A EDUCABILIDADE COMO DIMENSÃO ANTROPOLÓGICA

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    A EDUCABILIDADECOMO DIMENSAO ANTROPOLoGICA

    Ao proceder-se ia umaaproximacao entre as questoes antro-poloqicas e as tematicas educativas, 0conceito de educebilidedeassume um papel decisivo. Contendo a expressao de um dos tracesmais genuinamente humanos, nele confluemos pressupostos Iunda-mentais do desenvolvimentodos projectos educativos que, por 0serem, sao assim, tambem, projectos antropoloqicos (1).

    Na verdade. a educabflidade remere, a partida, para as ideiasde plasticidade e de maleabilidade, como condicoes da perfectibi-dade do ser humano, as quais se, num primeiro momento, parecevislumbrarem nele apetencia ou predisposicao Intencional para aeducacao, numa segunda analise, acabam por remeter para umoutro nivel da reelidade onde a educacaoaparece comouma neces-sidade decorrente do caracter inconcluso do homem enquanto sernatural, sejaa nivel bioloqico, seja quanto a sua dimensao psico-16gicaou, talvez melhor, psicoqenetica. Isto e , de alguma maneira,a educacao passa a ser, nesta ultima perspectiva, nao tanto 0corolario da vontade projectivade um sujeitoconscien1!e mas,sobretudo, a resultante de umestado de carencia 0 que, nao

    (1) J . L. Castillejo Brull, por exemplo, chega mesmo a classificar a educa-bilidade como uma categoria antropo16gica (vd. La Educabilidad, Categoria Antro-pologica, in Varies, Teoria de la Educaci6n, pp. 2,9- ,35). A. Sanvisens, pelo seulado, depois de identificar a educacao comp actividade huma:na e como reiadio,destaca 0 caracter da educabilidade enquanto possibilidade de transformacao,ao mesmo tempo adaptativa e projectiva. Define-a ainda como uma plastieidadeconfigurativa, uma capacidade activa de estruturacao pessoal que, por isso mesm,se revela como eondicao subjectiva da educacao e como seufundamento. ilruro-duccion ala Pedagogia, pp, 14. . [15) .

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    colidindo com a ja referenciada natureza antrop(ji6gica da educa-c;;ao, Ihe retira, pelo menos, a estatura prospect iva e conscienteque a optica anterior decididamente the emprestava.

    De facto, parece ser muito diferente o a veducacao brotar deasplracao de um homem em busca da realizacao da sua propriaespecificidade, de um homem que, atraves dela, afirma a suaidentidade como sujeito capaz de gerir 0seu destine pessoal, daoutra situacao em que ela se institui, simultaneamente, como sinale resposta para uma natureza humana que, ao surqir como espe-cialmente incompleta, demonstra possuir uma ini,ludivel fragilidadee ate dependencia de estruturas que the nao sao imediatamenteintrinsecas (2).

    Entretanto, por acrescimo, embora refermdo-se sempre ao ho-mem, a educacao pode ser vista como radicando 0 seu processogenesico numa sodedade que 0 transcende nos planos cultural.ideoloqico e institucional. Aqui, a educacao tem caracter antropo-loqico apenas enquanto e matricialmente cultural, sociol6gica ehistorica, por outras palavras. enquanto supera 0 estrito patamarda autarcia egol6gica individual e da sua intencionalidade projectiva.

    A raiz desta polemica encontramo-Ia no debate que, tendooposto 0iluminismo ao romantismo, levantou igualmente a questaodo sentido do humanismo que lheestava subjacente. Num ta:}debate as posicoes radicalizam-se em torno do real significado daideia de desvinculacao do homem relativamente ao determinismonatural, apostando de uma forma geral 0 iluminismo no principiodaautonomia do individuoem func;;ao do homem universal, Iunda-mento da sua indetertnineciio essenciel, precisamente, ao ser adimensiio essencielmente niio natural da humanidade do homem.(Vd. R. Legros, L'Idee d'Humenite, pp. 40-41).o romantismo, descortinando ai a presenca de urn humanismoabstracto,encontra ahumanidade do homem na sua neiurelizeciio,

