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A Literatura Infantil Angolana no Período Pós-Independência: Estudo sobre a Escritora Cremilda de Lima Kanguimbu Ananaz

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A Literatura Infantil Angolanano Período Pós-Independência:

Estudo sobre a Escritora Cremilda de Lima

Kanguimbu Ananaz

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TítuloA Literatura Infantil Angolana no Período Pós-Independência:

Estudo de sobre da Escritora Cremilda de Lima

AutoraManuela Ananaz “Kanguimbu Ananaz”

Coordenador EditorialJoão Trindade dos Santos

PaginaçãoMateus Alexandre / Mukonda Félix Kalú

CapaMukonda Félix Kalú

EditoraEditora das Letras, S.A.

Pré-Impressão, Impressão e AcabamentoGestGráfica, S.A.

Ano / Edição / Tiragem2018 / 1.ª Edição / 3.000 Ex.

Depósito Legaln.º 8439/2018

ISBN 978-989-762-239-7

Rua Kwamme Nkrumah n.º 252Maianga, Luanda — Angola

E-mail: [email protected]: + 224 916 525 080

www.editoradasletras.com

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Dedicatória

Dedico à memória dos meus pais.

António da Conceição Ananaz e Margarida Fernanda Ananaz sem me esquecer as crianças de Angola e do mundo.

Kanguimbu Ananaz

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Agradecimentos

À família Ananaz (irmãos, filhos, sobrinhos e netos).

Ao meu orientador, Professor Doutor Francisco Noa, Reitor da Universidade De Lúrios, Moçambique.Pelas suas grandes qualidades humanas e intelectuais.

Aos Professores Doutores Alexandre Chicuna, Amélia Mingas, Manuel Mwanza e Petelo Gimanau.

Aos Meus colegas de luta académica André Mateus “Kikas“, Akiz Neto, Amaro Bras, Filipa Ferreira, João Mpiana, Mangel Faria, Scott Kambolo “Tiaka-Tiaka“, e Zola Mbenga.Pela paciência e solidariedade

Aos meus confrades membros daUnião dos Escritores AngolanosAdriano Botelho de Vasconcelos, António Pompílio, Carmo Neto e John Bella.

Ao Banco de Poupança e Crédito de Angolapela responsabilidade social no apoio na Literatura Angolana.

Para terminar à Escritora Cremilda de Limapelo seu empenho e pela sua dedicação ao desenvolvimentoda Literatura Infantil Angolana!

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"A Literatura proporciona-nos grandes viagens de continente acontinente, mas sem bilhete de passagem."

Kanguimbu Ananaz

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Minha alma

Minha alma produz amor, trezentos e sessenta e cinco dias para o meu equilíbrio espiritual, físico e mental.

Kanguimbu Ananaz

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Sumário

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .13

CAPÍTULO I: A Literatura AngolanaA Literatura Infantil Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .23Breve Historial da Literatura Infantil . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24A Literatura Infantil Angolana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27

CAPÍTULO II: A autora – Cremilda de LimaVida e obra da autora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .41Contextualização das obras da autora . . . . . . . . . . . . . . . . 44O Narrador. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .48Estudo das personagens . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .54Estudo do Espaço . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61Estudo do tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .63Estudo da Acção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .68Modos de representação e de expressão . . . . . . . . . . . . . . 70O discurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .75O uso de termos oriundos das línguas nacionais . . . . . . . . 99

Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .105Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .108

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Prefácio

Antes de mais permitam-me manifestar a honra que tenho em prefaciar esta obra da célebre escritora, psicóloga e consultora social Kanguimbu Ananaz. Dentre várias razões, destaco apenas uma que tem a ver com a admiração, respeito e reconhecimento; que nutro pela escritora, tendo em conta o seu papel, de suma relevância para a promoção da Literatura, assim como da cultura angolanas; elementos que têm sido objecto do trabalho da vida da escritora ao longo destes anos.

O presente livro emerge da dissertação de Mestrado de Kanguimbu Ananaz, intitulada “A Literatura Infantil Angolana no período Pós-independência: Estudo sobre a Escritora Cremilda de Lima”, orientada pelo Professor Doutor Francisco Noa, Magnífico Reitor da Universidade de Lúrios, em Moçambique; e apresenta uma grande reflexão sobre a Literatura Infantil Angolana na actualidade; portanto foca o percurso, as características, os autores (com particular realce para Cremilda de Lima), as dificuldades.

Kanguimbu dá início à sua abordagem, esmiuçando o percurso histórico da Literatura Infantil Angolana, envolvendo assim a origem, o conceito, as fases de evolução e as suas características fundamentais. Destaca, entretanto, a questão do Nacionalismo e Pós-nacionalismo nas artes (para o caso da Literatura), isto é, ao pormenor; mostra o casamento que houve entre a Literatura e a Política, uma vez que estes movimentos literários, e não só, estão ligados à História de Angola.

“Para uma melhor compreensão deste fenómeno “nacionalista e pós-nacionalista” temos, portanto, de mergulhar na História de Angola. Entenda-se que a História da Literatura Angolanaestá directamente ligada à História do país”

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Manuela Ananaz

A autora demonstra com muita objectividade, com toda a sua técnica de abordagem, as motivações que estiveram na base do surgimento do “Nacionalismo” em Angola. De realçar que, segundo estudos, em consonância com a autora, para que surja tal fenómeno é necessário que os interesses da nação estejam comprometidos, inviabilizados, obstruídos; colocando assim o povo numa situação bastante difícil. Portanto, o elevado grau de descontentamento leva o povo a lutar pelos seus interesses:

“Os escritores durante a luta de libertação nacional e antes dela sofreram perseguição, estiveram nas cadeias ou no

exílio, perderam portanto a sua liberdade” Neto [1977 : 11]

Depois, como assinala Kanguimbu, chegou a Independência. A reivindicação deixou de fazer sentido. Nasceu o Pós-colonialismo cujos interesses têm a ver com “A Angola de hoje”, portanto descreve os problemas de uma nova Angola - a bruxaria, a violência doméstica, a prostituição, a exploração de menores, etc.

Em teoria, Kanguimbu, no seu primeiro capítulo, leva-nos a uma viagem única, original e surpreendente à História de Angola por via da Literatura.

Kanguimbu dá sequência à sua abordagem, apresentando a escritora em estudo - Cremilda de Lima. Ressalta, entretanto, a sua trajectória académica e literária, visto que é professora e escritora conceituada com uma reputação construída com muito trabalho e sacrifício. Dai o mérito. Além disto, recheada de qualidade, Kanguimbu situa a escritora no tempo e no espaço, isto é, os escritores em Angola, geralmente, pertencem a uma dada época só - ou são nacionalistas (aqueles que surgiram depois da Independência):

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Literatura Infantil Angolana

“Cremilda de Lima - pertence ao movimento pós-nacionalista. Entre as várias razões que estão na base deste nosso enquadramento, destacamos o facto da Literatura Infantil Angolana nascer apenas no período Pós-independência, associada à proclamação da Independência nacional e ao surgimento da União dos Escritores Angolanos (U.E.A,) fundada por grupo de cidadãos/escritores - António Agostinho Neto, António Jacinto, Luandino Viera, Arnaldo Santos, Artur Pestana Pepetela, Uanhenga Xitu, Manuel Rui Monteiro,

Maria Eugénia Neto”

Por fim, Kanguimbu, com elevada mestria e seriedade, faz um estudo minucioso sobre as obras da escritora. Demonstra, na verdade, como Cremilda narra as suas histórias, constrói as suas personagens, escolhe os espaços em que se movimentam as personagens e delimita a sua acção. Além disto, ela vai mais além: traz à luz a coabitação entre o Português e as Línguas Nacionais (Kimbundo, Kikongo, Umbundu) nas obras de Cremilda, assim como expõe os principais temas em análise nas obras da autora.

De resto, sou de opinião que é uma obra de suma relevância, muito pertinente e interessante, uma vez que é muito transversal. Ao lê-la aprende-se muito sobre a História de Angola, a Literatura Angolana, a Política e a Cultura. Desta forma, recomendo aos leitores que a leiam fazendo jus ao lema

“Ler é saber, ler é crescer”.

Bairro Benfica, 21 Janeiro 2017Zola Mbenga, Me.

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Introdução

“A Literatura Infantil Angolana no Período Pós-Independência: Estudo de caso da Escritora Cremilda de Lima” vamos demonstrar e explicar como surgiu, evoluiu e se consolidou esta magna Literatura, assim como a referida escritora, fazendo alusão às várias fases por que passou e o lugar que ocupa hoje a nível nacional e internacional.

Ao efectuarmos esta pesquisa queremos dar resposta a várias inquietações que têm a ver com a Literatura Infantil Angolana no geral, e, em particular, com as obras da escritora Cremilda de Lima.

Para dar corpo ao trabalho, começaremos por fazer uma incursão histórica sobre a Literatura Infantil Angolana; a seguir faremos a apresentação da autora, isto é, vida e obra, e a posteriori faremos uma demonstração prática daquilo que é a Literatura Infantil Angolana, mas olhando atentamente para as características da mesma nas obras de Cremilda de Lima.

Reputamos este estudo de muito importante, pois com ele teremos muitas facilidades no que concerne aos mecanismos que nos ajudam a perceber, identificar e analisar as diversas obras que fazem parte da Literatura Infantil angolana.

Este tema é de maior relevo, uma vez que, queiramos ou não, ele reflecte-se nos aspectos que usamos no dia a dia. Assim, no âmbito da nossa análise, tentaremos responder às seguintes questões: O que é a Literatura Infantil Angolana? Quais são os precursores desta Literatura? Como e quando surgiu? Quais as características desta Literatura? Quem é Cremilda de Lima? Qual foi o seu contributo em prol desta Literatura? Que lugar ocupou e ocupa dentro desta Literatura a nível nacional e internacional?

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Manuela Ananaz

Para a materialização do nosso trabalho usamos os seguintes métodos:

a) Método oralConversaremos com os escritores que se dedicam à literatura infantil, cidadãos que trabalham nas escolas e creches e contam histórias infantis, docentes de Língua Portuguesa e Literatura Infantil, locutores de rádio dos programas de literatura infantil.

b) Método de confrontação de dados no terrenoNós deslocar-nos-emos às Escolas do Ensino primário, Iº e IIº Ciclo do Ensino Secundário, afectas ao Ministério da Educação, às Faculdades, afectas ao Ministério do Ensino Superior, às Universidades privadas, Estações radiofónicas, Creches, etc. Para assistir às aulas de Literatura e observar como contam os contos.

c) Método de análise e interpretação dos dadosDepois de realizarmos a pesquisa oral, analisaremos todos os dados recolhidos por intermédio da interpretação.

d) Recurso à bibliografia de apoioFaremos uma leitura pormenorizada a todas as obras da autora, assim como as diversas obras que falam da literatura infantil em geral e em particular da literatura infantil angolana.

O objectivo deste trabalho é trazer ao público em geral informações sobre a Literatura Infantil Angolana no período Pós-independência e sobre o papel de Cremilda de Lima na criação e materialização desta.

a) Demonstrar aos estudantes, docentes, e leitores em, geral qual é a importância da Literatura Infantil Angolana no período Pós-independência, assim como a importância da escritora em estudo;

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Literatura Infantil Angolana

b) Despoletar o interesse nos estudantes, docentes, e leitores em geral pela investigação dos diversos aspectos ligados à Literatura Infantil Angolana no período Pós-independência e por Cremilda de Lima.

Ao efectuarmos o presente estudo, definimos um limite para o nosso tema. Portanto, decidimos limitar o nosso tema à Literatura Infantil Angolana no período Pós-independência, mas com particular realce para as obras da escritora Cremilda de Lima; por esta razão é que o trabalho terá dois capítulos – no primeiro: A literatura Angola, faremos uma incursão histórica à origem da Literatura Infantil e à Literatura Infantil Angolana, enquanto no segundo: A autora - Cremilda de Lima, faremos a apresentação da escritora e o estudo das suas obras.

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CAPÍTULO I

A Literatura Angolana

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Como é da praxe, atendendo à natureza da nossa abordagem, não podemos marcar passos para frente, sem antes abordarmos a questão da Literatura Angolana no que concerne à sua génese. Na verdade, isto não ocorre por mero acaso, isto é, a Literatura Angolana, ao nosso ver, pode materializar-se de duas formas distintas – oral e escrita. Porém, tem duas partes que a compõem, que nós, à luz deste trabalho designamos – Literatura Angolana Nacionalista e Pós-nacionalista, sendo nesta última que encontramos a Literatura Infantil.

Para uma melhor compreensão deste fenómeno “nacionalista e pós-nacionalista” temos, portanto, de mergulhar na História de Angola. Entenda-se que a História da Literatura Angolana está directamente ligada à História do país.

Nesta ordem de ideias, à luz de estudos feitos, em pleno acordo, aferimos que o Nacionalismo é simultaneamente uma doutrina e um sentimento. Consiste, entretanto, na exaltação da própria nação. Relativamente à nação, para melhor compreendermos a essência do Nacionalismo, segundo LEIRIA (2009:7), cinco elementos, singular ou colectivamente, têm sido apontados como seus constitutivos fundamentais – o território, a raça, a língua, a cultura e a vontade de ter um destino comum. Portanto, queiramos ou não, de acordo com o autor acima citado, o nacionalismo pode afectar todas as dimensões da existência colectiva, ou seja, a religião, a língua, a literatura, a arte, a filosofia, a política.

Reza a história que o nacionalismo teve maior impacto na política, embora tenha tido uma participação activa nos demais sectores. Em todo o caso, em acordo com a história, no particular caso de Angola, o fenómeno começa na política e depois é que passa para as outras áreas como é o caso da literatura.

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Parafraseando LEIRIA (2009:7), para que surja e se materialize este tipo de processo, “os povos devem se sentir oprimidos, o que os levará a lutar em conjunto para a Independência e soberania da nação”.

Foi precisamente o que aconteceu ao povo angolano aquando da colonização. Ocorre, entretanto, que, durante a administração colonial, segundo NETO (1977:1)1, os “escritores durante a luta de libertação nacional e antes dela sofreram perseguição, estiveram nas cadeias ou no exílio, perderam portanto a sua liberdade, mesmo dentro do país foram politicamente segregados, portanto colocados em situações especiais”.

Para MBENGA (2015:2) a razão desta opressão era óbvia, uma vez que, naquela altura, digamos, durante a vigência da administração colonial, não se podia falar de certos assuntos, uma vez que feriam a sensibilidade do colonizador. Enquanto no ver de Leiria (2009:9), entre as muitas razões que estiveram na base disto, destaca-se que “a política de assimilação cultural e ensino era precária. O colono aplicou o conceito “dividir para melhor reinar” e banalizou o ensino, ou seja, trouxeram a escrita, mas o modelo que adoptaram para o ensino não era viável, pois só os brancos e assimilados, que eram poucos, beneficiavam do ensino”.

Portanto, em razão disto e de muitas outras coisas mais, não havia como sair desta situação senão por via de uma revolução bem assente nos princípios estruturantes do nacionalismo. Queremos com isto dizer que o elevado grau de maus tratos, humilhação, opressão, etc. suscitou, no seio dos angolanos com maior grau de instrução, um forte descontentamento (entenda-se que – na óptica de Inocência da Mata2 – havia naquela altura uma classe de letrados a quem se chamou elite intelectual multirracial

1 Citado por Mbenga (2015:2)2 Inocência da Mata “O pós colonial nas literatura africanas de língua portuguesa”, Lisboa: Faculdade de Letras.

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feita de contribuições originárias de entidades). E como resultado de tal descontentamento forma-se a literatura nacionalista, que LEIRA [2009:9] assume ser “uma literatura carregadamente política, cujo principal objectivo era denunciar e contestar o Colonialismo português, e clamar pela Independência de Angola”. De acordo com o mesmo autor, “o nacionalismo faz da literatura arma de revolução”. Neste período, há preferência por temas sobre o protesto, a denúncia, o lamento, o miserabilismo, a prisão, a tortura e o desejo de emancipação. Há neste período o que muitos chamam de “busca da angolanidade”, que é a forma de manifestar uma fisionomia literária que, quando lida, mostrasse ser “made in Angola”.

Como todo o processo normal, teve o seu fim após os objectivos preconizados serem alcançados, ou seja, Angola alcançou a sua Independência; a luta de libertação começou em 1961 e terminou em 1975 com a proclamação da Independência. Portanto, a reivindicação deixou de fazer sentido. Logo após a Independência, surgiu o Pós-colonialismo. Na verdade, Angola tornou-se um país independente, assim, como bem nota Leiria (2009:9) interessa-se mais em descrever os acontecimentos de uma nova Angola – a Angola independente. Vai, portanto, mostrar a realidade angolana do período pós-independência (...). Surgem temas como o machismo, a poligamia, a infidelidade, a corrupção, o abuso de poder. Já não é uma literatura feita por colonizados, por negros oprimidos, por angolanos dominados, mas sim uma literatura feita por homens livres e independentes, por indivíduos com ideais variados e cujos temas realçam diversos aspectos.

Estes dois períodos, como bem notamos, surgem em momentos e contextos diferentes, logo fazem abordagens de questões totalmente diferentes. Como bem dissemos anteriormente o Nacionalismo encarrega-se do período que antecede a Independência com o intuito de acabar/combater a colonização, incentivar a população a lutar pela Independência, promover a igualdade

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entre pessoas independentemente da cor, raça ou etnia, lutar para que Angola fosse liderada por angolanos, despertar a população para uma luta colectiva contra a opressão. Enquanto o Pós-colonialismo vai dedicar-se exclusivamente a chamar a atenção dos angolanos sobre os diversos problemas que surgem nesta “nova Angola”, ou seja, a sua abordagem gira em torno dos diversos temas que espelham a vida dos angolanos.

