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    COMISSO PARA A IGUALDADE NO TRABALHO E NO EMPREGO

    A VIDA FAMILIAR

    NO MASCULINO

    Negociando velhase novas masculinidades

    ESTUDOS 6

    Coordenao Karin Wall

    Sofia Aboim

    Vanessa Cunha

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    COMISSO PARA A IGUALDADE NO TRABALHO E NO EMPREGO

    Ttulo: A Vida Familiar no Masculino: Negociando Velhas e Novas Masculinidades

    Coleco: Estudos

    Coordenao: Karin WallSofia AboimVanessa Cunha

    Edio: Comisso para a Igualdade no Trabalho e no EmpregoRua Viriato, n. 7 1., 2.o e 3.o 1050-233 LISBOATel.: 217 803 700 Fax: 213 104 661E-mail: [email protected] Stio: www.cite.gov.pt

    Execuo grfica: Editorial do Ministrio da Educao

    ISBN: 978-972-8399-45-0

    Lisboa, 2010

    O contedo desta publicao no reflecte necessariamente a posio ou opinio da Comisso para a Igualdadeno Trabalho e no Emprego.

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    NDICE GERAL

    ndice de quadros e grficos ............................................................... 5Notas sobre as autoras ........................................................................ 7

    Agradecimentos ................................................................................... 9

    INTRODUO ................................................................................... 11

    PARTE I

    ESTADO, FAMLIA E TRABALHO: DO GANHA-PO

    MASCULINO AO DUPLO EMPREGO NO CASAL ..................... 37Cap. 1 Gnero, famlia e mudana em Portugal ........................... 39

    Sofia Aboim

    Cap. 2 Os homens e a poltica de famlia ....................................... 67Karin Wall

    PARTE II

    HOMENS ENTRE O TRABALHO E A FAMLIA......................... 95

    Cap. 3 A conciliao entre a vida profissional e a vida familiarem casais com filhos: Perspectivas masculinas ................. 97Karin Wall

    Cap. 4 A articulao famlia-trabalho em famliasmonoparentais masculinas .................................................. 129Snia Vladimira Correia

    PARTE III

    VIDA CONJUGAL E IDENTIDADES MASCULINAS ................. 157

    Cap. 5 Conjugalidades no masculino: Renegociando poderese identidades no quotidiano ................................................ 159Sofia Aboim

    Cap. 6 Os discursos de gnero: Mudana e continuidadenas narrativas sobre diferenas, semelhanase (des)igualdade entre mulheres e homens ........................ 225Maria do Mar Pereira

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    PARTE IV

    CONSTRUINDO A PATERNIDADE................................................ 263

    Cap. 7 Projectos de paternidade e a construoda fecundidade conjugal ....................................................... 265Vanessa Cunha

    Cap. 8 Perfis de paternidade no Portugal contemporneo ........... 313Karin Wall, Sofia Aboim e Sofia Marinho

    PARTE V

    PARENTALIDADE MASCULINA NO PS-DIVRCIO

    E NA RECOMPOSIO FAMILIAR................................................ 333Cap. 9 Ser pai na residncia alternada: Dinmicas, trajectos e

    contextos da paternidade ..................................................... 335Sofia Marinho

    Cap. 10 O lugar do padrasto no quotidiano familiar .......................... 397Susana Atalaia

    CONCLUSES: Negociando velhas e novas masculinidades ........ 457Karin Wall, Sofia Aboim e Vanessa Cunha

    Referncias bibliogrficas................................................................... 473

    Anexo I Apresentao dos entrevistados ........................................ 501

    Anexo II Guio de entrevista........................................................... 511

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    NDICE DE QUADROS E GRFICOS

    QUADROS

    I.1 Tipos de Famlia.......................................................................... 25I.2 Tempo biogrfico e familiar .................................................... 27I.3 Percurso conjugal........................................................................ 29I.4 Percurso parental......................................................................... 30I.5 Caracterizao socioeconmica.................................................. 321.1 Evoluo da escolaridade e taxa de actividade, 1981-2008........ 431.2 Remunerao mdia mensal de base, no Continente, por sexo

    Unidade: ................................................................................... 431.3 Populao empregada por sexo e profisso, Portugal 2008........ 441.4 Trajectria profissional da mulher e do homem em casais com

    filhos em idade escolar................................................................ 451.5 Formas de diviso do trabalho profissional em casais entre os

    20 e os 49 anos, em que pelo menos um dos parceiros estempregado (% de casais) ............................................................ 49

    1.6 Proporo de trabalho realizado sempre ou muitas vezes porcada pessoa/grupo de pessoas por tipo de tarefa actualmente

    (n=1776)...................................................................................... 511.7. Proporo de cuidados aos filhos realizado sempre ou muitas

    vezes por cada pessoa/grupo de pessoas por tipo de cuidadoactualmente (n=1776) ................................................................. 52

    1.8 Formas de diviso do trabalho domstico (n=1776)................... 541.9 Nmero de horas semanais dedicadas s tarefas domsticas em

    casais dos 18 aos 65 anos............................................................ 571.10 Padres de diviso do trabalho em casais dos 18 aos 65 anos,

    por pas........................................................................................ 59

    1.11 Atitudes face diviso do trabalho, Portugal (n=1092) ............. 621.12 Atitudes dos homens relativamente aos papis masculinos na

    vida familiar e profissional ......................................................... 652.1 Licenas no masculino (1984-2009)........................................... 852.2 Gozo das licenas em nmeros absolutos, ndice sinttico de

    fecundidade e nmero de nascimentos (2000-2008) .................... 877.1 Distribuio percentual de homens e mulheres pela existncia

    ou no de filhos e pelo nmero mdio de filhos, segundo ogrupo etrio Portugal, 1997...................................................... 269

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    7.2 Distribuio percentual de homens e mulheres (fecundas e nogrvidas) em casal, por ltimo mtodo contraceptivo utilizadodurante pelo menos 3 meses Portugal, 1997............................ 271

    7.3 Distribuio percentual de homens e mulheres por nmero mximode filhos desejados, segundo o grupo etrio Portugal, 1997.......... 272

    7.4 Distribuio percentual de homens e mulheres, por opiniessobre ter filhos e grau de concordncia ou importncia Portugal, 1997............................................................................ 273

    7.5 Distribuio percentual de homens e mulheres pelas razes parano terem realizado o projecto de fecundidade que tinham porvolta dos 20 anos Portugal, 2001 ................................................ 275

    7.6 Idade mdia ao nascimento (IMN), proporo da fecundidade

    realizada at aos 30 anos (PFR 30) e ndice sinttico defecundidade (ISF) de homens e mulheres, segundo aeducao Portugal, 2000/01........................................................ 276

    7.7 Quadro-sntese dos projectos de paternidade e da construoda fecundidade conjugal (perfis)................................................. 312

    8.1 Quadro-resumo do funcionamento familiar e das formas depaternidade.................................................................................. 332

    10.1 Quadro-resumo das dimenses de anlise, subdimenses evariveis ...................................................................................... 400

    10.2 Quadro-resumo das lgicas de construo da relaopadrasto-enteado ......................................................................... 453

    GRFICOS

    1.1 Taxa de emprego na populao entre 15-64 anos, 2005 ............. 411.2 Mulheres a trabalhar a tempo parcial (%), 2005......................... 46

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    NOTAS SOBRE AS AUTORAS

    Karin Wall

    Sociloga, Investigadora Principal do ICS-UL. doutorada em Sociologia pela Universidade de Genebra (Faculdade de Cincias Econmicas eSociais). Entre 1980 e 2001 foi docente do Instituto Superior de Cincias doTrabalho e da Empresa (ISCTE-IUL). Entre 1994 e 2004 foi membro doEuropean Observatory on National Family Policies da Comisso Europeia.Actualmente, coordena o programa de investigao sobre famlias, estilosde vida e escolaridade no ICS-UL, membro do Committee of Experts onSocial Policy for Families and Children e membro da International Networkon Leave Policy and Research. Tem desenvolvido diversas pesquisas dembito nacional e internacional na rea da sociologia da famlia e daspolticas sociais. As suas reas de interesse incluem evoluo demogrficae mudanas nas estruturas da famlia contempornea; interaces familiarese redes sociais; gnero e famlia; polticas de famlia na Europa; mulherese famlias imigrantes.

    Maria do Mar Pereira

    Doutoranda no Gender Institute da London School of Economics, com umatese sobre a institucionalizao dos Estudos de Gnero em Portugal. Formadaem Sociologia (ISCTE-IUL), tem realizado e publicado investigao sobreepistemologia e metodologia feministas, negociao do gnero entre jovens,narrativas de homens sobre gnero e (des)igualdade, e questes de traduona investigao em cincias sociais.

    Sofia Aboim

    Sociloga, doutorada em Sociologia pelo ISCTE-IUL (2004). Licenciou-seem Sociologia no ISCTE-IULem 1995 e fez o Mestrado em 2000 no ICS-UL.Tem trabalhado desde 1997 no ICS-UL, onde actualmente InvestigadoraAuxiliar, desenvolvendo investigao sobre famlia e mudana social,trajectrias e interaces conjugais, relaes e identidades de gnero,sexualidade, curso de vida e processos de modernizao social. Tempublicado livros e artigos sobre estas temticas em revistas nacionais eestrangeiras. Coordena actualmente projectos de investigao na rea dafamlia e do gnero.

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    Sofia Pappmikail Marinho

    Sociloga, licenciada em Sociologia (2000, ISCTE-IUL) e doutoranda doICS-UL. Recentemente tem-se dedicado ao estudo da paternidade, dasfamlias e do gnero, colaborado em projectos do ICS-UL e publicadonestas reas.

    Snia Vladimira Correia

    Sociloga, mestre em Cincias Sociais (2004, ICS-UL), doutoranda nomesmo Instituto. Tem vindo a desenvolver investigao sobre conciliaotrabalho-famlia, famlias monoparentais, polticas de apoio famlia epobreza. As suas reas de interesse tambm incluem gnero e polticas

    familiares na Europa.

    Susana Atalaia

    Sociloga, licenciada em Sociologia (2003, ISCTE-IUL) e doutoranda doICS-UL, onde tem colaborado em projectos na rea da sociologia dafamlia. Actualmente desenvolve investigao na rea da parentalidade emcontexto de recomposio familiar.

    Vanessa Cunha

    Sociloga, Investigadora Auxiliar do ICS-UL, doutorou-se no ISCTE-IULem 2006 com uma tese sobre o lugar dos filhos nas famlias portuguesas.Desde 1997 que se dedica s questes da famlia, da fecundidade e da parentalidade. Actualmente, encontra-se a desenvolver duas linhas depesquisa em simultneo: a anlise da fecundidade de homens e mulheresportugueses de diferentes geraes; e a investigao dos processos denegociao e construo conjugal das descendncias de filho nico, traoque caracteriza a fecundidade portuguesa contempornea.