    (2) A. Sanvisens, ja aqui citado, procede a uma dist>in~aoentre educabilidadee educaiiuidade que, a eSite prop6sito, podera ser uti! considerar. Com efeito,para este autor, 5 6 a educabilidade possui a bidimensionalidade que pressupdea coexistencia da capaeldade de educar-se e de ser educado, a qual permitea propria edueatividade entendida, por sua vez, como a capacidade de, por hetero-estruturacfio, se contribuir extrinsecamente para 0 processo de maturacao,(Idem, p. 15).

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    entendida como necessidede e esforco de 0 homem se inserir numadadaeociedade, num cerro contexto historico, circunstanciaa que,alias, nao se poderia eximir. (Idem, pp. 15~23). Em jogo estaono

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    cultural. 0 que abre decididamente caminho ao reconhecimentodaeducabilidade do,ser humane como condil;ao (e quesito) tendenteao aprofundamento cia sua propria humanidade. Isto, lndepen-dentemente das filial;oes que tal educabilidade assume (3) .

    Contemporaneamente. autores como,Ballauf, Kuhn. RuUie ouGehlen (4 ) coincidem, no,essencial, numa definicao do, homemcomo, homo educendus, preclsamente icom base na constatacao esobrevalorizacao da sua capacidade e necessidade bioloqtcas de edu-cacao, as quais, se nfio constituem, por si mesmas, uma justi'fical;ao

    (3) J . Daignault ancora a emergencia modema da afirmaeao da essencialeducabilidade do ser humano no renascimento. AHrmar que 0homem e educavelpassa a ser, desde entao, 0 mesmo que dizer que ele e mdefinidamente perfectivelno seio de urn processo em que se destaca 0 espaco tecnologico da educacao, emprogressivo detrimento da pedagogia normativa. A educabilidade do homemdctem, nestas circunstancias, uma intima Iigacao ao tecnocentrrsmo enquantoeste exprime 0 poder do sujeito, da sua vontade e da sua razao, para realizar,com recurso a meios tecnologicosadequedos, os objectivos da intervencao peda-gogica dentro dos Iimites do real possivel,

    No seeulo dasLuzes a esseneia do homem e ser educaveI, quer dizer, indefi-nidamente perfectivel; 0 que e ainda mais novo, escreve Reboul, e 0 facto de seacreditar agora numa educacao do educador, numa /pedagogia/ que permitira trans-Iormar os espiritos e os costumes. E esta pedagogia da lugar ao ensino do saber--Iazer: capaoidade de transformar 0 homem pervertido apoiando-nos exclusivamentenos nossos pr6prios esforeos. (Pour une Esthetique de la Pedagogie, pp. 711-712).

    (4) Ballauf: A dependencia da educacao (...) csta ancorada na autonomiae na fisiologia do homem; Kuhn: 0homem e 0 ser (...) por natureza dispostopara ser educado; Roth: ja esta pre-estabelecido que 0hornem (...) e 0quemais neoessita de educacao e 0 que mais capaz e de ser sducado (eitados porU. Aselmeier in Antropologia Bio16gica y Pedagogia, pp.. 104-,105). Ruffle: Somosbern mais 0 que nos faz a nossa educaeao do que 0 que nos lega a nossa herancabioI6gica. (De la Biologic a la Culture, vol, 2, p. 86). Gehlen: A autodiscipllna,a eduoacao, 0 adestramento no sentido de adquirir forma ou manter-sa nela, tudoisso pertenee as condicoes de existencia de urn ser nao terminado. (El Hombre,p.26). Acrescente-se ainda que, para Gehlen, a definicao do homem CIOmO'erprtixico, acaba por remeter directamente para a ideia de ele estar inacabadoj a que, como nos Iembra, 0 homem e , por isso, tarefa para si mesmo e de simesmo. AlIias, numa outra passagem, eomentando palavras de Kant, remata:o homem, carente de meios, carente de instintos e deixado entregue a si, temque elaborar-se a si mesmo, e eneontrar em si rnesmo, como sua propria obra,a existeneia como tarefa (p. :38) . Antes, todavia, Gehlen cita, com oportunidada,Schiller: Nos animais e plantas a natureza nao da meramente 0 destine, masrsaliza-o tambem, Porem ao homem da-Ihe somenre 0 destine, e deixa que elemesmo 0' realize, (Idem, p. '316).

