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    UNIVERSIDADE CATLICA DE GOISDEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA

    MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO

    DANA: linguagem do transcedente

    Conceio Viana de Ftima

    GOINIA2001

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    UNIVERSIDADE CATLICA DE GOISDEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E TEOLOGIA

    MESTRADO EM CINCIAS DA RELIGIO

    DANA: linguagem do transcedente

    Conceio Viana de Ftima

    Prof. Dr. Zilda Fernandes Ribeiro

    Dissertao apresentada ao Curso de

    Mestrado em Cincias da Religio comorequisi to para obteno do Grau de Mestre.

    GOINIA2001

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    AGRADECIMENTOS

    A todas as pessoas que com amizade, motivaram,

    estimularam e contriburam para a realizao deste trabalho

    (tantas que seria injusto nomear).

    s filhas Sylvya Accia e Ana Gabriela, por terem

    suportado as ausncias e as impacincias.

    Ao meu companheiro Syr, pela paciente espera e

    amorosa presena.

    prof. Dr. Zilda Fernandes Ribeiro de quem

    muito aprendi e a quem muito admiro.

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    SUMRIO

    RESUMO

    ABSTRACT

    INTRODUO

    PRIMEIRO ATO

    P ar te Um : O cor po on te m e hoj e: Um co rpo de con fo rm a o

    Parte Dois: Contracul tura, Ps -Modernidade, Nova Era: Um

    corpo de Revoluo

    SEGUNDO ATO

    Parte Um: A dana: Breve histria

    P ar te D oi s: V ari a e s s ob re o me sm o t em a

    TERCEIRO ATO

    P arte Um : Conceitos e idias em m ovi mentoP ar te D oi s: O C and om bl : I n C orp /O ra o

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ANEXO: RESGATE VISUAL

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    RESUMO

    O objeto da presente dissertao a dana e a sua dimenso no

    ri tual . De imensa importncia na Antigidade, proibida nos r i tuais na Idade

    Mdia. Atualmente ainda recebe restr ies, pois as manifestaes corporais

    se transformaram em poucos e acanhados gestos.

    Este trabalho procurou na histria da dana sua part icipao nos

    ri tuais , levantou conceitos que pudessem auxil iar na demonstrao de sua

    importncia e trouxe juzos que dela fazem pessoas de reconhecida

    competncia sobre o assunto. Procurou tambm justificar essa importncia

    atravs do embasamento terico proporcionado pelas Cincias Sociais quetrabalhando com a questo da cultura, do smbolo, do r i to, da memria, da

    religio, e da l inguagem corporal assevera a sua eficincia e eficcia.

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    ABSTRACT

    The subject of this dissertat ion is the dance and i ts dimension in the

    ri tual . An important activity na Ancient t imes, forbidden in the Median Age,

    nowadays out of the l i turgy.

    This research brougt up the history of the dance and i ts

    part icipation in the l i turgy, some concepts that could demonstrate i ts valued,

    and some point of view from people to whom the dance concern.

    In ordem to show the importance of this subject , the social

    sciencies provided fundamental support , for example, in i ts theory aboutculture, symbol, r i te, memory, tradit ion, language and the eff iciency and

    efficacy of the body movements.

    Also, the candombl, afro-brasi l ian rel igion is introduced, because

    this rel igion have in the dance the exact representation of al l possibil i t ies

    that the dance can act r i tualis t ically.

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    INTRODUO

    Conhecida de todos, parte do cotidiano de poucos, a dana

    companheira da surpresa, da motivao, do propsito, da alegria e da paixo.

    Para todos que se deixaram tocar por ela uma verdade se revelou: a vida, h

    que se dan-la!

    Dissertar sobre dana percorrer os caminhos da cultura, t radio,

    rel igio, histria, ar te, educao, resistncia, comunidade. dissertar sobre

    uma atividade comum a todos os povos, em maior ou menor grau, com maior

    ou menor valor , presente no dia-a-dia ou em ocasies especiais . Seja no r i tual

    rel igioso, seja como divert imento ou espetculo, a dana tem como

    background a cultura, a rel igio e a arte de onde se origina, o que lhe d

    esti lo, identidade.

    Em se tratando de uma manifestao atualmente vista como

    espetculo art s t ico, extraiu-se do vocabulrio das artes cnicas as divises

    dessa dissertao em atos, pois uma pea dividida em atos. Cada ato ser

    dividido em duas partes.

    No primeiro ato, na sua primeira parte entra em cena o corpo, poissem ele no h dana. Apresenta-se uma breve histria de como ele foi e

    visto, vivido, manipulado, experienciado atravs da epopia ocidental . O

    corpo a manifestao da cultura (Mauss, 1974). Na segunda parte desse ato

    a cena ser tomada pela Contracultura, a Ps-Modernidade e a Nova Era,

    movimentos scio-culturais que abalaram o mundo ocidental , t razendo

    signif icativas mudanas para toda uma gerao, resgatando valores que se

    contrapunham aos da ideologia da tecnocracia, valores cujo teor continuam

    influenciando o desejo de que o terceiro milnio tenha outra face.

    No segundo ato, primeira parte, sobe ao palco a histria da dana,

    de forma resumida, mas necessria para que outras possibil idades da dana

    sejam convidadas a danar.

    No Paleol t ico, estgio mgico, a dana servia a f ins prticos como

    obter boa caa, aplacar tempestades. O Neol t ico inicia uma fase onde

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    smbolos comeam a ser criados e percebe-se os albores do nascimento da

    religio, a dana faz parte do r i tual .

    Nas culturas antigas como a Indiana, Chinesa, Japonesa, Egpcia,

    Hebraica, em todas elas a dana f loresceu e se f irmou fazendo parte dos

    ri tuais sociais e rel igiosos, contribuindo para o reforo da cultura desses

    povos. Da i lha de Creta para a Grcia, a dana se tornou mais elaborada em

    conseqncia do contato com a arte e a f i losofia clssicas. Em Roma decaiu,

    se transformando em uma grosseira pantomima, apresentada nos circos e

    feiras, recheados de obscenidade e violncia.

    Na Idade Mdia, o cris t ianismo encontrando a dana em decadncia,

    a condenou. Ela resist iu em certos lugares como parte das celebraes at que

    finalmente o Concl io de Wrsburg a baniu para sempre. Ela foi para as

    praas, para o meio do povo, de onde saiu para as cortes, e estabil izada e

    academizada tornou-se o ballet .

    Ao final do sculo XIX incio do XX, surge a dana moderna pela

    inspirao pioneira de Isadora Duncan, que abriu o caminho para sua

    evoluo, que desemboca no atual movimento Contemporneo, expondo as

    nuances artstico-culturais do tempo presente.

    Na segunda parte do segundo ato, entram em cena as impresses de

    alguns estudiosos sobre a dana, sejam fi lsofos, socilogos, antroplogos,

    telogos, professores de dana.

    O terceiro ato, na sua primeira parte, vai trazer para a cena o

    movimento de alguns conceitos e idias que circundam o universo alcanado

    pela dana, como a religio, o smbolo, o rito, a memria. A seguir, se

    apresenta o candombl, com seu est i lo afro-brasi leiro, colorido, exultante,

    mst ico, para mostrar a eficincia e a eficcia da dana, seu poder de unirdeuses e seres humanos, que confundem as esferas da terrenidade e da

    eternidade, o corpo mediando a revelao do Divino no Humano, que no

    xtase, percebe o poder dentro que se sabe alm.

    A dana a poesia do corpo em movimento, Poesia aquilo que se

    sente ao viver e amar a vida, a vida se mostra em movimento, aquele

    movimento-sentimento-pensamento preexistente e predestinado em seu desejo

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    de tornar-se, em seu delei te de devir . original da dana uma fora que

    resulta em orao, mesmo contra o desejo ou a conscincia do danarino.

    Para as pessoas que no se contentam com a orao mental , estt ica, a dana

    sua orao. No aquele movimento que vem de fora, da repetio, mas um

    que vem de dentro, das profundezas do ser , de onde brotam as emoes. Del, onde eternamente a Criao reside.

    Assim sendo, o que se pretende com esse trabalho que ele se

    ponha a caminho para dividir uma paixo e uma f nas possibil idades que o

    corpo que dana oferece, a quem queira corajosamente pesquisar , reflet ir e

    vivenciar a dana na perspectiva rel igiosa, percebendo-a como meio de

    expresso e arte.

    A histria da dana e seu signif icado rel igioso e scio-culturaldelimitaram este trabalho, visando oferecer uma compreenso da dana que

    v alm do simples movimento do corpo, para coloca-lo dentro de uma

    perspectiva de sentidos e s ignif icados, onde o corpo fala atravs de seus

    movimentos.

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    PRIMEIRO ATO

    Parte I

    O Corpo Ontem e Hoje: Um corpo de conformao

    A civil izao ocidental cr is t herdou uma idia de corpo construda

    desde as mais remotas eras, reforada por estes ltimos dois mil anos de

    influncia da filosofia grega e do judeu-cristianismo, que dividiram o ser

    humano.

    Nos primrdios da histria humana, homens e mulheres no

    separavam a dimenso corprea de qualquer outra, eles eram no e o seu

    corpo, no o separando do mundo ao redor. No perodo Paleol t ico, se tem

    notcia de que nossos ancestrais viviam num mundo mgico, possuindo uma

    viso mgica e monista do mundo

    v a real idade na forma de uma tessi tura s imples , de umaseqncia cont nua e coerente ( . . . ) a magia sensual is ta, atendeao concreto, o pensamento centra-se na vida deste mundo

    (Hauser , 1995:13).

    A partir de certo momento do desenvolvimento humano, a cultura

    comea a construir o dualismo e aquela unidade primitiva foi se perdendo.

    Esse momento aconteceu durante o perodo Neol t ico, quando homens e

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    mulheres tomam conscincia de que sua sorte e seu destino eram regidos por

    foras sobrenaturais , desconhecidas e misteriosas, alm de seu controle,

    dotados de poderes para o bem ou para o mal. Nesse momento,

    o mundo dividido em duas metades; o prprio homem parecedividido em duas metades. Essa a fase do animismo, do cul todos espr i tos , de crena na sobrevivncia da alma, e doconcomitante cul to dos mortos

    (Hauser , 1995:12).

    E Hauser continua explicando que,

    os costumes e r i tos fnebres revelam claramente que o homemneol t ico j estava comeando a conceber a alma como uma

    substncia separada do corpo. O animismo dual is ta, forma seuconhecimento e suas crenas num sis tema de dois mundos. Oanimismo espir i tual is ta e tende para a abstrao; apreocupao dominante a vida no outro mundo

    (Idem 1995:13).