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    AGRADECIMENTOS

    Este livro sintetiza os resultados do projectoA Produo da Vida Familiarno Masculino: Novos Papis, Novas Identidades, que decorreu entre 2004e 2007 e foi financiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia(Projecto de Investigao no Domnio das Relaes Sociais de Gnero edas Polticas para a Igualdade entre Mulheres e Homens em Portugal PIHM/SOC/49749/2003).

    Gostaramos de agradecer ao Instituto de Cincias Sociais da Universidadede Lisboa o apoio material e logstico e Comisso para a Igualdade no

    Trabalho e no Emprego o entusiasmo com que acolheu o nosso estudo e oapoio financeiro que nos deu para a publicao deste livro.

    Agradecemos ainda aos homens entrevistados. A sua confiana e os seustestemunhos tornaram possvel aceder a um universo, diverso e complexo,de prticas e representaes pessoais relativas a domnios resguardados davida familiar e privada. No poderamos deixar de manifestar aqui a nossaenorme gratido.

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    INTRODUO

    O livro que agora se apresenta constitui o resultado de vrios anos deinvestigao sobre a vida familiar no masculino. Os principais objectivoseram o de observar a diversidade social nas formas de ser homem nafamlia, bem como o de identificar as principais tendncias de mudana nasrelaes sociais de gnero na sociedade portuguesa contempornea.Procurando encontrar respostas para interrogaes ainda pouco pesquisadaspela sociologia em Portugal, tentou-se dar voz aos homens, protagonistasainda pouco conhecidos da vida familiar e, de uma forma mais geral,compreender as transformaes operadas nas prticas, nos valores e nas

    identidades masculinas. Embora j bem conhecidas no meio acadmico etambm pelo pblico em geral, as desigualdades de gnero produzidas nafamlia necessitavam de uma anlise mais aprofundada que contabilizasseo ponto de vista dos homens.

    Temas to actuais e controversos como a diviso sexual do trabalho e aevoluo das polticas de famlia, as relaes conjugais e as novas formasde paternidade, a desigualdade de poderes e a expresso dos afectos, asdinmicas de recomposio e as novas trajectrias masculinas na famlia

    (como ser pai-s ou padrasto), as tenses sentidas pelos homens entre afamlia e o trabalho ou entre referncias mltiplas de masculinidade, fazemparte deste livro, sendo abordados ao longo dos vrios captulos que ocompem. Cada um destes captulos reflecte a vontade de romper comideias pr-concebidas sobre o papel dos homens na vida familiar,mostrando, antes, o retrato complexo e diversificado que emergiu daobservao intensiva das prticas e das trajectrias, ou dos valores e dasidentidades dos homens que entrevistmos entre 2004 e 2005. Atravs dasnarrativas de homens, todos eles pais ou padrastos, a viver em casal e em

    situaes de monoparentalidade, descobrimos, afinal, formas plurais de sercnjuge e pai, no entrecruzamento de velhas e novas masculinidades.

    Com efeito, procurmos, antes de mais, investigar a diversidade. Para isso,seleccionmos partida homens com diferentes trajectrias familiares,marcadas por transies tambm elas diversas. Neste panorama, foi afinal nodomnio da parentalidade que ancormos esse primeiro critrio dediferenciao na construo da pesquisa: os homens entrevistados so pais emcasal uns, so pais-ss outros, e so padrastos outros ainda. O centramento na

    paternidade como elemento vital das trajectrias familiares dos homenstrouxe para a investigao temas fundamentais na problematizao da

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    condio masculina nas sociedades ocidentais contemporneas. A multiplicaode estudos focados na relao pai-filhos tem vindo a reflectir mudanas profundas nos lugares dos homens na famlia e sinaliza, como refere

    Therborn (2004), a centralidade das dinmicas de paternidade nareconstruo das relaes de gnero na vida familiar. muitas vezes atravsda criana, enquanto portadora de uma nova instrumentalidade para oshomens e a identidade masculina, que vemos despontar os primeiros sinaisda mudana. Foi tambm esta a perspectiva que nos guiou. Todavia, oretrato diversificado que procurmos construir no est completo, o queconstitui, apesar de tudo, uma limitao da pesquisa. Nesta investigaoficaram de fora, por exemplo, os pais homossexuais, visto termosrestringido a amostra a homens heterossexuais. Questo cada vez mais

    importante na arena dos debates pblicos, o estudo da paternidade entrehomens homossexuais constitui, por conseguinte, uma lacuna neste livro no podemos deixar de o frisar , mas tambm, simultaneamente, umdesafio para futuras pesquisas na sociedade portuguesa.

    Os objectivos da investigao:Famlia egnero em perspectiva

    Face s transformaes ocorridas em Portugal ao longo das ltimas dcadas,

    procurmos assim investigar o lugar que os homens ocupam hoje nouniverso familiar, tentando perceber at que ponto a crescente entrada dasmulheres no mercado de trabalho, e na esfera pblica em geral, teve comocontraponto um movimento de entrada dos homens no mundo privado dafamlia. Procurmos, no fundo, saber at que ponto as mudanas naorganizao da vida privada alteraram o regime de gnero produzido nafamlia, redefinindo a balana das desigualdades entre homens e mulheres.Atravs da anlise das prticas e das orientaes normativas masculinasrelativas conciliao entre obrigaes familiares e vida profissional,

    construo do papel parental ou ainda referentes diviso sexual do podere dos recursos materiais na conjugalidade tentmos saber e esse foi umdos grandes objectivos da investigao de que formas as mudanasoperadas ao nvel macrossocial tiveram impacto nas prticas e nasorientaes masculinas construdas, ao longo do tempo, no seio da vidafamiliar.

    A avaliao das referncias de construo da identidade masculinaconstituiu uma segunda dimenso-chave da investigao. Pretendamos

    saber se, face s mudanas que tm transformado as relaes de gnero e olugar da mulher na sociedade portuguesa, comeam tambm a vislumbrar-se

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    novas formas de ser no masculino, fragmentando a ideia de umamasculinidade hegemnica (Connell, 1995; Almeida, 1995), a favor damultiplicidade de identidades sociais de gnero. Saber em que contextos

    sociais e em que situaes familiares especficas se encontram as principaismudanas face a um modelo de masculinidade tradicional (sustentado pelafigura do ganha-po e pela autoridade na famlia), , assim, uma questocentral, que beneficiou de uma perspectiva de gnero enquadrada pelarealidade familiar, juntando duas abordagens nem sempre justapostas nainvestigao sociolgica: referimo-nos perspectiva de gnero e perspectiva da sociologia da famlia.

    Propomos afinal um encontro de saberes, ao sustentarmos que ao longo da

    trajectria familiar (obviamente ancorada em contextos e estruturas sociaisparticulares) que se (re)produzem determinadas prticas e identidades degnero. A famlia uma instncia primordial de incorporao e reproduodo gnero, materializado em determinados papis e vises do mundo, margem da qual dificilmente se conseguir obter uma perspectiva ampla dasmutaes que ocorrem nas relaes entre homens e mulheres e, de formamais particular, nas formas de construir o lugar do homem na famlia.

    Em terceiro lugar, em consonncia com a nfase na diversidade de

    trajectrias familiares, vale a pena reiterar a importncia dos percursos devida. A par de variveis estruturais como a classe social ou a gerao,entendemos que as prticas, os valores e as identidades se vo reconstruindoao longo da biografia. Entrar na conjugalidade, ser pai, divorciar-se, voltara reconstruir uma famlia, constituem momentos-chave da vida familiarcontempornea, cujo impacto sobre os indivduos implica, no raras vezes,uma verdadeira redefinio de si. Assim, a nfase nos diferentes tipos detrajectria conjugal e familiar (quando e como se entrou na conjugalidadee na parentalidade, como se saiu da primeira conjugalidade, se viveu a

    experincia de ser pai-s, de ser padrasto), ao constituir o critrio principal de construo da amostra de homens entrevistados, visouigualmente compreender, de forma aprofundada, os padres de construoda vida familiar, bem como as diferentes perspectivas masculinas sobreesses processos. D-se um estatuto metodolgico activo configurao dediferentes quadros de paternidade. Compara-se a actuao do homem noschamados novos tipos de famlias (famlias monoparentais masculinas efamlias recompostas) e em famlias nucleares clssicas (casais com filhoscomuns). Alm disso, atravs deste enfoque nos cursos de vida

    masculinos avalia-se, por um lado, a diversificao das trajectriasconjugais e a emergncia de novos tipos de famlia, e, por outro, o

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    impacto das biografias individuais sobre as restantes dimenses do lugardo homem na famlia.

    Um quarto aspecto a salientar prende-se, como anteriormente referimos, coma importncia concedida s questes relacionadas com a paternidade (v., porexemplo, Hobson, 2002; Hayhood e Mac an Ghaill, 2003; Bjrnberg e Kollind,1996; Brandth e Kvande, 1998; Lupton e Barclay, 1997, Doucet, 2006, entreoutros). Investigar as diferentes formas de ser pai constituiu, desde oincio, uma outra grande dimenso desta investigao, que se traduziu numquestionamento aprofundado sobre tpicos tais como: a participao masculinanos cuidados aos filhos e a preocupao com a justia em relao me dacriana; o tipo de cuidados que o homem considera ter obrigao de prestar

    aos filhos (sustento, cuidados quotidianos, apoio emocional); os ideais, os projectos e as prticas de paternidade; o uso das polticas sociais para aconciliao (licena de paternidade, etc.); e, globalmente, a importncia dadaao papel paternal na definio da identidade.1 Por outro lado, a transformaoe a pluralizao dos iderios e das prticas de paternidade so analisadas emestreita articulao com a emergncia de um modelo de diviso mais igualitriado trabalho, com o decrscimo das funes tradicionais dos homens, com aemergncia de novas formas de vida familiar (as famlias monoparentaismasculinas ou as situaes de guarda-conjunta, por exemplo), ou mesmo com

    a crescente sentimentalizao do lugar do homem, cada vez mais permevel manifestao dos afectos e, por isso mesmo, menos reflectido na figuratradicional de ganha-po. A literatura sobre a importncia das questesafectivas no estudo da famlia moderna (ou de modernidade avanada),trazidas para o debate atravs da tese da sentimentalizao da vida familiarproposta por Aris (1973), tem tocado as mudanas nas definies tradicionaisda masculinidade (Giddens, 1996).