Para Yolanda Pires (2012:8) é difícil precisar os reais objectivos desta parte da literatura angolana, uma vez que toda a situação ou acontecimento pode ser motivação para um escritor, o que torna a temática muito abrangente.

Quadro Síntese das Características doNacionalismo e Pós-Nacionalismo

Nacionalismo Pós-nacionalismo

Escrita antes da independência Escrita depois da independência

A cor da pele é muito relevante A cor da pele deixa de ter relevância

É uma literatura maniqueísta Não há maniqueísmo

Os brancos são exaltados, são os detentores do poder Os brancos são inexistentes

Retrata a vida rural, os bairros humildes, as sanzalas, as aldeias. Retrata a vida urbana, as cidades.

Os temas têm a ver com escravatura, opressão, revolta.

Os temas têm a ver o machismo, corrupção, poligamia, abuso de poder.

Em resumo, com esta breve incursão histórica, era nossa intenção demonstrar as fases por que passou a literatura angolana, afim de situar o leitor no que tange a Literatura Infantil. Nesta senda, convém ressaltar que a literatura infantil angolana surge logo após a proclamação da Independência

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nacional com o surgimento da União dos Escritores Angolanos (U.E.A), fundada por um grupo de cidadãos/escritores - António Agostinho Neto, António Jacinto, Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Artur Pestana Pepetela, Uanhenga Xitu, Manuel Rui Monteiro, e Maria Eugénia Neto.

Com o surgimento de tal Instituição, a produção literária não se fez esperar, isto é, surgiram muitas oportunidades para os angolanos amantes das letras. Na realidade, a UEA, assumiu o protagonismo da actividade editorial e não tardou a fazer publicações. Portanto, de acordo com a História, no dia 1 de Dezembro de 1977, o Conselho Nacional de Cultura fez sair a obra infantil “A Caixa”, da autoria do escritor Manuel Rui, para comemorar o 1º de Dezembro, o Dia do Pioneiro Angolano. O livro “A Caixa” de Manuel Rui foi o primeiro livro infantil escrito no período Pós-independência.

A Literatura Infantil Conceito

A Literatura Infantil é um ramo da Literatura que se dedica especialmente às crianças, jovens e adolescentes. Fazem parte desta Literatura as histórias fictícias infantis e juvenis, biografias, novela, poemas, obras folclóricas e culturais.

Regra geral, o conteúdo de uma obra infantil depende muito da idade do leitor, isto é, a idade varia entre dois a quatro anos de idade.

Relativamente às características da Literatura Infantil, Ruz (2011:01) salienta que os livros infantis são compostos por ilustração e texto, embora o formato do mesmo varie muito. A autora continua afirmando que (…) constituem elementos importantes como a forma, cor, textura, dimensão do texto.

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A autora denota que o grande desafio de um autor infantil é produzir um texto que seja tão imaginário que, com a ajuda das ilustrações, se torne interessante, abordando, portanto, o universo infantil. Na verdade, parafraseando a autora, na literatura infantil há a necessidade da convivência de duas vertentes: a ilustração e o literário.

Entre muitas características da literatura infantil destacam-se as seguintes:

a) São livros muito ilustradosb) Faz-se o uso constante do discurso directoc) São narrativas de muita acçãod) O final é sempre felize) Usam uma linguagem muito simplesf) São textos muito clarosg) São textos curtosh) As personagens principais são crianças, animais, heróis.i) O maravilhoso é muito importante.

Breve Historial da Literatura Infantil

Segundo Cíntia Maria Basso3 a literatura infantil encontra-se dividida em dois momentos fundamentais - a escrita e a lendária, a oralidade. Para a autora, a lendária surge da necessidade iminente que tinham as mães de se comunicar com os seus filhos, de contar coisas que os rodeavam, sendo estas apenas contadas, não sendo registadas por escrito, ou seja, aquela que ocorre durante o período de gestação e depois dele, digamos, uma espécie de literatura oral. Já a outra fase, a da escrita entre, surge no século XVII, aquando da escrita das histórias contadas oralmente.

3 Extraído do artigo “A literatura infantil nos primeiros anos escolares e a pedagogia de projetos” acessado em www.google.com aos 13/03/2015.

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Para Ligia Cademartori (1994)4 os primeiros livros infantis foram portanto obras de fundo satírico, concebidas por intelectuais que lutavam contra a opressão para estigmatizar e condenar usos, costumes e personagens que oprimiam o povo. Os autores, para não serem atingidos pela força do despotismo, foram obrigados a esconder as suas intenções sob um manto fantasioso.

Na óptica de Cademartori (1994) a Literatura Infantil teve o seu início marcado com Perrault, entre os anos de 1628 e 1703, com os livros “Mãe Gansa”, “O Barba Azul”, “Cinderela”, “A Gata Borralheira”, “O Gato de Botas”, etc. Posteriormente surgem os seguintes escritores: Hans Christian Andersen, Carlo Collodi, Jacob Grimm, Wilhelm Grimm, Lewis Carrol, e Wilhelm Bush.

Dali para a frente, a Literatura Infantil ganhou espaço e tornou-se de suma importância para o ensino e não só. A este propósito, - Cíntia Maria Basso5 advoga que a criança que desde muito cedo entra em contacto com a obra literária escrita terá uma compreensão maior de si e do outro. Terá a oportunidade de desenvolver o seu potencial criativo e ampliar os horizontes da cultura e do conhecimento, percebendo o mundo e a realidade que a cerca.

Já Bettelheim (1996:20), na mesma senda, avança que (...) enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento da sua personalidade. Oferece significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida da criança.4 Citado por Cíntia Maria Basso “A literatura infantil nos primeiros anos escolares e a pedagogia de projetos” acessado em www.google.com aos 13/03/2015.5 Idem.

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Enquanto que AGUIAR, Vera Teixeira e BORDINI, Maria da Glória (1993:14) teorizam que

(...) a obra literária pode ser entendida como uma tomada de consciência do mundo concreto que se caracteriza pelo sentido humano dado a esse mundo pelo autor. Assim, não é um mero reflexo na mente, que se traduz em palavras, mas o resultado de uma interacção ao mesmo tempo receptiva e criadora. Essa interacção processa-se através da mediação da linguagem verbal, escrita ou falada (...)

Em consonância com as referidas autoras, Cademartori (1994:23) afirma que (...) a literatura infantil se configura não só como instrumento de formação conceptual, mas também de emancipação da manipulação da sociedade. Se a dependência infantil e a ausência de um padrão inato de comportamento são questões que se interpenetram, configurando a posição da criança na relação com o adulto, a literatura surge como um meio de superação da dependência e da carência por possibilitar a reformulação de conceitos e a autonomia do pensamento.

A este propósito Lima (2012:5-6) denota o seguinte:

“A literatura infantil é destinada especialmente às crianças entre dois a dez anos de idade. O conteúdo de uma obra infantil precisa ser de fácil entendimento pela criança que a lê, seja por si mesma, ou com a ajuda de uma pessoa mais velha. Além disso, precisa de ser interessante e, acima de tudo, estimular a criança.

Os primeiros livros direccionados às crianças foram feitos por professores e pedagogos no final do século XVII, com o objectivo de passar valores e criar hábitos. Actualmente a literatura infantil não tem só esse objectivo, também é usada para propiciar uma nova visão da realidade, diversão e lazer.

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Obras literárias destinadas às crianças com dois a quatro anos de idade possuem apenas grupos de palavras e/ou poucas e simples frases. Aqui, os livros são coloridos e/ou possuem muitas imagens ou fotos, tanto porque a criança está apenas começando a aprender a ler, bem como estimula a criança por mais livros/histórias.

Livros dedicados a leitores entre quatro a seis anos apresentam maiores grupos de palavras organizados em um texto, sem abrir mão de estímulos visuais mencionados acima.

As obras literárias feitas para crianças dessas idades começam a possuir cada vez menos cores e imagens, e apresentando textos cada vez mais complicados e explicativos, uma vez que o jovem leitor, agora já em fase escolar, é estimulado a encontrar respostas por ele mesmo o começo da nacionalização.”

A Literatura Infantil Angolana

A História da Literatura Infantil Angolana remonta à ancestralidade, isto é, muito antiga. Na verdade, a literatura infantil angolana surge logo após a proclamação da Independência nacional, para ser mais preciso, com o surgimento da U.E.A.

De acordo com Maria Celestina Fernandes (2011:275) (…) Um mês depois, a 10 de Dezembro de 1975, foi proclamada a União dos Escritores Angolanos (UEA), por um punhado de cidadãos, alguns já reconhecidos escritores, como António Agostinho Neto, António Jacinto, Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Artur Pestana (que usa o apelido de guerra Pepetela, que significa pestana em Kimbundo), Agostinho Mendes de Carvalho (de nome kimbundo Uanhenga Xitu), Manuel Rui Monteiro e outros tantos, alguns ainda desconhecidos. Apenas uma mulher subscreveu a acta constitutiva

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da UEA, essa mulher é Maria Eugénia Neto, esposa de Agostinho Neto, que fazia parte da lista de escritores sem obra publicada na altura. Agostinho Neto foi eleito primeiro presidente da Assembleia-Geral da União dos Escritores Angolanos, tendo a tomada de posse tido lugar a 24 de Novembro de 1977.

Entretanto, segundo a autora supracitada, com Angola livre da opressão colonial, com a instituição da UEA e todo o incentivo dado pelo presidente Agostinho Neto, a produção literária não se fez esperar. Muitas oportunidades e horizontes se abriram para os angolanos amantes das letras. A UEA, que, para além de ser uma organização, associativa chamou também a si a actividade editorial, em muito pouco tempo fez sair uma série de obras, algumas delas reedições de livros de autores que já tinham dado à estampa na era colonial (…) Assim, na óptica de Fernandes (2011:276), aqueles que escreviam e guardavam os seus textos em gavetas, os que queimaram o tempo, preenchendo folhas de cadernos durante o cativeiro nas masmorras coloniais e no exílio, ou nas zonas de guerrilha libertadas, saíram do anonimato. A UEA foi, de facto, a primeira editora angolana, tendo publicado no início obras de grande valor literário e em grandes tiragens. Do lado das pessoas houve grande entusiasmo, havia a ânsia de conhecer a Literatura Angolana escrita pelos próprios angolanos, e mesmo os que não sabiam ler adquiriam livros, talvez com a esperança de em pouco tempo poderem lê-los, visto que a tarefa de alfabetização conheceu grande dinamismo e adesão populacional durante o regime socialista que vigorou nos primeiros anos de Independência.

Foi assim que, segundo Fernandes (2011:279)6, (…) no dia 1 de Dezembro de 1977, o Conselho Nacional de Cultura fez sair a obra infantil “A Caixa”, da autoria do escritor Manuel Rui, para comemorar o 1º de Dezembro, o Dia 6 Extraído do livro “O que é a qualidade em literatura infantil e juvenil” organizado por Ieda de Oliveira.

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do Pioneiro Angolano. O livro “A Caixa” de Manuel Rui foi o primeiro livro infantil escrito no período Pós-independência.

Cremilda de Lima, em consonância com a autora supracitada, enfatiza, a propósito do percurso da Literatura Infantil Angolana, que os primeiros autores e os respectivos livros são: Maria Eugénia Neto “E nas florestas os bichos falaram” publicado em 1972, Pepetela “As aventuras de Ngunga” também publicado em 1972, Manuel Rui Monteiro “A caixa” publicado em 1977, Maria Eugénia Neto “As nossas mãos constroem a liberdade” e “A formação de uma estrela e outras histórias na terra” publicados em 1979.

Fernandes (2011:280), em relação aos “percursores da literatura infantil angolana”, avança que a Manuel Rui coube a honra de ser o primeiro escritor a produzir uma obra para crianças em Angola, logo após a Independência. Já Pepetela, o professor guerrilheiro, havia escrito, nas zonas libertadas do MPLA, um livro que se destinava ao ensino de crianças e adultos, intitulado “As Aventuras de Ngunga”, editado pela primeira vez em 1972, pelo Serviço de Cultura do MPLA. Na verdade, foi este o primeiro livro infantil angolano que chegou às mãos do público fora das matas, editado em 1975 pela União dos Escritores Angolanos. E a par destes dois vem Maria Eugénia Neto que também escreveu durante a guerrilha a obra “A Montanha do Sol”, mas esta apenas foi editada pela primeira vez em 1989 pelo CEBI- Centro de Bem-Estar Infantil de Alverca (Portugal).

Nesta ordem de ideias, segundo Fernandes (2011:280), a literatura infantil angolana como tal nasceu no Pós-independência, no INALD (Instituto Nacional do Livro e do Disco).

Portanto, ao nível da imprensa radiofónica, como relata Fernandes (2011:282), surgiu no início dos anos oitenta o programa Rádio-Piô e na imprensa escrita, no Jornal de Angola, uma página Suplemento Infantil,

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com o objectivo de difundir histórias angolanas, pelo que se tornava imperioso haver quem as escrevesse. Deste modo, a partir de um núcleo de funcionários do INALD - Instituto Nacional do Livro e do Disco, órgão adstrito à então Secretaria de Estado da Educação e Cultura, surgiram os escritores de Literatura Infantil Dário de Melo, Octaviano Correia, Gabriela Antunes, Rosalina Pombal e Cremilda de Lima. A maioria desses escritores estavam ligados ao ensino e grande parte dos contos escritos começaram por ser adaptações de contos tradicionais.

Para Marques, Irene Guerra (2013:07), ainda neste contexto, graças à acção do Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD), mas também de estruturas como a Rádio Nacional de Angola e o Jornal de Angola, na época, através de programas e página infantil, o que marca verdadeiramente o nascimento da Literatura Infantil Angolana - Angola terá sido dos países africanos que mais promoção e difusão fez de histórias para crianças, na perspectiva de integrar um desenvolvimento harmonioso e integral da criança angolana. Com efeito, imediatamente após a Independência, as estruturas da cultura manifestaram especial atenção e preocupação para com a promoção e difusão da literatura infantil. E ainda que a quantidade não tenha sido efectivamente muita, a qualidade desde o início que foi fora do comum. Um punhado de autores sedeados no INALD lançou-se com afinco e criatividade na produção de histórias infantis, e numa fase em que o sistema então estabelecido permitia uma relação custo/consumo fora do comum no que diz respeito à produção livreira.

Os autores que a iniciaram, segundo Cremilda de Lima - Dario de Melo, Octaviano Correia, Maria Eugénia Neto, Gabriela Antunes, Rosalina Pombal, Cremilda de Lima e Zaida Dáskalos - pertenciam à instituição e, como forma de testar as histórias, estas eram primeiro apresentadas no suplemento infantil do Jornal de Angola e no programa “Piô...Piô” da Rádio Nacional.

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Ainda nesta senda, Dario de Melo7 advoga que (…) pode dizer-se sem receio de errar que a Literatura Infantil nasceu e foi divulgada em Angola através do suplemento do Jornal de Angola e com a Rádio-Piô - na altura, e durante muitos anos, o mais prestigiado veículo de informação e formação infantil (…) fenómeno interessante é que uma parte dos nossos ouvintes, grande parte daqueles que escreviam para nós e que connosco tentavam colaborar enviando-nos histórias, contos tradicionais e adivinhas, eram jovens a prestar serviço militar;... Maravilhados de terem descoberto que aquilo que tinham ouvido nos seus quimbos (histórias, adivinhas, etc.) tinha interesse, uma utilidade, para além das portas de suas casas, porque o programa tinha um interesse muito forte no que diz respeito às realidades presentes e passadas do país (…)

No período de 1982 a 1983 a divulgação de contos infantis estendeu-se à revista de televisão TVeja, por intermédio dos escritores Dário de Melo e Octaviano Correia que, na altura, faziam parte da redacção do periódico.

A colecção “Piô...Piô” foi a primeira a ser apresentada ao seu público leitor pelo INALD (doze livros de seis escritores). Com o surgimento de novos autores, novas editoras, bem como o alargamento da actividade editorial das editoras anteriores, a literatura infantil tem registado grandes progressos.

Para Fernandes (2011: 283-284) foi a partir das histórias escritas no Jornal de Angola e das que eram contadas nos programas infantis da rádio que surgiu a colecção “Pio…Piô”, editada pelo INALD - Instituto Nacional do Livro e do Disco, com os poucos recursos existentes. Era, portanto, uma colecção que contava com livrinhos de pequeno tamanho e letra, ilustrados e impressos em Angola. Dessa colecção saíram doze histórias, escritas 7Citado por Maria Celestina Fernandes no seu artigo intitulado “Surgimento e desenvolvimento da literatura infantil angolana”.

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por seis autores e ilustradas pelo artista plástico António Domingues. Entre os vários autores que fizeram parte desta colecção destacam-se Dário de Melo com a obra “Quem vai lá Buscar o Futuro”; Cremilda de Lima com a obra “O Tambarino Dourado”; Octaviano Correia com a obra “O Patinho Que Não Sabia Nadar”; e Rosalina Pombal com a obra “Lutchila”.

Posteriormente surgiu a colecção Mirui, também editada pelo INALD e desta colecção fazem parte as obras “O Castigo do Dragão Glutão” e “A Noiva Do Rei” de Gabriela Antunes e a obra “O Assalto” de Manuel Rui.

Os anos oitenta corresponderam ao maior período de produção literária ao nível da literatura infantil angolana, como bem aponta Fernandes (2011:284), porém a guerra fratricida que eclodiu logo após a proclamação da Independência prosseguiu, e, em consequência, novos fenómenos foram acontecendo e expandindo-se por toda Angola, tais como o aumento dos deslocados de guerra e de crianças de rua, a “banalidade” da vida, pois a mesma podia sumir a qualquer instante e em cada esquina, à vista de gente grande e pequena.