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    suficiente para 0 desenvolvimento daeduca'Oao, afirmam, comcerteza, a imprescindlbilidade desta e a possibilidade do seu pro-cessamento efectivo a partir dos dados que a bioantropologiafornece. Tais dados apontam, nomeadamente, para a ausencia deIechameneo nascomponentes inatas da conduta humana, bern comopara a subalternidade ai reinante quanta a processes de maturacaoespontanea, ambas complementadas pela existencia, no homem, dosrequisitos que permitem a aquisi'Oaode conhecimentos e de atitudesdecisivas para a sua plena realizacao. Contudo, como alertaU. Aselmeier (d. Antcopoloqie Bioloqic y PedagOlgia), nao elegitimo proceder-se, em nenhuma circunstancia, a uma pura esimples conversao dos dados biol6gicos em axiornas pedag6gicosja que a determinacao do homem como homo educendus apontapara umaesfera antropoloqica que ultrapassa larqamente a dimensaoorqanico-biolcqica. 0 que nao impede, conforme adianta aindao mesmo autor, que se considere os enunciados bioantropol6gicoscomo decisivos para a pedagogia na medida iem que atestam aqualidade da correla'Oao meio-Individualidade ...ocialidade enquantoestrutura basica da existencia humana.

    Estas curtas referencias a posicoes oriundas da ciencia bio-loqica que, em termos de delineamento de quadros paradiqmaticos,desfruta de Incontestaveis privileqios, servem apenas para fazersobressair a contemporaneidade do tema da educabilidade que,tendo estado subterraneamente presente noexistencialismo. se viualgo bloqueado pelo estruturalismo,

    Pensamos que a superacao dos impasses existentes, hem comoo aprofundamento das novas vias entretanto abertas, passa poruma recuperacao critica do pensamento kantiano que v e , a esteproposito. decisive e pioneiro, Assim, procederemos a uma brevereflexao sobre algumas passagens dos textos dos cursos dadospOI' Kant ma Universidadede Konigsberg e que se encontramagrupados soh 0 titulo Reflexoes sobte a Educeciio (5 ) . Aqui, a

    (5) Reportamo-nos aqui a obra editada em Franca com 0 tftrulo Reflexionssur l'Education; sob a direccao de A. Philonenko, Coligindo as mesmas U c o e s depedagogla de Kant, ha, contudo, uma outra edicao, esta organizada por J . Bamie P.-J. About, em que se optou pela designacao Traite de Pedagogie. Neste nossotrabalho soeorremo-nos desta ultima, sempre que nos pareceu dai resultarem van-tagens, designadamente, em termos do rigor do texto das passagens transcritas.A s referencias a s paginas sao, porem, sempre remetidas para a primeira,

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    tematica da educabilidade e , de facto, tratada na dupla perspectiveantropo16gica e educativa como parece ser, alias, imprescindivel.