    Em Homero, na I l ada, ci tado por Fontanella (1995: 23), j se

    percebe uma oposio ainda no muito acentuada, mas j existente entre

    corpo e alma:

    Canta, Deusa de Aqui leu Peleida a sua ira ingente, que tocalamitosa foi para os guerreiros Acaios, e almas de heris semconta fez baixar ao Aides e seus corpos deram repasto a ces eaves carniis .

    Scrates, sc. V a.C. refora a quebra da unidade, pois para ele o

    corpo um obstculo alma. Ela imortal , imperecvel . A razo que

    permite ao ser humano transcender ao cotidiano, encontrar sentido em suasaes e criar valores morais. Em Plato, sc. IV e V a.C. (GONALVES,

    1994), cr iador da metafs ica ocidental , novamente vemos a alma em oposio

    ao corpo: ela eterna, pura, sbia; ele, mortal , impuro, degradante. O corpo

    a priso da alma, negando a ela sua realizao.

    Para Aristteles, sc. IV a.C., a alma d forma ao corpo,

    consti tuindo a natureza humana; o corpo a matria qual a alma d forma e

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    motricidade. Para ele o ser humano pol t ico e pensante ordena sua existncia

    pela razo.

    A eli te intelectual grega menosprezava o trabalho f s ico por ser

    uma atividade do corpo, l igada matria, at ividade que cabia aos escravos,

    que rebaixava a natureza humana. O pensamento ocidental se afastou de tudo

    que era f inito e mutvel , e se aproximou da transcendncia e da metafs ica.

    Dentro dessa viso a questo da corporeidade reduziu-se unio corpo e

    alma.

    A tradio colocava em primeiro lugar o pensamento, a razo, a

    verdade, o logos em detrimento da physis . Para Fontanella (1995: 27), a

    verdade da esfera do pensamento, no do sentido; seu sujei to s pode ser a

    alma, no o corpo. A alma tem que ser como as idias: pura, inaltervel ,

    bela. O pensar e o contemplar eram mais condizentes um grupo superior na

    escala social .

    O cris t ianismo trouxe consigo uma nova viso de mundo e de

    pessoa humana. Se na Grcia antiga eram vistos como pertencentes ao

    universo f s ico, no cris t ianismo eram vistos numa perspectiva transcendental .

    Os seres humanos eram criaes de Deus, tinham sentimentos e emoes,

    histria e destino que os elevavam acima da mundanidade.Essa posio se

    contrapunha viso grega em que a razo predominava.

    No cris t ianismo o ser humano no se nomeava cidado l ivre ou

    escravo, mas se tornava uma pessoa que t inha l ivre arbtr io, e que poderia

    escolher seu destino se apoiando na revelao de Deus e nas leis por Ele

    estabelecidas. Porm, para os cris tos o corpo humano continuou no sendo

    visto como parte da grande cadeia do exist ir . H ainda a diviso do ser

    humano: o mito do pecado original um exemplo.

    O primeiro homem, ao pecar descobriu que estava nu: descobriu o

    corpo. A part ir da a carne se tornou signif icado de pecado, e para se obter o

    perdo pela desobedincia e presuno deveria sujei tar o corpo. Assim, a

    unicidade perdida s poder se restabelecer por vontade de Deus, na

    ressurreio. Ao desobedecer, o ser humano descobriu a vergonha e a maior

    dela era a sexualidade, que estava na origem de todos os males, gerando uma

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    prtica asctica r igorosa para controle e superao dos inst intos sexuais . Para

    os pensadores catlicos da Idade Mdia, a fragil idade da carne humana

    tentao, morte e ao gozo, concretizavam a vulnerabil idade de Ado.

    Santo Agostinho, um dos grandes pensadores, que viveu na

    passagem do mundo greco-romano para a Idade Mdia, considerava a alma

    como um Eu, uma intimidade, uma interioridade onde a verdade podia ser

    encontrada, e l se encontraria Deus. O corpo penetrado pela alma, que ao

    anim-lo o sensibil iza. No entanto a mente continua superior ao corpo.

    So Toms de Aquino vai alm de Santo Agostinho, une o mundo do

    espr i to ao do corpo, ao considerar o ser humano como uma unidade de corpo

    e alma, ambos possuindo uma direo sobrenatural . Em So Toms, a alma,

    como princpio co-consti tuinte da unidade substancial o homem no era

    somente pensamento, mas tambm sentimento e ao (Gonalves, 1994: 51).

    Os pensadores medievais mantiveram a tradicional idia de que a

    verdadeira essncia do ser humano est na alma, mesmo que o pensamento

    cristo defendesse a dignidade do corpo enquanto criao de Deus. A carne

    estava associada ao pecado, e se costumava castig-la para sua purif icao. O

    trabalho corporal , apesar de dignif icado era relegado aos escravos e aos mais

    pobres. A meditao e a contemplao eram exemplos de caminhos para se

    realizar a verdadeira vocao do espr i to: se elevar.

    A viso medieval tradicional aprisionou o corpo, submetendo-o ora

    ao comando do pensamento, ora ao comando do espri to. (Moreira,

    1994:54). A Idade Mdia Crist se caracterizou pelo volume de conventos

    onde padres, monges e freiras praticavam a ascese e com ela, a renuncia

    sexual.

    As noes cris ts da sexual idade haviam tendido a apreciar oser humano desl igado do mundo f s ico.. . a sexual idade no eraencarada como uma energia csmica que l igasse os sereshumanos aos rebanhos frteis e s estrelas f lamejantes.

    (Brown, 1990: 355).

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    A preocupao maior dos pensadores cris tos era com o

    funcionamento da vontade humana, pois s o seu fortalecimento poderia

    controlar as pulses da natureza, e a privacidade e a persistncia faziam parte

    dessa luta para controlar o corpo. Era necessrio lembrar s pessoas de sua

    parte natureza. As mulheres menstruadas, em resguardo do parto ou oshomens que houvessem ejaculado, deveriam se ausentar da Eucarist ia,

    lembrana ci tada por Peter Brown (1990), acerca de um bispo de Alexandria

    no sculo III.

    Proteger os espaos sagrados humanos dos produtos amorfos epuramente bio lgicos do corpo, que relembravam aos f iis umaligao indissolvel com o mundo natural.

    (Brown, 1990: 356).

    Contrrio a essa idia, o Papa Gregrio I dizia que a falha sutil e

    impalpvel dentro da vontade humana que se interpunha entre os seres

    humanos e Deus (Gregrio apud Brown, 1990: 356), mostrando que no era

    o corpo f s ico que mantinha as pessoas longe do sagrado. Como Santo

    Agostinho, sua preocupao no era com as questes r i tuals t icas, mas sim

    com o fortalecimento da vontade.No Renascimento, novo tempo se iniciou em todos os setores da

    vida humana, alavancado sob a influncia de pensadores medievais e a

    reinterpretao do perodo clssico. O corpo recebe novo olhar, a estt ica

    renascentista retratam-no. O equilbrio e a harmonia se mostram na arte desse

    tempo.

    O trabalho f s ico volta a ser valorizado, em parte como

    conseqncia da Reforma, que resgata a dignidade a ele conferido nos temposbblicos. Outros pensadores como Giordano Bruno e Campanella reformulam

    os conceitos Platnicos na luta pelo resgate do valor do trabalho f s ico como

    enobrecedor do ser humano.

    A individualidade, a independncia e a autonomia do pensamento

    produzem uma nova viso do mundo, possibil i tando sua mudana. No sculo

    XVI e XVII, com o Empirismo inicia-se a poca do conhecimento cientfico,

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    partindo da observao da natureza, da realidade da vida das pessoas, seja

    individual ou coletivamente. Valoriza-se a intuio, o sensvel , que junto da

    razo facil i tam o conhecimento e a manipulao da natureza. Corpo e espr i to

    so unidos nessa tarefa.

    O Empirismo valorizou o trabalho, porm no como na Reforma. O

    trabalho olhado como um fim em si mesmo, e no em funo de um fim

    religioso. O corpo visto como uma mquina e, a alma j no mais a fora

    que lhe d vida e movimento. O corpo ainda considerado instrumento do

    espr i to.

    Na Idade Moderna, o corpo passa a ser objeto do conhecimento

    pelas vias da cincia experimental. Surge a anatomia e a medicina cientf ica,

    que procuram desvendar a funo do corpo. Descartes, um dos principais

    pensadores desse tempo dividia o ser humano em duas substncias: uma

    pensante, a alma (res cogitans) , razo do exist ir da pessoa, e o corpo, a ( res

    extensa) , coisa extensa que nada signif icava para a alma, mas que seria

    objeto de conhecimento, demarcando com isso o pensamento moderno.

    Colocando na mente o centro e o suporte de toda a real idade,Descartes , por um lado abre uma nova perspect iva nopensamento f i los f ico, que inaugura realmente a modernidade a descoberta da subjet ividade, da conscincia, do Eu

    (Gonalves, 1994: 51) .

    O sentimento e a ao so excludos, fragmentando a pessoa,

    dividindo-a dist intamente em corpo e alma. O corpo t ido como fonte de

    paixes e erros, havia que se buscar a razo para se chegar ao conhecimento e

    verdade.

    No Iluminismo, grandes mudanas ocorreram, principalmente nas

    cincias, na tcnica, na indstr ia. As pessoas acordaram para a condio

    social e pol t ica reagindo a elas. Nessa poca, sculo XVIII , descobriu-se o

    ser humano como senhor de sua histria. Rousseau resgata o humano como

    um ser corporal, com desejos e emoes e como um ser pensante, que possui

    razo, l ivre arbtr io e histria.

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    Para Rousseau o sentimento impulsiona a razo e est nas

    necessidades corporais . Kant j no trata o corpo como uma mquina que

    reage a foras internas ou externas, mas que ao estar no mundo envolve-se

    com a subjetividade do ser , que cria o mundo pelo conhecimento dele. Hegel,

    sc. XVIII e XIX, valoriza o trabalho, pois nele o corpo e o espr i to juntoshumanizam o homem. Aqui o corpo e o ser humano j so tratados na sua

    concretude, mas numa viso metafs ica.

    Karl Marx, sc. XIX, ao contrrio dessa viso ideal , pensa o ser

    humano, como ser sensvel e corpreo. Para ele, a conscincia est dentro da

    concretude da corporeidade e explicada dentro das contradies da vida

    material (Marx, 1987:30). O ser humano se si tua no mundo atravs dos seus

    sentidos: no apenas em pensamento, mas por intermdio de todos ossentidos que o homem se af irma no mundo objet ivo (Marx, 1983:21). No

    trabalho o corpo se solidariza com sua coletividade se humanizando e

    natureza, e se tornam produtos da sociedade e da histria. Mas no

    capital ismo, a at ividade humana ao se tornar mercadoria, al iena-se, e tudo ao

    seu redor se al iena, inclusive o corpo.