Ainda nesta década, parafraseando Fernandes (2011:284), o grupo dos incentivadores do INALD dissolveu-se o que gerou à posteriori uma quebra no ritmo da produção literária naquela altura. Ainda assim, a União do Escritores Angolanos, dentro da colecção Acácias Rubras, editou algumas obras infantis, cujo destaque recai sobre as obras “Um Poema e Sete Estórias de Luanda e do Bengo” de José Alves; “Era Uma Vez Que Eu Não Conto Outra Vez” de Octaviano Correia; “Estórias Velhas, Roupa Nova” de Gabriela Antunes; “Fá...PE...LÁÁÁ!!!” de Maria de Jesus Haller; “No País da Brincadeira” e “Queres Ouvir ?” de Dário de Melo.

Já em 1990 surgiu a obra “A Borboleta Cor de Ouro” da autoria de Maria Celestina Fernandes, enquanto que em 1991 a União dos Escritores

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Angolanos - colecção Acácias Rubras, editou a obra de Gabriela Antunes “O Cubo Amarelo”. Ainda nesta altura, de acordo com Fernandes (2011:285), o INALD editou a segunda obra da escritora Maria Celestina Fernandes “Kalimba”. No ano de 1992 surge a escritora Maria João que tem publicadas, entre outras, as obras “A Gotinha Rebolinha”; “A Escola e Dona Lata”, “Viagem das Folhas de Caderno”. Já nos anos 2000 novos autores entraram para o mundo da literatura infantil e contam com algumas das obras assinaladas, são eles Yola Castro com os títulos “A Borboleta Colorida”, “O Menino Pescador”; Jonh Bela com os títulos “A Canção Mágica”, “Nzamba - o Rei Sou Eu”, Ondjaki com os títulos “Yanari a Menina das Cinco Tranças”, Kanguimbu Ananaz com o título “O Avô Sabalo”.

O país já teve um período áureo em termos de produção literária infantil. Verificou-se uma baixa de produção entre os anos oitenta e noventa. Esforços têm sido empreendidos de modo a que o livro, especialmente o infantil, que é um veículo de preservação da identidade e património cultural e expansão do conhecimento, constitua uma prioridade nacional.

Com estes esforços, pretende-se a realização de acções práticas e urgentes que visam recuperar o tempo perdido e atingir o movimento que se registou no período Pós-independência em torno do livro e da leitura.

Jonh Bela8 advoga, a este propósito, que o mercado literário infantil angolano carece de um impulso a fim de se mudar o actual cenário que se regista neste sector literário (...) Nos últimos anos têm aparecido os falsos profetas que estão a escrever para as crianças, sem nenhum cuidado, esquecem que as crianças são o futuro da nação angolana e temos que saber educá-las (...) o número de escritores infantis não é satisfatório porque até ao momento fala-se de apenas 10 pessoas que escrevem para

8 Extraído do artigo “A importância da literatura infantil no país” publicado pela U.E.A. em www.google.com

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crianças e para um país que tem cerca de 4.26 milhões de habitantes o que não é suficiente.

O autor crê que existe pouco interesse por parte de alguns pais e restante sociedade. “Nós temos uma comunidade estudantil muito grande”, diz, salientando que é preciso levar os livros a mais crianças e lamentando que se façam edições de apenas mil livros.

Na sua óptica, é importante que as instituições escolares promovam actividades extra-escolares que envolvam lançamento de obras literárias infantis. Há, entretanto, escolas onde as actividades extra-curriculares não existem, apesar de serem obrigatórias, o que nega à criança o conhecimento de outros mundos.

Diferente de outros sectores da vida pública, a produção de obras literárias para crianças em Angola marca passos lentos dia após dia, devido a alguns condicionalismos que se impõem num país em que não há incentivo para as artes e o preço do livro é dez vezes superior ao do pão.

Nos últimos dez anos, poucos são os escritores que se dedicam à literatura infantil, em consequência menos livros ficam à disposição das crianças e mais distantes ficam os mais pequenos das obras literárias. O consagrado escritor de pseudónimo literário Jonh Bella, actual contexto literário angolano é presenteado com um reduzido número de publicações e um irrisório número de escritores deste ramo das letras.

Para Fernandes (2011:288), em acordo com Jonh Bela, com o evoluir dos anos foi-se assistindo a uma redução cada vez maior de livros infantis angolanos no mercado e com ela a perda dos hábitos de leitura que estavam a ser adquiridos. Também não se verificou um aumento de cultores deste género como era de esperar. Do balanço feito, cerca de uma dúzia

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de pessoas se foi dedicando à literatura infantil e destes, poucos deram continuidade à iniciativa ou não escrevem com a regularidade desejada. Alguns ficaram por um só conto.

Yola Castro diz que muito ainda há por se fazer e fala do contributo do escritor para a mudança de mentalidade dentro de uma sociedade como a angolana, principalmente para os menores. A promotora literária aponta a falta de iniciativas e de projectos estruturantes neste sentido por parte do Ministério da Cultura e da Educação o que se reflecte, no seu entender, no medo das editoras em apostar nos escritores que se dedicam a este ramo da Literatura. Yola Castro aponta a falta de projectos para o relançamento de novos amantes das letras no mercado, cujos trabalhos são maduros. Salienta a falta de promoção de livros e o pouco interesse tanto dos encarregados de educação, como das instituições de ensino.

José Luís Mendonça é Jornalista e escritor angolano com um forte pendor para poesia, escreve desde a década de 80. Afirma, entretanto, que o problema da literatura em Angola está ligado à falta de crítica literária.

Na abertura do Jardim do Livro Infantil, a Ministra da Cultura9 disse: “Promover os hábitos de leitura e a economia da cultura nas condições específicas do nosso país que aspira ao progresso (...), constitui um desafio para todos nós, uma vez que o livro e a leitura são elementos essenciais para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas, sem que isso rejeite liminarmente os valores das tradições”.

“Nós queremos manter, preservar esta tradição boa e que se moderniza todos os dias. Neles estão enraizados os valores culturais, essência das distintas comunidades sócio-culturais angolanas e, portanto os fundamentos da nossa nação”.9 Excerto do discurso da Senhora Ministra da Cultura Doutora Rosa Cruz e Silva na cerimónia de abertura do Jardim do Livro Infantil.

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Embora a Literatura Infantil Angolana esteja a passar por diversas dificuldades, enormes trabalhos têm sido realizados com a intenção de evitar o desaparecimento desta Literatura. É neste contexto que, de acordo com Fernandes (2011:288-289), dada situação tão pouco animadora em que se encontra a Literatura Infantil Angolana, vários apelos se têm feito no sentido de se criarem condições para que mais pessoas sejam motivadas a escrever e se dê o verdadeiro destaque e importância a todos os agentes que intervêm no processo de criação. Devido ao custo elevado do livro infantil por causa da cor, as editoras vêm apelando insistentemente para que o Estado adopte políticas para subvenção da matéria-prima, que é toda importada, a fim de poderem suportar os gastos inerentes à execução gráfica. Por outro lado, igualmente se vem falando bastante da necessidade de abertura de bibliotecas públicas e escolares onde pessoas especializadas estejam ao serviço das crianças, para lhes incutirem hábitos de leitura e dar a devida orientação na escolha das obras. Neste sentido, o Ministério da Cultura retomou a realização da feira do livro infantil, O Jardim do Livro, onde para além da comercialização de livros, as crianças e seus os acompanhantes podem ouvir contar histórias, assistir a palestras e espectáculos e outras diversões. Há, portanto, nesta feira um espaço designado “Tenda das Letras” sob o lema “Ler é saber, ler é crescer” onde as crianças e adultos podem encontrar os autores, ouvir as suas histórias e interagir com eles.

Por esta razão é que na óptica de Marques (2013:08), os tempos mudaram e evidentemente a História evoluiu, fazendo surgir novas realidades em que o livro perdeu grande parte do seu espaço e se tornou um bem a poucos acessível. Felizmente, porém, o Executivo aprovou a Política do Livro e da Promoção da Leitura, em que reconhece que o livro e a leitura constituem bases fundamentais para o desenvolvimento económico e social, devendo ser uma prioridade nacional, e considera necessário dar uma atenção

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particular ao livro infantil, no que deverão ter um papel fundamental a família, a escola, a comunidade, a sociedade civil, as bibliotecas e o próprio Executivo. Assim, um novo passo foi dado para o contínuo engrandecimento da Literatura Infantil Angolana.

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CAPÍTULO II

A autora – Cremilda de Lima

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Vida e obra da autora

A escritora Cremilda de Lima atende pelo nome de Maria Cremilda Martins Fernandes Alves de Lima, nasceu em Luanda (Angola) no dia 25 de Março de 1940.

Fez o Curso do Magistério Primário na 1ª Escola que abriu em Angola para a formação de professores, em 1962/1963 no Bié e 1963/1964, em Luanda. Em 1987, concluiu o Curso de Formação Científico-Pedagógica na Escola Superior de Educação de Setúbal e o Curso de Língua e Cultura Portuguesa, para professores de Língua Portuguesa na Faculdade de Letras em Lisboa.

Em 1992/1993, concluiu o Curso Superior de Ciências da Educação Opção/Pedagogia, no ISCED (Instituto Superior de Ciências da Educação) em Luanda.

Em 2003, obteve a Licenciatura na Escola Superior de Educação de Leiria. Em 1980 concluiu o Curso Geral de Língua Francesa no Instituto Nacional de Línguas, em Luanda.

É professora do 1º Ciclo desde 1964 e deu início à sua carreira em Malange, Tendo em 1965 regressado a Luanda, onde daí em diante leccionou.

Em 1977, integrou o grupo de trabalho do Ministério da Educação de Angola para elaborar manuais escolares para a Reforma Educativa onde trabalhou até 1991, altura em que ingressou no quadro da Escola Portuguesa de Luanda.

Em 1984 tornou-se membro da UEA (União dos Escritores Angolanos) onde em 1986 colaborou na preparação e realização de um Colóquio sobre Literatura Infantil.

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Em 1989 promoveu um seminário de Literatura Infantil na Embaixadada Suécia, seguido da participação no Simpósio sobre Cultura Nacional.

Em 2000 tornou-se membro da Associação Cultural e Recreativa Chá de Caxinde e em 2005, integrou a Comissão para a Redacção da História da Literatura Angolana.

Foi duas vezes nomeada para o Prémio Internacional Astrid Lindgren (2008 -2009), instituído pelo Governo Sueco para honrar a memória de Astrid Lindgren e fomentar a Literatura Infantil e Juvenil no mundo.

Alguns dos seus livros foram traduzidos para outras línguas, nomeadamente para servo-croata e castelhano.

A obra “A kianda e o barquinho de Fuxi”, foi traduzido para Kimbundo e aguarda publicação.

Outros foram adaptados para teatro.

Ao longo da sua carreira, quer docente quer literária, participou em diversas actividades, cuja essência consistia fundamentalmente em impulsionar actividades promotoras do conhecimento e desenvolvimento dos jovens; entre as quais se destacam: entrevistas, críticas e ensaios, reportagens, reflexões literárias, tertúlias, lançamentos de livros, concursos, debates e programas televisivos.

Cremilda de Lima tem uma vasta bibliografia a saber:

“O balão vermelho”“Mussulo uma Ilha Encantada”, in 4 Estórias“A kianda e o barquinho de Fuxi”“O Maboque Mágico e Outras Estórias”

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“Missanga e o sapupo”“A múcua que baloiçava ao vento”“O tambarino dourado”“A velha sanga partida”“A colher e o génio do canavial”“O nguiko e as mandiocas”“O aniversário de vovô Imbo” “Kiko o gatinho perdido”“O livro das brincadeiras”“A viagem do Pai natal”“Kabulo, o Rei”“A raposa e a perdiz”“Contos”“Histórias de Encantar / Livro de Ouro da Literatura Infantil Angolana”“Histórias e historietas”“O imbondeiro que queria ser árvore de Natal”“O sonho de um roboteiro”“Os patinhos no parque”“O livro das brincadeiras”“Kiko o gatinho perdido”“O medo voou pela janela”“O semba das penas coloridas”

Aguardam edição:

“História da Literatura Infantil Angolana / décadas de 70 e 80”“Animais que encantam”

Por outro lado, em função da sua notável colaboração na divulgação e desenvolvimento da Literatura Infantil Angolana, Cremilda de Lima foi homenageada e recebeu vários prémios a saber:

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Obras premiadas:

“A Kianda e o barquinho de Fuxi” “O Tambarino Dourado”“Quatro Estórias”.

De igual forma recebeu diplomas de mérito:

Em 2008, Diploma de Mérito atribuído pelo Ministério da Cultura pelo contributo dado à divulgação da literatura infantil e do imaginário tradicional Angolano

Contextualização das obras da autora

Ao longo deste trabalho, defendemos que a Literatura Angolana tem duas partes que a compõem nomeadamente a Literatura Angolana Nacionalista e Pós-nacionalista. Sendo a primeira a que antecede a Independência e a segunda a que surge depois da Independência.

Nesta ordem de ideias, os escritores aparecem numa ou outra não por mero acaso, mas sim a partir do momento em que começaram a escrever. A título de exemplo, no período que antecede a Independência, os escritores municiavam as suas obras/textos de elementos que despertassem no seu público-alvo o intuito de acabar/combater a colonização, lutar pela Independência, promover a igualdade entre pessoas independentemente da cor, raça ou etnia, lutar para que Angola fosse liderada por angolanos, despertar a população para uma luta colectiva contra a opressão.

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A título de exemplo podemos ver o excerto da obra de Agostinho Neto:

(...)“À frescura da mulembaàs nossas tradições aos ritmos e às fogueiras havemos de voltar

À marimba e ao kissangeao nosso carnavalhavemos de voltarÀ bela pátria angolananossa terra, nossa mãehavemos de voltar”(...)

Ao lermos este excerto, facilmente podemos notar o apelo do escritor no que tange ao recuo às nossas tradições ou culturas. É preciso reter que durante a colonização, como salienta Cardoso (1984:10), os colonos sabiam que, “para dominar um povo, por menor expressão que este tenha, era necessário dominá-lo também culturalmente. Por isso imediatamente destruíam a sua religião, arquitectura, língua e impunham a sua ordem, seus deuses e seu idioma”. Portanto, um dos propósitos do Nacionalismo, segundo o apelo de Neto, era retomar a nossa cultura.

Enquanto o Pós-colonialismo vai retratar os problemas que surgem na nova Angola, portanto é do interesse do escritor levantar uma série de questões, boas ou talvez más, que marcam a governação de Angola nas mãos dos próprios nativos, como bem podemos, a título de exemplo, ver no excerto extraído na obra de João Melo:

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(…) Uma das verdades universais mais irrefutáveis é que a corrupção grassa livre e impunemente em Angola (…) Em contrapartida, não se tem conhecimento de ninguém tão insano, em absoluto, que se permita duvidar de que a corrupção está espalhada e entranhada hoje no corpo maltratado de Angola, nas suas veias, nos seus órgãos vitais, como uma espécie de fluido essencial que, paradoxalmente, o mantém vivo (…) ninguém questiona essa verdade insofismável: a corrupção em Angola, mais do que um facto, é um acto natural, como respirar (…) O governo reconhece que há corrupção. A oposição grita contra ela. A imprensa denuncia-a (…) os cidadãos lamentam-se e contam estórias extraordinárias de corrupção, nas conversas em família, nas discussões entre amigos, nos bares, nas farras, nos óbitos (…) o governo evita cuidadosamente tomar medidas efectivas contra a corrupção, a oposição aceita subornos do governo, a imprensa chantageia os alegados corruptos, os cidadãos fazem da corrupção o seu dia-a-dia. A corrupção, em Angola, é uma grande panela de funje onde todos comem, com talheres de prata ou com as mãos (…) afinal, e apesar da existência da corrupção no país ser uma autêntica unanimidade nacional e internacional, ninguém conhece um corrupto angolano (…)

Aqui bem podemos notar que o interesse do escritor Pós-independência nada tem a ver com os preceitos do Nacionalismo. Aqui, de forma irónica, Melo denuncia um grande mal – a corrupção – que nasceu e devasta Angola nos últimos anos. Portanto, trata-se de um problema actual que tem a ver com o actual modo de vida dos angolanos.

Nesta ordem de ideias, a autora em estudo, assim como as suas obras – Cremilda de Lima – pertence ao movimento pós-nacionalista. Entre as várias razões que estão na base deste nosso enquadramento, destacamos o facto de a Literatura Infantil Angolana nascer apenas no período Pós-independência associada à proclamação da Independência nacional e ao

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surgimento da União dos Escritores Angolanos (U.E.A), fundada por um grupo de cidadãos/escritores - António Agostinho Neto, António Jacinto, Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Artur Pestana Pepetela, Uanhenga Xitu, Manuel Rui Monteiro, Maria Eugénia Neto, por um lado. Por outro, as obras da autora retratam questões que têm realmente a ver com esta Angola dos últimos tempos, como são os casos:

Dos maus hábitos

(…) Kiki era um menino muito distraído e desobediente. Todos os dias a mãe lhe dizia:

- Kiki, não mexas o leite com a colher do açucareiro. Sujas o açúcar e a colher.

- Desculpa lá mãe, esqueci-me… e a cantiga era a mesma todos os dias… Às vezes, Kiki ainda fazia pior pois lambia a colher e metia-a de novo no açucareiro (…) Lima (2015:7)

Do fenómeno da Zunga

(…) encontrou-a e ela ajudou-o na medida do possível. Era zungueira, vivia da venda de produtos como frutas e legumes (…) de manhã, ainda o sol começava a espreguiçar-se mandando os seus raios para acordar Luanda, a cidade das azáfamas seu fim, lá ia ela para a zunga (…) Lima (2012:8-9)

(…) ainda hei-de casar contigo. Verás!... Não vou desistir tão fácilmente… Vamos organizar uma grande farra (…) Lima (2008:12)

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Das festas, danças e bebedeiras

(…) O Kabulo estava só a dizer-me que vai haver uma grande farra no terreiro do Kota Kibuto (…) Lima (2008:13)

(…) Tukula era o tipo de namorado que nenhuma mãe desejava para a sua filha. Demasiado enfeitado, sem responsabilidades, não falhava a uma noite nas discotecas, mas depois de superada a ressaca lá ia ele com ares de grande conquistador moderno, dominar com o seu paleio as garinas (…) Lima (2008:13)

Em suma, pela altura que passou a publicar e pela linha temática que seguem as suas obras, Cremilda de Lima enquadra-se no Pós-nacionalismo.