    Finalmente, procurmos, ainda, estabelecer a ponte entre as polticas

    pblicas e as prticas masculinas na famlia, nomeadamente no que respeita paternidade e conciliao entre trabalho profissional e vida familiar.Atravs da anlise da evoluo das medidas que afectam directamente estasesferas articulam-se vrios objectivos: por um lado, afere-se qual a concepode homem e de pai que veiculada desse ponto de vista jurdico,

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    1 Veja-se, por exemplo, que, com base em indicadores semelhantes, Cooper (1995) definiu 3 tiposde pais: ossuper-pais (participao muito activa, concepo alargada de caring, empenho identitrioenquanto pais); ospais tradicionais (modelo tradicional de conciliao entre trabalho e famlia);

    ospais transicionais (a meio termo entre os primeiros e os segundos, aqui a modernizao acontecesobretudo pelo investimento na relao paternal, e no por uma diviso mais abrangente do todo otrabalho, nomeadamente o domstico).

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    observando as proximidades e as distncias entre homens e mulheres (porexemplo, as diferenas entre a proteco legal maternidade e paternidade);por outro lado, analisa-se o impacto das polticas sociais recentes (por

    exemplo, o incremento das licenas dadas ao pai para cuidar do beb) sobreas prticas dos homens na famlia e no local de trabalho, avaliando eventuaistenses e constrangimentos colocados aos homens no usufruto dos direitosque lhes foram legalmente concedidos.

    Em suma, investigar os novos lugares dos homens na famlia significa entrarnuma rea ainda pouco pesquisada em Portugal e, assim, contribuir, seguindotendncias em expanso noutros pases, para o conhecimento dastransformaes no modelo tradicional de relaes de gnero. As questes da

    masculinidade tm sido, apesar de tudo, mais objecto de investigaes que,centrando os seus interesses nas questes do gnero (nomeadamente, Almeida,1995 e Amncio, 1994, 2004), no pesquisam directamente a realidade da vidafamiliar, nem o lugar (mais ou menos tradicional) que os homens a ocupam.No entanto, a partir da dcada de noventa tm surgido inmeros estudos queadvogam a necessidade de se recolocar a masculinidade no interior da vidafamiliar, de maneira a identificar algumas tendncias de mudana fundamentais(ver por exemplo, Marsiglio, 1995).

    Gnero e vida familiar: Apontamentos tericos

    A questo da desigualdade de gnero e do lugar social da mulher, cada vezmais estruturado por um tenso equilbrio entre papis pblicos e privados, temsido objecto de um amplo debate no campo das cincias sociais. Por um lado,as transformaes de que foram palco as ltimas dcadas evidenciaram o protagonismo feminino (Roussel, 1987; Commaille, 1993). Por outro, aconceptualizao do gnero como elemento fundador dos processos sociais

    (Bourdieu, 1998) e a desconstruo da separao entre produo e reproduo,bem como o interesse pela diversidade das formas familiares e das identidadessociais, contriburam para a ateno sociolgica sobre a questo dadesigualdade de gnero (Roux, 1999). Nesta linha de reflexo, os dilemas e asambiguidades que se colocam mulher na vivncia da sua dupla jornadaentre o trabalho, a casa e os filhos tm vindo a ser cada vez mais um objectocentral de investigao (Garey, 1999; Drew et al., 1998; Barrre-Maurrisson,1992; Guerreiro, 1998; Hochschild, 1989).

    No entanto, nas investigaes sobre a produo das relaes de gnero, ohomem s muito mais recentemente foi descoberto como objecto, ao

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    perceber-se que o modelo tradicional de masculinidade estava emtransformao (Almeida, 1995; Amncio, 1994; Brod e Kaufman, 1994;Kimmel e Messner, 1995) e que a tenso trabalho-famlia tambm se lhe

    aplicava (Crompton, 1999). Se a manuteno, na esfera da famlia, dasdesigualdades entre homens e mulheres indubitvel, certo que tambmse evidencia um movimento de entrada do homem no universo da produodomstica e parental (Perista, 2002; Torres, 2001; Almeida e Wall, 2001;Wall, 2005a). A panplia de estudos produzidos, sobretudo nos pases donorte da Europa e no mundo anglo-saxnico, sobre a questo da paternidadee o seu impacto sobre a mudana dos comportamentos e das identidadesmasculinas tm demonstrado a recente participao do homem em reastradicionalmente femininas (Bjrnberg, 1995; Bjrnberg e Kollind, 1996;

    Lupton e Barclay, 1997), tema sobre o qual ainda pouco se sabe emPortugal. Seja pela fora da mudana simblica, que instaurou uma forterepresentao da igualdade como norma legtima (Almeida e Wall, 2001;Almeida, 2003), seja pelas transformaes no papel das mulheres e noscomportamentos familiares, certo que o aumento de brechas no modelo demasculinidade tradicional comeou a revelar os seus efeitos. Os filhos, avocao crescentemente relacional da conjugalidade entre dois parceirosiguais, ou a participao domstica que idealmente se pede ao homemsurgem, hoje, cada vez mais em confronto com as exigncias da tica do

    trabalho, da responsabilidade patriarcal e da autoridade que muitas vezes seassociam ao masculino.

    Nestes breves apontamentos sobre o enquadramento terico da pesquisa,vale a pena tentar brevemente resumir alguns contributos essenciais para aconsolidao de uma perspectiva de gnero sobre a produo da vidafamiliar, primeiro relembrando algumas perspectivas importantes naconstruo de um olhar sociolgico sobre o feminino e a mulher, segundoenunciando algumas das principais correntes tericas que, desde a dcada

    de noventa, se tem desenvolvido no mbito dos estudos sobre amasculinidade.

    As mudanas no papel e estatuto das mulheres e a dominao masculina

    No contexto das transformaes sociais que caracterizam o processo demodernizao das sociedades ocidentais, as relaes sociais de gnero souma questo fundamental. Alis, um dos pressupostos nucleares do que se

    entende por processo de individualizao (v. Beck e Beck-Gernsheim,2002) reside, precisamente, no progressivo abandono dos papis de gnero

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    tradicionais em benefcio da igualdade de gnero nas normas2 e nas prticas.Sem a aquisio de igualdade, a capacidade dos homens e das mulherespara a conquista de autonomia individual ficaria certamente comprometida,

    e a vida familiar ficaria tambm vinculada a lgicas de desigualdade edominao. Ora, na verdade precisamente isto que tende a acontecer:apesar das enormes mudanas no estatuto e papel das mulheres, queconfiguram um movimento da ideia de mulher-natureza para a de mulher--indivduo (v. Torres, 2001; Mathieu, 1977; Roussel, 1989, entre outros), asdesigualdades de gnero tendem a permanecer vivas nas sociedadescontemporneas3, no constituindo Portugal, como evidente, umaexcepo. Se, como refere Bourdieu, o afecto a nica coisa capaz demomentaneamente anular a dominao masculina, a sua permanncia no

    seio da vida familiar concede-nos novo argumento para dizer que srelaes conjugais e familiares no preside apenas uma lgica afectiva. Nelamisturam-se muitas outras dimenses, sugerindo a sobreposio, que naproduo da dinmica familiar tende a acontecer, entre o instrumental e oexpressivo. Em ltima instncia, uma relao puramente amorosa exigiriauma total igualdade entre os indivduos, para que nela no interferissem aslgicas da dominao masculina (Bourdieu, 1998). De qualquer forma, asentimentalizao da vida familiar e a legitimidade adquirida pela norma deigualdade entre os gneros so, com certeza, movimentos bastante

    imiscudos um no outro.

    A questo do gnero e das desigualdades entre homens e mulheres tem, alis,ocupado um lugar de destaque na produo sociolgica sobre a famlia,permitindo assim complexificar leituras excessivamente individualistas dosprocessos de mudana, por um lado, e desmistificar a ideia de papis sociaisderivados de uma natureza biolgica especfica a favor de uma visosocialmente construda do gnero enquanto categoria social diferenciada do

    17

    2 Este alis um dos aspectos fundamentais da regulao jurdica, que progressivamente passou deuma norma restrita de igualdade (exclusiva das mulheres, de minorias raciais, etc.) para uma deigualdade universal. No sistema legal portugus esta transio acontece logicamente em 1974,sendo particularmente acutilante no que respeita aos papis de gnero. Antes do 25 de Abril a leilegitimava a desigualdade entre os sexos e codificava os papis que caberiam a homens e amulheres, sendo que s aps a Revoluo o texto legal vem legitimar a igualdade sexual de direitose deveres. Veja-se por exemplo as disposies referentes s relaes conjugais: enquanto que noCdigo Civil promulgado durante o Estado Novo se pode ler O marido o chefe da famlia,competindo-lhe nessa qualidade represent-la e decidir em todos os actos da vida conjugalcomum... (artigo 1674. do Cdigo Civil de 1966), na reviso do Cdigo Civil introduzida em1977 pode j ler-se o princpio afirmado da igualdade entre homens e mulheres, 1. O casamento

    baseia-se na igualdade de direitos e deveres dos cnjuges (artigo n. 1671.).3 Reside neste ponto uma crtica por vezes feita teoria da individualizao proposta por Beck: a de

    no conceptualizar as desigualdades de gnero que ainda permanecem e que do origem a formasde individualizao diferenciadas consoante sejam operadas no masculino ou no feminino.

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    sexo, por outro (para um viso global da questo v. Amncio, 2003).A formulao do conceito de gnero nos Estados Unidos (Oakley, 1974) ou detrajectrias sociais sexuadas em Frana (Chaudron, 1984) inserem-se no

    movimento de anlise das desigualdades entre homens e mulheres, observandoa famlia enquanto lugar fundador de tais diferenciaes sociais. Analisar asformas modernas de diviso social e sexual do trabalho tem, assim, constitudouma questo presente no trabalho de diversos autores (Chaudron, 1984;Chabaud-Rychter, Fougeyrollas-Schwebel e Sonthonnax, 1985; Battagliola,1984; Barrre-Maurrisson, 1992; Delphy e Leonard, 1992, so apenas algunsexemplos), comprovando a presena de grandes diferenas entre homens emulheres nas sociedades actuais. A famlia e o casal no so, assim, um grupoou um par de indivduos homogneos entre si, no podendo, por conseguinte,

    ser compreendidos fora da sua ancoragem em relaes sociais de gnero, quetendem indubitavelmente a reproduzir. Como verificaram para o contextofrancs Singly (1991, 1993) e Kaufmann (1992), as diferenas de gnero soactivamente fabricadas (por excelncia na diviso do trabalho domstico,esfera que a tem tido a primazia), mesmo quando se trata de contextosaltamente qualificados. Em Portugal, como comprovam tambm vriosestudos, a realidade sexuada (ougenderificada) da famlia constitui umaevidncia, apesar das profundas transformaes que mudaram paulatinamenteo lugar social das mulheres ao longo das ltimas trs dcadas (Infante, 1989;

    Nazareth, 1993; Torres e Silva, 1998; Perista, 2002; Wall et al., 2000, 2005a;Torres, 2001). Como refere Almeida (2003, p. 60): A modernizao dasociedade portuguesa mobiliza portanto, na linha da frente da mudana, asmulheres, fazendo uma apreciao que coincide com a ideia, defendida poralguns autores, de que a grande mudana, por detrs de todas as outras, seencontra na transformao profunda do estatuto das mulheres (por exemplo,Segalen, 1999; Roussel, 1987).

    indubitvel que a entrada massiva das mulheres em esferas tradicionalmente

    masculinas (nomeadamente, o sistema de ensino e o mercado de trabalho) uma das linhas mestras dos processos de mudana que atravessam a sociedadeportuguesa desde o 25 de Abril, movimento cujas razes remontam a anosanteriores situados na dcada de 60. A guerra colonial, a emigrao doshomens empurraram as mulheres para a esfera do trabalho profissional: naagricultura ou no sector dos servios, que ento se encontrava em francaexpanso, um nmero crescente de mulheres comea a substituir os homensque haviam partido entretanto (Silva, 1983; Andr, 1993). Contudo, estemovimento de conquista feminina da esfera pblica, que no tem parado de

    ganhar fora at actualidade, tem sido acompanhado por uma entradamasculina na esfera da vida privada mais gradual.