    No sculo XX o Existencialismo traz uma nova maneira de encarar

    a dimenso corprea, tentando ultrapassar o dualismo, colocando que o nossonico e primeiro meio de conhecer o mundo o corpo, pela vivncia

    corporal que se existe, ns somos nosso corpo. Sendo assim o corpo no

    instrumento da alma, mas a estrutura de nosso ser; sem ele no h conscincia

    do mundo interno e externo. No se pode mais separar o corpo da alma, ou da

    conscincia. Ele o espr i to, a reflexo e o sentimento do mundo.

    A civil izao ocidental contempornea herdou das razes gregas a

    viso dualis ta do ser humano, que no conseguindo super-la, dividiu-o emcorpo e espr i to. Com o decorrer histrico, a razo foi mais valorizada que a

    intuio, o que de certa maneira iniciou um processo de descorporalizao. O

    homem, ao se tornar mais racional foi se separando daquela l igao bsica

    com o seu corpo, e conseqentemente com o mundo, reduzindo suas

    percepes sensoriais, e passando a ter maior controle sobre afetos e

    impulsos, dando formas estereotipadas expresso dos sentimentos.

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    Norbert Elias , analisando essas mudanas a part ir da Idade Mdia, o

    chama de processo civil izador

    em que o controle das pulses era bastante reduzido, at osnossos dias . As classes dir igentes foram lentamente modeladaspela vida social , e a espontaneidade deu lugar regra e represso na vida privada

    (Elias, 1994:232).

    Com o surgimento e ascenso do capital ismo, e do avano da

    tecnologia, o corpo se tornou instrumento de produo. A expanso e o

    estabelecimento desses s is temas e o crescimento do domnio sobre a natureza,

    contriburam para afastar mais o homem do seu corpo. A sociedade

    contempornea elevou o corpo a objeto de consumo, al ienando-o da mesma

    forma que o fez, o s is tema de produo. Pode-se ver na publicidade, a

    explorao que vulgariza e mercanti liza a corporeidade humana.

    Por trs do discurso de l iberao dos anos 60, o poder social que

    reprimia o corpo passou a uti l izar este discurso como controle atravs do

    culto ao corpo, a corpolatr ia. Sade, sexualidade, aparncia, so maneiras da

    ideologia dominante mant-lo disciplinado, o adequando moderna

    perspectiva do indivduo: independente, autnomo, narcsico, distante do

    mundo, e ainda dividido.

    O corpo da atualidade, apoiado no conhecimento cientfico, se auto-

    fragmenta, se estereotipa. O corpo sujeito da ideologia dominante mantido

    dentro da viso dicotmica, que o encarcera e o afasta de si. Nas palavras de

    Susan R. Bordo citada por Viana (2000:5):

    nossos princpios pol t icos conscientes , nossos engajamentossociais , nossos esforos de mudana podem ser solapados etrados pela vida de nossos corpos no o corpo inst int ivo edesejante concebido por Plato, Santo Agost inho e Freud, mas ocorpo dci l e regulado, colocado a servio de normas de vidacul tural e habi tuado s mesmas .

    O corpo est escondido sob concepes que lhe so impostas e lhe

    sobrepe. Discursos se multiplicam; no discursos do corpo, mas sobre o

    corpo, que em sua luta milenar para se tornar sujei to, se v objeto de

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    ditaduras de modernidade, dentre elas a da aparncia. Uma mult ipl icao de

    discursos que se constrem em meio s condies de mutao oferecidas pela

    tecnocincia, como inst i tuies avassaladoras no seu vis empresarial

    (Villaa e Goes, 1998:11).

    No culto ao corpo, a corpolatr ia, a questo da aparncia surge como

    uma arma ideolgica de controle social . Ao mesmo tempo, constata-se o

    aumento da procura por lugares que cultuam o corpo como ginsticas, dietas,

    consumo de drogas, cosmticos, terapias. Nunca na histria essa preocupao

    foi to grande, preocupao essa que se adequa moderna perspectiva do

    indivduo: independente, autnomo, cada dia mais ocupado com seu sel f , mais

    afastado do outro. Quanto menos social , mais coerente com a idia do

    liberalismo. Renaut ci tando Tocquevil le assim descreve esse homem moderno

    (...) no sendo ricos ou poderosos o bastante para exercer grande influncia sobreo destino de seus semelhantes, conservam ou adquirem instrues e bens suficientespara bastar-se a si mesmos. Nada devem a ningum; habituam-se a considerar-sesempre de forma isolada e at imaginam que seu destino esteja em suas mos.Assim, a democracia no s leva cada homem a esquecer-se de seus antepassados,mas tambm lhe esconde seus descendentes e o separa de seus contemporneos;sem cessar, ela traz de volta para si mesmo, ameaando enclausura-lo inteiramentena solido de seu prprio corao. (TOCQUEVILLE apud RENAUT, 1998, p.31).

    Paralela cultura do narcisismo, outras s i tuaes transparecem: o

    coletivo, seu sentimento e prtica, cedem lugar ao individualismo; h uma

    desvalorizao do pblico e valorizao do privado. Nota-se, segundo Louis

    Dummont, que h um aumento do sectarismo na forma de comportamentos

    baseados em preconceitos de raa, cor, credo, ptr ia, cdigos de honra e

    finalmente de gnero (Dummont apud Silva, 1997:1564).

    O corpo da modernidade, apoiado no conhecimento cientf ico que o

    separa da alma, transformado em mercadoria em exposio:

    O processo de privat izao cul tua, concomitantemente aestruturao da esfera pbl ica e a organizao dapersonalidade, forando os indivduos a se envolverem com asques tes do eu e se preocuparem com a forma deapresentao da sociedade (Sennet apud Si lva, 1997:1565).

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    Criou-se a necessidade de trabalhar a aparncia para se apresentar

    melhor em pblico, e essa necessidade abre caminho para o boom de lugares

    para se trabalhar a aparncia do corpo. Essa necessidade vai desembocar no

    distanciamento da pessoa com o mundo, na auto-fragmentao, na criao e

    aumento de esteretipos, na discriminao dos diferentes:

    na modernidade, uma pol t ica de ident idade e di ferenagarante as margens de segurana e perigo. O di ferente precisaser colocado fora das fronteiras: negros, es trangeiros, animais ,classes inferiores , doentes e as mulheres.

    (Vil laa e Goes, 1998:94).

    No paradoxo da modernidade, e envolvida em suas teias est a

    mulher, e tambm sua corporeidade oscilante entre discursos, principalmente

    o da aparncia. Segundo Zilda F. Ribeiro (1998:44).

    Por este imaginrio ter s ido modelado dentro da nossasociedade ocidental que tem o corpo da mulher como modelo, que ela se v sob o imperat ivo do corpo, sob mil aspectos, e ,assim, ela expropriada de seu prprio corpo.

    Depois de muitas batalhas vencidas e de se alcanarem posies

    importantes atravs da luta dos movimentos feministas, as mulheres, mais que

    os homens, so vt imas do sis tema, que como por vingana pelas conquistas

    femininas, lana seus poderosos tentculos de coero e convencimento na

    forma de discursos sobre o corpo, como por exemplo, o da aparncia.

    Em comparao com qualquer outro perodo,

    ns mulheres estamos gastando muito mais tempo com otratamento e a discipl ina de nossos corpos como demonstraminmeros es tudos . Numa poca marcada pe la reaber tura dombito pbl ico s mulheres, a intensi f icao de tais regimesparece diversionis ta e desmobilizadora

    (Bordo, 1988:20).

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    Conforme Antonio Ribeiro sobre o corpo se edif icou a imagem de

    uma dcada (anos 80). Dele se extraram todas as metforas, (corpo pol t ico,

    social , textual ,) e para ele se encaminhou toda uma terminologia de

    exaltao existencial o prazer, o gozo, a fruio (1999:11).

    Ainda Ribeiro (1999) estabelece o corpo como suporte e produtor

    de sinais , reconhecendo o lugar que ele, suas funes e sua somatizao tem

    na comunicao. Nomeia o corpo como Hi-Fy , aqueles de al ta f idelidade em

    sua performance, o corpo sarado de hoje, que , af inal , a recuperao do ideal

    art s t ico dos escultores da Grcia clssica. H tambm o corpo l ivro, de onde

    se pode falar da comunicao que dele desprende e de sua capacidade de

    originar artes-l inguagem e se revelar .

    Quer dizer , de uma prt ica que, assente na discipl ina f s ica,ul trapasse seu vetor at lt ico e se impe como algo mais naordem comunicacional e do enigma exis tencial , pol t ico, social ,his trico, etc

    (Idem 1999:12).

    Nas ltimas duas dcadas uma cultura do corpo se firmou retendoem sua teia o alfa e o mega , o gozo e o vrus o amor e a morte. Para

    alguns vive-se uma poca de l ibertao do corpo, mas a lgica trabalhada por

    Michel Foucault (1991:29), alerta de que h uma microfsica do poder posta

    em jogo pelos aparelhos e inst i tuies, que signif ica encarceramento.

    Veiculam na atualidade inmeros discursos sobre o corpo, o mais forte deles

    o do corpo-mercadoria, dentro deles, subliminarmente o poder simblico

    (Bourdieu, 1998), se exerce em cumplicidade com a cultura, que para

    Eagleton (1995:252) est profundamente imersa na estrutura de produo de

    mercadorias.

    Tudo contribui para se manter o corpo como objeto, para a

    manuteno da dicotomia corpo-espr i to. No entanto, revelia do sis tema,

    devagar se levantam vozes que desejam traze-lo de volta sua unidade

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    original , faz-lo sujei to de sua histria e de sua existncia, superando os

    equvocos que ele traz em seus registros.

    Parte II

    A contracultura, a ps-modernidade e a Nova Era

    A part ir de 1960, o mundo ocidental viveu grandes transformaes,

    e desde ento vem assistindo a movimentos scio-culturais que modificaram

    de maneira s ignif icativa, grande parcela de sua populao. Novos

    comportamentos, idias e palavras de ordem chegaram para revirar oStablishment, o Sistema, mudando o rumo e o ritmo, literalmente, de jovens e

    intelectuais nos Estados Unidos, depois se espalhando pela Europa e demais

    pases do continente americano.

