceuallis (plebeus, homens co-
muns), que compunham a maior parte da população. Originalmente, tinham a obrigação de
trabalhar nas terras comunais dos calpullis (bairros, distritos) onde moravam. Com o tempo
houve um processo de acumulação de terras nas mãos dos pillis (nobres), e na época da che-
gada dos espanhóis, muito dos maceuallis trabalhavam para a nobreza. Tinham que cumprir
outras obrigações ao calpulli (distrito) como: realizar pagamento de tributo, trabalhar nas
obras públicas e de manutenção da cidade, e, especialmente, integrar as fileiras do exército
quando convocados.
Por último, havia os tlacoti, ou escravos. A escravidão na Mesoamérica diferiaenormemente do que se aplicava no Velho Mundo. Apesar de dever realizar trabalho para o
seu proprietário, um escravo poderia, por exemplo, possuir bens, comprar sua liberdade, ou se
casar (tanto com uma mulher livre quanto com uma escrava). O status de escravo não era pas-
sado de pai para filho. Itzcoatl, um dos grandes imperadores astecas, teria sido filho de uma
escrava. Normalmente um homem livre se reduzia a esta condição por ser prisioneiro de guer-
ra, ou por ter vendido a si mesmo após ter empobrecido (SOUSTELLE, 1961, p. 74).
Interessante notar que as distinções entre as diferentes classes faziam-se notarmenos pela riqueza do que pelo status. Em uma sociedade onde não havia muitas formas de
acúmulo de riqueza, o enriquecimento não era necessariamente buscado, mas, era função do
poder crescente e das funções oficiais. O que contava mais aos olhos dos nobres era a reputa-
ção (SOUSTELLE, 1961, p.58). Os nobres procuravam se diferenciar dos plebeus menos pe-
los bens que poderiam possuir do que pela posição destaque que assumiam nas grandes ceri-
mônias e festivais que marcavam o calendário religioso ou pela indumentária que ostentavam
(os nobres tinham direito a andar calçados, utilizar roupas de algodão e a portar diversos ade-reços com plumas coloridas e pedras preciosas; enquanto os plebeus, por lei, somente poderi-
am andar descalços e utilizar roupas de maguey1).
Davies (1982, p.208) compara a ordem social asteca com a da Europa medieval,
devido às poucas chances de promoção e rigidez de sua estrutura; pois, apesar de concordar
que havia algumas chances de ascensão social, julga ser um exagero considerar a sociedade
asteca democrática. Soustelle (1961, p.72), ao identificar alguns mecanismos meritocráticos
na organização social asteca, afirmava que “não havia paredes impenetráveis separando as
1 Planta abundante na região central mexicana. Produzia fibras que, apesar de rústicas, eram extremamente resis-tentes. Era também matéria-prima de bebidas alcóolicas típicas mexicanas como o pulque e o mezcal.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
21/92
20
diferentes classes sociais”. Um bom exemplo seria a classe composta pelos cuahpilli, que
eram os “nobres por mérito”. Os cuahpilli, tendo nascido plebeus, alcançavam este status por
desempenho honroso em combate (normalmente associado à quantidade de prisioneiros cap-
turados). A simples existência deste tipo de promoção reflete a existência de certa mobilidade
social. Não menos importante é o efeito que que este tipo de recompensa surtia sobre os ple-
beus. Em uma sociedade onde o mérito militar era uma das poucas oportunidade de ascensão
social e obtenção de status, é mais do que razoável supor que a possibilidade de obter tais
recompensas servia como grande fator motivador para os guerreiros astecas.
2.2 Economia: agricultura, comércio e tributo
As técnicas agrícolas utilizadas na Mesoamérica eram relativamente primitivas. A
inexistência de animais de carga e da utilização da roda como ferramenta1 tinha como conse-
quência a ausência de instrumentos agrícolas como o arado e a carroça. Basicamente, a única
técnica utilizada para aumentar a produção era a utilização intensiva de irrigação, que com-
pensava parcialmente a sazonalidade das chuvas. A mais avançada destas técnicas de irriga-
ção era a chinampa. As chinampas, ou jardins flutuantes, eram pedaços de lama amontoados e
mantidos unidos por galhos, plantas aquáticas e raízes que formavam uma espécie de cesta,mantendo a porção de terra coesa. Estas porções de terra de dimensões modestas (em média
100x20 metros) mostraram-se altamente produtivas, e foram uma engenhosa solução para as
limitadas opções agrícolas que a capital asteca, uma ilha lacustre com espaço limitado, pode-
ria oferecer (SOUSTELLE, 1961, p. xvii).
Além da produção agrícola da capital, baseada grandemente nas chinampas, Te-
nochtitlán não possuía abundância de matérias-primas básicas necessárias ao desenvolvimen-
to da cidade. Para suprir esta necessidade, a economia asteca recorria ao tributo e ao comér-cio.
Como será visto, a forma básica de domínio sobre as áreas anexadas se baseava na
imposição de pagamento regular de tributo. O tributo era pago na forma de produtos que iam
desde os mais básicos, como: cacau, feijão, milho, madeira e pedra; até produtos considerados
“de luxo”, como: plumas coloridas, ouro, pedras preciosas, armas e vestimentas de algodão.
Com o crescimento do império, formou-se uma intricada rede de tributos oriundos das mais
1 Em alguns sítios arqueológicos foram encontrados alguns brinquedos com roda, o que demonstra que, apesarde não a utilizarem de forma instrumental, a roda era conhecida.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
22/92
21
remotas regiões afluindo para a capital, que por sua vez se tornava cada vez mais dependente
desta rede de tributos.
A necessidade de se processar estes itens recebidos como tributo fez com que sur-
gissem profissionais especializados em transformá-los em itens de arte. Os artesãos (amante-
cas), devido à sua habilidade artística, compunham uma classe profissional muito apreciada.
