A Imortalidade Da Alma Humana Segundo Santo Tomás de Aquino

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  • A Imortalidade da Alma Humana segundo Santo Toms de Aquino

    Carlos Nougu

    NOTA PRVIA

    Este texto reproduz, com acrscimos e precises, a exposio que fiz no evento

    Santo Toms, mdico da alma, em 24/9/2011.

    * * *

    A IMORTALIDADE DA ALMA HUMANA

    SEGUNDO SANTO TOMS DE AQUINO

    Entre as doutrinas filosficas que tm o homem por dado real, ou seja, no

    campo do realismo, duas concepes se encontram em lados diametralmente

    opostos quanto ao modo de considerar a nossa natureza. E, se se admite que o

    homem um dado real no sentido estrito do termo, se se admite que ele possui

    verdadeira consistncia substancial cada um de ns o mesmo indivduo desde o

    nascimento at o ltimo suspiro , ento como o conceber precisamente? De

    Demcrito[1] a Marx, o materialismo explica-o j por um condicionamento fsico-

    mecnico, j por um condicionamento econmico. Por sua parte,

    o ultraespiritualismo considera o homem como uma espcie de anjo encerrado

    num corpo, trate-se quer do platonismo, quer do cartesianismo.[2]

    Continuemos a tratar o ultraespiritualismo. Ora, ele indubitavelmente no d

    conta das inegveis correlaes que h no homem entre a vida psquica e a vida

    orgnica (sono, traumatismos, leses cerebrais, etc.). Nem Plato, nem Descartes,

    nem os discpulos de ambos todos sempre dualistas so capazes sequer de

    conceber tais fenmenos como as correlaes que de fato so. Mas, se o

    ultraespiritualismo no uma resposta veraz falsidade materialista com respeito

    natureza humana, onde se encontrar a verdadeira resposta? Na soluo tomista,

    como veremos. Como em todas as questes, o tomismo assoma aqui como soluo

    entre posies antinmicas como cume entre dois vales.

    H porm que dizer, de incio, que a soluo tomista comea (s comea) pela

    assimilao da soluo que Aristteles d ao problema da natureza humana: a alma

    aforma substancial do corpo. Trata-se da aplicao natureza humana da teoria

    aristotlica do hilemorfismo. Detenhamo-nos nela.

  • O hilemorfismo (de hyl = matria + morph = forma) pode ser provado por

    diversos argumentos. Faamo-lo ocupando-nos do caso da nutrio seguida da

    assimilao. Que se d aqui? Que se d quando qualquer animal come? A cincia

    emprica ou quantitativa pode descrever, nisto, uma diversidade de processos

    fsico-qumicos, mas a filosofia da natureza interessa-se aqui por outra coisa, a

    saber: a constatao de que qualquer animal, uma vez nutrido, elimina

    determinados elementos dos corpos que ele comeu, mas ao mesmo tempo guarda

    deles alguma coisa que ele mudou, que ele transformou em si mesmo,

    incorporando-o a si prprio. Assim, se se ingeriu carne, ela j no se encontrar tal

    qual era na carne nem no sangue de quem a ingeriu. Dela, algo desapareceu e algo

    permanece no corpo do animal que a ingeriu. Como express-lo? Assim: na

    alimentao, elementos estranhos ao corpo de determinado animal tornam-se parte

    dele, sendo agora de modo completamente novo; incorporam-se ao todo que este

    animal, determinados pela forma (morph ou eidos) prpria dele.[3] Algo, todavia,

    subsiste, e o substrato material, a potncia ou potencialidade que recebeu a forma

    nova, a forma do animal que se alimentou, em lugar do que determinava a forma

    anterior. Mas acautelemo-nos, desde j, de uma absurdidade frequentemente

    cometida a respeito da teoria hilemrfica, afirmando: a matria no , de modo

    nenhum, algo constitudo independentemente de alguma forma. Tudo quanto h na

    criao ainda que se trate de uma partcula atmica ou de um cmoro j uma

    sntese matria-forma. j uma dualidade ontolgica. impossvel haver matria

    sem forma. Por conseguinte, a matria prima no algo que se possa figurar visvel

    nem imageticamente. Se sem ela nos seria impossvel compreender a mescla de

    estabilidade e mudana que uma modificao substancial como a que se d na

    alimentao, e se indubitavelmente real,[4] ela no entanto no tem por si mesma

    nenhuma propriedade no estado atual.[5] Segundo a frmula tomista, a matria

    prima no , por si mesma, nec quid (ou seja, no tem essncia independente da

    que d a forma ao composto hilemrfico), nem nec quale (ou seja, no tem

    nenhuma qualidade isolada, dado que esta no se pode conceber seno com relao

    forma que lhe o princpio e a explicao), nem nec quantum (no tem extenso

    atual, pois que qualquer corpo, qualquer extenso j um composto hilemrfico,

    no sendo a matria prima seno a fonte passiva para o corpo total, a capacidade de

    este ser extenso). Em termos aristotlicos, a matria prima pura potncia.

    A noo de potncia requer, sem dvida, vigoroso e profundo esforo de

    abstrao; mas sem ela impossvel conceber ou explicar a natureza ntima da

    matria e, mais especialmente, a mudana que esta sofre. Ora, se a matria prima

    no fosse pura potncia, se de algum modo ela fosse j alguma forma, toda e

    qualquer mudana j no seria seno acidental ou secundria, e no haveria

    diferena seno de grau, por exemplo, entre o mudar permanecendo o mesmo e o

    fato de nascer e morrer ou seja, estar-se-ia diante de um contrassenso.[6]

  • Pois bem, para trilharmos com segurana o caminho que, retornando ainda

    questo do hilemorfismo, nos levar por fim concepo tomista da alma humana,

    detenhamo-nos algo longamente nas noes de ato e potncia.

    Este par de noes , indubitavelmente, o centro no s de todo o aristotelismo

    mas de todo o tomismo, e responde a uma indagao igualmente central: Numa

    metafsica do ser, na qual o princpio de identidade absolutamente no se resume a

    uma lei do pensamento, sendo tambm, e sobretudo, uma expresso do real, como

    considerar a mudana e o devir? justamente esta a questo que sempre dividiu, e

    ainda divide, os filsofos, lanando-os em antinomias e aporias[7] perptuas, e que

    porm se resolve de todo pela doutrina perene. Vejamo-lo.

    Dois dados impem-se imediatamente, aqui: a existncia da mudana, que

    uma evidncia sensvel, e, por outro lado, a exigncia de identidade, que se

    manifesta pela inteligncia, e que traduz a irredutibilidade entre o ser e o no ser.

    Sucede, todavia, que aqueles dois dados no se conciliam facilmente, o que leva

    muitos filsofos a sacrificar ou a mudana (e a pluralidade que dela decorre), ou a

    identidade.[8] Ora, no se pode negar o fato da mudana, a no ser que se professe

    uma teoria cptica do conhecimento e, por ela, se considere iluso tudo quanto nos

    fornecem os sentidos. Mas permaneamos no terreno do bom senso, e tomemos por

    exemplo um objeto que muda um vegetal que rebenta: um eucalipto, um cipreste,

    um carvalho. Esta nova maneira de ser absolutamente real, e no h como neg-

    la. E ela de todo nova; no era tal qual agora; no estava assim constituda antes

    de se manifestar exatamente assim. O carvalho no est pr-formado na glande,

    assim como o embrio animal no est pr-constitudo nas clulas parentais. Como

    tal se pode dar? Por uma criao ex nihilo, ou seja, a partir do nada? De modo

    algum, e antes de tudo porque a ideia de criao no se pode conceber seno com

    respeito a uma causa infinita e perfeita, e no com respeito a agentes criados e

    limitados, sejam estes visveis ou invisveis; mas tambm porque, se tal propriedade

    nova, ao aparecer, fosse uma criao em sentido estrito ou literal, ela se aplicaria ao

    ente que lhe o sujeito ou seja, aplicar-se-ia a ele do exterior e portanto no

    estaria em continuidade dinmica com os estados que a antecederam. O que se d

    que tal propriedade nova j se encontra, sim, com anterioridade no sujeito, mas

    num modo de ser todo particular: justamente, em potncia.