    A Contracultura atuando de forma contestadora e original , se

    caracterizou como um movimento scio-cultural de grande poder de

    mobilizao, influenciando com seu apelo l ibertrio diferentes grupos, com

    diferentes l inguagens e objetivos. Ela, que a princpio parecia s ummovimento fest ivo enchendo as ruas com cabeludos, de roupas coloridas,

    pinturas pelo corpo, mist icismo, drogas e um tipo especial de msica, logo se

    mostraria como uma fora de contestao poderosa que confrontava os

    valores da cultura ocidental , principalmente o racionalismo e a tecnocracia.

    Na poca do surgimento desse movimento scio-cultural, os EUA

    viviam um tempo de modernizao, planejamento e racionalizao. No ps-

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    guerra, o grande desenvolvimento industrial se aliou ao consumismo,

    massif icao, burocratizao e valorizao das questes tcnico-

    cientfico-racionais em detrimento das sociais e humanas, gerando uma

    ati tude contrria que f loresceu principalmente entre os jovens. essa forma

    social chamou-se tecnocracia. Mas, o que a tecnocracia?

    Theodore Roszak (1972:19) esclarece:

    Quando falo em tecnocracia, ref iro-me quela forma social naqual uma sociedade industr ial at inge o pice de sua integraoorganizacional . o ideal que geralmente as pessoas tem emmente quando falam de modernizao, atualizao, racionalizao,planejamentos. Com base em imperat ivos incontes tve is como aprocura da ef icincia , a segurana socia l , a coordenao emgrande escala de homens e recursos, nveis cada vez maiores de

    opulncia e mani festaes crescentes de fora humana-colet iva,a tecnocracia age no sent ido de el iminar as brechas e f issurasanacrnicas da sociedade industr ial

    A Contracultura se apresentou como uma forma de resistncia

    desumanizao, transformao das pessoas e da natureza em objetos

    manipulados pela especializao estabelecida. Por tudo isso, buscar viver

    novos valores, experimentar novos padres, voltar vida em comunidade,

    natureza, alcanar nveis de conscincia mais elevados, eram as orientaesdaquele momento histrico.

    Harris , (1978:179) ci tando Roszak diz:

    a Contracul tura salvar o mundo dos mitos da conscinciaobjet iva. Ela subverter a viso de um mundo cient f ico e asubst i tuir por uma nova cul tura, na qual capacidades nointelect ivas tero o poder supremo.

    O aparecimento de formas de resistncia colocado por Morin

    (1986:13) da seguinte forma: a sociedade burguesa, pelo seu prprio

    desenvolvimento, gera as contradies que a minam, isto , opera

    simultaneamente um duplo processo de auto-produo e de auto-destruio.

    Para ele a Contracultura uma reao inspirada nos valores da

    tecnocracia (1986:14), estranha e host i l tradio posit ivista-ocidental .

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    Diferente das mobil izaes pol t icas da esquerda, a fora da cr t ica ao

    sistema surpreendia e transformava legies de jovens numa fora expressiva.

    Esperava-se uma nova era, um mundo novo com novos valores e

    signif icaes, para uma gerao que herdara da passada a guerra do Vietn e

    a violncia racial , entre outras mazelas.

    Essa cultura nascente era a chamada cultura underground, no

    oficial , sedutora e questionadora. Seus albores so encontrados nos anos 50,

    nos EUA, com os poetas da beat generation , entre eles Allen Ginsberg, Jack

    Kerouak e o escritor ensaista Norman Mailer. Na msica surge o rockn roll ,

    cuja figura proeminente era Elvis Presley, provocador de delrios: era a arte

    expressando a rebeldia comportamental da juventude transviada, cujo cone

    era o ator James Dean.

    Nos anos 60 o movimento toma maiores dimenses: na dana,

    Merce Cunninghann, Twyla Tharp e outros vo para a rua, danar entre as

    pessoas, recorrendo ao inusitado desse espao cnico. Aparecem os Beatles ,

    Bob Dylan e Joan Baez; no Brasil a vez do Tropicalismo.

    No interior da Contracultura encontramos diversos grupos, falando

    linguagens diferentes, consumaram objetivos comuns. O movimento hippie,

    com suas comunidades, seu jei to al ternativo de viver, sua espontaneidade e o

    desejo de Paz e amor; o movimento estudanti l , a Nova Esquerda, que

    pensava a pol t ica fei ta de engajamento pessoal e no de abstraes, teve

    papel at ivo. No Brasil foi suporte de recusa ditadura mili tar.

    O ano de 68 nos EUA, na Europa e no Brasil foram marcantes para

    esse movimento. Nomes como o de Herbert Marcuse, McLuhan, Andy Warhol,

    Thimoty Leary, Allan Watts , Ginsberg, entre outros, avalizavam a luta no

    violenta desses grupos e enquanto intelectuais se inseriam no contexto da

    Contracultura.

    o que se observava por toda parte era uma tentat iva derenovar e atual izar o instrumental terico de anl ise da cr t icasocial mais progressis ta, no sent ido de dar conta das novasreal idades que se apresentavam queles que se empenhavamnum projeto e numa prt ica de transformao social nas novascondies de desenvolvimento industr ial e af luncia que

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    caracterizavam especialmente as sociedades europiasocidentais e norte-americana

    (PEREIRA, 19__:41).

    O Black Power, ou poder negro, ocupou papel de destaque nos anos

    60, e al iando-se aos jovens brancos da classe mdia na contestao diante da

    opresso e da injustia a que eram submetidos pelo sis tema Wasp americano,

    que lhes negava seus direitos civis. Sua figura mais brilhante foi Martin

    Luther King, que sonhava com a conquista desses direi tos de forma no

    violenta, e ainda hoje podemos nos lembrar de sua f igura marcante e suas

    palavras I have a dream.. . mas o sonho da no-violncia durou pouco para

    o movimento negro ao aparecer em cena o Black PhantherParty , que pregava

    uma atuao mais agressiva.

    Emergem tambm os movimentos de minoria, como por exemplo o

    Gay Power, pelos direi tos dos homossexuais . Outro grupo que se fez ouvir

    com muita propriedade foi o Womens Lib ou movimento feminista que chama

    a ateno, segundo Bicalho (1999:17) para

    a necessidade de no se acei tar a construo da desigualdade

    sexual just i f icada pelas di ferenas biolgicas, sal ientando apossib il idade de descons truo de dogmas que natural izam ainferioridade do feminino em relao ao mascul ino.

    A Contracultura tambm agregou ao seu redor e em oposio ao

    tecno-cientificismo do sculo XVIII e suas conseqncias, pessoas e grupo de

    pessoas que segundo Albuquerque (1998:2),

    const i turam uma resis tncia que se concret izou atravs daprocura por saberes e prt icas a l ternativas sociedadeocidental moderna, como a valorizao do artesanato, osmovimentos ambiental is tas , a procura por rel igies orientais ecris ts , o resgate da cul tura popular e indgena, a prt ica dayoga, a vida em comunidade e a busca de estados a l terados deconscincia, atravs do xtase rel igioso, da msica e dasdrogas.

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    Como projeto de mudana social , a Contracultura, entre o sonho e a

    realidade, entre a utopia e a radicalidade, funcionou, efet ivamente e

    afetivamente. Esse happening que tantas idias difundiu, abriu espao cr t ico,

    pol t ico e cultural em grande parte do planeta. Props uma nova forma de se

    apropriar do real , uma nova sensibil idade, trazendo uma nova concepo denatureza e de ser humano, resgatando aquela idia da total idade do corpo, um

    corpo l ivre de qualquer opresso, l ivre, leve e solto (Rita Lee). Esse era o

    sonho.. .

    Na vaga da onda da Contracultura, cientis tas sociais e tambm os

    intelectuais comeam a falar e escrever sobre a sensao de se estar vivendo

    uma poca de transio, um no saber para onde se est indo ou onde se

    chegar, a instalao de um sentimento de que as grandes verdades caem uma uma. Tem-se a sensao de que essa poca marcada por uma condio, que

    chamada condio ps moderna. Ela no um movimento social como a

    contracultura, ela apenas uma percepo, e como no renascimento, todos

    percebem ser uma poca de mudanas, mas no sabem interpret-la.

    A ps-modernidade carac ter i zada por uma evaporao dagrand narrative o enredo dominante por meio do qual somos

    inseridos na his tria como seres tendo um passado def inido um futuro predizvel

    (Giddens, 1991:12).

    Ela nos faz perder o sentido de coletividade, perdendo-se a noo

    dos projetos sociais colet ivos que tanto, moveram as sociedades. O

    individualismo a prtica atual , desvalorizando o pblico e valorizando o

    privado. Na ps-modernidade as fronteiras no existem e as comunicaes

    cada dia se ampliam mais, todos envolvidos numa teia, globalmente.

    Segundo Berman (1992:13),

    ser moderno viver uma vida de paradoxo e contradio ( . . .) ser ao mesmo tempo revolucionrio e conservador: aberto a novaspossib il idades de experincia e aventura, aterrorizado pelo abismonii l is ta ao qual tantas aventuras modernas conduzem, naexpectat iva de criar e conservar algo real , ainda quando tudo emvol ta se desfaz.

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    A part ir dos anos 80, sobretudo, comeou-se a definir a mentalidade

    contempornea, conforme afirma Josef Lamberts (1995:173),

    com um termo tomado de emprst imo arqui tetura e l i teratura,a saber , o t ermo ps-modernidade. Des te modo se quer principalmente indicar a dv ida profunda sobre o que era ( ) tocaracters t ico da poca moderna: cega conf iana no progresso, nopoder da razo, nos bene f c ios trazidos pela c inc ia , no ideal deuma total auto-determinao na l iberdade e igualdade, nasgrandes ideologias que como sis temas de expl icao universalquerem dar um sent ido s pessoas . Para o homem ps moderno, onosso conhecimento fragmentrio, a nossa expl icao provisria,e o nosso poder relat ivo. Segundo algumas pessoas, o f im damodernidade signi f ica a destruio da natureza, a dependnciaem relao aos produtos sempre novos do progresso tecnolgico

    que sat is fazem nossas necessidades art i f ic iais , a ant icul turaembrutecedora que nos imposta pela mdia, a eroso dal inguagem.

    Apresentando em seu interior as faces da ps-modernidade, outro

    movimento veio para f icar: a Nova Era, surgido nas lt imas dcadas, ele vem

    ganhando espao na mdia e sua presena na sociedade vem crescendo.

    A Nova Era f i lha do nosso tempo, e portanto deve ser l ida apar t ir dos acontecimentos cu l turais , socia is e ideolgicosacontecidos nas l t imas dcadas

    (CONTEPOMI, 1998:1) .