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    Mais ainda: a produo social do gnero no se vislumbra apenas nas formasde diviso familiar e social do trabalho, estando simbolicamente entranhada naproduo de categorias e de identidades sociais. Como mostra a proposta de

    Amncio (1994), situada ao nvel dos processos scio-cognitivos de produosocial do gnero, existe uma assimetria dos modelos de masculino e feminino,cujos significados so mais universais no plo masculino e mais situacionais noplo feminino. Enquanto que o modelo de masculinidade uma fotografia domodelo social de individualidade dominante, o modelo feminino tende a serconotado com o espao privado da famlia e com a expresso das emoes e dossentimentos. A coincidncia entre masculinidade e universalidade explicaria,assim, a dominncia simblica do masculino sobre o feminino. Pelo menos,quando a referncia feita aos modelos dominantes de masculinidade e de

    feminilidade, j que tambm estes podem adquirir formas variadas eminoritrias, como aponta Almeida (1995). Mas, como refere Amncio,estas representaes sociais relativamente autnomas e reguladoras doscomportamentos constituem-se como modelos estereotpicos de masculinoe de feminino, que, apesar de tudo, coexistem com as transformaes ao nveldas prticas ou daquilo que se pensa como normativamente correcto: aimportncia da participao das mulheres no mercado de trabalho; astransformaes ao nvel da diviso domstica do trabalho; ou a adesoconsidervel ideia de igualdade de gnero.

    Do lado dos homens: Abordagens da masculinidade

    Do lado dos homens, primeiramente relegados para segundo plano no mbitodas teorizaes sobre o gnero, o interesse comea a manifestar-sesobretudo a partir dos anos noventa do sculo XX, ao trazer-se o debate sobrea masculinidade para o centro da arena sociolgica. Tambm a ideia de umamasculinidade natural se comea a questionar de uma forma mais sistemtica,

    constituindo-se um novo sub-campo terico sob a gide dos estudos sobre ognero (v., por exemplo, Connell, 1995, 1996). Numa descrio muito breve dealgumas correntes que tm vindo a desenvolver a investigao sobre amasculinidade e o lugar dos homens importa referir algumas perspectivasprincipais, de maneira a situarmos as heranas tericas de que fazemosutilizao na presente investigao sobre os homens portugueses com filhos(v., por exemplo, a compilao de textos organizada por Flood et al., 2007, ouaquela organizada por Kimmel, Hearn e Connell, 2005).

    Algumas destas perspectivas a que fazemos aluso, desenvolveram-se nombito do que usualmente se entende por anti-feminismo, enquanto reaco,

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    politicamente empenhada de grupos de aco masculinos, s reivindicaes degrupos feministas. Encontrou-se assim espao, terico e poltico, para odesenvolvimento de teorizaes que visavam recolocar o homem e a

    masculinidade no centro do debate, combatendo a quase exclusiva colagementre gnero e feminismo. Surgem, por um lado, vrios grupos seculares emdefesa dos direitos dos homens, com destaque para determinados gruposreligiosos que fazem a apologia do tradicionalismo de gnero. Um exemplodeste tipo de movimentos o chamado mytho-petic mouvement de Robert Bly,que sustenta que a fonte de todos os problemas criados aos homens se encontrano facto de estes serem criados pelas mulheres e de, portanto, no conseguiremencontrar o guerreiro dentro de si. A falta de referncias masculinas comque se deparam os homens durante a infncia e adolescncia coloca

    dificuldades masculinidade que s poderiam ser superadas com umamudana de atitude dos homens. A soluo advogada consiste, assim, numamaior participao masculina na criao dos seus filhos, para os ensinarem demais perto e com eles fazerem coisas de homens. Em resumo, nestas formasde anti-feminismo, que acabamos de explicar, faz-se o elogio da participaomasculina em domnios tradicionalmente femininos, mas justificando-a pelavia de um anti-feminismo que recusa a feminizao da masculinidade,observando-lhe os perigos para a identidade masculina.

    Outras correntes tericas, pelo contrrio, encaixam-se no que se podeentender por pr-feminismo, j que se desenvolvem (sobretudo nos EstadosUnidos, no Reino Unido e na Austrlia) procurando aproveitar a herana dosestudos sobre as mulheres para teorizar e pesquisar a masculinidade e astransformaes do lugar dos homens na vida pblica e privada.

    Uma das perspectivas tericas mais conhecidas neste quadro constitudapelos mens studies, normalmente a perspectiva mais comum nesta rea,que tem sido desenvolvida por autores como: Michael Kimmel, Michael

    Kaufman, Henry Brod ou Victor Seidler, entre outros. Nesta ptica, que decerta maneira corresponde aos estudos sobre as mulheres numa versomasculina, os homens so vistos na sua relao com o trabalho, reflectindo-sesobretudo sobre os modos como o patriarcado afecta negativamente oshomens. So, afinal, as obrigaes profissionais que impedem os homensde se realizar na vida privada, chamando-se a ateno para as tenses edificuldades sofridas pelos homens na conciliao entre vida profissional evida familiar. No so s as mulheres que tm dificuldades de conciliaonas suas diversas obrigaes pblicas e privadas, mas tambm os homens

    as sofrem. Esta nfase na questo famlia-trabalho e nas questesrelacionadas com a paternidade define os mens studies como uma rea de

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    investigao paralela aos womens studies, o que alis criticado poralgumas feministas. Convm ainda salientar que a tnica nas relaesfamlia-trabalho consentnea com a ideia de pluralidade de masculinidades,

    importando investigar as diferentes estratgias de conciliao dos homens.Objectivo este que, como deixmos claro anteriormente, faz igualmente partedo nosso modelo de anlise.

    Uma outra perspectiva de relevo corporificada pelos chamados criticalstudies of men, com destaque para autores como Connell (que construiu oconceito de masculinidade hegemnica, a partir das teorizaes de Bourdieu(1998) ou de Giddens (1996), conceito to bem utilizado, no contextocientfico portugus, pelo antroplogo Miguel Vale de Almeida (1995), Jeff

    Hearn (autor da designao critical studies of men), David Morgan ou KeithPringle. Alguns pressupostos diferenciam esta ltima perspectiva dos mensstudies. Em primeiro lugar, no se trata de apoiar ou sequer de complementaros womens studies, mas de construir um campo terico de pesquisa de formaautnoma face a problemas e a problemticas particulares. Em segundolugar, evita-se sobretudo usar o termo masculinidade de forma reificada,uma vez que no se pode separar este conceito do sistema de relaes degnero e das prticas dos homens. Nesta ptica, o enfoque nas prticas doshomens essencial para compreender os processos de produo da

    masculinidade, abordagem que igualmente se integra neste projecto deinvestigao. O uso de vrios nveis e dimenses de anlise, incluindo comdestaque as prticas masculinas e as histrias familiares dos entrevistados,constitui pea central da pesquisa sobre os papis e as identidades masculinasna famlia. Um terceiro factor a referir prende-se com a prpria definio demasculinidade. Enquanto os mens studies se centravam muitssimo sobre arelao dos homens com o trabalho, considerando esta esfera de inserouma fonte crucial de identidade, os critical studies of men frisam mais aimportncia da sexualidade, da intimidade e das relaes sociais para a

    construo da identidade masculina. A masculinidade assim um conceitoque, embora necessariamente multidimensional, no deve deixar decontemplar as questes relacionadas com a sexualidade e a vida privada,como elemento fundamental de construo social do gnero. As novasexigncias colocadas ao homem na relao com a profisso e com a vidaprivada ( ser marido, ser pai, ser afectivo e participante) desafiam a figuratradicional do homem, ou seja, a definio hegemnica de masculinidade,construda sobre alicerces que se fundam, em ltima instncia, sobre umasexualidade (compulsiva, dominante) que concebida em anttese com o

    feminino (afectivo, passivo).

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    Em resumo, em qualquer destas perspectivas se destaca e esse um pontocrescentemente frisado por vrios autores a importncia da vida familiar naconstruo social da masculinidade, sobretudo quando se trata de comparar

    homens em diferentes situaes familiares e com diferentes experincias detransio e de vivncia da paternidade. Por exemplo, Marsiglio (1992) referea importncia de se investigarem, no masculino, trs tipos de situaesparentais: a paternidade biolgica, a paternidade por afinidade (os padrastos)e os pais-ss que tm a custdia legal dos filhos. Por um lado, necessrioperceber como que a construo do papel de pai sofre a influncia da relaotecida com a esposa/companheira (ou ex-mulher) (mais ou menos igualitriaem matria de responsabilidades e tarefas), bem como o impacto do tipode vida profissional tida/desejada e dos valores referentes masculinidade.

    Por outro lado, preciso compreender vrios tipos de experincias depaternidade, identificando as diferenas entre elas: a diferena entre ser paibiolgico ou apenas padrasto (que vrios estudos mostram ser importante,aludindo ao factores que agilizam um sentimento parental pelos enteados por exemplo, ter filhos prprios a viver no grupo domstico), a diferenaentre viver em casal ou ser pai sozinho. normalmente nesta ltima situaoque os pais desenvolvem mais competncias de responsabilidade (comomarcar as consultas mdicas dos filhos, comprar-lhes roupa, etc.); quando ame das crianas est por perto tende, mais frequentemente, a ser ela que

    assume este tipo de responsabilidades, permitindo ao homem um tipo deenvolvimento mais ldico. Para saber como o homem se desenvencilha, defacto, enquanto pai argumenta o autor preciso investigar tambm amonoparentalidade, tal como vivida pelos homens.

