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Gilberto Nardi Fonseca AÇÃO POPULAR: PARTICIPAÇÃO POPULAR JURISDICIONAL EM DEFESA DO ESTADO SOCIAL E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP 2008

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Gilberto Nardi Fonseca

AÇÃO POPULAR: PARTICIPAÇÃO POPULAR JURISDICIONAL EM DEFESA DO ESTADO SOCIAL E DA

MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP

2008

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Gilberto Nardi Fonseca

AÇÃO POPULAR: PARTICIPAÇÃO POPULAR JURISDICIONAL EM DEFESA DO ESTADO SOCIAL E DA

MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Dissertação apresentada como requisito para obtenção do título de Mestre em Direito à Banca Examinadora do Centro Universitário Toledo sob a orientação do Prof. Dr. Edinilson Donisete Machado.

Centro Universitário Toledo Araçatuba-SP

2008

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Gilberto Nardi Fonseca AÇÃO POPULAR: PARTICIPAÇÃO POPULAR JURISDICIONAL EM

DEFESA DO ESTADO SOCIAL E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

Banca examinadora da Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da UNITOLEDO, para obtenção do Título de Mestre em Direito.

Resultado: __________________________ ORIENTADOR: Prof. Dr. Edinilson Donisete Machado 1º EXAMINADOR: __________________________________________________________ 2º EXAMINADOR: __________________________________________________________

Araçatuba, ___ de ______________ de ____

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Para meus pais, que sem letras, impuseram uma trajetória acadêmica. Para Solange, companheira de todas as horas. Para Aliucha, eterna paixão.

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Agradecimentos

Ao Professor Mauricio Leite de Toledo (in memorian) pela iniciativa de criar o curso de Mestrado na instituição. Aos pioneiros do curso de Mestrado, na pessoa do Professor Doutor José Sebastião de Oliveira, pela conquista do reconhecimento. Ao Professor Doutor Edinilson Donisete Machado pela orientação, apoio e compreensão. À Professora Cionéia Bergamaschi Sanches pelo imprescindível socorro ortográfico. Aos amigos de torcida sincera pelo incentivo constante. Aos professores do curso de mestrado pelos ensinamentos. Aos colegas do mestrado pela convivência e debates. Às secretárias do curso de Mestrado pelo bom atendimento. Aos funcionários da biblioteca pela dedicação. Aos brasileiros pela luta incessante.

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Ao estabelecer a moralidade administrativa como “princípio” da administração pública (art. 37) e como requisito de validade dos atos administrativos (art. 5º, LXXIII), o legislador constituinte impôs aos agentes públicos um modelo de conduta, uma regra de comportamento, um modo de proceder, que deve ser conforme àquele princípio e cujo descumprimento acarreta sanções, nomeadamente a de nulidade do ato. Se é norma de conduta, se é coercitiva, se o seu descumprimento acarreta conseqüências sancionatórias, o princípio da moralidade administrativa, bem se percebe, pertence ao mundo da normatividade jurídica. Ele não está fora, nem ao lado do direito. Ele é parte do direito, tem natureza idêntica à de outros princípios de direito. Teori Albino Zavascki

FONSECA, Gilberto Nardi. Ação popular: Participação popular jurisdicional em defesa do Estado social e da moralidade administrativa. 157 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Toledo - UNITOLEDO, 2008.

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RESUMO Esta dissertação trata do direito de participação do povo no controle dos atos estatais por meio da ação popular. Considera-se essa forma de participação jurisdicional direta, como direito fundamental decorrente do princípio da soberania popular estabelecido no parágrafo único do artigo 1º e positivado no art. 5º, LXXIII da Constituição Federal. Parte-se da idéia de que a espinha dorsal do Estado social brasileiro se encontra intacta na ordem constitucional, apesar das tentativas de mutilação perpetradas pelos agentes do neoliberalismo e, para a sua efetivação, basta a observância dos seus princípios estruturantes e objetivos expressos no próprio texto. O fio condutor de toda atividade estatal, como estabelecido na própria constituição, é a dignidade da pessoa humana, portanto, todos os atos e atividades do Estado devem estar voltados, prioritariamente, para o atendimento dessa diretriz normativa, que é proporcionar aos brasileiros, vida digna e justa. Qualquer ação estatal que não esteja em consonância com esse princípio estruturante há de ser considerada afrontosa à norma constitucional, devendo ser retirada do mundo jurídico. Para isso, é decisiva a participação popular junto ao Poder Judiciário, para que a sua atuação, especialmente do Supremo Tribunal Federal, que é, ou pelo menos deveria ser, o guardião da Constituição, seja rumo à efetividade dos direitos fundamentais. Só essa parceria entre o poder popular, no uso de sua atribuição de soberania e o Estado, pelos seus órgãos de gestão poderá prepará-lo para fazer frente ao poder planetário das corporações econômicas e seus agentes. Parceria essa que se deve dar em torno do pacto já existente entre as mais variadas forças da nação, que é a Constituição Federal, onde se encontram as normas dirigentes da atuação Estatal. Um dos instrumentos essenciais para a participação jurisdicional é a ação popular constitucional, que deve ser considerada como a principal trincheira de luta na defesa do Estado social e da moralidade administrativa. Esse princípio é o difusor das regras de conduta dos agentes públicos e, a sua não observância, enseja a propositura da mencionada ação de controle dos atos estatais, que devem, necessariamente, estarem alicerçados sobre o esteio constitucional, sob pena da sua nulidade por oposição popular e controle jurisdicional. Palavras chaves: Estado social; Princípios estruturantes e objetivos; Participação popular; Dignidade da pessoa humana; Moralidade administrativa. FONSECA, Gilberto Nardi. Ação popular: Participação popular jurisdicional em defesa do Estado social e da moralidade administrativa. 157 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Toledo - UNITOLEDO, 2008.

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ABSTRACT This dissertation is on the right of the citizen's participation in the control of the state actions through the popular action. This form of direct jurisdictional participation is considered as fundamental right due to the principle of the popular sovereignty established in the only paragraph of the article 1st and confirmed in the art. 5th, LXXIII of the Federal Constitution. Having in mind that the spine of Brazilian Social State is intact in the constitutional order in spite of the mutilation attempts perpetrated by the agents of the neoliberalism and, for his/her accomplishment it is enough the observance of their structural principles and expressed objectives in the own text. The conductive thread of every state activity by order of the own constitution is the human person's dignity, therefore, all of the actions and activities of the State should be gone back with priority to the service of that normative guideline, that it is to provide to Brazilians, a worthy and fair life. Any state action that is not in consonance with this structural principle must be considered offensive to the constitutional rule, therefore, harmful to the administrative morality, should be removed of the juridical world, for that, the citizen's participation is decisive for the performance of the Judiciary power, especially of Federal Supreme court, that is, or at least it should be, the guardian of the Constitution. Only this partnership among the popular power, in the use of his/her sovereignty attribution and the State, through their administration organs will be able to prepare him to do front to the planetary power of the economical corporations and their agents. That partnership should occur around the pact that already exist among the most varied forces of the nation, that it is the Federal Constitution, where there are the head norms of the State performance. One of the essential instruments for that participation is the constitutional popular action, which should be had as the main fight trench in the control of the administrative morality. That principle is the diffuser of the rules of conduct of the public agents and, its no observance demands the presentation of the mentioned action of control of the state actions, which should necessarily be based on the constitutional shore, under penalty of nullity for popular opposition and jurisdictional control. Word-key: Social state; Structural principles and objectives; Popular participation; Dignity of the human person; Administrative morality. FONSECA, Gilberto Nardi. Ação popular: Participação popular jurisdicional em defesa do Estado social e da moralidade administrativa. 157 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Centro Universitário Toledo - UNITOLEDO, 2008.

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RESUMEN Esta disertación trata del derecho de participación del pueblo en el control de los actos estatales por la acción popular. Se considera esta manera de participación jurisdiccional directa, como derecho fundamental que tiene como origen el principio de la soberanía popular establecido en el párrafo único del artículo 1º y positivado en el artículo 5º de la Constitución Federal. A partir de la idea de que la espina dorsal del Estado social brasileño se encuentra intacta en el orden constitucional, a pesar de las tentativas de mutilación perpetradas por los agentes del neoliberalismo y, para su efectuación bastante es la observancia de sus principios estructurales y objetivos expresos en el propio texto. El hilo conductor de toda la actividad estatal, conforme a lo estipulado en la propia constitución, es la dignidad de la persona humana, por consiguiente, todos los actos y actividades del Estado deben volcarse prioritariamente al servicio de esta directriz normativa, que es proporcionar a los brasileños, vida digna y justa. Cualquier acción estatal que no esté de acuerdo con ese principio estructurante ha que ser considerada afrentosa a la norma constitucional, debiendo quitarse del mundo jurídico. Para eso, es decisiva la participación popular para la actuación del Poder Judiciario, en particular, del Supremo Tribunal Federal, que es, o por lo menos debería ser, el guardián de la Constitución, sea rumbo a la efectividad de los derechos fundamentales. Sólo esta ayuda mutua entre el poder popular, a través del uso de su atribución de soberanía, y el Estado, por sus órganos de gestión, podrá prepararlo para hacer frente al poder planetario de las corporaciones económicas y sus agentes. Parceria esta que se debe dar alrededor del pacto ya existente entre las más distintas fuerzas de la nación, que es la Constitución Federal, donde se encuentran las normas dirigentes de la actuación Estatal. Uno de los instrumentos esenciales para la participación jurisdiccional es la acción popular constitucional, la que deberá considerarse como la principal trinchera de lucha en la defensa del Estado social y de la moralidad administrativa. Este principio es el difusor de las reglas de conducta de los agentes públicos y, su no observancia, proporciona la proposición de la mencionada acción de control de los actos estatales, que deben, necesariamente, fundamentarse sobre la escora constitucional bajo pena de su nulidad por oposición popular y control jurisdiccional. Palabras llave: Estado social; Principios estructurantes y objetivos; Participación popular; Dignidad de la persona humana; Moralidad administrativa.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................... 11 CAPÍTULO I. O ESTADO ENQUANTO ORGANIZAÇÃO POLÍTICA DA SOCIEDADE..15 1.1 Notas preliminares................................................................................................................ 15 1.2 A origem............................................................................................................................... 17 1.3 O Estado moderno ................................................................................................................ 21 1.3.1 O Estado moderno absolutista ...................................................................................... 24 1.3.2 O Estado moderno liberal ............................................................................................. 26 1.3.3 O Estado moderno social.............................................................................................. 29 1.3.4 O Estado moderno neoliberal ....................................................................................... 32 1.4 A retomada do Estado social ................................................................................................ 36 1.4.1 O Estado social democrático participativo brasileiro ................................................... 39 CAPÍTULO II. PRINCÍPIOS FUNDANTES E OBJETIVOS DO ESTADO BRASILEIRO E O DIREITO FUNDAMENTAL DE PARTICIPAÇÃO NA DOGMNÁTICA CONSTITUCIONAL ................................................................................................................. 42 2.1 Notas preliminares................................................................................................................ 42 2.2 Princípios fundantes do Estado brasileiro ............................................................................ 43 2.2.1 A dignidade da pessoa humana na ordem jurídica positiva.......................................... 46 2.2.2 A legitimação para o exercício do poder no Estado brasileiro ..................................... 49 2.2.3 O poder político tripartido em funções estatais ............................................................ 51 2.3 Objetivos do Estado brasileiro.............................................................................................. 52 2.4 Os direitos fundamentais e a participação política ............................................................... 53 2.4.1 A fundamentalidade do direito de participação............................................................ 59 CAPÍTULO III. AÇÃO POPULAR: A PARTICIPAÇÃO JURISDICIONAL DO CIDADÃO EM DEFESA DO ESTADO SOCIAL E DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA ............. 64 3.1 Notas preliminares................................................................................................................ 64 3.2 Origem.................................................................................................................................. 65 3.3 Conceito e natureza .............................................................................................................. 69 3.4 Evolução no sistema jurídico brasileiro ............................................................................... 71 3.5 Garantia constitucional e exercício da cidadania ................................................................. 75 3.6 Objeto ................................................................................................................................... 77 3.7 Requisitos ............................................................................................................................. 79 3.7.1 Legitimação ativa ......................................................................................................... 79 3.7.2 Ilegalidade ou ilegitimidade ......................................................................................... 82 3.7.3 Lesividade..................................................................................................................... 83 3.8 Distinção entre Ação Popular e Ação Civil Pública............................................................. 87 3.9 Ação Popular e Processo Coletivo........................................................................................ 89 3.10 A Moralidade administrativa como causa autônoma a fim de ensejar Ação Popular ........ 94 CONCLUSÃO............................................................................................................................ 98 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 106 ANEXO I................................................................................................................................... 112 ANEXO II ................................................................................................................................. 138

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INTRODUÇÃO

O tema da corrupção e da escandalosa parceria entre o público e o privado na gestão

do Estado brasileiro, são assuntos recorrentes no debate acerca da ética na política e da

conduta dos governantes, o que coloca a moralidade administrativa no centro da questão.

Tanto é assim, que é comum, observar-se na mídia ou no dia-a-dia das discussões

populares, falar-se da desilusão do povo com a “política”, criando-se expressões do tipo

“político é tudo igual, nenhum presta”, “político é tudo ladrão” (sic) ou ainda, “quem tem

dinheiro não vai preso nesse país”.

Essas reações demonstram o descrédito popular quanto à atuação dos órgãos do

Estado, violência nos grandes centros urbanos, mau atendimento nos serviços básicos de

saúde e educação, morosidade e falta de efetividade na prestação jurisdicional e, uma relação

no mínimo intrigante (para não dizer espúria) entre as forças do grande capital nacional e

estrangeiro, com altas figuras de todos os poderes da República.

Neste cenário se insere a discussão, de como o poder judiciário pode colaborar no

combate aos desvios de conduta de parte dos agentes públicos, inclusive dos seus próprios,

através da participação direta da população no controle dos atos estatais.

O objeto desta pesquisa é descobrir como combater, com participação popular e

controle jurisdicional das atividades estatais, os atos lesivos à moralidade administrativa,

entendidos como tais, aqueles que violem a ordem constitucional e atentem contra o dever de

um governo honesto, uma vez que, se trata de princípio constitucional, direito difuso dos

brasileiros.

O judiciário é função estatal essencial para o controle da gestão pública e garantia do

Estado Democrático de Direito. A prestação jurisdicional dele emanada, precisa ser estudada

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à luz do estágio em que se encontra o desenvolvimento dessa atividade, pois ela é parte

integrante do direito de acesso à justiça.

O primeiro capítulo trata do Estado, seu surgimento e evolução, concentrando-se o

estudo no denominado Estado Moderno (ocidental e capitalista) desde a sua fase absolutista,

passando pelos modelos liberal e social, até o decadente, mas contemporâneo neoliberal.

Para o objeto desse estudo, porém, a vertente que mais interessa, é o surgimento,

dentro da concepção de Estado moderno, do constitucionalismo, consolidado a partir das duas

grandes revoluções burguesas do final do século XVIII, a Americana e a Francesa, quando se

inicia o ciclo de legalidade e o poder deixa de ser das pessoas para orbitar em torno da lei.

Só com a plenitude do Estado constitucional, entendido como aquele que garanta a

concretização da sua constituição, é que se poderá garantir ao cidadão a efetividade dos

direitos fundamentais e, ao próprio Estado a soberania necessária para blindá-lo e não

sucumbir diante dos interesses das corporações econômicas.

Assim é que se encerra o primeiro capítulo com a constatação de que a estrutura do

Estado social brasileiro permanece presente na Constituição, sendo necessária a sua

refundação.

No segundo capítulo, se aborda os princípios fundantes e objetivos do Estado

brasileiro sob a perspectiva da dogmática constitucional, tendo a dignidade da pessoa humana

como fio condutor de toda atividade estatal, razão própria da existência do Estado.

Discorre-se também sobre a fonte de legitimação para o exercício do poder, que é a

soberania popular, garantidora do direito de participação do povo nos atos de gestão da coisa

pública.

Essa participação é direito fundamental, pois que, é princípio estabelecido no art. 1º,

parágrafo único da Constituição Federal, especialmente a participação jurisdicional, tendo o

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processo como instrumento de proteção dos interesses difusos e coletivos, positivada no art.

5º, LXXIII.

Partindo-se dos pressupostos: i-) de que cabe ao Estado constitucional, por meio do

poder judiciário, a proteção e a efetividade da constituição, a partir da observância dos seus

princípios e objetivos estruturantes e, ii-) de que nela está a garantia de participação do

cidadão no controle do atos estatais, os princípios de observância obrigatória pelos agentes

públicos e, também, o mecanismo de controle jurisdicional, entre outros, dos atos lesivos à

moralidade administrativa, no terceiro capítulo se aborda o instituto da Ação Popular.

Essa Ação, direito fundamental de participação política, expressa no art. 5º, LXXIII

da Constituição Federal, é um instrumento processual constitucional que possibilita ao

cidadão, exercer o controle jurisdicional dos atos lesivos à moralidade administrativa.

Dessa forma, a pesquisa concluiu que a Ação Popular é importante instrumento de

participação jurisdicional, ao alcance do povo, que pela proteção estatal constitucional pode

anular atos lesivos à moralidade administrativa.

Concluiu, também, que o Estado, por meio do exercício da prestação jurisdicional é

importante aliado do povo no combate às condutas lesivas à moralidade administrativa

praticadas por seus agentes, efetivando-se os princípios que regem a atividade estatal.

O que não se pode esperar, é que a efetividade, tanto da participação popular quanto

da proteção estatal pela prestação jurisdicional se dê apenas por causa da positivação

constitucional do direito de participação (CF, art. 1, parágrafo único); do direito de controle

jurisdicional da atividade da Administração (CF, art. 5, LXXIII) e do dever de probidade do

governante (CF, art. 37), mas antes de tudo, da consciência participativa.

Essa consciência se dá por meio de um longo processo histórico de lutas, em que vão

se acumulando experiências e aprendizado no exercício da cidadania plena, tanto da

população para exercer plenamente seus direitos, como dos agentes do Estado para atuarem

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dentro dos limites impostos pelas normas constitucionais, particularmente do Poder

Judiciário, que precisa avançar no sentido de compreender que o seu dever é a defesa da

constituição, para a efetividade das suas normas.

Essa é a prestação jurisdicional devida ao povo. Efetividade das normas

constitucionais.

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CAPÍTULO I. O ESTADO ENQUANTO ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

DA SOCIEDADE

Notas preliminares

O objeto desta pesquisa é descobrir como controlar os atos estatais através da

participação popular e da função jurisdicional do Estado, assim sendo, é importante que se

faça uma breve abordagem, sobre o Estado, a que interesses atende e principalmente qual o

papel a desempenhar na atualidade.

Estado no sentido do termo tal qual se conhece, hoje, e aceito universalmente como

conceito jurídico, pode ser “definido através de três elementos constitutivos: o povo, o

território e a soberania”. (BOBBIO, 1999, p. 94).

A formação do Estado, considerada a maior e mais intrincada organização política

criada pelo gênero humano, ou ainda um evento extraordinário (BOBBIO, 1999, p. 74), tem

sido objeto de aprofundados estudos ao longo da história.

Ainda hoje, o tema desperta a curiosidade de estudiosos, que têm elaborado

definições de acordo com a evolução do pensamento humano e os interesses de quem

eventualmente esteja a exercer o poder dentro do aparelho Estatal, ou que interesses

representam, pois é certo que “um Estado constitui sempre uma comunidade de homens”.

(FLEINER-GERSTER, 2006, p. 13)

Em razão da diversidade de formas e conteúdos que comumente se tem utilizado na

abordagem do tema, é difícil uma conceituação exata do termo e a universalização do seu

objeto.

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Kelsen (2005, p. 261) considera que a palavra é usada em um sentido bem amplo, ora

a indicar a sociedade como um todo, órgão da sociedade, o governo ou sujeitos do governo,

ou ainda uma nação ou território, segundo ele:

A situação insatisfatória da teoria política – que, essencialmente, é uma teoria do Estado – deve-se em boa parte, ao fato de diferentes autores tratarem de problemas bastante diferentes usando o mesmo termo e, até, de um mesmo autor usar inconscientemente a mesma palavra com vários significados. A situação revela-se mais simples quando o Estado é discutido a partir de um ponto de vista puramente jurídico. O Estado, então, é tomado em consideração apenas como um fenômeno jurídico, como uma pessoa jurídica, ou seja, como uma corporação.

Não se pode, todavia, desconsiderar que o autor é um dos expoentes do período

dogmático-formalista, que na formulação da sua teoria pura do direito, elimina o conteúdo

político da teoria do Estado e o transforma numa ordem meramente normativa, razão pela

qual o considera apenas como uma pessoa jurídica, uma corporação.

Apesar das remissões históricas sobre seu surgimento, como o objeto desta pesquisa

não trata das Teorias do Estado, o tema foi delimitado a partir da concepção do denominado

Estado moderno, capitalista e ocidental, especialmente o surgimento do constitucionalismo.

Em verdade, a pesquisa se restringe a determinado tipo de Estado: “O Estado

nacional soberano, que nascido na Europa, se espalhou recentemente por todo o mundo”.

(MIRANDA, 2002, p. 19)

Justifica-se a delimitação do tema a partir do constitucionalismo, porque é com a sua

implantação que se inicia o ciclo da legalidade, quando segundo Bonavides (2003, p. 29), “o

poder já não é de pessoas, mas de leis”.

Segundo esse autor (2003, p. 29), a “conversão do Estado absoluto em Estado

Constitucional” é a premissa essencial desse modelo de Estado, porque “são as leis, e não as

personalidades, que governam o ordenamento social e político. A legalidade é a máxima de

valor supremo e se traduz com toda energia no texto dos Códigos e das Constituições”, o

parâmetro é a legalidade e não a vontade real.

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Só por intermédio do Estado constitucional, entendido como aquele que garanta a

concretude da sua Constituição, é que se poderá garantir ao cidadão a efetividade dos direitos

fundamentais e, ao próprio Estado, a soberania necessária para blindá-lo e não sucumbir

diante dos interesses das corporações econômicas.

1.2 A origem

Várias correntes de pensamento tentam explicar a época1 e os motivos2 que

determinaram o nascimento do Estado, ou seja, a sua origem.

Como nesta pesquisa se parte do fato já dado da existência do Estado, especialmente

do denominado Estado Moderno do mundo capitalista ocidental, a sua origem é importante

apenas como marco histórico da sua existência, não havendo a pretensão de aprofundamento

do tema.

Mas, para situar-se no debate sobre qual papel deve desempenhar o Estado, se

apresentam, em síntese, quanto ao tempo e os motivos do seu surgimento, as duas correntes

mais importantes, ou pelo menos as duas mais debatidas:

1 - A marxista, que considera ser o Estado a conclusão de um processo pelo qual, a

classe economicamente mais forte afirma o seu poder sobre toda a sociedade, estabelecendo

esse poder, inclusive, juridicamente, como conseqüência da divisão da sociedade em classes

com o surgimento da propriedade privada.

Engels (1979, p. 119-120) analisando a decadência da organização gentílica grega,

segundo ele ocasionada pelo início do direito paterno, a herança dos haveres pelos filhos e a

1 Quanto à época do surgimento do Estado, Dalari (1987, p. 43) apresenta as três principais teorias debatidas: i) O Estado e a sociedade teriam sempre existido; ii) por algum tempo existiu a sociedade sem o Estado; iii) o conceito de Estado não pode ser o mesmo para todos os tempos, pois seria um conceito histórico. 2 Quanto aos motivos que levaram à origem do Estado, Calmon (1964, p. 34) apresenta também as três principais possibilidades debatidas: i) seria obra das divindades, pois originado do sobrenatural; ii) seria humano, porque derivado da Lei, assim, da razão humana; iii) seria social, pois derivado da caminhada histórica da humanidade.

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facilitação da acumulação de riqueza, tornando-a respeitada como bem supremo, exigia uma

instituição que as assegurasse individualmente, considera que:

Uma instituição que, em uma palavra, não só perpetuasse a nascente divisão da sociedade em classes, mas também o direito de a classe possuidora explorar a não-possuidora e o domínio da primeira sobre a segunda. E essa instituição nasceu. Inventou-se o Estado.

Analisando a origem do Estado Gruppi (1980, p. 30) sustenta que houve sociedades

que prescindiram do Estado, pois não tinham nem idéia de Estado e poder Estatal, e que este

se torna necessário a partir de determinada fase do desenvolvimento econômico, afirma que:

Tudo começa quando se diferencia a posição dos homens nas relações de produção. Por um lado temos os escravos, pelo outro, o proprietário de escravos; de uma parte o proprietário da terra, de outra, os que nela trabalham subjugados pelo proprietário. Quando se produzem essas diferenciações nas relações de produção, determinando a formação de classes sociais e, por conseguinte a luta de classes surge a necessidade do Estado: a classe que detém a propriedade dos principais meios de produção deve institucionalizar sua dominação política, com estruturas jurídicas, com tribunais, com forças repressivas, etc.

Segundo a teoria marxista o Estado é um instrumento de dominação e, o seu

surgimento e a sua função seria a manutenção do domínio de uma classe sobre outra, já que a

sociedade se dividiria entre a classe dos proprietários e a dos que nada têm. (BOBBIO, 1999,

p. 74)

2 - A liberal clássica, que defende o surgimento do Estado como sendo uma longa

história de integrações e conquistas, organizando-se para a independência do território, tendo

Reale (1973, p. 37) ao discorrer sobre ela, sustentado que:

Analisando a formação histórica do Estado, e especialmente do Estado Moderno, verificamos que ela é o resultado de um longo e complexo processo de integração e discriminação, no qual interfere uma série de fatores. Compreende-se, pois, o erro das teorias simplistas que tentam reduzir a multiplicidade dos fatores a um só, quer geográfico, quer étnico, quer militar, quer econômico, quer pessoal pela ação criadora dos ‘heróis’ ou ‘super-homens [...]. A história do Estado Moderno é, de maneira particular, uma história de integrações crescentes, de progressivas reduções à unidade. Verifica-se essa integração em múltiplos sentidos que a análise minuciosa a muito custo consegue individualizar. Surge, historicamente, pelo alargamento dos domínios das monarquias absolutas, através das guerras intermináveis, de atos felizes de diplomacia, de casamentos e laços de parentesco, de compras, cessões e trocas de territórios, de golpes de audácia de políticos e de frios cálculos de mercadores [...].

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Para a teoria liberal, o Estado seria uma instituição neutra, que visa ao bem comum e

estaria acima dos interesses das classes sociais, aliás, ela não reconhece que a sociedade é

formada por classes sociais e o seu desenvolvimento seja determinado pela luta entre elas.

De todo modo, é preciso reconhecer que em qualquer exercício mental para

compreender os motivos e a época do surgimento do Estado, ou qual corrente do pensamento

é a mais adequada para sua explicação, não se pode desconsiderar que haverá sempre a

limitação do “pensar atual”, portanto, toda cautela é pouca, conforme esclarece Heller (1961,

p. 141) com a seguinte lição:

É evidente, que com tamanha extensão, o conceito histórico de Estado se desnaturaliza por completo e se torna de impossível utilização. Para compreender as relações políticas do passado, não há, em última análise, outro recurso senão analisá-las com os conceitos do pensar atual. Mas, este meio, tem que ser utilizado com a máxima cautela para se evitar imagens totalmente falsas do passado, conscientes de que nossos conceitos políticos são inadequados, em princípio, para um passado tão longínquo.3 (Tradução nossa)

Não se pode, com rigor científico, precisar com exatidão o momento em que surgiu a

sociedade Estatal, inclusive porque se reconhece a “existência de sociedades políticas pré-

estatais” (SOARES, 2008, p. 73), mas a cidade antiga pode ser considerada o paradigma do

que se entende, hoje, por Estado, já que ali se concentravam todos os poderes, Bonavides

(2003, p. 20) inclusive as considera:

A imagem eloqüente do Estado antigo com sua geografia político urbana, sua concentração personificada de poder, sua forma de autoridade secular e divina expressa na vontade de um titular único – o faraó, o rei, o imperador - de quem cada ente humano, cada súdito é tributário.

3 Texto original: Es evidente que, con tan ilimitada extensión, el concepto histórico del Estado se desnaturaliza

por completo y se hace de impossible utilización. Para comprender las relaciones políticas del pasado, no hay,

en último término, otro recurso que medirlas con los conceptos del pensar atual. Pero este medio, si se quiere

evitar tener imágenes totalmente falsas del pasado, hay que usarlo con la máxima cautela y en la inteligencia de

que nuestros conceptos políticos son inadecuados, en principio, para un pasado muy lejano.

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O paço e o templo, a Monarquia e o Sacerdócio, o temporal e o espiritual, traduziam a fusão completa do governo dos homens com o poder sobrenatural das divindades, o numes do Paganismo.

Dessa forma, seguindo o citado autor (2003, p. 20) pode-se considerar que na

antiguidade já havia rudimentos do que hoje se entende por Estado, e estava personificado na

“força bruta das tiranias imperiais típicas do Oriente” e na “ética teológica da polis grega ou

no zelo da coisa pública, a res pública, da civitas romana”, notadamente Tebas, Atenas,

Esparta e Roma.

Para efeitos meramente cronológicos, sem pretensão de exaurimento, pode se

estabelecer que até o século V da nossa era, tendo como marco a queda do Império Romano

do Ocidente, houve o Estado antigo, representado pelos Estados Orientais e pelos Grego e

Romano, estes últimos os mais lembrados pela influência da Polis Grega e da Civitas

Romana; daí até o século XV, tendo como referência a descoberta da América, o Estado

Medieval, das monarquias medievais, do feudalismo e do poder da Igreja Romana e, a partir

de então surge o Estado Moderno, que se caracteriza pelas monarquias absolutistas e pelo

poder do clero, até as Revoluções Burguesas do século XVIII. (MALUF, 1993, p. 92-93)

Assim sendo, para fins puramente cronológicos, sem nenhuma pretensão

historiográfica, se reconhece a presença do Estado já na antiguidade, com a suas obvias

diferenças estruturais.

Segundo Bobbio (1999, p. 73), o problema é saber “se o Estado sempre existiu ou se

é um fenômeno histórico que aparece num certo momento da evolução da humanidade”.

Criado pelo homem para garantir a sua liberdade segundo alguns, ou para garantir a

dominação de uma classe segundo outros; o fato é que o estabelecimento de regras mínimas

de convivência e o aparecimento de um “ordenamento político de uma comunidade nasce da

dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco”. (BOBBIO 1999,

p. 73)

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Independente da forma como se considera ter o Estado surgido e por quais motivos, o

fato é que a sua existência é uma unanimidade, a divergência se instala quando a discussão é

sobre o papel a desempenhar na atualidade e a que interesse deveria servir, enfim, qual a sua

função.

1.3 O Estado moderno

O Estado moderno começou a surgir, na Europa, no final do século XIV, início do

XV, particularmente na França, Inglaterra e Espanha, considerando-se como Estado moderno

aquele unitário, soberano e independente de outros poderes, seja das divindades, como eram

os Estados da antiguidade ou do senhor feudal e do clero, como eram os Estados medievais.

(GRUPPI, 1986, p. 09)

Mas, foi no ano de 1531, portanto, no século XVI, com a rebelião de Henrique VIII

da Inglaterra contra o poder do papa e a separação da Igreja Católica, que teve início a sua

absoluta autonomia e soberania, sendo este acontecimento um marco importante da formação

do Estado moderno, mesmo porque, segundo Gruppi (1986, p. 09), o divórcio do rei e sua

esposa espanhola, Catarina de Aragão, para o casamento com Ana Bolena, foi puramente

circunstancial, pois:

Esse divórcio foi recusado pelo papa por uma motivação política, pois ele não queria perder a amizade com e Espanha, que era então um grande império possuindo territórios também na Itália. Na verdade, as condições estavam maduras para a proclamação da plena independência inglesa, da plena soberania do Estado; e do rei que personifica, representa e realiza a soberania do Estado, declarando-se também chefe da Igreja anglicana (fórmula que, juridicamente, será aperfeiçoado mais tarde). Com esse ato firma-se que o poder do Estado é absoluto, que a soberania estatal é absoluta e não depende de nenhuma outra autoridade [...]. Proclama-se assim, a absoluta autonomia e soberania do Estado.

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Foi Maquiavel (2007, p. 31, grifo nosso), no entanto, quem iniciou as reflexões sobre

o Estado moderno e também o uso do termo, “Todos os Estados, todos os domínios que

tiveram e têm império sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados”.

Independente das polêmicas geradas por esta obra (Maquiavel) e da forma como se

faça sua leitura, o fato é que quase quinhentos anos depois ela ainda continua sendo,

obrigatoriamente, citada sempre que se trate do Estado e, Maquiavel considerado como

precursor da ciência política, a quem se atribui o desenvolvimento do conceito político de

Estado. (SOARES, 2008, p. 49)

No século XV é que se inicia a transformação do modelo feudal de produção para o

mercantilismo capitalista, justamente a época em que se redefine o papel do Estado, momento

em que ele passa apresentar características de unidade e soberania.

Segundo Huberman (1986, p. 70) é em fins da Idade Média, no decorrer do século

XV que se inicia a modificação do modelo feudal, surgindo as Nações e o sentimento de

unidade nacional, exatamente quando:

Passaram a existir leis nacionais, línguas nacionais e até mesmo igrejas nacionais. Os homens começaram a considerar-se (sic) não como cidadãos de Madri, de Kent ou de Paris, mas como da Espanha, Inglaterra ou França. Passaram a dever fidelidade não à sua cidade ou ao senhor feudal, mas ao rei, que é o monarca de toda uma nação.

Este é o marco inicial do Estado Moderno.

Surge como Estado Absolutista e a partir das revoluções burguesas4 do século XVIII,

principalmente a Francesa em 1789, passa pela fase liberal, social e neoliberal, seria o Estado

4 Tiveram origem na revolução da burguesia inglesa no final do século XVII, que movida pela necessidade de

implantação do modo de produção capitalista e o estabelecimento da propriedade privada, aliada à limitação do

poder monárquico estabelecida pelo “Bill of Rights” (declaração de direitos – 1689), implanta o

Parlamentarismo, que vai lhe garantir o aparato jurídico necessário para a sua permanência no poder. Bonavides

(2004, p. 42) considera que “o primeiro Estado jurídico, guardião das liberdades individuais, alcançou a sua

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moderno o início do hoje denominado Estado democrático de direito, que não existiu nos

Estados antigo e medieval.

No dizer de Bonavides (2003, p. 19) Estado moderno é uma locução política e

“significa uma nova representação de poder grandemente distinta daquela que prevaleceu em

passado mais remoto ou até mesmo mais próximo, como foi o largo período medievo”, já que

o grande princípio que o inaugurou foi a soberania.

Soberania esta, ainda segundo este autor (2003, p. 21) é a “sólida doutrina de um

poder inabalável e inexpugnável, teorizado e concretizado na qualidade superlativa de

autoridade central, unitária e monopolizadora de coerção”, diferentemente do modelo anterior

em que a autoridade repousava numa espécie de divindade, no poder dos senhores feudais ou

no clero.

A característica essencial do Estado moderno é a sua soberania, no entanto, o poder

que o capital exerce, atualmente, sobre ele não é muito diferente daquele exercido pelas

divindades ou pela igreja e senhores feudais na antiguidade e na idade média.

Tanto é assim, que em todas as situações de emergência, o Estado é invocado pelos

interesses empresariais “para embargar crises ou remover embaraços funcionais da própria

economia capitalista”, o que vulnera sensivelmente a soberania dos Estados contemporâneos.

(BONAVIDES 2004, p. 35)

O Estado Moderno, portanto, nascido com a característica de unidade e

principalmente soberania, enfrenta na atualidade sérias distorções conceituais e de conduta,

especialmente a impotência demonstrada para controlar o Poder dos capitais transnacionais,

expressos nesta fase da globalização, que visa a “recolonização do gênero humano”, e projeta

experimentação histórica na Revolução Francesa”, exatamente porque foi com ela que nasceu o que conhecemos

hoje por Estado Democrático de Direito.

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a submissão de “cada povo à tirania do lucro, das bolsas e dos mercados”. (BONAVIDES,

2001, p.56-57)

Diante desse novo cenário, o poder do Estado tem sido confrontado cotidianamente

pelo poder das empresas transnacionais, que já romperam as suas fronteiras, reduzindo

consideravelmente sua soberania e seu poder, características essenciais do Estado moderno.

1.3.1 O Estado moderno absolutista

O Estado moderno surgiu da superação do Estado medieval feudalista da Europa que

até então mantinha um sistema econômico fechado.

A sua origem torna-se uma necessidade da expansão do comércio e o aparecimento

de um novo sistema bancário voltado ao atendimento desta demanda, incompatível com o

sistema de economia local anterior, já que surge em cena a burguesia, a nova classe, composta

pelos banqueiros e comerciantes.

No dizer de Crossman (1980, p. 30):

Não eram nem reis, nem aristocratas, nem camponeses, nem podiam ser incluídos entre os artesões e os comerciantes locais dos dias da Idade Média. Os burgueses constituíam um grupo independente, ao qual estariam sujeitas em breve todas as outras classes, desde o rei até os servos. A burguesia forma-se essencialmente pelas camadas ricas, que controlavam os meios de circulação. Com seu capital foram financiadas as campanhas militares dos reis.

O Estado moderno nasce absolutista.

A nova classe emergente estava aliançada com as “camadas sociais da antiga

nobreza feudal”, ou seja, o Estado moderno, no seu nascedouro, tem sua soberania ligada ao

soberano, o “monarca de direito divino” e não ao povo, nessa fase, a burguesia era aliada da

nobreza absolutista, remanescente do Estado medieval, ainda não era poder. (BONAVIDES,

2003, p. 22)

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O que diferencia o Estado moderno absolutista do Estado medieval é a concentração

da força, quer seja das armas ou do direito, tendo Matos (2002, p. 149), considerado que:

O Estado moderno e sua primeira expressão, o Estado absolutista, é caracterizado pela pretensão do monopólio da produção do direito e pela pretensão do monopólio do uso legítimo da força, em contraste com o Estado medieval que compartilhava estes poderes com outros organismos políticos – o feudo, o principado, a Igreja, o Sacro Império, etc.

Esse Estado, produto do crescente comércio, comandado pela nobreza absolutista e

pelo clero, transforma por meio das suas políticas mercantilistas esta nova classe (burguesia)

no motor da sociedade, mas, neste período ela ainda não é classe dominante, o que só ocorrerá

no século XVIII, notadamente, a partir da Revolução Francesa de 1789.

Foi a partir dessa revolução que o Estado moderno passa a ostentar uma nova

identidade institucional, simbolizando na queda da Bastilha, segundo Bonavides (2003, p. 28)

o “fim imediato de uma era, o colapso da velha ordem moral e social erguida sobre a injustiça,

a desigualdade e o privilégio, debaixo da égide do absolutismo”.

É a partir deste marco histórico, a Revolução Francesa, que se extingue o Estado

absolutista e surge o Estado liberal, produto deste processo “revolucionário” apoiado pela

burguesia, já que era crescente o contraste entre o seu poder econômico e a sua falta de poder

político. (MIRANDA, 2002, p. 44)

A disputa do poder político pela burguesia com a nobreza e o clero, aliada às

péssimas condições de vida do povo francês gerou o processo revolucionário, que culminou

com a derrubada da monarquia absolutista e o início da fase liberal do Estado.