Análise das obras da autoraEstudo do narrador

O Narrador

A este propósito, para evitar equívocos, Reis, Carlos [2000:61]10 afirma que a definição do conceito do narrador deve partir da distinção inequívoca relativamente ao conceito de autor: (…) se autor corresponde a uma entidade real e empírica, o narrador será entendido fundamentalmente como autor textual. Ainda a este propósito Leiria (2015:36) teoriza que o narrador e o narratário (isto é, o leitor ideal) pertencem ao mundo da ficção, o autor e o leitor pertencem ao mundo real. Embora o leitor, cuja função é entender e interpretar a história, pertença ao mundo real (...)

10Citado por Mbenga (2015: 27).

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Enquanto, ainda nesta senda, Fernandes, Fátima (2015:43) bem nota que o narrador é uma entidade fictícia, a quem cabe o papel de contar a história, enunciar o discurso.

O narrador, em resumo, é a entidade que se encarrega de contar a história, e, sendo esta dirigida aos leitores, a voz narradora procura manter o contacto entre quem narra e quem lê. Este “diálogo” entre narrador, uma entidade fictícia, e leitor, alguém que habita no mundo real, faz com que o leitor se sinta parte da história11.

Para o estudo desta nobre figura da ficção, parafraseando Fernandes (2015:43), é preciso reter que ele pode ser visto de três formas distintas

–narrador autodiegético, homodiegético e heterodiegético. A diferença é clara como bem explica a autora supra citada: o autodiegético é aquele que tem uma relevância notável na acção, isto é, uma personagem que participa da história na qualidade de personagem principal. Já o homodiegético assemelha-se ao autodiegético – personagem participante –, mas de menor relevo, ou seja, traduz-se numa personagem secundária. Enquanto o heterodiegético representa o mais comum e tradicional tipo de narrador. É, na verdade, o que simplesmente conta a história, mas fora dela. Para Genette, Gerard (1972:251-252) o narrador autodiegético designa a entidade responsável por uma situação ou atitude narrativa específica: aquela em que o narrador da história relata as suas próprias experiências como personagem central da história (...) o heterodiegético designa uma particular relação narrativa: aquela em que o narrador relata uma história à qual é estranho, uma vez que não integra nem integrou, como personagem (...) o homodiegético é a entidade que veicula informações advindas da sua própria experiência diegética; quer isto dizer que, tendo vivido a história

11Leiria (2015:36) citado por Mbenga (2015:30).

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como personagem, o narrador retirou daí as informações de que carece para construir o seu relato, assim se distingue do narrador heterodiegético, na medida em que este último não dispõe de um conhecimento directo. Por outro lado, embora ficcionalmente se assemelhe ao narrador autodiegético, o narrador homodiegético difere dele por ter participado na história não como protagonista, mas como figura cujo destaque pode ir da posição de simples testemunha imparcial a personagem secundária estreitamente solidária com a central.

Pombo, Teresa (2006:07), de forma mais sintética, advoga que o narrador, relativamente à sua presença, tem marcas que nos situam, isto é, quanto a presença ou ausência pode ser participante (como personagem ou como observador), e não participante. No que respeita ao ponto de vista, a autora denota a existência de marcas da sua imparcialidade ou parcialidade, portanto ele pode ser objectivo (quando não toma posição face aos acontecimentos) e subjectivo (quando narra os acontecimentos, declarando ou sugerindo o seu ponto de vista).

Silva, Victor12, em comum acordo com os autores anteriores, acresce que relativamente à presença o autor pode ser Autodiegético (participante como personagem principal), Homodiegético (participante como observador ou personagem secundária) e Heterodiegético (não participante). Quanto à posição, o autor defende que o narrador pode ser objectivo (não toma posição face aos acontecimentos, é imparcial) ou subjectivo (narra os acontecimentos, declarando ou sugerindo a sua posição, é parcial). Relativamente à ciência, o autor converge com os demais teóricos, isto é, aparece como omnisciente (quando sabe tudo sobre as personagens) e observador (que sabe apenas o que vê e ouve). Por fim, o autor faz alusão à focalização que tem dupla realização – interna (quando há uma 12Vítor Manuel de Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, extraído de www.google.com.br, acessado aos 15 de Outubro de 2015.

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proximidade entre o narrador e as personagens, isto é, sabe tanto como as personagens) e externa – (quando sabe apenas o que vê ou ouve, portanto não há aqui uma proximidade entre o narrador e as personagens).

Representação gráfica do narrador

Presença

Autodiegético – participante como personagem principal.

Homodiegético – participante como observador ou personagem secundária.

Heterodiegético – não participante.

PosiçãoObjectivo – não toma posição face aos acontecimentos.

Subjectivo – narra os acontecimentos, declarando ou sugerindo a sua posição.

CiênciaOmnisciente - sabe mais do que as personagens. Prevê os acontecimentos e as suas emoções.

Observador - sabe apenas o que vê ou ouve.

FocalizaçãoInterna – Há proximidade entre o narrador e as personagens.

Externa – quando não há proximidade entre o narrador e as personagens.

Cremilda de Lima, relativamente ao que concerne ao narrador, apresenta-nos, nos seus contos, o narrador tradicional, isto é, um narrador que normalmente se limita a narrar os factos, não participando activamente na história. Passamos de antemão a caracterizar os narradores da referida escritora:

Presença

Cremilda de Lima apresenta-nos um narrador heterodiegético que é aquele que não participa da história do texto. Portanto, como já dissemos anteriormente, o tipo de narrador mais comum.

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Exemplos:

(...) Num kimbo rodeiado de coqueiros e palmeiras vivia um menino chamado Kami (...) Lima (2013:5)

(...) A tarde estava fresca. Tinha acabado de chover (...) Lima (2008:4)

(...) A Raposa ia pelo mato fora muito desanimada, triste e desiludida (...) Lima (2012:4)

(...) Tiago estava muito contente. Ele ia a uma festa muito bonita (...) Lima (2013:5)

Posição

Relativamente à posição o narrador pode ser objectivo (aquele que não faz juízos de valor, ou seja, não faz comentários valorativos, não mostra se concorda ou não com o que acontece, se considera certo ou errado) ou subjectivo (que é aquele que está constantemente a emitir juízos de valor, isto é, critica ou elogia, mostra se está ou não de acordo.

Neste contexto, atendendo à autora em análise, predomina nas suas obras o narrador subjectivo. A olho nu constatam-se as intromissões do mesmo para tecer os seus comentários como podemos apreciar nos exemplos que se seguem:

(...) Sabes que se não o fizermos, dificilmente apanhamos os ratos... continuou a espertalhona (...) Lima (2012:6)

(...) Claro, muito às escondidas da sua mãe que não gostava que ele brincasse com a água, pois podia apanhar constipação (...) Lima (2011:10)

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(...) Era muito mimada pela mãe que era morena, com lindos olhos verdes, parecendo duas esmeraldas reluzidas (...) Lima (2012:5)

(...) Ele vivia na sua casinha, numa casa de banho limpa e acolhedora, num espaço só a ele destinado (...) Lima (2015:6)

Ponto de vista

Na óptica de Fernandes (2015:44), com quem concordamos, o narrador, quanto ao ponto de vista, pode ser omnisciente ou observador. A diferença entre ambos é de fácil constatação, isto é, o omnisciente assemelha-se a Deus; portanto conhece tudo sobre as personagens e os acontecimentos, conhece os pensamentos das personagens, sabe o que irá acontecer no futuro. Não há dúvidas naquilo que diz. É um narrador absoluto, que tudo sabe e tudo pode, omnipotente e omnipresente. Enquanto o observador só conhece o que vê e ouve. Pode, portanto, interpretar o que vê, pode dizer que alguém está triste, por ver a pessoa chorar, ou com um ar triste.

Fernandes (2015:44) bem nota que o narrador observador faz aquilo que uma pessoa normal é capaz de fazer: pode ver, ouvir, interpretar, imaginar o que vai acontecer ou o que alguém está a pensar, mas sem ter a certeza absoluta. Já o narrador omnisciente é como Deus: conhece o mais íntimo das personagens, exactamente o que pensam e o que pretendem, assim como o que irá acontecer no futuro, como irá terminar tudo.

Em todo o caso, pode haver situações em que aparecem em simultâneo ambas figuras, isto é, segundo Fernandes (2015:44) há casos em que num mesmo romance, o narrador pode ser omnisciente em relação a uma personagem e observador em relação a outra.

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Na verdade, os narradores que nos apresenta Cremilda de Lima, no que concerne ao ponto de vista, são, regra geral, omniscientes, ou seja, parecem deuses visto que conhecem ao pormenor os sentimentos e emoções das personagens como bem podemos verificar nos exemplos:

(...) Nzinga baixou-se quanto pôde para o apanhar e quando pensava que estava bem seguro, novamente o sabonete teimoso foi ainda para mais longe (...) Lima (2015:12)

(...) Antes de adormecer e para não o perder guardou-o debaixo da almofoda. E então sonhou... sonhou com um balão muito grande, vermelhinho (...) Lima (2013:14)

(...) Sonhava ter uma boneca para brincar, cuidar e amar muito (...) Lima (2012:6)

(...) Nzinga baixou-se quanto pôde para o apanhar e quando pensava que estava bem seguro, novamente o sabonete teimoso foi ainda para mais longe (...) Lima (2015:12)

(...) Nayole era muito engraçada e tinha sempre ideias para tudo (...) Lima (2015:13)

Estudo das personagens

Segundo o Dicionário Universal Da Língua Portuguesa, o termo personagem designa uma figura humana fictícia de uma obra literária. De acordo com o conceito, Reis [2000:215] bem nota que a personagem é uma categoria fundamental da narrativa, uma vez que evidencia a sua relevância em relatos de diversa inserção sócio-cultural e de variados suportes expressivos.

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A este propósito, Fernandes (2015:44) advoga que ao efectivar-se um estudo sobre as personagens é preciso ter em conta três aspectos fundamentais, a saber:

Composição

As personagens distinguem-se pelos aspectos que a compõem, pelos aspectos que, em si, merecem maior destaque.

• Personagens planas (estáticas, sem vida interior).

• Personagens modeladas (ou redondas. São personagens dinâmicas, dotadas de densidade psicológica, com vida interior, capazes de surpreender).

As personagens podem ainda ser:

• Personagens-tipo (representam um determinado espaço social: um grupo social, uma profissão).

• Personagens colectivas (representam um grupo, aqui os indivíduos não são importantes. Ex.: as mulheres, enquanto grupo social).

• Personagens individuais (as que configuram um herói).

Relativamente às personagens planas, Forster (1937:93) teoriza que as mesmas correspondem àquelas que são construídas em torno de uma única ideia ou qualidade. Já no que concerne à personagem modelada, o autor defende que se trata de uma entidade que quase sempre beneficia do relevo que a sua peculiaridade justifica; é, ao mesmo tempo, a uma caracterização relativamente elaborada e não definitiva. Quanto à personagem tipo, Lukacs (1973:9) acresce que pode ser entendida como personagem síntese entre a individual e a colectiva, entre o concreto e

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o abstracto (...) para o autor a personagem tipo, segundo o carácter e a situação, é uma síntese original que reúne organicamente o universal e o particular. Para Silva13 a personagem modelada será aquela que evolui psicologicamente ao longo da narrativa; a plana não evolui psicologicamente ao longo da narrativa e a tipo vai representar a classe ou grupo social a que pertence.

A nosso ver as personagens individuais serão aquelas que representam os heróis da história, isto é, o protagonista; enquanto as colectivas aparecem para representar um determinado grupo como bem frisou Fernandes (2015:36).

À luz do nosso trabalho, no âmbito das nossas pesquisas, apuramos que Lima tem forte pendor a criar personagens modeladas, isto é, as suas personagens estão dotadas de uma grande densidade psicológica e mudam constantemente de comportamento surpreendendo-nos quase sempre enquanto leitores como bem podemos notar:

(…) Numa manhã de muito calor, depois de tratar das plantas do seu jardim, Nzinga foi lavar as mãos. Tirou o sabonete da saboneteira e sem pensar duas vezes… agarrou nele para lavar as mãos. O sabonete rapidamente escorregou, deu um salto, fez uma pirueta no ar, indo parar ao chão, num cantinho da casa de banho (…) Nzinga baixou-se quanto pôde para o apanhar e quando pensava que estava bem seguro, novamente o sabonete teimoso foi ainda, para mais longe (…) – Deixa-me em sossego!... Já não basta? Magrinho, já quase sem vida ainda me queres maltratar? – Disse o sabonete quase a chorar. Lima (2015:11-12)

13 Vítor Manuel de Aguiar e Silva in Teoria da Literatura.

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(…) Kalupeteka, ao ver a situação em que ficara a família e como era o mais velho e muito decidido, com uma força de vontade que superava os seus quinze anos, conversou com os pais e resolveu ir tentar a sorte em Luanda (…) Lima (2012:8)

(…) Era hora da esfregona despertar… como não era preguiçosa, acordava logo, ansiosa por bumbar (…) Lima (2015:10)

(…) Miguel ficou muito contente e deixou-se levar no bico da gaivota não sem agradecer e despedir-se do amigo peixinho (…) Lima (2010:12)

(…) – Sabes, enquanto fui espiga toda a gente se preocupava comigo, agora que virei sapupo já ninguém me liga… E eu queria ser um boneco… daqueles com que os meninos gostam de brincar (…) Lima (1985:9)

Relevo

As personagens distinguem-se pela importância que têm na narrativa.

• Personagem protagonista (tem o papel central, é o herói da obra).

• Personagem secundária (o seu papel é de menor relevo, mas intervém na acção).

• Personagem figurante (tem um papel irrelevante no que diz respeito à acção central, mas tem como papel ilustrar um ambiente, ilustrar uma atmosfera, uma profissão, uma ideologia, etc. Através da personagem figurante, do que diz, do que veste, dos objectos que a acompanham, dos seus comportamentos, etc., podemos obter uma série de informações sobre o ambiente cultural, o ambiente

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social, aquilo que aconteceu – por exemplo, se as personagens figurantes estiverem a fugir, aos gritos, sabemos que algo de grave se passou, se, pelo contrário, elas estão quietas, a observar e a fazer comentários, com um ar levemente curioso apenas, então não estaremos perante uma situação tão grave como a primeira).

Relativamente a este ponto, Cremilda de Lima apresenta-nos, nas suas obras, as três figuras, isto é, ocorre que nos contos da autora aparecem personagens principais, secundárias e figurantes como bem podemos apreciar nos exemplos:

(…) Tchissola, tratas-me tão bem!... Não me deixas suja, nem atirada no quintal (…)

– Claro!... Somos kambas, não somos? Vamos fazer o nosso trabalho (…) Lima (2015:7)

(…) Bom dia Kambas. Está tudo a correr bem? Trago aqui um amigo que tem muita vontade de conhecer o nosso trabalho.(…) Lima (2015:12)

Caracterização

a) Caracterização directa: é feita uma descrição das características (físicas e/ou psicológicas) da personagem. Esta caracterização pode ser feita pelo narrador ou por outra personagem (hetero-caracterização); ou então pela própria personagem (auto-caracterização).

b) Caracterização indirecta: as características da personagem têm de ser deduzidas a partir do seu comportamento, das suas atitudes,

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do que diz, da forma como o diz, dos sentimentos que nutre, dos seus pensamentos, da roupa que veste, etc.

c) Caracterização mista: coexistem as caracterizações directa e indirecta.

Ainda nesta senda, Garvey (1978:63) avança que a caracterização é todo o processo de pendor descritivo que tem como objectivo a atribuição de características distintivas aos elementos que integram uma história (...)

Enquanto Reis (2000:194), no que concerne às modalidades da caracterização e de acordo com Fernandes, afirma que se pode falar em caracterização directa e indirecta. Sendo que a primeira consiste na descrição, isto é, é eminentemente estática dos atributos da personagem, consumada num fragmento discursivo expressamente consagrado a tal finalidade; a sua execução pode caber à própria personagem (auto-caracterização), quer a outra entidade, seja ela o narrador ou outra personagem (hetero-caracterização) (...)

Relativamente à caracterização indirecta o autor supra-citado advoga que constitui um processo marcadamente dinâmico: é de uma forma muito mais dispersa, a partir dos discursos da personagem, dos seus actos e reacções perante os outros, que se vai inferindo um conjunto de características significativas do ponto de vista psicológico, ideológico, cultural, social, etc. A redundância de gestos, tiques, e falas pode desempenhar, neste caso, um papel destacado, para acentuar traços que merecem ser evidenciados.

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Representação gráfica das personagens

Relevo / Papel Central

Principal / protagonista

Secundária

Figurante

Caracterização

Física (traços fisionómicos, vestuário)

Psicológica (traços psicológicos, de carácter, de comportamento)

Social (grupo social a que pertence)

Processos de caracterização

Directa (através de palavras da personagem acerca de si própria, de palavras de outras personagens, de afirmações do narrador)

Indirecta (deduções do leitor acerca da personagem, a partir de atitudes ou comportamento da mesma)

Composição

Modelada – evolui psicologicamente ao longo da narrativa.

Plana – não evolui psicologicamente ao longo da narrativa.