    A potncia no se pode ver, nem tocar, nem medir, porque no se pode ver, nem

    tocar, nem medir o que de alguma maneira j se realizou, o que, pois, est j em

    ato. potncia apenas a inferimos ou conclumos, tornando assim inteligvel ou

    pensvel a mudana. No h como imaginar visualmente o ente em potncia como

    uma espcie de feto no seio da me;[9] h que pens-lo com relao noo de

    ato, porque este, sim, que corresponde ao dado factual. A potncia no como um

    ato truncado ou apenas esboado.

  • Muitos filsofos modernos consideram que esta propriedade no passa, antes da

    sua manifestao, de pura possibilidade lgica, uma pura abstrao, sem contedo

    ontolgico. Pois precisamente a, nessa negao, que reside a runa do seu

    pensamento: entre o puro possvel de ordem nocional (ou seja, o que poderia ser se

    tal ou qual condio se desse) e o atual (ou seja, o que est efetivamente dado) h

    a potncia real (ou seja, o que mais que o possvel e menos que o atual), e sem

    esta noo todo e qualquer sistema filosfico no redundar seno em aporias.

    Retomemos o raciocnio de maneira agora esquemtica: todo e qualquer ente

    pode ser ou ainda possvel, ou j real, e, sendo j real, pode estar ou em

    potncia ou em ato. No h de ser de outro modo, porque admitir que uma

    propriedade nova (o eucalipto, o cipreste, o carvalho) real e dizer, em seguida, que

    antes de ela manifestar-se havia somente uma possibilidade lgica seria dizer, de

    maneira contraditria, que um efeito real pode advir de uma causa ou fonte no

    real. Ora, o puro possvel no nada constitudo, e, se o resultado ou ponto de

    chegada real ou atual, s o pelo fato de a fonte ou ponto de partida ser,

    obrigatoriamente, real (ainda que real potencial), e no mera possibilidade

    conceptual.[10]

    A noo de potncia correlativa noo de ato: trata-se sempre de potncia

    de tal ouqual ato, donde haver numerosos tipos de potncia, sem nada em comum

    entre si seno o fato simples de ser potncia e no ato (sem se tratar com isto,

    insista-se, de puro possvel). Assim, a compreenso do par matria/forma, do qual

    tratamos mais acima, s se pode dar pela aplicao destas noes de potncia e

    ato.[11] Ademais, h que distinguir a potncia passiva (capacidade receptiva, ou

    potncia de padecer) da potncia ativa(ordenada atuao, a tornar atual). Assim,

    outra vez esquematicamente, mas agora em plano superior: todo e qualquer ente

    pode ser ou ainda possvel, ou j real, e, sendo j real, pode estar em

    potncia ou passiva ou ativa, ou pode estar em ato.

    Pois bem, a ideia mestra desta metafsica a superioridade do ato, como tal,

    sobre a potncia, e a sua anterioridade, em termos absolutos, com relao a ela. Por

    que superioridade? Porque tudo o que est efetivamente realizado, ou seja, tudo o

    que , est em ato. Dizer ato dizer perfeio.[12] Um ente que muda , assim,

    imperfeito: est prestes a adquirir ou perder algo, o que lhe denota a finitude ou

    contingncia. O que lhe denota a pobreza ontolgica. A mudana, isto , a passagem

    da potncia ao ato, no tem sentido seno em relao ao ato a que tende.

    maximamente absurdo crer que h mais no devir que no ser, mais na caa do que

    na presa.[13] Evidentemente, uma realidade em potncia antes de estar em

    ato,[14] mas, globalmente, o ato anterior potncia: toda e qualquer mudana,

    quer dizer, toda e qualquer passagem da potncia ao ato, supe a ao de algo j em

    ato (motor); alm disso, e sobretudo, acima de todos os motores movidos h o

    Primeiro Motor Imvel, no fazendo aqueles seno transmitir-lhe a atividade

  • primria. Em suma: Primeiro Motor Imvel = Ato Puro (sem mistura de potncia

    alguma) = Deus.[15]

    Mas precisamente da distino entre ato e potncia que nos advm uma

    questo filosfica de soluo complexa, sobre a qual, se queremos compreender

    sem lacunas a viso tomista da alma humana, tenho de me debruar algo

    exaustivamente. Formulo-a: Se a potncia limitada por si mesma, o ato no pode

    ser limitado seno por uma potncia na qual ele seja recebido, ou ento pelo seu

    papel potencial com respeito a um ato superior.

    Determinada potncia sempre a capacidade real de determinada perfeio.

    Esta noo, todavia, implica em si mesma limitao que ela remete a um

    aspecto da realidade constitudo precisamente por tal capacidade e no por

    nenhuma outra, ou seja, por uma capacidade de certo grau e no por uma

    capacidade de grau superior. Ora, se quanto potncia no h por que perguntar o

    que a limita, por ser patente a resposta, o mesmo no se d com respeito ao ato.

    Que no se lhe busque a razo da limitao na atividade da causa que o pe no ser,

    fazendo-o justamente finito e limitado ser vo. Esta tentativa, feita por

    Surez,[16] ao mesmo tempo que recorre a uma explicao exterior realidade

    considerada, sem explic-la de dentro da sua finitude essencial, esquece que a causa

    exterior, Deus, no pode produzir o ato como limitado seno enquanto ele

    recebido precisamente numa potncia que o limite. Desse modo, a forma limitada

    pela matria prima que a recebe, assim como o ser limitado pela essncia

    receptora.[17] Por natureza e por definio ato quer dizer perfeio, e tende a

    comunicar-se e expandir-se sem nenhuma limitao intrnseca. Ele no traz em si a

    ideia de limitao. O real no pode, sem ferir o princpio de contradio,[18] ser o

    que tende a conferir a perfeio e o que, a um s tempo e sob idntico aspecto,

    limita ou impede esta mesma perfeio.[19] Este o fundamento da metafsica

    tomista.[20]

    Como se disse mais acima, o ato limitado pela potncia, ou por seu papel de

    potncia com relao a um ato superior.[21] Acrescente-se, agora, que se a potncia

    limitada por si mesma, enquanto tal ou qual capacidade, ela no entanto guarda

    certa indeterminao que requer o ato que a completa. Assim, a matria prima, que

    pura potncia, por si mesma despida de forma, e a aquisio de dada forma, que

    a faz fixar-se em dada espcie, determina-lhe o contorno ontolgico e inteligvel

    tem-se, agora, um composto hilemrfico.

    Alis, no se deve conceber tal limitao do ato da perfeio pela potncia

    como se se tratasse de esta atuar sobre aquele para det-lo ou faz-lo retrair. Sim,

    porque o ato no limitado pela potncia seno enquanto tal ato, ordenado a tal

    potncia e no a nenhuma outra. Ato e potncia no so coisas j formadas, mas

    elementos do real que s se do correlativamente que s so um pelo outro.