    As grandes transformaes sociais como a queda do comunismo, a

    globalizao da economia, o f im da guerra fr ia, t rouxeram junto novos

    valores, contrapondo-se aos modelos tradicionais estabelecidos. Discursos

    advindo da contracultura, da medicina natural , da experincia mst ica, da

    fi losofia hols t ica, do esoterismo, do ocult ismo e da ecologia, que apesar de

    diferentes, vieram se cruzar e se encontrar no movimento da Nova Era, o qual

    acompanha um processo de descoberta das f i losofias e rel igies orientais e

    reencantamento do mundo, ocorridos a part ir da dcada de 60.

    Desde o Renascimento havia uma procura por compreender como

    ser humano e natureza se relacionavam. A doutrina atr ibuda a Hermes

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    Trimegistro, o hermetismo, j procurava atravs da sensibil idade e da

    intuio entender Deus e a salvao. Procura que se perdeu pelo trajeto da

    histria, pois a part ir dessa poca o cientif icismo desbancou a intuio. No

    sculo XIX, Allan Kardec funda o movimento Espri ta, e nessa mesma poca

    Oriente e Ocidente se encontram, atravs da descoberta de outras civil izaescomo o Egito, ndia e Amrica Central .

    A idia de um reencontro entre Oriente e Ocidente abre seucaminho nos meios americanos do sculo XIX, que procuravamuma al ternat iva para o ni i l ismo enal tecido pelo racional ismo epelo maquinismo da poca

    (BERGERON, 1994:39).

    Em 1875 fundada a sociedade Teosfica, cujos conceitos vieram

    habitar o mundo contemporneo. Essa e outras vertentes do pensamento

    mstico-esotrico aps surgirem so mantidos em espaos reservados at a

    metade do sculo XX, quando uma grande massa de imigrantes asiticos, nos

    anos 60 chegam aos Estados Unidos e com eles suas filosofias e religies.

    Nesse meio tempo estava em andamento a contracultura americana. Ao

    absorver a sabedoria oriental e junt-la ao uso de drogas alucingenas

    descobriu-se nveis modificados de conscincia, que conduziram as pessoas

    ao seu interior , ao sel f , favorecendo inclusive o desenvolvimento da

    psicologia transpessoal que admite uma dimenso espiritual no ser humano.1

    Contudo, na dcada de 80 que o fenmeno chamado Nova Era

    explode, com o lanamento do l ivro A conspirao aquariana, de Marilyn

    Ferguson, que favoreceu a disseminao das idias desse movimento.

    o pensamento da Nova Era const i tui um feixe de orientaoque apresenta aos seguidores uma oferta de sent ido ao mal estar produzido pela modernidade

    (Kenzlen, 1994:64).

    1 A psicologia t ranspessoal ocupa-se direta ou indiretamente, do reconhecimento, dacompreenso, e da real izao de estados no ordinrios, mst icos ou transpessoais daconscincia (Capra, 1982:358). Entre seus principais representantes temos: StanislavGrof, Ken Wilber , Abrahan Maslow, Roberto Crema, Pierre Weil entre outros.

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    Ancorada numa viso de mundo hols t ica, vendo o ser humano como

    parte do divino, que busca a superao do eu em direo conscincia

    csmica, evoluo. A esperana nesse novo homem que construir um novo

    mundo, so as bases que se al iceram os conceitos da Nova Era.

    A Nova Era permite a s i mesma uma pausa de repouso e sonho,aps a invaso das mquinas; reprope o t ema da natureza , aredescoberta do inf ini to da conscincia, e retorna festa dacriao, aps ter provado a hybris da tcnica como negao dequalquer l imite para o poder instrumental concedido ao homeme aps ter subjugado a natureza por meio de uma obra de totaldessacral izao

    (Terr in, 1994:20).

    Leila Amaral identifica a Nova Era como um fenmeno sociolgico

    cuja chave espir i tual e t ica est ancorada na crena de queDeus, ou a per fe io , encontra-se no in terior de cada indiv duoe na busca de integrao entre corpo, mente e espr i to

    (1994:13)

    Nesse ambiente de renovao que o mundo assist iu nas lt imas

    quatro dcadas, a sociedade al ternativa, como pode ser chamada a parcela

    social que assumiu a ideologia e a prtica dos movimentos scio-culturais

    acima mencionados, trouxe consigo dentro de sua nova viso de mundo uma

    nova viso de corpo, pois sendo ele uma construo cultural , perpassado

    por todos os acontecimentos. Esses movimentos trouxeram uma nova reflexo

    sobre o corpo, expondo-o e fazendo-o emergir , no dualis t icamente, mas com

    um discurso unitrio, segundo Crema (1994:126) pois a viso holtica, holos

    vem do grego, todo, inteiro, v o corpo se confundindo com o sujei to, o eufazendo parte do todo. Ainda segundo Crema, a holst ica considera a

    total idade e suas partes, evi tando os extremos do reducionismo e do

    totali tarismo.

    Tornou-se portanto, um movimento privi legiado da Nova Era asuperao das fronteiras e das barreiras impostas pela cinciana concepo dual is ta de matria e espr i to. A recusa da visoobjet ivis ta clssica na qual o corpo era considerado como uma

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    mquina e a mente, ao invs, era vis ta por um todo inat ingvel . . . a marca regi s t rada da Nova Era

    (TERRIN, 1994: 24).

    O discurso novoerista da sel f rel igiosi ty veio confirmar o corpo

    como sagrado, lugar de Revelao, de encontro consigo mesmo, com Deus e

    com o outro. Ele o meio facil i tador das experincias que possibil i tam

    superar os l imites e transcender, e atravs de tcnicas psicossomticas novas

    e tradicionais se descobre a espir i tualidade que habita o corpo. Fazem parte

    dessas tcnicas as prticas da yoga, do zen-budismo, o uso de drogas para

    modificar a conscincia e torn-la receptiva, o transe, o xamanismo.

    A Contracultura e suas vertentes tambm foram muito importantes

    para que novo olhar se f ixasse sobre o corpo. O movimento juvenil e

    intelectual que a part ir de 1960 tomou o ocidente tornou possvel enfrentar as

    armadilhas que a sociedade de consumo, sua ideologia e pol t ica armam para

    as pessoas, usando seus corpos para controle social .

    O movimento hippie e o movimento feminista iniciaram um protesto

    com objetivo de denunciar o uso do corpo como objeto, a represso sexual, e

    a explorao de sua eficincia produtiva. Os negros americanos lutaram

    contra o aparthaid racial e social e por seus direitos civis; os homossexuais

    por l iberdade de opo sexual e por respeito essa opo, e as organizaes

    de direi tos humanos clamaram contra a violncia f s ica e s imblica que

    massacrava meio mundo, principalmente nos pases subdesenvolvidos.

    Movimentos como esses deixaram uma herana, apesar da fora de

    influncia da sociedade de consumo, que faz corpos e pessoas disciplinados e

    individualizados, uma herana de esperana na re-humanizao e na

    ressacralizao do ser humano, reconduzindo atravs do corpo a s ntese e o

    sentido da vida. o corpo, que se supera alm de si mesmo e carregado de

    signif icao e sentido que abarca a total idade da pessoa (RIBEIRO,

    1998:35).

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    SEGUNDO ATO

    Parte I

    Breve Histria da Dana

    A Dana No Perodo Paleoltico e no Neoltico

    No princpio era o ritmo, e o ritmo era o movimento. Os homens e

    mulheres mais antigos instintivamente descobriram o ritmo do universo: o

    sistema solar onde planetas e estrelas se moviam, as estaes do ano, o dia e

    a noite, a lua e o sol. Os vegetais e os animais nasciam, cresciam e morriam.

    As mares subiam e desciam. O corao batia, o sono seguia-se vigl ia. . .

    Tudo tendo uma durao, acontecendo em intervalos regulares, o tempo

    fluindo. Nosso ancestrais primitivos vivenciaram e testemunharam essa

    ordenao natural , descobrindo um ri tmo interno e um ri tmo externo, se

    movimentaram em concordncia com ele, sendo esse o momento mais

    longnquo da dana.

    Curt Sachs, em A World History of Dance diz:

    A dana dos animais, especialmente a dos macacosantropides, prova que a dana dos homens , em seuincio, uma agradvel reao motora, um jogo quefora a energia excessiva em um padro rtmico(Sachsapud Langer, 1980).

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    No Paleol t ico superior , tudo leva a crer que os humanos viviam

    num nvel econmico improdutivo, coletavam ou capturavam seu al imento,

    num individualismo primitivo, numa organizao social instvel , se

    agrupando em pequenas hordas, no acreditando em deuses, vivendo uma vida

    prtica que girava em torno da sobrevivncia.

    Nessa poca de vida puramente prtica, tudogravitava, como obvio, em torno da merasubsistncia, e nada just i f ica, portanto, supormos que aarte servia a qualquer outro propsito que no fsse ode consti tuir um meio para a obteno de al imentos.Todas as indicaes apontam, mais exatamente, para ofato de que se tratava do instrumento de uma tcnicamgica, e como tal , t inha uma funo inteiramente

    pragmtica que visava alcanar objetivos econmicosdiretos. Essa magia nada t inha de comum com aquiloque entendemos por rel igio, ( . . . ) era ao mesmo tempoa representao e a coisa representada, o desejo e arealizao do desejo (Hauser, 1995:4).

    Danar, nesse tempo, era o estabelecimento de uma relao com a

    natureza, fazer parte do movimento universal , e talvez subjug-lo. Isso

    mostra os desenhos nas cavernas de Gabillou, na Dordonha (12.000 a.C.) , deTrois frers, em Arige (10.000 a.c.) , da gruta de Palermo, 8.000 a.C., de

    Lascaux, Altamira e Combarelles.

    No Paleol t ico no havia a dana como forma decorativa ou

    expressiva. Ela tinha sim um fim prtico, utilitrio, ligada magia, e as

    figuras humanas disfaradas de animais, interpretavam danas mmico-

    mgicas. Costa, ci tando Boucier , af irma que datam de 14.000 anos os

    primeiros documentos a apresentar um ser humano envolvido em aesconsideradas de dana (1998:20).

    No perodo Neol t ico, no se procurava mais concretizar

    art is t icamente a experincia cotidiana, mas f ixar-se na idia, no conceito,

    criar s mbolos. Acontece nesse ponto uma mudana radical na cultura,

    representando um corte na histria da humanidade, cujo ambiente material e

    estrutura espir i tual vem-se frente uma transformao to grande, que o

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    vivido anteriormente f ica parecendo inst intivo, animalesco: nesse ponto o ser

    humano deixa de caar e coletar e passa a produzir seu al imento.