Como foi descrito anteriormente, a demonstração de status era parte integrante da vida social
asteca. Ela era realizada no dia a dia nas vestimentas ostentadas pelos nobres, ou, de forma
mais oficial, na elaborada indumentária necessária às cerimônias religiosas e aos rituais de
combate. Os artesão eram especializados em distintas áreas. Havia os especializados no traba-
lho com plumas, que faziam a decoração dos capacetes, escudos e armaduras dos oficiais mi-
litares. Para a ritualística da guerra mesoamericana, este trabalho era mais do que mera orna-mentação, mas sim uma forma de demonstrar em campo de batalha que o utilizador daquela
indumentária era um guerreiro de valor. Outros artesãos especializados eram os escultores, os
ourives e os escribas. A importância deles na economia asteca era tão grande que fez com que
obtivessem privilégios (dispensa de trabalhar nas terra ou nas obras públicas, por exemplo)
que os colocavam em um nível intermediário entre a plebe e a nobreza.
Como nem todas as necessidades materiais dos astecas podiam ser satisfeitas pelo
recebimento de tributo, o comércio foi essencial à complementação da economia asteca. Ta-manha era a importância do comércio, que os pochteca (comerciantes, mercadores) formavam
uma a classe a parte que se aproximava muito da nobreza. Dentre outros privilégios, alguns
deles tinham o direito a adquirir terras e podiam matricular seus filhos em escolas reservadas
à nobreza.
Não há um equivalente exato ao papel desempenhado pelos pochteca em outras
civilizações da antiguidade. Não eram empreendedores privados, mas sim funcionários do
estado. Os lucros de suas viagens pertenciam, ao menos em teoria, ao imperador; embora Da-vies (1987, p. 148) afirme que eles conservassem parte do lucro. Não eram exclusivamente
mercadores, no sentido estrito da palavra, mas também tinham um forte apelo militar. Os gru-
pos de mercadores andavam sempre armados e tinham capacidade de empreender combates,
se necessário. Além disso, devido às suas inúmeras viagens, tinham grande conhecimento de
geografia e de diferentes idiomas; sendo por isso utilizados em diversas atividades de reco-
nhecimento e inteligência. Em diversas campanhas de conquista, sua atuação foi essencial à
vitória asteca (SOUSTELLE, 1961).
O papel dos pochteca enquanto representantes do império se acentuou com o tem-
po, e, por ocasião da chegada dos espanhóis, desempenhavam também funções análogas às de
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
23/92
22
um corpo diplomático. A agressão ou maus tratos aos comerciantes em viagem seriam consi-
derados causus belli e a cidade agressora sofreria retaliações militares. A posição social deste
grupo era crescente. Alguns estudiosos, destacando-se Soustelle (1961, p. xviii), afirmam que
os pochteca estavam em um processo de ganho de privilégios muito intenso, podendo até
mesmo suplantar a nobreza caso os europeus não tivessem interferido na história mesoameri-
cana. Esta ideia é amplamente questionada por Davies (1987, p.148) ao afirmar que os privi-
légios dos comerciantes teriam um limite, uma vez que sob o governo dos últimos imperado-
res havia um grande processo de intensificação da concentração de poder nas mãos da nobre-
za.
2.3 O Estado: Pax Asteca e sistema de dominação
Dentre outras, as características mais típicas de um império são: a administração
direta das províncias conquistadas graças à nomeação de interventores oriundos da capital, e a
rígida vigilância e controle da província através da presença de guarnições imperiais (DAVI-
ES, 1982, p. 192). Como veremos, estas características, presentes na maior parte dos impérios
clássicos do Velho Mundo, não faziam parte da organização asteca.
Hassig (1988, p.11) desenvolve esta questão ao denominar os principais objetivosque um estado deve buscar para ser classificado como império segundo a perspectiva teórica
de Clausewitz. São eles: expansão territorial, controle interno das áreas conquistadas e manu-
tenção de fronteiras seguras. Estes objetivos seriam buscados através da posse de exército
permanente, imposição de vontade ao conquistado e fortificações para defesa.
Não há dúvidas que os astecas buscavam o primeiro objetivo (expansão territori-
al), uma vez que buscavam sempre executar campanhas que tinham o propósito de aumentar
sua área de influência. Entretanto, suas conquistas não resultavam em anexação territorial propriamente dita. O sistema de administração de suas províncias, um aperfeiçoamento do
que já existia em outras sociedades mesoamericanas, baseava-se na obrigação de pagamento
de tributo. A região conquistada se comprometia a efetuar pagamento regular de impostos,
cuja composição e quantidade eram determinadas pelo conquistador. Quando a historiografia
da antiguidade mesoamericana utiliza o termo “vassalo” ou “suserano”, o significado é dife-
rente de quando este termo é empregado na historiografia medieval europeia. No caso meso-
americano, “vassalo” é o estado tributário, ou seja, o que tem a obrigação de pagar tributo; e
“suserano” é aquele que impõe e recebe o pagamento do tributo.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
24/92
23
O grau de controle que o Império Asteca tinha sobre suas províncias era muito
brando. Quase sempre, após uma vitória militar e consequente estabelecimento do tributo a
ser pago, os astecas mantinham no poder os mesmos soberanos locais. A província geralmen-
te podia manter suas leis e costumes locais, sua organização interna, sua língua e sua religião.
As obrigações da província se resumiam a adotar o culto ao deus méxica Huitzilopochtli (o
que não implicava em abandonar seus deuses locais), a oferecer apoio logístico aos exércitos
imperiais quando solicitado pelo poder central (água, alimento, carregadores, e principalmen-
te, soldados para reforçar as fileiras imperiais) e, principalmente, a pagar regularmente o tri-
buto estipulado. Soustelle (1961, p. xxi) define as províncias astecas como entidades mais
fiscais do que políticas.