    Com efeito, quando Kant prodama que 0 homem e a tinieacriatura que deve ser educada ou que e susceptivel de educacao(Idem, p. 69), coloca, sem quaisquer diividas, a educabilidadeno centro das atencoes. Fa-lo, contudo, nfio tanto para acentuaras carencias do ser humane que, a par de propiciarem, exigemessa educabilidade, mas para valorizar 0 potencial sentido antro-poloqico do futuro que cumpre a educacao realizar atraves doaprofundamentoda Hberdade de que 0homem desfruta noespacoda sua nao-determinacao natural. Siqnifica isto que 0homem - ea humanidade - deve progressivamente reconhecer-se como autordoseu propriodestine demarcando-se, assim, definitivamente, dasamarras de urn determrnismo bioloqico dentro do qual se desen-volvem 'as restantes especies animals. Oeste modo, a matriz naturaldo homem adqulre a slnquiaridade de urn estatuto que a condenait sua superacao. Por Isso, P.~J. About, apes afirmar que a intencaofundamental da obra pedaqogica de Kant e conduzir a cr.ancada natureza a liberdade, constata que se compreende entao quea educacao seja umaconstante superacao da natureza, nao ne-gand~a, mesexpurqando-a. a Iim de que ela sirva de apoio paraaceder a urn destine que a transcende: a razfio deve criar umaordem humana, em que as liberdades possam coexistir numa criati-vidade incessantemente renovada. (Introducao ao Treite de Pede-gogie, p. 28).

    Assan. 0 naturalismo kantiano, a existir, serve apenas paraIundaenentar e, de algum modo, prescrever a sua irradicacao dosolo antropol6gieo, facto que esclarece 0 seu alcance sem 0 tornarparadoxal.

    Na realidade, dtferentemente do que ocorre nos outros animais,a evolucao humana nao 'e a 'Simples resultante linear de urn potencialgenetico integralmente definido e conduzido pela natureza ja queexiste, inclusive, a possibilidade de se operarem desvios a efectivarealizacao do destino do homem enquanto tal. A enimelidede ea humenidede confrontam-se na exacta medrda em que uma seradica num Iundamento originario em que 0passado maroa 0pre-sente (e 0 futuro) sob 0peso do rrecessitarismo, enquanto a outra,pautada pelas exiqencias da ieleologie critica de que nos fala M.Castillo (in Kant et I'Avenir de le Culture), encontra no futuro,e nas multiples possibilidades que, a partida, este oferece, 0seu150 -

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    principio regulador. Acentua-se, pois, 0ambito da liberdade que,todavia, para 0 ser plenamente, ou seja, para 0ser humanamente,tem de ser usada de forma responsavel e consciente, 0 mesmo edizer ainda, dentro dos canones da razao,

    Na verdade, a natureza propiciaao homem a possfbilidadede se tornar um ser Iivre dentro da ordem da razfio. Dai de possuiraptidoes que lhe permitem alcancar 0amago desse estadio. Sim-plesmente, ela esta,ao mesmo tempo, impossibilitada de levar ateao seu termo, por si mesma, 0 proposito referido, 0 qual pressupfiea mstauracao de uma plataforma de morelidede que obviamentea ultrapassa. E e aqui que a educacao desempenha 0seu papelantropologicamente decisive: nao constituindo um Hm em si, ela e,todavia, imprescindivel para 0 cumprimento do homem como fimem si mesmo, privileqio de que de e 0unico a desfrutar e que ecorolario da sua propria nao-determinacao, Nao-determinacao estaentendida 'como disposicao para a edifica~ao de um futuro cons-truido no ,fio do progresso.

    Neste contexte, um projecto educative so oe de facto - s6e legitimo - se se instituir como projecto antropol6gico. 0 que,mais do que atestar a fun~ao da educacaoenquanto meio ao serviceda reelizacao de finalidades do homem que a transcenderiam, comopretendem ,alguns comentadores, exprime a inerencia antropol6gicada educa~aoconsubstanciada, precisamente, na ideia de projecto.0 homem nao se pode tornar homem a nao ser pela educacao,Ele nao e senao que a educacao faz dele (Rflexions sur I'Edu-cation, p. 73).

    A educacao serve, pois, a construcao de urn homem definidopelo seu futuro: antecipa a humanidade futura - 0que the conferesentido - porque 0 homem tern necessidade da educacao paraconcretizar a 'sua liberdade e se instituir como ser moral. Dai quea educabilidade seja, de uma so vez, fundamentoe garante doprojecto antropol6gicoe do projectoeducarivo. A educacao -escreve M.Castillo - apresenta-se assim como 0 terreno que dalugar e um sentido ao conceito de antropologia pratica. A suatarefa especifica e a de explorar os meios de uma media~ao entreos mobeis naturais e a pura intenclonalidade moral. (Ob. cit.,p. 59).