Tipo – representa a classe ou grupo social a que pertence.

Neste ponto, Lima apresenta essencialmente os dois tipos de caracterização mais comuns – física e psicológica. E para melhor compreendermos convém apreciar os exemplos:

Caracterização física

(...) Parecia muito pequeno para a idade. Era franzino e o que mais sobressaia do seu rosto eram uns grandes olhos muito vivos (...) Lima (2013:05)

(...) A tarde estava fresca. Tinha acabado de chover (...) Lima (2013:10)

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(...) Procuraram pelos ratos... mas não viram nenhum, nem gordinho, nem magrinho, nem cizentinhos, nem pretinho (...) Lima (2012:11)

(...) O avô, um velho pescador, de cabelos brancos, olhos de quem viu e sabe tanta coisa do mar (...) Lima (2011:11)

Caracterização psicológica

(...) é a pata patinha Zicoca, vaidosa como ela só (...) Lima (2013:09)

(...) Encheu o balão com muito cuidado, com medo de rebentar (...) Lima (2013:14)

(...) Naquele dia, Fuxi chegou à casa muito contente (...) Lima (2013:10)

(...) O médico das bonecas ficou muito atrapalhado e admirado com uma visita tão esperada (...) Lima (2012:09)

Estudo do Espaço

O espaço constitui uma das mais importantes categorias da narrativa, não só pelas articulações funcionais que estabelece com as categorias restantes, mas também pelas incidências semânticas que caracterizam. Entendido como domínio específico da história, o espaço integra, em primeira instância, os componentes físicos que servem de cenário ao desenrolar da acção e à movimentação das personagens - cenários geográficos, interiores, decorações, objectos, etc. (espaço físico); em segunda instância, o conceito de espaço pode ser entendido em sentido lato, abarcando então tanto as atmosferas sociais (espaço social) como até as psicológicas (espaço psicológico). Reis (2000:204).

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A este propósito, Silva salienta que o espaço pode ser físico, social e psicológico. Portanto o físico corresponde ao lugar onde a acção se realiza; a descrição é o modo mais comum de representação do espaço físico. O social representa o meio social a que pertencem e onde se deslocam as personagens. O psicológico será o espaço vivenciado pela personagem, de acordo com o seu estado de espírito; por exemplo, vê o espaço alegre, se está alegre, e vê-o triste, se está triste, ou o lugar do pensamento e emoção da personagem que pode ser expresso, por exemplo, através do monólogo interior.

Enquanto Fernandes (2015:38), em consonância com Reis, vai mais além, defendendo que existem quatro tipos de espaço, o primeiro é o ESPAÇO FÍSICO, que é constituído por todos os elementos que servem de cenário ao desenrolar da acção e à movimentação das personagens. Pode ser um espaço interior/ exterior, aberto/ fechado, público/ privado, etc. O segundo designa-se ESPAÇO SOCIAL que é aquele composto pelas camadas sociais representadas na obra, o meio social descrito, o estatuto da personagem. Depois vem o ESPAÇO CULTURAL onde nós encontramos a referência a valores culturais, hábitos e costumes, tradições, crenças, etc. E, por fim, o ESPAÇO PSICOLÓGICO: tudo o que nos permite ver a “alma” dos intervenientes da acção, as suas emoções e sensações.

Representação gráfica do Espaço

Físico O lugar onde a acção se realiza.

Social O meio social a que pertencem e se movimentam as personagens.

Psicológico O espaço vivenciado pela personagem, de acordo com o seu estado de espírito..

Cultural Referências culturais no texto

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Lima, nas suas obras, faz o uso, de forma variada, dos vários tipos de espaço existente, mas predomina, entretanto, o espaço físico, social e cultural como bem podemos tomar nota nos seguintes exemplos:

Espaço físico

(...) como vês, o capim é muito, está muito espesso e é cá um matagal (...) Lima (2012:06)

(...) O João vivia com o seu avô na Ilha de Luanda, numa casinha bonita cercada de coqueiro (...) Lima (2013:09)

(...) Luanda, a cidade onde vivia a menina , tinha pouca gente e os brinquedos eram tão simples(...) Lima (2012:06)

Espaço social

(...) A avó Ximinha era uma autêntica bessangana com o seu kimone (...) Lima (2012:05)

Espaço cultural

(...) Não quero chegar atrasado à festa do Jardim do Livro Infantil ... Olha mãe, lá há muitas coisas: livros, cinema, teatro (...) Lima (2013:05)

Estudo do tempo

Segundo Pombo, Teresa (2006:15) o tempo corresponde à sucessão dos momentos, de acordo com a sua contagem (minutos, horas, dias, semanas,

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meses, anos, séculos, etc.) Para a autora distinguem-se três espécies de tempo: o tempo cronológico, o tempo histórico e o tempo psicológico.

O tempo cronológico refere-se às marcas da passagem do tempo, obedecendo às regras da sua contagem ou cronometria, e pode ser considerado o tempo físico, real. Corresponde à sucessão cronológica de eventos susceptíveis de serem datados. O tempo histórico engloba o enquadramento histórico dos acontecimentos, ou seja, revela-se nas indicações cronológicas que inserem a acção numa determinada época histórica.

O tempo psicológico refere-se ao tempo vivenciado subjectivamente, ou seja, opõe-se muitas vezes ao tempo cronológico, que tem a ver com os dados objectivos. O tempo psicológico revela-se nas impressões que as personagens manifestam relativamente ao desenrolar temporal, bem como nos dados provenientes da memória ou da imaginação e pode indicar também as mudanças operadas pela passagem do tempo e as experiências vividas.

Já Fernandes (2015:39), em comum acordo com Pombo, avança que o tempo cronológico (ou tempo da “história”): é um tempo que se sucede cronologicamente, que pode ser contado (as horas, os dias, os anos…). é um tempo que apenas segue em frente. A outra modalidade de tempo é o tempo psicológico que é o tempo filtrado pelas vivências subjectivas das personagens. Está directamente relacionado com a personagem, a sua mudança, o seu desgaste, evoluções provocadas pela passagem do tempo e as vivências felizes ou infelizes. Traduz as vivências subjectivas das personagens, dando-lhes uma percepção diferente da sucessão e duração do tempo cronológico (ex.: 5 horas podem parecer 5 minutos numa festa, e uma hora de Português pode parecer uma eternidade). Já o tempo histórico

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será aquele revelado pelos acontecimentos de um certo período da História referido no texto. Enquanto o tempo do discurso corresponde à forma como o narrador decide apresentar os acontecimentos. Na óptica de Fernandes no tempo do discurso, há que ter em conta dois aspectos:

Ordem temporal

A ordem temporal refere-se à ordem pela qual são apresentados os acontecimentos. Assim, podemos ter:

ISOCRONIA: o tempo do discurso é igual ao tempo cronológico, ou seja, o narrador apresenta os acontecimentos seguindo a ordem cronológica.

ANISOCRONIA: o tempo do discurso e o tempo cronológico não são iguais, o narrador não segue a ordem cronológica. Neste caso, podemos encontrar:

ANALEPSES (recuo no tempo),

PROLEPSES (avanço no tempo).

Ritmo temporal

O ritmo temporal refere-se à velocidade pela qual são apresentados os acontecimentos. Assim, podemos ter:

ISOCRONIA: a velocidade do discurso acompanha a velocidade da história (“estória”). Isto acontece nos DIÁLOGOS.

ANISOCRONIA: a velocidade do discurso não é igual à velocidade da história, é mais rápida ou mais lenta. Podemos, pois, encontrar:

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ELIPSES (omissão de acontecimentos),

SUMÁRIOS/ RESUMOS (resumo de acontecimentos),

PAUSAS (há descrições ou divagações, a acção não avança).

Nas elipses e sumários, o tempo do discurso é mais rápido que o tempo da história; nas pausas o tempo do discurso é mais lento que o tempo da história.

Para Reis (2000:294), o tempo do discurso pode ser entendido como consequência da representação narrativa do tempo da história. A partir de uma concepção de raiz estruturalista, diz-se que o tempo narrativo resulta da articulação das duas dimensões que é possível reconhecer no tempo: o tempo da história é múltiplo e a sua vivência desdobra-se pela diversidade de personagens que povoam o universo diegético; por sua vez, o tempo do discurso é linear e sujeita o tempo da história à dinâmica de sucessividade metonímica própria da narrativa.

Por outro lado, ainda nesta senda, segundo Benveniste (1966: 237-50) e Weinrich (197314, o tempo narrativo revela também, mais do que qualquer outra categoria da narrativa; inegáveis Implicações propriamente linguísticas, consequência direta da importância do tempo como categoria gramatical sujeita, em muitas linhas, a múltiplas flexões e modulações aspectuais.

A este propósito, Genette (1972: 77-182 e 1983:15-27) teoriza que o tempo do discurso institui um domínio susceptível de codificação, no qual encontra envolvido um repertório relativamente alargado de signos temporais. De acordo com a sistematização proposta, hoje largamente consagrada, o tempo do discurso compreende três áreas de codificação: a ordem, a 14Citados por Reis (2000:295).

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velocidade e a frequência; nelas inserem-se signos (analepse, prolepse, cena dialogada, pausa descritiva, etc.), cuja articulação incute ao relato a peculiaridade temporal que o caracteriza mais ou menos retrospectivo, mais ou menos veloz, etc. Daqui parte-se para a consideração de vectores semânticos que justificam tais critérios de elaboração: o romance naturalista projecta os seus fundamentos deterministas e causalistas num tratamento temporal analéptico, o romance neo-realista aproveita as virtualidades dialéticas que a representação do tempo encerra; etc.

Representação gráfica do tempo

Cronológico Marcas da passagem do tempo – dia, mês, ano, etc.

Histórico Enquadramento histórico das acções.

Psicológico Tempo vivenciado subjectivamente pelas personagens.

Do discurso Forma como o narrador apresenta os factos.

Relativamente à autora em estudo, apuramos, depois de uma leitura pormenorizada das suas obras, que embora haja vários tipos de tempo, faz o uso constante do tempo cronológico, isto é, regra geral, nas suas obras, há predominância do tempo que podemos calcular: os anos, meses, semanas, dias, horas, minutos, segundos, etc. Portanto, o tempo sucede-se cronologicamente como bem podemos ilustrar nos exemplos abaixo:

(…) Já há duas horas que caminho (…) espero chegar a tempo (…) Lima (2013:07)

(...) Naquele dia, Fuxi chegou à casa muito contente (...) Lima (2011:10)

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(...) Tinha tantos anos, porém era tão rija (...) Lima (2012:05)

(...) Numa manhã de muito calor (...) Lima (2015:10)

Estudo da Acção

Existem vários conceitos sobre a acção, mas do ponto de vista literário, segundo o Dicionário Universal Da Língua Portuguesa, o termo designa a sucessão de acontecimentos que constituem o assunto ou o desenvolvimento de uma narrativa, de uma peça teatral, de um filme.

Na óptica de Pombo (2006:08), a acção é o desenrolar de acontecimentos que se relacionam entre si e se encaminham ou não para um desenlace.

Para a autora a ordenação ou estrutura de uma narrativa caracteriza-se por uma situação inicial (introdução), um desenvolvimento (acontecimentos) e um desenlace (desfecho ou conclusão), que não existe em certas narrativas modernas.

Assim, na óptica da autora, quando existe desenlace, isto é, a resolução de todas as dúvidas, expectativas, conflitos ou anseios acumulados, diz-se que se trata de uma acção fechada. E quando não existe desenlace, ou seja, se a narrativa deixar ao leitor a possibilidade de imaginar a continuação da história, diz-se que se trata de uma acção aberta.

Porém, para uma melhor compreensão da acção, Fernandes (2015:34) denota que ela pode ser:

Acção central/ acção secundária.

Acção aberta/acção fechada.

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Acção central: os acontecimentos principais.

Acção secundária: acontecimentos secundários que contribuem para a valorização da acção principal; permite identificar situações ou valores, compreender contextos sociais, culturais, ideológicos, etc.

Acção aberta: pode haver continuidade da acção.

Acção fechada: não pode haver continuidade; a personagem principal morreu, o crime foi resolvido, etc.

Representação gráfica da acção

RelevoCentralSecundária(s)

DelimitaçãoFechada (acção solucionada até ao pormenor)Aberta (acção não solucionada)

Estrutura da acçãoSituação inicial (introdução)Peripécias e ponto culminante (desenvolvimento)Desenlace (conclusão)

Em relação à acção, apuramos que Cremilda faz o uso do tradicional desfecho que é a acção fechada. Na verdade, como sabemos, o conto tem uma finalidade didáctica/educativa, ou seja, tem, regra geral, um desfecho que nos remete a uma lição moral. É nesta ordem de ideias que a autora apresenta os seus desfechos como bem podemos verificar:

(…) Como Rei, Kabulo tinha o direito de escolher a noiva do seu coração”. Dirigiu-se então a Lukeny e disse-lhe:

- Queres dar-me a honra desta dança?

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Lukeny, com o coração aos pulos, correu para dançar com o grande Rei Kabulo, coroado pela Sereia mais bela daquelas águas, águas de um rio que nascendo no Bié, vai desaguar no Oceano Atlântico, na fronteira do Bengo com Luanda (…) Lima (2008:22)

(…) – Então vou ser reutilizado com os outros que como eu prestaram o seu serviço, mas sem ser tão maltratado. Vou juntar-me a outros amigos e fazer a grande bola que vai contribuir para termos um planeta melhor pois não serei mais um entre muitos e muitos que vão poluindo o ambiente.

E o Sabonete teimoso, pela primeira vez deixou escapar um sorriso alegre e mais simpático (…) Lima (2015:16)

Modos de representação e de expressão

Na óptica de Pombo (2006:45-46), o texto narrativo pode apresentar várias modalidades de discurso. O discurso do narrador, mais próximo da ficção narrada, apresenta-se sob as formas de:

Narração - relato de acontecimentos e de conflitos, situados no tempo e encadeados de forma dinâmica, originando a acção (verbos de movimento e formas verbais do pretérito-perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito);

Descrição - informações sobre as personagens, os objectos, o tempo e os lugares, que interrompem a dinâmica da acção e vão desenhando os cenários (verbos copulativos ou de ligação e formas verbais do pretérito imperfeito).

O discurso das personagens, mais distante do narrador, apresenta-se sob as formas de:

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Diálogo - interacção verbal ou conversa entre duas ou mais personagens (discurso directo com registos de língua variados);

Monólogo - conversa da personagem consigo mesma, discurso mental não pronunciado ou pronunciado, mas sem ouvinte (discurso directo com frases simples e reduzidas, muitas vezes com suspensões).

Em consonância com Pombo, Fernandes (2015:46-48) vai mais além afirmando o seguinte:

Narração:

• É o acto e processo do discurso narrativo.

• Implica a existência de um narrador, sujeito responsável por tal processo.

• É um processo dinâmico.

Descrição:

• É um momento de PAUSA na progressão dos acontecimentos.

• Podem descrever-se espaços, personagens (descrição física e/ou psicológica), tempo histórico, etc.

• Segue uma determinada técnica, como a pintura: do geral para o particular (ou vice-versa), de cima para baixo (ou vice-versa), de grandes para pequenos planos, etc.

• Pode assumir várias funções: decoração de ambiente, criação de suspense, etc.

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• Podemos ter uma descrição estática – onde predominam os nomes e adjectivos.

• Podemos ter também uma descrição dinâmica.

Diálogo:

• Expressa o discurso da personagem.

• É a forma mais próxima da representação dramática.

• Tem como funções: caracterizar ambientes socioculturais (a linguagem de um menino da rua não é a mesma que a de um aluno de uma das Universidades de Luanda); exprimir dialectos ou regionalismos; fazer avançar a acção.

Monólogo:

• É a fala do sujeito consigo próprio.

• Também podemos encontrar o MONÓLOGO INTERIOR, onde se dá a conhecer o pensamento das personagens. As personagens não dialogam consigo próprias, pensam.

• No MONÓLOGO INTERIOR DIRECTO os pensamentos da personagem flúem desorganizadamente, caoticamente, conforme ocorrem.

Representação gráfica dos modos de representação

Narração É a representação dinâmica dos acontecimentos, das acções.

Descrição É a representação estática do espaço ou de uma personagem.

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Representação gráfica dos modos de expressão

DiálogoConversa entre uma ou mais personagens reproduzida em discurso directo

Monólogo Conversa da personagem consigo mesma.

Relativamente a esta questão, Cremilda não foge àquilo que, regra geral, constitui uma espécie de norma. Queremos com isto dizer que nas suas obras encontramos dispostas todas estas estratégias. No que tange à narração, partindo do princípio que todo o texto narrativo tem um narrador, facilmente constatamos nas obras da autora a presença do narrador, porém, na maioria das vezes, apresenta-nos um narrador heterodiegético como citámos anteriormente e bem podemos verificar nos exemplos que se seguem:

(…) Era uma vez um sabonete magrinho, achatado, mais parecendo uma canoa que se chamava Wagiza (…) Lima (2015:5)

(…) Num parque grande… grande… vivia uma família de patinhos. Eram amarelinhos e pretos e tão fofinhos, os mais pequeninos (…) Lima (2012:6)

Quanto à descrição a autora serve-se da dinâmica, uma vez que há o uso de verbos de movimento nas suas descrições; quando a autora descreve dá-nos a sensação de estarmos em movimento como bem podemos apreciar:

(…) Numa grande e extensa região que é a província do Bengo, podemos encontrar a Barra do Kwanza, onde existem das mais belas maravilhas de Angola. O rio Kwanza realiza um bailado louco quando beija e se junta com o mar… ali na foz da barra… ali no Oceano Atlântico… Ao sair de Luanda, são setenta quilómetros

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de mar bordejando a longa costa, desde as praias da Samba ao Morro dos Veados, aos grandes campos de golfe relvados, ao Miradouro da Lua, ao Miradouro das Águas Belas, às ilhas que se vão formando… entre elas a Ilha do Mussulo (…) pelo caminho que orla a estrada do lado contrário do mar, há todo um conjunto de rendilhados de morros que mais parecem obras de grandes tecelões (…) ao longe é uma vastidão imensa e um fervilhar constante de ondas alterosas e ritmadas, cheias de espuma, efectuando um bailado coreografado por alguém (…) continuando a viagem, entra-se para uma pequena povoação chamada Wa Congo, com as suas cubatas de capim e barro de areia vermelha, construídas com troncos que continuam enfeitando os tectos de folhinhas verdinhas (…) Lima (2012:6)

No que tange à expressão, a autora vale-se do diálogo - uma vez que predomina a existência de conversa entre uma ou mais personagens, reproduzida por via do discurso directo - assim como noutros contos também faz recurso ao monólogo como bem podemos apreciar

(…) – Porque choras Sapupo – Perguntava-lhe o seu amigo pirilampo, que todos os dias lhe fazia companhia.