A figura mais próxima que os astecas tinham de um interventor ou governador provincial era o calpixque. O calpixque era um funcionário cuja principal atribuição era regis-
trar e inspecionar o pagamento de tributos da província para a capital. Estes funcionários, re-
presentantes do poder imperial na província, tinham grande importância dentro da estrutura de
poder asteca. Sua tarefa era ao mesmo tempo complexa e relevante. Complexa porque o tribu-
to podia ser pago sob diversas maneiras, como: matéria-prima, manufaturas, artigos de luxo,
mão-de-obra ou soldados; e este fluxo de tributos para a capital, oriundos das mais diversas
regiões, necessitava minucioso controle. Era também relevante não somente devido à depen-dência cada vez maior que a capital tinha de tal afluência de tributos mas, também, para o
claro estabelecimento de relações de domínio, pois, o pagamento de tributo era símbolo da
submissão ao poder imperial.
O segundo objetivo, o de manutenção de fronteiras seguras, também não era atin-
gido no sentido clássico devido à falta dos meios citados por Clausewitz: exército permanente
e fortificações. Os astecas não mantinham contingentes em províncias conquistadas. Ao con-
trário de outros impérios, como o romano, por exemplo, não havia a constante presença deguarnições para garantir a imposição da vontade do poder central nem para a proteção das
fronteiras. Apesar de virtualmente todo cidadão asteca receber treinamento militar, não pode
se considerar que era permanente e profissional. Não há indício da existência de guerreiros
dedicados em tempo integral à atividade militar, ao menos em quantidade considerável. O
exército era composto basicamente por cidadãos comuns que, quando não em combate, exe-
cutavam suas atividades produtivas na sociedade; na maior parte dos casos, à agricultura. Na
verdade, como será discutido futuramente, a rápida capacidade de mobilização de grandes
massas humanas constituía um dos principais fatores de força do exército asteca, amenizando
os efeitos da ausência de um exército permanente. Tampouco há indícios de que existiam for-
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
25/92
24
tificações nas províncias com o intuito de proteger as fronteiras. Apesar do estabelecimento
de algumas muralhas e estruturas defensivas em certas localidades, o fato de não haver qual-
quer indício documental ou arqueológico de que eram guarnecidas impede que lhes seja atri-
buído o caráter de fortificação (HASSIG, 1988).
Em resumo, o Estado Asteca caracterizava-se pela: busca de expansão sem reali-
zar o controle territorial direto, manutenção da segurança interna através da influência sobre
os subordinados e obtenção dos objetivos políticos mantendo-se os líderes locais ao invés de
substituí-los (HASSIG, 1988). Pelas características citadas tanto por Davies quanto por Has-
sig, não se poderia definir a organização asteca como um império no sentido clássico da defi-
nição. Soustelle (1961, p. xxii) chega a afirmar que o Império Asteca, na prática, era uma he-
terogênea confederação de cidades-estados com diferente organizações políticas. A denomi-nação “império” é adotada por falta de outro termo que possa traduzir melhor tal organização
estatal.
O sistema de dominação utilizado pelos astecas, classificado como domínio por
influência, ou hegemônico; oferecia consequências políticas distintas do sistema de domina-
ção clássico, chamado domínio territorial . O domínio territorial, permitindo maior controle
sobre o conquistado, proporciona maior extração de bens e recursos econômicos. Porém, de-
vido a necessidade de substituir as lideranças locais e manutenção de guarnições no local,oferecia maiores custos de administração e de segurança. O domínio hegemônico, por outro
lado, oferece perspectivas de exploração econômica mais modestas, contudo, com custos ad-
ministrativos consideravelmente mais baixos (HASSIG, 1988, p.17).
Outro paralelo pode ser estabelecido entre ambos sistemas de dominação utilizan-
do-se dos conceitos de Edward Luttwak (1976 apud HASSIG, 1988, p.18) que analisa as rela-
ções políticas em termos de força e poder. Força é a ação física e direta de um estado sobre o
outro. É proporcional à sua disponibilidade no momento, e é consumida na medida em que éutilizada. Poder é a ação indireta, sendo a força apenas um de seus componentes. É a percep-
ção da habilidade que um estado possui de atingir seus objetivos, utilizando-se da força se
necessário. Tem um caráter fortemente psicológico, e, diferentemente da força, não é consu-
mido com o tempo. De maneira geral, o sistema de dominação territorial possui ênfase na
força, enquanto o hegemônico enfatiza o poder .
Santamarina (2005, p. 37) afirma que para que um sistema de dominação se per-
petue, faz-se necessária a “colaboração” do dominado (através de sua classe dirigente). Por
isso que sistemas de dominação baseados no poder, mesmo oferecendo um grau menos direto
de controle, podem ser considerados politicamente mais eficientes, já que, é o dominado
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
26/92
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
27/92
26
3 HISTÓRIA ASTECA
3.1 Origens incertas e mito de migração
A história do povo asteca, de certa forma, é o capítulo final e mais dramático da
história das grandes civilizações mesoamericanas; assim como marca o fim de importante
parte da história do homem nativo americano. Seu início ainda é bastante encoberto de misté-
rio, e dentro dos relatos existentes a distinção entre realidade e mitologia nem sempre é clara.
Atribui-se normalmente o ano de 1111 como a data em que os astecas deixam
Aztlán. A questão da exata localização de Aztlán ainda está em aberto. Os códices indicam a
localização a noroeste da Cidade do México. Já foram levantadas hipóteses de que na verdade
Aztlán poderia ser a própria cidade do México, enquanto outras localizaram Aztlán tão longe
como a mais de 3.000 km de distância, na região da Califórnia. Hoje em dia há relativo con-
senso que esta localidade encontrava-se aproximadamente a meio caminho destes dois extre-
mos.