    Como ocorre.ventao.iessa mediacao? Segundo diferentes Iases.sem duvida, mas subordinando-se cada uma delas e a sua propriasucessao a um teleologismo moral, 0qual, para alem de garantir

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    a evolucao clecada individuo - e da humarudade - dentro deuma 16gica de proqresso, ass'egura, Iogo nos seus estadios primeiros,que 0' homem transmute 0' seu inacabamento natural em destinehumane. So, assim, alias, e que se pede apreender 0' papel profundoque desempenham certos recursos educativos que, come 0' dadiscipline, assentam, sobretudo, num apelo constante a constran-gimentes exteriores. Impondo a obediencie , pareceria nada terem aver cern a propalada ideia de urn homem livre caracterizado essen-cialmente pela sua autonomia e responsabilidade.

    Quando Kant afirma 0' caracter negative da disciplina per estater per missao central despojar 0' homem da sua animalidade,impedindo assim que de seja desviado xio seu destine - 0 dahumanidade - pelas suas inclinacoes animais (Reflexions surl'Educetion, pp. 70~71l), Ia-lo nao em nome da defesa de valorda discipline per si mesma mas porque a disciplina submete 0homem as leis da humanidade e comeca a fazer-Ihe sentir 0' cons-trangimente das leis. (Idem, p. 71). 0 que e aqui curioso e queesta Jntervencao da disciplina acaba por se justificar pela circuns-tancia de, pot natureza, 0' homem ter uma inequivoca propensaopara a liberdade mas que, sem aquela, 0' Ievaria , em ultima instancia,a regredir para uma rudeza simplesmente animal ao nao estarsubordmado aos preceitos racionais: 0 homem deve ser habituadodesde.cedo a submeter-se as prescricoes da razao (Idem, pp. 71-72), 0 que permitira, tambem desdecedo, que ele se distinga daevolucao animal, auto-suficiente no seio da mecanica instintivaque the e propria. Em todas as circunstancias, sera irnportante terem conta que a disciplina so adquire a sua estatura autenticase fer situada como 0 memento negativo de urn processo em queela precede 0' advento da culture. Esta, por sua vez, e perspectivadacome 0estadio positioo que, complementando e superando aquela,transportara 0' homemate a consumacao da sua essencialidade eticapelodesenvolvimento - que nae e espontaneo mas, pelo contrario,escolhido - da sua perfecubilidade.

    E, pols, entre a submissao conformista as normas exteriorese 0' seu acatamento voluntario per parte de urn sujeito consciente- ou, se sequiser, entre a disciplinae a cultura - que a educacaoenfrenea 0' seu desafio mais di'fic,il, 0' qual nae se torna, Iinalmente,numa situac;ae dilematica porque se insere numa linha de proqressao152 -

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    que vaida leqalidade a moralidade propriamente dita (6). Comefeito, a disciplina acaba por preparar 0individuo para a liberdadesocial e 'Civil ao evitar, ainda que pela coaccao, que ele a utilizede um modo egoista, ou seja, de um modo impeditivo do exercicioda liberdade pelos outros, 0que viria a ser contrario aos pressu-postos do impereiioo ceteqorico,

    Torna-se desta maneira claro que, no caso do homem, lhecabe um papel de relevo naconsumacao da sua essencia, Contudo,tal papel so se realizara por inteiro se 0seu desempenho for cons-ciente, 0 que, uma vez mais, remere para uma nitida distincaoentre a relacao do homem e a do animal com as respectivas predis-posicoes naturals: Os animais cumprem por des mesmos 0 seudestino sem 0 conhecer. So 0 homem deve procurar atinqi-lo eisso 01'10 se pode fazer se relativarnente a de nfio formar umconcerto. (Idem, p. 76).