1.3.2 O Estado moderno liberal

O Estado moderno liberal é a primeira expressão de poder surgida do confronto entre

o liberalismo e o absolutismo, ele surge “imbricado ou identificado com os valores e

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interesses da burguesia, que então conquista, no todo ou em grande parte, o poder político e

econômico”. (MIRANDA, 2002, p. 47)

Sua marca essencial é a delimitação do exercício dos poderes do Estado, “submete o

Estado ao fim da consagração da liberdade individual” e, em oposição ao absolutista inaugura

“a separação entre a esfera privada e a esfera pública (de domínio do Estado) e a fixação de

limites internos para o exercício do poder com a separação dos poderes”. (MATOS, 2002, p.

150)

Esse modelo de Estado, com tripé nas revoluções burguesas (Inglesa, Americana e

Francesa) e que se consolidou a partir da francesa, foi inspirado pelas idéias do liberalismo

inglês, “cujo processo de evolução se iniciara com a revolta das baronias em 1215”.

(MALUF, 1993, p. 123)

Segundo esse autor (1994, p. 124), o sistema constitucional Inglês incorporando as

declarações de direitos de 1679, 1689 e 1701, consolidou o papel do Parlamento daquele país

na luta para “refrear os ímpetos absolutistas dos monarcas que pretenderam sustentar o velho

princípio da origem divina do poder”.

As idéias de liberdade individual e garantia do direito de propriedade foram o que

deu origem ao liberalismo, tendo as suas concepções política e econômica procurado por um

lado garantir alguns direitos individuais e por outro entronizar a propriedade privada, tendo

Soares (2008, p. 81), asseverado que:

O liberalismo clássico, que deu forma ao Estado liberal, em seus primeiros momentos, estava impregnado de concepções do individualismo burguês, ao privilegiar a liberdade e segurança jurídica em detrimento da extensão dos direitos humanos a todos os segmentos sociais. E como se não bastasse, erigiu Estado de direito dotado de insatisfatório sistema de garantias para realização e proteção dos direitos e liberdades individuais a todos os homens. Todavia o liberalismo clássico viu-se a mercê de suas próprias contradições com a destruição de seus pilares pela própria burguesia. A burguesia, no afã do lucro, desrespeitou as regras de mercado e eliminou a livre concorrência e a livre iniciativa, ao concentrar riquezas e acentuar os desníveis sociais.

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Essa fase do Estado moderno marca o início “da conversão do Estado absoluto em

Estado constitucional”, consubstanciado em três modalidades essenciais, do seu surgimento

até os tempos atuais. (BONAVIDES, 2003, p. 29)

i) o Estado constitucional da separação de Poderes (liberal), surgido logo após o

triunfo das revoluções americana e francesa, e por ser caracterizado como marco inicial da

primeira geração de direitos, ligados à liberdade e proteção do indivíduo, também

denominado Estado de direito;

ii) o Estado constitucional dos direitos fundamentais (social), surgido com o dever do

Estado a prestações positivas para assegurar melhores condições de vida à população, marca o

início da segunda e terceira gerações de direitos, voltados para a igualdade e fraternidade,

onde os direitos sociais são preponderantes, tem seu marco inicial nas primeiras Constituições

republicanas, a Mexicana de 1917 e a Alemã de 1919 e se consolida a partir da Declaração

Universal dos Direitos do Homem de 1948;

iii) o Estado constitucional da democracia participativa (democrático-participativo),

debatido contemporaneamente, surge para dar eficácia aos direitos fundamentais, tendo como

norte condutor a dignidade da pessoa humana e consolidaria a quarta geração de direitos,

necessária à perpetuação da espécie humana, entre eles a democracia, a paz, a pesquisa

genética e a água.

Com a legalidade erigida a valor supremo e incorporada aos textos dos códigos e

constituições, “formava-se e consolidava-se o Direito Constitucional burguês, como técnica

protetora da liberdade e da propriedade”. (SOARES, 2008, p. 82)

É necessário um recorte histórico, para que na mesma medida em que se reconhece o

Estado moderno liberal como importante etapa da consolidação do Estado de Direito e início

do constitucionalismo, não se descure que a doutrina do liberalismo trouxe embutida em si,

uma contradição entre a liberdade do indivíduo e o Estado, e isso, deve ser interpretado a

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partir do absolutismo e não da existência do Estado propriamente dito, tendo Bonavides

(2004, p. 40), assim se referido a este nascente Estado burguês de direito:

Na doutrina do liberalismo, o Estado foi sempre o fantasma que atemorizou o indivíduo. O poder, de que não pode prescindir o ordenamento Estatal, aparece de início, na moderna teoria constitucional como maior inimigo da liberdade. Foi assim que o trataram os primeiros doutrinários do liberalismo, ao acentuarem, deliberadamente, essa antinomia.

Vê-se, pois, que o Estado moderno liberal marca o início da caminhada (ainda não

concluída) rumo à conquista da efetividade da constituição, através da inauguração do Estado

Constitucional, ainda que, para a garantia dos interesses da burguesia, mas inegavelmente

abrindo-se novo patamar para a conquista, num momento posterior, da positivação de direitos

sociais.

Esse Estado é a criação revolucionária do povo e da burguesia no embate com a

nobreza e o clero para se colocar fim ao período absolutista, a partir da filosofia do

liberalismo preconizada no século XVIII, principalmente, por Locke, Montesquieu e Kant,

mas, “na estreiteza de sua formulação habitual, não pode resolver o problema essencial de

ordem econômica das vastas camadas proletárias da sociedade, por isso entrou

irremediavelmente em crise”. (BONAVIDES 2004, p. 288)

Esse modelo de Estado, sucessor do absolutismo, tem como conteúdo jurídico a

legalidade, com imposições negativas ao aparelho estatal, ou seja, impõe abstenções no seu

trato com os indivíduos, valorizando a liberdade individual, mas descuidando completamente

da vida material da população.

1.3.3 O Estado moderno social

Surgido o Estado constitucional burguês com o advento das revoluções do século

XVIII e tendo o liberalismo em muito influenciado a sua construção, também este é superado

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pela marcha histórica do povo, pois aquelas idéias que se apresentaram perfeitas na teoria

“bem cedo revelou irrealizável por inadequado à solução dos problemas reais da sociedade.

Converteu-se no reino da ficção, com cidadãos teoricamente livres e materialmente

escravizados”. (MALUF, 1993, p. 130)

Esse novo sistema econômico agora já com o processo de industrialização em

marcha e o trabalho humano como mais uma mercadoria, acentuou os contrastes da sociedade

e o Estado liberal foi incapaz de dar as soluções necessárias, exatamente porque era

comandado pelas forças detentoras ou aliadas do capital, tendo Maluf (2003, p.130-31) a ele

se referido nestes termos:

Fortunas imensas se acumulavam nas mãos dos dirigentes do poder econômico; o luxo, a ostentação, a ânsia irrefreada de ganhar cada vez mais criaram o conflito entre as classes patronais e assalariados. Organizaram-se as grandes empresas, os trusts, os cartéis, os monopólios e todas as formas de abuso do poder econômico, acentuando-se cada vez mais o desequilíbrio social. E o Estado liberal a tudo assiste de braços cruzados, limitando-se a policiar a ordem pública. [...] Indiferente ao drama doloroso da imensa maioria espoliada, deixa que o forte esmague o fraco, enquanto a igualdade se torna uma ficção e a liberdade uma utopia. Sem dúvida, eram anti-humanos os conceitos liberais de igualdade e liberdade. Era como se o Estado reunisse num vasto anfiteatro lobos e cordeiros, declarando-os livres e iguais perante a lei, e propondo-se a dirigir a luta como árbitro, completamente neutro. Perante o Estado não havia fortes ou fracos, poderosos ou humildes, ricos ou pobres.

É nesse cenário que se inicia a decadência do Estado moderno liberal e o surgimento

do Estado moderno Social, já que aquele foi incapaz de cumprir com a sua função primordial,

qual seja assegurar a manutenção do bem comum e não apenas de uma classe.

Assim é que este novo modelo sucede aquele e amplia as suas proteções sociais,

antes exclusivamente individualistas, passando agora a ter uma “dimensão retribuidora de

riquezas, que busca atenuar as diferenças entre as classes ou grupos sociais ou econômicos

[...]”. (MARTINS, 2008, p. 55)

Seu dever descumprido era “intervir na ordem sócio-econômica, impor restrições ao

capital, prevenir os litígios, remover as injustiças, edificar um mundo melhor onde a

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felicidade seja possível a todos os homens e o império da justiça seja uma realidade”.

(MALUF, 1993, p. 132)

O Estado moderno social é a criação do embate entre os ideais capitalistas da

burguesia e o pensamento socialista, surgido com o início da revolução industrial e a entrada

em cena da classe operária.

No entanto, este embate, inicia-se enquanto processo revolucionário só em meados

do século XIX, mais precisamente com a publicação do Manifesto Comunista de Marx e

Engels em 1848, época em que os trabalhadores já organizados em sindicatos e associações

políticas deixam de ser “massa de manobra da luta da burguesia para conquistar a hegemonia

social e começam a perseguir seus próprios objetivos”. (CAPELLA, 2002, p. 159)

O Estado social é uma conquista do povo na sua luta pela consolidação dos direitos

de primeira geração e ampliação daqueles de segunda e terceira, é quando “busca superar a

contradição entre a igualdade política e desigualdade social” em diferentes regimes políticos,

surgindo então a “noção contemporânea de Estado social”, Bonavides (2004, p.185-186),

assim expressa este momento:

Quando o Estado, coagido pela pressão das massas, pelas reivindicações que a impaciência do quarto estado faz ao poder político, confere, no Estado constitucional ou fora deste, os direitos do trabalho, da previdência, da educação, intervém na economia como distribuidor, dita o salário, manipula a moeda, regula os preços, combate o desemprego, protege os enfermos, dá ao trabalhador e ao burocrata a casa própria, controla as profissões, compra a produção, financia as exportações, concede crédito, institui comissões de abastecimento, provê necessidades individuais, enfrente crises econômicas, coloca na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e social, em suma, estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual, nesse instante o Estado pode, com justiça, receber a denominação de Estado social.

Marco jurídico essencial desse movimento na consolidação dos direitos sociais e

constitucionalização do Estado social de direito foi a Constituição Mexicana de 1917, que

segundo Comparato (2005, p. 177), como reação ao sistema capitalista:

Foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do trabalho, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura no

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mercado. Ela afirmou o princípio da igualdade substancial de posição jurídica entre trabalhadores e empresários na relação contratual de trabalho, criou a responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno Estado Social de Direito. Deslegitimou, com isso, as práticas de exploração mercantil do trabalho, e portanto, da pessoa humana, cuja justificativa se procurava fazer, abusivamente, sob a invocação da liberdade de contratar.

Outro momento importante para a consolidação desse modelo de Estado iniciado

pelos mexicanos, foi a Constituição Alemã de 1919, que com uma “estrutura mais elaborada

veio a ser retomada em vários países após o interregno nazi-fascista e a 2ª Guerra Mundial”,

pois com o Estado da democracia social se complementam os direitos civis e políticos com os

econômicos e sociais, representando assim, a consolidação constitucional da dignidade da

pessoa humana. (COMPARATO, 2005, p. 189)

No dizer de Miranda (2002, p. 53), “O Estado social de Direito não é senão uma

segunda fase do Estado Constitucional, representativo ou de Direito” e, se trata de articular os

direitos individuais com os direitos sociais, como forma de refazer as “condições materiais e

culturais em que vivem as pessoas” para a efetividade dos direitos fundamentais e dos

mecanismos de garantia da constituição, concluindo que:

Para já, diga-se apenas que as Constituições donde arranca esta linha diretriz são a mexicana de 1917 e, sobretudo a alemã de 1919 (dita Constituição de Weimar) e que, entre as constituições vigentes que a seguem, se contam a italiana de 1947, a alemã de 1949, a venezuelana de 1961, a portuguesa de 1976, a espanhola de 1978 e a brasileira de 1988.

Iniciada a conquista histórica do Estado Social com a decadência do liberalismo pela

sua incapacidade de atender às novas demandas sociais da população; radicalizado o

confronto a partir do surgimento das idéias socialistas, notadamente o pensamento de Marx e

Engels e, passando pela sua constitucionalização com as primeiras constituições republicanas,

particularmente a Mexicana e Alemã, ele se consolida no segundo pós-guerra.

Nesse modelo de Estado, que teve diversas denominações (Welfare State – Estado de

bem Estar Social; Estado providência; Estado Social de Direitos, etc.) foram incorporadas ao

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conteúdo jurídico de proteção das liberdades individuais e abstenção de determinadas

condutas estatais do liberalismo, condutas positivas do aparelho estatal no trato da ordem

social como forma de atenuar as desigualdades, ignoradas pelo Estado liberal, de cunho

eminentemente individualista.

1.3.4 O Estado moderno neoliberal

Até aqui, viu-se que as transformações ocorridas no Estado ocidental com a mudança

da sua forma de atuar, sempre estiveram ligadas às condições econômicas vigentes em cada

época e, não raro, para o atendimento dos interesses da classe dominante, sempre detentora do

poder econômico ou por ele apoiada.

Foi assim, com o seu surgimento na antiguidade, para a garantia da propriedade

privada e acumulação de riquezas (ENGELS, 1979 p. 119-120); da sua passagem da fase

antiga à medieval, para a garantia dos interesses dos senhores feudais e da igreja romana

(MALUF, 1993, p. 92-93); da sua transformação em Estado moderno para a garantia do

surgente mercantilismo capitalista, sucessor do modelo feudal de produção (HUBERMAN,

1986, p. 70) e, a partir daí, com a ascensão da burguesia ao seu comando até os dias atuais,

para conter crises e socorrer a economia capitalista sempre que os interesses empresariais

necessitem da intervenção estatal. (BONAVIDES 2004, p. 35)

O termo Estado neoliberal não é consensual entre os estudiosos do tema, havendo

quem o considere inadequado “diante da notória impossibilidade histórica de retorno à matriz

de Estado liberal”. (KNOER, 2004, p. 170)

Não é incorreto esse pensamento ao considerar-se - como nesta pesquisa se faz - que

o conceito base de Estado Moderno tenha na soberania sua característica principal e, assiste-

se às “relutâncias globalizadoras e neoliberais convergentes” para se retirar “das teorias

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contemporâneas de poder” este seu traço essencial, consolidado a partir do liberalismo.

(BONAVIDES, 2003, p. 21)

De todo modo, esta terminologia é aqui utilizada para caracterizar o modelo de

Estado proposto para países capitalistas depois da 2ª Guerra Mundial, como “reação teórica e

política veemente contra o Estado intervencionista e de bem estar”, originada do pensamento

de Friedrich Hayek, e que consistiu no “ataque apaixonado contra qualquer limitação dos

mecanismos de mercado por parte do Estado”. (ANDERSON, 2000, p. 09)

Essa teoria permaneceu sem implementação por mais de duas décadas, ganhando

força a partir da crise do petróleo na década de 70 do século passado, quando o mundo

capitalista mergulhou numa profunda recessão e, seus seguidores (do neoliberalismo) a

atribuíram ao poder de pressão dos sindicatos e da classe operária, que segundo eles,

forçavam os Estados a mais investimentos sociais.

A sua implantação teve início no final dessa década, na Inglaterra, com o governo de

Margaret Tatcher, seguindo-se os Estados Unidos com Ronald Reagan, em 1980, Alemanha

Ocidental com Helmut Khol, em 1982 e a partir daí difundiu-se pelo mundo ocidental, e

segundo Anderson (2000, p. 10-11):

O remédio então era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar, e a restauração da taxa ‘natura’ de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos.

Em verdade, o Estado contemporâneo onde é governado sob a ideologia do

neoliberalismo, mostrou-se, absolutamente, incapaz de criar condições de desenvolvimento

social, ao contrário, acelerou e aprofundou as desigualdades, porque ele “é fundamentalmente

anti-social” tanto que o desemprego estrutural na Comunidade Européia é elevadíssimo e a

América Latina “passa por um processo de desindustrialização”. (GRAU, 2006, p. 50)

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Na atual fase desse modelo de gerenciamento estatal predomina a globalização

financeira5 e o poder insuperável das corporações.6

Elas atuam na defesa de seus particulares interesses em escala global, impondo

formas de conduta aos Estados, já que “as corporações governam a sociedade, talvez mais do

que seus próprios governos” (BAKAN, 2008, p. 29), não se importando com os povos ou

regime político, pois seu objetivo primordial é lucro e poder, e para atingi-lo são capazes de

qualquer conduta, como esclarece esse autor (2008, p. 102):

Como psicopatas institucionais, as corporações estão acostumadas a remover os obstáculos que aprecem no caminho. As regulações que limitam sua liberdade de explorar pessoas e recursos naturais são obstáculos, e as corporações têm lutado, com considerável sucesso nos últimos 20 anos, para acabar com eles. Por meio do lobby, das contribuições políticas e de sofisticadas campanhas de relações públicas, as corporações e seus lideres colocaram o sistema político e grande parte da opinião pública contra as regulações. Como resultado saiu perdendo a habilidade da lei em proteger pessoas e o meio ambiente dos danos causados pela corporação.

Portanto, o atual estágio do Estado moderno neoliberal é sua marcante submissão aos

interesses das corporações transnacionais.

A postura de abdicação da soberania e da capacidade de se impor a essas instituições

na defesa dos interesses nacionais, tem servido para gerar desigualdade econômica, destruição

ambiental, desnacionalização de empresas rentáveis e miséria por todos os cantos do planeta,

especialmente na América Latina, tendo Borón (2000, p. 78-79), já há mais de uma década

pontificado:

5 Há autores, entre eles Eros Roberto Grau (2006, p. 55), José Eduardo Faria (2004, p. 60) e Paulo Bonavides (2001, p. 15-16), que não consideram a globalização como fenômeno novo e sim um fato histórico, podendo se visualizar seus traços por toda a história da humanidade: no cristianismo como monoteísmo hebraico assentado no princípio de uma igreja universal; nos antigos impérios; na expansão da cartografia; no domínio das técnicas de navegação dos povos ibéricos; nos projetos ultramarinos de Portugal e Espanha; no fortalecimento econômico, social e político da burguesia; no colonialismo europeu; na hegemonia colonial inglesa entre os séculos XIX e XX até a sua forma atual de predomínio do capitalismo financeiro e do imperialismo econômico e territorial. Assim, conclui-se que a globalização é um acontecimento histórico e o neoliberalismo uma ideologia, a novidade desta etapa da globalização é a sua fase especulativa e não produtiva, a dizer, é a “globalização financeira”, onde o dinheiro é a própria mercadoria, com transações instantâneas em escala global graças às facilidades de comunicação e transporte de informações “on line”. O certo é que ela é espécie e não gênero. 6 O termo é aqui empregado para as companhias de negócios em todos os setores, que atuam no “mercado” global em busca de lucros e poder e, que na sua imensa maioria é dirigida por pessoas (diretores e gerentes) que não são seus proprietários, vez que a propriedade da empresa pertence a um grupo de acionistas. (BAKAN, 2008, p. 06)

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A hegemonia ideológica do neoliberalismo e sua expressão política, o neoconservadorismo, adquiriram uma desabitual intensidade na América Latina. Um de seus resultados foi o radical enfraquecimento do Estado, cada vez mais submetido aos interesses das classes dominantes e renunciando a graus importantes de soberania nacional diante da superpotência imperial, a grande burguesia transnacionalizada e suas “instituições” guardiãs: O FMI, o Banco Mundial e o regime econômico que gira em torno da supremacia do dólar. [...] A burguesia, que no passado apoio sua acumulação privada na gestão estatal e nas políticas Keynesianas, hoje se desdobra para amputar ao Estado todas suas capacidades regulatórias. Sua estratégia de dominação – articulada nos diferentes cenários nacionais com a das frações hegemônicas do capital imperialista – foi facilitada pelo fenomenal retrocesso experimentado pelo movimento operário em escala planetária. Essa situação precipitou uma ofensiva sem precedentes, destinada a desviar o caminho iniciado com a Grande Depressão de 1929, deslocando o centro de gravidade da relação Estado-mercado em direção desse último: daí a onda de desregulações, liberalizações, aberturas indiscriminadas dos mercados e as privatizações mediante as quais os capitalistas se apropriam das empresas estatais e dos serviços públicos mais rentáveis. [...] Diante desse panorama não há dúvidas: talvez a tarefa mais urgente com que têm que se enfrentar os países da América Latina uma vez esgotado o dilúvio neoliberal será a reconstrução do Estado. (Grifo nosso)

Enquanto instituição política, o Estado nunca será emoldurado, pois se trata de uma

construção humana, desenvolvida historicamente através dos tempos, por isso “está em

contínua mutação, através de várias fases de desenvolvimento progressivo (às vezes

regressivo); os fins que se propõe impelem-no para novos modos de estruturação e eles

próprios vão se modificando”. (MIRANDA, 2002, p. 23, grifo nosso)

Já na terceira década de implantação, a humanidade demonstra querer se libertar

desta lógica perversa do Estado neoliberal, e o debate7 da sua superação já consta da agenda

desta nova construção humana que se seguirá a este modelo.

7 Inclusive um dos ministros da fase mais neoliberal do Estado brasileiro, o professor Luiz Carlos Bresser Pereira, ministro da Fazenda do presidente Sarney (1985/1989); da Administração e Reforma do Estado no primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995/998) e da Ciência e Tecnologia no segundo mandato (1999/2002), em recente artigo no Jornal Folha de São Paulo intitulado “Fim da onda neoliberal”, comentando a cegueira do “mercado”, o ícone do neoliberalismo, diz textualmente que: “Essa cegueira assumiu caráter dramático com a notícia de que as populações pobres de pelo menos 33 países estão ameaçadas de fome devido à alta dos preços dos alimentos. Se a ideologia neoliberal dominante nestes últimos 30 anos não houvesse se encarregado de convencer os países pobres de que não precisavam de suas culturas, de seus produtos alimentícios, de que era mais econômico especializar-se em alguma outra atividade (geralmente de valor adicionado per capta igualmente baixo) e importar seus alimentos básicos, os povos desses países não estariam agora em justa revolta. Creio que existem boas razões para acreditarmos no desenvolvimento econômico e político dos povos. É absurda, porém, a ideologia que pretende alcançar o bem estar econômico capitalista sem se beneficiar do desenvolvimento democrático – sem contar com a ação corretiva e regulatória do Estado democrático e social que tão arduamente a sociedade moderna vem construindo e do qual faz parte um mercado livre, mas regulado. Não teremos saudades do neoliberalismo”. (PEREIRA, 2008, s.p., grifo nosso)

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Quando se encera esse trabalho, vem a notícia de que o centro de proliferação do

receituário do capitalismo de livre mercado, os Estados Unidos da América do Norte, para

socorrer as corporações que estão levando a sua economia a uma situação semelhante à crise

de 1929, prepara ajuda de quase um trilhão de dólares para salvá-las da bancarrota.8

(DÁVILA, 2008)

Como sempre, as corporações querem o Estado mínimo quando operam com altas

taxas de lucros, porém, exigem o Estado máximo quando operam no vermelho, socializando

dessa forma os prejuízos, mas, ficando com a privatização do lucro.

1.4 A retomada do Estado Social

Essa nova fase do Estado moderno, que sucederá a neoliberal, ainda hoje vigente em

grande parte dos países, será na verdade o resultado do embate que ocorre desde o surgimento

desse modelo de gestão estatal, como reação de amplos setores da sociedade para impedir a

dominação completa da soberania estatal para o “mercado”.

O final dessa fase de rapinagem corporativa já foi prognosticado há muito por

aqueles que mantiveram o compromisso com a liberdade dos povos e a soberania das nações

e, será a refundação do Estado social, tanto que no final do século passado, Bonavides (2001,

p. 21) advertia:

Quando a crise estalar, porém sobre o capitalismo globalizante do modelo neoliberal – já a esta altura impugnado e açoitado das forças de resistência que lhe arriaram a máscara e lhe patentearam a brutalidade com que oprime – o mundo outra vez se há de inclinar para a alternativa do Estado social. Será a única saída à crise e o desmoronamento do capitalismo, aquele do gênero mais comprometido com a especulação que com a produção, e, por isso mesmo, de todo estéril e lesivo à economia dos países débeis, tão sacrificados pelos esquemas do confisco especulativo que arruína mercados, economia e nações.

8 Não foi possível estender-se sobre o assunto porque a ajuda do governo estadunidense às corporações ainda era coisa recente quando se encerrou esse trabalho, porém, a atitude daquele governo só justifica o que se afirma, de que é necessário romper com a submissão do Estado ao poder das corporações.

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Na mesa verde das bolsas – que é o cassino das finanças – os direitos da terceira geração, como direito dos povos ao desenvolvimento, são friamente imolados. Hecatombes financeiras desabam sobre os chamados países emergentes por obra de um cálculo de especuladores, que vêem o lucro e não o homem, o capital e não a nação, o interesse e não o trabalho. (grifo nosso)

Essa refundação nas palavras de Bonavides (2001, p. 21) se dará pela reação social e

pelo combate empreendido por meio da pregação constitucionalista, que considera em

oposição aos globalizadores neoliberais “o humanismo do Estado social e sua filosofia do

bem comum e do poder legítimo. Estado Social, gerado no constitucionalismo de inspiração

Weimariana”, que mesmo atacado pelas forças do neocolonialismo, mantém-se em atividade

e, ainda é capaz de “resistência eficaz ao novo status quo do capitalismo”.

Até aqui se deixou claro, que independente de como se considera ter surgido ou a

que finalidade, o fato concreto é a existência do Estado e, na contemporaneidade não se

concebe a sua existência sem a subordinação completa à Constituição, visão esta sustentada

em Canotilho (2003, p. 92) que pontifica:

Qualquer que seja o conceito e a justificação do Estado – e existem vários conceitos e várias justificações – o Estado só se concebe hoje como Estado constitucional. Não deixa, porém, de ser significativo que esta expressão – Estado constitucional – tenha merecido decisivo acolhimento apenas na juspublicística mais recente. Sabemos já que o constitucionalismo procurou justificar um Estado submetido ao direito, um Estado regido por leis, um Estado sem confusão de poderes. Numa palavra: tentou estruturar um Estado com qualidades, as qualidades que fazem dele um Estado Constitucional. O Estado Constitucional, para ser um estado com as qualidades identificadas pelo constitucionalismo moderno, deve ser um Estado de direito democrático. Eis aqui as duas grandes qualidades do Estado constitucional: Estado de direito e Estado democrático. [...] O Estado constitucional democrático de direito procura estabelecer uma conexão interna entre democracia e Estado de Direito.

Este surgente Estado constitucional democrático é a reação dos povos à dominação

do “mercado” sobre a vida e a morte dos indivíduos e do planeta, asseverando Soares (2008,

p. 369) que:

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Dialeticamente, surge no constitucionalismo global um movimento de resistência à tirania dos mercados, proveniente do sistema de valores e princípios que demarcam a realidade constitucional. Sugere-se, portanto, o redimensionamento do Estado constitucional, sob a égide da boa governança (good governance), em busca da condução responsável dos assuntos estatais. Pelo prisma normativo, a Constituição deve ser compreendida como fórmula ética de convivência, alicerçada em sistema de valores e princípios regulatórios, para que a boa governança possa legitimar o verdadeiro Estado Constitucional.

É esse renovado Estado constitucional democrático de direito, dirigido pela força

vinculante da Constituição, comandado pela participação democrática do cidadão, que haverá

de fazer frente ao desmonte da estrutura soberana do Estado patrocinada pelo gerenciamento

neoliberal.

Bonavides (2001, p. 20), considera que esse modelo de Estado em gestação, tem sua

fórmula política mais acabada na expressão “democracia participativa” e o denomina

“Estado democrático-participativo”, ressaltando que implantado contribuiria para a libertação

dos povos oprimidos pela ideologia neoliberal globalizante.

Segundo o autor (2001, p. 20), desde a “queda das monarquias de direito divino”,

“surgiram ou estão surgindo” cinco classes de Estado, assim contrapostos:

Compreendem em linha de sucessão histórica e de coexistência, não raro controversa e hostil, o Estado liberal, o Estado socialista, o Estado social, e, de último, na contemporaneidade da globalização, dois outros modelos desse Estado, a saber, o Estado neoliberal e o Estado neo-social – um reacionário, outro progressista; um já bastantemente formulado, outro apenas esboçado; um positivado, outro teorizado; um no Primeiro Mundo, outro na periferia.

O combate ao gerenciamento neoliberal do Estado brasileiro se dá pela exigência

constitucionalista de retorno aos princípios do Estado social, para “erguer uma sociedade mais

justa, mais, humana, mais fraterna, capaz de seguir a linha jurídica de propósitos

fundamentais enunciados, em síntese, no art. 1º da Constituição Federal e, ao mesmo passo,

corrigir as desigualdades sociais e regionais [...]”. (BONAVIDES, 2001, p. 22)

É esse novo Estado, com objetivos descritos na ordem constitucional que deve ser

protegido, por um poder judiciário “guardião efetivo da supremacia constitucional e da ordem

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democrática”, através do controle popular jurisdicional dos atos de gestão que importem em

desvio da sua finalidade constitucionalmente estabelecida. (BONAVIDES, 2001, p. 22)

1.4.1 O Estado social democrático brasileiro

Para os efeitos desta pesquisa, a forma mais adequada que se encontrou para

contextualizar o Estado brasileiro diante do examinado neste capítulo, foi a dogmática

constitucional, até porque, efetivar os direitos fundamentais nela expressos e/ou implícitos é

dever de quem transitoriamente ocupa as funções de gestão do Estado.

Sim, porque como esclarecido no seu início, por não se tratar de pesquisa sobre

Teoria Geral do Estado, também no caso específico do Estado contemporâneo brasileiro não

se buscou o aprofundamento histórico da sua origem e justificativa de existência, apesar de

instigante, o tema ultrapassa os objetivos dessa pesquisa.

Todavia, considera-se, com suporte em Furtado (2002, p. 08-09), que “o Brasil é um

mundo totalmente criado pela expansão do capitalismo industrial; não é herdeiro de nenhuma

velha civilização como o são outras grandes nações hoje denominadas subdesenvolvidas”, por

essa razão, é que se pode considerar uma nação ainda muito jovem, pois o sentimento

nacional está sendo construído através da história.

Portanto, ainda segundo esse autor (2002, p. 09), “a ação do Estado tem sido

essencial para a promoção do desenvolvimento. Este só se efetivou no Brasil como fruto de

uma vontade política. Os mercados desempenharam sempre um papel coadjuvante”, sucumbir

agora às vontades das corporações seria jogar no lixo a história de lutas dos brasileiros para a

construção de um País soberano, livre e independente.

O Estado social democrático brasileiro haverá de ser construção nacional e, para o

sucesso de qualquer projeto de desenvolvimento voltado para a preservação da soberania, a

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conquista da “desconcentração da renda” e a “rentabilidade social” é preciso reconhecer que

“a orientação dos investimentos não pode subordinar-se à racionalidade das empresas

transnacionais”, mas, aos objetivos do Estado, expressos na Constituição. (FURTADO, 2002,

p. 40)

A “vontade política” que levou o Estado brasileiro ao seu atual estágio, está estabelecida na

Constituição Federal, que é a obra síntese de uma longa jornada de lutas populares desenvolvidas ao longo da

história nacional, mais especificamente a partir da década de 60 do século passado, quando os militares, por

meio de um golpe de Estado9, assumiram o poder.

Essa Constituição, berço do Estado social democrático brasileiro, mesmo tendo sido mutilada para

“fragmentar a ação política do Estado, extinguir os seus monopólios e assegurar processo de privatização de

setores estratégicos da economia”. (SOARES, 2008, p. 365), não teve modificadas as razões de existência do

Estado brasileiro e os seus objetivos fundantes.

Por essa razão, para a efetividade dos direitos ali estabelecidos e a consecução de seus objetivos é

preciso ampliar a participação do povo na condução dos assuntos do Estado.

Como organização política da sociedade, o Estado não pode ficar a serviço de apenas uma parcela,

mas sim, da sua totalidade e, para isso, os parâmetros da sua atuação encontram-se delineados na Constituição.

9 Com o golpe militar em 1964 e a deposição do governo legítimo de João Goulart, aquela década e a seguinte foram marcadas pela repressão ao movimento popular, especialmente após a edição do Ato Institucional (AI) 5, que concedia todos os poderes aos militares, suspendendo inclusive o “habeas corpus”. Toda esta repressão, culminou com o fechamento do congresso, cassação de parlamentares, tortura, morte e desaparecimento de lideres populares. A partir da segunda metade da década de 70, com a entrada em cena do movimento estudantil, operário no ABC paulista e a mobilização da campanha pela anistia, há um novo impulso no movimento popular brasileiro, que tem o seu auge na década seguinte, com a mobilização nacional pela aprovação no congresso da “Emenda Dante de Oliveira” em 1984. Esta emenda constitucional restabelecia a eleição direta para presidente da república e o movimento pela sua aprovação ficou conhecido como “Diretas já”. Apesar de não garantir a aprovação da emenda, pois o governo militar ainda detinha uma sólida base parlamentar, o movimento garantiu um amplo debate nacional, ficando claro para a população quem era quem no jogo político. Mesmo com eleição indireta num colégio eleitoral de cartas marcadas, a nação “virou o jogo” e derrotou o candidato direitista Paulo Maluf, elegendo Tancredo Neves para presidente, que não chegou assumir em função do seu falecimento antes da posse, dando lugar ao seu vice, José Sarney, dissidente dos quadros da ditadura. (foi o presidente do partido situacionista – ARENA – por longo período). A partir de então, o movimento popular se recrudesce e inicia a luta por uma Assembléia Nacional Constituinte, e elege em 1986 um congresso nacional expressão das décadas de lutas, tendo como reflexo a elaboração da atual Constituição, promulgada em outubro 1988 e, que trouxe em seu bojo a constitucionalização dos direitos conquistados naquelas lutas.

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CAPÍTULO II. PRINCÍPIOS FUNDANTES E OBJETIVOS DO ES TADO

BRASILEIRO E O DIREITO FUNDAMENTAL DE PARTICIPAÇÃO NA

DOGMÁTICA CONSTITUCIONAL

2.1 Notas preliminares

A espinha dorsal do Estado social democrático de direito brasileiro encontra-se

positivada na Constituição, demonstrando resistência aos ataques de “mutilações

constitucionais”, empreendidos pelas forças do neoliberalismo globalizante. (SOARES, 2008,

p. 365)

Não se trata aqui de teoria da constituição ou de hermenêutica constitucional, acerca

da sua normatividade ou programaticidade10, já que esse tema não faz parte do objeto da

pesquisa.

Todavia, considera-se que a Constituição é um sistema aberto de princípios e regras e

se constitui em instrumento normativo do Estado e da sociedade, mantendo com ela um

diálogo permanente e a sua eficácia está intimamente ligada à vontade humana, que no dizer

de Hesse (1991, p. 20):

10 Correndo o risco da superficialidade no trato do tema, em síntese, estas duas correntes do pensamento da interpretação constitucional, discutem sobe o conceito político e o conceito jurídico de constituição. Os defensores do conceito político consideram que a efetividade de uma constituição depende dos fatores reais de poder, que formariam a “constituição real”, pois sem isso, a constituição escrita não passaria de uma folha de papel (LASSALE, 2001, p. 53), composta de normas programáticas, ou seja, programas de governo e, que a sua concretização depende de muitos fatores, principalmente do poder das armas. Os defensores do conceito jurídico consideram que a sua efetividade não depende de juízos de conveniência, pois suas normas são dotadas de força vinculante e que tudo no texto constitucional tem valor normativo de observância obrigatória. Não há como se separar a “Constituição real” da “constituição jurídica”, pois elas se “condicionam mutuamente” e a “constituição jurídica” (aquela a que LASSSALLE se refere como folha de papel), tem significado próprio. (HESSE, 1991, p. 15)

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Esta vontade tem conseqüência porque a vida do estado, tal como a vida humana, não está abandonada à ação surda de forças aparentemente inelutáveis. Ao contrário, todos nós estamos permanentemente convocados a dar conformação à vida do Estado, assumindo e resolvendo as tarefas por ele colocadas. Não perceber esse aspecto da vida do Estado representaria um perigoso empobrecimento de nosso pensamento.

Vê-se, pois, a Constituição como norma de superior hierarquia e não apenas como

uma carta de intenções políticas a depender sua efetivação da discricionariedade dos

administradores.

A partir dessa base principiológica, considera-se em plena vigência os pressupostos

do Estado social democrático de direito brasileiro, porque a sua fórmula e estrutura

constitutiva está positivada já no título I da Constituição, onde expressa os princípios

fundantes que informam toda a dogmática constitucional.

2. 2 Princípios fundantes do Estado brasileiro

Já no Preâmbulo (CF, 1988) se constata a razão essencial do porquê os constituintes

se reuniram em Assembléia Nacional Constituinte em 1988, e o foi, “para instituir um

Estado Democrático”. (BRASIL, 2008)

A existência de um Estado democrático só é possível pela efetiva utilização por

todos, dos bens materiais e imateriais produzidos pela sociedade, já que “uma democracia não

se constrói com fome, miséria, ignorância, analfabetismo e exclusão”, pois ela só é um

“procedimento justo de participação política se existir uma justiça distributiva no plano dos

bens sociais”. (CANOTILHO, 2008, p. 252)

Por essa razão, os constituintes originários sintonizados com os anseios dos

representados, ao instituírem o Estado democrático brasileiro tiveram o cuidado de deixar

explícito que esse Estado é “destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e

individuais”. (BRASIL, 2008)

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Assim, a Constituição demonstra, inequivocamente, a adoção da fórmula do modelo

social de Estado, já que aos direitos de primeira geração (os individuais de abstenção estatal,

do Estado liberal) foram incorporados os de segunda e terceira (os sociais de prestações

positivas, do Estado social), requisitos essenciais desse modelo de Estado. (Knoerr, 2004, p.

165)

Ao consignar, expressamente, alguns desses direitos, tais como “a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça” , diz mais ainda: que

eles são “valores supremos”; que a sociedade construtora desse Estado é “fraterna, pluralista

e sem preconceito” e, é “fundada na harmonia social”. (BRASIL, 2008)

Para os efeitos desta pesquisa não é considerada a controvérsia doutrinária acerca de

estabelecer se o Preâmbulo da constituição possui força normativa ou não, até porque, não

trata de interpretação de normas constitucionais, mas, de todo modo, acompanha-se o

pensamento de José Afonso da Silva (2007, p. 204), para quem:

Os preâmbulos valem como orientação para interpretação e aplicação das normas constitucionais. Têm, pois, eficácia interpretativa e integrativa; mas se contêm uma declaração de direitos políticos e sociais do homem, valem como regra de princípio programático, pelo menos [...].

Portanto, os valores supremos do Estado brasileiro, estão expressos no preâmbulo da

Constituição e os caminhos a serem percorridos para a sua realização plena se encontram

traçados no corpo do seu texto.