– Ora, estou tão triste!...

– Porquê? Conta lá, talvez possa ajudar.

– Sabes, enquanto fui espiga toda a gente se preocupava comigo, agora que virei sapupo já ninguém me liga… E eu queria ser um boneco… daqueles com que os meninos gostam de brincar (…) Lima (1985:7-8)

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(…) Até que um dia… a colher que também já estava farta das distracções e teimosias do Kiki pensou:

– Que arrelia!... É todos os dias a mesma coisa!... Tenho que arranjar maneira de corrigir este menino. Será que vou passar a vida com açúcar agarrado a mim, quando o que eu gosto mesmo é sentir os grãozinhos andarem de escorrega, saltos e felizes? (…) Lima (2006:8)

O discurso

Relativamente ao discurso, segundo Reis (2000:225), é esta a parte mais abordada pela semiótica da narrativa. Segundo o autor o assunto tem sido objecto de maior atenção e sistematização. Logo, para o referido autor, representa o suporte expressivo da história e o domínio em que se consuma a sua representação, está directamente ligado ao labor do narrador, traduzindo-se num enunciado, e articula em sintagma diversas categorias e subcategorias específicas.

A este respeito, parafraseando Cunha, Celso (2005:629:637), o discurso representa, na verdade, os três moldes linguísticos de que o narrador se serve para dar-nos a conhecer os pensamentos e as palavras de personagens fictícias ou reais.

O autor apresenta três tipos de discursos distintos a saber – Directo, Indirecto e Indirecto livre.

Para Cunha (2005:629) a diferença entre os três é bem clara, isto é, o autor avança que “no discurso directo o narrador introduz a personagem e deixa que esta se expresse por sim mesma, portanto o narrador limita-se a reproduzir as palavras como ela as teria efectivamente dito. Já no

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Discurso indirecto, o narrador incorpora o seu próprio falar, contentando-se em transmitir ao leitor apenas o seu conteúdo, sem nenhum respeito à forma linguística que teria sido realmente empregada, enquanto o discurso indirecto livre vai representar o processo de reprodução de enunciados, utilizado na literatura moderna, que resulta da conciliação do discurso directo e indirecto”.

Em todo o caso, para uma melhor compreensão do discurso, Fernandes (2015:48-50) nota o seguinte:

DISCURSO DIRECTO:

• É a voz das personagens que se assumem como sujeitos da enunciação.

• Este discurso é habitualmente introduzido por indicadores gráficos: dois pontos, travessão ou aspas.

• Uso da 1ª pessoa verbal (presença do EU).

• Expressões que localizam os acontecimentos em função do aqui e do agora da enunciação.

DISCURSO INDIRECTO:

• É igual ao discurso directo, com uma diferença essencial: a forma como é apresentado. Já não são necessários dois pontos, parágrafo e travessão. As falas surgem depois de uma vírgula, ou sem nenhum sinal gráfico a antecedê-lo.

• Como não há pausas acentuadas (não há dois pontos, pontos, travessão, parágrafos), podendo a MESMA FRASE continuar, incluindo várias falas, durante várias páginas – então, o discurso

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é mais rápido, mais fluido, o que confere maior dramaticidade ao discurso.

• Torna a situação mais real, mais fácil de visualizar.

• Exige maior atenção por parte do leitor (para que não se perca nas várias falas intercaladas) e, ao mesmo tempo, consegue fazer com que o leitor se sinta parte do que é apresentado.

• A recorrência a este tipo de discurso pode ter várias funções: ilustrar melhor uma situação onde várias pessoas falam ao mesmo tempo; ilustrar um discurso repetitivo e rápido, contínuo, que nunca pára, de modo a levar os ouvintes ao transe; ilustrar uma conversa, acompanhando o seu ritmo real, etc.

DISCURSO INDIRECTO LIVRE OU SEMIDIRECTO:

• Voz dual (do narrador e da personagem).

• Discurso híbrido, mistura duas vozes e dois tipos de discurso (directo e indirecto).

• Como o discurso directo, pode ter exclamações, interrogações, reticências.

• Como o discurso indirecto, usa a 3ª pessoa verbal e os tempos e modos verbais do discurso indirecto (pretérito imperfeito, pretérito mais-que-perfeito, condicional).

• Neste tipo de discurso não se usam os verbos introdutórios das falas, como: disse, exclamou, gritou, respondeu, etc. Não

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se diz “A Maria olhava a pintura e pensou…” ou “A Maria olhou para o vestido e exclamou…”

• Este discurso mostra a OMNISCIÊNCIA do narrador.

• Revela proximidade entre o narrador e a personagem – para mostrar que o narrador é omnisciente; com uma intenção irónica ou para divertir; por haver empatia entre o narrador e a personagem, etc.

Cremilda de Lima nas suas obras faz o uso do tradicional discurso

– Discurso directo. Pensamos que, por se tratar de Literatura Infantil, partindo do princípio que para crianças é muito mais fácil compreender este tipo de discurso, é de toda conveniência que se use este, pois os outros dois são, digamos, mais complexos e dificultam, até certo ponto, a compreensão da história. Exemplifiquemos:

(…) Repentinamente, foi abordado por um outro jovem que depois de o cumprimentar lhe disse:

– Moras Aqui? E qual é o teu nome? (…) Lima (2012:10)

(…) Kiki era um menino muito distraído e desobediente. Todos os dias a mãe lhe dizia :

– Kiki, não mexas o leite com a colher do açucareiro. Sujas o açúcar e a colher (…) Lima (2006:07)

(…) O silêncio foi quebrado por um menino que, muito triste, disse para mãe:

– Oh, mãe, porque é que o barco saiu tão tarde? A esta hora nós

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também poderíamos estar no Mussulo a passear, voando, nas asas brancas das gaivotas (…) Lima (2010:10)

(…) Todos os seus irmãos eram cada dia mais engraçados com formas, marcas e nomes muito diferentes. O seu cheiro tomava conta da casa de banho de tal forma que todos diziam :

– Que cheirinho bom tem este sabonete (…) Lima (2015:07)

Os principais temas

• Os maus hábitos e costumes

A este respeito Imbamba, José Manuel [2003:42]15 teoriza que

(...) é facto evidente que cada povo (...) possui sempre um leque de regras de convivência social (normas sociais) que formam e educam o agir das pessoas e regem as relações entre si, garantindo, desta feita, o respeito, a fraternidade, a unidade, a solidariedade, etc. São os hábitos-modelo que o grupo vai assumindo, melhorando e transmitindo ao longo dos anos e de geração em geração, fazendo parte de um estilo de vida típico, que todos devem observar e manter o repeito. ESTES EXCERTO ESTÀ BEM TRANSCRITO? perguntar autora na observância e no respeito. Estes hábitos-modelo são geralmente denominados costumes que podem abranger tudo: a comida, o vestuário, a educação das crianças, a atenção pelos anciãos, a iniciação sexual, as crenças religiosas, os modelos de comportamento, a organização social, política e económica (...)

A verdade é que os angolanos vêm perdendo muitos dos seus hábitos bons 15 Citado por Mbenga (2016:84)

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e estão a acatar muitos hábitos maus, por esta razão é que, nas suas obras, Cremilda toca neste ponto como podemos constatar na obra “O sabonete teimoso” em que o destaque recai sobre o mau uso do sabonete por parte dos personagens, como podemos verificar no exemplo:

(…) De tanto o usarem, começou a ficar esticado, torto, quase sem barriga (…) Lima (2015:10)

O outro caso vem da obra “A colher e o génio do carnaval” aqui para além da personagem não saber comportar-se bem, a autora também destaca o facto de ele ser desobediente conforme ilustra o excerto:

(…) Kiki era um menino muito distraído e desobediente. Todos os dias a mãe lhe dizia:

- Kiki, não mexas o leite com a colher do açucareiro. Sujas o açúcar e a colher.

- Desculpa lá mãe, esqueci-me… e a cantiga era a mesma todos os dias… Às vezes, Kiki ainda fazia pior pois lambia a colher e metia-a de novo no açucareiro (…) Lima (2015:7)

Outro caso emerge do conto “O sonho de Jojó”. A autora aqui chama a nossa atenção sobre a desorganização. Exemplo:

(…) Que grande confusão no quarto de Jojó… Livros para um lado, cadernos para outro, sapatos misturados com roupa… enfim tudo uma verdadeira desordem (…) Lima (2008:25)

A autora também destaca a falta de educação que há no seio dos meninos e o caso que denuncia aparece no conto “O moringue de barro”. A falta de educação materializa-se na forma como Zeca fala com a sua Avó, como

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bem podemos constatar:

(…) – Avó, avó! O moringue não tem água. Eu quero beber! – Gritou de lá dentro o Zito, mal acordou.

– Calma , menino. Espera. Não vale a pena partir uma coisa de estimação.

– Mas, eu quero beber.

E… zás … lá foi o moringue para o chão (…) Lima (2008:42-43)

• A vaidade

O termo vaidade designa a qualidade daquele que é presunçoso e que ostenta. É muito comum haver muita vaidade entre os angolanos, razão pela qual a autora nas suas obras faz menção à vaidade. O assunto aparece na obra “Kabulo, o rei” como bem podemos constatar:

- Kabulo, era realmente um coelho bonitão. Imaginem que, antes de sair, nunca se esquecia de dar uma miradinha no espelho que tinha bem à entrada da sua sala. Alisava o pêlo, esticava muito bem as orelhas e perfumava-se com um perfuminho que ele mesmo confeccionou com ervas (…) Lima (2008:10)

• A irresponsabilidade

A irresponsabilidade é um factor que afecta muitas famílias angolanas, isto é, é muito frequente entre nós. Na verdade, tornou-se comum, o que preocupa muitos. Tal tendência ocorre, sobretudo, nas camadas mais jovens. Cremilda bem levanta esta questão que aparece na obra “Kabulo, o

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rei ” como se vê no exemplo:

(…) Tukula era o tipo de namorado que nenhuma mãe desejava para a sua filha. Demasiado enfeitado, sem responsabilidades, não falhava a uma noite nas discotecas, mas, depois de superada a ressaca, la ia ele com ares de grande conquistador moderno, dominar com o seu paleio as garinas (…) Lima (2015:13)

• O meio rural

Nos contos de Cremilda, normalmente destaca-se o espaço rural, ou seja, é uma literatura carregada de aspectos inerentes ao campo. A história, em regra geral, materializa-se na sanzala, no kimbo, no campo, etc. Exemplos:

(…) Kami vivia com os avós. A poucos passos da casa tinham uma pequena lavra, onde cultivavam mandioca, batata doce, ginguba e milho (…) Lima (2013:5)

(…) Pisou um bocado de carvão até ficar em pó e nele molhou o seu pau de lavar a boca. Quando acabou de lavar os dentes, procurou a cola e o gengibre e pós-se a mastigar enquanto comia, foi lavar a vassoura de musseque que estava num canto do quintal e começou a varrer (…) Lima (2008:42)

• O tratamento tradicional

Parafraseando Viegas (2006:2)16, as figuras que se encarregam de efectuar o tratamento tradicional encontram-se enquadradas numa determinada classe – a classe dos terapeutas. Em Angola nesta classe enquadram-se

16 Citado por Mbenga (2016:105)

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o adivinho, o feiticeiro, o quimbanda, a parteira tradicional e o curandeiro, desempenhando cada um deles funções específicas. O curandeiro é a pessoa dotada de poderes ancestrais para proteger e auxiliar indivíduos nos seus infortúnios. São poderes normalmente utilizados para o bem, no sentido de ajudar a comunidade contra toda acção nefasta e afastar as influências maléficas do feiticeiro. Cremilda realça este assunto nas suas obras como bem podemos reparar no exemplo que se segue:

(…)Vi mais além o chá de caxinde, também conhecido por chá príncipe com os seus penachos tão compridos e tão verdes (…) imediatamente me veio à cabeça aquele cházinho delicioso que a avó Chiminha preparava para curar as nossas constipações (…) Lima (2008:36-37)

• A tradição oral

Em Angola, regra geral, quando se fala da tradição oral, estamos a entrar para o campo dos provérbios. Porém, é preciso reter que a tradição oral não se restringe aos provérbios, uma vez que fazem parte desta área uma série de itens – terapia tradicional, feitiçaria, oratura, rituais, música, etc. É nesta ordem de ideias que trouxemos para este trabalho este tema, visto que nas obras em estudo, de forma intencional ou talvez não, a autora faz recurso ao uso de técnicas/assuntos ligados a esta tradição.

Logo, como sabemos, e para uma melhor compreensão da tradição oral, é de suma relevância que se fale, em primeira instância, dos provérbios, ou seja, em teoria não se pode falar de tradição oral sem fazer alusão aos provérbios ou vice-versa, visto que os mesmos fazem parte deste universo cultural e imaterial.

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Relativamente à tradição oral, parafraseando Coelho, Sebastião (1999:86), é preciso considerar que, no caso de Angola, ela foi repartida em duas partes, isto é, fez-se a divisão em dois eixos distintos: “Literatura Oral” e “Literatura Impressa”. Sendo a Oral aquela que se expressa exclusivamente em Línguas Nacionais e a impressa fundamentalmente em Língua Portuguesa.

Coelho (1999:86) continua afirmando que a tradição oral não é um simples aglomerado de “palavras sonoras” que se escoam na fluidez da narrativa. São palavras que representam, no seu conjunto harmónico, toda uma forma particular, única e complexa de expressão altamente preparada para contar ou transmitir ideias, independentemente e apesar da linguagem escrita.

A tradição oral, segundo o autor supracitado, é a transmissão de saberes de geração em geração. Estes saberes fazem parte do património imaterial, e, tanto podem ser os usos e costumes das comunidades, como os contos, provérbios, adivinhas, lendas, cancioneiros, etc., etc., que o povo guarda na sua memória (...) servem para transmitir ou transferir a experiência do grupo (...) esses textos orais constituem o espelho da vida da sociedade de ontem, actualizada no presente, e, orientada para o futuro.

Na Literatura Oral, na óptica de Coelho (1999:86), criam-se e alargam-se constantemente espaços omnidimensionais que ignoram todas as fronteiras, para permitirem que se desenvolva e brilhe a complexa totalidade do texto sonoro integral, criteriosamente armado, com expressões conformadas por todos os sentidos. É um mundo de especulações, denso e imprevisível, onde a palavra tem valor de acto. A partir desta base, especula-se em busca de efeitos.

Usam-se as formas naturais de comunicação – a palavra e o gesto – joga-se com a voz modulada, o tom e a intensidade, o sublinhado do gesto das

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mãos, a expressão facial, os movimentos do corpo e dos pés, os olhares, as pausas e o ritmo, o tempo, o espaço e a emoção. (...) por isso mesmo o conto africano é oral, porque não se pode escrever, devido à complexidade do necessário ambiente que o rodeia.

O conto africano não foi preparado para escrever-se. Apresenta-se recheado de outros condimentos incompatíveis com as regras e os limites da forma escrita e da actualidade. Esta diferença, este conjunto de dados conforma um todo complexo e vital, que se pode identificar como “expressão oral” da Cultura Bantu, ou seja, um verdadeiro culto da imagem fónica.

Embora a tradição oral seja e constitua uma riqueza imaterial do povo angolano, partindo do princípio que a sua transmissão é feita de forma oral, de geração em geração, hoje, com o advento da globalização – surgimento da era digital – ela passa por diversas vicissitudes, portanto tende a desaparecer.

Entre os vários os factores que inviabilizam a recolha e preservação da literatura oral angolana Benjamim Fernando17 destaca “A guerra fratricida que devastou o país durante vinte e sete anos, mais outros catorze relativos à luta anti-colonial, dificultou deveras a recolha e posterior impressão dos aspectos culturais angolanos, nos quais se inserem os provérbios, cuja transmissão é feita oralmente (...) O êxodo da população rural – celeiro da cultura – para os centros urbanos, mais seguros e com melhores condições sociais, pode contribuir para o esvaziar da “alma” cultural dos povos e, deste modo, comportar irreparáveis consequências para a cultura angolana. (...) O reduzido número de estudiosos das línguas e culturas africanas, com a cientificidade necessária para o efeito.

17FERNANDO, Benjamim, “A fauna e as finalidades didácticas nos provérbios em kikongo”, Luanda: INALD.

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Por esta ordem de ideias, Américo de Oliveira afirma18 : “essa tradição está-se esboroando por causa dessa guerra prolongada. As populações saem do interior, perdem os laços tradicionais e a figura daquele mais velho contador de histórias, o griot, desapareceu praticamente.”