  • Pois bem, por tudo quanto j vimos, no pode haver em cada ente seno uma s

    e nica forma substancial. H que rejeitar toda e qualquer soluo pluriformista.

    Cada forma superior assume o papel que teria desempenhado a forma precedente

    no composto inferior. Por exemplo: num ser vivo, vegetal ou animal, a forma

    deste que assume at o papel de determinante fsico-qumico com relao matria

    prima. No existe isso de um agregado de compostos qumicos assumidos por uma

    forma superior que se justaporia a eles, como a embuti-los de alguma maneira em si

    mesma. Se assim fosse, cada ente s teria uma unidade acidental, no sendo a sua

    forma seno uma mera forma mais, e no uma fonte substancial de determinao e

    de finalidade.

    No terreno cosmolgico, ademais, indubitvel que o hilemorfismo constitui

    explicao de todo satisfatria a pluralidade dos tipos explica-se tanto pela

    pluralidade das formas como pela sua hierarquia. A pluralidade dos indivduos no

    interior de dado tipo explica-se por ser a forma especfica multiplicvel em

    pores de matria diferente.[22] Com isso se podem compreender tanto as

    semelhanas como as dessemelhanas existentes entre os corpos, sem reduo da

    pluralidade a uma unidade que mutilaria o real. Para o hilemorfismo, o que h

    unidade na diversidade: os entes da mesma espcie so diferentes, mas tm o

    mesmo eidos ou idea (= forma). Cada ente substancialmente um, mas

    metafisicamente composto de um princpio potencial e de um princpio atual.

    Quanto s prprias formas, a explicao deve em ltima anlise buscar-se na

    mesma Causa Primeira, o que, por implicar as provas desta Causa nica, no posso

    obviamente tratar aqui. Mas antes de tornar questo mesma da alma humana h

    ainda por ver, no pice da escala dos entes materiais, o mundo dos viventes.[23]

    Os argumentos mecanicistas, que so incapazes j de dar conta do mundo

    inorgnico, falham de todo ao deparar com o mundo dos viventes. Eles consistem

    em afirmar que no h nos viventes foras irredutveis aos fatores fsico-qumicos.

    Tudo no organismo de tais entes se d em razo de reaes mais ou complexas

    destes fatores. Alm disso, como funo alguma absolutamente prpria ao

    domnio da vida, os limites entre o inorgnico e o orgnico, se existem, so de todo

    imprecisos e indiscernveis ainda segundo o mecanicismo.

    Mas no estar claro que os organismos no so meros agregados de elementos

    justapostos nem mquinas altamente complexas? Quanto a serem agregados, nem

    preciso redargui-lo aqui. Quanto a serem mquinas, diga-se simplesmente que, ao

    contrrio das mquinas, que deixam de funcionar pela falta de uma pequena pea,

    os organismos dispem de capacidade de adaptao, quando no de regenerao.

    Claro est, tudo quanto se passa num ente vivo materialmente fsico-qumico; a

    digesto, por exemplo, rege-se por reaes qumicas ligadas estrutura molecular e

    ao processo de seu equilbrio. Esta constatao, todavia, no nos deve perturbar de

    modo algum, pois que se trata aqui de algo alm, do modo mesmo como as leis da

  • matria se aplicam aos organismos. Retome-se a assimilao. Um ente

    vivo transforma em si mesmo elementos que lhe so exteriores transforma, e

    no meramente os justape. portanto ridculo dizer, com certos mecanicistas

    retardatrios, que o equivalente da nutrio se encontra nos cristais: nestes

    encontra-se uma adio de elementos que obedece a leis de estrutura harmoniosa,

    que pem em cena o mecanismo a partir do nvel da matria inanimada [...], mas

    esta adio permanece de tipo muito diferente de um fenmeno verdadeiramente

    vital.[24] Ademais, o desenvolvimento de cada organismo d-se de maneira

    completamente diversa do que querem fazer crer os postulados mecanicistas. Veja-

    se o caso da embriognese:[25] nada mais finalista[26] do que ela, quer a

    consideremos em conjunto, como a passagem de duas clulas iniciais a um

    organismo muitssimo complexo, quer a consideremos em pormenor, como o rgo

    da viso, que se desenvolve anteriormente a qualquer necessidade atual de

    funcionamento.[27] Mais que isto, o organismo defende-se desde o

    desenvolvimento inicial at a morte; tenha-se disto o exemplo da luta contra as

    infeces, o da regenerao de certos membros ou rgos, e o da prpria

    reproduo, que no seno outro nome da luta contra a aniquilao das

    espcies.[28]

    Se porm j vimos a irredutibilidade do orgnico ao inorgnico, resta ainda por

    ver a diferena, no reino do vivente, entre o vegetal e o animal. O primeiro,

    conquanto se inclua incontestavelmente no reino da vida, dado que nasce, luta,

    assimila, medra e se reproduz, com o que manifesta aspectos essenciais daquela

    finalidade que caracteriza o ente vivo, no possui todavia conscincia sensvel

    sequer. Ele no dotado de sistema nervoso central, nem de nervos, nem de rgos

    propriamente ditos, os quais so a condio de qualquer conscincia sensvel,

    ainda que mnima. (Ser difcil classificar tal ou qual ente vivo como vegetal ou

    animal no nos pode conduzir a negar, de modo algum, a distino de princpio

    entre ambos.) S no animal se encontra a sensao, a memria sensvel, a

    estimativa,[29] o prazer, a dor e tantas outras coisas mais, conquanto no a vontade

    nem a razo, prprias unicamente do homem.

    E, antes pois de passarmos enfim alma humana, tenho de insistir um pouco

    mais em como Santo Toms resolve a questo do psiquismo animal. Para ele no se

    pode negar aos animais certa atividade sensvel, certa ao sensorial, certa

    capacidade de conhecimento, de reconhecimento e de aprendizagem,

    absolutamente comprovveis tanto pela sua constituio como pelo seu

    comportamento;[30] mas igualmente no se deve explicar por uma suposta razo

    o que se explica to somente pelo instinto, pela memria sensvel, pelas sensaes.

    Falta aos animais o que caracteriza precipuamente a atividade intelectual humana,

    a saber: a capacidade de abstrao, a linguagem articulada, os progressos tcnicos,

    as preocupaes estticas, ticas e religiosas.[31]

  • Em suma, o animal possui efetivamente uma alma, uma forma capaz de

    conhecimento sensvel, ou melhor, uma forma que fonte de tal

    conhecimento;[32] mas esta alma no sobrevive destruio do corpo. Ela

    sempre coextensiva, de alguma maneira, s condies materiais ou orgnicas de

    base, e desaparece com elas.[33]

    Com o homem tudo se passa diferentemente, muito diferentemente. E, se por

    um lado o conhecimento de que somos capazes refuta o materialismo, impossvel

    por outro lado que o nosso princpio pensante apenas se acrescente ao corpo,

    considerado este como substncia distinta. Estamos, pois, quanto alma humana,

    em terreno inteiramente tomstico, ou seja, na soluo que tambm a este problema

    d Santo Toms, sob a luz da Revelao, valendo-se de Aristteles, e erigindo-se

    outra vez, com mais esta sntese cabal, como cume entre dois vales. Vejamo-lo

    detidamente, comeando por retomar de outro ngulo, e guisa de suma, o que

    aqui j se disse ou deixou implcito.