    Em qualquer das situaes, importa frisar a importncia da paternidade comoexperincia (re)constituinte da prpria masculinidade, sobretudo quando,como vai acontecendo nas sociedades contemporneas, se cria distncia faceao papel do homem como patriarca, ganha-po e autoridade da famlia.

    Neste sentido, captar os efeitos gerados por transies ligadas paternidade(a idade com que se tem o primeiro filho, a experincia paternal ps--divrcio) , refere ainda Marsiglio, uma mais-valia da pesquisa. Refira-seainda que existe at uma linha de estudos sobre fathers transitionalexperiences, cuja perspectiva sobre o lugar dos homens na vida familiarencontra semelhanas com a que se operacionaliza neste projecto.

    Feito um breve sumrio de alguns contributos tericos importantes para odesenvolvimento de estudos sobre os homens e a masculinidade, importa

    sinalizar que a perspectiva deste projecto de investigao beneficiou dacombinatria de diferentes abordagens: inclui questes sobre prticas,

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    representaes e identidades, sobre trabalho e famlia, sobre sexualidade,relaes de gnero e paternidade; analisa tanto dados quantitativos comoqualitativos, tanto o macro como o microssocial; investiga os homens sem

    excluir a relao com outros protagonistas das suas vidas (as mulheres, osfilhos, os parentes e os amigos).

    A investigao do lugar dos homens na vida familiar: Apontamentosmetodolgicos

    Neste ponto procuramos, por fim, apresentar uma sistematizao maisoperativa da investigao, fazendo referncia s principais componentes da

    pesquisa e composio da amostra.

    Estratgia metodolgica e instrumentos de observao

    Seguindo uma estratgia de complementaridade metodolgica, a pesquisacontemplou trs instrumentos principais de observao.

    1. Estudo dos factores macrossociais a montante. A anlise da

    informao estatstica oficial relativa aos comportamentos familiaresmasculinos, bem como a anlise do lugar dos homens nas polticassociais constituram etapas fundamentais da pesquisa, visandocontextualizar as relaes de gnero e as dinmicas da vida familiar nasociedade portuguesa. Contemplmos para isso os seguintes elementos:a anlise das polticas pblicas relativas aos homens no universo davida familiar; a evoluo da posio dos homens no mercado deemprego (sectores de actividade, horas de trabalho, desemprego); asdesigualdades de gnero (emprego, remuneraes, qualificaes,

    cargos pblicos); a evoluo das estruturas domsticas dos homense das mulheres, bem como a evoluo dos comportamentosdemogrficos.

    2. Anlise quantitativa dos modelos de gnero e do papel do homemna famlia. Atravs do inqurito Famlia e Papis de Gnero (ISSP20024) foi possvel beneficiar de uma perspectiva comparativa einvestigar as normas relativas diviso conjugal do trabalho em Portugale noutros pases europeus. Simultaneamente, foram ainda utilizados

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    4 Ver Captulo 1.

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    dados recolhidos no mbito do Inqurito s Famlias no PortugalContemporneo (IFPC 1999 Wall, 2005a), que nos permitiram obteruma viso estatisticamente representativa da participao masculina nas

    tarefas domsticos e nos cuidados s crianas em famlias conjugais comfilhos em idade escolar.

    3. Estudo qualitativo. As entrevistas semi-directivas realizadas a 59homens com idades at aos cinquenta e poucos anos, residentes na reaMetropolitana de Lisboa, foram o principal instrumento de recolha dainformao, sendo sobretudo esse material de que tratamos neste livro.Atravs das narrativas masculinas obtivemos, ento, o retrato complexoe diversificado que ambicionvamos no incio da investigao. So

    esses resultados que agora partilhamos com o leitor. Comeamos,assim, por expor o estudo neste ponto introdutrio, apresentando umabreve caracterizao da populao entrevistada.

    Elementos do trabalho de campo e retrato da populao entrevistada

    O trabalho de campo, que decorreu entre Dezembro de 2004 e Dezembro de2005, procurou captar o modo como os homens vivem em famlia e o lugar que

    esta ocupa no seu universo de valores a partir de entrevistas em profundidade,59 ao todo. A constituio desta amostra passou, numa primeira fase, pelo recursos redes sociais da equipa de investigao e, numa segunda fase, pelo conhecidomtodo bola de neve, ou seja, os entrevistados disponibilizaram contactos dassuas prprias redes sociais. Daqui resultou uma forte receptividade e curiosidadeem relao ao estudo por parte dos homens contactados, pelo que no houverecusas participao. As entrevistas tiveram lugar nos locais propostos pelosentrevistados, normalmente a sua casa ou o seu local de trabalho; a duraovariou entre uma hora e vinte minutos e 5 horas, sendo que o grosso delas durou

    entre duas e trs horas implicando, em muitos casos, fraccion-las em duassesses; e todas elas foram gravadas e transcritas na ntegra.

    Visto o trabalho de campo ter sido conduzido inteiramente pelas investigadorasda equipa, a diferena de gnero marcou a situao da entrevista. Para fazerface a esta especificidade da pesquisa, utilizou-se a valorizao do ponto devista masculino como princpio organizador da relao entre entrevistadorae entrevistado. Esta estratgia metodolgica revelou-se produtiva, poispermitiu ultrapassar eventuais resistncias a falar sobre questes pessoais,

    ntimas at (como sexualidade, conflito, problemas, etc.), e obter ainda umaexplicitao clara de opinies e valores a respeito da vida familiar.

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    Ora, o requisito central que presidiu seleco dos entrevistados foi,portanto, o desempenho de um papel parental. E quisemos t-lo em conta emdiferentes situaes familiares (quadro I.1): emfamlias simples de casais

    com filhos, a situao mais frequente do ponto de vista da composio dosagregados domsticos, onde ambos os cnjuges se encontram, em regra,numa primeira conjugalidade e tm filhos comuns; emfamlias monoparentais

    paternas resultantes de divrcio ou separao, mas tambm de viuvez; e emfamlias recompostas, nas quais o homem desempenha o papel de padrastoco-residente, independentemente de tambm poder ser pai no mbito dessaconjugalidade ou de uma anterior.

    A populao entrevistada foi constituda, portanto, com base na articulao

    deste requisito fundador com alguns critrios de uniformizao da amostra, taiscomo residir na rea Metropolitana de Lisboa, viver ou ter vivido emconjugalidade e ter pelo menos um menor de 18 anos a cargo (filho ou enteado).Procurmos, por outro lado, introduzir alguma diversidade no panorama escolare profissional dos entrevistados, de modo a perceber o impacto doposicionamento no espao social nas suas vivncias e orientaes familiares.Passemos ao retrato da populao entrevistada, a partir da apresentao dealguns dados de caracterizao biogrfica, familiar e socioeconmica.

    Quadro I.1 Tipos de Famlia

    Tipos de Famlia Amostra

    Famlias simples de casais com filhos 23

    Primeira conjugalidade de ambos 20Outra conjugalidade de um ou ambos 3

    Famlias monoparentais paternas 19

    Por divrcio 12Por separao 4Por viuvez 3

    Famlias recompostas 17

    S padrasto 4Padrasto e pai em conjugalidade anterior 9Padrasto e pai na conjugalidade actual 3Padrasto e pai em conjugalidade anterior e na actual 1

    Total 59

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    Apesar de termos procurado alguma uniformizao da amostra, a verdade que nos deparmos com entrevistados em tempos biogrficos efamiliares bem diversos (quadro I.2). Estes homens tinham, assim, idades

    compreendidas entre os 25 e os 57 anos, embora muitos estivessem na casados 30 e dos 40. Os padrastos e os pais-ss tendiam a ser mais velhos, vistoterem necessariamente experienciado mais transies familiares. A relaoconjugal data da entrevista era j bem longa para alguns (25 anos, a maisantiga), mas recente para outros, em especial para os homens em famliasrecompostas. A maior parte das conjugalidades tinha, no entanto, entre 6 e15 anos. J em relao aos homens que no viviam data em conjugalidade,o tempo de monoparentalidade variava entre 1 e 12 anos, sendo que 2 dos3 vivos entrevistados eram, justamente, aqueles que estavam h mais

    tempo na situao de pais-ss. A transio para a parentalidade tambm marcada por essa amplitude temporal: alguns homens foram pais h muitosanos e tinham, portanto, filhos adultos (alguns deles, por sua vez, tambm j tinham constitudo famlia); enquanto outros passaram por essaexperincia mais recentemente e tinham crianas pequenas, em idade pr--escolar. Por fim, os entrevistados das famlias recompostas encontravam-seem momentos bem distintos no que toca paternidade, pois se foram elesque, em regra, fizeram essa transio h mais tempo (visto tambm seremos homens mais velhos da amostra), 4 ainda no tinham passado sequer por

    essa experincia, embora 2 estivessem, na altura, a aguardar o nascimentodo primeiro filho.

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    Quadro I.2 Tempo biogrfico e familiar

    * Dois deles estavam espera do nascimento do 1. filho data da entrevista

    Esta pluralidade de tempos com que nos deparmos permitiu-nos tomar

    contacto com situaes muito diversas do ponto de vista dos percursos

    conjugais e parentais dos entrevistados (quadros I.3 e I.4). De facto, se o

    casamento, enquanto formalizao religiosa ou civil da relao conjugal,

    marcava presena entre a populao entrevistada, em especial nas famlias

    simples, a verdade que, para alguns, o casamento no inaugurou a vida

    em casal, s se realizando anos mais tarde (12 casos) ou no se realizando

    de todo (10 casos). Viver a dois de um modo mais informal parece

    caracterizar, sobretudo (mas no em exclusivo), uma opo das famlias

    recompostas, configurando a resistncia, por parte destes casais, em

    reproduzir o formato mais tradicional das primeiras conjugalidades

    (afinal, 12 dos 17 entrevistados recompostos j tinham sido casados

    anteriormente). Com efeito, ao contrrio dos homens em famlias simples

    Tempo biogrfico e familiar Amostra Simples Monoparentais Recompostas

    Idade do entrevistado

    25-29 anos 1 1

    30-39 anos 24 12 6 6

    40-49 anos 24 10 9 5

    50-57 anos 10 1 4 5

    Durao da conjugalidade actual

    5 anos 9 1 8

    6-10 anos 13 9 4

    11-15 anos 10 6 4

    16-20 anos 3 2 1

    21-25 anos 5 5 Durao da monoparentalidade

    3 anos 5 5

    4-5 anos 6 6

    6-10 anos 5 5

    11 anos 3 3

    Transio para a paternidade

    5 anos 8 5 2 1

    6-10 anos 21 9 7 5

    11-15 anos 13 5 6 2

    16-20 anos 7 3 3 1

    21 anos 6 1 1 4

    No so pais 4 14*

    Total 59 23 19 17

    27

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    que se encontravam numa primeira conjugalidade e quase todos eramcasados, apenas para 3 homens das famlias recompostas se tratava daprimeira experincia de vida em casal e vrios no formalizaram a actual

    relao (8 casos). As idades dos entrevistados ao incio da presente uniotraduziam, assim, as diferentes etapas dos seus percursos conjugais. Destemodo, enquanto as primeiras conjugalidades, associadas em grande medidas famlias simples, ocorreram quase sempre antes dos 30 anos (a situaoque ocorreu depois dos 40 anos correspondia, efectivamente, a uma terceiraconjugalidade), as recomposies familiares tiveram lugar mais tarde, apartir dos 35 anos, quando no mesmo dos 45. Por fim, quanto aos homensem famlias monoparentais, em regra tiveram s uma experincia conjugal,se bem que 5 tenham tido efectivamente outras experincias, anteriores ou

    mesmo posteriores quela que deu lugar ao nascimento dos filhos.Encontrando-se sozinhos com os filhos data da entrevista, a verdade quealguns tinham iniciado h pouco tempo novas relaes amorosas, prenunciandoo carcter transitrio da situao de monoparentalidade. Aps uma primeiraconjugalidade mal sucedida, ou que terminou inesperadamente com a morteda mulher, estes homens no perderam a expectativa de vir a ter umaexperincia conjugal mais gratificante5.