O autor referido continua advogando que “Angola, como foi acontecendo em todo o mundo, vai perder, irremediavelmente, a sua bela tradição oral que, pelo menos até 1974, foi sobrevivendo na relativa paz dos lugares tranquilos do interior. Simplesmente, os tempos aceleram-se e já em 1997 admiti que a “Literatura Oral Angolana” poderia deixar de ter vigência dentro de muito pouco tempo. Várias frentes de tormenta, inevitáveis, violentas e traumáticas como a loucura da guerra, ou pacíficas como a alfabetização popular o êxodo das populações rurais para a cidade, a mudança de costumes, mais a natural desorientação que sofre o banto ao ter que enquadrar-se em novos sistemas políticos e sociais - tudo se conjuga para o extermínio da oralidade em Angola (...) O desmembramento, apressado pela guerra, da família tradicional e dos costumes e o modo de “destribalização” violenta a que foi submetido pelos combates, atentam contra o passado no confronto inevitável entre “tradição” e “modernidade”. (...) Como resultado lógico desta hecatombe, cada vez haverá menos “jograis” ou especialistas da difusão da cultura oral”.

Para Óscar Ribas (2008:153-155) “os provérbios estão perdendo vitalidade. As actuais gerações, numa deplorável vergonha pelas coisas de sua terra, só querem o que é europeu. E ai daquele que ousar perguntar a alguém já meio liberto do ambiente ancestral, qualquer prática do seu tradicionalismo (...) Pela imposição do progresso, pelo resultante constrangimento de se não passar por atrasado, a cultura negra vai definhando, mormente nos centros de predominância europeia. Deste modo, o Kimbundo, língua de 18 Citado por Benjamim Fernando em “A fauna e as finalidades didácticas nos provérbios em kikongo ”, Luanda: INALD.

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incontestável beleza harmónica, mas lamentavelmente tida, por muitos detractores, como língua de cão, está sepultando, com o seu menosprezo, uma parcela do relicário das tradições africanas.

Nesta senda, partindo da máxima que “cada velho que morre, é um livro que se fecha para sempre” acreditamos que num futuro mais ou menos próximo os povos deste continente vão ser privados do instrumento tradicional da sua expressão.

Portanto, depois da incursão à tradição oral, partindo do princípio que tem muito a ver com os provérbios, é preciso conceptualizar o mesmo, ou seja, sabemos da real importância dos provérbios, mas vamos ver como funcionam dentro da Literatura Infantil Angolana, sobretudo nas obras de Cremilda de Lima.

O provérbio, assim como muitos outros termos, tem inúmeros conceitos e há vários estudos sobre o assunto, contudo, atendendo à nossa perspectiva de abordagem, vamos ater-nos aos conceitos ligados à literatura. Logo, para o notável investigador Francisco Torrinha19, “O provérbio é uma máxima expressa em poucas palavras e do domínio popular; pequena comédia em que se desenvolve um rifão ou sentença moral.”

Já para António Fonseca (2008:75-81), “constituem uma classe que podendo aparecer como um conjunto de textos soltos, em regra aparecem integrados em outros textos literários ou fazendo parte de acontecimentos da vida social, quer no plano familiar, quer no plano comunitário, circunstâncias em que ganham plenitude de utilização e interpretação. Não se alteram no plano formal, mas poderão alterar-se na sua significação e interpretação de acordo com as necessidades das superfícies sociais em

19 Extraído em www.google.com.br “Noção de provérbio” acessado aos 25 de Junho de 2015.

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que se desenvolvem, ou seja por alterações de contexto. No sentido global, não deverão tais alterações ferir os códigos de conduta.”

Alexandre Parafia20 advoga que os provérbios “são frases sentenciosas, de fins didácticos ou morais, que abrangem todo o universo da vida do povo. De origem remota e desconhecida, as breves palavras em que se expressam traduzem uma ideia útil, uma verdade corrente, numa linguagem simples e familiar, quando não alegórica e simbólica.”

Defende Zavoni Ntondo21, que o provérbio “é reconhecido como um testemunho autêntico da consciência que o grupo social tem de si próprio. Imprimido de carimbo específico, o provérbio representa a sabedoria das sociedades (...) O corpus do provérbio de uma sociedade inscreve-se no normativo consciente. Ele constitui uma espécie de saber viver, uma gramática do comportamento social”.

Para Miguel Barroso Kyala22 , “os provérbios e máximas (...) encerram (...) aspectos filosóficos, jurídicos, éticos ou morais, vários conselhos para viver e outros ainda (...).”

De acordo com Hendrick Vaal Neto23, “os provérbios são aforismos das línguas e sintetizam não só discursos como também ideias e sentimentos. Cada um deles é parte de toda uma filosofia e encerram autênticas histórias (...) Genericamente consideradas, essas máximas populares são peças educativas, conselhos morais, regras de conduta social, política e cultural, como preceitos que definem a forma de viver no seio da comunidade. São orientações a todos transmitidas, muitas vezes com um certo humor,

20 Extraído em www.google.com.br acessado aos 13 de Março de 2015.21 NTONDO, Zavoni, 1989, Reflexão sobre a especificidade do provérbio, citado por Fonseca (2008:78)22 KYALA, Miguel Barroso, 1995, Provérbios e máximas dos bakongos, Luanda: INALD. Citado por Fonseca (2008:78)23VAAL NETO, Hendrick, 1999, Vagueando, Luanda: Executive Center. Citado por Fonseca (2008:78)

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muitas vezes com uma certa firmeza, mas sempre como sentenças, como resoluções intransigentes”.

Para Ribas (2008:153-155), os provérbios constituem “o património espiritual dum povo – a riqueza tradicional acumulada desde a primitividade de sua consciência – os provérbios constituem o píncaro de sua sabedoria. Na profundidade das sínteses, quais cristalizações do pensamento, contêm a essência dos ensinamentos da vida. Portanto, os provérbios representam uma medida aferidora da cultura dum povo.”

Estas máximas não são utilizadas de forma arbitrária, ou seja, são sempre usadas dentro de um determinado contexto. Fonseca (2008:80) bem nota que “Os provérbios aparecem divulgados frequentemente, mesmo em conversas do dia-a-dia, e utilizados de maneira plena em várias ocasiões da vida das pessoas e da comunidade, nomeadamente nos óbitos, casamentos, arbitragens e julgamentos de demandas, acontecimentos a que na sua vida, uma ou outra vez, as pessoas estiveram ou estão ligadas, sobretudo nas sociedades que se pautam por um conceito lato de família e onde o parentesco, mais do que extinguir-se, renova-se pelos sistemas de casamento. O contacto efectivo das pessoas com os provérbios, no seu sentido e utilização mais profundos, ocorre sobretudo na vida adulta (...) Na verdade, a utilização profunda dos provérbios não acontece por mero acaso; ocorre em circunstâncias em que seja necessário constituir verdadeiras teses capazes de sustentar um ponto de vista, contrapor-se a outras, igualmente sustentadas por provérbios, ou buscar consensos e justificar as soluções encontradas para as questões em discussão.

São, portanto, textos que vêm enriquecer o universo da língua portuguesa, que passou a incorporar de maneira evidente muito do imaginário das línguas nacionais angolanas, para lá de outros processos já referenciados.

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A aparição deste ponto não ocorre por mero acaso, uma vez que a autora em análise faz, como já dissemos anteriormente, o uso da tradição oral nas suas obras e o primeiro caso que vamos evidenciar tem a ver com o uso dos provérbios. Lima bem destaca a multi-funcionalidade do provérbios, mas com maior pendor para a finalidade didáctica, isto é, o provérbio é empregue para educar, disciplinar as suas personagens e os seus leitores como bem podemos notar:

(…) O sonho comanda a vida (…) Lima (2012:12)

(…) Quem não trabuca não manduca (…) Lima (2012:13)

(…) Grão a grão enche a galinha o papo (…) Lima (2015:15)

Outro factor relevante que também tem a ver com a tradição oral e que faz parte das obras de Cremilda de Lima tem a ver com os rituais de “sunguliamento”. Na verdade, o termo “sungilar” designa uma série de actividades que se praticam durante a noite, ou seja, passar a noite cantando, dançando, jogando, contando histórias, adivinhas e outros tipos de diversão. É uma actividade que nos remete à ancestralidade, pois era nas grandes aldeias que durante a noite os nossos ancestrais se reuniam para, durante a noite, contarem histórias, cantarem, dançarem, pregarem partidas, etc. Na nossa opinião, é do interesse da autora levantar aqui estas questões, às quais, segundo Neto, “havemos de voltar”. Podemos elucidar com o exemplo abaixo:

(…) será que era ali, debaixo daquele grande trono, que o Soba, há muito, e muitos anos reunia com o seu povo, ou que era ali onde os cotas cantavam à hora de sunguilar, as mais belas histórias da kianda do rio? (…) Lima (2008:10)

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Ainda esta prática de “sunguilar” está ainda associada a dança. Desde tenra idade que os angolanos se dão muito à dança e, diga-se em abono da verdade, que uma das maiores atracções destes rituais é a dança. Cremilda bem destaca este facto nas entrelinhas do seu discurso particularizando, portanto, as danças mais comuns e apreciadas – Rebita e Semba. Apreciemos os exemplos:

(…) à frente vinha um conjunto que tocava uma música para se dançar a rebita (…) Lima (2008:15)

(…) aos poucos os pares foram parando, esquecendo-se de quem eram os concorrentes, pois eles não eram capazes de acompanhar as massembas que Kabulo e a sua parceira iam dando (…) Lima (2008:36-37)

Também é de suma relevância, ainda nesta senda da tradição oral, a questão da transmissão dos conhecimentos. Como reza a história, em acordo com vários teóricos, em África, muito antes do processo de colonização, existiam grandes reinos com a sua divisão e autonomia administrativa e financeira. Entretanto, à luz da história, não havia escolas, mas ainda assim os conhecimentos eram transmitidos, ou seja, de forma oral. Na verdade, os adultos aprendiam as diversas técnicas de sobrevivência e não só e transmitiam aos seus filhos de forma oral e assim o conhecimento foi circulando de geração em geração até que a colonização trouxe a escrita. Cremilda de Lima, nas entrelinhas do seu discurso, faz o levantamento desta nobre questão como bem podemos apreciar:

(…) perfumou-se com um perfuminho que ele mesmo confeccionou com ervas, que segundo ele era receita antiga, herança bem guardada dos seus antepassados (…) Lima (2008:36-37)

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Paralelo a esta situação está a questão do tratamento tradicional que, em regra geral, quando a chamamos para uma abordagem na cultura Bantu, indirectamente entramos no campo da feitiçaria. Entretanto, no que respeita à feitiçaria, teremos dois grupos distintos – feitiçaria ofensiva e a feitiçaria defensiva.

A ofensiva corresponde àquela que é utilizada para atacar, eliminar fisicamente um outro ser vivo. Figueira (1938: 195-209)24, a este propósito, denota que “o feiticeiro é considerado assassino, quem esconjura e mata com sortilégios de magia, o agente do mal, portador da demonolatria...” Portanto, tendo o utilizador como tarefa ou trabalho causar o mal aos outros, a feitiçaria ofensiva é o seu instrumento de trabalho. Enquanto a defensiva é aquela em que se faz o uso de artimanhas para neutralizar ou proteger as pessoas contra as acções dos feiticeiros. É, portanto, aquela que é usada pelos kimbandas que, de certa forma, têm os mesmos poderes e desenvolvem as mesmas técnicas que os feiticeiros, porém usam-nas para praticar o bem, ou seja, combater e eliminar a acção de feiticeiros.

Quanto a este assunto, Viegas (2006:2)25 defende que estas figuras se encontram enquadradas numa determinada classe – a classe dos terapeutas (...) em Angola nesta classe enquadram-se o adivinho, o feiticeiro, o quimbanda, a parteira tradicional e o curandeiro, desempenhando cada um deles funções específicas.

Na verdade, para Viegas (2006:02)26, o curandeiro é a pessoa dotada

de poderes ancestrais para proteger e auxiliar indivíduos nos seus

24 Citado por Mbenga, Zola, 2015, A ficção de João Melo – Representações 25 Idem.26 Idem.

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infortúnios. Enquanto para Marc Augé (1974:17-18)27, o curandeiro é um terapeuta tradicional, homem ou mulher, dotado de poderes sobrenaturais recebidos dos seus ancestrais, que são normalmente utilizados para o bem, no sentido de ajudar a comunidade contra toda acção nefasta e afastar as influências maléficas do feiticeiro (…) é o “comedor de almas”, o homem temível que utiliza as forças ocultas tanto para o bem, como para o mal, em benefício próprio ou a pedido de outrem.

Cremilda, de forma clara, bem toca nesta questão como podemos ver no excerto:

(…) Tinha tantos anos, porém era tão rija que a todos surpreendia com os tratamentos caseiros que fazia (…) Lima (2010:18)

Não podíamos fechar este tema sem antes fazer alusão à figura do “mais velho”. É bem verdade, como já acima dissemos, que a tradição oral, assim como a transmissão dos conhecimentos é feita de forma oral de geração em geração. Portanto, a figura que fica encarregada de passar este testemunho é o “mais velho”. Logo, dadas as circunstâncias que mencionámos, é fácil aferir que o “mais velho” é uma figura importante em África. Por esta razão Coelho (1999:85), admite que em África as “bibliotecas vivas” são os “sábios”, os “mais velhos” e os jograis (…) são “contadores de histórias” e os principais transmissores da tradição oral. São os narradores ou animadores populares e ambulantes (…) viajam permanentemente de aldeia em aldeia (…) para ensinar o passado e transmitir em cada kimbo ou povoação, a História ou a memória do povo e as anedotas, as novidades do reino ou sobado (…) são “sábios” no sentido lato da palavra porque são eles os que “detêm e difundem, fielmente, o conhecimento” tradicional.

27AUGÉ, Marc é citado por Viegas (2006:04) . In: “As igrejas neo-tradicionais africanas na cura e reintegração social

(1992-2002): um estudo de caso em Luanda”.

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Portanto, como podemos apreciar, esta figura do ”mais velho” tem responsabilidades acrescidas na sociedade africana. Cremilda destaca esta figura nas suas obras, apresentando a forma peculiar com que se destaca na sociedade, isto é, regra geral, na sociedade africana, os mais velhos são os detentores do saber. A ser verdade, ocupam os postos mais díspares destas sociedades – soba, feiticeiro, kimbanda, etc. É caso para dizer que são eles – os mais velhos – as pessoas que se encarregam de aconselhar, dirimir conflitos, resolver os problemas. Bem podemos ver nos excertos:

(…) surgiu um soba velho, velho de longas barbas brancas

– Grande maka na sanzala!... Disse o velho soba batendo com a bengala três vezes no chão. Afinal o que é que se passa? E a confusão continuava.

– Boque… Maboque!... como num conto de fadas, foi se tudo acalmando e o soba que era mágico da savana disse:

– Escutei tudo, ouvi bem o que disseram e concordo! (…) Lima (2014:10)

• A família extensa

O termo tem inúmeros significados, porém entre os quais destacam-se “conjunto de pessoas com relação de parentesco que vivam juntas”; “o grupo de pessoas formado por progenitores e seus descendentes, linhagem ou estirpe”; “o conjunto de pessoas de mesmo sangue ou parentes por aliança”; “representa um grupo de pessoas unidas pelo vínculo de casamento, afinidade ou adopção”28.

28 Extraído do Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 2011, pág 708.

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Em África, em geral, e em Angola, em particular, segundo Mbenga (2015:59), predomina o conceito de família extensa, isto é, aquela em que se associam os avós, progenitores, esposa, filhos, tios, tias, primos, primas sobrinhos, etc. Isto, na realidade, deve-se a questões meramente culturais, inclusive, a este respeito.

Figueira (1938:122)29 teoriza que “(…) a base de vida dos ambundos e de todos os bantu é também a família – pais, filhos, sobrinhos, tios, avós. O mais considerado parentesco é, porém, por linha sanguínea directa, pela parte feminina, com proveniência no mesmo ventre (…)”.

Altuna (2006:116-117)30, ainda nesta senda, avança que (...) a ideia personalista europeia de matrimónio e o seu sistema de vida familiar não se coadunam com a ideia basilar bantu da família que é sempre uma ampla instituição comunitária, de cooperação e interacção, de participação vital extensa e indestrutível. A verdadeira família é a maternal, a família alargada (...) A família extensa ou alargada é um grupo-comunidade composto pelos membros das famílias nucleares, aparentados por consaguinidade real, patrilinear ou matrilinear, que engedra a solidariedade vertical e horizontal (...)

Nas obras de Cremilda bem podemos apreciar a presença desta tema como podemos verificar no excerto:

(…) antes de vir para Luanda, ele vivia com os seus pais em Ondjiva, a capital do Cunene, uma das província de Angola que faz fronteira com a Namíbia. Era uma família numerosa: o pai, a mãe e mais cinco irmãos (…) Lima (2012:05)

29 Citado por Mbenga, Zola, 2015, A ficção de João Melo – Representações críticas da sociedade angolana pós 1990, Luanda: FLUAN. 30 Idem.