    Domesticando animais e plantas, tem seu primeiro triunfo sobre a natureza,

    tornando-se mais independente e se organizando socialmente de forma

    diferente da anterior . Mudam-se o contedo e o r i tmo da vida dos povos dessetempo. A, os ritos religiosos e os atos de culto assumem agora o lugar da

    magia e da fei t iaria (Hauser, 1995:11).

    No Paleol t ico, havia a ausncia de culto. Dominados pelo medo,

    (da fome, da morte, dos inimigos), os humanos se valiam da magia, mas no

    relacionavam a sorte boa ou m a qualquer poder superior . No Neol t ico, ao

    cult ivar plantas e criar animais que sentiram que dependiam de poderes que

    podiam determinar o rumo de suas vidas. Da dependncia surge a idia depoderes superiores, concebidos como desconhecidos e misteriosos, foras

    sobrenaturais e sobre-humanas. O mundo se divide, e o ser humano tambm.

    O animismo toma forma, surgem os cultos, a idia da alma que sobrevive ao

    corpo, o sagrado e o profano.

    A part ir da a dana j expressa emoes e idias, tomando parte

    principalmente nos cultos religiosos, os sacerdotes e magos como

    elaboradores de uma dana mais complexa que a do perodo anterior .

    A Dana nas Antigas Culturas

    Com o passar do tempo as tribos se formam em naes, que se

    diferenciam cultural e socialmente, passando do individualismo natural para a

    cooperao na coletividade, vendo as cidades crescerem, o comrcio e amanufatura ascenderem e o incio da dist ino de classes. A dana continuava

    presente como prtica usual tanto nas lidas sagradas, como nas profanas.

    A vida cotidiana era envolvida pelos cultos rel igiosos, e nos

    templos a dana passa a ser executada por especialis tas , iniciados nessa arte

    sagrada esse tempo mais hermtica e codificada. So os primeiros

    profissionais , vindos de uma diviso funcional da at ividade art s t ica em

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    rel igiosa e secular . O objetivo da dana rel igiosa continua sendo parte de

    ri tos de iniciao, de expiao, pela proteo contra todos os perigos da

    natureza, preparao para lutas, etc.

    Na ndia, a dana de Shiva, expressa uma viso da criao do

    universo, sua manuteno e destruio, a reencarnao do ser humano e sua

    libertao, e sendo Shiva um deus bailarino, no seu r i tmo que a vida f lui .

    Ananda Coomaraswy, ci tada por Garaudy (1980:16) diz: a ndia fz da dana

    de Shiva a mais clara imagem da at ividade de Deus que qualquer arte ou

    religio possa orgulhar-se.

    L, as mulheres que danavam nos templos tinham privilgios e

    l iberdades, formando uma casta especial . Recebiam o nome de devadasi que

    signif ica serva de deus. Consagradas um deus ou a um templo, recebiam

    salrios, seu cargo era hereditrio, e t inham como dever alm de manter o

    fogo sagrado aceso, cuidar do templo e dos utensl ios sagrados. As

    coreografias, codif icadas, na antigidade permanecem as mesmas at a

    atualidade.

    Para os chineses, a dana t inha uma finalidade didtica: ensinar

    moral e f i losofia. Danas lentas e graves chamavam a ateno para o belo e o

    bom, e sua influncia chegou ao palcio do Imperador, que as usava para

    reforar o dever de obedincia a s i pelos seus sditos.

    No Japo a dana servia de l igao entre os homens e os deuses.

    As danas de cerimnia foram criadas e inst i tudaspelos sacerdotes xintostas para expressar osmandamentos dos deuses e para fortalecer as precesdos crentes (Ossona, 1988:52).

    Essas eram executadas desde a antigidade pelos sacerdotes

    chamados mikos , que atravs do movimento eram tomados de xtase ou

    possesso divina. Em sinal de respeito terra, os passos se arrastavam pelo

    cho, a pelvis era mantida mais baixa, e o uso de um contratempo dava s

    danas um sentido diferente de tempo e espao, um trato estt ico especial .

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    J no Egito, tambm os bailarinos dos templos pertenciam uma

    classe especial, muitos vindos de outros pases por se destacarem enquanto

    danarinos. A dana profana t inha a sua importncia nos palcios, de onde se

    tem notcia de um corpo profissional de dana, que no Egito trabalhada

    mimicamente, representando o que o teatro o fazia na Grcia.

    Os sacerdote s astrnomos representa vam os movimentos celestes

    com uma coreografia elaborada segundo Garaudy,

    este bal simblico, contemporneo do nascimento daastronomia, ensinava aos f i lhos do homem, pelomovimento f igurado dos planetas, as leis que regiam ociclo harmonioso dos dias e das estaes, as leis que

    permit iam prever e portanto controlar as cheias doNilo, tornando-as j no destrutivas, mas fecundantes,com a preparao em tempo ti l , de diques e canais!(1980:15).

    As danas fnebres e as cerimoniais eram como uma procisso, os

    movimentos t inham como caracters t ica a l inha reta e os desenhos

    geomtricos.

    Quanto aos hebreus, o antigo testamento relata suas expressesdanantes, onde tudo indica que reis e profetas eram seus l deres, e que

    tinham a forma da dana coral onde o povo celebrava tanto as vitrias

    guerreiras como os fatos religiosos.

    Paulina Ossona (1988:56), conta sobre danas criadas e institudas por Judas

    Macabeu, para comemorar a vitria contra os generais de Antiochus Epfane, em forma de

    procisso, onde todo o povo participava.

    No livro do xodo (15,20),

    Miriam e todas as mulheres saram a receber Moises eos f i lhos de Israel que retornavam do Egito, tocandopandeiros e danando enquanto cantavam.

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    Em I Samuel (6,5) encontra-se o relato de Davi conduzindo a Arca

    de Deus:

    Davi e toda a casa de Israel danavam, com todas as

    suas energias, cantando ao som das c taras, dasharpas, dos tamborins, dos pandeiros e cmbalos.

    E, em I Samuel (10: 5-13),

    e acontecer que entrando na cidade, te defrontarscom um bando de profetas, que vem descendo do alto,precedidos de harpas, tamborins, flautas, ctaras, eestaro em delrio.

    Nesse texto onde Samuel conversa com Saul, os profetas ci tados

    so os tambm chamados filhos dos profetas, que eram profetas do campo, os

    profetas extt icos, pois buscavam na dana e na msica o xtase, o delr io

    divino.

    Distinguindo-se da arte Egpcia, e de suas semelhantes Assria e

    Babilnica, a arte Cretense tinha um carter exuberante, colorido, l ivre. Omotivo desta distino supe-se ser um domnio menor da religio e seus

    smbolos nessa regio, onde no se encontrou grandes monumentos como

    templos ou esttuas, s pequenos dolos. Era um povo mercador, aberto

    inovaes, com um governo menos autocrtico que os demais e que pela

    influncia de outros povos, aprimorou sua cultura.

    historicamente estabelecido que a cultura Cretense se espalhou

    pela Grcia continental , e que a dana t inha papel importante na l i turgia e nodia-a-dia desses povos. Nos ritos e cerimnias cvicas ou religiosas, festejos,

    educao, treinamento mili tar , em tudo havia dana.

    foi na i lha ascendente, segundo os quali tat ivos deHomero, que os deuses ensinaram a dana aos mortais,para que estes `os honrassem e se alegrassem`(Boucier , 1987:20).

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    Uma simples referncia arte grega traz a qualquer um a lembrana

    de uma cultura al tamente elaborada, cuja produo art s t ica e f i losfica

    considerada clssica. Assim, a dana grega era a manifestao dessa classe,

    dessa f lorescncia. Nas palavras de Plato, ci tado por Garaudy (1980:27),

    podemos imaginar o seu conceito junto aos gregos: a dana um dom dosdeuses. Ela deve ser consagrada aos deuses que a criaram.

    Ted Shawn (apud Lloyd, 1949:3) relata como da dana do trabalho

    (debulhar o tr igo e pisar a uva), se seguia o xtase rel igioso, advindo dos

    movimentos executados por longo tempo e numa mesma cadencia, provocando

    um transe que tomava os trabalhadores e as pessoas que cantavam e danavam

    ao redor deles.

    Fossem as danas ao redor dos altares, as mgicas, as mascaradas,

    as guerreiras, todas procuravam expressar os valores culturais e

    transcendentes que lhes cabiam naquele contexto, danas que aquela al tura j

    se encontravam codificadas, definidas, a coreografia l igada uma funo

    social e comunitria.

    Sobre a dana em Roma, o que pode se dizer que ela decaiu e se

    degenerou.

    Depois do grande f lorescimento da arte grega, osromanos, povos de soldados, administradores elegisladores, que no viveram, do ponto de vistaestt ico, seno de emprst imos e que avil taram tudoque tocaram, degradaram a dana, como f izeram com apoesia, a escultura e a fi losofia (Garaudy, 1980:27).

    Envolvida nessa decadncia, a dana, deixando de ter valorrel igioso e t ico, permaneceu como dana espetculo, se tranformando em

    grosseira pantomina, depois em exerccios acrobticos apresentados nas

    feiras ou nas arenas dos circos romanos, juntando obscenidade e violncia.

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    A Dana na Idade Mdia e no Renascimento

    E foi nesse cl ima que o cris t ianismo encontrou a dana e a

    condenou, condenao que ser sentida por toda a Idade Mdia.

    Apesar disso, ela persistiu, e durante certo tempo foi elemento

    obrigatrio, como por exemplo no misticismo gnstico cristo, no sculo III,

    e fazendo parte da l i turgia da al ta Idade Mdia, o que se just if icava pelo seu

    uso nos r i tuais e servios em tempos anteriores. dana e ao teatro popular a

    condenao era mais pesada, e durante muito tempo art is tas de circo, teatro,

    salt imbancos, no podiam ser batizados nem enterrados nos campos santos.

    Em conseqncia da converso de outros povos da Europa,converso essa que no conseguiu at ingir ou modificar todos os traos

    culturais desses, os romanos cristo acabaram por tomar emprestado alguns

    elementos r i tuais, entre les a dana, o canto, os s inos, as velas, os incensos,

    que a tradio popular conseguiu manter vivos em certas partes da l i turgia.

    ainda que se tenha procurado ext irpar o contedopago das danas, pode-se ver at hoje traos

    danantes transparecendo na l i turgia romana, e,especialmente na ortodoxa, por exemplo, a entrada dopadre como se estivesse andando numa procisso, seusgestos rezando no altar durante a missa (Mendes,1985:17).