    O homem no , como os Anjos, puramente espiritual;[34] dotado de corpo,

    ou melhor, de corpo material, extenso, constitudo de partes diferenciadas. O

    conjunto destas partes, todavia, no constitui mero agregado acidental; tem, ao

    contrrio, unidade substancial. Cada um de ns constata, desde tenra infncia,

    que sou eu que me locomovo,sou eu que me alimento, e sou eu que sofro esta ou

    aquela dor, no minha cabea, nem minha perna contundida no pique. Tudo

    quanto tenho por dentro, vsceras, veias, sangue, assim como tudo quanto tenho

    por fora, pele, pelos, unhas, pertence inteiramente a mim; no tem nenhuma

    autonomia vital. Os atos que executa tanto minha mo direita como a esquerda no

    so executados seno por mim mesmo; toda e qualquer ao ou movimento que me

    parta dos membros so no s de minha inteira propriedade, mas sempre

    de minha inteira responsabilidade (excludos, naturalmente, os que se do no sono,

    etc.). Ora, se sou eu que sou, e de todo, em mim mesmo, e se para a minha vida

    que esto dispostos todos os meus rgos ou partes do corpo, ento sou o que sou

    no sentido metafsico preciso de substncia.

    Prossigamos neste ltimo ponto. H em todas as substncias materiais, donde

    tambm no homem, um princpio que lhes determina a matria segundo o modo de

    ser prprio a cada uma tm pois uma forma substancial. E justamente esta

    forma o que rege no somente a disposio das diversas partes no todo, mas o

    prprio ser deste todo e toda a sua atividade. Pois forma substancial do homem

    e de todos os outros entes vivos, vegetais como animais, que chamamos alma. A

    alma pode portanto definir-se, metafisicamente, como a forma substancial de um

    corpo vivo.

    O bvio, por conseguinte: a alma e o corpo no so dois entes distintos, mas dois

    distintos princpios do mesmo ente. Sem uma alma no h um corpo; h, sim, por

    exemplo, a matria prima (incognoscvel, como j vimos) que compor um corpo

  • humano, mas to s isso, no ainda este prprio corpo. Um cadver no um corpo

    humano; aqui, sim, que temos um agregado acidental de clulas, despojado de

    toda e qualquer unidade essencial ou substancial. E tanto assim, que cada uma

    das suas partes seguir doravante evoluo prpria, sem nenhuma dependncia

    para com as demais, sem nenhuma subordinao a nenhuma lei reguladora do

    conjunto. Se h unidade do corpo, porque h uma alma; mais: se h corpo,

    porque ele est conformado por uma alma, ou melhor, por sua alma.

    Relembremos ademais que, como a de todos os viventes, a alma a nica forma

    substancial do homem impossvel, como vimos, haver mais de uma forma

    substancial num mesmo ente. E a alma humana que, unida ao corpo humano, lhe

    regula e governa toda a atividade, quer no propriamente humano, quer no que tem

    em comum com os vegetais e os animais. As formas mesmas dos elementos

    qumicos constitutivos do corpo, como tambm j vimos, no so formas

    autnomas. Subsistem apenas virtualmente, integradas na disposio do conjunto,

    porque a este que os elementos se subordinam como a uma sntese.

    Quanto mais perfeita for a substncia material, tanto mais complexa lhe ser a

    forma. Trata-se, repito, de uma sntese, ou seja, so seus elementos constituintes as

    leis das substncias de ordem inferior que nela se encontram reunidas; mas, se tem

    todas as perfeies existentes nestas, tem tambm as perfeies que lhe pertencem

    exclusivamente, como todo que . porque todas estas perfeies, as inferiores

    como as superiores, formam um s e nico feixe em ordem a um s e nico fim, o

    fim de um nico e s ente que se d uma unidade substancial, e porque se d

    esta unidade substancial que h, necessariamente, requerida por esta ltima como

    a seu princpio de ser, uma forma substancial.

    Por outro lado, haver no homem, como em todos os entes vivos, uma nica e

    mesma forma substancial no impede muito pelo contrrio que haja nele,

    como igualmente em todos os entes vivos, diversas formas acidentais. que, se a

    alma nica dispe a matria do corpo e suas partes consoante o que lhe exige a

    essncia mesma de homem, o que porm indiferente a esta essncia (gnio,

    altura, peso, cor, etc.) ser acidente, ou seja, acidente determinado por formas

    distintas da alma, secundrias pois, e no entanto inerentes ou a ela ou ao composto

    de alma e corpo.

    Pois bem, esta a teoria aristotlica da alma como forma substancial do corpo,

    justamente a teoria que, como j deixei dito, Santo Toms de Aquino no s

    retomar como desenvolver e completar. Dir o Doutor Comum, de modo

    conciso e preciso: a alma aquilo por que o homem um ente em ato, e corpo,

    ser vivo, animal e homem.[35]

    Assim, por quanto j se disse aqui, h que forosamente inferir a

    impossibilidade de localizar a alma; tentar faz-lo seria considerar a alma ou como

    parte material do corpo, ou como ente distinto do corpo e que atuasse sobre ele,

  • como queria Descartes, por meio de dado rgo. Ora, como a alma uma forma, ela

    necessariamente imaterial; se est sujeita extenso, estando por essa razo,

    obrigatoriamente, onde o corpo estiver, s o est precisamente porque forma

    deste corpo. Mas dentro do corpo absolutamente no tem lugar determinado;

    est toda, isto sim, em todo o corpo ou em cada uma de suas partes. Est em todo o

    corpo, naturalmente, porque todo ele se rege por ela, quer na sua disposio, quer

    na sua atividade; e no est distribuda pelo corpo todo, mas est toda, isto sim,

    em todo o corpo ou em cada parte dele, porque como toda e qualquer forma, ou

    seja, como princpio de unidade, indivisvel. a ordem do conjunto do corpo, e

    como tal exige que cada parte deste conjunto seja exatamente o que , sem tirar

    nem pr. Acrescente-se a quanto acabei de dizer, todavia, a seguinte preciso: a

    alma est toda em todas as partes do corpo segundo a totalidade de sua perfeio,

    mas no segundo toda a sua virtualidade, dado que destina cada poro de matria

    a formar um s e determinado rgo.[36]

    Como, porm, ante a negativa de buscar uma localizao para a alma,

    salvaguardar a distino obrigada entre matria e forma? Assim: em vez de

    supormos a alma como um fluido vertido no corpo ou concentrado num dos seus

    rgos e, de algum modo, contido nele , digamos antes, com Santo Toms, que

    a alma que contm o corpo, uma vez que ela que lhe d sua unidade.[37]

    Mas, no obstante ser toda a atividade do corpo dependente da alma, e no se

    poder atribuir nenhuma das nossas aes (voluntrias ou involuntrias) ao corpo

    sem a participao regente da alma, no contudo a alma o motor do corpo no

    sentido de que lhe fosse a causa eficiente dos movimentos e atos; ela no fonte de

    energia fsica que o fizesse mover-se. No, a alma no causa eficiente, mas causa

    formal: todos os movimentos do corpo provm ou da energia que ele recebe do

    meio circundante, ou das energias diversas que ele armazena em seus rgos, sendo

    a alma simplesmente a lei consoante a qual estas energias se canalizam, distribuem

    e aproveitam no corpo. Di-lo Santo Toms de Aquino: a alma no move o corpo

    por seu [prprio] ser [...], mas pela potncia motora, cujo ato pressupe o corpo j

    posto em ato pela alma.[38] Mas que causa ser o corpo no composto que ele,

    digamos, partilha com a alma?

    O corpo, ou seja, a matria do corpo a causa material da atividade humana no

    domnio da sensibilidade como no da vida vegetativa; constituinte intrnseco do

    composto que o ser humano, indispensvel ao exerccio pela alma das atividades

    que requeiram contato com os demais corpos e nisso reside, para Santo Toms, o

    motivo por que o homem tem uma alma e um corpo.