Já no seu título inaugural, no artigo primeiro, constitui o “ Estado Democrático de

Direito” e, aponta a forma de organizá-lo, qual seja: através de uma “Republica

Federativa”, formada pela “União indissolúvel de Estados, Municípios e do Distrito

Federal” (BRASIL, 2008), consubstanciando dessa forma os princípios fundamentais

relativos à existência do Estado brasileiro e de seu governo, que é federativo, indissolúvel e

republicano. (SILVA 2006, p. 32)

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Nos incisos I a V, estabelece os fundamentos desse Estado republicano democrático

de direito, que são: A soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. (BRASIL, 2008)

Esses, portanto, os princípios fundantes do Estado e que devem reger a sua própria

atuação, bem como, a convivência dos seus cidadãos, haja vista, que no preâmbulo se tem a

expressão “valores supremos” e no caput do mencionado artigo a expressão “fundamentos”,

sendo assim, esses são os princípios que alicerçam a construção do Estado brasileiro.

O termo alicerce neste contexto, emprestando-o da engenharia, “significa aquilo

sobre o qual repousa certa ordenação ou conjunto de conhecimento, aquilo que dá a alguma

coisa sua existência ou sua razão de ser, aquilo que legitima a existência de alguma coisa”.

(SILVA 2006, p. 35)

A existência do Estado brasileiro está subordinada aos princípios e objetivos

expressos na Constituição, que goza de supremacia, ou seja, nela repousa toda legitimidade

das ações públicas e privadas, o que significa dizer na orientação de Silva (1997, p. 47), que

ela é “a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a

organização dos seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais do Estado”.

Note-se que após o preâmbulo, a Constituição abre título próprio para tratar dos

Princípios Fundamentais, inclusive, é a “primeira na história do constitucionalismo pátrio”

(SARLET, 2006, p. 61), o que demonstra inequivocamente a condição especial para a qual os

constituintes os elegeram (os princípios fundamentais), levando o citado autor a considerar

que:

Mediante tal expediente, o Constituinte deixou transparecer de forma clara e inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e especialmente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, que igualmente integram (juntamente com os princípios fundamentais) aquilo que se pode – e nesse ponto parece haver consenso – denominar de núcleo essencial da nossa Constituição formal e material.

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Logo, se os valores supremos e os fundamentos justificadores da construção do

Estado não estiverem sendo observados, por normas ou por condutas de agentes públicos ou

privados, elas são afrontosas à Constituição, portanto, devem ser retiradas do mundo jurídico,

com a devida responsabilização de quem lhe der causa, especialmente aquelas atentatórias ao

seu “núcleo essencial”.

Essa é a prestação jurisdicional justa a ser entregue ao povo, neste caso, de

responsabilidade do Supremo Tribunal Federal que é o guardião constitucional, por força

expressa do seu art. 102, competindo a ele o zelo e guarda das suas normas, que são

eminentemente voltadas para a efetivação dos direitos próprios do Estado social. (BRASIL,

2008)

2.2.1 A dignidade da pessoa humana na ordem jurídica positiva

O pensamento cristão - de que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus –

exerceu grande influência no surgimento da idéia de que o homem é um fim em si mesmo e,

portanto, a sua dignidade está acima de qualquer outra condição, pois “diversamente das

demais religiões da Antiguidade, o cristianismo surgiu como uma religião de indivíduos, que

não se definem por sua vinculação a uma nação ou Estado, mas por sua relação direta com o

único e mesmo Deus”. (MORAES, 2006, p. 113)

O desdobramento desse princípio é o que se poderia denominar de ações e omissões

construtivas da sociedade e do Estado para construção de uma comunidade de seres humanos

livres e felizes, já que seguindo os ensinamentos de Comparato (2005, p. 24):

A idéia de que o princípio do tratamento da pessoa como fim em si mesma implica não só dever negativo de não prejudicar ninguém, mas também o dever positivo de obrar no sentido de favorecer a felicidade alheia constitui a melhor justificativa do reconhecimento, a par dos direitos e liberdades individuais, também dos direitos humanos à realização de políticas públicas de conteúdo econômico e social, tal como enunciados nos artigos XXII a XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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A positivação do princípio da dignidade da pessoa humana nas cartas constitucionais

é relativamente recente, visto que só a partir do final da segunda guerra mundial, após os

horrores nazi-fascistas, é que passou a figurar expressamente nas constituições, tendo sido a

da República Federal da Alemanha a primeira delas a erigir a dignidade da pessoa humana à

categoria de direito fundamental. (SILVA, 2006, p. 37)

A formalização de um princípio ou de uma regra11, não garante por si só a

efetividade da norma12, mas é forçoso reconhecer que a sua previsão deve ser “saudada com

entusiasmo e esperança”, porque representa um avanço essencial para sua materialização e o

impedimento da sua violação, mormente quando se trata de norma garantidora de direito.

(SARLET, 2006, p. 65)

Ao erigir a dignidade da pessoa humana à condição de princípio fundante do Estado

brasileiro, a constituição o tem como a razão da existência desse Estado, o que significa

segundo Sarlet (2006, p. 65) que é o “Estado que existe em função da pessoa humana, e não o

contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade

estatal”, a dizer: esta base antropológica é a justificativa da existência do Estado, razão pela

qual, todas as suas atividades devem se voltar para a existência de vida digna aos que aqui

habitam.

11 Neste trabalho os termos são empregados na dimensão atribuída por Dworkin (2002, p. 36), que atribui aos princípios uma dimensão que as regras não possuem: a dimensão do peso ou da importância, pois em caso de colisão de princípios há que se “levar em conta a força relativa de cada um”. Esta dimensão as regras não têm, porque elas “são funcionalmente importantes ou desimportantes”, já que “no caso de conflito de regras uma suplanta a outra em virtude da sua importância maior”, pois são aplicadas “à maneira do tudo ou nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é valida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”. Segundo o autor (2002, p. 39) princípio é “um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade”. 12 O termo aqui é empregado no sentido que lhe é atribuído por Alexy (2008, p. 87), qual seja, de que regras e princípios são espécies do gênero norma, afirmando o autor quer “tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quando as regras, razões para juízos concretos do dever ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas”.

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Neste trabalho se discorre apenas sobre o princípio fundante da dignidade da pessoa

humana, porque se considera, assim como Silva (1998, p. 91, grifo nosso) que ele é “o valor

supremo de toda ordem jurídica, social e política, base de toda a vida nacional”.

Isso significa que os demais princípios gravitam em torno deste comando central da

ordem constitucional, que coloca o Estado a serviço do bem estar da pessoa humana, para lhe

proporcionar o mínimo material e espiritual necessários ao desenvolvimento de uma vida

digna, sendo, portanto, a base principiológica sobre a qual se sustenta a existência do Estado

brasileiro, este, pois, a sua própria justificação.

Outro não é o entendimento de Bonavides (2001, p. 233), que sustenta: Toda a problemática do poder, toda a porfia de legitimação da autoridade e do Estado no caminho da redenção social há de passar, de necessidade, pelo exame do papel normativo do princípio da dignidade da pessoal humana. Sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser, portanto, máxima, e se houver reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados. Demais disso, nenhum princípio é mais valioso para compreender a unidade material da Constituição que o princípio da dignidade da pessoa humana.

Vê-se, que o princípio da dignidade da pessoa humana é o formador de toda a ordem

normativa constitucional, uma vez que os demais são seus corolários, já que não se pode

admitir uma sociedade soberana, onde a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre

iniciativa e o pluralismo político sejam seus fundamentos, se não for para proporcionar aos

seus membros uma vida digna, justa e livre.

A Constituição deixou, absolutamente, clara essa diretriz em duas passagens, ao ditar

o rumo a ser seguido por toda a atividade estatal, i) no art. 170 ao iniciar as normas da Ordem

Econômica assevera que a sua finalidade (da ordem econômica) é “assegurar a todos

existência digna, conforme os ditames da justiça social” e, ii) no art. 7º, IV, ao garantir os

direitos destinados à melhoria da condição social dos brasileiros, estipulou um mínimo

material destinado a viabilizar a vida digna através do atendimento das “necessidades vitais

básicas” da família brasileira. (BRASIL, 2008)

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Como a ordem econômica capitalista é destinada, exclusivamente, para as atividades

lucrativas, essa também fica subordinada ao atendimento de uma vida digna para todos, seja

pelas relações entre os particulares, ou entre esses e o Estado, para garantir, materialmente, a

efetividade dos direitos estabelecidos constitucionalmente, como forma do povo viver com

dignidade no seu território e, sob seu poder político.

2.2.2 A legitimação para o exercício do poder no Estado brasileiro

No mesmo artigo em que fixa os princípios fundamentais de construção do Estado

brasileiro, ou como já se disse, a sua razão de existir, ou ainda, a sua justificativa existencial,

a Constituição também estabelece o princípio democrático como o regime político a ser

adotado para o exercício do poder nesse Estado, já que no parágrafo único traz a norma de

que o poder emana do povo.

Isso significa que “o povo é a fonte primária do poder, que caracteriza o princípio da

soberania popular, fundamento do regime democrático” (SILVA, 2006, p. 40), instituído por

vontade constitucional.

Ao conferir a legitimidade do poder ao povo a Constituição também determina a

forma do seu exercício, ou seja, se o poder do Estado é de titularidade do povo, de alguma

forma ele há de exercê-lo, e o fará por meio de representantes eleitos ou diretamente nos

termos da Constituição. (BRASIL, 2008)

Somente o povo pode conferir legitimidade ao exercício do poder no Estado, seja por

meio de representantes seus, ou diretamente por sua própria atuação, positivando-se dessa

forma constitucionalmente o princípio da participação popular, já que prevê o exercício do

poder diretamente pelo povo.

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O comando normativo constante do parágrafo único do artigo primeiro da

Constituição “combina representação e participação direta, tendendo, pois, para a democracia

participativa” (SILVA, 2006, p 40), essa, a forma constitucionalmente adotada para a ordem

democrática desse Estado constituído.

Essa combinação de democracia representativa com instrumentos de participação

direta no exercício do poder é que se denomina democracia participativa, porque introduz

mecanismos que possibilitam a manutenção da soberania em mãos do povo, porque a sua

participação direta na tomada de decisões é fundamental, como assegura Melo (2001, p. 30):

Seja por razões principiológicas, de resgate da soberania popular (no sentido atribuído por Rousseau de que soberania nunca se delega), seja por razões pragmáticas de se conferir maior legitimidade, consenso e efetividade às decisões estatais, seja por fim, por considerá-los corretivos das democracias representativa – que não implica adoção de uma democracia direta.

A soberania popular, baseada nos ensinamentos de Rousseau (2000, p. 48-49) é

inalienável porque “o soberano não passa de um ser coletivo”, sim, porque a ele foi

transmitida a soberania que se encontrava com o povo enquanto ente coletivo e não

individualmente, já “que a vontade particular se inclina, por sua natureza, para as

preferências, e a vontade geral para a igualdade”, exatamente porque, “pode-se muito bem

transmitir o poder, mas não a vontade”.

A participação do povo no exercício da sua soberania explicita e realiza a sua

cidadania, construindo a democracia enquanto processo de transformação da sociedade, não

só na relação entre o Cidadão e o Estado e vice versa, mas também na convivência diária da

sociedade, pois como diz Rocha (1997, p. 113-114), “a democracia democratizou-se”,

“deixou de ser burguesa, elitista, intelectual, ficou mais humana”, considera a autora, com a

qual se concorda que:

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A democracia, que hoje se pensa e se deseja, é a da sociedade em sua convivência diária. Não se cogita dela, nem se pensa começar ou acabar-se ela no governo ou na relação do cidadão com o governo. Ela reside na experiência cotidiana, na relação familiar, na relação profissional, na relação político-governamental. Teve ela estendido o seu conceito a todas as formas de convivência humana.

Esta fórmula combinada de democracia representativa com participação direta da

população na gestão do Estado é o caminho seguro para se estabelecer vínculos de

compromissos entre a atuação dos representantes e a vontade dos representados, que não pode

continuar sendo aferida somente por um processo eleitoral e a cada quatro anos, a construção

democrática há que ser cotidiana.

2.2.3 O poder político tripartido em funções estatais

O poder emanado do povo e concedido aos seus representantes, ou por ele exercido

diretamente, é o próprio poder político do Estado, que possui “três características

fundamentais: unidade, indivisibilidade e indelegabilidade”, portanto, é esse poder que se

desdobra em funções, a legislativa, a executiva e a jurisdicional. (SILVA, 2006, p. 43)

São essas funções do poder estatal que estão divididas independentes e

harmonicamente conforme o artigo segundo da Constituição ao estabelecer que “São Poderes

da União, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

(BRASIL, 2008)

Nessa parte, a Constituição explicita o princípio da separação dos poderes, nascido

como se viu no capítulo I, no berço da Revolução Francesa, com a instituição do Estado

liberal, na fórmula imaginada por Locke e Montesquieu, princípio este “que traçava, por

indução, raias ao arbítrio do governante, em ordem a prevenir a concentração de poderes num

só ramo da autoridade pública”. (BONAVIDES, 2003, p. 30)

Esse princípio, atualmente, no Estado brasileiro tem apresentado relativa

irrelevância, pois apesar da sua expressa previsão constitucional, o Poder Executivo através

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do expediente das medidas provisórias previstas no artigo 62 da Constituição tem,

sistematicamente, invadido a esfera de competência legislativa, ao produzir

indiscriminadamente leis sem a observância dos critérios de relevância e urgência. (BRASIL,

2008)

Instituída a comunidade republicana brasileira por um Estado democrático de

direito; estabelecidos os princípios fundantes da sua justificação, que devem nortear a sua

conduta para garantir vida digna aos seus membros; garantida a soberania popular como único

meio de legitimação do poder; prevista a participação direta do povo no exercício desse poder

e, divididas as funções para o exercício do poder político, a constituição modelou o Estado

social democrático de direito participativo brasileiro, e disse a que veio esse Estado, ou seja,

quais são os seus objetivos fundamentais, ou ainda, as razões da sua existência.

2.3 Objetivos do Estado brasileiro

O Estado brasileiro existe para assentado nos seus princípios estruturantes perseguir

os objetivos fundamentais estabelecidos no art. 3º da Constituição que são:

Construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 2008)

Esses objetivos são, nada mais, nada menos, que os meios necessários para se

garantir vida digna ao povo pertencente ao Estado brasileiro, porque não há como se falar em

dignidade da pessoa humana numa sociedade marcada pela desigualdade, preconceitos e

injustiças.

Os objetivos expressos no mencionado artigo são comandos normativos que

informam toda a ordem jurídica do Estado, “não têm sentido programático, são em verdade,

normas dirigentes ou teleológicas, porque apontam fins positivos a serem alcançados pela

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aplicação de preceitos concretos definidos em outras partes da constituição”. (SILVA, 2006,

p. 46)

Portanto, por definição Constitucional a partir dos seus princípios fundantes, e dos

objetivos estabelecidos, o Estado brasileiro é um instrumento comandado pelo povo, para,

observando os princípios, perseguir os objetivos e realizar os direitos como forma de efetivar

aos seus membros uma “existência digna, livre e igual”. (PINHO, 2005, p. 67)

Essa, a tarefa primeira desse Estado, concretizar os direitos fundamentais, pois só

dessa forma estará efetivamente construindo a dignidade da gente brasileira e contribuindo

para a sua realização por toda a humanidade.

2.4 Os direitos fundamentais e a participação política

Como já se viu, o Estado brasileiro se assenta na base antropológica do princípio da

dignidade humana, a dizer, que para a efetivação dos seus objetivos, faz-se necessária a

realização dos direitos fundamentais.

Conforme anotado pelo professor Clèmerson Merlin Clève (2001, p. 10)13:

O Estado é máquina, importa repetir mil vezes, constituída para prover a realização dos direitos fundamentais. Está a serviço da plena satisfação dos direitos fundamentais. Haverá de prestar-se a isso. Fora desse caminho, o Estado desembocará no campo do déficit de legitimidade. Daí a significação de uma dogmática constitucional capaz de oferecer instrumentos para a luta cotidiana dos operadores jurídicos (e dos cidadãos) em defesa do integral respeito aos postulados constitucionais.

Para situar os direitos fundamentais, no tempo histórico, deve-se iniciar a análise

pelo caminhar da humanidade em busca de dignidade, porque foi este processo que levou à

conquista de determinados direitos, que, hoje, tidos como fundamentais, outrora nem direitos

13 Prefácio da obra Normas constitucionais programáticas de Regina Maria Macedo Nery Ferrari.

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eram, quiçá fundamentais, afinal, “pelos direitos, os homens lutaram, morreram e

sobreviveram”. (ALTAVILA, 1964, p. 11)

Os direitos fundamentais como se compreende hoje, é produto dessa marcha

histórica do ser humano em busca da sua própria preservação.

É certo que não se pode aprisionar o tempo histórico às datas, por isso não há como

afirmar com segurança um lugar determinado e uma data específica para o surgimento dos

direitos fundamentais, mas é possível perceber os seus primeiros traços ainda na antiguidade.

Por essa cronologia histórica é de se registrar que alguns momentos e determinados

Estados foram primordiais para a origem e preservação destes direitos, não exatamente como

os compreendemos, hoje, mas com o surgimento das suas bases de sustentação.

A legislação de Hamurábi, na Mesopotâmia do Século XV a.C., com os seus 282

dispositivos legais, já disciplinava alguns direitos e deveres relacionados à família, profissões,

salários e administração da ‘justiça’; a de Manu, na Índia, que regulava direitos processuais e

patrimoniais e a Legislação Mosaica, organizada pelo líder do povo Hebreu no Pentateuco,

que talvez tenha sido a primeira a mencionar os termos igualdade e julgamento justo e, regras

gerais de direitos, como vistos nos “10 mandamentos”.

Os vestígios de fundamentalidade podem ser notados já na Grécia antiga, com Sólon,

Sófocles e Aristóteles.

O primeiro incorporou na legislação a proibição de hipoteca, de prisão por dívidas e

de alguma forma influenciou a legislação dos decênviros (Lei das XII Tábuas)14; em Sófocles,

no confronto entre Antígone e o rei Creonte15 é possível detectar as sementes do Direito

14 No ano de 454 a.C. os Romanos enviaram uma missão para estudar a Legislação de Sólon na Grécia, que ao final dos estudos em 452 a.C. elaboraram um código de dez tábuas, que dois anos depois se completaram com mais duas e se constituem na base do direito ocidental. 15 Personagens do drama grego de Sófocles, ela filha de Édipo e ele Rei de Tebas, que edita norma proibindo o sepultamento de um dos seus irmãos, mortos em combate entre si, na luta pela tomada do poder. Esta proibição desperta em Antígone a vontade de resistir - mesmo sabendo que a pena pela desobediência seria a morte – porque considera que o sepultamento dos mortos era um direito natural. e rebelar-se contra aquela ordem é o exercício do direito de resistência às ordens manifestamente injustas.

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Natural, especialmente, o direito de resistência à não observância da norma injusta

(SÓFOCLES, 2001) e, em Aristóteles se consolida o sentimento natural do justo e do injusto.

Não se pode, por óbvio, analisar essas legislações com o olhar do presente, pois

apesar de regularem determinadas condutas e mencionarem alguns rudimentos de direitos,

eram estruturas essencialmente injustas, autoritárias e discriminatórias, provindas dos poderes

das “divindades” e não da vontade popular.

Este foi um período em que nem todos os seres humanos eram considerados sujeitos

de direitos, ao contrário, parte deles eram considerados como mercadorias, por isso se ter

como certo que “os direitos sempre foram espelhos das épocas”. (ALTAVILA, 1964, p. 8)

No ocidente, onde o desenvolvimento do direito se deu exclusivamente em bases

Romanistas, a maior influência foi exercida pela legislação Justiniana16, que absorveu, dez

séculos depois, traços da legislação dos decênviros, e ressalvada a contemporaneidade, é

possível encontrar seus fragmentos, ainda hoje, em vários ordenamentos jurídicos.

Apesar de toda essa construção histórica, se nota que, em escala evolutiva, o ser

humano enquanto espécie passa a ser o centro gravitacional dos direitos a partir das

influências do cristianismo.

Ao considerar o homem feito à imagem e semelhança de Deus essa doutrina

contribuiu para que ele fosse aceito de forma mais igualitária, permitindo um tratamento mais

respeitoso ao ser humano, mas ainda por ser criação divina e não por ser um fim em si

mesmo, anotando Comparato (2005, p. 18) que:

Mas essa igualdade universal dos filhos de Deus só valia, efetivamente, no plano sobrenatural, pois o cristianismo continuou admitindo, durante muitos séculos, a legitimidade da escravidão, a inferioridade natural da mulher em relação ao homem, bem como a dos povos americanos, africanos e asiáticos colonizados, em relação os colonizadores europeus. Ao se iniciar a colonização moderna com a descoberta da América, grande número de teólogos sustentou que os indígenas não podiam ser considerados iguais em dignidade ao homem branco.

16 No Século VI sob o comando de Justiniano, o Império Romano compila toda a legislação imperial vigente e edita que se chamou de “Novus Justinianus Codex”, que influenciou toda a legislação ocidental.

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Da Antiguidade até o advento do cristianismo a humanidade caminhou mais de vinte

séculos e os seus direitos ainda eram originados na bondade divina e distribuídos por santos,

sábios ou governantes, porque se compreendia o homem como criado a imagem e semelhança

de Deus e, não por ser ente dotado de capacidades e direitos.

Mas, como direito é conquista e não concessão, o homem no seu caminhar histórico

conquistou importantes vitórias, algumas delas já na idade média.

Mediante pactos com o poder monárquico se reconheciam direitos em troca de

determinadas concessões, indo até o direito Foral de Espanha e Portugal entre os séculos XI e

XV, onde por intermédio de cartas de “privilégio”, o rei, o senhor feudal ou a autoridade

eclesiástica concediam alguns direitos de moradia e exploração da terra em troca de tributos.

A fundamentalidade dos direitos, porém, tem a sua sustentação histórica no

constitucionalismo revolucionário burguês do século XVII, a partir das Declarações de

Direitos, muito embora, seu marco inicial mais anotado no estudo dos direitos humanos seja a

Magna Charta Libertatum, “pacto firmado em 1215 pelo rei João Sem-Terra e pelos bispos e

barões ingleses” (SARLET, 2006, p. 49) para limitar o seu poder absoluto, ainda que tenha

sido um movimento intra-nobreza.

Alexy (2003, p. 32-33) assim se expressou sobre estes acontecimentos:

A história da institucionalização dos direitos humanos como direitos fundamentais é um caso paradigmático do intercambio entre as idéias e a realidade, e assim, entre a teoria e a prática. A Carta Magna do ano de 1215 conheceu, sobretudo no mundo Anglo-saxão, uma eficácia persistente, ainda que seja certo que ela não continha, todavia, direitos fundamentais baseados nos direitos humanos, mas liberdades permanentes. Na Inglaterra revolucionária do século XVII, na Petition of Rights de 1628; Nas Leis de Habeas Corpus de 1679 e no Bill of Rights de 1689, se deram passos destacados na positivação dos direitos de liberdade do cidadão inglês. Por influência desses primeiros passos da sua institucionalização e por orientação da moderna doutrina do direito natural racional, em 12 de junho de 1776, com a Declaração de Direitos da Virginia, se chegou a primeira positivação completa dos direitos fundamentais, que tiveram força constitucional. Todavia, só em 1791 se introduziu a nível federal na Constituição dos Estados Unidos um catálogo de direitos fundamentais, através de emendas constitucionais. Dois anos antes, em 26 de agosto de 1789, chegava na França a Declaração dos Direitos do Homem e do

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cidadão. Assim se deram os marcos mais importantes na história da institucionalização dos direitos fundamentais liberais. (Tradução nossa)17

Foi a partir dessas revoluções liberais que os Direitos Fundamentais alcançaram

sustentação Constitucional, inclusive, Bonavides (2004, p. 42), considera que foi com a

Revolução Francesa que surgiu “o primeiro Estado jurídico, guardião das liberdades

individuais”, exatamente porque foi com ela que nasceu o Estado Democrático de Direito tal

qual se conhece hoje.

É o Estado democrático de direito quem dá sustentação fática aos direitos

fundamentais, muito embora, o Estado absolutista português e espanhol já no século XII e

XIII por meio das cartas de franquia18 e os forais outorgados pelos reis permitissem algumas

liberdades individuais, mas não com a característica de conquista humanitária como passou a

ser a partir desse novo Estado liberal consolidado nessa Revolução.

17 Texto original: “La historia de la institucionalización de los derechos humanos como derechos fundamentales

es um caso paradigmático del intercambio entre las ideas y la realidad y, así, entre la teoría y la práctica. La

Carta Magna del año 1215 conoció, sobre todo el mundo anglosajón, uma eficácia persistente, aunque es bien

cierto que ella no contenía todavia derechos fundamentales besados em los derechos humanos, sino libertades

permanentes. Em la Inglaterra revolucionaria del siglo XVII, em la Petition of Rights de 1628, las Leyes de

Habeas Corpus de 1679 y el Bill of Rights de 1689, se dieron destacables pasos em la tipificación positiva de los

derechos de libertad del ciudadano inglês. Por la influencia de estos primeros pasos de la institucionalización, y

por la orientación de la moderna doctrina del derecho natural racional, el 12 de junio de 1776, com la declaración

de derechos de Virginia, se llegó a la primera tipificación positiva completa de derechos fundamentales, que

tuviera fuerza cosntitucional. Sin embargo, sólo hasta 1791 se introdujo a nível federal em la Consitución de

Estados Unidos um catálogo de derechos fundamentales em forma de diez enmiendas constitucionales. Dos años

antes, el 26 de agosto de 1789, se arribó em Francia a la Declaración de los derechos del hombre y del

ciudadano. Así se sentaron los hitos más importantes em la historia de la insitucionalización de los derechos

fundamentales liberales”.

18 Documento concedido por um monarca ou senhorio a certas populações, onde se definiam as regras de convivência entre a comunidade e desta com o poder, que lhe concede o “privilégio” de habitar e trabalhar determinada porção de terra em troca de tributos a serem pagos.

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Daí é que surgiram as liberdades públicas, amparadas pelo Iluminismo Francês,

diferenciando-se do movimento pela independência Americana, que editou a Declaração de

Virginia em 1776, porque aquela se destinou à humanidade e esta, especialmente aos colonos

da América do Norte.

Foi a partir da idéia de “universalidade”, manifestada pela primeira vez, qual

“descoberta do racionalismo francês da Revolução, por ensejo da célebre Declaração dos

Direitos do Homem de 1789”, que criou “a vinculação essencial dos direitos fundamentais à

liberdade e à dignidade humana”, são na verdade, direitos que devem ser tidos “como ideal da

pessoal humana”. (BONAVIDES, 2006, p. 562)

A evolução humana exige novos desafios e nos séculos XIX e XX, novos direitos são

conquistados, notadamente, em favor de grupos e da coletividade. Assim é que as primeiras

Constituições republicanas - a Mexicana de 1917, a Alemã de 1919 e a Espanhola de 1931 –

conseguiram, em maior ou menor grau, transcender os direitos fundamentais dos limites de

determinado território para proclamá-los em escala transnacional.

Com o seu marchar histórico, a humanidade continuou a se debater em torno da sua

própria preservação e, após os horrores da segunda guerra mundial, patrocinada por interesses

‘intercapitalistas’, conquistou em 1948, por intermédio da ONU, a edição da Declaração

Universal dos Direitos do Homem, transformando-os a partir de então em direitos do ser

humano.

Essa declaração pode ser considerada o marco inicial para a inclusão da dignidade da

pessoa humana como bem jurídico sobre proteção de todos os ordenamentos e o centro

irradiador da fundamentalidade dos Direitos, pois ela foi “tão importante para a nova

universalidade dos direitos fundamentais” quanto o fora a de 1789 para “a velha

universalidade de inspiração liberal”. (BONAVIDES, 2006, p. 573)

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Foi a partir de então, que se iniciou a movimentação em torno dos direitos

fundamentais, enquanto instrumentos de garantia da vida digna para o ser humano. Não basta

ao Estado reconhecê-los formalmente; é imprescindível que lhes dê concretude material.

(PINHO, 2005, p. 67)

No entanto, atualmente, nova era de exigências para a efetivação da dignidade da

pessoa humana está ocorrendo e, exige resposta imediata da humanidade, sob pena de se

institucionalizar as desigualdades e transformar o planeta na sede das corporações, e não na

casa da humanidade.

As corporações e o seu mercado, operacionalizadas por seus agentes públicos e

privados, com a imposição de condutas aos Estados, para a garantia dos seus interesses, está

turbando a posse do ser humano no planeta, que sem reação será esbulhado.19

2.4.1 A fundamentalidade do direito de participação

Pelo exposto, com os riscos inerentes à simplificação histórica, pode-se afirmar que

da antiguidade - (3.000 anos a.C.) – Maluf (1993, p. 93), até o advento do Cristianismo,

portanto, trinta séculos e, daí até as Revoluções liberais burguesas, outro período de mais

dezoito séculos, se passaram duas etapas da luta pela garantia dos direitos fundamentais.

Em ambas, os direitos eram tidos como concessão e não conquista, já que nesses dois

períodos foram atribuídos primeiramente à concessão divina e depois, à Igreja e à nobreza.

Um terceiro período, com os mesmos riscos da mencionada simplificação, pode ser

dividido entre as Revoluções liberais burguesas Americana e Francesa (Século XVIII) –

quando ocorre segundo Comparato (2005, p. 52) “a emancipação histórica do indivíduo

19 Termo aqui utilizado no sentido que lhe é atribuído no Direito Civil.

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perante os grupos sociais aos quais ele sempre se submeteu: a família, o clã, o estamento, as

organizações religiosas” e o final da segunda guerra.

Esse período foi curto, durou pouco mais de um século, quando para fugir da

brutalização bestial de alguns seres humanos, um novo movimento se inicia como forma de

blindagem da espécie, e a humanidade conquista inscrever a dignidade humana como valor

supremo na Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela ONU em 1948.

(COMPARATO, 2005, p. 55)

Um quarto período se inicia no final da segunda guerra até o início dos anos oitenta,

agora já menos de meio século, quando o neoliberalismo inicia a destruição do Estado Social

e, com ele tenta o fim dos direitos de prestação.

Um quinto período é o iniciado nos anos oitenta até a atualidade, quando os capitais

especulativos e a grandes corporações transnacionais passaram a controlar os Estados e, a

dignidade da pessoa humana ceder lugar à preservação do lucro sem fronteiras, mesmo, que

para isso, seja necessária a manutenção de zonas permanentes de guerra, como tem feito a

atual administração do Império estadunidense.

Partindo dessas premissas históricas, é forçoso reconhecer que se num primeiro

momento, os direitos fundamentais eram essenciais para impor limites à atuação do Estado,

ou seja, eram imposições de abstenção de interferência na vida do cidadão, hoje, não se pode

mais ter essa compreensão.

Se o Estado absoluto era o inimigo do cidadão, o hoje Estado “restante” é a sua única

esperança para, em condições de força, fazer frente à ação destruidora da espécie humana,

patrocinada pelo “mercado”, gerido pelas grandes corporações e pelo capital financeiro

rentista.

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É a atuação desses agentes em busca do lucro que está destruindo o planeta e

transformando a coletividade de humanos em peças de uma engrenagem, que se repõem ao

primeiro defeito, os seres humanos passaram a ser apenas consumidores.

Garantir a efetividade dos direitos fundamentais hoje, para a manutenção da

dignidade da pessoa humana, é ampliar a possibilidade de realização dos direitos de prestação,

que por serem economicamente quantificáveis, necessitam da garantia do Estado, não só

como provedor, mas como instrumento de luta para a sua efetivação.

Esse é o novo desafio da luta pela efetividade dos direitos fundamentais.

Essa é a sua atual etapa histórica.

Ao estabelecer no parágrafo único do art. 1º, que a forma de legitimação do Estado

brasileiro é exclusivamente emanada do seu povo, e que o poder será exercido inclusive

diretamente, a Constituição da República alçou a participação popular na administração

pública à categoria de direito fundamental, pois o princípio democrático está positivado em

termos constitucionais para que se exerça a democracia representativa e a democracia direta,

sem que haja a prevalência de uma sobre a outra.

É aqui, que se encontra a semente constitucional da democracia participativa,

materializada na própria constituição em vários dispositivos20, notadamente no art. 14, em que

se enuncia as principais técnicas de exercício da soberania popular.

20 Art. 1º [...] Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição. Art. 5º (dos direitos e garantias fundamentais): XIV - o acesso à informação; XXXIII - o direito de receber informações dos órgãos públicos; XXXIV - o direito de petição; XXXV - o livre acesso ao poder judiciário; XXXVIII - o júri popular; LV - o devido processo legal administrativo; LXIX - o mandado de segurança contra ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública; LXXIII - o controle da conduta dos agentes públicos pelo cidadão através da Ação Popular; Para completar, o § 2º, afirma que além destas garantias, não se exclui nenhuma outra decorrente dos princípios adotados pela carta, ou dos tratados internacionais em que o país seja parte, abrindo-se, portanto uma infinidade de oportunidades de participação popular na administração pública. O art.10 assegura a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou

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É importante que se registre a diferença fundamental entre o disposto na atual

Constituição e na anterior quando se fala da soberania popular, pois naquela se afirmava que

“o poder emana do povo e em seu nome é exercido” 21 e nesta, o princípio é expresso ao

consagrar “que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos

ou diretamente, nos termos desta Constituição”. (BRASIL, 2008)

É de se ver que agora, no Estado democrático de direito participativo22, o poder, que

emana do povo, será por ele mesmo exercido, seja por representantes ou diretamente; ao

contrário, do previsto na carta anterior, do Estado ditatorial, em que o poder era exercido em

nome do povo, mas não por ele, aí se encontra “um fragmento normativo de democracia

participativa; um núcleo de sua irradiação, um germe com que fazê-la frutificar se os

executores e operadores da constituição forem fiéis aos mandamentos e princípios que a Carta

Magna estatuiu”. (BONAVIDES, 2001, p. 40)

Dessa forma, encontra-se positivado no Direito Brasileiro, com sustentação em

norma Constitucional, no título reservado aos Princípios Fundamentais do Estado, o direito de

previdenciários sejam objeto de discussão. O art. 14 assegura a idéia da soberania popular e o voto direto e secreto de igual valor para todos, prevendo ainda o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular, instrumentos importantes da democracia participativa. No âmbito municipal, o art. 29, XII, garante participação no planejamento e o art. 31, § 3º, garante a ampla fiscalização das contas. Ao disciplinar os princípios que regem a administração pública, o Art. 37, § 3º, possibilita ainda a criação de outras formas de participação do usuário na administração pública. Há também a possibilidade da participação popular no processo legislativo. Nas comissões internas, através das audiências públicas previstas no art. 58, II e IV, para reclamações contra atos das autoridades, bem como a participação diretamente na produção de leis, através da iniciativa popular prevista no Art. 61, § 2º. Possibilitando a atuação do cidadão enquanto fiscalizador da conduta do administrador, prevê o Art. 74, § 2º, a possibilidade de denunciar irregularidades ou ilegalidades ao Tribunal de Contas da União. Prevê ainda a participação de cidadãos no Conselho da República, conforme disposto no Art. 89, VII, e a participação de entidades de representação de classe na escolha do quinto constitucional para integrantes dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais Estaduais e do Distrito Federal, conforme disciplinado no art. 94. Disciplina também a participação popular na gestão da atividade de administrar, tais como: dos produtores e trabalhadores rurais no planejamento da política agrícola (Art. 187); dos trabalhadores, empregadores e aposentados nas iniciativas relacionadas à seguridade social (Art. 194, VII); da comunidade em relação às ações e serviços de saúde (198 III); da população através de organizações representativas nas questões relacionadas à Assistência Social (Art. 204, II); a gestão democrática do ensino público (206 VI); da colaboração da comunidade na proteção do patrimônio cultural (Art. 216, § 1º); da coletividade na defesa e preservação do meio ambiente (Art. 225); de entidades não governamentais na proteção à assistência integral a saúde da criança e adolescente (Art. 227, § 1º) e das comunidades indígenas, inclusive nos lucros, das atividades que aproveitem os recursos hídricos e minerais das suas terras (231, § 3º). 21 Art. 1º, § 1º, da EC nº 1 de 17/10/1969. 22 Bonavides (2001, p. 19) é quem utiliza esta expressão.

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participação política e, por todo o texto as previsões de como se dá essa participação na

condução dos assuntos estatais, alçando-o, portanto, à condição de direito fundamental.

Dentre as mais variadas formas participativas e já mencionadas, tanto no poder

executivo, como no legislativo, há uma, alçada à condição de direito constitucional, que se

bem utilizada pelos seus “executores e operadores”, poderá se transformar em poderoso

instrumento de controle dos atos estatais.

Esse instrumento é a Ação Popular, uma importante modalidade participativa

judicial, inscrita na tábua dos direitos fundamentais da Constituição, no seu art. 5º, LXXIII,

direito fundamental de anulação de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade

administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Sendo a moralidade administrativa causa autônoma a ensejar a Ação Popular, todo

ato atentatório aos direitos e garantias protegidos pela Constituição são passíveis de anulação,

entre eles, a cessão da soberania estatal aos interesses das corporações e do “mercado”, em

flagrante atentado à dignidade humana dos residentes no território brasileiro, ameaçados de

esbulho por tais interesses.

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CAPÍTULO III. AÇÃO POPULAR: A PARTICIPAÇÃO

JURISDICIONAL DO CIDADÃO EM DEFESA DO ESTADO SOCIAL E

DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA

3.1 Notas preliminares

A ação popular é um instituto processual constitucional para o exercício da cidadania

e a prática democrática, que embora prevista no ordenamento jurídico desde os tempos do

Império (SILVA, 2007, p. 32-33) adquiriu importância destacada a partir da promulgação da

atual Constituição em 1988, porque “erigiu a ‘moralidade administrativa’ em fundamento

autônomo” para a sua propositura. (MANCUSO, 2001, p. 100)

Essa Modalidade participativa jurisdicional possibilita ao cidadão agir em nome da

coletividade para defesa de interesse que lhe pertence enquanto seu integrante, recorrendo ao

poder judiciário em defesa do “direito coletivo de ter uma administração honesta” (SILVA,

2008, p, 90)

A honestidade, aqui, deve ser entendida no seu sentido lato, abrangendo a boa fé e o

dever de lealdade à coisa pública que vincula os atos da Administração e, não apenas no

conceito patrimonial romanista.

Ao agente público não lhe é dada autonomia da vontade, uma vez que deve agir no

estrito cumprimento do dever legal, a dizer, sua conduta deve ser pautada pelas normas

constitucionais (princípios e regras), expressas ou implícitas, porque a sua atuação é vinculada

pelo regime jurídico administrativo, que possui uma espécie de “código genético”, imposto

pela Constituição. (JUSTEN FILHO, 2005, p. 54)

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É nesse sentido que se compreende a ação popular, como instrumento do povo, para

judicialmente controlar os atos estatais, garantindo-lhes a vinculação aos princípios fundantes

e objetivos do Estado brasileiro23.

Por isso, considera-se que todo ato praticado por agente público ou privado que não

observe aqueles princípios e não leve à consecução daqueles objetivos, deve ser considerado

como atentatório à moralidade administrativa24, já que esta é condição de validade para

qualquer ato estatal, pois que, transformada em princípio constitucional, tornou-se norma de

conduta para os agentes públicos. (ZAVASCKI, 2007, p. 93)

Essa é a razão porque não se aprofundou em questões processuais da ação popular,

tratando-se apenas daquelas que se julgou relevantes para os objetivos da pesquisa, sem

desconsiderar, é claro, alguns aspectos da lei infraconstitucional, muito embora, a Lei nº.