A tradição oral descreve ainda outros locais por onde os astecas teriam errado, e
inclusive o acontecimento descrito na introdução, quando seu líder, supostamente interpretan-
do a vontade do deus Huitzilopochtli, ordenou que mudassem seu nome para méxica. Estahistória provavelmente é a representação mitológica de uma cisão que houve entre os que
adotaram este deus como divindade suprema e os que não o adoravam como tal. Esta separa-
ção teve como resultado a formação de um grupo mais homogêneo e com uma estrutura de
poder centrada em torno da classe sacerdotal. Por toda a história asteca o culto a Huitzilopo-
chtli e a interpretação de sua vontade seriam parte integrante da ideologia oficial (DAVIES,
1973, p.17). Townsend (1992, p.56) assume a hipótese de que Huitzilopochtli na verdade era
o líder dos méxica nesta época, vindo a ser deificado posteriormente.Esta tribo, apesar de dominar a agricultura e falar a língua nahuatl (quase que lin-
gua franca no universo mesoamericano) ainda era nômade e considerada como uma das me-
nos civilizadas e mais selvagens pelos seus vizinhos. Era mais uma das chamadas tribos chi-
chimeca, palavra nahuatl com caráter pejorativo que tem o mesmo sentido de “bárbaro” na
cultura europeia. Após a queda de Tula e o declínio do poder tolteca, diversas tribos chichi-
meca ingressaram na região do Vale do México, em um processo análogo às invasões bárba-
ras nos domínios do Império Romano.Depois deste longo período de migrações, os méxica estabeleceram-se na região
do lago Chapultepec (região central da atual Cidade do México) pouco antes de 1300. Tão
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
28/92
27
logo se instalaram nesta região, encontraram forte hostilidade de alguns de seus vizinhos, que
não apreciavam a presença de tribos semisselvagens nas proximidades de seus domínios. Pas-
sados apenas 25 anos (45 anos, segundo outros relatos), foram derrotados por uma coalizão
composta por guerreiros de Culhuacán e por tepanecas de Azcapotzalco. O líder asteca de
então, Huitzilihuitl, foi sacrificado pelos vencedores e os astecas se dispersaram. A grande
massa dos derrotados procurou refúgio justamente em Culhuacán, onde ficaram a mercê dos
vencedores (TOWNSEND, 1992, p.60).
Os astecas foram então ordenados a habitar uma região de solo vulcânico e infes-
tada de serpentes e outras pragas, chamada Tizaapán. Era tido como certo que ninguém pode-
ria prosperar naquele local, porém, sem outra alternativa, o povo asteca se empenhou ao má-
ximo em sua sobrevivência e prosperidade. Os senhores de Culhuacán se aproveitaram datenacidade asteca (que se tornaria célebre) e os empregaram como mercenários em diversas de
suas campanhas militares.
A maneira pela qual os astecas partem dos domínios de Culhuacán é narrada em
um episódio, certamente mitológico, com características bizarras. A liderança asteca teria
suplicado ao soberano de Culhuacán que cedesse a sua filha para ser declarada rainha asteca e
esposa simbólica do deus Huitzilopochtli. A proposta teria sido aceita, e, quando a princesa
passou aos cuidados astecas, teria sido esfolada viva e sua pele usada como vestimenta porum sacerdote. O soberano de Culhuacán foi convidado para a cerimônia de coroamento da
princesa, mas, ao chegar, viu o sacerdote vestindo a pele de sua filha. Sucedeu-se grande con-
flito militar que resultou na fuga dos astecas e procura de novo lugar para se estabelecer. Sem
desconsiderar de todo a mitologia, Davies (1987, p.24) descreve como mais plausível que os
astecas tenham saído desta região através de casamentos da nobreza asteca com a de Cu-
lhuacán. A partir destes casamentos, as nobrezas passaram a ser interligadas e os astecas con-
seguiram a sua liberdade. A aquisição de linhagem nobre também incutiu a ideia de fazer par-te da descendência tolteca, pois, por ocasião da queda de Tula, a maior parte da nobreza tolte-
ca havia se refugiado em Culhuacán. Mais tarde, graças a essas ligações, os astecas se deno-
minariam não somente possuidores de parte da linhagem nobreza tolteca, mas sim, como os
únicos e verdadeiros herdeiros de seu legado.
3.2 Tenochtitlán
O lar definitivo do povo asteca acabaria sendo uma pequena ilha no lago Texcoco
(mapa 1). Ao avistar uma águia devorando uma serpente sobre um cacto, os sacerdotes identi-
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
29/92
28
ficaram o sinal que teria sido enviado por Huitzilopochtli para o estabelecimento de seu lar
final. Assim, segundo a história oficial, em 1325 é fundada a cidade de Tenochtitlán, que em
nahuatl quer dizer “lugar do cacto”. Atualmente, há grande consenso entre os historiadores de
que a data de 1345 é provavelmente mais correta (DAVIES, 1973, p. 37). Treze anos depois
seria fundada a cidade-gêmea de Tlatelolco em uma ilha vizinha. Mais tarde, o crescimento
das cidades (especialmente Tenochtitlán) através de sucessivos aterramentos fez com que, em
um processo de conurbação, as duas ilhas se fundissem em uma só grande cidade.