    No possvel, por conseguinte, encontrar no homem atividades que fossem

    regidas pelo corpo. Mas, se a alma o princpio que faz concorrer todas as

    operaes para um s fim, regendo toda e qualquer atividade humana, o corpo o

  • meio que permite alma buscar, no mundo material, os elementos indispensveis

    vida do homem. o corpo um elemento intrnseco da ao da alma.

    Mas da atividade humana faz parte o conhecimento intelectivo, e este

    conhecimento algo totalmente imaterial. Esclarea-se: -o no processo

    de conhecimento, que o seu ato sumo. Vejamo-lo de perto.

    Ao conhecer determinado objeto, o homem como que se identifica com ele;

    toma como lei do pensamento a lei do ser deste objeto, a qual lei lhe produz no

    esprito as mesmas consequncias a que, como propriedades concretas, d ensejo

    na realidade. Mas a forma mesma deste objeto agora conhecido, a qual passa a

    reger a inteligncia, passa a ser nesta, ademais, de modo totalmente diverso do

    modo como era no objeto passa a ser aqui abstratamente, ou seja,

    imaterialmente. Quando determinada forma se realiza na matria prima, esta a

    concretiza, ou seja, a materializa, enquanto aquela forma determina a potncia da

    matria prima a certo modo de ser, excluindo-lhe a sujeio a quaisquer outras

    formas; na inteligncia, todavia, a forma do objeto no seno em sua

    universalidade, sem caracterstica alguma da individuao que lhe confere a

    matria (e que lhe confere necessariamente, dada ser esta, com efeito, a sua funo

    precpua). Compreender as propriedades de um retngulo no conhecer nenhum

    retngulo determinado, mas o retngulo, ou seja, o retngulo em geral, razo por

    que a forma de todo e qualquer retngulo concreto, porque forma geral, s no

    esprito de modo imaterial; alm disso, sem deixar de ser exatamente o que , o

    homem recebe a forma do objeto conhecido. Ora, a faculdade que por ambos estes

    motivos se identifica com tal forma no pode pois ser seno, igualmente, imaterial.

    E, assim como sou eu que sinto e sofro, no pode haver dvida quanto a ser

    tambmeu que penso. O pensamento inquestionavelmente um ato do homem

    individual, e, como o princpio da unidade da atividade humana a alma, pensar

    por conseguinte uma das suas operaes. Se, porm, como acabamos de ver,

    imaterial o conhecimento intelectivo, a alma executa esta operao no como

    executa as demais, isto , atravs do corpo, mas independentemente deste por si

    mesma. No seu ato propriamente intelectual, pensar, ou melhor, conhecer uma

    faculdade exclusiva da alma.

    Desse modo, sendo embora a forma substancial do corpo, a alma todavia mais

    que isto; a sua atividade no se cinge a animar o corpo, e tem uma operao

    absolutamente prpria: o conhecimento stricto sensu, isto , o conhecimento

    universal ou abstrato. Por isso dizia Santo Toms que a alma humana uma classe

    parte dentre todas as formas substanciais; ela propriamente espiritual, no

    estando, ainda segundo o Doutor Comum, de todo imersa na matria.[39]

    A alma humana a nica que excede a potncia da matria; tem a seu exclusivo

    cargo uma operao que a matria no pode executar. Mas, se assim , qual nos

  • ser a origem da alma? Insista-se, para responder adequadamente a esta questo,

    em algumas noes metafsicas.

    A matria, ou seja, a matria prima pura potncia, e apta a ser numa

    infinidade de formas, razo por que, do ngulo inverso, se encontram tais

    formas em potncia na mesma matria prima. Por determinada causa eficiente,

    uma de tais formas passa a serem ato, a substituir, assim, todas as que a

    precederam, e que agora tornam a ser meramente em potncia. Eis tudo quanto

    pode qualquer causa eficiente (excetuado Deus): fazer passar a ato o que antes

    havia em potncia, ou fazer voltar a potncia o que antes estava em ato.

    Pois bem, j o vimos, a atividade da alma humana excede em determinado

    ponto o que h em potncia na matria: se quase todas as suas operaes esto no

    campo do que, sob a ao de dada e apropriada forma, pode a matria, na

    inteleco, todavia, a matria em nada intervm. Nunca jamais a matria,

    independentemente da forma que a ordene e governe, pode elevar-se ao plano do

    conhecimento intelectivo, dado ser este uma atividade absolutamente incompatvel

    com o carter concreto daquela. Assim, a alma humana no totalmente em

    potncia na matria, mas, se tal fato, porque em verdade ela, a alma

    humana, absolutamente no est em potncia na matria, dado que toda e

    qualquer forma, includa a alma humana, indivisvel. A alma humana no poderia

    estar apenas parcialmente em potncia na matria; julg-lo possvel seria,

    consequentemente, consider-la divisvel. Sim, h em potncia na matria um sem-

    nmero de formas aptas a realizar alguns dos atos da alma humana; mais

    precisamente, est em potncia na matria o colaborar com a alma nas operaes

    que por seu intermdio esta realiza. No estando, contudo, compreendida a alma

    humana na potencialidade da matria (com efeito, no existe sntese onde lhe falte

    um elemento), h que buscar-lhe a origem em outra fonte.

    Ora, se antes de ser em ato a alma humana absolutamente no era em potncia

    na matria que formava os demais corpos, porque ela absoluta e simplesmente

    no era. A alma humana, portanto, no pode ser seno uma criao direta de Deus.

    J tentou explicar-se-lhe o surgimento por diviso de outra alma; mas tal

    impossvel, pelo motivo j visto de que as formas absolutamente no se dividem,

    nem quantitativamente (como tal se daria, se as formas no tm extenso por si

    mesmas?), nem qualitativamente, dado que determinada forma perder algumas das

    qualidades que a constituem implicaria, pura e simplesmente, que ela deixasse de

    ser.

    Cada alma humana, repitamo-lo, criada diretamente por Deus: produzida do

    nada, e portanto o seu incio absoluto. E Ele a cria para informar a matria

    corporal quando esta j est disposta para receb-la. No se veja nisto um milagre,

    de modo algum; ao contrrio, faz parte do plano geral da natureza, tal qual o

    estabeleceu e ordenou Deus mesmo. Assim como criou os Anjos como entes

  • eternos, e assim como criou entes materiais capazes de se transformar uns nos

    outros, assim cria Deus as almas humanas uma a uma, sempre que se deem as

    condies materiais requeridas para que ela seja.

    A alma humana, portanto, repita-se, no h de gerar-se seno por criao a

    partir do nada, dado no ser em potncia na matria. Como devemos entender,

    ento, neste processo, as condies materiais da produo da alma humana?

    Devemos entend-las como causa ocasional desta produo, e no como causa

    eficiente sua.

    Pois bem, a esta altura j podemos acompanhar o raciocnio tomista quanto

    imortalidade da alma humana, o objeto desta exposio. Ora, o j referido fato de

    exceder em parte da sua atividade a potencialidade da matria o que nos fora a

    procurar, para a alma humana, no s uma origem diversa da das almas vegetativas

    e sensveis, mas tambm um destino aps a morte diverso do destas. Ao procur-

    los, todavia, preciso tambm responder a uma censura muito comum no mundo

    moderno: a de que o tomismo incorre em contradio por sustentar a teoria da

    alma como forma do corpo e, ao mesmo tempo, afirmar a imortalidade do princpio

    intelectivo. Ponhamos, ento, mos obra.