4.717/65 deva ser analisada sob os refletores da Constituição, elaborada mais de duas décadas

depois e sob a inspiração de outro momento histórico.

Assim, se espera que à falta de aprofundamento das questões processuais da

mencionada lei não interfira na compreensão da importância do instituto para a defesa da

coisa pública, notadamente a necessidade de condutas dotadas de um padrão ético mínimo

exigido da conduta dos agentes públicos, cujo conteúdo se encontra estabelecido na

Constituição.

3.2 Origem

A origem desse instituto “perde-se na história do Direito Romano”, mas é

pensamento dominante que seu início deu-se nas sociedades gentílicas da Roma antiga, pois o

Estado Gentílico, pela sua organização e estrutura, mantinha importantes relações com o 23 Assunto tratado no capitulo II. 24 Conceito desenvolvido adiante.

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cidadão romano, daí emergirem as “actiones populares” que eram destinadas a proteger os

interesses da comunidade, podendo cada membro individualmente intentar a ação. (SILVA,

2007, p. 17)

A falta de vínculo de subordinação ao Estado, levava ao sentimento de que os bens e

direitos públicos pertenciam a todos os cidadãos romanos, não no sentido que entendemos

hoje dos direitos coletivos e difusos, mas sim de uma propriedade coletiva, onde cada um

detinha uma parte do todo, ou seja, era como se fosse um condomínio.

Por isso, usavam dos meios disponíveis para a defesa da coletividade, ou mais,

especificamente, dos bens e interesses dessa coletividade.

Nessa época em que o Estado ainda não era uma presença clara, definida e

estruturada na vida dos cidadãos, o que havia na verdade era um “forte vínculo natural” entre

estes e a sua gens, porque segundo Mancuso (2001, p. 39-40):

A falta de um ‘Estado’ bem definido e estruturado, era ‘compensada’ com uma noção atávica e envolvente do que fosse o ‘povo’ e a ‘nação’ romanos. Ou seja, a relação entre o cidadão e a res pública era calcada no sentimento de que esta última ‘pertencia’ em algum modo a cada um dos cidadãos romanos; e só assim se compreende que cada qual se sentisse legitimado a pleitear em juízo em nome dessa universitas pro indiviso, constituída pela coletividade romana. E assim se explica que a própria sociedade gentílica da época fosse bem receptiva à iniciativa dos cidadãos que se dispusessem a tutelar os interesses daquela res communes omniun. [...] Para o cidadão romano, os bens de uso comum, tais como os caminhos, as praças, os rios, eram vistos como uma universalidade indivisa, na qual também se integravam o próprio cidadão e o incipiente Estado, o que tornava esbatidos os contornos do que hoje conhecemos como interesse individual e interesse público.

As ações populares romanas diferenciavam-se basicamente das atuais, no sentido de

que elas eram geralmente de natureza penal, o que invariavelmente determinava penas

pecuniárias, que se revertiam no todo ou em parte, em benefício do autor, penas instituídas em

razão da violação de um interesse público, apesar de existirem também as civis, que muita

semelhança guardavam com as atuais ações cominatórias ou aos interditos proibitórios.

(MANCUSO, 2001, p. 41)

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Para se compreender o sentido atual que deve ser dado à Ação Popular, enquanto

instrumento de vigilância cívica do povo aos atos de gestão da Administração é importante

notar, como nos apresenta (SILVA, 2007, p. 21), alguns exemplos delas, para ilustração da

maneira como os romanos provocavam a tutela “jurisdicional” do interesse público, por esta

via:

I – ação de sepulchro violato, concedida pelo pretor ao interessado no caso de violação de sepulcro, coisa santa ou religiosa [...]; II – ação de effusis et deiectis, concedida contra quem atirasse, de casa, objetos sobre a via pública [...]; III – ação de positis et suspensas, [...] cabível contra quem mantivesse objetos na sacada ou na aba do telhado (in sugrunda protectove), sem tomar as necessárias cautelas para evitar caíssem em lugar freqüentado; IV – ação de albo corrupto, por meio da qual se impunha uma multa de quinhentos áureos a quem dolosamente alterasse o álbum, isto é, o edito com que o pretor, ao assumir o cargo, declarava de que modo faria observar a lei e administração da justiça; V – ação de aedilitio edicto et redhibitione et quanti minoris, que poderia ser popular, pelo chamado edito de bestiis, introduzido para evitar que fossem levados a lugares freqüentados, cães, lobos, leões, ursos e outros animais perigosos.

Vê-se que esta modalidade de busca da prestação jurisdicional para assuntos públicos

e coletivos, nos dias atuais, se poderia classificá-la como medida de segurança, afeta ao

direito penal, como afirma Campos Filho (1968, p. 06):

Atos e fatos que dariam lugar; no Direito Moderno, a medidas de polícia, à ação pública penal, a multas por infração de posturas e a providências administrativas ou judiciárias dos representantes dos poderes públicos, autorizavam, em Roma, ações civis de qualquer do povo, colimando a proteção do interesse público comprometido.

O fim do absolutismo e a construção do Estado liberal provocaram o ressurgimento

da ação popular, tanto é, que no direito “moderno” sua aparição primeira se dá na “Bélgica

em março de 1836 e, em seguida, na França, com a Lei comunal de 18 de julho de 1837 e, na

outra metade daquele mesmo século na Itália e Espanha”. (SILVA, 2007, p. 30)

O continente Europeu é pródigo em previsão legislativa de ações populares, até

porque, o direito ocidental se assenta no romano, berço pátrio dessa modalidade de ação, mas

nem sempre foi assim, porque ali também foi o berço do nazi-fascismo.

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Assim é que como ocorreu no Brasil do Estado Novo, foi abolida também na Itália

de Mussolini e na Espanha Franquista, sendo, portanto, incompatível com ditaduras, aliás, as

ditaduras é que são incompatíveis com a participação do povo em qualquer instância que seja

e, a ação popular para florescer precisa da “luz difusa dos regimes democráticos e do calor

que se irradia do respeito às liberdades individuais”. (MANCUSO, 2001, p. 47)

Sendo a ação popular instrumento de participação do povo no controle dos atos da

administração, instituto próprio dos regimes democráticos, a sua história está intimamente

ligada ao desenvolvimento da democracia.

Na atualidade, a ação popular está presente na maioria dos países democráticos,

sendo na Europa a sua maior prevalência, mesmo porque é nesse continente que se encontra o

maior desenvolvimento da consciência de participação do cidadão nas questões do Estado,

tendo Mancuso (2001, p. 52) afirmado que a ação popular se consolida, exatamente na medida

em que aumenta a participação popular:

[...] longe de cair no ostracismo, a milenar ação popular continua em pleno vigor, e cremos que ela tende a vicejar mais ainda, na razão direta em que os cidadãos estejam cônscios da absoluta necessidade de participação de todos na gestão da coisa pública, como agora vivamente o conclama a Constituição Federal vigente no Brasil, em muitos de seus dispositivos (arts. 216, § 1º, 225 e 227).

Conclui-se assim, que desde o seu surgimento na antiga Roma até a atualidade, a

velha ação popular é instrumento essencial de participação jurisdicional do povo nas questões

estatais, bastando, para isso, a mobilização de reação, o que não ocorre por determinação

Estatal, mas por vontade popular, oriunda da tomada de consciência de que o atual Estado tem

obrigações Constitucionais de prestações positivas para com a sua gente e, o judiciário o

dever de efetivá-las quando por ação ou omissão, os agentes estatais se negarem a satisfazê-

las.

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3.3 Conceito e natureza

A Ação Popular é um instrumento constitucional disponível ao cidadão, para

ingressar em juízo e “anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o

Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico

e cultural”, federal, estadual e municipal, inclusive das suas entidades paraestatais, é garantia

política expressa no art. 5º, LXXIII da Constituição Federal e tem o seu procedimento

regulamentado pela lei nº. 4.717/65.

Essa ação, instituto de processo civil garantido pela Constituição, espécie do gênero

“ações de natureza coletiva”, é um mecanismo de defesa dos interesses da sociedade e, visa à

proteção coletiva e não individual, já que com ela “não se amparam direitos individuais

próprios, mas sim interesses da comunidade, o beneficiário direto e imediato desta ação não é

o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto”. (MEIRELLES, 2003, p.

122)

O autor (2003) defende nessa ação um direito que não é imediato seu, mas sim de

toda a população, portanto, não se trata da proteção de direito individual, pois o mencionado

direito subjetivo ao governo honesto é público, ou como esclarece Mancuso (2001. p. 27),

acerca das lides “onde se lobrigam direitos e interesses metaindividuais”:

É que aí não prevalece o critério da coincidência entre autor e titular do direito material, ou réu e pessoa em situação de sujeição perante a norma material; ao contrário, o autor não acena com um direito próprio, desatendido pela contraparte, mas, sim, afirma que sua legitimação decorre de ser ele o adequado representante do direito ou interesse em causa, como o fazem o cidadão eleitor, na ação popular [...].

Por esse instituto confere-se legitimidade ao cidadão para o exercício de poder

político, com assento no princípio democrático participativo estabelecido no parágrafo único

do artigo primeiro da Constituição, é capacidade postulatória judicial do exercício da

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soberania popular, para a anulação de ato que cause lesão ao interesse público, ou como

melhor explicita Silva (2006, p. 170):

Trata-se de remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o exercício de um poder de natureza essencialmente política, e constitui manifestação direta da soberania popular consubstanciada no art. 1º, parágrafo único, da CF: ‘todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente [...]’. Sob esse aspecto, é uma garantia constitucional política. Revela-se como uma forma de participação do cidadão na vida pública, no exercício de uma função que lhe pertence primariamente. Ela dá a oportunidade de o cidadão exercer diretamente a função fiscalizadora, que, por regra, é feita por meio de seus representantes nas Casas Legislativas.

Assim sendo, o objetivo primeiro dessa ação, é “anular ato lesivo”, daí ter-se que

anotar os conceitos de ato e de lesividade, para avançar no sentido de se definir que atos

lesivos podem ser anulados por essa via processual.

O “ato” a que se refere o texto constitucional certamente é o ato jurídico, a

manifestação de um sujeito, que acarreta efeito jurídico (MEDAUAR, 2001, p. 158) e, mais

especificamente o ato administrativo, espécie do gênero ato jurídico “marcado por

características que o individualizam no conjunto dos atos jurídicos”. (MELLO, 2003, p. 339)

Assim, tem-se que o ato a merecer a anulação pela via processual da ação popular,

seria o ato de conotação administrativa, que afronte por qualquer meio o interesse público

protegido pelo direito, que segundo Meirelles (2003, p. 132):

Na ampla acepção administrativa, ato é a lei, o Decreto, a resolução, a portaria, o contrato e demais manifestações gerais ou especiais, de efeitos concretos, do Poder Público e dos entes com funções públicas delegadas ou equiparadas. Ato lesivo, portanto, é toda manifestação de vontade da administração danosa aos bens e interesses da comunidade.

Há que se entender, que isto não significa ser o autor um substituto processual, antes,

pelo contrário, ele defende interesse próprio como titular da soberania popular que

fundamenta sua legitimação para agir na ação popular, que é garantida constitucionalmente.

Em verdade, a ação popular brasileira é um instituto que transita pelos campos do

direito constitucional, administrativo e processual civil e tem como natureza a garantia

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constitucional da boa administração e, depois de ampliado seu objeto com a Constituição de

1988, agora também do meio ambiente, do patrimônio histórico e cultural, e da moralidade

administrativa.

Essa garantia, inserta no título dos direitos e garantias fundamentais, capítulo dos

direitos individuais e coletivos da Constituição, é decorrente do princípio da soberania

popular.

Ela é uma das formas de participação do cidadão na vida pública, inclusive com

poderes de fiscalização judicial da conduta dos administradores, que deverá ser assentada nos

princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, como

determinado no art. 37 da Constituição, além dos outros princípios que compõem o regime

jurídico da Administração.

3.4 Evolução no sistema jurídico brasileiro

A história desse instituto no sistema jurídico brasileiro segundo Mancuso (2001, p.

52) há que ser dividida em duas fases: uma antes e outra depois da Constituição de 1934, que

a seu ver foi o primeiro texto constitucional a ampará-la, considerando ainda que “na primeira

fase, é preciso ter em mente que, por vezes, os autores referem-se a certas ações ou

procedimentos, cuja identidade com a ação popular, propriamente dita, aparece duvidosa”.

Silva (2007, p. 33) já vislumbra seus traços desde o regime das ordenações,

asseverando que “a ação popular do Direito Romano era admitida entre nós, embora sem lei

que a consignasse expressamente. Mas, sua admissibilidade se restringia à defesa de

logradouros públicos, das coisas de domínio e uso comum do povo”, mas, apesar da escassez

de textos legais sobre ela, sustenta sua positivação já na Constituição do Império nos

seguintes termos:

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[...] a ação popular é anotada em raros textos legais, merecendo destaque o art. 157 da Constituição do Império. Esta carta magna reprimia os abusos de poder e prevaricação que juizes de direito e oficiais de justiça cometessem no exercício de seus cargos (art. 156) e dispunha no mencionado art. 157: ‘Por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra eles a ação popular que poderá ser intentada dentro de ano e dia pelo próprio queixoso ou por qualquer do povo, guardada a ordem do processo estabelecido na lei’.

O autor (2007, p. 34) considera que esse é o único texto legislativo anterior à Lei nº.

4.717/65 que nomina tal ação de “popular”, vendo nela inclusive similaridade com a “actio de

corrupto albo” da velha roma, mas ressalta que de certa forma era prevista em outros textos:

Além dessa hipótese, era a ação popular prevista, sob certo aspecto, no art. 2º, § 2º, e arts. 3º e 4º do Decreto nº 2691 de 19 de novembro de 1860, que disciplinava os casos de falência dos Bancos e outras companhias e sociedades anônimas, permitindo, “quando houver emissão ou conservação na circulação de títulos ilegais por parte do Banco, ao lado das providências administrativas (policial ou fiscal), a apreensão judicial por denúncia, ou requerimento de qualquer pessoa do povo”.

A primeira Constituição da República, de 1891, não previa a ação popular, nem

mesmo aquela já prevista no art. 157 da Constituição do Império, restando apenas as leis

ordinárias esparsas, de caráter administativo-penal e ações para defesa de bens públicos de

uso coletivo, remanescentes da doutrina Romanista.

Com o advento do Código Civil em 1916, instalou-se “certo consenso doutrinário e

até jurisprudencial no sentido de que seu art. 76 teria ab-rogado de vez os últimos vestígios da

ação popular, quando condicionou o exercício do direito de ação à existência de um ‘legítimo

interesse econômico ou moral’”. (MANCUSO, 2001, p. 54)

Reproduzindo com mais de um século de atraso os ícones individualistas do Estado

Liberal25 consolidado com a Revolução Francesa em 1789, e já sendo superados pelos debates

em torno do Estado Social26, como comprovam as Constituições Mexicana e Alemã de 1917 e

25 Assunto já abordado no Capítulo I. 26 Idem.

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1919, o Código Civil de 1916o com esse fato e os argumentos27 que se lhe justificaram,

entrou em vigência já atropelado pelos fatos históricos.

Com essa orientação liberal individualista, condicionando o exercício do direito de

ação à existência de um “legítimo interesse econômico, ou moral”, o código praticamente

levou à pacificação do tema pela jurisprudência, no sentido de que mesmo para defesa do uso

comum dos bens públicos, haveria a necessidade de o autor demonstrar um interesse direto e

pessoal com o interesse em litígio. (SILVA, 2007, p. 35)

De qualquer forma, não estava a ação popular descartada do ordenamento jurídico,

mesmo porque, havia uma corrente minoritária ainda a defendê-la, argumentando que ao

defender o direito público lesado, o autor popular tinha interesse de agir, abrigando-se,

portanto, na “regra geral estabelecida pelo código, para justificar qualquer ação”

(MANCUSO, 2001, p.54-55), tanto que, a Lei de Organização dos Municípios da Bahia, de

maio de 1920, seguindo a Lei Estadual de agosto de 1915, segundo o autor, estabelecia no seu

art. 31 que:

É permitido a qualquer habitante do Município, em nome e no interesse deste, intentar as ações judiciais competentes, para reivindicar ou reaver quaisquer bens ou direitos que ao Município tenham sido usurpados ou estejam indevidamente possuídos por terceiros, contanto que tais ações sejam propostas, se o intendente recusar-se a intentá-las e se nada providenciar a respeito o Conselho, depois de lhes haver sido apresentada uma exposição circunstanciada do direito que se pretende valer, a qual pode ser pelo expositor publicada pela imprensa, quando nem o Conselho nem o intendente o tenham feito no prazo de 10 dias. Parágrafo único: Quem tiver intentado a ação e obtido sentença final favorável terá direito a ser indenizado pelo cofre municipal das despesas feitas com o pleito e que não forem pagas pela parte vencida, salvo direito regressivo do Município.

27 Silva (2007, p. 34) afirma que o código adotou a doutrina defendida por Clóvis Beviláqua, citando pronunciamento de Manuel Aureliano de Gusmão nos seguintes termos: “No estado atual, porém não só do nosso Direito, como do Direito da quase totalidade das nações civilizadas, não mais há lugar ao exercício das ações populares; e a razão é que, conforme já tivemos ensejo de dizer, na organização jurídica hodierna, por um lado, os atos que, no Direito Romano, autorizavam as ações populares, ou passaram a constituir crimes definidos e punidos pelas leis penais, ou a ser objeto de leis de polícia, de leis provinciais, comunais, e por outro lado a função judiciária de velar pela guarda e conservação dos bens públicos e de defender, em juízo, os interesses sociais e coletivos é exercida pelos representantes do ministério público, para tal fim criado e instituído no organismo político de generalidade dos povos cultos”.

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Polêmicas à parte, foi na Constituição de 1934 que a ação popular apareceu,

explicitamente, no art. 113, item 38, acabando definitivamente com a discussão doutrinária e

pacificando a jurisprudência, pois garantia que, “qualquer cidadão será parte legítima para

pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, dos

Estados ou dos Municípios”. (MANCUSO, 2001, p. 55)

Apesar de, constitucionalmente, garantido, o instituto não teve aplicabilidade, pois a

duração daquela Constituição foi muito curta, e com a implantação do “Estado Novo”, a

constituição de 1937, seguindo o exemplo das ditaduras Italiana e espanhola, também a

aboliu, haja vista, que sob as trevas das ditaduras a participação popular é a primeira a ser

suprimida. (MANCUSO, 2001, p. 57)

Com a reconquista da democracia, porém, na Constituição de 1946 ela ressurge no

art. 141, § 38, com o seu objeto ainda mais ampliado, incluindo a proteção do patrimônio

também das entidades autárquicas e das sociedades de economia mista, antes só prevista para

o da União, Estados e Municípios.

Precisou mais de duas décadas para que este dispositivo constitucional fosse

regulamentado, tendo isso acontecido em junho de 1965 com a lei ordinária nº. 4.717/65, o

que não impediu a sua utilização, pois a norma foi considerada pela jurisprudência como auto-

aplicável, mesmo porque, nesse período foram criadas na legislação infraconstitucional

hipóteses supletivas de ação popular, como a lei nº. 8.18/49 sobre nacionalidade e direitos

políticos e a lei nº. 3.052/58 sobre enriquecimento ilícito. (MANCUSO, 2001, p. 59)

A Constituição de 1967, apesar de substituir a expressão “entidades autárquicas e de

economia mista” por “entidades públicas”, diminuindo o seu raio de abrangência, manteve o

instituto.

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Como já se contava com a lei regulamentadora, há dois anos, e esta já havia

enumerado os entes da administração sujeitos ao alcance da ação popular, os efeitos dessa

modificação foram reduzidos.

A emenda constitucional de 1969, no art. 153, § 31, manteve a redação nos mesmos

termos de 1967 e, a Constituição atual, no art. 5º, LXXIII, ampliou o seu objeto passando a

partir daí a ser a fonte da ação popular:

[...] qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade em que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. (SILVA, 2007, p. 39)

No sistema jurídico brasileiro, a ação popular é a primeira a possibilitar a defesa de

direitos difusos e coletivos, sendo a sua atual formatação constitucional de proteção não só ao

erário, mas a outros bens e direitos públicos e coletivos, essencial para o aperfeiçoamento da

democracia participativa.

3.5 Garantia constitucional e exercício da cidadania

Como já foi anotado, o instituto da ação popular é próprio do regime democrático,

tendo, inclusive, a história comprovado que ela não sobrevive em regimes ditatoriais,

exatamente porque “no Estado democrático, ainda se concebe um controle de tipo popular,

exercido pelo eleitorado”, (SILVA, 2007, p. 88), o que é inadmissível nas ditaduras.

No Brasil, a ação popular é um remédio constitucional disponível ao cidadão,

possibilitando-lhe o controle da administração pública, para que com as suas atividades

objetivas, não atue de forma a garantir favoritismo, preserve o patrimônio público, os bens e

direitos de valor econômico, artístico, cultural e histórico, o meio ambiente, e principalmente

a moralidade administrativa.

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Com o amadurecimento da democracia e a possibilidade de participação direta do

cidadão nos negócios do Estado, a sociedade brasileira está dotada de alguns mecanismos

jurídicos indispensáveis ao controle da legalidade e da moralidade administrativa e, a Ação

Popular, se “constitui um instrumento de exercício da cidadania e forma de concretização do

modelo democrático brasileiro”. (TARREGA; FREDERICO, 2006, p. 301)

Mas, de nada adianta a sociedade ter à sua disposição estes mecanismos se ela não

tem consciência de que a sua participação é necessária para que haja alguma mudança no

comportamento dos governantes, especialmente aqueles que quando chegam ao poder

imaginam estarem administrando seus próprios bens, sempre no sentido de não distinguir o

que é publico do que é privado, mas invariavelmente utilizando os bens públicos em proveito

próprio e nunca o contrário.

Algo de novo acontece.

São vários os escândalos de administradores que em parceria com a iniciativa

privada, fazem verdadeira pilhagem no dinheiro público e, com a destacada atuação de alguns

membros do Ministério Público, Polícia Federal e Judiciário, está sendo possível desbaratar

essas quadrilhas, atuação esta que serve de exemplo para o comportamento dos gestores do

Estado.

Esses acontecimentos também elevam a consciência do cidadão, na medida em que

percebe não estar sozinho na defesa dos interesses da coletividade, e isto é próprio dos

regimes democráticos, que permitem a possibilidade de se combater os desmandos através da

participação efetiva do cidadão.

É nesse contexto que a ação popular pode ser considerada um importante

instrumento de exercício da cidadania, pois como garantia constitucional política, ela dá

oportunidade ao cidadão de participar diretamente da vida pública, fiscalizando a

Administração de forma suplementar, já que em regra, essa função deveria ser exercida pelos

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seus representantes no poder legislativo, auxiliados pelos Tribunais de Contas. (BRASIL,

2008)

No mesmo sentido é o pensamento de Luísa Elizabeth Furtado (1997, p. 19):

Percebe-se que há com a sacramentalização da Ação Popular a solidificação de um direito político, de democracia direta, pois o cidadão passa a ser o controlador da legalidade imanente, qual seja o da sua participação na vida política estatal, em ato de fiscalização da gestão do patrimônio público para que a mesma corresponda aos princípios da legalidade e moralidade.

Assim, na medida em que o cidadão se conscientiza que a sua participação é

fundamental para a garantia do “direito coletivo de ter uma administração honesta” (SILVA,

2007, p. 90) e, que a ação popular é um dos mecanismos jurisdicionais de controle dos atos do

poder público à sua disposição, aumenta a confiança na sua própria atuação.

Mas, ressalte-se que essa conscientização é parte de um longo processo, que passa

necessariamente pela conquista de melhores condições de vida, para que seja democratizado o

acesso aos meios de informação, educação e cultura, caminhos indispensáveis para o aumento

da consciência política do cidadão, requisitos básicos de uma sociedade, verdadeiramente,

democrática e justa.

3.6 Objeto

Instituto incorporado ao ordenamento constitucional em 1934, a ação popular foi

evoluindo e teve, significativamente, ampliado o seu objeto a partir da Constituição de 1988,

quando acrescentou à anterior e mesmo à Lei nº. 4.717/65, a proteção da moralidade

administrativa e do meio ambiente, uma vez que o patrimônio histórico e cultural já “estava

contemplado na lei que regula o processo popular”. (SILVA, 1997, p. 440)

O objeto de proteção jurisdicional da ação popular abrange, especificamente, o

patrimônio público ou de entidade da qual participe o Estado, a moralidade administrativa,

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o meio ambiente e, o patrimônio histórico e cultural, estes os bens jurídicos protegidos pelo

instituto. (BRASIL, 2008)

O Patrimônio público ou de entidade da qual participe o Estado protegido pela

ação popular, não é só o patrimônio material, o erário, mas também o imaterial, em toda e

qualquer instituição onde haja a participação do Estado.

A moralidade administrativa, a que se refere o texto constitucional, não é a moral

comum, do dia-a-dia das pessoas, aquela é mais profunda porque está ligada à satisfação do

bem comum, dos interesses da coletividade e não dos valores individuais de cada um, ela tem

conteúdo jurídico (assunto abordado em item próprio).

O meio ambiente como direito difuso de terceira geração deve ser protegido não só

para uma boa qualidade de vida da população, pois isso é o mínimo que se espera de

governantes comprometidos com a sua gente, mas principalmente, como forma de

sobrevivência das futuras gerações e garantia da continuidade da espécie humana.

O patrimônio histórico e cultural é o marco do desenvolvimento da consciência de

cidadania, pois o estudo e o debate da cultura e da história de um povo, representam

importantes instrumentos de compreensão da realidade.

É de se observar que a ação popular tem, como objeto, a proteção de bens e

interesses da coletividade, proporcionando ao cidadão a possibilidade de fiscalização e

controle da coisa pública com a sua participação direta, nesse caso, pela via da prestação

jurisdicional.

3.7 Requisitos

No texto constitucional e na Lei nº. 4.717/65 se apresentam os requisitos básicos para

a propositura da ação popular, mas é importante anotar que em razão da Constituição de 1988

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ter ampliado o seu objeto, a lei ordinária, que é de 1965, apresenta algumas lacunas que exige

um olhar interpretativo à luz das modificações levadas, a efeito, pelo constituinte,

especialmente quanto aos bens e valores não patrimoniais protegidos pelo instituto.

São requisitos da ação popular:

a) proposta por cidadão;

b) ilegalidade ou ilegitimidade do ato; e

c) lesividade do ato.

3.7.1 Legitimação ativa

Esse é o requisito essencial da ação popular, uma vez que, somente o cidadão

brasileiro na plenitude de seus direitos poderá ajuizar a ação, entendendo-se como cidadão

(pelo texto da lei) a pessoa física que seja eleitora.

O título eleitoral é documento hábil para provar a condição de cidadão, segundo a

maioria da doutrina e da jurisprudência, o que se considera um equívoco a ser superado.

A súmula 365 do STF expressa esta visão ao enunciar que “ pessoa jurídica não tem

legitimidade para propor ação popular” , orientação que foi seguida pela lei nº. 4.717/65 no

seu art. 1º, § 3º, exigindo que a prova de cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o

título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda.

O requisito em comento, para aqueles que defendem esta posição restritiva de

legitimação ativa, tem razão de ser, pois alegam que se estamos diante de um direito político

constitucionalmente garantido, somente o cidadão poderia exercê-lo, tendo assim, se

manifestado Meirelles (2003, p. 124):

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Somente o indivíduo (pessoa física) munido de titulo eleitoral poderá propor ação popular, sem o quê será carecedor dela. Os inalistáveis ou inalistados, bem como os partidos políticos, entidades de classe ou qualquer outra pessoa jurídica, não têm qualidade para propor ação popular (STF, Súmula 365). Isso porque tal ação se funda essencialmente no direito político do cidadão, que, tendo o poder de escolher os governantes, deve ter, também, a faculdade de lhes fiscalizar os atos de administração.

Parte da doutrina entende que não se deveria interpretar o dispositivo constitucional

ao pé da letra, e os tribunais deveriam ampliar a possibilidade de também pessoas jurídicas,

associações e instituições participarem como legitimados ativos, alegando que essa

interpretação restritiva diminui a grandeza da ação popular e, considerar como cidadão apenas

os portadores de título de eleitor é uma interpretação desconforme com a Constituição,

afirmando Gustavo de Medeiros Melo (2006, p. 186) que:

A restrição da Lei 4717/65 é inconciliável com a moderna ciência do Direito Constitucional que assentou, com absoluta propriedade, ser um dos objetivos primordiais da educação o preparo para o exercício da cidadania. A educação é a via de desenvolvimento cultural da personalidade que habilita o indivíduo a participar politicamente como cidadão da vida social. Em contrapartida, uma das garantias mais representativas dessa integração política e social – a ação popular – é posta somente à disposição dos eleitores, segundo a lei ordinária e a jurisprudência de nossos tribunais. A exegese pretoriana, ao invés de incluir e educar muito mais exclui e discrimina. O caráter discriminatório da Lei 4717/65, nesse particular, faz pensar que os demais integrantes da população brasileira que não dispõem de título de eleitor, não seriam cidadãos.

Levando-se em consideração inúmeras previsões do termo cidadão constante na

Constituição e não havendo ali nenhuma restrição que limite o exercício da cidadania àqueles

que não sejam eleitores, a exigência de título de eleitor para a legitimação ativa da ação

popular é limitadora de direito, sendo, portanto, necessária a sua revisão.

A constituição deve ser interpretada e aplicada de modo a facilitar o acesso do povo à

efetividade das suas normas e não ao contrário, por isso, seguindo o entendimento de Haberle

(2002, p. 14) “é impensável uma interpretação Constitucional sem o cidadão ativo”, porque é

a favor dele que se deve a concretização da Constituição.

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Assim sendo, o próprio povo é interprete da Constituição, cabendo evidentemente no

nosso sistema de controle constitucional, a última palavra ao Supremo Tribunal Federal em

controle concentrado e, é nesse sentido que se deve lançar o olhar para a regra contida no § 3º

da Lei nº. 4.717/65, que exige o título eleitoral como “prova da cidadania”.

É de ser considerada inconstitucional essa regra, porque sendo oriunda do período

ditatorial (a Lei é de 1965), a sua vontade é restritiva, no sentido de limitar ao máximo, a

participação do cidadão nos assuntos estatais.

Essa restrição não pode ser tida como recepcionada pela Constituição, porque ela foi

concebida sob o manto dos anseios democráticos e, em todo o seu texto não se encontra

nenhuma limitação ao exercício da cidadania, pois ela pode ser exercida por todos os

cidadãos, independente de serem ou não eleitores.

Ademais, a Constituição no seu artigo 14, ao mencionar o exercício da cidadania

através do sufrágio, elenca os direitos políticos do cidadão a serem exercidos por esse meio e,

dentre eles não consta a Ação Popular, que deve ser considerada como direito fundamental,

uma vez que, sua previsão é expressa no capítulo dos direitos e garantias fundamentais.

(BRASIL, 2008)

É limitadora do exercício de direitos fundamentais a mencionada regra, portanto, há

de ser considerada inconstitucional, para que se possibilite ao cidadão não eleitor, a

capacidade postulatória em Ação Popular.

3.7.2 Ilegalidade ou ilegitimidade

Outro requisito da ação popular é o binômio ilegalidade ou ilegitimidade do ato que

se pretende anular, isto é, que ele esteja em desacordo com o Direito, por não obedecer às

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normas específicas que regem a sua prática, ou ainda, infringir algum dos princípios gerais a

que deve observância a Administração Pública. (MEIRELLES, 2003, p. 124)

Como a Constituição é expressa no sentido de que a ação popular destina-se a

invalidar atos de que resultou lesão, não se pode exigir a cumulação com a ilegalidade, até

porque, o ato lesivo é intrinsecamente ilegal, a não ser que se admita a hipótese de lesão

legítima, o que não é possível, como alude Zavascki (2007, p. 92):

O dilema da cumulação ou não da lesividade e ilegalidade somente poderia existir a partir da suposição (que não é verdadeira) de que os atos lesivos podem ser classificados como (a) atos lesivos ilegítimos (=ilegais) e (b) atos lesivos legítimos (= legais). Ora, é difícil, sob o aspecto estritamente jurídico, admitir a hipótese de uma lesão “legítima”. Se o ato é legítimo, a “lesão” que ele causa não pode ser considerada, juridicamente uma lesão. Se o fosse, seria uma “lesão” legítima, e, como tal, insuscetível de ser desfeita.

O requisito em comento, ainda presente na doutrina e em boa parte da jurisprudência,

advém do texto da Constituição anterior e da própria lei ordinária, que no seu art. 1º, usa as

expressões “pleitear a anulação ou a declaração de nulidade”, que poderá ser por

ilegalidade ou ilegitimidade.

Pode-se afirmar que qualquer ato com desvio de finalidade, especialmente aquele

atentatório a qualquer dos princípios regedores da Administração, é lesivo à moralidade

administrava e, portanto, traz em si, imanente a ilegalidade, porque mais grave que

descumprir a lei é atentar contra princípio, o alicerce de todo o sistema jurídico, como afirma

o Celso Antonio Bandeira de Mello, (2003, p. 818):

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão da sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura mestra.

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Com a nova formulação constitucional, que fala em “anular ato lesivo”, o requisito

da ilegalidade perdeu um pouco a sua importância, haja vista, que a questão principal a ser

atacada pela via da ação popular é a lesividade, que em regra, estará sempre acompanhada da

ilegalidade, mas, também poderá se apresentar por intermédio de ato legal e/ou legítimo.

3.7.3 Lesividade

Apesar de a lei da ação popular, no seu art. 4º, estabelecer casos de presunção de

lesividade, com a Constituição de 1988 esse requisito tem causado profundo debate na

doutrina e também na jurisprudência, que se dividem ao considerar a conjugação dos

elementos ilegalidade e lesividade como sendo essenciais para a ação popular.

É importante ressaltar que essa lesividade não pode se referir somente a dano

patrimonial, pois tanto pode atingir o patrimônio material como imaterial que é o caso do

patrimônio moral, estético, espiritual, ecológico, histórico, que também se constituem em

patrimônio público, Meireles (2003, p. 125), considera que “tanto é lesiva ao patrimônio

público a alienação de um imóvel por preço vil, realizada por favoritismo, quanto a destruição

de um recanto ou de objetos sem valor econômico, mas de alto valor histórico, cultural,

ecológico ou artístico para a coletividade”.

O referido autor (2003, p. 125), estribado em Rafael Bielsa, sustenta que a ação

popular protege interesses não só de ordem patrimonial, como também, de ordem moral e

cívica, já que nas palavras do pensador argentino “o móvel, pois, da ação popular não é

apenas restabelecer a legalidade, mas também punir ou reprimir a imoralidade administrativa.

Nesse duplo fim, vemos a virtude desse singular meio jurisdicional, de evidente valor

educativo".

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Mancuso (2001, p. 95) cita algumas decisões que seguem a orientação no sentido de

se exigir o cumprimento dos dois elementos:

1) “São pressupostos da ação, sem os quais é inatendível a pretensão : a) a lesividade do ato ao patrimônio público (da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, etc.); b) que o ato lesivo seja contaminado de vício ou de defeito de nulidade ou anulabilidade” (RTJ 54/95) 2) “Não pode vingar a ação popular se não demonstrada a ilegalidade e a lesividade do ato impugnado”(RT 600/52)

Em sentido contrário:

1) “basta a existência de lesividade, pois ela, por si só implica vício, uma vez que um ato lesivo é um ato eivado de vício”. (Themístocles Brandão Cavalcanti, Ary Florêncio Guimarães e R. A. Amaral Vieira); 2) “eliminando os termos anulação e declaração de nulidade, literalmente sugere, isto sim, a dispensa de outras causas de nulidade além da própria lesividade do ato”. (Mário Bento Martins Soares).

Assumindo a sua posição preleciona:

Nossa posição a respeito parte do princípio de que a lei não contém palavras supérfluas e o fato é que o texto constitucional não fala em ‘ilegalidade’ ou ‘ilegitimidade’, mas sim em ação popular que ‘vise anular ato lesivo’. Quer dizer, a lesividade do ato há de ser, em princípio o leit motiv da ação, sua causa próxima mais evidente. Casos haverá (não serão a regra) em que tal seja a enormidade da lesão, que a ilegalidade virá por assim dizer ‘embutida’, presumida, ínsita na lesão mesma.

Essa parece ser a posição mais acertada, mesmo porque, com a ampliação do objeto

da ação popular introduzida pelo constituinte, que elevou a moralidade administrativa como

causa autônoma para a ação popular, não há como se exigir o requisito da legalidade, pois a

lei pode ser cumprida moral ou imoralmente, como bem sustenta Furtado (1997, p. 69):

“quando sua aplicação está se processando com a intenção de favorecer ou de prejudicar

alguém, o ato é formalmente legal, porém, materialmente ligado à imoralidade administrativa,

pois que houve desvio da finalidade administrativa, mesmo não violando a forma do ato”.

Para sustentá-la, também Silva (1997, p. 440-441), que é o precursor desta posição:

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Na medida em que a Constituição amplia o âmbito da ação popular, a tendência é a de erigir a lesão, em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato. Reconhece-se muita dificuldade para tanto. Se exigir também o vício da ilegalidade, então não haverá dificuldade alguma para a apreciação do ato imoral, porque, em verdade, somente se considerará ocorrida a imoralidade administrativa no caso de ilegalidade. Mas isso nos parece liquidar com a intenção do legislador constituinte de contemplar a moralidade administrativa como objeto de proteção desse remédio. Por outro lado, pode-se pensar na dificuldade que será desfazer um ato, produzido conforme a lei, sob o fundamento de vício de imoralidade. Mas isso é possível porque a moralidade administrativa não é meramente subjetiva, porque não puramente formal, porque tem conteúdo jurídico a partir de regras e princípios da Administração No caso da defesa da moralidade pura, ou seja, sem alegação de lesividade ao patrimônio público, mas apenas de lesividade do princípio da moralidade administrativa, assim mesmo se reconhecem as dificuldades para se dispensar o requisito da ilegalidade, mas quando se fala que isso é possível é porque se sabe que a atuação administrativa imoral está associada à violação de um pressuposto de validade do ato administrativo.

Para constar e ilustrar, esclarece-se que os pressupostos de validade do ato

administrativo segundo Celso Ribeiro Bastos (1996, p. 92) são os seguintes:

a) Competência – para que o ato administrativo seja válido é necessário que seja editado por autoridade que tenha competência, ou seja, poderes conferidos por lei para fazê-lo; b) Objeto ou conteúdo – é aquilo que o ato determina, isto é, o que cria, modifica, resguarda ou extingue na ordem jurídica; c) Forma – é o modo pelo qual o ato se exterioriza, que em regra deve ser escrito, mas também pode não sê-lo em situações especiais; d) Motivo ou causa – É a situação fática que determina ou autoriza o ato, há necessidade de que haja um motivo determinante para o ato, a desconformidade entre os motivos e a realidade acarreta a invalidade do ato; e) Finalidade – é o objetivo a ser alcançado pelo ato. Tratando-se de ato administrativo, a finalidade visa sempre atingir um interesse público ou social. Nunca um interesse particular. Não sendo assim, ocorre o que se chama de desvio de poder ou de finalidade.