Mapa 1 – Lago Texcoco
Fonte: León-Portilla (2000, p. xxxi)
A história oficial (corroborada por alguns pesquisadores modernos como Town-
send (1992, p.64-65) enfatiza os imensos obstáculos que tal sítio ofereceria à prosperidade de
sua recém-fundada capital. Uma área sem animais de caça, sem grande espaço para a agricul-
tura e com escassez de materiais básicos para manufaturas. Davies (1982, p. 173-174) de-
monstra que o local aparentemente árido, na verdade, apresentava diversas vantagens estraté-
gicas ao seu desenvolvimento. A ausência de animais de caça seria compensada pela abun-
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
30/92
29
dância de peixes e outros animais aquáticos. Ao mesmo tempo em que as dimensões reduzi-
das da ilha ofereciam poucas terras cultiváveis, o ambiente aquático, irrigado por canais, mos-
trava-se ideal para o cultivo intensivo de chinampas (“jardins flutuantes”). A natureza aquáti-
ca da cidade ainda facilitou o transporte através de canoas, tanto entre diferentes pontos da
cidade como para outras cidades localizadas às margens do lago. Em uma região onde inexis-
tiam animais de carga e com estradas precárias, o transporte aquático mostrou-se extrema-
mente vantajoso. Militarmente, a localização insular proporcionou ainda defesa natural contra
eventuais ataques. Em efeito, Tenochtitlán nunca seria atacada por seus adversários (somente
pelos espanhóis). Por fim, até mesmo a falta de matéria-prima para manufaturas teria certo
efeito positivo, pois, forçaria a cidade a buscar o caminho do comércio ao mesmo tempo em
que liberaria mão-de-obra para a atividade militar.Os habitantes de Tenochtitlán não só conseguiram superar as dificuldades existen-
tes, mas se aproveitaram das vantagens geográficas e fizeram com que a cidade prosperasse
enormemente. Os cronistas espanhóis são unânimes em seu deslumbramento ao ver os edifí-
cios astecas e o tamanho da cidade. Há diversas estimativas sobre a população de Tenochti-
tlán, algumas falam em milhões, porém, exageros a parte, indícios apontam que não era me-
nor que 250.000 pessoas, o que já fazia dela a cidade mais populosa do planeta a época
(SOUSTELLE, 1961).
3.3 Sob o jugo tepaneca: 1345-1428
Tenoch era o sacerdote-líder dos astecas quando Tenochtitlán foi fundada. Duran-
te o período em que esteve a frente de seu povo, os astecas, então uma tribo empobrecida e
frágil, tiveram que aceitar a posição de vassalos de um poderoso vizinho. O Império Tepane-
ca, cuja capital era Azcapotzalco, era o novo poder dominante na região do Vale do México.Por ocasião da morte de Tenoch, os astecas buscaram uma estratégia diplomática de sobrevi-
vência. Decidiram escolher chefes que fossem pertencentes à sua linhagem nobre, e ao mesmo
tempo persona grata entre seus suseranos. Para a cidade-gêmea de Tlatelolco foi eleito um
dos filhos do soberano tepaneca, garantindo assim sua boa vontade. A escolha do tlatoani
(soberano) de Tenochtitlán recaiu sobre Acamapichtli, filho de uma princesa de Culhuacán.
Vale lembrar que Culhuacán foi o abrigo da nobreza tolteca quando da dissipação de seu im-
pério. Desta maneira, os astecas, ao implantar uma dinastia com sangue culhua, estavam ga-
rantindo, consequentemente, uma linhagem com a almejada descendência tolteca. Esta dinas-
tia viria a governar os astecas até o fim de seu império.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
31/92
30
Em 1369, assume o trono tepaneca o mais hábil de seus líderes, Tezozomoc. Gra-
ças a seu inato talento político, foi o soberano que efetivamente transformou o poderio te-
paneca em um poderoso império expansionista. Tezozomoc usava sua habilidade diplomática
para angariar aliados e isolar seus inimigos, que eram destruídos um a um.
Neste período de expansão do Império Tepaneca, foram empreendidas inúmeras
batalhas, que, segundo a praxe mesoamericana, mobilizavam não somente seu exército mas
também o de seus vassalos. Foi este o momento no qual os astecas, sob a liderança de Aca-
mapichtli, puderam mostrar seu valor militar, destacando-se nos conflitos para os quais foram
designados e construindo para si a reputação de exímios guerreiros. A partir de então, os te-
panecas passaram a depender cada vez mais de seus vassalos astecas em suas guerras. Quando
da morte do tlatoani asteca Acamapichtli, em 1391 (1396 para Townsend [1992]), os tepane-cas já dominavam praticamente todo o Vale do México graças à grande contribuição de seus
aguerridos vassalos. Ao mesmo tempo, já estavam lançadas as bases do estado asteca. Graças
ao desempenho militar em prol de seus senhores, progressivamente, os astecas ganhavam sta-
tus especial se comparados às demais províncias. O auge deste favorecimento viria com a
guerra contra Texcoco.
Texcoco era uma importante cidade-estado localizada na costa leste do lago com o
mesmo nome (ver mapa 1). O líder de Texcoco teria desafiado Tezozomoc, não aceitando asubmissão de sua cidade ao poderio tepaneca. O que se seguiu foi a mais dura das guerras que
os tepanecas enfrentaram, tendo durado de 1414 a 1418. Em determinado ponto da guerra, as
forças de Texcoco chegaram mesmo às portas de Azcapotzalco, tendo quase derrotado os te-
panecas (DAVIES, 1973).
Huitzilihuitl, que havia assumido o trono em 1391 (ou 1396), consolidou a reputa-
ção guerreira asteca ao conduzir seu povo na campanha em socorro aos seus suseranos. A
guerra terminou com a derrota de Texcoco e o assassinato de seu soberano diante dos olhos deseu filho, Nezahualcoyotl (que escapou para o exílio e viria a ter papel fundamental na histó-
ria mexicana no futuro). A participação dos astecas teria sido tão determinante que o líder
tepaneca, Tezozomoc, em reconhecimento, não anexou Texcoco como estado tributário, mas
preferiu cedê-lo como presente aos astecas. Seria o primeiro estado que teria relações de sub-
missão a Tenochtitlán, e o início do caminho do fortalecimento e independência asteca. Para-
lelamente, os astecas consolidariam sua posição especial através de laços familiares ao casar
seu soberano Huitzilihuitl com a filha do soberano tepaneca.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
32/92
31
3.4 Independência: Itzcoatl (1427-1440)
Em 1416 morre Huitzilihuitl. Seu filho, Chimalpopoca, assume o trono asteca.