    Se dizemos que a alma a forma do corpo, em razo da unidade de cada ente,

    includo cada ente humano, e da indubitvel interdependncia radical dos nossos

    diversos aspectos. Mas no h como negar que as formas materiais no podem ser

    seno pela matria. Uma vez que a matria que elas informavam passou a reger-se

    por outras formas substanciais, deixam de ser em ato, tornando a ser em potncia

    na mesma matria. Indissolveis embora em si mesmas, foram porm

    destrudas per accidens desapareceram as condies indispensveis a que

    seguissem sendo. Assim, se dizemos que a alma dos animais no sobrevive

    destruio corporal, porque o seu psiquismo no ultrapassa suficientemente as

    condies orgnicas para sobreviver a elas; ao passo que, se dizemos que a alma

    humana indestrutvel e imortal por natureza,[40] justamente pela nossa bvia

    atividade eminente, a saber, a atividade propriamente intelectual formao do

    conceito, juzo e raciocnio e volitiva, no sendo esta atividade, de modo nenhum,

    algo como um feixe de tendncias orgnicas.

    Ora, por uma aplicao to simples quo inelutvel do princpio de causalidade,

    conclui-se que a referida atividade intelectual-volitiva, conquanto condicionada

    extrinsecamente pelo sensvel, dele difere essencialmente e pela sua prpria

    natureza, o que no se daria se ela no fosse efeito do princpio imaterial que a

    alma humana. Esta forma espiritual, como j vimos, no depende da matria para

    todas as suas operaes, ou seja, tem ela uma operao em que no intervm a

    matria: a operao intelectual propriamente dita.[42] E por isso, ainda que

    privada do corpo, no se destri per accidenscomo as demais formas. Alm disso,

    no pode ela decompor-se, dado no ser composta de partes distintas como o o

  • corpo; ora, se a alma fosse composta de partes distintas, algo as teria de unir, e seria

    este algo, ento, o prprio princpio de unidade, a prpria forma, deixando-o de ser

    aquela e assim ao infinito.[43]

    Ademais, como no pode nascer seno por criao a partir de nada, a alma

    humana no pode desaparecer seno por aniquilamento. S Deus o poderia fazer,

    s Deus a poderia aniquilar, assim como s Ele a pode criar. F-lo-ia? Deus no

    aniquila nunca aquilo que Ele prprio criou, e crer o contrrio seria incorrer numa

    espcie de pietismo. A Sua Justia confere a cada ente, de modo infalvel, o exigido

    pela natureza de que Ele mesmo o dotou, donde estas palavras que Santo Toms

    tomou emprestado a Santo Agostinho: Quanto s coisas naturais, no se deve

    considerar o que Deus pode fazer, mas o que convm natureza de cada

    uma.[44] Se Deus deixa desaparecer as formas materiais, precisamente, como

    vimos, porque elas dependem de todo da matria, e porque convm a esta mudar de

    forma para assim refletir, por sua potencialidade de certo modo infinita, a

    infinitude de Deus e de seu poder criador para fazer parte, enfim, dessaimago

    Dei que todo o universo. que, em verdade e stricto sensu, nenhuns entes

    materiais so aniquilados eles transformam-se. por isso que a alma vegetal e a

    alma animal so formas que, propriamente, tampouco se aniquilam com a

    transformao da matria de que so princpio; como que continuam a ser

    dissolvidas nos novos corpos, como potncia. A alma humana, porm,

    propriamente imortal.

    Mas resta uma questo to delicada quo complexa: Que espcie de vida pode

    ter a alma humana quando separada do corpo, sempre de acordo com o que exige a

    sua mesma natureza? Como vimos, em todas as atividades vegetativas e sensveis

    requer-se o corpo, razo por que elas ho de cessar inteiramente na alma separada.

    A inteligncia, todavia, como igualmente vimos, independente da matria, no seu

    ato sumo de conhecimento, assim como correlativamente tambm o a vontade, no

    seu ato livre.[45]Desse modo, pois, a atividade cognitivo-afetiva pode continuar a

    exercer-se na alma separada do corpo a vida da alma separada do corpo aps a

    morte vida da inteligncia. Isto todavia ainda no resolve de todo o problema,

    porque, se de certo modo j se disse o que a vida da alma separada do corpo,

    ainda porm no se disse como esta vida. Ora, na vida presente as ideias mediante

    as quais a inteligncia conhece o seu objeto tm origem primeira nos sentidos, e

    necessitam do concurso prvio da imaginao, da memria, da cogitativa; e, como

    tudo isto depende do corpo, e como portanto no se pode exercer com a dissoluo

    deste, as ideias que a alma dele separada capaz de conhecer ho de ter origem

    diversa. E como no seria assim se, mudado o modo de ser, absolutamente

    natural que mude tambm o modo de operar?

    A alma separada do corpo opera naturalmente da seguinte maneira:[46]

    1) ela conhece por espcies provindas do influxo da luz divina;

  • 2) conhece-se a si mesma por si mesma;

    3) conhece perfeitamente as demais almas separadas, e imperfeitamente aos

    Anjos;

    4) no pode conhecer o que se passa neste mundo sublunar.[47]

    No obstante, e se certo que nenhuma destas maneiras de conhecer ultrapassa

    a capacidade ou potncia da inteligncia humana, e se, ademais, por serem

    conhecimento direto do inteligvel, sem concurso das coisas sensveis, podemos

    diz-las em si mesmasmais perfeitas do que o conhecimento por abstrao que

    estudamos mais acima, elas, no entanto, so para a prpria alma humana menos

    perfeitas. Por que isso? Exatamente porque, para que pudessem ter um

    conhecimento perfeito e direto das coisas, [as almas humanas] foram constitudas

    de modo que se unissem naturalmente aos corpos,[48]razo por que, separadas

    dos corpos, vero de modo menos claro do que, quando unidas aos corpos,

    abstraem as ideias do sensvel.[49]

    Permanece, todavia, uma dificuldade quanto s almas separadas do corpo:

    Como individu-las? Sim, porque se impossvel haver dois entes imateriais

    distintos que pertenam mesma espcie,[50] poderia parecer igualmente

    impossvel distinguir entre si as almas humanas aps a separao do corpo. Sucede

    porm que as almas humanas, ao contrrio dos Anjos, no so formas espirituais

    puras: o fato de terem animado corpos entre si distintos j o bastante para

    diferenciar entre si as almas humanas. Elas, portanto, so individuadas por sua

    relao essencial com certo e determinado corpo o que o foi o seu.

    Que foi o seu? No, no somente tambm o corpo que tornar a ser o seu.

    Que nos veio conseguir o Verbo, que, encarnado, habitou entre ns? Pelo mrito

    nico da Sua Paixo e Morte na Cruz, e pela eficincia da Sua prpria Ressurreio,

    veio-nos conseguir um destino imensamente mais glorioso at do que a vida no

    den: a viso da Essncia de Deus, com a alma reunida ao corpo ressuscitado. Ora,

    apesar da sua real dignidade, a alma humana no tem direito natural a tal condio,

    e incapaz de por si mesma conhecer aquela Essncia;[51] para que isto ocorra,

    ser preciso que Deus mesmo nos exalte a alma por uma luz toda especial a luz da

    glria , ou seja, por pura obra e dom gratuito da Sua Bondade.