    Para Paul Boucier (1987:46), a dana rel igiosa na Idade Mdia era

    uma herana popular que nunca deixou de ser suspeita para as autoridades

    eclesist icas.

    O Hino de Jesus, conhecido como o mais antigo r i tual cr is to,

    data do segundo sculo d.C., e nada mais do que uma dana sagrada.

    Euzbius, no terceiro sculo d.C., af irma que a descrio de Phylos sobre o

    culto dos Terapeutas do Deserto, concordam com a descrio de um costume

    cristo onde a dana t inha papel proeminente, relata Havelock Ell is

    (1983:418).

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    So Crisstomo (apud Ellis, 1983:481), se referia danas em torno

    do altar de Antioquia, s colocando oposio ao excesso de bebidas em

    conexo com o culto; o costume em si era considerado por ele tradicional e

    aceitvel . Na Eucarist ia, a f era gesticulada com as mos, danada com os

    ps, os corpos se movimentando.

    Sendo a funo central do culto cris to divino, o cris t ianismo e a

    dana, tardiamente se transformaram no ritual da Missa. Para os primeiros

    cristos, a dana possua um significado mstico e sagrado.

    Em algumas igrejas inglesas danou-se at o sculo XIV. Em Paris,

    Limoges, e outros lugares da Frana, os celebrantes danavam no coro por

    ocasio da Pscoa at o sculo XVII, e em Roussilon at o sculo XVIII .

    na Espanha, onde a dana mais presente, que adana rel igiosa teve razes mais f irmes e durou mais.Nas catedrais de Sevilha, Toledo, Valncia e Jeres,haviam danas ri tuais, que ainda hoje sobrevivem emcertos fest ivais (Ell is , 1983:482).

    Somente no sculo XII, depois de inmeros interditos, a dana

    finalmente banida da l i turgia, sobrevivendo apenas nas danas macabras,

    danas da morte e contra a morte, numa poca detemor da fome, da guerra e da peste. Na poca da pestenegra (1349), mult ipl icaram-se os fenmenos de transee possesso, com danas convulsivas (Garaudy,1980:29).

    Banida da l i turgia, a dana popular continuava nas feiras, naperiferia dos castelos, no campo, nos pequenos burgos, danas retratadas por

    Brueguel e Rubens, algumas de origem rabe, vindas com os cruzados. Pouco

    a pouco, a nobreza foi se apossando dessas danas, adaptando-as,

    transformando-as, estilizando-as.

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    Com o advento da corte provenal , estabelece-se umcdigo de comportamento social e com le a dana decorte assume caracterst icas especiais, di ferenciandonit idamente da dana do povo (Ossona, 1988:62).

    Proibida como dana sagrada, na Idade Mdia Crist ela passa a

    puro divert imento, evoluindo para a dana espetculo a nica que o mundo

    ocidental conhece hoje (Boucier , 1987:51). Da plebe para a nobreza, durante

    a era medieval ela desenvolveu-se como recreao, entretendo a todos, e at

    hoje lembrada e danada como folclore de vrios pases da Europa, entre elas,

    a pavana, chaconne, gavota, minueto, galharda e a mourisca, que a princpio

    teve um carter ritual representando a luta entre mouros e cristos,

    permaneceu a favorita at o Renascimento, esse tempo bastantedescaracterizada.

    Foi da plebe que surgiu o primeiro mestre de dana, no sculo XV,

    na I tl ia, chamado Guglielmo Ebreu (Guilherme, o judeu), que sob a proteo

    art s t ica do Duque de Urbino e depois de Loureno o Magnfico, escreveu o

    primeiro tratado de dana, podendo-se dizer ser este a semente do futuro

    bal, que tambm nasceu na I tl ia (sc. XV), em parte devido conseqncia

    da secularizao das artes da Renascena, que do domnio dos comanditriosda Igreja, passou a ser s mbolo de r iqueza e poder.

    Catarina de Medicis , ao se casar com o Duque de Orlans, levou

    consigo para a Frana o mestre coregrafo Balthasar de Beaujoyeux e vrios

    danarinos, que transformaram a dana na Frana, cujo auge se deu em 1581,

    com a montagem do Ballet Comique de la Reine, uma juno de dana,

    msica e teatro. Luis XIV, o rei danarino, abriu espao para o crescimento

    do ballet clssico, quando criou a Academia Real de Msica e Dana,codificando e academizando o ballet , para o qual

    a perfeio tcnica tornou-se um f im em si mesmo: oessencial a part ir da , era a clareza, o equil brio e aordem, mesmo que isso levasse rigidez. A arte seseparava da vida e sua expresso (Garaudy, 1980:32).

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    O danarino passou a ser um virtuose, um especialista de uma arte

    cujo interesse era a performance tcnica, resultando num movimento de

    rebeldia dos que queriam uma arte expressando a humanidade, a vida. George

    Noverre foi o mais conhecido rebelde desse movimento que queria um ballet

    mais natural, mais humanizado, idias que foram retomadas um sculo maistarde por Fokine e Diaghilev.

    Do Renascimento, que segundo Burkehardt teve como fator

    fundamental a descoberta do homem e do mundo (apud Hauser, 1995:274),

    at o sculo XX o ballet clssico se desenvolveu, tornou-se acadmico,

    profissionalizou-se, foi para os palcos, assistiu asceno da mulher como

    bailarina, foi romntico. Consagrou-se na Frana e na Rssia, chegando sua

    etapa moderna pelas mos de Diaghilev que inaugurou uma nova fase, Fokinee Nijinsky, um influenciado por Isadora, outro por Dalcroze, Balanchine e

    Lifar, introduze m o neoclassic ismo, e finalmente por Maurice Bejart e

    Roland Peti t , que atravs de novas experincias, aproximam o ballet do

    teatro.

    Paralelamente dana espetculo, nos sales aris tocrticos ou

    populares, os r i tmos vo se al ternando, novas maneiras de danar vo

    surgindo, vo se modificando pela influncia dos intercmbios culturais , ecomo disse Paulina Ossona (1988:68), o povo continuou danando a seu

    modo, para seu prprio al vio e regozijo.

    A Dana Moderna

    O final do sculo XIX e comeo do XX foi como um tempestade.Todas as inst i tuies t inham seus dogmas postos em questo, entre elas a

    arte, que sentiu urgncia na descoberta de uma l inguagem que exprimisse o

    sentimento da passagem do sculo.

    Na pintura, na msica, no teatro e na l i teratura a revoluo veio

    primeiro. Movimentos como o impressionismo, o cubismo, o expressionismo,

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    o fauvismo, o dadasmo, o surrealismo, vieram lutar contra o academicismo,

    negando-o. Na dana no foi diferente.

    depois da gerao dos pioneiros e precursores, dosVan Gogh, Gauguin, Czanne, assim como das IsadoraDuncan, Ruth Saint-Denis e Ted Shawn, queconduziram sua arte terra prometida, vieram oscriadores da arte moderna propriamente di ta. Picassoou Martha Grahan, no mais apenas como uma rebeliocontra o academiscimo, mas como inveno conscientede novos mtodos de criao art st ica, part indo depostulados fundamentalmente diferentes dos da arteclssica, que tanto para a pintura como para a dana,t inham sido formulados no Renascimento e codif icadosno sculo XVII. (Garaudy, 1980:44).

    Para a dana moderna, Isadora Duncan (1878-1927), foi a pioneira.

    Revolucionria, danou descala, se inspirava na arte grega, na natureza,

    abominava a tcnica, e era o l ir ismo em pessoa.

    Desde o incio, nada mais f iz do que danar a minhavida. Criana, danava a alegria espontnea dos seresem crescimento. Adolescente, dancei com uma alegriaque se transformava em apreenso diante das correntes

    obscuras e trgicas que comeava a lobrigar no meucaminho (Duncan, 1935:11).

    Ela impolgava a todos com sua presena bri lhante, seu talento, sua

    liberdade, sua personalidade. Sobre o corpo na dana acreditava que o corpo

    deve se tornar translcido e apenas o interprete da alma e do espr i to

    (Boucier , 1987:251), e sobre a dana, minha idia em relao dana, que

    preciso exprimir os sentimentos e emoes da humanidade (Garaudy,

    1980:58).

    Na concepo de Isadora, a dana, melhor dizendo, a arte, devia

    sentir e expressar o pulsar de uma poca. Engajada poli t icamente, fazia de

    sua dana uma arte l ibertria, lutando contra costumes e inst i tuies

    opressivas. Roger Garaudy viu nela

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    a exigncia de devolver ao crist ianismo as dimensesperdidas do corpo.. . uma pag que sentia intensamentea presena do sagrado (1980:62).

    Autodidata, Isadora no deixou uma escola, uma tcnica, mas sim

    um novo espr i to para a dana. Sua influncia se estendeu por todo o mundo

    ocidental .

    Ruth Saint-Denis (1878-1968), que juntamente com Ted Shawn

    fundou uma escola de dana moderna que formaria uma gerao de

    multiplicadores da mesma, dentre eles Martha Graham, Doris Humphrey,

    Louis Horst e Charles Weidman, teve importncia de sustentao para a dana

    do sculo XX. Assim como para Isadora, para ela a dana devia expressar a

    vida interior , e atravs do aprofundamento e da meditao, torn-la um ato

    religioso.

    A mstica de Ted Shawn, tambm um dos pioneiros, surge na sua

    afirmao de que

    atravs da dana no se diz, mas se . . . e a dana amais al ta expresso do ser (. . . ) aquele que conhece o

    poder da dana, conhece o poder de Deus (Garaudy,1980:73).

    Ruth e Ted acreditavam na essncia rel igiosa da dana, nela no

    exist indo a diviso entre corpo e espr i to, ar te e rel igio.

    J Doris Humphrey (1895-1958), segundo Paulina Ossona

    sublinhou na dana a dignidade e a nobreza do serhumano, que se v em permanente confl i to entre seudesejo de progresso e sua necessidade de estabil idade;entre a paz que oferece equil brio e a atrao doperigo que representa a queda (1988:77).

    Trabalhando com a perda e a recuperao do equil brio, Doris v

    nesse fluxo de movimento a vida, pois viver movimentar-se. Analisou os

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    gestos e os dividiu em sociais, funcionais, rituais e emocionais. Os sociais

    so aqueles que dizem respeito relao entre os seres humanos; os

    funcionais so os do trabalho dirio; os r i tuais os da rel igio, e os emocionais

    os provenientes dos sentimentos humanos.