    28

    5 Ver Captulo 4.

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    Quadro I.3 Percurso conjugal

    * Separado h 8 anos, mas no houve divrcio

    J nos percursos parentais dos entrevistados (quadro I.4), observmos, antes

    de mais, a polarizao das descendncias no filho nico e nos dois filhos,

    trao tpico da fecundidade portuguesa6, se bem que tambm tenhamos

    encontrado descendncias mais numerosas (num mximo de 6 filhos) emtodos os tipos de famlias. Curiosamente, em relao ao nmero de enteados,

    predominavam as situaes em que os entrevistados tinham apenas um. Por

    outras palavras, no momento da recomposio familiar, aquelas que

    passaram a ser suas companheiras eram, ento, mes de filhos nicos. No que

    toca s idades dos filhos e dos enteados mais velhos recordemos que um

    dos critrios de seleco dos entrevistados era, justamente, residir com um

    filho ou enteado menor verificmos situaes muito diversificadas. Com

    efeito, enquanto alguns destes homens viviam na altura em famlias apenas

    Percurso conjugal Amostra Simples Monoparentais Recompostas

    Lao conjugal actual

    Casamento 18 16 2

    Casamento com coabitao inicial 12 5 7

    Coabitao 10 2 8

    Sem lao conjugal 19 19

    Estado civil actual

    Casado 31 21 1* 9

    Divorciado 20 1 12 7

    Vivo 3 3

    Solteiro 5 1 3 1

    Nmero de conjugalidades(casamento + coabitaes)

    Uma 37 20 14 3

    Duas 14 1 2 11

    Trs ou mais 8 2 3 3

    Idade ao incio da conjugalidade

    actual

    20-24 anos 11 9 2

    25-29 anos 13 11 2

    30-34 anos 5 2 3

    35-39 anos 5 540-44 anos 2 1 1

    45-50 anos 4 4

    Total 59 23 19 17

    29

    6 Ver Captulo 7.

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    com crianas pequenas, em idade pr-escolar, outros estavam numa fase da

    vida bem diferente, pois tinham filhos ou enteados jovens ou mesmo adultos.

    A maioria tinha a cargo, contudo, crianas em idade escolar, entre os 6 e os

    15-16 anos. O nascimento do primeiro filho, transio que apenas 4entrevistados das famlias recompostas ainda no tinham experienciado

    data da entrevista ocorreu em idades muito diversas, entre os 20 e os 46

    anos, embora grande parte tenha ocorrido, efectivamente, antes dos 35. Os

    primeiros nascimentos mais tardios tiveram lugar, na verdade, no quadro de

    segundas ou outras conjugalidades. Apenas em dois casos foi no mbito da

    primeira relao conjugal.

    Quadro I.4 Percurso parental

    * Dois deles estavam espera do nascimento do 1. filho data da entrevista

    Percurso parental Amostra Simples Monoparentais Recompostas

    Nmero de filhos

    nenhum 4 4*

    1 filho 20 7 8 5

    2 filhos 26 13 7 6

    3 ou mais filhos 9 3 4 2

    Nmero de enteados

    1 enteado 12 12

    2 enteados 3 3

    3 ou mais enteados 2 2Idade do filho mais velho

    5 anos 9 5 2 2

    6-10 anos 22 9 8 5

    11-15 anos 9 4 5

    16 anos 14 4 4 6

    Idade do enteado mais velho

    5 anos 3 3

    6-10 anos 5 5

    11-15 anos 2 2

    16 anos 7 7

    Idade ao nascimento do 1. filho

    20-24 anos 12 6 2 4

    25-29 anos 18 7 7 4

    30-34 anos 16 7 6 5

    35-39 anos 5 2 2 1

    40 anos 3 1 2

    Residncia dos filhos deanteriores conjugalidades

    Residncia nica (paterna) 8 7 1

    Residncia alternada 14 12 2

    No residente (residncia materna) 7 7

    Total 59 23 19 17

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    Quanto aos homens das famlias recompostas, estes podiam acumulardiferentes papis parentais: ao papel de padrasto (os entrevistados foramseleccionados em funo do critrio da co-residncia com enteados) podia

    aliar-se, assim, o de pai, o que sucedeu em 13 das 17 entrevistas (comopudemos constatar, alis, no quadro I.2). Contudo, se os filhos nascidos daactual relao vivem efectivamente com o entrevistado e partilham o dia--a-dia domstico e familiar com os seus enteados (4 casos), o mesmo podeno ser verdade, pelo menos numa base quotidiana, para os filhos nascidosem unies anteriores. De facto, dos 10 casos em que tal acontecia (sendoque num deles tambm havia uma criana da actual conjugalidade), apenasem 3 os entrevistados viviam com os filhos: em um dos casos, de formapermanente por abandono da me; nos outros dois, em regime de residncia

    alternada. J em relao s famlias monoparentais, na medida em que osfilhos tinham de viver necessariamente com o pai, encontrmos 12 casos deresidncia alternada e 7 de residncia nica, sendo que, num deles, tratava-sede uma situao mais complexa, visto um dos filhos residir com o pai e ooutro com a me.

    Ora, para alm daquelas variveis de natureza biogrfica e que ilustram assituaes conjugais e parentais dos entrevistados, a escolha da populaotambm procurou ter em conta o seu posicionamento diferenciado no

    espao social. Desta forma, a diversificao da amostra a partir do nvel deescolaridade foi uma das estratgias utilizadas. Todavia, se nas famliassimples conseguiu-se obter casos mais ou menos diversificados emborapesando a sub-representao do entrevistados com o primeiro ciclo, setivermos em mente o panorama escolar da sociedade portuguesa j emrelao s famlias recompostas e monoparentais, devido maiordificuldade em encontr-las, sobretudo em meios sociais desfavorecidos,no nos foi possvel preencher satisfatoriamente essas quotas, ou seja,encontrar homens com qualificaes escolares a nvel dos dois primeiros

    ciclos do ensino bsico, pelo que se trata de uma populao tendencialmentemais homognea deste ponto de vista (quadro I.5). Como bvio, estadistribuio dos capitais escolares reflecte-se a nvel das actividades profissionais desempenhadas, com grande peso das profisses maisqualificadas, nomeadamente das cientficas e tcnicas. So professores,investigadores, arquitectos, informticos, formadores, artistas, entre outros.As profisses manuais ou pouco qualificadas como operrios, mecnicos,motoristas, ou estafetas encontraram-se, sobretudo, entre os entrevistadosdas famlias simples. J os profissionais executantes dos servios, como

    os empregados administrativos ou do comrcio, esto presentes em todos ostipos de famlia.

    31

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    Quadro I.5 Caracterizao socioeconmica

    Importa referir que um dos objectivos desta pesquisa era conhecer as

    dinmicas familiares, em especial no que respeita necessidade de conciliar

    a vida familiar e a vida profissional, em casais duplo emprego, ou seja,

    em que homem e mulher esto integrados no mercado e trabalho. Mas se

    este era o cenrio para a grande maioria dos casais (em famlias simples

    e recompostas) e se no encontrmos, efectivamente, nenhum caso de

    Caracterizao socioeconmica Amostra Simples Monoparentais Recompostas

    Nvel de escolaridade

    1. ciclo do ensino bsico 3 2 1

    2. ciclo do ensino bsico 7 5 2

    3. ciclo do ensino bsico 13 5 4 4

    Ensino secundrio 10 4 4 2

    Ensino superior 11 3 4 4

    Ensino ps-graduado 15 4 6 5

    Grupo socioprofissional

    Empresrios e dirigentes 4 1 1 2

    Profissionais intelectuais,

    cientficos e artsticos

    18 7 5 6

    Profissionais tcnicos e deenquadramento intermdio

    9 3 4 2

    Pequenos empresrios eprofissionais liberais

    8 1 4 3

    Empregados executantes 9 3 4 2

    Empregados no qualificados dosservios

    4 3 1

    Profisses manuais 6 4 1 1

    Condio perante o trabalho

    Trabalha 51 22 17 12

    Desempregado 6 1 2 3

    Reformado 2 2

    Escalo de rendimento (lquido,mensal)

    Sem rendimentos 4 2 1 2

    750 7 3 2 2

    > 750 e 1000 8 7 1

    > 1000 e 2000 15 5 4 6

    > 2000 e 3000 8 3 1 4

    > 3000 10 2 5 3

    NR 6 1 5

    Total 59 23 19 17

    32

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    mulher domstica data da entrevista7, a verdade que nos deparmos comsituaes de inactividade masculina. Se dois dos entrevistados mais velhosj estavam reformados mas tinham situaes econmicas confortveis, os

    restantes estavam desempregados, sendo que destes, apenas um deles eramuito qualificado. As outras situaes configuravam quadros de grandevulnerabilidade ou mesmo excluso social: algumas destas famliasdependiam de apoios pblicos; uma famlia monoparental com 3 filhosvivia dos rendimentos de um deles; e numa famlia recomposta, odesemprego est ligado a um percurso masculino de toxicodependncia.Assim sendo, trs entrevistados no tinham rendimentos prprios e setetinham rendimentos at 750 euros mensais. No outro extremo encontravam-se,ento, dez entrevistados com rendimentos acima dos 3000 euros, cinco dos

    quais em famlias monoparentais, justamente aquelas onde os homens so,regra geral, mais qualificados.