    Retomemos agora, para concluir, a delicada questo da alma humana com

    respeito ao corpo. Como nos dado conhecer, se a alma soube no afastar-se de

    Deus nesta vida, ela gozar a posse dEle j antes da ressurreio (e na maioria dos

    casos aps um tempo de provas e purificao no Purgatrio). Pois bem, em sentido

    estritssimo este estado da alma separada , de per si, superior e prefervel nossa

    condio terrestre ps-expulso do Paraso; mas o corpo, conquanto aps a Queda

    se tenha transformado em ocasio de lgrimas e de pecado, o corpo, repito, no

    uma priso[52] sempre, e ainda na terra aps a Queda, ele parte da pessoa

    humana total. Por isso, ou seja, precisamente por esta perspectiva

  • hilemrfica,[53] a ressurreio dos corpos uma das peas-chaves da restaurao

    final de todas as coisas. Inconcebvel numa viso hiperespiritualista do mundo

    (por que tal arbitrariedade da parte de Deus, aps esta libertao que a morte?),

    a ressurreio, como escreve com toda a justeza e preciso Louis Jugnet, guarda a

    sua gratuidade, mas torna-se perfeitamente lgica num espiritualismo como o que

    acabamos de expor. (Definio do IV Conclio de Latro, que no faz seno retomar

    tambm neste ponto o ensinamento apostlico; cf. Santo Toms, Sum.

    Theol., Suppl., q. 77-86 [...].)[54]Igualmente, torna-se inteligvel nesta concepo

    do homem tudo o que concerne transmisso da graa atravs dos sinais sensveis

    (sacramentos e sacramentais) e ao papel da liturgia [...], com o que se escandaliza

    um racionalismo tacanho, falto de apreender a riqueza e a exata correspondncia da

    natureza humana.[55]

    [1] Filsofo grego do sculo V a.C. Ele fazia consistir o ser numa infinidade de tomos. Ria-

    se continuamente da loucura humana, e no raro oposto a Herclito, a quem o mesmo

    motivo fazia chorar.

    [2] Segundo Descartes, a alma a coisa pensante, e o corpo a coisa extensa, atuando a

    primeira sobre a segunda atravs de um ponto da glndula pineal (o conarium)!... Seu

    discpulo independente Regius via no homem uma unidade acidental, e, apesar das

    invectivas do mestre, parece efetivamente que ele aqui mais cartesiano que o prprio

    Descartes. Spinoza, por seu turno, considera que a unio da alma e do corpo em

    Descartes mais obscura que as mais obscuras entidades escolsticas, e busca alhures

    (paralelismo). Atitude tambm insatisfeita com o cartesianismo ortodoxo encontra-se em

    Leibniz e Malebranche (Louis Jugnet, La pense de Saint Thomas dAquin, Paris,

    Nouvelles ditions latines, 1999, p. 92, n. 28).

    [3] V-se claramente por a que, na filosofia aristotlica, forma absolutamente no

    sinnimo de figura, como na linguagem corrente, mas expressa um princpio ou fonte de

    ser e de modo de ser.

    [4] Por entrar em composio com um ser real, ela no uma simples possibilidade lgica,

    uma pura abstrao idealista que no fosse fonte de absolutamente nada (Louis

    Jugnet, op. cit., p. 85).

    [5] Entenda-se estado atual no sentido metafsico, ou seja, como estado de ato. J o

    veremos.

    [6] Apresentou-se aqui a prova por um aspecto decisivo. Mas tambm se pode, como o faz

    Louis Jugnet (in ibid., pp. 85-86, n. 18), partir das mutaes que redundam numa sntese

    qumica de tipo no vivente. O acetileno diverso do carbono mais o hidrognio. O cido

    clordrico diverso do cloro mais o hidrognio. Pouco importa que a microestrutura dos

    componentes seja ainda reconhecvel, em certo sentido, no composto, porque a fisionomia

    de conjunto (se nos podemos exprimir assim) do corpo considerado nova, se o novo

    agrupamento de propriedades manifesta ao filsofo, como dado primeiro e irredutvel, a

  • presena de umanatureza nova. No preciso que o detalhe mesmo das propriedades seja

    oposto ao precedente. [...] A maneira como um composto hilemrfico se altera e d

    nascimento a um corpo novo (vivente ou no vivente, o esquema o mesmo em ambos os

    casos) foi perscrutado com diligncia e lucidez pelos autores da escola tomista, [a comear

    pelo] prprio Santo Toms (Comentrio ao De generatione et corruptione de Aristteles,

    por exemplo) [...]. Contentemo-nos [aqui] com dizer que esta anlise guarda todo o seu

    valor filosfico quaisquer que sejam asilustraes cientficas discutveis dadas pelos

    [mesmos] escolsticos [...].

    [7] Em filosofia, chama-se antinomia ao conflito entre duas asseres demonstradas ou

    refutadas aparentemente com igual rigor. J aporia vem do grego apora, que quer dizer

    propriamente ausncia de passagem ou de meio, ou embarao, dificuldade,

    necessidade; em Aristteles, significa dificuldade por resolver, ou, mais precisamente,

    apresentao de duas opinies contrrias e igualmente racionais em resposta a uma

    mesma questo (Octave Hamelin, Systeme dAristote, Paris, publi par L. Robin; Vrin,

    Bibliothque dHistoire de la Philosophie, 1985, p. 233).

    [8] E isto desde a Antiguidade grega. De um lado, dizia Parmnides que qualquer mudana

    impensvel, contraditria, absurda; do outro lado, abandonava Herclito a identidade,

    afirmando que no nos podemos banhar duas vezes no mesmo rio (o que levaria a pensar,

    como de fato sucedeu, que no nos podemos banhar num mesmo rio nem sequer uma vez,

    pois que nada permanece nem nunca propriamente ).

    [9] Louis Jugnet, ibid., p. 109.

    [10] Veja-se o que diz Aristteles (in Metafsica , 3, 1.046 b 291.047 a 4) contra o cptico

    Protgoras: Pretender que no se tem realmente potncia seno quando se atua (de fato), e

    que l onde no se atua j no h potncia, seria sustentar que aquele que no constri no

    pode construir, ou que j no h construtor a partir do momento em que ele no constri,

    ou, enfim, que o artista que cessa de exercer a sua arte j no a possui. Mas, ento, por que

    aquisio sbita pode pr-se ele a trabalhar? a resposta definitiva negao da potncia

    e todas as absurdidades que disso decorram.

    [11] O mesmo se diga com respeito ao par essncia/ser, o qual, porm, no se pode estudar

    nos limites desta exposio.

    [12] Obviamente, perfeio no no sentido moral, mas no metafsico.

    [13] Louis Jugnet, ibid., p. 111.

    [14] S no o estar se criada ex nihilo, como o Universo na origem e a alma humana em

    cada concepo, como veremos.

    [15] Isto condena radicalmente todo o pantesmo evolutivo, e particularmente o

    teilhardismo e suas variaes modernistas. Condena, por outro lado, e igualmente, as vises

    gnsticas (como a gunoniana), segundo as quais acima do manifestado est o No

    manifestado, a divindade Potncia, o deus Nada. Cf. Santo Toms, In XII Metaph., lect.

    5; Contra Gentiles, I, c. 16, e Sum. Theol., I, q. 2, a. 3.

    [16] Francisco Surez, jesuta espanhol (Granada, 1548-Lisboa, 1617), professou uma

    teologia ecltica, soi-disant inspirada em Santo Toms de Aquino. autor importante e

    prolfico, sim, e entre as suas principais obras se contam Disputationes metaphysic,

  • uma Defensio fidei (1613, contra Jaime I da Inglaterra) e extensos comentrios da Suma

    Teolgica. Mas tambm foi causa de numerosos desvios no pensamento catlico.

    [17] Refiro aqui o par essncia/ser somente guisa de ilustrao, porque, como j disse, no

    o poderei tratar nesta exposio.