A probidade não pode ser considerada como qualidade do administrador público,

mas sim, obrigação.

Se ela já o é do cidadão comum, com muito mais razão deve ser do agente público,

mesmo porque, o ímprobo contumaz, certamente, estará alerta para que os seus atos sejam

formalmente legais, mesmo que materialmente imorais, o que de per si já constitui uma

ilegalidade, pois afronta o princípio da moralidade administrativa, exigido no art. 37 da

Constituição. (BRASIL, 2008)

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Cabe ressaltar que a moralidade administrativa não pode ser confundida com a

moralidade comum, uma vez que esta é muito subjetiva, uma vez que está ligada ao íntimo de

cada indivíduo, seus valores e o contexto social no qual vive; já aquela não, ela tem conteúdo

jurídico, não está sujeita à discricionariedade do juiz, e nem ao seu juízo de valor e, Mancuso

(2001, p. 102) além de conceituá-la, conseguiu sintetizar este conteúdo jurídico:

A nosso ver, a questão da moralidade administrativa situa-se na zona fronteiriça entre o Direito e a Moral e daí a dificuldade em conceituá-la e uma certa resistência em admiti-la como categoria jurídica autônoma. Mas, o Direito e a Moral são espécies do gênero Ética, de sorte que a gestão da coisa pública, que constitui o pano de fundo de toda ação popular, não pode ser objeto de controle externo apenas sob o estrito enfoque técnico-jurídico, porque do contrário se chegaria a um controle jurisdicional meramente formal, o que seria de todo insuficiente. Por isso, cremos que dentro da ‘moralidade administrativa’ podem ser considerados estes tópicos: 1) o abuso de direito; 2) o desvio de poder; e, mesmo; 3) a razoabilidade da conduta sindicada.

Ainda na vigência da constituição anterior, Hely Lopes Meirelles (1995, p. 86),

traduzindo o senso concebido por Hauriou já apontava que:

O agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente do inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também, entre o honesto e o desonesto.

Assim, comprovada a lesividade, é irrelevante a demonstração da ilegalidade, pois se

o ato é lesivo, mesmo que haja uma legalidade na forma, que não tenha violado diretamente

um preceito legal, ele contém uma ilegalidade intrínseca, pois a finalidade da administração

pública é o bem comum, portanto todo ato lesivo está contaminado pelo desvio de finalidade.

Apesar da controvérsia, espera-se que a jurisprudência se firme nesse sentido, pois

com a ampliação do debate e as exigências da sociedade por governos honestos, compete aos

tribunais acompanharem esse sentimento popular.

Significa dizer, que presente só a lesividade já deve ser acolhida a ação popular, se

presentes a lesividade/ilegalidade com mais razão ainda; agora, se ausente a lesividade não há

se falar em ação popular. Recente decisão do STJ corrobora essa posição: “Na propositura da

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ação popular, não basta a afirmativa de ser o ato ilegal, é necessário a prova da

lesividade”.28

O que parece claro é que o requisito da lesividade é básico, pois a constituição não

fala em ilegalidade como pressuposto para a ação popular, ao contrário fala em “anular ato

lesivo”, mesmo porque, para o “ato ilegal” tem-se outros mecanismos de controle.

3.8 Distinção entre ação popular e ação civil pública

Como já se analisou, viu-se que a ação popular é um instrumento disponível ao

cidadão, para pleitear a anulação de atos lesivos ao patrimônio público, à moralidade

administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.

Foi ela quem primeiro tutelou jurisdicionalmente, os interesses difusos no direito

pátrio, já que figura na Constituição desde 1934, com lei infraconstitucional de 1965,

enquanto que a Ação Civil Pública é de 1985, mas, segundo Brandão (2006, p. 289), “claro

que não com a mesma carga de possibilidade encontrável hoje, mas havia, sem declaração

expressa, até porque ainda não desenvolvida a concepção dessa nova ordem de direitos, uma

esfera de protetividade de interesse difuso”.

Com a Lei nº. 7.347/85, da Ação Civil Pública, esses interesses, agora de forma mais

clara e ampliada passaram a contar também com essa nova proteção, sem prejuízo da ação

popular. (Lei nº. 7.347/85, art. 1º)

A Ação Civil Pública tem como objeto dar proteção ao meio ambiente, ao

consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico,

28 Decisão proferida pelo STJ no RESP nº. 250.593/SP – Rel. Min. Garcia Vieira/1ª turma. (STJ/DJU de 04/9/00, p. 126)

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qualquer outro interesse difuso ou coletivo, bem como a defesa da ordem econômica, e,

estabelece regras processuais para essa proteção.

A principal diferença entre ação popular e ação civil pública, está na legitimação

ativa.

Enquanto que naquela somente o cidadão poderá figurar no pólo ativo, nesta

poderão:

[...] o Ministério Público, a União, os Estados e Municípios, autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista, ou associação constituída há pelo menos um ano, que inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Lei nº. 7.347/85, art. 5º, I e II)

Enquanto na ação popular o pólo ativo será composto sempre por um cidadão, na

ação civil pública o cidadão nunca será parte ativa; assim como no pólo passivo daquela ação

sempre estará um agente público e/ou um ente público, na ação civil pública em regra estarão

no pólo ativo e, mais importante, a ação popular é eminentemente desconstitutiva e a ação

civil pública é essencialmente condenatória, como sustenta Meirelles (2003, p. 165):

Embora o mesmo fato possa ensejar o ajuizamento simultâneo da ação civil pública e ação popular, as finalidades de ambas as demandas não se confundem. Uma ação não se presta a substituir a outra. Tendo em vista a redação do art. 11 da Lei 4717/65, a ação popular é predominantemente desconstitutiva, e subsidiariamente condenatória (em perdas e danos). A ação civil pública, por sua vez, como decorre da redação do art. 3º da Lei 7347/85, é preponderantemente condenatória, em dinheiro ou em obrigação de fazer ou não fazer.

Cumpre ressaltar que, embora o cidadão não possa figurar no pólo ativo da ação civil

pública, ele não está impossibilitado de participar da defesa dos interesses difusos tutelados

pela lei em questão, pois poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, conforme

estabelecido no seu art. 6º.

Independente das diferenças que possa haver entre esses institutos, relevante é o fato

de que as duas leis se destinam à proteção do patrimônio da coletividade e a preservação do

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bem comum e, o que não estiver explícito em nenhuma das leis, está amparado pela expressão

“a qualquer interesse difuso ou coletivo” , constante do art. 1º, IV, da lei de ação civil

pública.

3.9 Ação Popular e processo coletivo

As reformas que se realizaram (ainda inconclusas) no Código de Processo Civil de

1973 foram essenciais para a proteção dos direitos difusos e coletivos, porque ele foi

estruturado originalmente na clássica formatação das ações de conhecimento, execução e

cautelar, moldado exclusivamente “para atender à prestação da tutela jurisdicional em caso de

lesões a direitos subjetivos individuais, mediante demandas promovidas pelo próprio lesado.

Assim, como regra, ‘ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo, quando

autorizado por lei’ (CPC, art. 6º)”. (ZAVASCKI, 2007, p. 17)

Não estavam previstos nesse código instrumentos para tutela coletiva de direitos,

exceto a forma tradicional de litisconsórcio, mas, mesmo assim, com suas limitações e, tudo

sob a diretriz dos direitos individuais.

Com o incorporar de direitos de cidadania na ordem jurídica foram essenciais as

mudanças para o atendimento de novas demandas, fruto de uma nascente conscientização do

papel do Direito e do Estado neste novo milênio, oriunda da “relação de participação que se

estabelece entre o Estado e todos os integrantes da Sociedade Civil, da qual aquele é

instrumento, seja numa perspectiva individual, seja coletiva”. (BRANDÃO, 2006, p. 21)

As primeiras modificações ocorridas, em 1985, segundo Zavascki (2007, p. 19)

introduziram no sistema processual, instrumentos destinados a “dar curso a demandas de

natureza coletiva, tutelar direitos e interesses transindividuais e, tutelar com mais amplitude, a

própria ordem jurídica abstratamente considerada”, já que sua estrutura original já não espelha

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mais a realidade do sistema processual civil, que segundo o autor pode-se realizar a seguinte

classificação dos mecanismos de tutela jurisdicional:

(a) mecanismos para tutela de direitos subjetivos individuais, subdivididos entre (a.1) os destinados a tutelá-los individualmente pelo seu próprio titular (disciplinados, basicamente no Código de Processo) e (a.2) os destinados a tutelar coletivamente os direitos individuais, em regime de substituição processual (as ações civis coletivas, nelas compreendido mandado de segurança coletivo; (b) mecanismos para tutela de direitos transindividuais, isto é, direitos pertencentes a grupos ou a classes de pessoas indeterminadas (a ação popular e as ações civis públicas, nelas compreendidas a chamada ação de improbidade administrativa); e (c) instrumentos para tutela da ordem jurídica, abstratamente considerada, representados pelos vários mecanismos de controle de constitucionalidade dos preceitos normativos e das omissões legislativas. (Grifo nosso)

As mudanças operadas no sistema processual civil, notadamente a partir da “primeira

onda de reformas em 1985”, é reflexo das exigências sociais que tem suas relações cada vez

mais coletivizadas, produto das transformações ocorridas na sociedade, que exige novas

formas de prestação jurisdicional, especialmente depois do surgimento das Ações

Constitucionais introduzidas a partir de 1988.

Essas mudanças, segundo Zavascki (2007, p. 27) criaram um “subsistema processual

bem caracterizado, que se pode, genérica e sinteticamente, denominar de processo coletivo”, e

segue o autor:

Mas, sem a tradição dos mecanismos da tutela individual dos direitos subjetivos, os instrumentos de tutela coletiva, trazidos por leis extravagantes, ainda passam por fase de adaptação e de acomodação, suscitando, por isso mesmo, muitas controvérsias interpretativas. O tempo, a experimentação, o estudo e, eventualmente os ajustes legislativos necessários, sem dúvida farão dos mecanismos de tutela coletiva uma via serena de aperfeiçoamento da prestação da tutela jurisdicional

A ação popular, pelos direitos que tutela e, pela profissionalização demonstrada por

aqueles que têm no Estado sua principal fonte de renda (ilícita é claro), é uma das principais

Ações Constitucionais em defesa do interesse público, porém, nova postura processual é

necessária, pois a velha forma de tutela dos interesses individuais é incapaz de “dar

efetividade aos direitos típicos da cidadania”. (BRANDÃO, 2006, p. 25)

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Essa ação, enquanto instrumento para a tutela processual de direitos transindividuais

positivados na constituição (art. 37, § 4º conduta proba dos agentes públicos; art. 216, § 4º

proteção do patrimônio histórico e cultural e art. 225, meio ambiente equilibrado) faz parte

desse “novo processo coletivo” porque teve seu âmbito de abrangência alargado pela

constituição. (BRASIL, 2008)

É necessário que se reveja o conceito de cidadania e de acesso à justiça.

Cidadania na compreensão moderna não pode mais ser considerada apenas a

possibilidade de o eleitor comparecer às urnas a cada quatro anos para exercer o seu direito de

eleger representante.

É preciso avançar e entendê-la como o participar constante das atividades do poder,

exercer efetivamente as atividades democráticas, como assegura Moás (2002, p. 22)

“nitidamente se percebe que o ponto de partida atual para novas análises acerca da cidadania é

a vivência da democracia através da participação real e efetiva dos indivíduos na toma de

decisões”.

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional está garantido na

Constituição no art. 5º, XXXV, assegurando que: “A lei não excluirá da apreciação do poder

judiciário lesão ou ameaça a direito”.

É por meio da ação que a jurisdição realiza a sua finalidade, apreciando as lesões ou

ameaças a direitos e reparando-as, ou quando confirmadas, coibindo-as. Assim é que o Estado

presta a tutela jurisdicional.

Não basta assegurar o direito de ação e a apreciação de toda e qualquer lesão, é

preciso garantir a efetividade da realização da justiça e, para isso no caso dos direitos difusos

e coletivos não pode prevalecer a usual sistemática processual de proteção aos direito

individuais.

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O acesso formal à estrutura do judiciário por si só não garante a efetividade da

justiça, mais ainda, quando a tutela pretendida é para interesses transindividuais, porque a sua

realização satisfazem interesses sociais e políticos da sociedade, é preciso como afirma Kazuo

Watanabe (1996, p. 20) que a prestação jurisdicional seja efetiva, adequada e tempestiva,

senão não é justa.

O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, inscrito no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, não assegura apenas o acesso formal aos órgãos judiciários, mas sim o acesso à justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da justiça e também o acesso à ordem jurídica justa.

O certo é que, para o efetivo exercício da cidadania, no que tange à possibilidade dos

indivíduos realizarem a justiça através da prestação jurisdicional justa em defesa de direitos

difusos e coletivos, é preciso avançar também na compreensão de um processo garantidor

desses direitos, é como pontifica Grinover (2007, p. 11):

Tudo autoriza o Brasil a dar um novo passo rumo à elaboração de uma Teoria Geral dos Processos Coletivos, assentada no entendimento de que nasceu um novo ramo da ciência processual, autônomo na medida em que observa seus próprios princípios e seus institutos fundamentais, distintos dos princípios e institutos do direito processual individual.

Por tutelar direitos fundamentais, a ação popular requer um processo de natureza

coletiva, ainda hoje, inexistente no País, mas com adiantado campo de debate doutrinário e

acadêmico, tanto é, que se encontra em tramitação, no Ministério da Justiça, o anteprojeto do

Código Brasileiro de Processos Coletivos, elaborado pela professora Ada Pelegrini.29

O princípio do acesso à justiça enquanto garantia constitucional, no caso dos

interesses difusos e coletivos tem dimensões diferentes dos de natureza individual, eis que

aqueles tutelam conflitos de massas, com dimensão política e social, tendo a mencionada

autora (2007, p. 12), esclarecido que:

29 Anexo I deste estudo.

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Percebe-se, assim, que o acesso à justiça para a tutela de interesses transindividuais, visando à solução de conflitos que, por serem de massa, têm dimensão social e política, assume feição própria e peculiar no processo coletivo. O princípio que, no processo individual, diz respeito exclusivamente ao cidadão, objetivando nortear a solução de controvérsias limitadas ao círculo de interesses da pessoa, no processo coletivo transmuda-se em princípio de interesse de uma coletividade, formada por centenas, milhares e às vezes milhões de pessoas. E o modo de ser do processo, que, quando individual, obedece a esquemas rígidos de legitimação, difere do modo de ser do processo coletivo, que abre os esquemas de legitimação, prevendo a titularidade da ação por parte do denominado “representante adequado”, portador em juízo de interesses e direitos de grupos, categorias, classes de pessoas.

A ação popular faz parte das denominadas ações constitucionais e tutela interesses

difusos, tendo a Lei nº. 4717/65 tratado de alguns de seus aspectos processuais e, de resto

aplica-se-lhe subsidiariamente o Código de Processo Civil.

Para a efetividade dos direitos por ela tutelados é essencial que o seu processamento

se dê por instrumentos próprios das ações coletivas, as quais tutelam direitos difusos e

coletivos; muito embora, enquanto isso não ocorre é perfeitamente possível se continuar

operando pelos tradicionais caminhos do tradicional processo civil, não havendo assim,

nenhuma razão que justifique a lentidão da prestação jurisdicional por ela pretendida.

3.10 A moralidade administrativa como causa autônoma a fim de

ensejar Ação Popular

A moralidade, enquanto categoria jurídica de um modo de conduzir-se do agente

público, é relativamente recente no País, já que foi instituída através do art. 37, caput, da

Constituição Federal, que é de 1988, sendo, portanto, princípio constitucional expresso.

(CAMMAROSANO, 2006, p. 17)

A moralidade administrativa é “requisito de validade dos atos administrativos” e, há

uma imposição constitucional aos agentes públicos de “um modelo de conduta, uma regra de

comportamento, um modo de proceder”. (ZAVASCKI, 2007, p. 93)

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Entre o comando constitucional e a prática cotidiana da administração pública tem

havido uma considerável distância, o que se comprova pelos escândalos noticiados pela

imprensa envolvendo desde autoridades de pequenos municípios até altas figuras da

república, sempre relacionadas com interesses empresariais.

A moralidade administrativa é diferente da moral comum, não se pode associar

aquela “direta e imediatamente à moral comum, vigente na sociedade num certo momento

histórico, como se toda a ordem moral supostamente prevalecente tivesse sido juridicizada por

força do mesmo”. (CAMMAROSANO, 2006, p. 113)

A moralidade administrativa tem conteúdo jurídico e está associada à lealdade, à boa

fé, aos padrões éticos vigentes em dada época e sociedade (FIGUEIREDO, 2003, p. 87),

conteúdo esse que é retirado do patrimônio ético consagrado pelo senso comum da sociedade

(ZAVASCKI, 2007, p. 95), que hoje está materializado na Constituição ao determinar

princípios que regem a atividade da Administração, tendo Cammarosano (2006, p. 113) assim

se expressado:

Na medida em que o próprio direito consagra a moralidade administrativa como bem jurídico amparável por ação popular, é porque está outorgando ao cidadão legitimação ativa para provocar o controle judicial dos atos que sejam inválidos por ofensa a valores ou preceitos morais juridicizados. São esses valores ou preceitos que compõem a moralidade administrativa. A moralidade administrativa tem conteúdo jurídico porque compreende valores juridicizados, e tem sentido de a expressão moralidade porque os valores juridicizados foram recolhidos de outra ordem normativa do comportamento humano: a ordem moral. Os aspectos jurídicos e morais se fundem, resultando na moralidade jurídica, que é moralidade administrativa quando reportada à Administração Pública. O princípio da moralidade administrativa está referido assim, não diretamente à ordem moral do comportamento humano, mas a outros princípios e normas que, por sua vez juridicizam valores morais.

Essa valoração ética determinada aos agentes públicos, nada mais é do que obrigá-los

a manter na prática administrativa os mesmos padrões de comportamento do cidadão comum

no seu cotidiano com o sentimento do “justo”, haja vista, que toda sociedade compreende e

tem para si, independente de prescrições legais o que é “justo” e o que não é, como doutrina

Freitas (1999, p. 68):

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O princípio da moralidade exige que, fundamentada e racionalmente, os atos, contratos e procedimentos administrativos venham a ser contemplados e controlados à luz da orientação decisiva e substancial, que prescreve o dever de a Administração Pública observar, com pronunciado rigor e a maior objetividade possível, os referenciais valorativos basilares vigentes, cumprindo, de maneira precípua até, proteger e vivificar, exemplarmente, a lealdade e a boa-fé para com a sociedade, bem como travar o combate contra toda e qualquer lesão moral provocada por ações públicas destituídas de probidade e honradez.

A moralidade administrativa possui autonomia jurídica e, diante do sentimento

popular de descontentamento com a prática dos seus representantes e o avanço da consciência

participativa, tende a se consolidar como condição de validade do comportamento dos agentes

públicos, tendo Freitas (1999, p. 69) anotado alguns dos seus desdobramentos:

a) está expressamente albergado como tal, nos arts 37 e 5º. LXXIII, da CF, não despontando supérflua ou desprezível a sua reiteração, motivo a mais pelo qual não pode a Administração Pública direta e indireta, ativa ou passivamente, infligir danos morais; b) encontra proteção autônoma através da ação popular, pois qualquer cidadão é parte legítima para propô-la, visando a anular ato lesivo à moralidade administrativa em si mesma, restando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas e do ônus da sucumbência; c) tem na probidade administrativa um subprincípio diretamente descendente e da maior significação jurídica e política, figurando como uma das hipóteses de crime de responsabilidade do Presidente da República o atentar contra a probidade na administração (CF, art. 85, V); ademais, note-se que a improbidade administrativa desponta como uma das causas de suspensão dos direitos políticos (CF, arts. 15, V e 37, § 4º).,

Decisão paradigmática tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em

Ação Popular é citada por Meirelles (1998, p. 88) para corroborar a tese de que a moralidade

administrativa é necessária à validade do ato, que assim decidiu: “o controle jurisdicional se

restringe ao exame da legalidade do ato administrativo; mas por legalidade ou

legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a

moral administrativa e com o interesse público”.

Com a evolução do próprio sistema jurídico e a compreensão que se tem hoje - a

mencionada decisão foi tomada ainda na vigência da Constituição anterior - do princípio da

moralidade administrativa, é inegável que ela se tornou causa autônoma da ação popular,

como sustenta Mancuso (2001, p. 100):

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Presente a ampliação do objeto da ação popular, a partir do novo conceito inserto no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal, impende destacar um aspecto muito importante: se a causa da ação popular for um ato que o autor reputa ofensivo à moralidade administrativa, sem outra conotação de palpável lesão ao erário, cremos que em princípio a ação poderá vir a ser acolhida, em restando provada tal pretensão, porque a atual CF erigiu a “moralidade administrativa” em fundamento autônomo para a ação popular. E bem pode dar-se – posto que non omne quod licet honestum est – que o ímprobo administrador, de indústria, procure cercar o ato das chamadas “formalidades legais”, mas sem lograr impedir que, em sua essência, ele seja imoral.

Importante posicionamento nesse sentido consta do voto do relator, Ministro José

Delgado do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 14.868-RJ (2002/0013142-

3) ao afirmar:

Tenho a convicção firmada no sentido de que, por ser a moralidade administrativa um dos postulados que sustentam o regime democrático, tanto na Constituição Federal anterior como na atual, a sua violação, por si só, é suficiente para resguardar a procedência do pedido de ação popular, tornando, consequentemente, desnecessária a prova concreta do prejuízo ao erário público. 30

Dessa forma, tendo a moralidade administrativa conteúdo jurídico e alçada a causa

autônoma a fim de ensejar ação popular, por expressa previsão no art. 5º, LXXIII da

Constituição, é essencial que a doutrina e a jurisprudência consolidem essa compreensão,

porque se trata de importante instrumento de democracia participativa à disposição do cidadão

para o controle dos atos contaminados de imoralidade administrativa e refundação do Estado

social.

30 Anexo II

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CONCLUSÃO

O Estado é uma construção da sociedade humana a partir de um determinado estágio

do seu desenvolvimento, especialmente, quando se iniciou a decadência da organização

familiar e surgiu o direito de propriedade, inicialmente, pelo direito de herança e, a partir daí

com a acumulação individual de riquezas.

Portanto, o Estado surgiu para dar proteção à determinada parcela da sociedade, a

dos proprietários e, desde então, passou por diversos momentos, sendo os mais significativos:

1) O Estado antigo, representado pelos Estados Orientais e pelos Grego e Romano,

estes últimos os mais lembrados pela influência da Polis Grega e da Civitas Romana, que vai

da antiguidade até o século V da nossa era, tendo como marco histórico a queda do Império

Romano do Ocidente;

2) O Estado Medieval, das monarquias medievais, do feudalismo e do poder da

Igreja Romana, que vai do século V ao final do XIV, início do XV e, tem a descoberta da

América como referencial do início da sua superação;

3) O Estado Moderno tem seu surgimento, no final do século XIV, início do XV

com as monarquias absolutistas e ainda o poder da igreja e, se consolida com as Revoluções

Burguesas do século XVIII, com a derrota da nobreza e do clero.

Suas características essenciais são: a unidade, a soberania e a independência em

relação a outros poderes, sejam das divindades como os antigos, ou dos senhores feudais e o

clero, como os medievais e, inicia sua consolidação, quando também se modifica o modo de

produção, do feudalismo para o mercantilismo capitalista.

É esse modelo de Estado e as suas variações que até hoje desperta interesse dos

estudiosos e, que também passou por diversas fases, ou modelos de gestão, sendo as

principais:

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3.1) O Estado absolutista é a primeira fase do Estado moderno, surge da superação

do Estado medieval feudalista da Europa que até então mantinha um sistema econômico

fechado, foi gerido por uma aliança entre a nova classe em ascensão (burguesia) e a antiga

nobreza feudal e, até as revoluções burguesas do século XVIII manteve sua soberania

desvinculada do povo e atrelada ao soberano de direito divino;

3.2) O Estado liberal é a primeira manifestação real de poder surgida do

enfrentamento entre o liberalismo e o absolutismo, tendo à frente a burguesia, que até então

mantinha laços com o antigo regime absolutista, mas vendo-se fora do circulo de poder se alia

às camadas populares que viviam em péssimas condições de vida e toma o poder.

Com a Revolução Francesa, em 1789, se consolida e lança as sementes do atual

constitucionalismo, nascendo o Estado submetido à lei e não à vontade do soberano, é o

surgimento do que se conhece hoje como Estado de Direito.

Esse modelo de Estado, sucessor do absolutismo, tem como conteúdo jurídico a

legalidade, com imposições negativas ao aparelho estatal, ou seja, impõe abstenções no seu

trato com os indivíduos, valorizando a liberdade individual, mas descuidando da vida material

da população.

3.3) O Estado social começou a surgir com o início da revolução industrial e a

entrada em cena da classe operária em meados do século XIX, quando os trabalhadores

organizados em sindicatos, começam a exigir seus direitos e o Estado liberal comandado

pelos detentores do capital ou seus aliados, se torna incapaz de dar as soluções reclamadas.

A idéia do Estado social nasce do embate entre os ideais capitalistas da burguesia e o

pensamento socialista. Tem seu marco jurídico na Constituição Mexicana de 1917, que por

primeiro, estabeleceu normas proibitivas de equiparação do trabalho a outra mercadoria,

seguida da Alemã, em 1919, que incorporou aos direitos civis, os econômicos e sociais, e se

consolida após a segunda guerra mundial.

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Nesse modelo de Estado foram incorporadas condutas positivas do aparelho estatal

no trato da ordem social como forma de atenuar as desigualdades, ignoradas pelo Estado

liberal, de cunho eminentemente individualista.

3.4) O Estado Neoliberal começou a ser teorizado após a 2ª Guerra Mundial como

reação capitalista contra o Estado social e consiste, essencialmente, em minimizar o papel do

Estado e maximizar o do “mercado”.

Essa teoria permaneceu sem implementação por mais de duas décadas, iniciando-se

nos anos 80 do século passado, quando após a crise do petróleo o mundo capitalista entrou em

recessão e, os neoliberais atribuíram-na ao poder dos sindicatos, que exigiam dos Estados

mais investimentos sociais.

Esse modelo de Estado mostrou-se incapaz de proporcionar condições de

desenvolvimento social e deixou a sua soberania submetida ao poder das corporações que

impõem em escala planetária formas de condutas e políticas econômicas que atenda aos seus

objetivos principias: lucro e poder.

As transformações ocorridas no Estado ocidental capitalista com a mudança da sua

forma de atuar e suas fases e(in)volutivas, sempre estiveram ligadas às condições econômicas

vigentes em cada época e, sempre as modificações serviram para o atendimento dos interesses

da classe dominante, em regra a detentora do poder econômico e político, exercendo-os

diretamente ou por representantes.

O Estado que já foi considerado o opressor dos povos e, para impedi-lo a

humanidade já realizou diversas transformações na sua estrutura e no seu funcionamento,

encontra-se hoje acuado, de um lado, pelas forças do grande capital que o querem a seu

serviço para proteger os seus interesses e seus lucros; de outro, pelas demandas da sociedade

desigual e injusta, que necessita da sua proteção para fazer frente à rapinagem patrocinada por

aqueles interesses.

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A visão de um Estado aterrorizador e opressor do ser humano foi marcadamente

incorporada durante o período absolutista, mas não deve ser debitada ao Estado enquanto

instituição, mas sim à forma da sua atuação, que naquele estágio de desenvolvimento estatal

era comandado pelas forças aterrorizadoras e opressoras do absolutismo.

Assim, também, na atualidade não se pode debitar as mazelas de toda ordem ao

Estado como instituição, mas sim, à forma de sua condução pelos agentes públicos

encarregados da sua gestão, marcadamente comprometidos com a ideologia neoliberal e os

interesses econômicos dos grandes grupos empresariais.

O atual estágio desse modo de conduzir os assuntos do Estado é sua marcante

submissão aos interesses das corporações transnacionais, gerando desigualdade econômica,

destruição ambiental e corrupção em escala global, tendo chegado o momento de refundação

do Estado social para a superação desse quadro de injustiças.

Essa refundação, sucessora da fase neoliberal será o resultado do embate ocorrido

desde o seu surgimento, como reação dos povos para impedir a dominação completa do

Estado pelo “mercado” na defesa dos interesses corporativos em detrimento da vida humana.

Esse novo modelo de condução estatal há que erigir o Estado à condição de aliado

dos povos no seu enfrentamento com as grandes corporações, porque só ele poderá oferecer a

infra-estrutura e o poder necessários para esse embate e, só o povo detém a criatividade e o

desprendimento necessários para movimentar essa gigantesca máquina a seu serviço.

No caso brasileiro, a refundação passa necessariamente pela efetividade das normas

constitucionais, onde se mantém a espinha dorsal desse novo modelo de condução estatal a ser

construído.

Na Constituição se encontram os modos de conduta obrigatória aos agentes públicos;

os princípios regedores da atividade estatal e os objetivos a serem cumpridos pelo Estado.

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Sob o comando da participação democrática do cidadão, esse surgente Estado de

superação neoliberal, não mais dominado pela tirania do mercado e das corporações, erguerá

uma sociedade “livre, justa e solidária”, que garantirá o “desenvolvimento nacional” voltado

exclusivamente para “erradicar” a pobreza, a marginalização e as desigualdades sociais,

promovendo o “bem de todos”, materializando a dignidade das pessoas humanas aqui

habitantes, tal qual expresso na Constituição.

É esse novo Estado, com objetivos descritos na ordem constitucional e comandado

pelo povo, que deve ser protegido por um poder judiciário “guardião efetivo da supremacia

constitucional e da ordem democrática”, essa é a prestação jurisdicional que se deve à

sociedade.

O Supremo Tribunal Federal deve ser o guardião efetivo da concretização

constitucional e, sinais dessa prática já podem ser sentidos nos últimos acontecimentos

envolvendo essa corte, como a convocação de audiências públicas para o debate de temas

importantes para a sociedade antes das decisões, como foi no caso das células tronco e dos

fetos com anencefalia e, a supressão legislativa nos casos de omissão do congresso, como

ocorreu com as decisões sobre fidelidade partidária e nepotismo.

O Brasil é uma Nação em formação e o papel do Estado na geração do seu

desenvolvimento é essencial, mas a orientação dos investimentos não pode ser determinada

pelos interesses das corporações e do “mercado”, nacional ou internacional, mas

obrigatoriamente, para atingir os objetivos descritos na Constituição, que tem a dignidade da

pessoa humana como centro irradiador de toda atividade estatal.

É nesse cenário de juridicização da conduta dos agentes públicos e dos objetivos do

Estado que se encontram os princípios essenciais para superação do atual modelo de

dominação corporativa da atuação estatal e, é na constituição que se os encontram.

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Para os objetivos dessa pesquisa, sem nenhuma pretensão conclusiva, consideram-se

quatro “impulsos” (no sentido de incitamento) constitucionais primordiais para a retomada do

poder Estatal e reorientação de suas atividades.

O primeiro “impulso” constitucional é aquele em que se assenta a razão de existência

do Estado brasileiro, o alicerce da sua construção, que é o princípio da dignidade da pessoa

humana, expresso no art. 1º, III.

Uma vida digna para o ser humano aqui residente, nos termos da Constituição, tem

um núcleo material mínimo, constituído das “necessidades vitais básicas”, que é a sua

“moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência

social” e, está expresso no art. 6º, IV.

Para que se proporcione esse núcleo material mínimo de necessidades vitais básicas,

toda atividade econômica no País, por imposição da Constituição “tem por fim assegurar a

todos existência digna” e, está expressa no art. 170 caput.

Portanto, o primeiro “impulso” constitucional é reorientar a atuação do Estado e da

iniciativa privada para que se materialize a todos, sem exceção, uma existência digna. É para

garantir isso que o Estado existe, portanto, essa é a sua tarefa primeira.

Essa reorientação só será possível através da legitimação popular das medidas

necessárias para a sua realização e, advém, necessariamente, da soberania popular,

concentrada constitucionalmente no povo, que poderá exercê-la, inclusive, diretamente e, está

expressa no parágrafo único do art. 1º e, se constitui no segundo “impulso” constitucional.

As tarefas necessárias para a efetivação de políticas públicas que através da

legitimação popular garantam vida digna a todos, serão realizadas por orientação e execução

de agentes públicos e privados, aqueles por dever funcional, estes pelo exercício de atividades

econômicas.

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Aos agentes públicos e privados, na atuação estatal, é imposta uma regra

constitucional de comportamento, uma norma de conduta, um jeito de agir, que é de acordo

com a moralidade administrativa e, está expressa no art. 37 caput, e se constitui no terceiro

“impulso” constitucional.

Agindo em desacordo com essa maneira de proceder imposta pela norma

constitucional, ou, não implementando as medidas necessárias para a consecução dos

objetivos fundantes do Estado, os agentes públicos ou privados em atuação estatal produzirão

atos lesivos à moralidade administrativa, que podem ser anulados pelo poder judiciário a

partir da manifestação dessa vontade pelo cidadão, autorizados constitucionalmente que estão

pelo art. 5º, LXXIII.

Este é o quarto “impulso” constitucional: a Ação Popular, instrumento colocado à

disposição do cidadão para que os agentes públicos e os privados em atuação estatal só

realizem a vontade da Constituição, do contrário toda sua atuação deve ser anulada.

Assim, todo o atuar dos agentes públicos deve ser vinculado às normas

constitucionais, suas regras e seus princípios, e qualquer ação ou omissão que não as observe

pode ser considerada ato atentatório à moralidade administrativa, que como já visto, tem

conteúdo jurídico, e por isso mesmo, é causa autônoma para ensejar Ação Popular.

Portanto, têm-se, no País, os instrumentos necessários para que os seres humanos

aqui habitantes possam viver dignamente, e a história recente tem comprovado que fora dos

ditames do Estado social não é possível concretizar esse modo de vida digno, haja vista, que o

Estado neoliberal, comandado pelos interesses das corporações visa, essencialmente, à

geração e acumulação de lucro e poder, independente do custo humano que essa prática possa

realizar.

Esse cenário só é possível pela falta de vontade política aos que estão no comando

das atividades estatais, porque são compromissados com os interesses econômicos que lhes

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financiam e, de consciência cidadã aos que lhes outorga o poder, porque os primeiros lhes

negam o direito de evoluir, para que não sejam defenestrados do poder, por turbação da paz e

esbulho de vida digna.

Afinal a razão está com Geraldo Vandré: “Vem, vamos embora, que esperar não é

saber, Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

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REFERÊNCIAS

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ANEXO I

ANTEPROJETO DE

CÓDIGO BRASILEIRO DE PROCESSOS COLETIVOS

Janeiro de 2007 Ministério da Justiça – Última versão Incorporando sugestões da Casa Civil, Secretaria de Assuntos Legislativos, PGFN e dos Ministérios Públicos de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS

1 – A Lei n. 7.347/85 – a denominada lei da ação civil pública - acaba de completar 20 anos. Há muito com o que se regozijar, mas também resta muito a fazer. Não há dúvidas de que a lei revolucionou o direito processual brasileiro, colocando o país numa posição de vanguarda entre os países de civil law e ninguém desconhece os excelentes serviços prestados à comunidade na linha evolutiva de um processo individualista para um processo social. Muitos são seus méritos, ampliados e coordenados pelo sucessivo Código de Defesa do Consumidor, de 1990. Mas antes mesmo da entrada em vigor do CDC, e depois de sua promulgação, diversas leis regularam a ação civil pública, em dispositivos esparsos e às vezes colidentes. Podem-se, assim, citar os artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989; o artigo 3º da Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de 1989; os artigos 210, 211, 212, 213, 215, 217, 218, 219, 222, 223 e 224 da Lei n. 8.069, de 13 de junho de 1990; o artigo 17 da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992; o artigo 2º da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997; e os artigos 80, 81, 82, 83, 85, 91, 92 e 93 da Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003.

Outras dificuldades têm sido notadas pela concomitante aplicação à tutela de direitos

ou interesses difusos e coletivos da Ação Civil Pública e da Ação Popular constitucional, acarretando problemas práticos quanto à conexão, à continência e à prevenção, assim como reguladas pelo CPC, o qual certamente não tinha e não tem em vista o tratamento das relações entre processos coletivos. E mesmo entre diversas ações civis públicas, concomitantes ou sucessivas, têm surgido problemas que geraram a multiplicidade de liminares, em sentido oposto, provocando um verdadeiro caos processual que foi necessário resolver mediante a suscitação de conflitos de competência perante o STJ. O que indica, também, a necessidade de regular de modo diverso a questão da competência concorrente. Seguro indício dos problemas suscitados pela competência concorrente é a proposta de Emenda Constitucional que atribui ao STJ a escolha do juízo competente para processar e julgar a demanda coletiva.

Assim, não se pode desconhecer que 20 anos de aplicação da LACP, com os

aperfeiçoamentos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, têm posto à mostra não

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apenas seus méritos, mas também suas falhas e insuficiências, gerando reações, quer do legislativo, quer do executivo, quer do judiciário, que objetivam limitar seu âmbito de aplicação. No campo do governo e do Poder Legislativo, vale lembrar, por exemplo, medidas provisórias e leis que tentaram limitar os efeitos da sentença ao âmbito territorial do juiz, que restringiram a utilização de ações civis públicas contra a Fazenda Pública e por parte das associações – as quais, aliás, necessitam de estímulos para realmente ocuparem o lugar de legitimados ativos que lhes compete. E, no campo jurisdicional, podemos lembrar as posições contrárias à legitimação das defensorias públicas, ao controle difuso da constitucionalidade na ação civil pública, à extração de carta de sentença para execução provisória por parte do beneficiário que não foi parte da fase de conhecimento do processo coletivo, assim como, de um modo geral, a interpretação rígida das normas do processo, sem a necessária flexibilização da técnica processual.

E ainda: a aplicação prática das normas brasileiras sobre processos coletivos (ação

civil pública, ação popular, mandado de segurança coletivo) tem apontado para dificuldades práticas decorrentes da atual legislação: assim, por exemplo, dúvidas surgem quanto à natureza da competência territorial (absoluta ou relativa), sobre a litispendência (quando é diverso o legitimado ativo), a conexão (que, rigidamente interpretada, leva à proliferação de ações coletivas e à multiplicação de decisões contraditórias), à possibilidade de se repetir a demanda em face de prova superveniente e a de se intentar ação em que o grupo, categoria ou classe figure no pólo passivo da demanda.

Por outro lado, a evolução doutrinária brasileira a respeito dos processos coletivos

autoriza a elaboração de um verdadeiro Direito Processual Coletivo, como ramo do direito processual civil, que tem seus próprios princípios e institutos fundamentais, diversos dos do Direito Processual Individual. Os institutos da legitimação, competência, poderes e deveres do juiz e do Ministério Público, conexão, litispendência, liquidação e execução da sentença, coisa julgada, entre outros, têm feição própria nas ações coletivas que, por isso mesmo, se enquadram numa Teoria Geral dos Processos Coletivos. Diversas obras, no Brasil, já tratam do assunto. E o país, pioneiro no tratamento dos interesses e direitos transindividuais e dos individuais homogêneos, por intermédio da LACP e do CDC, tem plena capacidade para elaborar um verdadeiro Código de Processos Coletivos, que mais uma vez o colocará numa posição de vanguarda, revisitando os princípios processuais e a técnica processual por intermédio de normas mais abertas e flexíveis, que propiciem a efetividade do processo coletivo.