Chimalpopoca era fruto da união do rei asteca com uma das filhas de Tezozomoc, logo, era
neto do imperador tepaneca. Devido à ligação familiar, Tenochtitlán passou a ter um status
ainda mais privilegiado do que já havia conquistado, e, como consequência, o tributo que de-
viam pagar a seus suseranos foi substancialmente reduzido.
Apesar de Tenochtitlán estar conquistando gradativamente relativa autonomia, o
ponto crucial neste processo foi a morte do longevo líder tepaneca, Tezozomoc. Logo após
este acontecimento, iniciaram-se várias divergências internas, sendo o tratamento especial
conferido aos méxica um dos temas mais delicados. Um dos maiores opositores a esse favore-cimento era um dos seus filhos, chamado Maxtla, que acabou assassinando seu irmão mais
velho e usurpando o trono. Tão logo assumiu o poder, não só aboliu a redução do tributo pago
pelos astecas, como impôs pagamento ainda mais severo. A história oficial ainda atribui a
Maxtla a idealização do atentado que culminou com o assassinato do tlatoani asteca, Chimal-
popoca. Davies (1987) e Hassig (1988) contestam esta versão, uma vez que Maxtla teria mais
interesse em manter um soberano asteca enfraquecido e colaborativo (como Chimalpopoca
estava sendo) do que assassiná-lo. Mais provável seria que a própria corte asteca tenha plane- jado seu assassinato por descontentamento da complacência de Chimalpopoca para com seus
suseranos.
O escolhido para substituir o tlatoani assassinado foi Itzcoatl, que assume o trono
em 1427. Itzcoatl seria enormemente apoiado por dois importantes membros da corte: o gene-
ral Moctezuma Ilhuilcamina (também grafado como Motecuhzoma, ou Montezuma), que no
futuro viria também a ser imperador; e Tlacaelel, que se tornou o estadista mais importante de
toda a história asteca. Estes três líderes, formando na prática um triunvirato, vislumbraram aoportunidade de se livrar do estado de vassalagem a que Tenochtitlán vinha sendo submetida
até então.
Para atingir seus objetivos, os méxica se aliaram a Tlacopan (Tlacuba, em espa-
nhol) e à sua antiga adversária, Texcoco. Formaram a coalizão que veio a ser conhecida como
Tríplice Aliança. A aliança com Texcoco, em especial, seria fundamental para o sucesso da
campanha. O herdeiro por direito do trono de Texcoco era Nezahualcoyotl, o jovem que anos
antes presenciara o assassinato de seu pai quando da derrota para Tenochtitlán. Nezahualco-
yotl mostrou grande destreza política ao conquistar apoio (ou ao menos a neutralidade) de
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
33/92
32
diversas províncias tepanecas. A mesma habilidade que Nezahualcoyotl tinha para conquistar
aliados, o então soberano tepaneca, Maxtla, tinha para fazer inimigos.
A guerra teve como resultado a invasão de Azcapotzalco pelas forças da Tríplice
Aliança em 1428. A captura e o sacrifício ritual de Maxtla diante de seus súditos marca o fim
do domínio tepaneca e a transmissão de seus domínios para a Tríplice Aliança, também co-
nhecida como Império Asteca.
Nunca é demais ressaltar a importância que os tepanecas tiveram na história aste-
ca. Foi sob a égide de seus antigos suseranos que os astecas consolidaram seu estado e apren-
deram a arte da construção de um império, participando inicialmente como mercenários, e
posteriormente como indispensáveis aliados (DAVIES, 1987, p.34).
Com o desmantelamento do império tepaneca, seus antigos domínios viram-se li-vres do estado de vassalagem a Azcapotzalco; o que não significou de forma alguma que te-
nham aceitado automaticamente a submissão à Tríplice Aliança. O reinado de Itzcoatl seria
marcado basicamente pela “reconquista” destes antigos estados tributários. Quando morreu,
em 1440, seu império já tinha proporções comparáveis às do extinto Império Tepaneca.
A vitória sobre Azcapotzalco e o subsequente confisco de suas terras promoveria
modificações profundas na estrutura social méxica. A nobreza passou a se interessar cada vez
mais pela campanhas militares que pudessem representar ganhos fundiários para si. Vale res-saltar que as dimensões limitadas de Tenochtitlán ofereciam poucas áreas agrícolas além das
chinampas, e, também, que a terra era a única forma realmente perene de riqueza na Mesoa-
mérica. O que se viu foi a formação de uma hierarquia que favoreceu a formação de uma elite
militar detentora da posse da terra (DAVIES, 1987). Este fator recompensador foi um grande
motivador que estimulava os nobres a buscar glórias no campo de batalha.
3.5 Primeira grande expansão: Moctezuma I (1440-1468)
Ao morrer, em 1440, Itzcoatl havia não só consolidado a conquista dos antigos
territórios tepanecas, como também havia construído as estruturas político-sociais que possi-
bilitariam a grande expansão do império nos próximos reinados (DAVIES, 1973, p.42).
A decisão sobre quem seria o novo tlatoani não foi difícil. Moctezuma Ilhuicami-
na, mais conhecido como Moctezuma I, já havia provado seu valor como líder em inúmeras
guerras e também como estadista, tendo feito parte, juntamente com Itzcoatl, do triunvirato
que liderou a campanha asteca contra seus antigos suseranos. O terceiro membro, seu irmão
Tlacaelel, continuaria nos bastidores do poder, na função de cihuacoatl (primeiro-ministro) e
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
34/92
33
seria a eminência parda do poder asteca durante ainda vários reinados. Seu prestígio e poder
de influência eram tamanhos que muitos o consideram o verdadeiro idealizador do Império
Asteca. Graças a sua lendária longevidade, pôde exercer sua influência ainda sobre outros
quatro tlatoanis. É descrito pelos relatos nativos como um dos personagens mais importantes
da história asteca.