    [18] Este princpio reza que o que no pode no ser ao mesmo tempo nem sob o mesmo

    aspecto.

    [19] O ser, em particular, no implica em si mesma nenhuma limitao. Se no recebida

    e limitada por uma potncia, ela infinita e Deus. Mas s Ele est neste caso. Nos entes

    finitos, sucede o inverso [...] (Louis Jugnet, ibid., p. 113).

    [20] Cf. de Santo Toms De ente et essentia, c. 5; In I Sent., d. 43, q. 1, a. 1; Q.d. de veritate,

    q. 2, a. 2, ad. 5; Quodl., III, q. 2, a. 1; Sum. Theol., I, q. 7, a. 1; Compendium theologiae, c.

    18; etc.

    [21] Veja-se o caso da forma substancial, que ato com respeito matria que ela faz ser

    isto ou aquilo. Mas o par forma/matria, que constitui a essncia dos seres corporais, est

    ainda em potncia com respeito ao ser.

    [22] Isto remete a outro problema que no se pode tratar aqui: o da individuao da

    substncia.

    [23] Para a vida segundo Santo Toms, cf. Sum. Theol., I, q. 18, a. 1 a 3, e q. 78, a. 1 e 2; In II

    De Anima, lect. 1 a 5; etc.

    [24] Louis Jugnet, ibid., p. 89.

    [25] Ou seja, a produo ou origem do embrio, chamada tambm embriogenia.

    [26] Ou seja, que tem determinado fim ou finalidade.

    [27] Calcula-se que, dadas as treze condies requeridas para que o olho funcione, h

    999.985 possibilidades contra 15 de que falte ou falhe uma daquelas condies. E, contudo,

    no a cegueira nem so as ms-formaes oculares o que se impe como regra todo o

    contrrio. O matemtico aqui amplamente suplantado pelo biolgico, pelo vital, pelo que

    caracteriza essencialmente a vida.

    [28] Quanto a serem os vrus-protenas intermedirios entre o inorgnico e o orgnico

    verdadeiro cavalo de batalha dos antifinalistas , veja-se o estudo de Hansjurgen

    Standinger (in Universitas, Stuttgart, setembro de 1947, cit. por Louis Jugnet, ibid., p. 90,

    n. 25), que o nega peremptria e fundadamente. E, se em 1928 o professor Needham,

    bilogo de Cambridge, afirmava (vide Louis Jugnet, idem): Atualmente, a zoologia deriva

    da bioqumica comparada, e a fisiologia da biofsica, j em 1941 se retificava: A

    organizao biolgica no pode reduzir-se a uma organizao bioqumica, pois nada pode

    reduzir-se a outra coisa.

    [29] No homem a estimativa est sujeita ao intelecto, e por isso mais propriamente se

    chamacogitativa.

    [30] Como escreve ainda Louis Jugnet (in idem, p. 91), seria absurdo dizer que diante de

    um chicote brandido um rapazinho foge por ter medo, enquanto um animal faria o mesmo

    por mera reao mecnica, como o supe o insustentvel paradoxo cartesiano dos animais-

    mquinas.

    [31] Acerca disto, vide Santo Toms, Sum. Theol., I, q. 75, a. 3; etc.

  • [32] Lembremo-nos sempre de que o composto hilemrfico o que atua e padece, e nunca a

    forma nem a matria isoladamente.

    [33] Na verdade, como veremos mais adiante, tanto a alma como o corpo dos animais no

    seaniquilam de fato, no retornam ao puro nada.

    [34] Cf., para os Anjos, o Tratactus de substantiis separatis de Santo Toms de Aquino

    (publicado no Brasil pela Stimo Selo com o ttulo Sobre os Anjos); etc.

    [35] Sum. Theol., I, q. 76, a. 6, ad 1.

    [36] Cf. Sum. Theol., I, q. 76, a. 8.

    [37] Cf. Sum. Theol., I, q. 76, a. 3.

    [38] Sum. Theol., I, q. 76, a. 4, ad 2.

    [39] Cf. Sum. Theol., I, q. 76, a. 1, corpus. Chamamos materiais s demais formas no

    porque nelas, nelas mesmas, haja matria (como j visto, a forma um princpio

    precisamente diverso do da matria), mas porque a requerem para seu mesmo ser e

    para todas as suas operaes. Em outras palavras: no excedem a potencialidade da prpria

    matria.

    [40] E no por nenhuma derrogao das leis da criao, por nenhum milagre, insista-se.

    [42] Para evitar complexidades ainda maiores e impossveis de resolver nesta exposio,

    no posso insistir aqui na potncia volitiva da alma humana.

    [43] Como a alma, segundo estas palavras precisas de Louis Jugnet (in ibid., pp. 93-94),

    enquanto espiritual, evidentemente no afetada de nenhuma composio fsica, ela

    inacessvel a toda e qualquer composio, sendo a morte algo prprio do mltiplo e do

    composto enquanto tais. A imortalidade da alma [humana] um corolrio da sua

    espiritualidade, a qual se induz simplesmente da observao [...] da atividade intelectual.

    Dizemos bem: induz-se. A filosofia aristotlica e tomstica no reconstri o universo more

    geometrico, maneira spinozista, a poder de definies a priori, de dedues racionais

    puras; ela supe sempre um dado de experincia. Falando propriamente, nem empirismo

    nem racionalismo, aqui como alhures. Cf. Santo Toms, In XII Metaph., lect. 3; Sum.

    Theol., I, q. 75, a. 6; Q.d. de anima, a. 14; etc.

    [44] Sum. Theol., I, q. 76, a. 5, ad 1.

    [45] Vide, acima, nota 42.

    [46] Cf. Sum. Theol., I, q. 89, in totum.

    [47] Faz-se abstrao aqui do fato de que as almas bem-aventuradas, ou seja, aquelas que

    pelaluz da glria j foram deiformadas, j veem a Deus em sua essncia e, portanto, ao

    restante em sua Causa, como efeito dEla. Cf., para isto, Santo Toms de Aquino, Sum.

    Theol., I, q. 89, a. 8,corpus.

    [48] Santo Toms de Aquino, Sum. Theol., I, q. 89, a 1, corpus.

    [49] Cf. Santo Tomas, Sum. Theol., I, q. 89, a 6, in totum.

    [50] Assim, cada Anjo como uma espcie prpria e parte.

    [51] No podemos conhecer naturalmente a Deus e alguns de seus atributos seno a

    posteriori(ou seja, pelos seus efeitos na criao) e de modo analgico.

  • [52] Digo-o metafisicamente, e independentemente da expresso de muitos msticos, como

    Santa Teresa dvila e o prprio So Paulo. Ambas estas maneiras de ver so absolutamente

    justas, embora, obviamente, no pelo mesmo aspecto.

    [53] Nunca nenhum Conclio contradisse esta perspectiva, muito pelo contrrio. Veja-se,

    por exemplo, o Conclio de Viena (1311-1312), que condena como hertico quem quer que

    negue ser a alma a forma do corpo humano. E, conquanto esta definio no canonize

    explicitamente a tese tomista, ela porm se ope inflexivelmente a qualquer dualismo que

    destrua a unidade do homem.

    [54] Cf. tambm, muito especialmente, Santo Toms de Aquino, Compendium theologiae,

    liber 1, capita CLI-CLII, onde se mostra que, para a mais perfeita beatitude, a alma deve

    reunir-se a seu corpo na ressurreio, e que esta perfeitamente conveniente.

    [55] Louis Jugnet, ibid., pp. 94-95.