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• A zunga

O termo é novo na língua Portuguesa e aparece por intermédio de um empréstimo da Língua Kimbundo. Na realidade, na base deste surgimento estão razões históricas. Como bem sabemos, Angola passou por um período longo de guerras – Guerra de Libertação Nacional e a Guerra Civil. Na vigência destas guerras, as famílias foram se desintegrando. Com estas guerras, na verdade, as famílias foram imigrando para Luanda, enquanto muitos outros desapareceram. Em Luanda a vida não era fácil, pois tratava-se de um grande centro urbano, enquanto os imigrantes, na maioria dos casos, eram de famílias de camponeses. Portanto, sendo Luanda uma grande metrópole, a actividade rural quase não se fazia sentir. Logo, os imigrantes tiveram de mudar bruscamente a sua forma de trabalhar para ganhar a vida. Assim, muitos enveredaram pelo o ramo da construção civil, outros pela delinquência, outros ainda pela prostituição e muitos pela “zunga”. Foi assim que surgiu o termo no português. Em Luanda, uma das formas mais dignas de ganhar a vida é a venda ambulante que na língua Kimbundo, língua de muitos dos imigrantes, se traduz por “zunga”. Logo, zungueira (Múkua-nzunga), é um substantivo e designa vendedor ambulante. Cremilda bem nota isto nas suas obras bem como podemos verificar:

(…) encontrou-a e ela ajudou-o na medida do possível. Era zungueira, vivia da venda de produtos como frutas e legumes (…) de manhã, ainda o sol começava a espreguiçar-se mandando os seus raios para acordar Luanda, a cidade das azáfamas seu fim, lá ia ela para a zunga (…) Lima (2012:8-9)

• As farras, ressacas e discotecas

As farras desde tenra idade fazem parte da nossa vida e associadas às farras estão a ressaca e as discotecas. Mbenga (2015:47-48) afirma que

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a origem das farras, para nós angolanos, remonta à ancestralidade, onde a festa mais comum era o casamento. Porém, com a evolução das coisas, isto é, com o passar do tempo, houve mudanças e com elas surgiram muitos outros tipos de festas.

Partindo deste pressuposto, em pleno acordo com o autor em evidência, hoje em dia em Angola, para haver bebedeira, normalmente realizam-se festas para comemoração de questões de natureza religiosa (baptizado, crisma, casamento…), de natureza civil (casamento civil, cerimónias de tomada de posse, Carnaval, etc.) e de natureza pontual (festas de aniversários).

Contudo, como bem sabemos e frisamos em páginas anteriores, Angola passou por momentos difíceis por causa da Guerra Civil que durou muitos anos, o que, até certo ponto, inviabilizou uma série de coisas, entre as quais a realização de festas, sobretudo as mais dispendiosas, como casamentos, aniversários, baptizados, etc. De forma excepcional, segundo Mbenga (2015:47-48), mantiveram-se as festas oficiais, uma vez que são da responsabilidade do Estado. Já as não oficiais foram diminuindo e, nalguns casos, desaparecendo. Nesta senda, partindo do princípio de que o povo angolano é alegre e gosta muito de festas, para colmatar esta dificuldade, criou-se um outro sistema de festa – as festas de contribuição31. Este tipo de festas têm-se realizado até aos dias de hoje com maior frequência, pois, na maioria dos casos, são os estudantes que as realizam.

É preciso reter que, parafraseando Mbenga (2015:47-48), neste tipo de evento a juventude, regra geral, fica à mercê da bebida alcoólica e subsequentemente da ressaca, pelo simples facto destas “farras,” durarem uma eternidade, isto é, as pessoas divertem-se muito, uma vez que são festas que começam normalmente às 23h00 e vão até às 6h00 do 31 Nome dado a uma espécie de festa em que há um ou mais organizadores que fazem um investimento primário para assegurarem a realização da festa e posteriormente vendem ingressos para recuperarem o valor investido. Normalmente compete à organização alugar o salão, o disc jockey, os garçons, etc.

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dia seguinte. Neste tipo de festa predomina a presença de muita bebida e comida. A logística é projectada para que as pessoas bebam até se fartarem. E, por vezes, estas festas têm a duração de 48 horas.

Por esta razão, Domingos (2013:30)32 bem nota que “(…) actualmente os jovens passam por uma excessiva ingestão de bebidas alcoólicas com a tendência para o consumo de cerveja e bebidas destiladas (…) que têm sido vendidas em discotecas, bares ou locais públicos frequentados maioritariamente por jovens (…)”; assiste-se, assim, a um aumento de adolescentes que bebem por excesso.

Para Cremilda de Lima este tema não passou despercebido, ou seja, nas entrelinhas do seu discurso, afim de chamar a nossa atenção para a regularidade e as proporções que toma este fenómeno, traz à luz este facto que para muitos é agradável, mas para outros mancha o nosso bom nome e a nossa reputação como bem podemos verificar:

(…) ainda hei-de casar contigo. Verás!... Não vou desistir tão facilmente… Vamos organizar uma grande farra (…) Lima (2008:12)

(…) O Kabulo estava só a dizer-me que vai haver uma grande farra no terreiro do Kota Kibuto (…) Lima (2008:13)

(…) Tukula era o tipo de namorado que nenhuma mãe desejava para a sua filha. Demasiado enfeitado, sem responsabilidades, não falhava a uma noite nas discotecas, mas depois de superada a ressaca lá ia ele com ares de grande conquistador moderno, dominar com o seu paleio as garinas (…) Lima (2008:13)

32 Citado por Mbenga (2015:47-48).

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Literatura Infantil Angolana

O uso de termos oriundos das línguas nacionais

Não poderíamos tocar neste tema sem fazer alusão ao processo de formação de palavras que, na prática, nos conduz aos empréstimos e aos neologismos. De acordo com estudos feitos, o neologismo é um fenómeno linguístico que consiste na criação de uma palavra ou expressão nova, ou na atribuição de um novo sentido a uma palavra já existente. Pode ser fruto de um comportamento espontâneo, próprio do ser humano e da linguagem, ou artificial, para fins pejorativos ou não. Geralmente, os neologismos são criados a partir de processos que já existem na língua: justaposição, prefixação, aglutinação, verbalização e sufixação. Enquanto o empréstimo ocorre necessariamente quando uma dada palavra emigra de uma língua para outra.

Este processo faz-se sentir nas obras de Cremilda. Queremos com isto dizer que, com frequência, a autora se serve de vários termos oriundos de outras línguas, normalmente das línguas nacionais de Angola, para enriquecer o seu discurso literário, como bem podemos tomar nota nos exemplos que se seguem:

(…) Kabulo, o grande bonitão coelho defofo pêlo cinzento mesclado de tons acastanhados e brancos (…) Lima (2008:10)

• Kabulo: Substantivo comum concreto. Designa orelhas grandes em Kimbundu.

(…) – Que é que foi, Fuxi? – Perguntou o avô que o observava. O meu barco foi ao fundo!!... O avô riu-se e disse em ar de brincadeira: - deve ser a kianda (…) Lima (2011:11)

• Kianda: Termo de origem kimbundo, substantivo feminino, designa Sereia ou rainha do mar.

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(…) vestia uma capeline bordada com as mais belas missangas (…) Lima (2008:15)

• Missangas: Termo de origem kimbundu, substantivo comum concreto, designa adorno que se usa no pescoço (Colar).

(…) – Casinha? Afinal tenho casinha? – Disse Kukina toda sorridente depois de sequinha (…) Lima (2015:8)

• Kukina: Oriundo da língua Kimbundu, substantivo feminino, designa dança.

(…) – Claro! Somos kambas, não somos? Vamos fazer o nosso trabalho (…) Lima (2015:7)

• Kambas: Oriundo da língua Kimbundu, substantivo masculino, designa amigo.

(…) surgiu um soba velho, velho, de longas barbas brancas (…) Lima (2014:9)

• Soba: Oriundo da língua kimbundu, substantivo masculino, designa autoridade suprema dum estado ou domínio africano.

(…) Ngongo estava bastante entusiasmado com o projecto (…) Lima (2012:18)

• Ngongo: Oriundo da língua Kimbundu, substantivo masculino, designa gémeos.

(…) Kangulos e roboteiros serão feitos para a delícia de muitas crianças (…) Lima (2012:16)

• Kangulos: Termo de origem kimbundu, substantivo próprio, corresponde ao nome de um animal (porco pequeno).

(…) Um Kota, muito kota de cabelos brancos, barbas brancas, agarrado a uma bengala estava a olhar para ele (…) Lima (2008:10)

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• Kota: Oriundo da língua kimbundu, substantivo masculino, designa pessoa mais velha.

(…) Era uma vez um sabonete magrinho, achatado, mais parecendo uma canoa, que se chamava Wagiza (…) Lima (2015:5)

• Wagiza: Oriundo da língua kimbundu, adjectivo, designa teimosia.

(…) – Como é, então, este sabonete? Parece um boneco teimoso!... – Disse Kizua bastante divertido com o que se estava a passar (…) Lima (2015:9)

• Kizua: Termo de origem kimbundu, substantivo comum abstrato, designa o dia.

(…) Nayole era muito engraçada e tinha sempre ideias para tudo

(…) Lima (2015:13)

• Nayole:Termo de origem kwanhama, substantivo comum abstrato, designa amor.

(…) – Grande maka na sanzala (…) Lima (2014:10)

• Maka: Oriundo do Kimbundu, substantivo masculino, designa problema.

(…) – Grande maka na sanzala (…) Lima (2014:10)

• Sanzala: Oriundo do Kimbundu, substantivo feminino, designa um povoado ou um bairro.

(…) – Disse o velho soba batendo três vezes com a sua bengala no chão (…) Lima (2014:10)

• Bengala: Oriundo do Kimbundu (Mbangala), substantivo feminino, designa muleta.

(…) sobretudo pela avó Ximinha que era a criatura mais adorável da face da terra (…) Lima (2010:7)

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• Ximinha: Oriundo do Kimbundu, substantivo próprio, designa o nome de Conceiçãozinha ou Sãozinha.

(…) Num kimbo, rodeado de coqueiros e palmeiras vivia um menino (…) Lima (2008:7)

• Kimbo: Termo de origem kimbundu, substantivo comum concreto, designa uma aldeia ou povoado.

(…) Num tronco que se atravessava no caminho estavam vários carreiros de kissonde (…) Lima (2008:14)

• Kissonde: Oriundo do Kimbundu, substantivo feminino, designa um formigão avermelhado que tem uma mordedura dolorosa.

(…) Começaram a ser fustigados, por grandes remoinhos de vento, pareciam kazumbis enfurecidos (…) Lima (2008:22)

• Kazumbi: Oriundo do Kimbundu, substantivo masculino, designa uma alma de outro mundo/fantasma.

(…) Vi mais além o chá de caxinde, também conhecido por chá príncipe (…) Lima (2008:36)

• Caxinde: Termo de origem kimbundu, substantivo próprio, designa uma espécie de chá de folhas.

(…) – O menino não tem educação, por que não esperou a avó para dar a água? Agora nem água… nem moringue (…) Lima (2008:43)

• Moringue: Oriundo do Kimbundu, substantivo masculino, designa bilha de água.

(…) Era uma oferta da Tia Chilombo (…) Lima (2008:44)

• Chilombo: Termo de origem kimbundu, adjectivo, designa pessoa com poblemas de pigmentação de pele vulgarmente tratado por Albino ou Russo.

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(…) – Olha Tchissola são as marimbas (…) Lima (2015:15)

• Marimbas: Termo de origem kimbundu, substantivo comum concreto, designa uma espécie de instrumento musical.

(…) Kukina já estava na sua casinha e Tchissola no Candongueiro (…) Lima (2015:17)

• Quimone: Termo de origem kimbundu, substantivo comum concreto, designa um tipo de vestido que se faz acompanhar de dois panos muito comum entre os habitantes de Catete e da ilha de Luanda.

(…) Era zungueira, vivia da venda de produtos como fruta e legumes (…) Lima (2012:8)

• Zungueira: Oriundo do Kimbundu (Múkua-nzunga), adjectivo, designa vendedor ambulante.

(…) Parece um boneco teimoso!... Disse Kizua bastante divertido com o que se estava a passar (…) Lima (2015:9)

• Kizua: Termo de origem Kimbundu, substantivo comum abstrato, designa dia.

(…) Naquele dia, Fuxi chegou à casa muito cedo (…) Lima (2011:10)

• Fuxi: Oriundo do Kimbundu, substantivo masculino e feminino, designa o nome dado ao indivíduo/a que sucede aos gémeos.

(…) Grande Kalema (…) Lima (2011:10)

• Kalema : Termo de origem kimbundu, substantivo comum concreto, designa uma grande onda do mar.

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(…) Com o regresso do velho Chico, vavó Tacha ficou tão feliz que juntou toda a família e fez uma grande festa, onde não faltou o bom feijão de óleo de palma com mufete, farinha fina e canjica (…) Lima (2011:16)

• Mufete: Oriundo do Kimbundu, substantivo masculino, designa peixe assado nas brasas ou numa chapa furada, com escamas e tripas, depois servido com jindungo.

(…) Com o regresso do velho Chico, vavó Tacha ficou tão feliz que juntou toda a família e fez uma grande festa, onde não faltou o bom feijão de óleo de palma com mufete, farinha fina e canjica (…) Lima (2011:16)

• Canjica: Oriundo do kimbundu (Kujika), substantivo feminino, designa um guisado de feijão com milho esfarelado, temperado com azeite de palma.

(…) Beberam água da cabaça e acabaram por adormecer (…) Lima (2008:16)

• Cabaça: Termo de origem kimbundu, substantivo comum concreto, designa um reservatório de água feito de barro.

(…) Kalupeteka era um jovem que vivia num dos bairros da cidade de Luanda (…) Lima (2012:5)

• Kalupeteka: Termo de origem Umbundu, adjectivo, designa um ser muito complicado ou que tem ideias tortas.

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Conclusão

O trabalho apresentado resultou de um amplo estudo cuja essência foi levantar e trazer ao público inúmeras informações sobre a Literatura Infantil Angolana em geral e em particular sobre as obras da escritora Cremilda de Lima.

Foi assim que, em primeira instância, apuramos que a Literatura Infantil é um ramo da Literatura que se ocupa especialmente das crianças, jovens e adolescentes; por um lado. Por outro notamos que o conteúdo de uma obra infantil depende muito da idade do leitor e das suas características, entre várias destacam-se a ilustração e o texto, a forma, a cor, a textura, a dimensão do texto.

Relativamente à sua génese, constatamos que ela se encontra dividida em dois momentos fundamentais - a escrita e a lendária. A lendária tem a ver com a necessidade que tinham as mães de se comunicar com os seus filhos a partir do ventre, enquanto a escrita surgiu aquando da escrita das histórias contadas oralmente. No que tange às primeiras obras infantis, verificamos que foram obras de fundo satírico escritas por intelectuais para lutar contra a opressão para estigmatizar e condenar usos, costumes e personagens que oprimiam o povo. Foi nesta altura que surgiu Perrault, entre os anos de 1628 e 1703, com os livros “Mãe Gansa”, “O Barba Azul”, “Cinderela”, “A Gata Borralheira”, “O Gato de Botas”, Andersen, Collodi, Irmãos Grimm, Lewis Carrol, Bush. Na prática, os primeiros livros infantis eram direccionados às crianças e eram concebidas por professores e pedagogos com o objectivo de passar valores e criar hábitos.

Depois da expansão da literatura infantil pelo mundo, a mesma chega a Angola. Na realidade, a Literatura Infantil Angolana surge logo após a

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proclamação da Independência nacional, para sermos mais precisos, com o surgimento da U.E.A., em 1977. Na verdade, com Angola livre da opressão colonial, com a instituição da U.E.A, a produção literária cresceu significativamente. Surgiram muitas oportunidades e novos horizontes se abriram para os angolanos amantes das letras. A UEA, na altura, encarregou-se da actividade editorial no período Pós-independência e em tempo recorde fez sair uma série de publicações. Portanto a U.E.A foi, de acordo a História, a primeira editora angolana que publicou obras de grande valor literário e em grandes tiragens.

Foi assim que, no auge deste processo, surgiu a primeira obra considerada infantil na literatura angolana e coube a Manuel Rui inaugurar o percurso desta literatura com a obra “A caixa”. Posteriormente seguiu os trilhos Maria Eugénia Neto com as obras “E nas florestas os bichos falaram”, “As nossas mãos constroem a liberdade” e “A formação de uma estrela e outras histórias na terra” Pepetela com “As aventuras de Ngunga”.

Porém, o percurso da Literatura Infantil Angolana não se restringiu apenas à U.E.A. Houve, de igual forma, grande participação no surgimento, desenvolvimento, divulgação e promoção desta Literatura, destacando-se quatro instituições importantes – INALD (Instituto Nacional do Livro e do Disco, RNA (Rádio Nacional de Angola), JA (Jornal de Angola) e TPA (Televisão Pública de Angola). Queremos com isto dizer que ao nível da imprensa radiofónica surgiu o programa Rádio-Piô e na imprensa escrita, no Jornal de Angola, uma página Suplemento Infantil onde se difundiam histórias angolanas. Relativamente ao INALD, foi no seio desta instituição, a partir de um núcleo dos seus funcionários, que surgiram os escritores de literatura infantil (Dário de Melo, Octaviano Correia, Gabriela Antunes, Rosalina Pombal e Cremilda de Lima). Graças à acção do Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD), da Rádio Nacional de Angola e do Jornal de

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Angola, na época, através de programas e da página infantil no jornal, a literatura infantil angolana tomou rumo.

Posteriormente houve uma quebra nesta produção literária e entre vários factores que estiveram na base disto destacaram-se alguns – a guerra fratricida que surgiu após a proclamação da Independência, o aumento dos deslocados de guerra e de crianças de rua, o aumento da delinquência, a dispersão do grupo de incentivadores do INALD.

Em todo o caso, e em jeito de conclusão, é preciso reter que, apesar de a literatura infantil angolana estar a passar por diversas vicissitudes, se tem feito um grande trabalho afim de evitar o seu desaparecimento. Felizmente, o Executivo aprovou a Política do Livro e da Promoção da Leitura, onde reconhece que o livro e a leitura constituem bases fundamentais para o desenvolvimento económico e social. Portanto, à luz deste decreto considera-se prioridade nacional o livro e o livro infantil, uma vez que deverá ter um papel fundamental na família, na escola, na comunidade, na sociedade civil, nas bibliotecas.

Por esta razão é que o Ministério da Cultura retomou a realização do “Jardim do Livro Infantil”, espaço em que se comercializam livros a preços acessíveis, onde as crianças e seus acompanhantes podem ouvir contar histórias, assistir a palestras e espectáculos e, sobretudo, interagir com os escritores.

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