2 – Acresça-se a tudo isto a elaboração do Código Modelo de Processos Coletivos

para Ibero-América, aprovado nas Jornadas do Instituto Ibero-americano de Direito Processual, na Venezuela, em outubro de 2004. Ou seja, de um Código que possa servir não só como repositório de princípios, mas também como modelo concreto para inspirar as reformas, de modo a tornar mais homogênea a defesa dos interesses e direitos transindividuais em países de cultura jurídica comum.

Deveu-se a Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi a elaboração

da primeira proposta de um Código Modelo, proposta essa que aperfeiçoou as regras do microssistema brasileiro de processos coletivos, sem desprezar a experiência das class-actions norte-americanas. Muitas dessas primeiras regras, que foram apefeiçoadas com a participação ativa de outros especialistas ibero-americanos (e de mais um brasileiro, Aluísio de Castro Mendes), passaram depois do Código Modelo para o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.

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3 - O Código Modelo foi profundamente analisado e debatido no Brasil, no final de 2.003, ao ensejo do encerramento do curso de pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, por professores e pós-graduandos da disciplina “Processos Coletivos”, ministrada em dois semestres por Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, para verificar como e onde suas normas poderiam ser incorporadas, com vantagem, pela legislação brasileira. E daí surgiu a idéia da elaboração de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, que aperfeiçoasse o sistema, sem desfigurá-lo. Ada Pellegrini Grinover coordenou os trabalhos do grupo de pós-graduandos de 2.003 que se dispôs a preparar propostas de Código Brasileiro de Processos Coletivos, progressivamente trabalhadas e melhoradas. O grupo inicialmente foi formado pelo doutorando Eurico Ferraresi e pelos mestrandos Ana Cândida Marcato, Antônio Guidoni Filho e Camilo Zufelato. Depois, no encerramento do curso de 2004, outra turma de pós-graduandos, juntamente com a primeira, aportou aperfeiçoamentos à proposta, agora também contando com a profícua colaboração de Carlos Alberto Salles e Paulo Lucon. Nasceu assim a primeira versão do Anteprojeto, trabalhado também pelos mestrandos, doutorandos e professores da disciplina, durante o ano de 2.005. O Instituto Brasileiro de Direito Processual, por intermédio de seus membros, ofereceu diversas sugestões. No segundo semestre de 2.005, o texto foi analisado por grupos de mestrandos da UERJ e da Universidade Estácio de Sá, sob a orientação de Aluísio de Castro Mendes, daí surgindo mais sugestões. O IDEC também foi ouvido e aportou sua contribuição ao aperfeiçoamento do Anteprojeto. Colaboraram na redação final da primeira versão do Anteprojeto juízes das Varas especializadas já existentes no país. Foram ouvidos membros do Ministério Público da União, do Distrito Federal e de diversos Estados, que trouxeram importantes contribuições. Enfim, a primeira versão do Anteprojeto foi apresentada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual ao Ministério da Justiça, em dezembro de 2005. Submetido a consulta pública, sugestões de aperfeiçoamento vieram de órgãos públicos (Casa Civil, Secretaria de Assuntos Legislativos, PGFN e Fundo dos Interesses Difusos), bem como dos Ministérios Públicos de Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. Após novos debates, as sugestões foram criteriosamente examinadas por professores e pós-graduandos da turma de 2006 da disciplina “Processos Coletivos” da Faculdade de Direito da USP e diversas delas foram incorporadas ao Anteprojeto. Este é agora reapresentado ao Ministério da Justiça, como versão final, datada de dezembro de 2006.

4 – Em síntese, pode-se afirmar que a tônica do Anteprojeto é a de manter, em sua

essência, as normas da legislação em vigor, aperfeiçoando-as por intermédio de regras não só mais claras, mas sobretudo mais flexíveis e abertas, adequadas às demandas coletivas. Corresponde a essa necessidade de flexibilização da técnica processual um aumento dos poderes do juiz – o que, aliás, é uma tendência até do processo civil individual. Na revisitação da técnica processual, são pontos importantes do Anteprojeto a reformulação do sistema de preclusões – sempre na observância do contraditório -, a reestruturação dos conceitos de pedido e causa de pedir – a serem interpretados extensivamente – e de conexão, continência e litispendência – que devem levar em conta a identidade do bem jurídico a ser tutelado; o enriquecimento da coisa julgada, com a previsão do julgado “secundum eventum probationis”; a ampliação dos esquemas da legitimação, para garantir maior acesso à justiça, mas com a paralela observância de requisitos que configuram a denominada “representatividade adequada” e põem em realce o necessário aspecto social da tutela dos interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, colocando a proteção dos direitos fundamentais de terceira geração a salvo de uma indesejada banalização.

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5 – O Anteprojeto engloba os atuais processos coletivos brasileiros – com exceção dos relativos ao controle da constitucionalidade, que não se destinam à defesa de interesses ou direitos de grupos, categorias ou classes de pessoas -, sendo constituído de VI Capítulos.

O Capítulo I inicia-se com a enumeração dos princípios gerais da tutela jurisdicional

coletiva. Não foi incorporado no texto a exclusão de certas demandas, pela matéria, hoje constante do parágrafo único do art. 1º da Lei da Ação Civil Pública, uma vez que representa uma injustificada vulneração aos princípios do acesso à justiça, da universalidade de jurisdição e da economia processual, bem como inaceitável privilégio da Fazenda Pública. O Capítulo cuida das demandas coletivas em geral, aplicando-se a todas elas e tratando de manter diversos dispositivos vigentes, mas também regrando matérias novas ou reformuladas – como o pedido e a causa de pedir, a conexão e a continência, a relação entre ação coletiva e ações individuais, a questão dos processos individuais repetitivos. Também novas são as normas sobre interrupção da prescrição, a prioridade de processamento da demanda coletiva sobre as individuais e a utilização de meios eletrônicos para a prática de atos processuais, a preferência pelo processamento e julgamento por juízos especializados, a previsão de gratificação financeira para segmentos sociais que atuem na condução do processo. A questão do ônus da prova é revisitada, dentro da moderna teoria da carga dinâmica da prova. As normas sobre coisa julgada, embora atendo-se ao regime vigente, são simplificadas, contemplando, como novidade, a possibilidade de repropositura da ação, no prazo de 2 (dois) anos contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova, superveniente, idônea para mudar o resultado do primeiro processo e que neste não foi possível produzir. Os efeitos da apelação e a execução provisória têm regime próprio, adequado às novas tendências do direito processual, e subtraindo-se a sentença proferida no processo coletivo do reexame necessário.

O Capítulo II, dividido em duas seções, trata da ação coletiva. Preferiu-se essa

denominação à tradicional de “ação civil pública”, não só por razões doutrinárias, mas sobretudo para obstar a decisões que não têm reconhecido a legitimação de entidades privadas a uma ação que é denominada de “pública”. É certo que a Constituição alude à “ação civil pública”, mas é igualmente certo que o Código de Defesa do Consumidor já a rotula como “ação coletiva”. Certamente, a nova denominação não causará problemas práticos, dado o detalhamento legislativo a que ela é submetida. Trata-se apenas de uma mudança de nomenclatura, mais precisa e conveniente.

A Seção I deste Capítulo é voltada às disposições gerais, deixando-se expresso o

cabimento da ação como instrumento do controle difuso de constitucionalidade. A grande novidade consiste em englobar nas normas sobre a legitimação ativa, consideravelmente ampliada, requisitos fixados por lei, correspondentes à categoria da “representatividade adequada”. A representatividade adequada é, assim, comprovada por critérios objetivos, legais, para a grande maioria dos legitimados, com exceção da pessoa física – à qual diversas constituições ibero-americanas conferem legitimação – em relação a quem o juiz aferirá a presença dos requisitos em concreto. Por outro lado, a exigência de representatividade adequada é essencial para o reconhecimento legal da figura da ação coletiva passiva, objeto do Capítulo III, em que o grupo, categoria ou classe de pessoas figura na relação jurídica processual como réu.

A regra de competência territorial é deslocada para esse Capítulo (no CDC figura

indevidamente entre as regras que regem a ação em defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos, o que tem provocado não poucas discussões), eliminando-se, em

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alguns casos, a regra da competência concorrente entre Capitais dos Estados e Distrito Federal ou entre comarcas, motivo de proliferações de demandas e de decisões contraditórias. Para as demandas de índole nacional é fixada a competência territorial do Distrito Federal, único critério que possibilitará centralizá-las, evitando investidas do Legislativo atualmente consubstanciadas em proposta de Emenda Constitucional que pretende atribuir ao STJ a competência para decidir a respeito do foro competente. Regras de competência devem ser fixadas pela lei e não pelos tribunais. De outro lado, a relativa centralização da competência vem balanceada pela maior flexibilidade da legitimação entre os diversos órgãos do Ministério Público, que poderão atuar fora dos limites funcionais e territoriais de suas atribuições (quer em relação ao inquérito civil, quer em relação à propositura da demanda – conforme, aliás, já permite a Lei Nacional do Ministério Público). A mesma flexibilidade é atribuída a outros entes legitimados.

O inquérito civil é mantido nos moldes da Lei da Ação Civil Pública, mas se deixa

claro que as peças informativas nele colhidas só poderão ser aproveitadas na ação coletiva desde que submetidas a contraditório, ainda que diferido. Afinal, a Constituição federal garante o contraditório no processo administrativo, conquanto não punitivo, em que haja “litigantes” (ou seja, titulares de conflitos de interesses), obtendo-se de sua observância, como resultado, a maior possibilidade de lavratura do termo de ajustamento de conduta e da própria antecipação de tutela, com base nas provas colhidas no inquérito, que poderão atender ao requisito da “prova incontroversa”.

O termo de ajustamento de conduta é objeto de normas mais minuciosas, esbatendo

dúvidas que existem nessa matéria a respeito dos procedimentos utilizados pelo Ministério Público.

Deixa-se ao Ministério Público maior liberdade para intervir no processo como fiscal

da lei. A fixação do valor da causa é dispensado quando se trata de danos inestimáveis, evitando-se assim inúmeros incidentes processuais, mas seu valor será fixado na sentença. A audiência preliminar é tratada nos moldes de proposta legislativa existente para o processo individual, com o intuito de transformar o juiz em verdadeiro gestor do processo, dando-se ênfase aos meios alternativos de solução de controvérsias; deixa-se claro, aliás, até onde poderá ir a transação – outra dúvida que tem aparecido nas demandas coletivas - bem como seus efeitos no caso de acordo a que não adira o membro do grupo, categoria ou classe, em se tratando de direitos ou interesses individuais homogêneos. O Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos, dividido em federal e estaduais, é regulamentado de modo a resguardar a destinação do dinheiro arrecadado, cuidando-se também do necessário controle e da devida transparência. Além disso, norma de relevante interesse para os autores coletivos atribui ao Fundo a responsabilidade pelo adiantamento dos custos das perícias, verba essa que deverá ser incluída no orçamento da União e dos Estados.

A Seção II do Capítulo II trata da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos

individuais homogêneos. E, com relação à ação de responsabilidade civil reparatória dos danos pessoalmente sofridos, inova no regime das notificações, necessárias não só no momento da propositura da demanda – como é hoje – mas também quando houver decisões que favoreçam os membros do grupo: com efeito, o desconhecimento da existência de liminares ou da sentença de procedência tem impedido aos beneficiados a fruição de seus direitos. Outra novidade está na sentença condenatória que, quando possível, não será genérica, mas poderá fixar a indenização devida aos membros do grupo, ressalvado o direito à liquidação individual. Estabelecem-se novas regras sobre a liquidação e a execução da

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sentença, coletiva ou individual, ampliando as regras de competência e a legitimação, tudo no intuito de facilitar a fruição dos direitos por parte dos beneficiários. É mantida a fluid recovery, mas com a novidade de que, enquanto não prescritas as pretensões individuais, o Fundo ficará responsável pelo pagamento, até o limite da importância que lhe foi recolhida.

O Capítulo III introduz no ordenamento brasileiro a ação coletiva passiva originária,

ou seja a ação promovida não pelo, mas contra o grupo, categoria ou classe de pessoas. A denominação pretende distinguir essa ação coletiva passiva de outras, derivadas, que decorrem de outros processos, como a que se configura, por exemplo, numa ação rescisória ou nos embargos do executado na execução por título extrajudicial. A jurisprudência brasileira vem reconhecendo o cabimento da ação coletiva passiva originária (a defendant class action do sistema norte-americano), mas sem parâmetros que rejam sua admissibilidade e o regime da coisa julgada. A pedra de toque para o cabimento dessas ações é a representatividade adequada do legitimado passivo, acompanhada pelo requisito do interesse social. A ação coletiva passiva será admitida para a tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos, pois esse é o caso que desponta na “defendant class action”, conquanto os efeitos da sentença possam colher individualmente os membros do grupo, categoria ou classe de pessoas. Por isso, o regime da coisa julgada é perfeitamente simétrico ao fixado para as ações coletivas ativas.

O Capítulo IV trata do mandado de segurança coletivo, até hoje sem disciplina legal.

Deixa-se claro que pode ele ser impetrado, observados os dispositivos constitucionais, para a defesa de direito líquido e certo ligado a interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, espancando-se assim dúvidas doutrinárias e jurisprudenciais. Amplia-se a legitimação para abranger o MP, a Defensoria Pública e as entidades sindicais. De resto, aplicam-se ao mandado de segurança coletivo as disposições da Lei n. 1.533/51, no que não forem incompatíveis com a defesa coletiva, assim como o Capítulo I do Código, inclusive no que respeita às custas e honorários advocatícios.

O Capítulo V trata das ações populares, sendo a Seção I dedicada à ação popular

constitucional. Aplicam-se aqui as disposições do Capítulo I e as regras da Lei n. 4.717/65, com a modificação de alguns artigos desta para dar maior liberdade de ação ao Ministério Público, para prever a cientificação do representante da pessoa jurídica de direito público e para admitir a repropositura da ação, diante de prova superveniente, nos moldes do previsto para a ação coletiva.

A Seção II do Capítulo V cuida da ação de improbidade administrativa que, embora

rotulada pela legislação inerente ao MP como ação civil pública, é, no entanto, uma verdadeira ação popular (destinada à proteção do interesse público e não à defesa de interesses e direitos de grupos, categorias e classes de pessoas), com legitimação conferida por lei ao Ministério Público. Esta legitimação encontra embasamento no art.129, IX, da Constituição. Aqui também a lei de regência será a Lei n.8.429/92, aplicando-se à espécie as disposições do Capítulo I do Código, com exceção da interpretação extensiva do pedido e da causa de pedir, que não se coaduna com uma ação de índole sancionatória.

Finalmente, o Capítulo VI trata das disposições finais, criando o Cadastro Nacional

de Processos Coletivos, a ser organizado e mantido pelo Conselho Nacional de Justiça; traçando princípios de interpretação; determinando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, no que não for incompatível, independentemente da Justiça competente e notadamente quanto aos recursos e dando nova redação a dispositivos legais (inclusive em

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relação à antecipação de tutela e à sua estabilização, nos moldes do référé francês e consoante Projeto de Lei do Senado). Revogam-se expressamente: a Lei da Ação Civil Pública e os arts. 81 a 104 do Código de Defesa do Consumidor (pois o Anteprojeto trata por completo da matéria); o parágrafo 3o do art. 5o da Lei da Ação Popular, que fixa a prevenção da competência no momento da propositura da ação, colidindo com o princípio do Capítulo I do Anteprojeto; bem como diversos dispositivos de leis esparsas que se referem à ação civil pública, cujo cuidadoso levantamento foi feito por Marcelo Vigliar e que tratam de matéria completamente regulada pelo Anteprojeto.

A entrada em vigor do Código é fixada em cento e oitenta dias a contar de sua

publicação. 6 - Cumpre observar, ainda, que o texto ora apresentado representa um esforço

coletivo, sério e equilibrado, no sentido de reunir, sistematizar e melhorar as regras brasileiras sobre processos coletivos, hoje existentes em leis esparsas, às vezes inconciliáveis entre si, harmonizando-as e conferindo-lhes tratamento consentâneo com a relevância jurídica, social e política dos interesses e direitos transindividuais e individuais homogêneos. Tudo com o objetivo de tornar sua aplicação mais clara e correta, de superar obstáculos e entraves que têm surgido na prática legislativa e judiciária e de inovar na técnica processual, de modo a extrair a maior efetividade possível de importantes instrumentos constitucionais de direito processual.

São Paulo, Janeiro de 2007 Ada Pellegrini Grinover Professora Titular de Direito Processual da USP Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual

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Capítulo I Das demandas coletivas

Art. 1º Conteúdo do Código. Este Código dispõe sobre os processos coletivos relativos às ações coletivas ativas, à ação coletiva passiva originária, ao mandado de segurança coletivo, à ação popular constitucional e à ação de improbidade administrativa.

Art. 2o Princípios da tutela jurisdicional coletiva. São princípios da tutela

jurisdicional coletiva: a. acesso à justiça e à ordem jurídica justa; b. universalidade da jurisdição; c. participação pelo processo e no processo; d. tutela coletiva adequada; e. boa-fé e cooperação das partes e de seus procuradores; f. cooperação dos órgãos públicos na produção da prova; g. economia processual; h. instrumentalidade das formas; i. ativismo judicial; j. flexibilização da técnica processual; k. dinâmica do ônus da prova; l. representatividade adequada; m. intervenção do Ministério Público em casos de relevante interesse social; n. não taxatividade da ação coletiva; o. ampla divulgação da demanda e dos atos processuais; p. indisponibilidade temperada da ação coletiva; q. continuidade da ação coletiva; r. obrigatoriedade do cumprimento e da execução da sentença; s. extensão subjetiva da coisa julgada, coisa julgada secundum eventum litis e

secundum probationem; t. reparação dos danos materiais e morais; u. aplicação residual do Código de Processo Civil; v. proporcionalidade e razoabilidade. Art. 3o Efetividade da tutela jurisdicional. Para a defesa dos direitos e interesses

indicados neste Código são admissíveis todas as espécies de ações e provimentos capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela, inclusive os previstos no Código de Processo Civil e em leis especiais.

§ 1o O juiz, instaurado o contraditório, poderá desconsiderar a pessoa jurídica, nas

hipóteses previstas no artigo 50 Código Civil e no artigo 4º da Lei n. 9.605/98. § 2o Para a tutela dos interesses e direitos previstos nas alíneas II e III do artigo 3º e

observada a disponibilidade do bem jurídico protegido, as partes poderão estipular convenção de arbitragem, a qual se regerá pelas disposições do Código de Processo Civil e da Lei n. 9.307, de 23 de setembro de 1996.

Art. 4º Objeto da tutela coletiva. A demanda coletiva será exercida para a tutela de:

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I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas, entre si ou com a parte contrária, por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Parágrafo único. A análise da constitucionalidade ou inconstitucionalidade de lei ou

ato normativo poderá ser objeto de questão prejudicial, pela via do controle difuso. Art. 5º Pedido e causa de pedir. Nas ações coletivas, a causa de pedir e o pedido

serão interpretados extensivamente, em conformidade com o bem jurídico a ser protegido. Parágrafo único. A requerimento da parte interessada, até a prolação da sentença, o

juiz permitirá a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que seja realizada de boa-fé, não represente prejuízo injustificado para a parte contrária e o contraditório seja preservado, mediante possibilidade de nova manifestação de quem figure no pólo passivo da demanda, no prazo de 10 (dez) dias, com possibilidade de prova complementar, observado o parágrafo 3º do artigo 10.

Art. 6º Relação entre demandas coletivas. Observado o disposto no artigo 22 deste

Código, as demandas coletivas de qualquer espécie poderão ser reunidas, de ofício ou a requerimento das partes, ficando prevento o juízo perante o qual a demanda foi distribuída em primeiro lugar, quando houver:

I – conexão, pela identidade de pedido ou causa de pedir ou da defesa, conquanto

diferentes os legitimados ativos, e para os fins da ação prevista no Capítulo III, os legitimados passivos;

II – conexão probatória, desde que não haja prejuízo à duração razoável do processo; III – continência, pela identidade de partes e causa de pedir, observado o disposto no

inciso anterior, sendo o pedido de uma das ações mais abrangente do que o das demais. § 1º Na análise da identidade do pedido e da causa de pedir, será considerada a

identidade do bem jurídico a ser protegido. § 2º Na hipótese de conexidade entre ações coletivas referidas ao mesmo bem

jurídico, o juiz prevento, até o início da instrução, deverá determinar a reunião de processos para julgamento conjunto e, iniciada a instrução, poderá determiná-la, desde que não haja prejuízo à duração razoável do processo;

§ 3º Aplicam-se à litispendência as regras dos incisos I e III deste artigo, quanto à

identidade de legitimados ativos ou passivos, e a regra de seu parágrafo 1º, quanto à identidade do pedido e da causa de pedir ou da defesa.

Art. 7º Relação entre demanda coletiva e ações individuais. A demanda coletiva

não induz litispendência para as ações individuais em que sejam postulados direitos ou interesses próprios e específicos de seus autores, mas os efeitos da coisa julgada coletiva (art. 13 deste Código) não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua

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suspensão no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da ciência efetiva da demanda coletiva nos autos da ação individual.

§ 1o Cabe ao demandado informar o juízo da ação individual sobre a existência de

demanda coletiva que verse sobre idêntico bem jurídico, sob pena de, não o fazendo, o autor individual beneficiar-se da coisa julgada coletiva mesmo no caso de a ação individual ser rejeitada.

§ 2o A suspensão do processo individual perdurará até o trânsito em julgado da

sentença coletiva, facultado ao autor requerer a retomada do curso do processo individual, a qualquer tempo, independentemente da anuência do réu, hipótese em que não poderá mais beneficiar-se da sentença coletiva.

§ 3º O Tribunal, de ofício, por iniciativa do juiz competente ou a requerimento da

parte, após instaurar, em qualquer hipótese, o contraditório, poderá determinar a suspensão de processos individuais em que se postule a tutela de interesses ou direitos referidos a relação jurídica substancial de caráter incindível, pela sua própria natureza ou por força de lei, a cujo respeito as questões devam ser decididas de modo uniforme e globalmente, quando houver sido ajuizada demanda coletiva versando sobre o mesmo bem jurídico.

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, a suspensão do processo perdurará até o

trânsito em julgado da sentença coletiva, vedada ao autor a retomada do curso do processo individual antes desse momento.

Art. 8o Comunicação sobre processos repetitivos. O juiz, tendo conhecimento da

existência de diversos processos individuais correndo contra o mesmo demandado, com identidade de fundamento jurídico, notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim de que proponham, querendo, demanda coletiva, ressalvada aos autores individuais a faculdade prevista no artigo anterior.

Parágrafo único. Caso o Ministério Público não promova a demanda coletiva, no

prazo de 90 (noventa) dias, o juiz, se considerar relevante a tutela coletiva, fará remessa das peças dos processos individuais ao Conselho Superior do Ministério Público, que designará outro órgão do Ministério Público para ajuizar a demanda coletiva, ou insistirá, motivadamente, no não ajuizamento da ação, informando o juiz.

Art. 9o Efeitos da citação. A citação válida para a demanda coletiva interrompe o

prazo de prescrição das pretensões individuais e transindividuais direta ou indiretamente relacionadas com a controvérsia, retroagindo o efeito à data da propositura da ação.

Art. 10. Prioridade de processamento e utilização de meios eletrônicos. O juiz

deverá dar prioridade ao processamento da demanda coletiva sobre as individuais, servindo-se preferencialmente dos meios eletrônicos para a prática de atos processuais do juízo e das partes, observados os critérios próprios que garantam sua autenticidade.

Art. 11. Provas. São admissíveis em juízo todos os meios de prova, desde que

obtidos por meios lícitos, incluindo a prova estatística ou por amostragem.

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§ 1o Sem prejuízo do disposto no artigo 333 do Código de Processo Civil, o ônus da prova incumbe à parte que detiver conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos, ou maior facilidade em sua demonstração.

§ 2º O ônus da prova poderá ser invertido quando, a critério do juiz, for verossímil a

alegação, segundo as regras ordinárias de experiência, ou quando a parte for hipossuficiente. § 3o Durante a fase instrutória, surgindo modificação de fato ou de direito relevante

para o julgamento da causa (parágrafo único do artigo 5º deste Código), o juiz poderá rever, em decisão motivada, a distribuição do ônus da prova, concedendo à parte a quem for atribuída a incumbência prazo razoável para sua produção, observado o contraditório em relação à parte contrária (artigo 25, parágrafo 5º, inciso IV).

§ 4º O juiz poderá determinar de ofício a produção de provas, observado o

contraditório. § 5º. Para a realização de prova técnica, o juiz poderá solicitar a elaboração de laudos

ou relatórios a órgãos, fundações ou universidades públicas especializados na matéria. Art. 12. Motivação das decisões judiciárias. Todas as decisões deverão ser

especificamente fundamentadas, especialmente quanto aos conceitos jurídicos indeterminados.

Parágrafo único. Na sentença de improcedência, o juiz deverá explicitar, no

dispositivo, se rejeita a demanda por insuficiência de provas. Art. 13. Coisa julgada. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará

coisa julgada erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova.

§ 1º Tratando-se de interesses ou direitos individuais homogêneos (art. 3º, III, deste

Código), em caso de improcedência do pedido, os interessados poderão propor ação a título individual.

§ 2º Os efeitos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses ou direitos difusos

ou coletivos (art. 4º, I e II, deste Código) não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 34 e 35.

§ 3º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória. § 4º A competência territorial do órgão julgador não representará limitação para a

coisa julgada erga omnes. § 5o Mesmo na hipótese de sentença de improcedência, fundada nas provas

produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois) anos contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova,

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superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea para mudar seu resultado.

§ 6º A faculdade prevista no parágrafo anterior, nas mesmas condições, fica

assegurada ao demandado da ação coletiva julgada procedente. Art. 14. Efeitos do recurso da sentença definitiva. O recurso interposto contra a

sentença tem efeito meramente devolutivo, salvo quando a fundamentação for relevante e puder resultar à parte lesão grave e de difícil reparação, hipótese em que o juiz, ponderando os valores em jogo, poderá atribuir ao recurso efeito suspensivo.

Parágrafo único. As sentenças que julgam as demandas coletivas não se submetem

ao reexame necessário. Art. 15. Legitimação à liquidação e execução da sentença condenatória. Na

hipótese de o autor da demanda coletiva julgada procedente não promover, em 120 (cento e vinte) dias, a liquidação ou execução da sentença, deverá fazê-lo o Ministério Público, quando se tratar de interesse público relevante, facultada igual iniciativa, em todos os casos, aos demais legitimados (art. 20 deste Código).

Art. 16. Execução definitiva e execução provisória. A execução é definitiva

quando passada em julgado a sentença; e provisória, na pendência dos recursos cabíveis. § 1º A execução provisória corre por conta e risco do exeqüente, que responde pelos

prejuízos causados ao executado, em caso de reforma da sentença recorrida. § 2o A execução provisória permite a prática de atos que importem em alienação do

domínio ou levantamento do depósito em dinheiro. § 3o A pedido do executado, o tribunal pode suspender a execução provisória quando

dela puder resultar lesão grave e de difícil reparação. Art. 17. Custas e honorários. Nas demandas coletivas de que trata este código, a

sentença condenará o demandado, se vencido, nas custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, bem como em honorários de advogados, calculados sobre a condenação.

§ 1o Tratando-se de condenação a obrigação específica ou de condenação genérica,

os honorários advocatícios serão fixados levando-se em consideração a vantagem para o grupo, categoria ou classe, a quantidade e qualidade do trabalho desenvolvido pelo advogado e a complexidade da causa.

§ 2o O Poder Público, quando demandado e vencido, incorrerá na condenação

prevista neste artigo. § 3o Se o legitimado for pessoa física, entidade sindical ou de fiscalização do

exercício das profissões, associação civil ou fundação de direito privado, o juiz, sem prejuízo da verba da sucumbência, poderá fixar gratificação financeira, a cargo do Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos, quando sua atuação tiver sido relevante na condução e êxito da demanda coletiva, observados na fixação os critérios de razoabilidade e modicidade.

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§ 4o Os autores da demanda coletiva não adiantarão custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem serão condenados, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.

§ 5o O litigante de má-fé e os responsáveis pelos respectivos atos serão

solidariamente condenados ao pagamento das despesas processuais, em honorários advocatícios e em até o décuplo das custas, sem prejuízo da responsabilidade por perdas e danos.

Art. 18. Juízos especializados. Sempre que possível, as demandas coletivas de que

trata este Código serão processadas e julgadas em juízos especializados. Parágrafo único. Quando se tratar de liquidação e execução individuais dos danos

sofridos em decorrência de violação a interesses ou direitos individuais homogêneos (artigo 34 deste Código), a competência para a tramitação dos processos será dos juízos residuais comuns.

Capítulo II Da ação coletiva ativa Seção I Disposições gerais

Art. 19. Cabimento da ação coletiva ativa. A ação coletiva ativa será exercida para a tutela dos interesses e direitos mencionados no artigo 4º deste Código.

Art. 20. Legitimação. São legitimados concorrentemente à ação coletiva ativa: I – qualquer pessoa física, para a defesa dos interesses ou direitos difusos, desde que

o juiz reconheça sua representatividade adequada, demonstrada por dados como: a – a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado; b – seu histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos difusos

e coletivos; c – sua conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado; II – o membro do grupo, categoria ou classe, para a defesa dos interesses ou direitos

coletivos, e individuais homogêneos, desde que o juiz reconheça sua representatividade adequada, nos termos do inciso I deste artigo;

III - o Ministério Público, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, bem como dos individuais homogêneos de interesse social;

IV – a Defensoria Pública, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, quando a coletividade ou os membros do grupo, categoria ou classe forem necessitados do ponto de vista organizacional, e dos individuais homogêneos, quando os membros do grupo, categoria ou classe forem, ao menos em parte, hiposuficientes;

V – as pessoas jurídicas de direito público interno, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e, quando relacionados com suas funções, dos coletivos e individuais homogêneos;

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VI - as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, bem como os órgãos do Poder Legislativo, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos indicados neste Código;

VII – as entidades sindicais e de fiscalização do exercício das profissões, restritas as primeiras à defesa dos interesses e direitos ligados à categoria;

VIII - os partidos políticos com representação no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas ou nas Câmaras Municipais, conforme o âmbito do objeto da demanda, para a defesa de direitos e interesses ligados a seus fins institucionais;

IX - as associações civis e as fundações de direito privado legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano, que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código, dispensadas a autorização assemblear ou pessoal e a apresentação do rol nominal dos associados ou membros.

§ 1º Na defesa dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais

homogêneos, qualquer legitimado deverá demonstrar a existência do interesse social e, quando se tratar de direitos coletivos e individuais homogêneos, a coincidência entre os interesses do grupo, categoria ou classe e o objeto da demanda;

§ 2º No caso dos incisos I e II deste artigo, o juiz poderá voltar a analisar a existência

do requisito da representatividade adequada em qualquer tempo e grau de jurisdição, aplicando, se for o caso, o disposto no parágrafo seguinte.

§ 3º Em caso de inexistência do requisito da representatividade adequada (incisos I e

II deste artigo), o juiz notificará o Ministério Público e, na medida do possível, outros legitimados, a fim de que assumam, querendo, a titularidade da ação.

§ 4º Em relação às associações civis e às fundações de direito privado, o juiz poderá

dispensar o requisito da pré-constituição, quando haja manifesto interesse social evidenciado pelas características do dano, pela relevância do bem jurídico a ser protegido ou pelo reconhecimento de representatividade adequada (inciso I deste artigo).

§ 5o Os membros do Ministério Público poderão ajuizar a ação coletiva perante a

Justiça federal ou estadual, independentemente da pertinência ao Ministério Público da União, do Distrito Federal ou dos Estados, e, quando se tratar da competência da Capital do Estado (artigo 22, inciso III) ou do Distrito Federal (artigo 22, inciso IV), independentemente de seu âmbito territorial de atuação.

§ 6o Será admitido o litisconsórcio facultativo entre os legitimados, inclusive entre os

Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados. § 7o Em caso de relevante interesse social, cuja avaliação ficará a seu exclusivo

critério, o Ministério Público, se não ajuizar a ação ou não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei.

§ 8o Havendo vício de legitimação, desistência infundada ou abandono da ação, o

juiz aplicará o disposto no parágrafo 3º deste artigo. § 9o Em caso de inércia do Ministério Público, aplica-se o disposto no parágrafo

único do artigo 8º deste Código.

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Art. 21. Do termo de ajustamento de conduta. Preservada a indisponibilidade do bem jurídico protegido, o Ministério Público e os órgãos públicos legitimados, agindo com critérios de equilíbrio e imparcialidade, poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta à lei, mediante fixação de modalidades e prazos para o cumprimento das obrigações assumidas e de multas por seu descumprimento.

§ 1o Em caso de necessidade de outras diligências, os órgãos públicos legitimados

poderão firmar compromisso preliminar de ajustamento de conduta. § 2º Quando a cominação for pecuniária, seu valor deverá ser suficiente e necessário

para coibir o descumprimento da medida pactuada e poderá ser executada imediatamente, sem prejuízo da execução específica.

§ 3º O termo de ajustamento de conduta terá natureza jurídica de transação, com

eficácia de título executivo extrajudicial, sem prejuízo da possibilidade de homologação judicial do compromisso, hipótese em que sua eficácia será de título executivo judicial.

Art. 22. Competência territorial. É absolutamente competente para a causa o foro: I – do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – de qualquer das comarcas ou sub-seções judiciárias, quando o dano de âmbito

regional compreender até 3 (três) delas, aplicando-se no caso as regras de prevenção; III - da Capital do Estado, para os danos de âmbito regional, compreendendo 4

(quatro) ou mais comarcas ou sub-seções judiciárias; IV – de uma das Capitais do Estado, quando os danos de âmbito interestadual

compreenderem até 3 (três) Estados, aplicando-se no caso as regras de prevenção; IV- do Distrito Federal, para os danos de âmbito interestadual que compreendam

mais de 3 (três) Estados, ou de âmbito nacional. § 1º A amplitude do dano será aferida conforme indicada na petição inicial da

demanda. § 2º Ajuizada a demanda perante juiz territorialmente incompetente, este remeterá

incontinenti os autos ao juízo do foro competente, sendo vedada ao primeiro juiz a apreciação de pedido de antecipação de tutela.

§ 3º No caso de danos de âmbito nacional, interestadual e regional, o juiz competente

poderá delegar a realização da audiência preliminar e da instrução ao juiz que ficar mais próximo dos fatos.

§ 4º Compete ao juiz estadual, nas comarcas que não sejam sede da Justiça federal,

processar e julgar a ação coletiva nas causas de competência da Justiça federal. Art. 23. Inquérito civil. O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência,

inquérito civil, nos termos do disposto em sua Lei Orgânica, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias.

§ 1o Aplica-se às atribuições do Ministério Público, em relação ao inquérito civil, o

disposto no parágrafo 5o do artigo 20 deste Código.

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§ 2º Nos casos em que a lei impuser sigilo, incumbe ao Ministério Público, ao inquirido e a seu advogado a manutenção do segredo.

§ 3º A eficácia probante das peças informativas do inquérito civil dependerá da

observância do contraditório, ainda que diferido para momento posterior ao da sua produção; § 4º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer

da inexistência de fundamento para a propositura de ação coletiva, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.

§ 5º Os demais legitimados (art. 20 deste Código) poderão recorrer da decisão de

arquivamento ao Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu regimento.

§ 6º O órgão do Ministério Público que promover o arquivamento do inquérito civil

ou das peças informativas encaminhará, no prazo de 3 (três) dias, sob pena de falta grave, os respectivos autos ao Conselho Superior do Ministério Público, para homologação e para as medidas necessárias à uniformização da atuação ministerial.

§ 7º Deixando o Conselho de homologar a promoção do arquivamento, designará,

desde logo, outro membro do Ministério Público para o ajuizamento da ação. § 8º Constituem crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais

multa, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos ou informações, quando requisitados pelo Ministério Público.

Art. 24. Da instrução da inicial e do valor da causa. Para instruir a inicial, o

legitimado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias.

§ 1º As certidões e informações deverão ser fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da

entrega, sob recibo, dos respectivos requerimentos, e só poderão ser utilizados para a instrução da ação coletiva.

§ 2º Somente nos casos em que a defesa da intimidade ou o interesse social,

devidamente justificados, exigirem o sigilo, poderá ser negada certidão ou informação. § 3º Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta

desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz, após apreciar os motivos do indeferimento, requisitá-las; feita a requisição, o processo correrá em segredo de justiça.

§ 4o Na hipótese de ser incomensurável ou inestimável o valor dos danos coletivos,

fica dispensada a indicação do valor da causa na petição inicial, cabendo ao juiz fixá-lo em sentença.

Art. 25. Audiência preliminar. Encerrada a fase postulatória, o juiz designará

audiência preliminar, à qual comparecerão as partes ou seus procuradores, habilitados a transigir.

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§ 1o O juiz ouvirá as partes sobre os motivos e fundamentos da demanda e tentará a conciliação, sem prejuízo de sugerir outras formas adequadas de solução do conflito, como a mediação, a arbitragem e a avaliação neutra de terceiro.

§ 2º A avaliação neutra de terceiro, de confiança das partes, obtida no prazo fixado

pelo juiz, é sigilosa, inclusive para este, e não vinculante para as partes, sendo sua finalidade exclusiva a de orientá-las na tentativa de composição amigável do conflito.

§ 3o Preservada a indisponibilidade do bem jurídico coletivo, as partes poderão

transigir sobre o modo de cumprimento da obrigação. § 4º Obtida a transação, será homologada por sentença, que constituirá título

executivo judicial. § 5º Não obtida a conciliação, sendo ela parcial, ou quando, por qualquer motivo,

não for adotado outro meio de solução do conflito, o juiz, fundamentadamente: I – decidirá se a ação tem condições de prosseguir na forma coletiva, certificando-a

como tal; II – poderá separar os pedidos em ações coletivas distintas, voltadas à tutela,

respectivamente, dos interesses ou direitos difusos e coletivos, de um lado, e dos individuais homogêneos, do outro, desde que a separação represente economia processual ou facilite a condução do processo;

III – decidirá a respeito do litisconsórcio e da intervenção de terceiros, esta admissível até o momento do saneamento do processo, vedada a denunciação da lide na hipótese do artigo 13, parágrafo único, da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Defesa do Consumidor.

IV – fixará os pontos controvertidos, decidirá as questões processuais pendentes e determinará as provas a serem produzidas, designando audiência de instrução e julgamento, se for o caso;

V – Na hipótese do inciso anterior, esclarecerá as partes sobre a distribuição do ônus da prova, de acordo com o disposto no parágrafo 1º do artigo 11 deste Código, e sobre a possibilidade de ser determinada, no momento do julgamento, sua inversão, nos termos do parágrafo 2º do mesmo artigo;

VI – Se não houver necessidade de audiência de instrução e julgamento, de acordo com a natureza do pedido e as provas documentais juntadas pelas partes ou requisitadas pelo juiz, sobre as quais tenha incidido o contraditório, simultâneo ou sucessivo, julgará antecipadamente a lide.