    Da heteronomiaa autonomia vai, de facro, uma complexa dis-tiincia que cabe a educacao sulcar e veneer em Junc;;ao de uma Hnali-dade moral que a justifica e mobiliza nas suas diferences fases. Todoeste processo e claramente perspectivado por um optimismo quantoao desenvolvimento do proprio processo histerico atraves do qualo individuo se insere no percurso da historia da especie no seuconjunto. No mdrviduo - diz-nos Kant - 0cumprimento dodestino (do homem ] e mesmo inteiramente impossivel. So aespecie e nao os individuos e quem pode la chegar. (Idem, p. 76).Este optimismo nfio impede, porem, Kant de realcar, no iimagoda propria educabilidade do ser humano, as dificuldades que aeducacao tem de enfrentar na realizacao do projecto antropoloqicoem profunda imbricacao com 0 projecto educative. 0 homemdeve desenvolver primeiro as suas disposicoes para 0bem; a Pro-videncia nao as colocou nele completamente acabadas; sao simplesdisposicoes sern a marca propria da moralidade. Tornar-se melhor,

    (6) Atente-se nestas palavras de Kant: Urn dos problemas maiores daeduoacao e 0 seguinte: como unir a submissiio a uma coaccao legal com a faculdadede me servir da liberdade? Pais a coaccao e necessaria! Mas como passe cultivara liberdade sob a coacciio?Devo habituar 0 meu aluno a tolerar uma coaccao sobrea sua liberdade e, ao mesmo tempo, devo conduzi-Io a fazer um born uso da sualiberdade. Sem isso tudo njio e mais que puro mecanismo e 0 homem privadode educacao nao sabe servir-se da sua liberdade. (Idem, pp. 87-88).

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    cultivar-se, e se ele e mau, desenvolver nele a moralidade, eis 0dever do homem, Ora, quando reflectimos nisso rnaduramente,ve-se quanta tal e dlficil. A educacao e pois 0 maior e 0 maisdificil problema que pode ser proposto ao homem. (Idem, p. 77).

    Diftcil porque a educabilidade do ser humano, possibilitadapela natureza, nao e, realmente, per ela determinada quanta ao seudesenvolvimento, quanta ao sentido da sua realizacao. Ao assu-mir-se, sobretudo, como urna disposi

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    implica e transcende omdividuo, 0 que passa pela historia. 0 quepressupoe uma teleoloqia critica.

    Cada gera

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    REFERgNCIAS BIBLIOGRAFIGAS

    ASELMEIER, U. Antropologia Biol6gica y Pedagogia, Madrid, Ed. Alhambra, 1983CASTILW, M. Kant et ['Avenir de la Culture, Paris, PUF, 1990DAIGNAULT, J . Pour une EstMtique de fa Pedagogie, Quebec, ed, NHP, ]985GEHLEN. El Hombre, Salamanca, ed. Sigueme, 1980KANT, E. Reflexions sur L'Education, Paris, Vrin, 1989

    Traite de Pedagogie, Paris, Haehette, '1001LEGROS, R. L'ldee d'Humanite, Paris, Grasset, :1000SitNVISENS, A. Introducci/m a la Pedagogia, Barcelona, 00. Barcanova, 1984VARIOS. Teoria de la Educaci6n, Madrid, Anaya, 1981RUFFIE, J . De la Biologie a la Culture (vol. '2), Paris, Plammarion, 19813

    RESUMO

    Neste artigo desenvolvem-se algumas reflex5es em tomo do terna da educa-bilidade enquanto dimensao antropologica. Nesse sentido destacam-se, nomeada-mente, os contributes que Kant nos fornece nos escritos reunidos na obra Reflex5essabre a Educaciio.

    RES UME

    Dans ret article on developpe quelques reflexions autour du theme del'educabilite en tant que dimension anthropologique, Dans ce sens-la, on detache,notamment, les apports que Kant nous foumit dans les ecrits rehunis dans l'ouvrageReflexions sur l'Education.

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