    Os captulos do livro

    Para finalizar, resta-nos apresentar muito brevemente a estrutura deste livro.Dividido em cinco partes distintas, cada uma delas integrando doiscaptulos, foi deste modo que organizmos a apresentao dos vrios

    lados da vida familiar no masculino.

    Na primeira parte procuramos contextualizar a mudana e o paulatinomovimento de um modelo familiar de ganha-po masculino para ummodelo de casal duplo emprego, interligando Estado, famlia e trabalho.No primeiro captulo procede-se a uma anlise de carcter quantitativo quetambm fazia parte dos objectivos propostos. Procura-se, aproveitando dadosdisponveis e estatisticamente representativos da realidade portuguesa, traaralgumas linhas de evoluo no respeitante s diferenas de gnero nos

    padres demogrficos e nas formas de co-residncia, na estrutura doemprego e nos nveis salariais, nos valores da vida familiar e da diviso dotrabalho, bem como nas prticas do dia-a-dia. Recorre-se para isso a dadosdos Censos, das Estatsticas Demogrficas e do Inqurito ao Emprego;analisam-se ainda dois outros inquritos: o Family and Gender Surveyrealizado no mbito doInternational Social Survey Programme (ISSP), quenos permite comparar, alm de homens e mulheres, vrios pases europeus;e o Inqurito s Famlias no Portugal Contemporneo (1999), que nos

    33

    7 Ainda que, em casos pontuais, tenha havido perodos de interrupo da actividade profissionalfeminina com a parentalidade, nomeadamente em situaes de desemprego. Esta situao tambmfoi vivida por um dos entrevistados.

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    possibilita a entrada no universo da vida quotidiana dos homens na famlia,embora a partir de uma perspectiva feminina. O segundo captulo dedicadoao lugar dos homens nas polticas de famlia, traando as principais linhas

    de evoluo das ltimas dcadas, tal como era objectivo inicial desteprojecto. Faz-se o retrato da imagem legal do homem, acompanhando atransio de um modelo de homem chefe de famlia, que vigorou at ao 25de Abril, para um modelo de homem envolvido na paternidade, que comeoua ganhar peso ao longo da dcada de noventa do sculo XX.

    Na segunda parte do livro, j dedicada, ento, anlise dos resultados doestudo qualitativo que realizmos, identificam-se mltiplas estratgiasmasculinas de participao na vida domstica e parental, perscrutando as

    formas de diviso do trabalho. O principal objectivo do captulo 3 , assim,o de analisar a articulao entre a vida profissional e a vida familiar de homensa viver em famlia simples de casais com filhos. Trata-se de um lugar deobservao significativo, do ponto de vista das mudanas do papel do homemna famlia, devido, fundamentalmente, ao aumento da participao femininano mercado de trabalho ao longo das ltimas dcadas. Esperava-se que arejeio de uma organizao familiar baseada no homem provedor/mulherdona de casa levasse a uma transformao rpida e profunda dos papis degnero, em que a sada de casa da mulher fosse compensada pela entrada do

    homem no universo domstico. Ao estudar as trajectrias masculinas defamlia/trabalho, os modos de conciliar as duas esferas e as perspectivas doshomens relativamente aostress entre trabalho e famlia, mostra-se que existeuma grande diversidade, hoje, nas formas masculinas de pensar, idealizar egerir a articulao entre a vida familiar e a vida profissional. O captulo faz oretrato de seis principais modos de articulao. No captulo 4, um retratosemelhante apresentado, mas agora tendo como protagonistas os homens aviver em situao de monoparentalidade. Aqui, pretende-se conhecer o modocomo estes pais-ss, na ausncia da figura materna do quotidiano dos filhos,

    procuram fazer face ao exerccio dirio de articulao, mais asolo num perfil,mais delegado em outros dois perfis e algo precrio num ltimo perfil.

    A terceira parte do livro integra igualmente dois captulos, procurandodissecar a relao entre vida conjugal e identidade masculina. Assim, nocaptulo 5 analisam-se estilos diferenciados de conjugalidade e de famlia,estabelecendo a diversidade nas formas de ser homem. A identificaodestes vrios estilos permite traar dois movimentos relativamentediferenciados de transformao do modelo mais institucionalista de ganha-

    -po e autoridade masculinas. Um movimento de conjugalizao em que ohomem aparece dividido entre uma identidade de providenciador, ainda

    34

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    tradicionalista egenderificada mas j aceitante do trabalho profissional dasmulheres, e o companheiro, igualitrio, cooperante e afectivo. Trata-se,assim, de um movimento que retrata diferentes gradaes da incluso do

    homem na dinmica familiar. Um outro movimento , por outro lado, deindividualizao, apresentando homens divididos entre a famlia e um idealde indivduo autnomo, centrado na realizao pessoal. Estes homensinvestem na famlia, mas garantindo a sua realizao pessoal antes de mais.Muitas vezes abrigam tenses entre os valores de igualdade e autonomiaque acalentam e a realidade da desigualdade conjugal: no poder, nodinheiro, nos capitais relacionais, na identidade. Por fim, retratamos aindauma outra tendncia de relevo: a do afastamento masculino da famlia, queparece ser transversal a diversos meios sociais, desafiando mesmo os ideais

    de uma paternidade mais activa. Por vrias razes (de auto-centramento,de concepes de gnero muito diferenciadas, de trajectria marcada porsucessivas rupturas e recomposies), alguns homens revelam fortesdificuldades de integrao na dinmica familiar, pautando-se por modelosde ausncia masculina. Em suma, partindo da hiptese de que masculinidade hegemnica (tradicional) se contrape um cenrio demltiplas formas de ser homem, tenta-se encontrar diferentes perfisinvestigando tanto as prticas como as normas relativas s divises degnero (tradicional breadwinnervs. modelo igualitrio), bem como vrios

    indicadores de identidade social de gnero. Tenta-se sobretudo identificara sua diversidade e grau de distncia face ao modelo de masculinidadetradicional/dominante. O captulo 6 desenvolve este problema atravs deuma anlise aturada dos discursos masculinos sobre a construo dasdiferenas e das semelhanas entre homens e mulheres. Numa palavra, toca-seno cerne da questo, procurando perceber, do ponto de vista dos homens,que dimenses e que factores so hoje relevantes para fabricar a desigualdadee os valores que a sustentam materialmente.

    Finalmente, as partes quatro e cinco exploram com mincia a questo dapaternidade, primeiro entre os homens a viver em famlia simples de casalcom filhos e depois entre os pais monoparentais em situao de guardaconjunta e os pais/padrastos a viver em famlias recompostas. O amploleque de situaes de paternidade que investigmos permite compor umcenrio multifacetado em que emergem estilos muito diferenciados depaternidade.

    O primeiro captulo da parte quatro (captulo 7) procura conhecer os

    projectos de paternidade dos homens em famlias simples e o modo comoestes so materializados no quadro da vida em casal, aclarando as questes

    35

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    da negociao e da deciso mais ou menos a dois da fecundidadeconjugal. Seguidamente, no captulo 8 analisam-se as formas de construoda paternidade, identificando vrios estilos de ser pai. Aqui, se as funes

    de provedor, educador e protector (se bem que reinterpretadas oureinventadas) continuam a dar sentido s prticas parentais masculinas, averdade que no deixam de andar a par das novas funes do pai, decuidador e de companheiro de brincadeiras.

    O primeiro captulo da parte cinco (captulo 9) explora, por seu lado, asformas de (re)construo da paternidade em situaes de ps-divrcio,investigando, especificamente, situaes de guarda conjunta com residnciaalternada. Tambm aqui se destaca a diversidade de formas de ser pai,

    levantando-se a ponta do vu de uma realidade to recente na sociedadeportuguesa quanto inexplorada. Finalmente, no ltimo e dcimo captulo, aanlise volta-se para uma outra nova forma de construir e exercer aparentalidade: o papel de padrasto. Procurando ultrapassar a dicotomiaclssica entre lgica de substituio e lgica de perenidade, redutora dacomplexidade do fenmeno da recomposio familiar, proposto, emalternativa, um panorama mais diversificado de modos de equacionar eapropriar este papel parental, tendo em conta no s o tipo de envolvimentodestes homens com os enteados, como tambm o espao que lhes

    concedido pelas mes dos enteados, suas actuais companheiras, assim comopelos pais biolgicos, mais ou menos presentes e influentes.

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    PARTE I

    Estado, Famlia e Trabalho:Do ganha-po masculino ao duplo emprego no casal

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    Captulo 1 Gnero, famlia e mudana em PortugalSofia Aboim

    Introduo

    Ao longo das ltimas dcadas foram inmeras e profundas as mudanasque atravessaram a sociedade portuguesa. H quarenta ou cinquenta anosvivia-se numa sociedade rural, pobre, iletrada e, acima de tudo, fortementemarcada pela diferenciao de gnero. Na vida social e familiar, homens emulheres tinham funes muito distintas, como era apangio ideolgico doEstado Novo.1 Ao homem cabia incontestavelmente o dever de sustentar e

    proteger a famlia, enquanto a mulher devia permanecer em casa, fiel aoslabores de esposa e me. Era assim de um contrato de gnero (Hirdman,1998) desigual centrado na oposio entre a dona-de-casa e o provedorda famlia que se alimentava a ideologia dominante. Com efeito, em 1960apenas 13,1% das mulheres se encontravam oficialmente no mercado detrabalho, no obstante grande parte delas desempenharem tarefas essenciais sobrevivncia da famlia, contribuindo nomeadamente para os trabalhosagrcolas essenciais sobrevivncia do grupo familiar. No entanto, o idealdo ganha-po masculino no s caracterizava parte significativa das

    famlias, como constitua smbolo inquestionvel do modelo mais desejvelde famlia. Algumas dcadas mais tarde, o panorama tinha-se, contudo,tornado muito diferente. O aumento da taxa de actividade feminina, que adcada de 1960 inaugurava, sinalizou, afinal, uma das mudanas maisespectaculares transformaes da sociedade portuguesa. Depois de 1974, aentrada feminina no mercado de trabalho evoluiu ainda num ritmo maisrpido, transformando Portugal num dos pases europeus com maiornmero de mulheres activas a trabalhar a tempo inteiro.