Moctezuma I por sua vez foi um líder notável tanto como político como soldado,
sendo frequentemente apresentado como um dos maiores tlatoani que o império já teve. Sob
sua liderança, os astecas empurraram suas fronteiras para muito além do Vale do México,
chegando até mesmo até as proximidades da fronteira com a Guatemala.
Surpreendentemente, o início do governo do expansionista Moctezuma iniciou-se
sem grandes campanhas por aproximadamente dezoito anos. Período de paz prolongada paraos padrões astecas. Neste intervalo de tempo seria executada somente a campanha de estreia1.
Este hiato foi utilizado para lidar com a grande fome de 1450 a 1454, para a construção do
maior monumento asteca, o Grande Templo (Templo Mayor ) de Tenochtitlán, para a consoli-
dação da aliança com os soberanos de Texcoco e Tlacuba, e principalmente, para a resolução
final de um longo conflito contra um antigo adversário que os astecas tinham muito próximo
de si: os chalcas.
Chalco era mais do que uma simples cidade-estado, mas uma confederação queabrangia catorze diferentes cidades situadas a aproximadamente meia centena de quilômetros
a sudeste de Tenochtitlán (mapa 1). A rivalidade com Chalco datava de 1376 e somente foi
encerrada com a vitória definitiva asteca em meados da década de 1450, o que levou alguns
historiadores a apelidar este conflito de a “Guerra dos Cem Anos Mesoamericana” (DAVIES,
1973, p. 52). Não foi uma vitória fácil, o que demonstra o acerto de Moctezuma ao decidir
não promover campanhas distantes antes de ter subjugado seu antigo vizinho rival, devido ao
risco de deixar sua capital desguarnecida diante da eventualidade de assédio inimigo.A partir de então o império estaria livre para lançar-se em campanhas mais afasta-
das. A mais distante foi a campanha de subjugação do povo mixteca, em 1458. Os mixtecas
habitavam uma região ao sul do México que tinha Oaxaca como cidade mais importante. Esta
região era extremamente interessante para os astecas por possuir os melhores artesãos e ouri-
ves de toda a Mesoamérica (como foi visto, estes profissionais e seus produtos eram extre-
mamente valorizados). As mais belas manifestações artísticas mesoamericanas são oriundas
da região mixtecas. Além do mais, suas terras tropicais possuíam os diversos produtos consi-
1O paradigma político mesoamericano do período pós-clássico exigia que, ao assumir o trono, o novo soberano
lançasse uma campanha militar, normalmente de pequenas proporções e contra um adversário frágil, com oúnico intuito de capturar prisioneiros para serem sacrificados em sua cerimônia de coroação.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
35/92
34
derados artigos de luxo muito utilizados nas cerimônias astecas como: plumas, ouro e pedras
preciosas. Além desta campanha, Moctezuma I teve outras conquistas sobre outros povos na
região do Vale do México e também na costa do Pacífico.
As campanhas de Moctezuma I, dentre outras razões, tinham grande motivação
econômica uma vez que buscou-se a conquista de regiões que pudessem pagar variadas for-
mas de tributo, desde os produtos alimentícios básicos da região do Vale do México, até os
artigos de luxo e oriundos da região tropical da costa do Pacífico. Este processo de expansão e
aquisição de províncias tributárias intensificou a concentração de poder e privilégio nas mãos
da nobreza militar, uma vez que, os benefícios da campanha eram compartilhados por esta
elite. Estas campanhas tiveram como resultado profundas transformações em Tenochtitlán,
que passou a receber produtos e pessoas das regiões mais remotas, assumindo o cosmopoli-tismo e as dimensões de uma verdadeira capital imperial. O território dominado pelos astecas
passava enfim a ter dimensões verdadeiramente imperiais, possuindo possessões que se esten-
diam desde a costa do Atlântico até a costa do Pacífico.
3.6 Insucessos: Axayacatl (1468-1481) e Tizoc (1481-1486)
Após o período de grandes sucessos militares promovidos por Moctezuma I, oImpério Asteca enfrentaria o seu outono expansionista durante os dois seguintes curtos reina-
dos que se seguiram. Com a morte de Moctezuma I, em 1468, a escolha mais óbvia para su-
cedê-lo seria o seu influente irmão, o primeiro-ministro Tlacaelel. No entanto, como foi men-
cionado anteriormente, este preferiu continuar nos bastidores do poder e assim permaneceu
nos três reinos subsequentes, influindo na escolha dos imperadores e nos rumos da política
asteca.
O escolhido foi o Axayacatl, líder militar que já havia mostrado seu valor marcialem diversos combates, porém muito jovem e inexperiente (apenas dezenove anos). Davies
(1982, p.185) especula que Tlacaelel teria trabalhado para que a escolha recaísse sobre este
jovem a fim de estar em melhor posição de influenciá-lo e manipular o poder real.
Axayacatl, logo após executar a sua batalha de estreia, empreendeu a campanha
que se mostraria o seu maior erro e resultaria na mais trágica derrota asteca até então. Axaya-
catl comandou uma expedição para combater os tarrascos, povo que habitava a região noroes-
te do México (ver mapa 2). Assim como o povo méxica, os tarrascos eram extremamente
aguerridos. Um detalhe importante era que estes faziam uso prático do metal em seu arma-
mento, que se mostraria mais eficiente que o equivalente asteca (DAVIES, 1974, p. 146).
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
36/92
35
A campanha foi mal concebida desde o início e os astecas chegaram à área tarras-
ca em considerável desvantagem numérica. Em qualquer combate, a força atacante normal-
mente deve ter comparável superioridade numérica para compensar as vantagens defensivas.