Art. 26. Ação reparatória. Na ação reparatória dos danos provocados ao bem

indivisivelmente considerado, sempre que possível e independentemente de pedido do autor, a condenação consistirá na prestação de obrigações específicas, destinadas à compensação do dano sofrido pelo bem jurídico afetado, nos termos do artigo 461 e parágrafos do Código de Processo Civil.

§ 1o Dependendo da especificidade do bem jurídico afetado, da extensão territorial

abrangida e de outras circunstâncias consideradas relevantes, o juiz poderá especificar, em decisão fundamentada, as providências a serem tomadas para a reconstituição dos bens lesados, podendo indicar a realização de atividades tendentes a minimizar a lesão ou a evitar que se repita, dentre outras que beneficiem o bem jurídico prejudicado;

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§ 2o Somente quando impossível a condenação no cumprimento de obrigações específicas, o juiz condenará o réu, em decisão fundamentada, ao pagamento de indenização, independentemente de pedido do autor, a qual reverterá ao Fundo de Direitos Difusos e Coletivos, de natureza federal ou estadual, de acordo com a Justiça competente (art. 27 deste Código).

Art. 27. Do Fundo dos Direitos Difusos e Coletivos. O Fundo será administrado

por um Conselho Gestor federal ou por Conselhos Gestores estaduais, dos quais participarão necessariamente, em composição paritária, membros do Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à realização de atividades tendentes a minimizar as lesões ou a evitar que se repitam, dentre outras que beneficiem os bens jurídicos prejudicados, bem como a antecipar os custos das perícias necessárias à defesa dos direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos e a custear o prêmio previsto no parágrafo 3º do artigo 17.

§ 1o Além da indenização oriunda da sentença condenatória, prevista no parágrafo 2o

do artigo 26, e da execução pelos danos globalmente causados, de que trata o parágrafo 3º do artigo 36, ambos deste Código, constitui receita do Fundo, dentre outras, o produto da arrecadação de multas, inclusive as decorrentes do descumprimento de compromissos de ajustamento de conduta.

§ 2º O representante legal do Fundo, considerado funcionário público para efeitos

legais, responderá por sua atuação nas esferas administrativa, penal e civil. § 3o O Fundo será notificado da propositura de toda ação coletiva e sobre as decisões

mais importantes do processo, podendo nele intervir em qualquer tempo e grau de jurisdição na função de “amicus curiae”.

§ 4º O Fundo manterá e divulgará registros que especifiquem a origem e a destinação

dos recursos e indicará a variedade dos bens jurídicos a serem tutelados e seu âmbito regional; § 5º Semestralmente, o Fundo dará publicidade às suas demonstrações financeiras e

atividades desenvolvidas.

Seção II Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos

Art. 28. Da ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais

homogêneos. A ação coletiva para a defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos será exercida para a tutela do conjunto de direitos ou interesses individuais, decorrentes de origem comum, de que sejam titulares os membros de um grupo, categoria ou classe.

§ 1o Para a tutela dos interesses ou direitos individuais homogêneos, além dos

requisitos indicados no artigo 19 deste Código, é necessária a aferição da predominância das questões comuns sobre as individuais e da utilidade da tutela coletiva no caso concreto.

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§ 2o A determinação dos interessados poderá ocorrer no momento da liquidação ou execução do julgado, não havendo necessidade de a petição inicial vir acompanhada da respectiva relação nominal.

Art. 29. Ação de responsabilidade civil. Os legitimados poderão propor, em nome

próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, dentre outras (artigo 2.º deste Código), ação coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes.

Art. 30. Citação e notificações. Estando em termos a petição inicial, o juiz ordenará

a citação do réu e a publicação de edital, de preferência resumido, no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como assistentes, observado o disposto no parágrafos 5º e 6º deste artigo.

§ 1º Sem prejuízo da publicação do edital, o juiz determinará sejam os órgãos e

entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código comunicados da existência da demanda coletiva e de seu trânsito em julgado, a serem também comunicados ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos.

§ 2º Concedida a tutela antecipada e sendo identificáveis os beneficiários, o juiz

determinará ao demandado que informe os interessados sobre a opção de exercerem, ou não, o direito à fruição da medida.

§ 3º Descumprida a determinação judicial de que trata o parágrafo anterior, o

demandado responderá, no mesmo processo, pelos prejuízos causados aos beneficiários. § 4º Quando for possível a execução do julgado, ainda que provisória, o juiz

determinará a publicação de edital no órgão oficial, às expensas do demandado, impondo-lhe, também, o dever de divulgar, pelos meios de comunicação social, nova informação, compatível com a extensão ou gravidade do dano, observado o critério da modicidade do custo. Sem prejuízo das referidas providências, o juízo providenciará a comunicação aos órgãos e entidades de defesa dos interesses ou direitos indicados neste Código, bem como ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos.

§ 5º A apreciação do pedido de assistência far-se-á em autos apartados, sem

suspensão do feito, recebendo o interveniente o processo no estado em que se encontre. § 6º Os intervenientes não poderão discutir suas pretensões individuais na fase de

conhecimento do processo coletivo. Art. 31. Efeitos da transação. As partes poderão transacionar, ressalvada aos

membros do grupo, categoria ou classe a faculdade de não aderir à transação, propondo ação a título individual.

Art. 32. Sentença condenatória. Sempre que possível, o juiz fixará na sentença o

valor da indenização individual devida a cada membro do grupo, categoria ou classe. § 1o Quando o valor dos danos individuais sofridos pelos membros do grupo,

categoria ou classe for uniforme, prevalentemente uniforme ou puder ser reduzido a uma

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fórmula matemática, a sentença coletiva indicará o valor ou a fórmula de cálculo da indenização individual.

§ 2º O membro do grupo, categoria ou classe que divergir quanto ao valor da

indenização individual ou à fórmula para seu cálculo, estabelecidos na sentença coletiva, poderá propor ação individual de liquidação.

§ 3º Não sendo possível a prolação de sentença condenatória líquida, a condenação

poderá ser genérica, fixando a responsabilidade do demandado pelos danos causados e o dever de indenizar.

Art. 33. Competência para a liquidação e execução. É competente para a

liquidação e execução o juízo: I - da fase condenatória da ação ou da sede do legitimado à fase de conhecimento,

quando coletiva a liquidação ou execução. II – da fase condenatória, ou do domicílio da vítima ou sucessor, no caso de

liquidação ou execução individual. § 1º O exeqüente poderá optar pelo juízo do local onde se encontrem bens sujeitos à

expropriação. § 2º Quando a competência para a liquidação e execução não for do juízo da fase de

conhecimento, o executado será citado, seguindo a execução o procedimento do art. 475-A e seguintes do Código de Processo Civil.

Art. 34. Liquidação e execução individuais. A liquidação e execução serão

promovidas individualmente pelo beneficiário ou seus sucessores, que poderão ser representados, mediante instrumento de mandato, por associações, entidades sindicais ou de fiscalização do exercício das profissões e defensorias públicas, ainda que não tenham sido autoras na fase de conhecimento, observados os requisitos do artigo 20 deste Código.

§ 1º Na liquidação da sentença caberá ao liquidante provar, tão só, o dano pessoal, o

nexo de causalidade e o montante da indenização. § 2º A liquidação da sentença poderá ser dispensada quando a apuração do dano

pessoal, do nexo de causalidade e do montante da indenização depender exclusivamente de prova documental, hipótese em que o pedido de execução por quantia certa será acompanhado dos documentos comprobatórios e da memória do cálculo.

§ 3º Os valores destinados ao pagamento das indenizações individuais serão

depositados em instituição bancária oficial, abrindo-se conta remunerada e individualizada para cada beneficiário, regendo-se os respectivos saques, sem expedição de alvará, pelas normas aplicáveis aos depósitos bancários.

§ 4º Na hipótese de o exercício da ação coletiva ter sido contratualmente vinculado

ao pagamento de remuneração ajustada por serviços prestados, o montante desta será deduzido dos valores destinados ao pagamento previsto no parágrafo anterior, ficando à disposição da entidade legitimada.

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§ 5º A carta de sentença para a execução provisória poderá ser extraída em nome do credor, ainda que este não tenha integrado a lide na fase de conhecimento do processo.

Art. 35. Liquidação e execução coletivas. Se possível, a liquidação e a execução

serão coletivas, sendo promovidas por qualquer dos legitimados do artigo 20 deste Código. Art. 36. Liquidação e execução pelos danos globalmente causados. Decorrido o

prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do artigo 20 deste Código promover a liquidação e execução coletiva da indenização devida pelos danos causados.

§ 1o Na fluência do prazo previsto no caput deste artigo a prescrição não correrá. § 2o O valor da indenização será fixado de acordo com o dano globalmente causado,

que poderá ser demonstrado por meio de prova pré-constituída ou, não sendo possível, mediante liquidação.

§ 3o O produto da indenização reverterá ao Fundo (art. 27 deste Código), que o

utilizará para finalidades conexas à proteção do grupo, categoria ou classe beneficiados pela sentença.

§ 4o Enquanto não se consumar a prescrição da pretensão individual, fica assegurado

o direito de exigir o pagamento pelo Fundo, limitado o total das condenações ao valor que lhe foi recolhido.

Art. 37. Concurso de créditos. Em caso de concurso de créditos decorrentes de

condenação de que trata o artigo 26 deste Código e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.

Parágrafo único. Para efeito do disposto neste artigo, a destinação da importância a

ser recolhida ao Fundo ficará sustada enquanto pendentes de decisão de recurso ordinário as ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas.

Capítulo III Da ação coletiva passiva originária

Art. 38. Ações contra o grupo, categoria ou classe. Qualquer espécie de ação pode

ser proposta contra uma coletividade organizada, mesmo sem personalidade jurídica, desde que apresente representatividade adequada (artigo 20, I, “a”, “b” e “c”), se trate de tutela de interesses ou direitos difusos e coletivos (artigo 4º, incisos I e II) e a tutela se revista de interesse social.

Parágrafo único. O Ministério Público e os órgãos públicos legitimados à ação

coletiva ativa (art. 20, incisos III, IV, V e VI e VII deste Código) não poderão ser considerados representantes adequados da coletividade, ressalvadas as entidades sindicais.

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Art. 39. Coisa julgada passiva. A coisa julgada atuará erga omnes, vinculando os membros do grupo, categoria ou classe e aplicando-se ao caso as disposições do artigo 12 deste Código, no que dizem respeito aos interesses ou direitos transindividuais.

Art. 40. Aplicação complementar às ações coletivas passivas. Aplica-se

complementarmente às ações coletivas passivas o disposto no Capítulo I deste Código, no que não for incompatível.

Parágrafo único. As disposições relativas a custas e honorários, previstas no artigo

16 e seus parágrafos, serão invertidas, para beneficiar o grupo, categoria ou classe que figurar no pólo passivo da demanda.

Capítulo IV Do mandado de segurança coletivo

Art. 41. Cabimento do mandado de segurança coletivo. Conceder-se-á mandado

de segurança coletivo, nos termos dos incisos LXIX e LXX do artigo 5o da Constituição federal, para proteger direito líquido e certo relativo a interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos (art. 4º deste Código).

Art. 42. Legitimação ativa. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado

por: I – Ministério Público; II – Defensoria Pública; III – partido político com representação no Congresso Nacional; IV – entidade sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em

funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, dispensada a autorização assemblear.

Parágrafo único. O Ministério Público, se não impetrar o mandado de segurança

coletivo, atuará como fiscal da lei, em caso de interesse público ou relevante interesse social. Art. 43. Disposições aplicáveis. Aplicam-se ao mandado de segurança coletivo as

disposições do Capítulo I deste Código, inclusive no tocante às custas e honorários (art. 17 e seus parágrafos) e as da Lei n.º 1.533/51, no que não for incompatível.

Capítulo V Das ações populares Seção I Da ação popular constitucional

Art. 44. Disposições aplicáveis. Aplicam-se à ação popular constitucional as

disposições do Capítulo I deste Código e as da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965.

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Seção II Ação de improbidade administrativa

Art. 45. Disposições aplicáveis. A ação de improbidade administrativa rege-se pelas

disposições do Capítulo I deste Código, com exceção do disposto no artigo 5º e seu parágrafo único, devendo o pedido e a causa de pedir ser interpretados restritivamente, e pelas disposições da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992.

Capítulo VI Disposições finais

Art. 46. Do Cadastro Nacional de Processos Coletivos. O Conselho Nacional de

Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos Coletivos, com a finalidade de permitir que todos os órgãos do Poder Judiciário e todos os interessados tenham acesso ao conhecimento da existência de ações coletivas, facilitando a sua publicidade.

§ 1º Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos coletivos

remeterão, no prazo de 10 (dez) dias, cópia da petição inicial ao Cadastro Nacional de Processos Coletivos.

§ 2º O Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 90 (noventa) dias, editará

regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Processos Coletivos, incluindo a forma de comunicação pelos juízos quanto à existência de processos coletivos e aos atos processuais mais relevantes, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença e o trânsito em julgado, a interposição de recursos e seu andamento, a execução provisória ou definitiva; disciplinará, ainda, os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado.

Art. 47. Instalação de órgãos especializados. A União, no prazo de 180 (cento e

oitenta) dias, e os Estados criarão e instalarão órgãos especializados, em primeira e segunda instância, para o processamento e julgamento de ações coletivas.

Art. 48. Princípios de interpretação. Este Código será interpretado de forma aberta

e flexível, compatível com a tutela coletiva dos direitos e interesses de que trata. Art. 49. Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Aplicam-se

subsidiariamente às ações coletivas, no que não forem incompatíveis, as disposições do Código de Processo Civil, independentemente da Justiça competente para o processamento e julgamento.

Parágrafo único – Os recursos cabíveis e seu processamento seguirão o disposto no

Código de Processo Civil e legislação correlata, no que não for incompatível. Art. 50. Nova redação. Dê-se nova redação aos artigos de leis abaixo indicados: a - Dê-se aos §§ 4º e 5º do art. 273 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código

de Processo Civil), a seguinte redação:

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“Art. 273 ........................................................................... §4º. A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada, fundamentadamente,

enquanto não se produza a preclusão da decisão que a concedeu (§1° do art. 273-B e art. 273-C).

§5º. Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela antecipada sem

ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o réu, citado, poderá torná-la ineficaz”.

b - A Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), passa a

vigorar acrescida dos seguintes arts.: 273-A, 273-B, 273-C, 273-D: “Art. 273-A. A antecipação de tutela poderá ser requerida em procedimento

antecedente ou na pendência do processo”. “Art. 273-B. Aplicam-se ao procedimento previsto no art. 273-A, no que couber, as

disposições do Livro III, Título único, Capítulo I deste Código. §1º. Concedida a tutela antecipada em procedimento antecedente, é facultado, até 30

(trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva: a) ao réu, propor demanda que vise à sentença de mérito; b) ao autor, em caso de antecipação parcial, propor demanda que vise à satisfação

integral da pretensão. §2º. Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos

limites da decisão proferida”. “Art. 273-C. Concedida a tutela antecipada no curso do processo, é facultado à parte

interessada, até 30 (trinta) dias contados da preclusão da decisão concessiva, requerer seu prosseguimento, objetivando o julgamento de mérito.

Parágrafo único. Não pleiteado o prosseguimento do processo, a medida

antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida”. “Art. 273-D Proposta a demanda (§ 1° do art. 273-B) ou retomado o curso do

processo (art. 273-C), sua eventual extinção, sem julgamento do mérito, não ocasionará a ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência da ação, se incompatíveis as decisões.”

c – O artigo 10 da Lei n. 1.533, de 31 de dezembro de 1951, passa a ter a seguinte

redação: Artigo 10: “Findo o prazo a que se refere o item I do art. 7º e ouvido, dentro de 5

(cinco) dias, o representante da pessoa jurídica de direito público, responsável pela conduta impugnada, os autos serão conclusos ao juiz, independentemente de solicitação da parte, para a decisão, a qual deverá ser proferida em 5 (cinco) dias, tenham sido ou não prestadas as informações pela autoridade coatora”.

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d - O artigo 7o, inciso I, alínea “a”, da Lei n. 4717, de 29 de junho de 1965, passa a ter a seguinte redação:

Art. 7o “........................................................................................... I ............................................................................................ a – além da citação dos réus, a intimação do representante do Ministério Público, que

poderá intervir no processo como litisconsorte ou fiscal da lei, devendo fazê-lo obrigatoriamente quando se tratar, a seu exclusivo critério, de interesse público relevante, vedada, em qualquer caso, a defesa dos atos impugnados ou de seus autores.”

e- Acrescente-se ao artigo 18 da Lei n. 4717, de 29 de junho de 1965 um parágrafo

único, com a seguinte redação: Art. 18 - “............................................................................................ Parágrafo único – Mesmo na hipótese de improcedência fundada nas provas

produzidas, qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento, no prazo de 2 (dois) anos contados do conhecimento geral da descoberta de prova nova, superveniente, que não poderia ser produzida no processo, desde que idônea, por si só, para mudar seu resultado”.

f - Acrescentem-se ao artigo 17 da Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, dois

parágrafos, numerados como 1o e 2o, renumerando-se os atuais parágrafos 1o , 2o, 3o , 4o, 5 o, 6

o, 7 o, 8 o, 9 o, 10, 11 e 12 como 3o , 4o, 5 o, 6 o, 7 o, 8 o, 9 o, 10, 11, 12, 13 e 14. Art.17 – “...................................................................................... § 1o – Nas hipóteses em que, pela natureza e circunstâncias de fato ou pela condição

dos responsáveis, o interesse social não apontar para a necessidade de pronta e imediata intervenção do Ministério Público, este, a seu exclusivo critério, poderá, inicialmente, provocar a iniciativa do Poder Público co-legitimado, zelando pela observância do prazo prescricional e, sendo proposta a ação, intervir nos autos respectivos como fiscal da lei, nada obstando que, em havendo omissão, venha a atuar posteriormente, inclusive contra a omissão, se for o caso.

§ 2º - No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, a

pessoa jurídica interessada integrará a lide na qualidade de litisconsorte, cabendo-lhe apresentar ou indicar os meios de prova de que disponha.

§ 3o.................................................................................................... § 4o...................................................................................................... § 5o..................................................................................................... § 6o...................................................................................................... § 7o......................................................................................................

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§ 8o...................................................................................................... § 9o...................................................................................................... § 10..................................................................................................... § 11..................................................................................................... § 12..................................................................................................... § 13..................................................................................................... § 14...................................................................................................” g – O artigo 80 da Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, passa a ter a seguinte

redação: Art. 80: “As ações individuais movidas pelo idoso serão propostas no foro de seu

domicílio, cujo juízo terá competência absoluta para processar e julgar a causa”. Art. 51. Revogação – Revogam-se a Lei nº. 7.347, de 24 de julho de 1985; os

artigos 81 a 104 da Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990; o parágrafo 3o do artigo 5o da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965; os artigos 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da Lei nº. 7.853, de 24 de outubro de 1989; o artigo 3º da Lei n. 7.913, de 7 de dezembro de 1989; os artigos 210, 211, 212, 213, 215, 217, 218, 219, 222, 223 e 224 da Lei nº. 8.069, de 13 de junho de 1990; o artigo 2º da Lei nº. 9.494, de 10 de setembro de 1997; e os artigos 81, 82, 83, 85, 91, 92 e 93 da Lei nº. 10.741, de 1º de outubro de 2003.

Art. 52. Vigência - Este Código entrará em vigor dentro de cento e oitenta dias a

contar de sua publicação. Dezembro de 2006

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ANEXO II

Superior Tribunal de Justiça EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 14.868 - RJ (2002/0013142-3) RELATOR : MINISTRO JOSÉ DELGADO EMBARGANTE : PAULO SALIM MALUF ADVOGADO : JOSÉ GUILHERME VILLELA EMBARGADO : WALTER DO AMARAL ADVOGADO : JOÃO ORLANDO DUARTE DA CUNHA E OUTROS INTERES. : PETRÓLEO BRASILEIRO S/A - PETROBRAS ADVOGADO : CÂNDIDO FERREIRA DA CUNHA LOBO E OUTROS INTERES. : OSVALDO PALMA INTERES. : SÍLVIO FERNANDES LOPES ADVOGADO : SÉRGIO AUGUSTO MALTA INTERES. : COMPANHIA ENERGÉTICA DE SÃO PAULO - CESP ADVOGADO : ROGÉRIO TELLES CORREIA DAS NEVES E OUTROS INTERES. : INSTITUTO DE PESQUISAS TECNOLOGICAS DO ESTADO DE SÃO PAULO S/A ADVOGADO : ANTÔNIO CARLOS BARRETO VASCONCELOS E OUTRO ASSISTENTE : UNIÃO EMENTA PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. PRESSUPOSTOS. ILEGALIDADE. LESIVIDADE. 1. A ação popular é meio processual constitucional adequado para impor a obediência ao postulado da moralidade na prática dos atos administrativos. 2. A moralidade administrativa é valor de natureza absoluta que se insere nos pressupostos exigidos para a efetivação do regime democrático. 3. Contrato de risco sem autorização legislativa e sem estudos aprofundados de viabilidade do êxito que foi assumido por administrador público para pesquisar petróleo em área não tradicionalmente vocacionada para produzir esse combustível. 4. Ilegalidade do ato administrativo que, por si só, conduz a se ter como ocorrente profunda lesão patrimonial aos cofres públicos. 5. A lei não autoriza o administrador público a atuar, no exercício de sua gestão, com espírito aventureiro, acrescido de excessiva promoção pessoal e precipitada iniciação contratual sem comprovação, pelo menos razoável, de êxito. 6. Os contratos de risco para pesquisar petróleo devem ser assumidos pelo Estado em níveis de razoabilidade e proporcionalidade, após aprofundados estudos técnicos da sua viabilidade e autorização legislativa. 7. A moralidade administrativa é patrimônio moral da sociedade. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem proteger esse patrimônio de modo incondicional, punindo, por mínima que seja, a sua violação. 8. "Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato impugnado" (STF, RE 160381/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 12.08.94, p. 20052). 9. "O entendimento sufragado pelo acórdão recorrido no sentido de que, para cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas

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específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a administração pública, dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inciso LXXIII do art. 5º da Constituição Federal, norma que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e histórico" (STF, RE 120.768/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU de 13.08.99, p. 16). 10. "... o entendimento de que, para o cabimento da ação popular, basta a demonstração da nulidade do ato administrativo não viola o disposto no artigo 153, parágrafo 31, da Constituição, nem nega vigência aos arts. 1º e 2º da Lei 4.717/65, como já decidiu esta Corte ao julgar caso análogo (RE 105.520)" (RE 113.729/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 25.08.89, pg. 13558). 11. "Antes mesmo de promulgada a vigente Carta, o STF orientou-se no sentido de que para cabimento da ação popular basta a demonstração da nulidade do ato , dispensada a da lesividade, que se presume (RTJ 118, p. 17 e 129, p. 1.339" (Milton Floks, in "Instrumentos Processuais de Defesa Coletiva", RF 320, p. 34). 12. "... ultimamente a jurisprudência têm se orientado no sentido de que basta a demonstração da ilegalidade, dispensada a da lesividade, que se presume" (Luis Roberto Barroso, "Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política - Ação Popular e Ação Civil Pública. Aspectos comuns e distintivos". Jul - set. 1993, nº 4, p. 236). 13. Invalidação do contrato firmado em 11.09.79, entre a PETROBRÁS e a PAULIPETRO. Ilegalidade reconhecida. Lesividade presumida. 14. Embargos de divergência conhecidos, porém, rejeitados. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, por unanimidade, conhecer dos embargos, mas lhes negar provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki (voto-vista), Castro Meira e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedidos os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins e Francisco Falcão. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Franciulli Netto. Brasília (DF), 09 de março de 2005 (Data do Julgamento) MINISTRO JOSÉ DELGADO Relator

RELATÓRIO O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO(Relator): Embargos de divergência opostos por PAULO SALIM MALUF, que foram admitidos nos limites da decisão monocrática de fls. 1.805/1.808: "Trata-se de embargos de divergência de fls. 1.612/1.649, opostos por Paulo Salim Maluf contra decisão da Egrégia Segunda Turma, que reconheceu a nulidade do contrato de risco firmado entre Petróleo Brasileiro S/A - Petrobrás e Paulipetro Consórcio CESP/IPI ao fundamento de que se trata de “negócio premeditado, engendrado e, afinal, realizado pelo Estado de São Paulo visando a exploração de petróleo na Bacia do Paraná, e que lhe deu colossal prejuízo ter sido efetivado com evidente atentado a moralidade administrativa, decorre de ato administrativo, em que falta, um a um, todos os elementos para a sua caracterização, já que praticado a) com desvio de finalidade; b) adotando forma imprópria, pois

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não prevista em lei; c) praticado por agente incapaz; d) sem competência; faltando ainda o consentimento do Estado visto só ser tido como tal quando manifestado nos limites estabelecidos pela lei". (fls. 1454). O embargante insurge-se, ainda, contra decisão proferida em sede de embargos de declaração, que determinou incidir a verba honorária sobre o valor da condenação, bem como deixou de abordar matéria constitucional, suscitada para fins de prequestionamento. Aponta o embargante diversos pontos em que o julgado discrepou a orientação fixada pelas Colendas Primeira e Segunda Turmas, pelo que passo ao exame de admissibilidade de cada um desses temas separadamente. O primeiro ponto de divergência refere-se à nulidade do processo por falta de citação, como litisconsortes passivos necessários, dos Conselheiros do Tribunal de Contas de São Paulo, que aprovaram os atos impugnados nesta Ação Popular, alegando o embargante que o acórdão divergiu do entendimento adotado no Recurso Especial n° 8.970/91, segundo o qual “se inscrevem no rol de litisconsortes passivos necessários os integrantes do Tribunal de Contas que participaram do acórdão que aprovou ato sujeito a ação popular”. Neste ponto, não vejo como prosperar a irresignação do embargante, porquanto, ao que se depreende do voto condutor do acórdão proferido nos embargos de declaração (fls. 1510 e 1521), absteve-se a Turma Julgadora de apreciar a matéria, eis que versa sobre “tema não abordado nas contra-razões do recurso especial, verdadeira matéria inédita, monstrando-se impossível a sua apreciação em grau de embargos de declaração”, enquanto que o acórdão paradigma enfrentou o mérito da controvérsia ao decidir pela necessidade de chamamento dos litisconsortes necessários. Assim, nos termos como restou decidida esta questão pelo acórdão hostilizado, não tem cabimento a configuração do dissídio pretoriano, visto que as soluções encontradas pelo decisum embargado e paradigma não tiveram por base as mesmas premissas fáticas e jurídicas, inexistindo entre elas similitude de circunstâncias). Já em relação à alegativa de que inexiste a comprovação de lesividade patrimonial, afigura-se-me, em princípio, configurado o dissídio, pois o embargante traz à colação, como paradigmas, acórdãos proferidos nos Recursos Especiais n°s 250.593 e 111.527, os quais entenderam pela necessidade de prova de lesividade ao patrimônio público para propositura da ação popular, ao passo que o acórdão embargado faz alusão apenas à lesão à moralidade administrativa, dispensando o requisito da lesão patrimonial. No tocante à afirmação do embargante de que o recurso especial não reúne condições de admissibilidade, visto que suscitou matéria constitucional só apreciável em sede de recurso extraordinário, o qual não foi interposto pelos ora embargados, entendo não estar configurado o dissídio jurisprudencial, porque inexiste similitude entre as teses postas em confronto. A desses autos ultrapassou a fase de conhecimento do recurso e interpretou os dispositivos tidos como violados. Os acórdãos colacionados como dissidentes, ao contrário, não enfrentaram o mérito das questões levantadas em juízo por entender que os recursos não preencheram os requisitos de admissibilidade. Neste sentido, a Corte Especial adotou posicionamento, no julgamento dos Embargos de Divergência n°

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252.741/SP, julgados em 20/02/2002, reconhecendo que inexiste divergência entre acórdão que não conhece do recurso e outro que o conhece, embora haja homogeneidade das teses jurídicas que foram decididas diversamente. Com relação à alegada falta de prequestionamento e à revisão de matéria fática vedada pela Súmula 07/STJ, pelas mesmas razões (inexistência de dissídio entre acórdão que conhece do recurso e outro que não o conhece ante à ausência de requisitos de admissibilidade) a pretensão do ora embargante não merece ser acolhida. No que diz respeito à anulação dos acórdãos que rejeitaram os embargos declaratórios, pelos quais pretendia o ora embargante satisfazer o requisito do prequestionamento, verifica-se que, na hipótese destes autos, o julgado da Colenda Segunda Turma entendeu que o acórdão embargado se encontra suficientemente fundamentado e que escapa da competência do STJ a apreciação de preceitos constitucionais. Nas razões de decidir do Recurso Especial n° 10.338, colacionado como paradigma, a Eg. Primeira Turma entendeu que a falta de prequestionamento obstaculiza o conhecimento do recurso, cabendo ao recorrente opor embargos de declaração e, caso estes sejam rejeitados, suscitar contrariedade ao artigo 535, I e II do CPC. Como se vê, são diversas as hipóteses em cotejo, posto que a primeira(acórdão embargado) deixou de examinar o pretenso malferimento a dispositivos constitucionais, posto não ser da competência desta Corte de Justiça, enquanto que a segunda(acórdão paradigma) baseou-se na necessidade de prequestionamento para fins de admissibilidade do recurso especial, não havendo, portanto, como se divisar a divergência jurisprudencial, em razão das decisões partirem de bases temáticas diversas. Quanto ao último questionamento (atribuição de efeito modificativo aos embargos declaratórios, sem a intimação da parte contrária para apresentar contra-razões), o embargante traz à colação julgado da Segunda Turma no EDARESP n° 87.823, não indicando, todavia, qualquer aresto de outra Turma que dissentisse do decisum hostilizado. Ora, como é cediço, os embargos de divergência são cabíveis quando as Turmas divergirem entre si ou de decisão da mesma Seção, ou ainda, “se a divergência for entre Turmas de Seções diversas, ou entre Turma e outra Seção ou com a Corte Especial”(artigo 266 do Regimento Interno do STJ). Como se vê, embora neste ponto possam ser plausíveis as razões dos embargantes, não se prestam para alcançar o objetivo almejado, eis que ausente pressuposto essencial à utilização da via recursal eleita. Pelas razões expostas, admito os presentes embargos de divergência na parte referente à ausência de comprovação de lesividade ao patrimônio público para propositura de ação popular, concedendo vista ao embargado para apresentar impugnação nos termos do artigo 267 do RISTJ". Manutenção do referido "decisum", em sede de agravo regimental, assim ementado (fl. 1.895): "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. ADMISSIBILIDADE. AÇÃO POPULAR. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. CONSELHEIROS DO TRIBUNAL DE

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CONTAS DO ESTADO. (DES)CABIMENTO. 1. Agravo regimental contra decisão que admitiu, apenas parcialmente, embargos de divergência em recurso especial. 2. É cediço o entendimento de que os membros do Tribunal de Contas do Estado, que aprovaram o ato impugnado pelo mandamus, não são partes legítimas para figurar na demanda na qualidade de autoridades coatoras. 3. Desnecessária, portanto, a citação e integração ao pólo passivo do mandado de segurança. 4. Precedentes desta Corte Superior. Resposta aos embargos defendendo a manutenção do acórdão embargado, sustentando, em síntese, que, "a exigência, a priori, da prova da lesividade do ato ilegal impugnado é, data vênia, iníqua, uma vez que contraria os princípios básicos da ação popular constitucional, inviabilizando o seu exercício pelo cidadão em defesa do patrimônio comum do povo”. É o relatório. VOTO O SR. MINISTRO JOSÉ DELGADO(Relator): A discussão instalada nos presentes embargos está circunscrita, apenas, à "ausência de comprovação de lesividade ao patrimônio público para propositura da ação popular". A respeito do tema há de se reconhecer a existência de profunda divergência, tanto no campo doutrinário como no jurisprudencial, mesmo após a vigência da Constituição Federal de 1988. Tenho convicção firmada no sentido de que, por ser a moralidade administrativa um dos postulados que sustentam o regime democrático, tanto na vigência da Constituição Federal anterior como na da atual, a sua violação, por si só, é suficiente para resguardar a procedência do pedido de ação popular, tornando, conseqüentemente, desnecessária a prova concreta do prejuízo ao erário público. Por aditar esse posicionamento, prestigio o acórdão embargado em toda a sua extensão, pelo que, para decidir o presente recurso, adoto a fundamentação desenvolvida pelos votos vencedores, a saber: a) Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, ao considerar procedente o pedido, reformando, conseqüentemente, o acórdão de segundo grau, valeu-se das razões do Ministério Público Federal, ao afirmar (fls. 1.401/1.407): "19. No mérito, o v. acórdão ao encampar “in totum” a v. sentença do mesmo modo que esta fez, parece não haver se apercebido dos princípios que informam e regem a Ação Popular, conforme expressado na Lei 4716/65, acrescido agora do enfoque dado pelo art. 5°, LXXIII da Constituição. 20. Realmente, tomando-se, apenas, as próprias palavras da sentença e do v. acórdão conduzem estas exatamente a afirmação do que estão negando: a lesividade dos atos ao patrimônio do Estado de São Paulo, decorrendo de ilegalidade praticada pelo governador do Estado, e, assim a incidência da lei em causa. 21. Com efeito. O cerne da razão de decidirem reside em três pontos precípuos: a) a adoção do “contrato de risco” se inseriria no poder geral de gestão reconhecido a todo e qualquer administrador, no caso, ao

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governador do Estado de São Paulo por constituir “opções administrativas ” como disse o Dr. Juiz Relator; b) tanto mais porque a prospecção foi feita em período de escassez mundial de óleo, c) a existência de petróleo no local era mais do que problemática, pelo que o administrador não poderia ser responsabilizado pelo insucesso ocorrido. 22. Ninguém nega ao administrador privado a faculdade de realizar negócios ou administrá-los pela forma que melhor lhe aprouver, inclusive em atividades de risco: é próprio da livre iniciativa. Caberá sempre, porém, aos Conselhos Fiscais e aos acionistas a faculdade de, no caso de prejuízo, pedirem indenização se tratar de administração fraudulenta, culposa ou dolosa. 23. O administrador público não tem idêntica flexibilidade. Indissoluvelmente preso ao princípio da legalidade só pode agir nos exatos limites fixados pela lei ou pelas Assembléias Legislativas. Não lhe é dado, a seu bel talante, levar o patrimônio público à aventura ou atividades outras, senão àquelas que lhe são estritamente traçadas. 24. Pois bem. A exploração de petróleo constitui negócio de alta complexidade , sujeita a riscos inimagináveis. Por isso mesmo, a Constituição prescreveu ser monopólio da União, cuja execução a Lei 2.004, entregou exclusivamente à PETROBRAS. Trata-se, assim, de atividade que, pela sua peculiaridade, não está entregue, ou melhor, é vedada aos Estados, e Municípios. Menos ainda, compreende-se nos poderes gerais de gestão ou de atividade discricionária de seus administradores. (Só isto bastava para evidenciar que o Estado de São Paulo, por seu governador não estava autorizado - e ainda sem autorização de sua Assembléia Legislativa - para se abalançar a fazer negócios sobre prospecção de petróleo fosse onde fosse por que isto não se incluía também em seu poder de gestão). 25. Por outro lado, se o negócio de petróleo já é, em si mesmo, complexo, e altamente aleatório, no caso específico da Bacia de Santos a certeza negativa do resultado já estava antecipadamente reconhecida: não havia quem não soubesse. Basta ver que a PETROBRÁS (os dados são da v. sentença) pesquisando na mesma área, em bloco considerada, tendo perfurado mais de - veja-se bem! - 60 poços, nada encontrou! E parou com as prospecções para não jogar fora mais dinheiro! 26. Portanto, não mais se tratava de assumir o “risco” de descobrir, ou não, o óleo. Mas, sim, da quase certeza de que não existia óleo no local. 27. Isto era afiançado por ninguém menos do que o Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, o Sr. MARECHAL LEVY CARDOSO ao dizer: “nenhuma razão técnica e apenas o fator sorte levaria a PAULIPETRO a uma estrutura petrolífera na Bacia de Santos”. (transcrito da v. sentença) 28. No entanto mesmo ante a existência de “background” tão certo quanto desencorajador, o Sr. Governador do Estado por si e por seus Secretários e ainda usando como “longa manu” as empresas estaduais CESP e IPT, lançaram-se à procura do óleo, subcontratando várias empresas para fazê-lo. Mas, como era mais do que esperado, como todos já sabiam antecipadamente , não foi encontrado petróleo algum! 29. Jogaram, assim, o patrimônio público em autêntica aventura , que já sabiam de antemão infrutífera, onerando o Estado em mais de US$ 200

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MILHÕES inclusive obrigando-o a contratar empréstimo externo (com as comissões de praxe...) E onde os únicos a lucrar foram as felizes empreiteiras.. . 30. É mais do que evidente que agir como agiram caracterizava não o uso dos poderes gerais de administração - a famosa “opção administrativa... ” em que é dado ao gestor a escolha do caminho que lhe parecer mais conveniente ao interesse público. Revelava, isto sim, junto com a malversação do patrimônio público, culpa gravíssima na administração do Estado, chegando mesmo às raias da administração dolosa ou temerária. (Por isso d.v. inteiramente inaceitável a afirmação do v. acórdão, consubstanciada no voto do Juiz Dr. FREDERICO GUEIROS, de que a Ação Popular não autoriza: “...a invalidar opções administrativas ou mesmo substituir critérios técnicos por outros que entenda mais adequados e eficientes...” quando, no caso, a AÇÃO POPULAR não impugnava mera “opção administrativa ” ou pretendia “substituir critérios técnicos por outros. Mas, isto sim, repita-se demonstrava que o caminho escolhido, ou a “opção” feita pela Administração sobre ter sido tomada de forma ilegal já estava sabida e previamente vaticinada ao fracasso. 31. Se já não bastasse aventurar-se a tal negócio, mais grave ainda é que tudo foi feito através de artifício que pretendia encobrir manifesta fraude à lei. Isto porque para fugir ao cumprimento de exigências legais impostergáveis para a contratação e pagamento de serviços não compreendidos na atividade normal da Administração, arquitetaram o seguinte: como primeiro passo, resolveram reunir em “Consórcio ” duas empresas estaduais, a CESP e a IPT, onde os negócios petrolíferos não faziam parte do objeto social de nenhuma delas e, portanto, sem qualquer “know how” na atividade! 32. Como estas, porém, não possuíssem recursos para a atividade, como segunda etapa, entrava então o Estado fornecendo-lhes o dinheiro ! Ou seja, pela via indireta do artifício usado, livra-se o Estado das exigências legais que o impediam de entrar no negócio, mas alcançava o que queria: “bancar o jogo”... 33. Foi o que demonstrou o Ministério Público Federal pela eminente Procuradora Regional da República Dra. SANDRA CUREAU (fls. 1222): “Verifica-se, sem dificuldade, (que toda a autonomia de gestão da Paulipetro nada mais era do que cortesia com chapéu alheio, pois os recursos eram oriundos da Fazenda do Estado de São Paulo. O próprio tempo demonstrou que, em realidade, o referido consórcio foi uma malograda aventura. Os desembolsos financeiros tornaram evidente o prejuízo, uma vez que nada foi encontrado que pudesse remunerar o Estado de São Paulo.” concluindo: “Do ponto de vista estritamente jurídico, como já foi demonstrado, toda a operação foi realizada (sem base legal, em fraude à lei e à Constituição de São Paulo. Do ponto de vista econômico, ficou demonstrado um grande fracasso e dispêndio de recursos que muito bem poderiam ter sido alocados para a Saúde Pública e Educação, etc...” 34. Foi também o que demonstrou o Estado de São Paulo, agora em sua postura ética, na apelação de mais de 30 laudas (fls. 1.053/1.086) –

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atente-se: não apreciada nem discutida pelo v. Acórdão: “Como ao Estado não é dado explorar atividade econômica diretamente, senão por empresas públicas ou sociedades anônimas de que participe, constituiu-se um consórcio entre CESP - Companhia Energética de São Paulo, sociedade anônima de capital aberto, e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo S.A. -IPT, sociedade cujo capital também pertence majoritariamente à apelante, denominado PAULIPETRO - CONSÓRCIO CESP-IPT, por Instrumento de 07.12.79.” e, mais adiante: “Não só de experiência careciam as consorciadas. Careciam, também, de capitais abundantes e que pudesse ser livremente aplicados, sem prejuízo do capital de giro necessário à realização de suas finalidades estatutárias, na aventura petrolífera, - eis que o achado de petróleo depende mais do fator sorte do que da capacitação tecnológica, segundo afirmado nos autos e na fundamentação da R. Sentença recorrida.” vindo a concluir nesta parte: “Operou-se, assim, extraordinário milagre administrativo : INVENTOU-SE UM CONSÓRCIO, CUJAS EMPRESAS CONSORCIADAS ERAM INÁBEIS PARA A EXECUÇÃO DO OBJETO AVENÇADO E QUE, ADEMAIS, NÃO POSSUÍAM RECURSOS E CAPITAIS - NEM UM SÓ TOSTÃO! - PARA FAZÊ-LO!” 35. Portanto a criação do Consórcio como ato final constituiu rematada ilegalidade pois inexiste: a) tal figura no direito administrativo brasileiro b) menos ainda previsão ou permissão nos atos estatutários constitutivos (como até a própria sentença, embora tardiamente, veio a reconhecer). O Consórcio não possuía, assim, sequer, personalidade jurídica: era um nada! 36. Do mesmo modo o Convênio do Estado com o Consórcio PAULIPETRO era igualmente ilegal por não ter o Estado autorização para transferir-lhes recursos de US$ 200 MILHÕES . 37. A Constituição , pela primeira vez em nossa história, e como paradeiro a maquinações que vêem corroendo e solapando a Administração Pública, e atenta à reação, ao clamor que é de toda a Nação em prol da lisura, da honradez que deve nortear acima de tudo, a ação dos governos no trato da coisa pública, determinou de forma cogente “art. 37 - A administração pública...obedecerá aos princípios da legalidade , impessoalidade, moralidade , publicidade, e também...” 38. Como corolário, dando hierarquia constitucional a ACÃO POPULAR outorgou a qualquer cidadão a legitimidade para pleitear a anulação de ato lesivo ao patrimônio público ou à moralidade administrativa . “art. 5º LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público...à moralidade administrativa. ” 39. JOSÉ AFONSO DA SILVA “O objeto da ação popular foi ampliado ao nível constitucional à proteção da moralidade administrativa (...). Será mais difícil a compreensão da moralidade administrativa , como fundamento para anular ato que a lese, a moralidade é definitiva como um dos princípios da administração pública (art. 37). Todo ato lesivo ao patrimônio agride a moralidade administrativa.