    O protagonismo das mulheres nos movimentos de transformao dasociedade portuguesa inegvel (Almeida e Wall, 2001; Almeida, 2003;Torres et al., 2004). A conquista feminina de um lugar cada vez mais visvelna esfera pblica alterou sensivelmente as relaes de gnero e a vidafamiliar, medida que no mundo ocidental o esquema patriarcal da mulherdomstica e subordinada ia sendo posto em causa e aumentavamexponencialmente os casais em que tanto homens como mulheres trabalhamprofissionalmente a tempo inteiro (Lewis, 2001; Pascall e Lewis, 2004;Pfau-Effinger, 2004a e 2004b). Os desafios impostos s mulheres so bem

    39

    1 Ver Captulo 2.

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    conhecidos na sociedade portuguesa (v., por exemplo, Wall e Guerreiro,2005). Todavia, a passagem a de um modelo de ganha-po masculinopara um modelo de casal de duplo emprego espelha igualmente mudanas

    profundas no lugar social dos homens, dentro e fora da famlia. Sem dvida,os papis sociais masculinos, bem como a ordem de gnero global, tmvindo a sofrer uma enorme reconfigurao medida que novas realidadesvo desafiando a composio tradicional da masculinidade e os homens sevo tornando tambm um objecto de anlise e reflexo (Hearn et al., 2002).Actualmente, a preocupao com a mudana, outrora maioritariamentereservada ao feminino, assim cada vez mais inclusiva dos homens. Afinal,a transformao operada nas formas de diviso familiar do trabalho emdireco a um modelo igualitrio de duplo emprego tem vindo a alterar

    o papel dos homens, convocando-os a reconstruir o seu lugar tradicionalna esfera da vida privada (Wall, Aboim e Marinho, 2007).

    Em Portugal, o declnio do antigo modelo homem provedor sinaliza ummovimento muito rpido de transformao, em comparao com a maioriados pases europeus. A principal consequncia do aumento da presenafeminina no mercado de trabalho tem-se traduzido no declnio sistemtico domodelo tradicional de homem provedor e de esposa domstica (Crompton,2006). Afinal, Portugal tem hoje uma das mais elevadas taxas de actividade

    feminina a tempo inteiro da Europa, situao singular particularmente nocontexto da Europa do sul (grfico 1). Neste captulo, procuramos,consequentemente, apresentar sinteticamente as principais mudanasoperadas na diviso do trabalho, destacando a expanso de um modelo decasal de duplo emprego que, no obstante as desigualdades persistentes naesfera domstica, tem vindo a alterar a associao inequvoca entremasculinidade e sustento da famlia. Mais do que nunca, oportuno perceberat que ponto a mudana na diviso do trabalho profissional se traduz emnovas formas de participao masculina na esfera domstica e nos cuidados

    parentais. Alm disso, num segundo momento da anlise, analisamos tambmas mudanas operadas no plano normativo, investigando os ideais face aospapis masculinos e femininos na vida profissional e familiar. Que modelo dediviso do trabalho hoje considerado mais desejvel? Como tm osindivduos, neste caso os homens, reagido s mudanas que objectivamentetm transmutado o modelo tradicional de vida familiar? Que resistncias etenses encontramos? Estas so algumas questes que procuramos analisar edebater neste captulo de contextualizao, introduzindo ao leitor indagaescentrais que atravessam os vrios captulos deste livro, bem como a pesquisa

    que lhe serviu de base.

    40

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    Grfico 1.1 Taxa de emprego na populao entre 15-64 anos, 2005

    Fonte: Eurostat.

    Do homem provedor ao duplo emprego: Equilbrios de gnero nadiviso do trabalho pago

    Sem dvida, o aumento exponencial da participao feminina no mercadode trabalho uma das mudanas que, ao longo das ltimas dcadas, maisimpacto teve na organizao da vida familiar e da sociedade em geral. EmPortugal, tal como sucedeu em outros pases europeus, a taxa de actividadefeminina cresceu a um ritmo intenso nas ltimas dcadas, passando, napopulao com 15 ou mais anos, de menos de 30% em 1981 para 56,2% em2008 (quadro 1.1). Indubitavelmente, as mulheres entraram progressiva emassivamente na vida activa, diminuindo, ao longo dos ltimos trinta anos,

    a distncia face aos homens. Em grupos etrios mais jovens, e mais activos,este diferencial tambm bastante mais reduzido, com mais de 80% dasmulheres entre os 25 e os 44 anos inseridas na vida activa. Enquanto a taxade actividade masculina se tem mantido relativamente constante, entre 1998e 2008 as mulheres deste grupo etrio aumentaram significativamente a suapresena no mercado de trabalho (quadro 1.1).

    Acompanhando esta tendncia geral para o reforo da presena das mulheresno mercado de trabalho, registou-se tambm uma mudana nas idades e nas

    fases da vida em que as mulheres trabalham mais intensamente. A expanso doemprego feminino na dcada de 1960 alimentou-se sobretudo do incremento da

    Mulheres Homens

    EU25

    Malta

    Itlia

    Grcia

    P

    olnia

    Luxem

    burgo

    Eslovquia

    Hungria

    Es

    panha

    B

    lgica

    Rep.

    Checa

    Frana

    I

    rlanda

    Chipre

    Litunia

    Alemanha

    L

    etnia

    ustria

    Eslovnia

    Po

    rtugal

    E

    stnia

    Reino

    Unido

    Holanda

    Fin

    lndia

    Sucia

    Dina

    marca

    90

    80

    70

    60

    50

    40

    30

    20

    Homens

    71,2 73,5 70,274,5

    58,2

    72,4

    64,1 63

    7573,3

    67,769

    76,279,5

    66,3

    71,1

    66,9

    75,1

    70,273,4

    66,5

    77,379,9

    71

    74,6

    80,1

    56,3

    33,6

    45,4 46,2 46,4

    50,6 50,8 50,9 51,254,1

    5657,9 58 58,5 59,2

    59,3 59,461,7 61,7 61,9

    63,565,8 66,4

    67,470,5 70,8

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  • 8/9/2019 A Vida Familiar no Masculino. Negociando Velhas e Novas Masculinidades

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    actividade profissional nos grupos das mulheres mais jovens e solteiras quesubstituam os homens que haviam partido para combater em frica ouemigrado para outros pases europeus. O casamento e, sobretudo, o nascimento

    de um filho eram habitualmente barreiras que impediam as mulheres depermanecer no mercado de trabalho. Porm, a partir dos anos setenta dosculo XX, este padro vai alterar-se, passando a incluir mulheres maisvelhas, casadas e mes de filhos. A revoluo normativa, quer na lei, quernos costumes, trazida pelo 25 de Abril, o aumento rpido da escolaridadefeminina, bem como o desenvolvimento de actividades econmicas no sectortercirio, capazes de absorver cada vez mais mo-de-obra feminina, contriburamdecisivamente para a permanncia das mulheres no emprego (Almeida et al.,1998). Este , sem dvida, um processo importante que interpela directamente

    a organizao da vida familiar. Enquanto nos anos 1960, eram as mulheresjovens, entre os 15 e os 19 anos, as que mais participavam no mercado detrabalho, em grande parte dos casos antes do casamento e do nascimento dosfilhos, actualmente, porm, a maior percentagem de actividade femininaencontra-se entre mulheres na faixa etria dos 25-29 anos. Nos grupos deidade seguintes mantm-se a tendncia, permanecendo elevados os valoresdo emprego feminino. Entre os 25 e os 34 anos, precisamente na fase do cursode vida pessoal em que mais frequentemente se entra numa relao conjugale se me, 86,6% das mulheres so activas; entre os 35 e os 44 anos, 84,7%

    esto igualmente inseridas no mercado de trabalho (valores de 2008).

    Do ponto de vista da famlia, estas alteraes significam, pelo menos ao nveldo trabalho pago, a passagem de um modelo de organizao familiar centradonuma diviso diferenciada dos papis de gnero o homem, fora de casa,responsvel pelo ganha-po; a mulher, domstica, consagrada lida da casa eaos cuidados dos filhos para um modelo de famlia centrado numa divisomais simtrica e igualitria dos papis de gnero, em que ambos os cnjugesparticipam no mercado de trabalho e contribuem para o rendimento familiar.

    No entanto, esta passagem no se deu de forma clara e linear, sem quepermanecessem desigualdades de gnero ao nvel do trabalho pago. O declniodo modelo de ganha-po masculino indubitvel, mas as modalidades dediviso familiar do trabalho que emergiram so variadas e combinam, de formacomplexa, continuidades e descontinuidades em relao ao modelo anterior(Crompton, 2006; Lewis, 2002). Algumas dessas tendncias de desigualdadeso intrnsecas prpria estrutura do emprego feminino e masculino, oprimeiro habitualmente mais precrio, desqualificado e mal pago do que osegundo (quadros 1.1 e 1.2). Alm disso, em Portugal, bem como na globalidade

    dos pases europeus, os homens continuam a ter uma taxa de actividadesignificativamente mais elevada.

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    Quadro 1.1 Evoluo da escolaridade e taxa de actividade, 1981-2008

    Fonte: INE, Inqurito ao Emprego, Censos; *Inqurito ao Emprego 1992.

    Quadro 1.2 Remunerao mdia mensal de base, no Continente, por sexo Unidade:

    Fonte: MTSS-DGEEP-Quadros de Pessoal.

    A anlise da taxa de desemprego e da sua evoluo ao longo dos ltimosanos mostra-nos a maior fragilidade da insero laboral das mulheres, porcomparao com a menor incidncia de desemprego entre os trabalhadores

    homens. Por outro lado, a observao da diferena salarial mdia entrehomens e mulheres no deixa margem para dvidas quanto s menores

    1995 1998 1999 2000 2002 2007

    Total 584 567,34 588,3 613,83 687,48 806,07Homens 656 627,90 652,0 677,50 747,40 876,75

    Mulheres 475 480,20 498,5 524,50 601,00 712,72

    Rem. Mulheres/ Rem. Homens (%) 00 72,4 076,50 076,5 077,40 080,40 081,30

    1981 1991 1998 2000 2001 2004 2008

    Escolaridade e mercado de trabalho

    Populao residente com 20 e mais anos como ensino mdio/superior completo (%) 03,8 05,3 009,3

    Homens (%) 03,7 05,2 008,3

    Mulheres (%) 03,8 05,4 010,1

    Taxa de actividade (pop. activa > 14 anos/ total pop.) 42,5 44,9 050,3 051,1 051,7 052,2 062,5

    Masculina 57,1 54,4 057,4 057,9 058,4 058,1 069,4

    Feminina 29,0 36,0 043,7 044,8 045,5 046,7 056,2

    Taxa de actividade por grupos de idade

    25-34 anos HM 085,6* 086,7 087,5 087,6 088,8 090,0

    25-34 anos H 093,3* 092,8 092,5 092,2 091,9 092,8

    25-34 anos M 078,5* 080,7 082,4 083,1 085,7 086,6

    35-44 anos HM 084,6* 086,1 086,8 087,2 088,6 089,9

    35-44 anos H 096,7* 095,1 093,9 094,8 094,5 094,6

    35-44 anos M 073,5* 077,5 080,0 079,8