Na guerra mesoamericana, como será abordado mais adiante, a vantagem numérica era fator
ainda mais crucial. Os relatos oficiais apontam que a força asteca, totalizando 24.000 homens,
enfrentou 40.000 tarrascos. O resultado foi o previsível massacre da força invasora com o
regresso de míseros duzentos sobreviventes a Tenochtitlán (DAVIES, 1974, p.150).
A derrota para os tarrascos trouxe como consequência a estratégia defensiva que
os astecas adotariam na fronteira tarrasca durante todo o restante de sua história. Construíram
estruturas defensivas (que não faziam parte do paradigma militar mesoamericano) nas cidades
situadas na região fronteiriça e procuraram conquistar cidades que poderiam ser estratégicas para a vigilância desta área. De fato, os astecas nunca mais ousaram enfrentar os tarrascos.
Axayacatl viria a falecer em condições desconhecidas, apenas treze anos após ter
assumido o trono, sem ter conquistado grandes glórias para o império. Seu maior feito, se não
tão glorioso, foi ao menos fundamental para a manutenção do status quo de Tenochtitlán: a
supressão da rebelião da cidade-irmã, Tlatelolco. As forças de Tenochtitlán suprimiram a re-
volta, e, como punição pelo que foi considerado alta traição, Tlatelolco perdeu, e jamais recu-
perou, a autonomia e a posição favorável que gozava antes por ser cidade-gêmea de Tenochti-tlán. Passou a assumir posição subordinada, tendo de pagar tributos a Tenochtitlán, e ainda,
seus nobres perderam todos os privilégios, passando a ser tratados como meros plebeus.
Com grande influência de Tlacaelel, Tizoc foi eleito como o novo tlatoani em
1481. Seu reinado duraria meros cinco anos e seria ainda menos notável do que o de seu ante-
cessor. Sua reputação de mau líder militar vem desde a sua campanha de estreia, contra Me-
tztitlán, quando capturou apenas quarenta prisioneiros e perdeu trezentos, mesmo possuindo
vantagem numérica. Outros insucessos, aliados a seu desinteresse por assuntos militares, cor-roboraram esta percepção. Os cronistas e historiadores normalmente não são muito generosos
ao descrevê-lo. Hassig (1988, p. 190-198) afirma que, de todos os líderes astecas, era o mais
notável por seu mau desempenho militar e que seu reinado somente contribuiu para erodir a
credibilidade asteca. Durán (1967 apud DAVIES, 1973, p.73) afirma que Tizoc foi mais notó-
rio por sua covardia do que por sua coragem. O único cronista a discordar foi Torquemada
(1969 apud DAVIES, 1973, p.73), que ressaltou que este possuía a patente de tlacatecatl (ge-
neral) antes de assumir o posto de imperador, o que seria incompatível com sua alegada co-
vardia.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
37/92
36
Apesar destes dois reinados serem vistos como escassos de glórias, seria precipi-
tado afirmar que foram marcados somente por derrotas. Axayacatl conseguiu impedir que a
revolta de Tlatelolco abalasse a liderança de Tenochtitlán. Além disso, tanto ele como Tizoc
obtiveram algumas conquistas militares e territoriais que foram motivadas mais por busca de
aumento do fluxo de tributos para a capital do que propriamente por razões estratégicas. No
entanto, esses pálidos reinados trouxeram como consequência a desmistificação da invencibi-
lidade asteca. Outro resultado foi demonstrar as deficiências que o sistema de escolha de tla-
toani possuía. A presença de um soberano fraco permitiu o aumento de influência do outro
membro influente da Tríplice Aliança, Texcoco, que foi governada por dois soberanos extre-
mamente hábeis, Nezahualcoyotl, e posteriormente por seu filho, Nezahualpilli. Um tlatoani
fraco também interessaria ao ocupante do posto de cihuacoatl (primeiro-ministro), o que apa-rentemente era a intenção de Tlacaelel, que permaneceu nesta função durante muito tempo.
3.7 Segunda grande expansão: Ahuitzotl (1486-1502)
Com a sua morte, Tizoc foi sucedido por seu irmão Ahuitzotl em 1486. Ahuitzotl,
juntamente com Moctezuma I, é aclamado como um grande conquistador e um dos mais he-
roicos líderes que o povo asteca já teve. Sob seu reinado os astecas presenciaram mais um período de enorme expansão do império durante o qual sua extensão praticamente dobrou. A
Tríplice Aliança passaria a dominar regiões a mais de 1.100 quilômetros da capital1,distâncias
consideráveis em uma região onde todo o transporte era feito a pé.
Sua campanha de estreia, além de capturar prisioneiros para sacrifícios, teve tam-
bém o efeito de consolidar o poderio asteca na região de Chiapa. A cerimônia de coroação foi
marcada por enorme opulência e uma quantidade de sacrifícios humanos jamais vista. Consta
que, em apenas um dia de festividades, gastou-se o equivalente a um ano de tributos
2
(DAVI-ES, 1973, p.81). A partir de então, cerimônias extremamente pomposas e extravagantes tor-
nar-se-iam padrão em Tenochtitlán. No ano seguinte, em 1487, finalmente é terminada a
construção do Grande Templo, que serviria de palco para estas solenidades. Os cronistas ci-
tam que entre 20.000 e 80.000 sacrifícios humanos teriam sido realizados por ocasião de sua
inauguração. Davies (1982, p.185) contesta estes números, calculando que, provavelmente
1Distância em linha reta. Se for levado em conta o trajeto percorrido a pé, o valor chega facilmente a pelo menos1.800 km (DAVIES, 1987).
2 Nestas cerimônias de regresso de batalhas, grande parte do espólio conquistado na campanha era distribuído naforma de presentes, principalmente para a nobreza e soberanos de outras cidades convidados.
-
8/18/2019 Arte Da Guerra Entre Os Astecas
38/92
37
4.000 prisioneiros sacrificados seja uma estimativa mais próxima da r