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Mas o texto constitucional não se conteve nesse aspecto apenas da moralidade.(Quer que a moralidade administrativa em si seja fundamento de nulidade do ato lesivo (...) (Curso de Direito Constitucional Positivo, SP, RT, 5ª ed., p. 398).” 40. A AÇÃO POPULAR - este notável instrumento democrático que ante a omissão indesculpável dos órgãos que precipuamente deveriam ter a iniciativa de fazê-lo como o Ministério Público, Assembléias, e Tribunais de Contas entrega a titularidade da defesa do patrimônio público a todo e qualquer cidadão - pressupõe a existência de lesividade e que esta seja decorrente de ilegalidade e, agora ou de resultar de ato repelido pela moral, determinando a nulidade do ato. “Art. 2° - São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionados no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência b) vício de forma c) ilegalidade de objeto d) inexistência de motivos e) desvio da finalidade.” 41. Ora, no caso vê-se que o negócio premeditado . engendrado, e, afinal, realizado pelo Estado de São Paulo visando a exploração do petróleo na Bacia do Paraná, e que lhe deu colossal prejuízo sobre ter sido tomado com evidente atentado a moralidade administrativa decorre de ato administrativo, em que falta, um a um, todos os elementos que são indispensáveis para a sua caracterização, já que praticado: a) com desvio de finalidade b) adotando forma imprópria , pois não prevista em lei; c) praticado por agente incapaz e, assim: d) sem competência e) faltando ainda o consentimento do Estado visto só ser tido como tal quando manifestado nos limites estabelecidos pela lei. Constitui, assim, ato nulo de pleno direito . 42. Por outro lado, a previsão e garantia constitucional reconhecidas pelos arts. 37 e 5° LXXIII - notadamente quanto ao alcance de “moralidade” , “Lesividade” e “ilegalidade” - coloca a Ação Popular em termos de conhecimento, acima dos recursos comuns, já que a disposição maior, constitui verdadeira norma “em branco” entregue ao julgador. Estará, assim, sempre à disposição dos Tribunais Superiores, em qualquer instância, para verificar se a simples enunciação do fato constitui, ou não, ato lesivo ao interesse público, o que desde já se prequestiona. 43. Nesta instância, inclusive, não há dúvida quanto aos fatos já que aceitos aqueles mesmos fixados pela v. sentença e também pelo v. acórdão: a) O Estado sofreu prejuízo por pesquisar petróleo onde havia quase certeza da sua inexistência; b) fez fora das suas atribuições administrativas normais; c) sem autorização legal; d) e ainda usando de artifícios tendentes a fraudar a lei. 44. Finalmente, quanto ao “Contrato de Risco” firmado pelo “Consórcio” PAULIPETRO com a petrobrás, afirma a v. sentença - o v. acórdão nada diz pois limitou-se a encampá-la - a sua legalidade face as interpretações da constituição feitas pelo Sr. GENERAL ERNESTO GEISEL e pelo Presidente da PETROBRÁS . 45. Sem embargos à respeitabilidade do ex-Chefe do Governo são preferíveis opiniões de constitucionalistas, “experts” na matéria, como

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PONTES DE MIRANDA , ao entenderem forma radicalmente oposta. Ou seja de que a Constituição não permite a existência dos chamados “Contratos de Risco” (em que parte do valor óleo descoberto é entregue à terceiro) face o monopólio estabelecido em favor da União da pesquisa, lavra e exploração de petróleo, cuja execução foi entregue com exclusividade à PETROBRÁS . 46. Embora em tese pudesse ser até desejável, - já que o Mundo muito mudou nestes últimos 40 ANOS desde a instituição do monopólio - a verdade é que alterações à Constituição só podem ser feitas pelo Congresso Nacional e não por opiniões fora dele. 47. Além disto os contratos firmados pela PAULIPETRO decorrentes do CONTRATO DE RISCO com terceiros - procurados invalidar pela Ação Popular - foram “além da marca” ao concederem mais do que aquele permitia, o que foi reconhecida pela própria sentença. 48. Se, como forma de fugir-se ao monopólio em favor da União, criou-se o subterfúgio de fazer-se CONTRATO DE “RISCO“ parece óbvio que os que deste decorressem deveriam guardar a mesma natureza. No entanto, os felizes aquinhoados contrataram e receberam com a PAULIPETRO na base de preço fixo por serviço executado, mesmo sem nada terem encontrado! 49. Não obstante é justificado pela v. sentença fundada opinião da ...PETROBRÁS... ré na ação! Feito coisa que também a esta houvesse sido outorgada a interpretação da Constituição! 50. Assim, parecendo que houve, efetivamente, lesão ao patrimônio público e que decorreu da prática de atos plenos de ilegalidades, opina o Ministério Público pela procedência do RESP, e com ele da AÇÃO POPULAR.” O brilhante e seguro parecer examinou a controvérsia nos seus vários aspectos. Com ele concordo, mas deixo de proclamar a nulidade do julgado monocrático, porquanto o Estado de São Paulo interveio no feito, segundo se depreende da sentença (fls. 1.037 e 1.045) e, ademais, posso decidir o mérito em favor do recorrente, o que ora faço, com apoio na manifestação ministerial, antes transcrita. Em conclusão: conheço do recurso e dou-lhe provimento, a fim de julgar a ação procedente e, em conseqüência, condeno os réus a suportarem as custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, e a pagar ao autor a verba advocatícia de 10% (dez por cento) do valor da causa, atualizado monetariamente (Lei n° 4.717, de 29.06.65, art. 12)". b) Ministro Hélio Mosimann (fls. 1.417/1.419): "Na parte principal, muito embora não me anime a acolher todas as afirmações feitas no parecer subscrito pelo Dr. Sylvio Fiorêncio , Subprocurador-Geral da República, o então representante do Ministério Público Federal, depois de estabelecer a distinção entre os critérios da administração pública e particular, assinala com inteira propriedade que: “23. O administrador público não tem idêntica flexibilidade. Indissoluvelmente preso ao princípio da legalidade só pode agir nos exatos limites fixados pela lei ou pelas Assembléias Legislativas. Não lhe é dado, a seu bel talante, levar o patrimônio público à aventura ou atividades outras, senão àquelas que lhe são estritamente traçadas. 24. Pois bem. A exploração de petróleo constitui negócio de alta complexidade , sujeita a riscos inimagináveis. Por isso mesmo, a Constituição prescreveu ser monopólio da União, cuja execução a Lei 2.004, entregou exclusivamente à PETROBRÁS. Trata-se, assim, de atividade que,

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pela sua peculiaridade, não está entregue, ou melhor, é vedada aos Estados e Municípios. Menos ainda, compreende-se nos poderes gerais de gestão ou de atividade discricionária de seus administradores. (Só isto bastava para evidenciar que o Estado de São Paulo, por seu governador não estava autorizado - e ainda sem autorização de sua Assembléia Legislativa - para se abalançar a fazer negócios sobre prospecção de petróleo fosse onde fosse por que isto não se incluía também em seu poder de gestão). 25. Por outro lado, se o negócio de petróleo já é, em si mesmo, complexo, e altamente aleatório, no caso específico da Bacia de Santos a certeza negativa do resultado já estava antecipadamente reconhecida: não havia quem não soubesse. Basta ver que a PETROBRÁS (os dados são da v. sentença) pesquisando na mesma área, em bloco considerada, tendo perfurado mais de - veja-se bem! - 60 poços, nada encontrou! E parou com as prospecções para não jogar fora mais dinheiro! 26. Portanto, não mais se tratava de assumir o “risco” de descobrir, ou não, o óleo. Mas, sim, da quase certeza de que não existia óleo no local. 27. Isto era afiançado por ninguém menos do que o Presidente do Conselho Nacional do Petróleo, o Sr. MARECHAL LEVY CARDOSO ao dizer: “nenhuma razão técnica e apenas o fator sorte levaria a PAULIPETRO a uma estrutura petrolífera na Bacia de Santos”. (transcrito da v. sentença) Mesmo assim, o patrimônio público foi jogado em autêntica aventura, que importou na ilegalidade e lesividade, sendo mais do que evidente, prossegue a procuradoria, “que agir como agiram caracterizava não uso dos poderes gerais de administração - a famosa opção administrativa.. , em que é dado ao gestor a escolha do caminho que lhe parecer mais conveniente ao interesse público”... Inegável, portanto, a lesão aos cofres públicos, como bem demonstrou o voto do relator, cujos fundamentos adoto em linhas gerais. A dúvida que possa surgir é em relação ao valor a devolver, sujeito, evidentemente, a comprovação. Eis as razões porque, nesta renovação do julgamento, após o exame dos autos e novos estudos das questões suscitadas, mantenho a posição, votando com o relator, nas suas conclusões". c) Ministro Milton Luiz Pereira (fls. 1.449/1.452): "Comentou o eminente Ministro Adhemar Maciel que tudo celebrou-se antes da Constituição vigente, que, no caput do art. 37, inclui a moralidade administrativa, como elemento necessário à formação do ato administrativo. As suas observações levam à conclusão de que não é possível a retroatividade dos efeitos da exigência da moralidade administrativa para acoimar o ato ilegal. Ora, não há dúvida de que o art. 37, na Constituição vigente, como elemento constitutivo para a legalidade do ato administrativo, além dos princípios da legalidade, impessoalidade, publicidade, incluiu a moralidade. Não tenho dúvidas de que o ato administrativo, para ser legal, deve satisfazer a moralidade, como princípio. Desse modo, o ato pode ser legal no aspecto da sua constituição formal, intrínseca e extrínseca, mas amoldado à figura da ilegalidade, se imoral. A questão que sobra é, se a Constituição anterior não explicitou a integração da moralidade no ato, pode ser legal o ato imoral? Para a resposta, aplicando o art. 257, RISTJ, e a Súmula 456/STF, vou procurar aplicar o direito à espécie. Nessa lida,

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para mim, o princípio da moralidade, para ser cumprido, não precisava estar escrito; é do direito natural. A moralidade no ato administrativo deve ser o centro propulsionador da manifestação administrativa. Por isso, para muitos comentadores, causou espécie a inclusão expressa da “moralidade” como elemento à formação do ato administrativo. Foi o mesmo que afirmar que vivemos no mar encapelado da imoralidade, a ponto de a Lei máxima ter de incluir que o ato tem que ser moral. Para ser cumprido, o princípio da moralidade não precisa estar escrito. A obediência deve ser natural. Nesse aspecto leio o que já escrevi alhures: (lê) “A legalidade como princípio administrativo e fiel obediência ao princípio da moralidade.” No particular também apoio-me nas lembranças das lições do pranteado Hely Lopes Meirelles. Digo mais, “a moralidade é escudo de proteção à ordem pública, que são os interesses gerais da sociedade, não apenas individuais, por exemplo, quando a lei visa apenas os interesses particulares. Desobedecido o atendimento à moralidade, o ato incorre na lesividade ao patrimônio público por ferir bens jurídicos tutelados, esses, lato sensu, são atingidos porque atingidos os interesses públicos que arcaram com o custo social da materialização daquele ato. Logo, ato imoral por não convir à sociedade gera o ato ilegal. Esse aspecto perfilhado como está no exame da legalidade do ato deve fazer-nos lembrar que a lei é a regra e a medida. A moralidade administrativa, todavia, não é corolário, é elemento constitutivo. Deveras o ato administrativo, sob o imperativo dos questionamentos, forrados na lei moral e ética, força lembrar a teoria dos círculos concêntricos elaborada por Bentham, assim compreendida: dois círculos concêntricos sendo o maior o da moral e o menor o do direito. Portanto, havendo um campo de ação comum a ambos, ficando o direito envolvido pela moral. De arranque, tudo que é jurídico é moral, mas nem tudo que é moral é jurídico. “Introdução aos Princípios da Moral na Legislação”, Editora Abril. Por esse prisma pode ser lançado este silogismo: sendo imoral o ato, ilegal, será o seu acolhimento, sendo justa a sua anulação, como sanção ao agente público. Essa conclusão ganhou expressão na nossa doutrina, a tal ponto de já ter sido debatida a indenização do dano moral da pessoa jurídica de Direito Público, do dano moral ao Estado pelos atos ímprobos de seus administradores, falando-se não só em danos materiais, mas, ainda, em danos morais, tal a significação da moralidade administrativa. Com o alinhamento feito, alcançadas algumas conclusões, indiscutível que o contrato em pauta, objeto da ação, não se compensou da melhor orientação dentro da conduta ética do administrador. Basta ver no histórico dos fatos – não estou analisando, mas valorando os fatos trazidos ao conhecimento – a inocuidade, o desvio, primeiro das atividades específicas das consorciadas, depois quanto à finalidade. Não importa se são duzentos mil dólares, duzentos e cinqüenta ou um real. O que importa é o ato. Este ato está sob o crivo do Poder Judiciário, quanto à sua constituição legal. Obviamente não posso dispensar-me, até por imposição do raciocínio lógico, de verificar as conseqüências desse ato e quem por elas ficará responsável; se a coletividade; se dois ou três submissos diretores de empresas consorciadas ou se os parceristas. Não. O interesse público chama à responsabilidade o

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ordenador. Por essa linha de pensar não pode ser escusado da responsabilidade o administrador público, pela salvaguarda de que serviços foram prestados, de que havia falta de petróleo no mercado internacional ou que o seu preço atingiria a economia da Nação. Não. Isso tudo é estranho e não são passaportes ou meios à impunidade e à responsabilidade civil e penal. A ofensa à moralidade, no caso, causou danos à administração, que devem ser recompostos porque foram desperdiçados recursos financeiros públicos aplicados onde não podiam ser aproveitados, segundo os depoimentos feitos contra o agente que violou a lei. É uma pálida homenagem, no meu entender, ao princípio da moralidade que integra a legalidade dos atos administrativos. Guiado por estas idéias, com o “garante” da moralidade administrativa, erigida como princípio constitucional, vinculada à indisponibilidade do interesse público – e aí está a chave para abrir a porta da responsabilização. Seja qual for a justificativa factual, circunstancial ou emergencial, o interesse público é indisponível, constituindo-se como bem jurídico, aqui ofendido. Para tanto, não há necessidade de se avaliar prova, de se examinar se os danos materiais ocorreram ou não. Sob o timbre de ato imoral logo, ilegal e lesivo -, os danos são presumidos. Os fatos foram postos. A petição está mal colocada? Pode estar. A sentença foi defeituosa? Pode ser. O acórdão inspira censuras? Talvez possa assim acontecer. Mas uma coisa não me foge do convencimento íntimo de julgador: no caso houve alquimia administrativa, por via oblíqua, com o fito de superar impedimentos de ordem legal quanto às fontes do financiamento. Não pode ser olvidado o comportamento sem ética administrativa. A ética é o comportamento dentro de princípios morais. E me fiz esta pergunta: o réu ou os réus estavam conscientes quando tomaram a decisão de desviar recursos para aquelas pesquisas, de que o interesse público estava sendo ferido? Poderão me responder: simplesmente exercitaram a discricionariedade e, como tal, o Judiciário não pode intervir, não pode avançar nenhum juízo quanto à conveniência ou inconveniência sobre a atividade administrativa. Não penso assim porque a discricionariedade não pode servir ao desvio de poder ou ao abuso de autoridade. Aqui, houve um desvio de poder, somado ao abuso de autoridade. Portanto, outra vez volto à afirmação fundamental do meu raciocínio: o ferimento à moralidade. Ocorre o vício da moralidade administrativa quando o agente público pratica ato administrativo, fundado no motivo inexistente, insuficiente, inadequado, incompatível e desproporcional. A discricionariedade, quanto ao ato materializado revela ato inexistente? Não é o caso. Ato insuficiente? Também não é o caso. Mas, isto sim, inadequado, incompatível e desproporcional, contrariando a moralidade. Assim sendo, gerou a responsabilidade. Não é sem razão, Senhores Ministros, à mão de argumentar, a existência da responsabilidade objetiva no § 6° do art. 37 da Constituição. Qual é a vertente desta responsabilidade objetiva? Quando o administrador, ofendendo o interesse público, aqui, pela via de ato lesivo, torturou a moralidade administrativa. Não importa indagar a culpa ou dolo, gerou a responsabilidade objetiva. Não vou fincar, no caso, que o administrador arcará com a responsabilidade objetiva, porque não é o caso. A ação é contra o administrador e não contra o Estado, que, no caso, é litisconsorte e

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aderiu porque entendeu que o ato trouxe danos materiais, tanto que revogou o ato inicial. Porém, não me renega que, se o ato administrativo é finalista e as finalidades do contrato apelidado de risco resultaram em danos concretos ou presumidos, existe a responsabilidade, porque lesivo ao interesse público. Enfim, em razão da finalidade do ato, tenho que o contrato, objeto circunscrito do pedido, ferindo a imoralidade, é ilegal. Reputa-se: se o ato, por ser imoral, não é legal, ele é lesivo; porque só o ato legal não é lesivo, devendo ser reparado.) Demais, nada impede que, em liquidação de sentença, realize-se a prova da extensão dos danos e da composição reparadora in pecunia. Senhor Ministro Ari Pargendler, Presidente do julgamento, vencidas as preliminares, às quais aditei algumas considerações, em conclusão, voto provendo o recurso, reconhecendo a responsabilidade das partes passivas quanto aos danos materiais, que deverão ser apurados na liquidação, solução que, inclusive, afasta qualquer crítica de que eu tenha necessitado de prova; não me vinculei à prova dos danos, cujo exame acontecerá na liquidação. Apenas, entendo que houve a lesividade, que deverá ser reparada conforme os danos a serem apurados. Portanto, na conclusão, acompanho o Relator, nos termos do meu voto". Os Ministros Ari Pargendler e Adhemar Maciel ficaram vencidos. Não desconheço o peso da corrente doutrinária, seguida por parte da jurisprudência, que exige, mesmo depois da CF de 1988, a prova evidente da lesividade ao lado da ilegalidade como pressuposto de procedência do pedido de ação popular. Nessa linha de pensar estão razões desenvolvidas pela parte embargante (fls. 1.638/1.642): "62. Forçoso é, pois, concluir da análise mais detida do julgado embargado que ele prescindiu de exigir do autor popular, na versão inicial que acabou aceitando, a comprovação da lesividade patrimonial do ato impugnado e, até mesmo, do outro requisito da ilegalidade. De fato, nem poderia haver ilegalidade na alegada desconformidade do contrato impugnado com a não comprovada minuta básica, nem a imprescindível lesividade patrimonial – contrariamente ao que sempre sustentou o autor – poderia estar na presumida impossibilidade de encontrar petróleo na Bacia do Paraná. 63. O v. acórdão embargado, virtualmente dispensando o autor de demonstrar na versão inicial, a qual afirmou haver acolhido, o requisito da ilegalidade e, mais claramente ainda, o da lesividade patrimonial, justifica plenamente estes embargos face ao dissídio evidente com os seguintes acórdãos (os dois primeiros da 1ª Turma e o último da 2ª embora esta última com composição diversa da que julgou os sucessivos embargos de declaratórios): a) REsp 250.593, de 13.6.2000, relator o eminente Ministro GARCIA VIEIRA: “PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO POPULAR – LESIVIDADE PROVA - NECESSIDADE. Na propositura da ação popular, não basta a afirmativa de ser o ato ilegal, é necessária a prova da lesividade. Recurso provido”. b) RESp 111.527, de 17.2.98, do mesmo relator: “AÇÃO POPULAR - LESIVIDADE - ILEGALIDADE.

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Para ensejar a propositura de ação popular, não basta ser o ato ilegal, deve ser ele lesivo ao patrimônio público. Recursos improvidos”. c) REsp 100.237, de 3.4.97, relator o eminente Ministro ARI PARGENDLER: “PROCESSO CIVIL. AÇÃO POPULAR. LIMITES DO JULGAMENTO. O exame judicial dos atos administrativos se dá sob o ponto de vista da respectiva legalidade e de sua eventual lesividade ao patrimônio público (Lei n° 4.717, de 1997, art. 2°), ou simplesmente da legalidade nos casos em que o prejuízo ao patrimônio público é presumido (Lei n° 4.717, de 1965, art. 4º); o julgamento sob o ângulo da conveniência do ato administrativo usurpa competência da Administração. Recurso especial conhecido e provido”. 64. Para não incidir na censura de transcrever simples ementas, que possam não refletir a exata doutrina assentada pelos julgados paradigmas, o embargante reproduz adiante dois trechos dos acima citados, que evidenciam, à saciedade, o dissídio de teses jurídicas, a saber: a) do douto voto do eminente Ministro GARCIA VIEIRA no REsp 250.593 leia-se esta passagem: “Pretende a autora sejam anuladas as Concorrências n°s. 02/93, 03/93 e 04/93 que têm como objeto a urbanização de favelas e assentamentos urbanos de baixa renda do Município de São Paulo, sustentando que os editais não obedeceram ao disposto na Lei n° 8.666/93 e na Lei Municipal n° 10.544/88. O MM Juiz singular, em sua respeitável sentença de fls. 150/155, indeferiu a inicial e julgou extinto o processo sem apreciar o mérito, porque a autora não informou qual é a lesão sofrida pelo patrimônio público. De fato, não basta afirmar que os atos atacados são ilegais. É preciso dizer que eles são lesivos e não se fez nenhuma prova de sua lesividade aos cofres públicos. No Recurso Especial n°. 111.527-DF, julgado no dia 17/02/98, do qual fui relator, entendeu esta Egrégia Turma que: “Para ensejar a propositura de ação popular, não basta ser o ato ilegal, deve ser ele lesivo ao patrimônio público”. A Constituição Federal (artigo 5º inciso LXXIII) deixa claro que qualquer lesivo ao patrimônio público. Também o artigo 1º da Lei n° 4.717/65 prevê a anulação de ato lesivo. A questão já é conhecida do Superior Tribunal de Justiça que exige a prova da lesividade do ato impugnado para a propositura da ação popular, sendo insuficiente a sua ilegalidade. Nesse sentido, os Recursos Especiais n°s. 115.463-0-RS, Peçanha Martins; 94.244-RS, DJ de 01/02/99, relator Ministro Edson Vidigal e 213.994-MG, DJ de 27/09/99, do qual fui relator. Assim sendo, Dou provimento ao recurso para reformar o venerando acórdão recorrido e restabelecer a sentença de fls. 150/155”. b) o eminente Ministro ARI PARGENDLER no REsp 100.237 assim exprimiu seu douto voto: “Nos casos do artigo 2°, da Lei n° 4.717, de 1965, vale dizer, os de nulidade em razão de incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade, a lesão ao patrimônio público constitui requisito concorrente para a procedência de demanda e deve ser provada pelo autor da ação; essa lesão é presumida nas hipóteses

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enumeradas no artigo 4°. Aqui, anulou-se o edital de tomada de preços por vício de forma (artigo 2°, II), sem que fosse reconhecida lesão ao patrimônio público. Pelo contrário, a sentença de 1º grau, confirmada pelo acórdão recorrido, afastou, incisivamente, a concorrência de lesão ao patrimônio público, in verbis: “A lesividade quanto aos opcionais exigido na Tomada de Preços afirmada pelo autor não merece guarida, pois, como bem referiu o representante do Ministério Público, hoje vidros elétricos são comuns em automóveis não populares, a direção hidráulica é um equipamento de segurança relevante para o veículo que viaja muito em estradas de diversas qualidades, quase sempre em péssimo estado, e o ar condicionado, em especial nesta região da fronteira, onde o calor é implacável e a totalidade das estradas municipais e vicinais são de chão batido, um opcional de relevante importância” (fl. 55). Sobre contrariar o artigo 2º da Lei nº 4.717, de 1965, que exige, ademais da ilegalidade do ato, a lesividade ao patrimônio público, a declaração da nulidade do edital de tomada de preços foi equivocada, porque o artigo 40 da Lei n° 8.666, de 1993, não prevê seja nele indicada a rubrica orçamentária a cuja conta correrá a despesa. Desconsiderando isso, o processo teve um desfecho inusitado: o Prefeito foi condenado a restituir aos cofres municipais, com juros e correção monetária, o preço que o Município de São Borja pagou pelo veículo, sem embargo de que, mantido o negócio de compra e venda, o veículo siga integrado no patrimônio municipal e servindo a finalidade pública. Extrapolou-se, na verdade, os limites da ação popular, restrita ao exame da legalidade e lesividade dos atos administrativos; a rubrica orçamentária era específica para a compra de veículos, não constituindo desvio de finalidade o uso pelo Prefeito de caminhonete assim adquirida, porque - presume-se - a atividade deste também aproveita aos interesses da Secretaria Municipal de Educação. A conveniência – este o termo próprio – de tal procedimento não pode ser julgada pelo Judiciário, porque resulta de juízo político, ao qual inadvertidamente sucumbiu a sentença de 1° grau, in verbis: “Além da ilegalidade do ato, o mesmo é imoral, visto que utilizada uma verba orçamentária destinada à educação para gasto do Gabinete do Prefeito. Certamente se a dotação previa compra de veículos para a educação é porque se faz necessário mais veículos para bem administrar a área educacional do município. O desvio de verbas era prática comum dos administradores e a legislação hodierna visa coibir esta prática, justamente para que a dotação orçamentária seja utilizada na sua finalidade. É lastimável o descaso com que os administradores tem enfrentado os problemas da educação, de há muito relegada a último plano e, mais recentemente, suprida de alguns bens materiais, como se estes fossem motivar alunos e professores a dedicarem-se com afinco na atividade educacional, única mola propulsora eficaz deste país. Agora, mais um exemplo desta descúria, vindo do próprio Chefe do Poder Executivo, demonstrando assim a efetiva despreocupação da administração municipal com a educação de seu povo” (fl. 56). Registre-se, por fim, que havia verba orçamentária suficiente para a aquisição (Cr$ 20.000.000,00, do orçamento (fl. 37) + Cr$ 40.000.000,00

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de crédito suplementar – fl. 34). Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de lhe dar provimento para julgar improcedente a ação”. 65. Basta cotejar o julgado embargado com os lúcidos ensinamentos dos padrões acima reproduzidos para concluir que existe entre eles irredutível antinomia, pois, enquanto os padrões clamam pela presença da lesão patrimonial o acórdão embargado, dispensando-a, se contenta com a simples lesão à moralidade administrativa, que poderia ser bastante sob o regime instaurado em 1988, mas não é suficiente sob a Carta de 69, que não prescindia da comprovação da lesividade patrimonial, como se depreende dos arestos confrontados. 66. Como tal comprovação jamais existiu em relação aos fatos articulados na versão inicial, a doutrina dos padrões, além de autorizar estes embargos, há de conduzir à inteira improcedência desta ação popular". Com todo o respeito a essas manifestações, convencido estou, contudo, de que a força do postulado da moralidade administrativa, em qualquer fase da evolução do Direito Constitucional legislado, alcançando, assim, os atos administrativos praticados na vigência da Carta de 1967/69, conduz o intérprete a considerar que o ato ilegal, por si só, possui forte carga de lesividade patrimonial. exagerado cunho promocional e precipitada iniciação sem comprovação de êxito. O acórdão embargado constatou, de modo irrespondível, a desmedida desproporcionalidade e irrazoabilidade com que os atos administrativos foram praticados, sem qualquer consideração com a aplicação do dinheiro público que, por imperativo legal, não pode ser usado sem expressa autorização legislativa para consumação de contratos de potencializado risco. No campo das razões doutrinárias e jurisprudenciais, merecem, também, destaque as razões apresentadas pela parte embargada, fls. 1.821/1.825, pelo que passo a transcrevê-las: “Com relação à prova da lesividade, que os acórdãos paradigmas a querem de maneira pré-constituída, o mesmo tratadista observa que na ação popular a posição do juiz não é a mesma do processo civil em geral, observando que “na ação popular como bem observado por José Manuel Arruda Alvim, o juiz se coloca 'numa posição mais envergadamente inquisitória', acrescentando Péricles Prade que nessa ação ocorre 'uma substancial mudança no tradicional comportamento do Juiz no tocante à aferição da prova, tudo para melhor proteção do interesse da coletividade e do patrimônio público lesado', isto porque, “no processo da ação popular, porém, de um lado lobrigam-se questões de ordem pública e, de outro, o interesse que está em lide é o interesse público , dado que o autor não está ali sustentando posição jurídica própria, mas agindo como um alter ego da sociedade. Daí que a postura do juiz nessa ação resulta especial , aproximando-se do Juiz de instrucão , existente, v.g., no ordenamento italiano” (op. cit. págs. 202/203). Daí dizer Péricles Prade: a prova visa fundamentalmente à existência da lesividade , sem prejuízo da ocorrência da ilegalidade (op. cit. pág. 216). Assim, para se comprovar o requisito da lesividade ao patrimônio público, são admitidos todos os meios de prova no curso do processo, inclusive as que forem produzidas por terceiros, como o foi pela Fazenda do Estado juntando o Convênio e seus aditivos firmados entre o Estado de São Paulo e

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o Consórcio Paulipetro, pelo qual repassou a este quantia hoje estimada em R$ 3 bilhões, inclusive “indícios e presunções”, até porque, “cuidando-se de ação fundada no interesse público, avulta o ônus que recai sobre os cidadãos, em geral, de colaborarem na perquirição da verdade real, investigada na ação, dando ao autor popular ou ao promotor de justiça oficiante notícia do que souberem e que seja relevante ao esclarecimento dos fatos, ou até mesmo requerendo sua intervenção na lide” (op. cit. pág. 221). Demonstra-se, assim, que a exigência, a priori da prova da lesividade do ato ilegal impugnado é, data venia, iníqua, uma vez que contraria os princípios básicos da ação popular constitucional, inviabilizando o seu exercício pelo cidadão em defesa do patrimônio comum do povo. Milton Flaks, observa que “antes mesmo de promulgada a vigente Carta, o STF orientou-se no sentido de que para o cabimento da ação popular basta a demonstração da nulidade do ato, dispensada a da lesividade, que se presume (RTJ 118, pág. 717 e 129, pág. 1.339”. (“Instrumentos Processuais de Defesa Coletiva”, RF 320, pág. 34). Como observa também Luís Roberto Barroso, “ultimamente, a jurisprudência tem se orientado no sentido de que bastaria a demonstração da ilegalidade, dispensada a da lesividade, que se presume” (“Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política” , Ação popular e ação civil pública. Aspectos comuns e distintivos. Jul-set. 1993, n. 4, pág. 236). Theotonio Negrão, anota no rodapé do artigo 1° da Lei n. 4.717/65, que “na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato praticado (RTJ 153/1.022 e STF-JTJ 167/277). Para outro acórdão bem fundamentado, comumente a lesividade decorre da ilegalidade. Ela está in re ipsa (RJTJESP; citação da p. 372)”. Com efeito, o Colendo Supremo Tribunal Federal, já decidiu por várias vezes em sentido diametralmente oposto à conclusão dos acórdãos paradigmas, como no RE 113729/RJ, julgando que “o entendimento de que, para o cabimento da ação popular, basta a demonstração da nulidade do ato administrativo não viola o disposto no artigo 153, parágrafo 31, da Constituição, nem nega vigência aos arts. 1°. e 2°. da Lei 4717/65, como já decidiu esta Corte ao julgar caso análogo (RE 105520)” (STF, Primeira Turma, RE 113729/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, j. 14/03/1989, DJ 25/08/89, pág. 13558). E mais: “AÇÃO POPULAR - PROCEDÊNCIA - PRESSUPOSTOS. Na maioria das vezes, a lesividade ao erário público decorre da própria ilegalidade do ato impugnado. Assim o é quando dá-se a contratação por município, de serviços que poderiam ser prestados por servidores, sem a feitura de licitação e sem que o ato administrativo tenha sido precedido da necessária justificativa”. (STF, Segunda Turma, RE 160381/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/03/1994, DJ 12/08/94, pág. 20052). “AÇÃO POPULAR. ABERTURA DE CONTA EM NOME DE PARTICULAR PARA MOVIMENTAR RECURSOS PÚBLICOS. PATRIMÔNIO MATERIAL DO PODER PÚBLICO. MORALIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 5°, INC. LXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O entendimento sufragado pelo acórdão recorrido no sentido de que, para

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cabimento da ação popular, basta a ilegalidade do ato administrativo a invalidar, por contrariar normas específicas que regem a sua prática ou por se desviar dos princípios que norteiam a Administração Pública, dispensável a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, não é ofensivo ao inc. LXXIII do art. 5°. da Constituição Federal, norma esta que abarca não só o patrimônio material do Poder Público, como também o patrimônio moral, o cultural e o histórico. As premissas fáticas assentadas pelo acórdão recorrido não cabem ser apreciadas nesta Instância extraordinária à vista dos limites do apelo, que não admite o exame de fatos e provas e nem, tampouco, o de legislação infraconstitucional' (STF, Primeira Turma, RE 170768/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 26/03/1999, DJ 13/08/99, pág. 00016). “CONSTITUCIONAL. AÇÃO POPULAR. VEREADORES. REMUNERAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQUENTE. C.F., ART. 5º, LXXIII; ART. 29, V. PATRIMÔNIO MATERIAL DO PODER PÚBLICO. MORALIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO. 1 – A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subseqüente. C.F., art. 29, V. Fixando os Vereadores a sua própria remuneração, vale dizer, fixando essa remuneração para viger na própria legislatura, pratica ato inconstitucional lesivo não só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidade administrativa, que constitui patrimônio moral da sociedade. C.F. art. 5º, LXXIII. II – Ação popular julgada procedente. III– R.E. não conhecido”. (STF, Segunda Turma, RE 206889/MG, ReI. Mm. Carlos Velloso, j. 25/03/1 997, DJ 13/06/97, pág. 26718). “A ação direta de inconstitucionalidade não constitui sucedâneo da ação popular constitucional, destinada, esta sim, a preservar, em função de seu amplo espectro de atuação jurídico-processual, a intangibilidade do patrimônio público e a integridade do princípio da moralidade administrativa (CF, art. 5°. , LXXIII)”. (STF, ADIMC-769/MA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, j. 22/04/1 993, DJ 08/04/94, pág. 07224). O que se dizer então de ato de administrador público, que resolve colocar o Tesouro do Estado de São Paulo a serviço de uma aventura megalômana e irresponsável, e retira do erário sem qualquer resultado a importância de Cr$ 190 bilhões a preços de abril de 1983 assinando contrato com a Petrobrás através de um Consórcio ilegal de empresas estatais, dentre outros motivos porque não tinham dentre seus objetivos sociais a pesquisa e lavra de petróleo que se tratava de atividade monopolizada da União, contrato este “nulo de pleno direito (...) porquanto negócio premeditado , engendrado e afinal realizado pelo Estado de São Paulo visando a exploração de petróleo na Bacia do Paraná, e que lhe deu colossal prejuízo sobre ter sido efetivado com evidente atentado à moralidade administrativa , decorre de ato administrativo, em que falta, um a um, todos os elementos para a sua caracterização, já que praticado a) com desvio de finalidade b) adotando forma imprópria , pois não prevista em lei; c) praticado por agente incapaz d) sem competência e) faltando ainda o consentimento do Estado

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visto só ser tido como tal quando manifestado nos limites estabelecidos pela lei”???. Tão graves as conseqüências desse ato, que até hoje o Estado de São Paulo ainda vem suportando os prejuízos causados em conseqüência da extinção do malfadado Consórcio, pagando indenizações vultosas a terceiros em razão da rescisão dos subcontratos de prestação de serviços, fato que impediu, inclusive, a privatização da CESP – Companhia Energética de São Paulo que integrava o Consórcio, como o demonstram os autos do Protesto Contra Alienação de Bens em anexo”. Isso posto, conheço, porém, rejeito os embargos. É como voto.