    Outra grande dama da dana moderna foi Martha Grahan (1894-

    1991), dona de uma personalidade forte, rejei tou Isadora e Ruth Saint-Denis

    nas suas inspiraes na natureza e na mstica, dizendo:

    quero falar sobre os problemas do nosso sculo, ondea mquina perturba os ri tmos do gesto humano e ondea guerra fust igou as emoes e desencadeou osinst intos (Grahan apud Garaudy, 1980:89).

    Enriqueceu e influenciou a dana nos Estados Unidos e outros

    pases. Com movimentos de tenses e tores expressava os labirintos da

    alma, revelando o espr i to mergulhado no escuro. Sintonizada com a teoria

    freudiana, colocava em suas coreografias os confrontos da pessoa e sua

    psiqu, e relacionava a fora do movimento com a fora da emoo.

    Martha Grahan, no dizer de Boucier

    coloca o gesto fundamental ao nvel do torso. De fato,viver respirar, di latar as costelas e depois comprimi-las. Toda a sua dana provm do duplo princpio damar vi tal: tenso e relaxamento, as palavras chavesde Grahan contrair os msculos, sol tar a energiamuscular (1987:279).

    Para Bethsabe de Rothschild, na dana de Martha, um circuitovital parte da cavidade formada entre a coxa e a bacia, volta a subir para o

    corpo e fecha-se sobre si mesmo (apud Boucier , 1987:279).

    No art ist is ahead of his t ime. He is his t ime: i t is just that others are behind the t ime (Graham, 1978:107).

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    Na Alemanha marcada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o

    movimento expressionista abre espao para a dana moderna, espao

    reforado pela influncia de Isadora Duncan e Jaques Dalcroze.

    O movimento Expressionista, em oposio ao Impressionismo,

    privi legiava a emoo, a intuio, o inconsciente,como criadores da obra art st ica que exprimisse umanova viso do mundo, comunicada por uma l inguagemtambm nova, prpria do humanismo (Mendes,1985:62).

    E a dana alem percebeu e expressou o momento estt ico e psico-

    social daquele tempo entre duas guerras mundiais , atravs da tica doexpressionismo, que teve adeptos e tericos importantes, como Jaques

    Dalcroze, Rudolf Von Laban, Mary Wigman, dentre outros.

    Jaques Dalcroze (1865-1950), msico e pedagogo desenvolveu a

    Eurritmia, teoria que fazia do corpo o ponto de passagem para a msica, isto

    , s atravs do movimento se pode perceber e entender o r i tmo. Essa nova

    viso do movimento l iga a educao corporal educao musical . Seu mtodo

    influenciou msicos e danarinos.

    Rudolf Von Laban (1879-1958) desenvolveu uma teoria do

    movimento at hoje em uso por coregrafos e professores de dana. Ele via

    na dana um sentido educativo, na medida em que fazia a pessoa descobrir-se

    consciente, l ivre, dona e responsvel por seu prprio destino. Para ele o

    trabalho e a dana t inham sua origem no movimento do corpo, do qual fez

    uma anlise com relao ao espao. Outra grande contribuio de Von Laban

    foi a criao de uma notao, um tipo de part i tura de movimentos e otrabalho das direes no espao atravs do icosaedro, uma esfera com pontos

    de trangncia.

    foi na dana, ou pensamento por movimento, que ohomem a princpio se apercebeu da existncia de umacerta ordem em suas aspiraes superiores por umavida espiri tual (Laban, 1978:43).

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    Discpula de Dalcroze e Laban, Mary Wigman (1886:1973) foi to

    importante para a dana alem quanto Humphrey e Grahan para a dana

    americana.

    o credo art st ico de Wigman se assenta em duasafirmaes: `sem xtase no h dana, e `sem formano h dana. Ela deu forma ao xtase, unindo odionisaco e o apolneo (Ossona, 1988:75).

    Wigman trabalhava com a idia de um espao limitado, um opositor

    a ser vencido, tarefa no muito fcil . Ao encarar o espao como oposio,

    venc-lo exige sacrif cio, confronto, estabelecendo o movimento como uma

    relao entre a pessoa e o meio em que ele vive. H uma tenso deresistncia. Como no expressionismo, esteticamente falando, surge o

    inesperado, o imprevisto e a fal ta de continuidade, no movimento ou na sua

    inteno.

    Por no estar em consonncia com a ideologia do nazismo, sua

    escola foi fechada em 1940, acusada de representar uma arte degenerada.

    Kurt Joos, que foi bailarino e assistente de Laban cria em 1932 sua

    obra prima, A Mesa Verde. Usando a tcnica do ballet clssico em

    combinao com a dana expressionista, comps essa coreografia quando

    Hitler subia ao poder, e ele por ser judeu se exilava na Inglaterra. Nessa obra

    ele sat ir izava a guerra e tudo que gira em torno dela.

    convencido de que a dana era essencialmente teatro,de que ela deveria expressar na verdade profunda deuma poca e ajudar essa verdade a expandir e seafirmar, Kurt Joos via no expressionismo, como MaryWigman, a forma de dana correspondente sexigncias da nossa poca.

    Esses pioneiros e fundadores da dana moderna ci tados at aqui

    fizeram acontecer a profecia de Duncan, ci tada por Garaudy, de que a dana

    seria

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    a realizao da unidade da vida interior e da vidaexterior integradas numa ao nica. Assim chegariaao f im a era das pedagogias baseadas no dualismo,sobretudo o do corpo e da alma, que se pretendiaformar e desenvolver separadamente (1980:130).

    Alm disso, esse grupo estabeleceu a f i losofia e a tcnica da dana

    moderna uma dana que expressasse as emoes e as paixes da

    humanidade.

    A part ir dos anos cinqenta, principalmente dos anos sessenta, nos

    Estados Unidos e na Europa, o ps-guerra trs uma mudana profunda na

    sociedade, quando novas questes sociais pediam novas respostas,movimentos sociais e art s t icos buscam novas signif icaes e novas

    linguagens. Na dana, um movimento que no rejei tava a tcnica do ballet

    clssico nem da dana moderna, define a dana como arte do movimento, se

    nomeia Nova Dana, Dana Ps-Moderna, e f inalmente Dana

    Contempornea.

    Alvin Nikolis , para quem a dana no deve signif icar , mas exist ir

    como uma realidade autnoma (Garaudy, 1980:136), colocou no palco no so movimento humano, mas o de objetos e acessrios cnicos.

    Merce Cunningham, nega a l igao movimento-emoo, nega a

    l inguagem dramtica e expressiva da dana moderna, e v o movimento com

    uma linguagem inerente ele, sem ter que carregar qualquer s ignif icao.

    Da escola de Nikolis e Cunningham e de Kurt Joos, que foram

    herdeiros de Isadora, Denis , Shawn, Humphrey, Grahan, Wigman, Laban, uma

    gerao de danarinos e coreogrfos, e depois deles uma segunda geraosurgiram no cenrio mundial para fazer da dana o que ela hoje. Os mais

    destacados so Eric Hawkins, Jos Limon, Murray Louis, Susan Buirge,

    Carolyn Carlson, Paul Taylor, Alvin Ailey, Twila Tharp, Trisha Brown,

    Steve Paxton, Pina Bauch, Anne T. Keersmaeker, Jean Claude Gallota,

    George Appaix, o coregrafo e bailarino Maurice Bejart , que inaugurou uma

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    nova via para o ballet clssico, t i rando dele seu academicismo, e colocando

    mais perto do cotidiano, do real das pessoas, do mstico.

    A dana, pelas mos desses personagens passou a ser uma constante

    mutao,

    o surgimento da categoria de contemporaneidade vemresponder ao fato de que as nossas formas deexperincia esto em permanente processo deatualizao, instabil izando radicalmente o existente,perturbando com a potencil idade de poder devir-outro.De certo modo, contemporneo est sempre em crise,ref let indo o atraso do discurso, mesmo o cr t ico,relat ivamente s transformaes tecnolgicas eculturais, em crescente aceleramento (Ribeiro,

    1994:1).

    A dana vem se associando s outras expresses artsticas como o

    teatro, a msica, o cinema, as artes plst icas, se relacionando com a

    tecnologia (videodana), o computador, se colocando como um vetor de onde

    derivam ou se integram todas as possibil idades de criao. A dana continua

    presente na vida, sendo um modo de viver.

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    Parte II

    A Dana: Variaes Sobre o Mesmo Tema

    A dana, patr imnio cultural da humanidade, uma prtica milenar

    de expresso e manifestao humana atravs do corpo em movimento. Pode-se

    dizer que foi a sua primeira expresso, pois homens e mulheres danaram

    antes de falar .

    E provavelmente, antes de procurar expressar-se oucomunicar-se atravs da palavra art iculada, o homemcriou com o prprio corpo padres r tmicos demovimento, ao mesmo tempo que desenvolveu um

    sentido plst ico de espao (Mendes, 1985:6).E o ser humano danou para se entender e entender o mundo que o

    cercava. Danou para se comunicar, para acalmar a natureza assustadora, para

    uma boa caada, para pedir proteo aos deuses. Danou para se integrar ao

    ri tmo do universo, que ele no compreendia, mas percebia. Para Rudolf

    Labana, foi na dana, ou pensamento por movimento, que o homem a

    princpio se apercebeu da existncia de uma certa ordem em suas aspiraes

    superiores por uma vida espiritual (1988:43).

    The signif icance of dancing, in the wide sense, thusl ies in the fact that i t is simply na int imate concreteappeal of a general rhythm that general rhythm whichmarks not only l i fe, but the universe, i f one may st i l l beallowed so to name the sum of the csmic inf luencesthat reach us (Ell is , 1983:479).

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    A dana vem da necessidade dizer o que as palavras no dizem.

    um meio eficiente de encontro consigo e com o prximo, com a criao e o

    criador. uma forma de orao, um ritual social e sagrado.

    O movimento sempre foi empregado com doispropsitos distintos: a consecuo de valores tangveisem todos os t ipos de trabalho, e a abordagem devalores intangveis na prece e na adorao. Ocorremos mesmos movimentos corporais tanto no trabalhoquanto na venerao rel igiosa, conquanto di f ira na suasignif icao em ambas as instncias (Laban,1978:23).

    O movimento do corpo uma l inguagem, uma l inguagemsensivelmente mais antiga do que aquela que usa a l ngua (Wosien,

    2000:27). Para o mesmo autor ci tado neste pargrafo, injusto dizer que a

    orao a via de comunicao da alma com Deus, pois na orao h

    part icipao no s da alma mas tambm do corpo. A orao puramente

    espir i tual se adequa aos anjos, no s pessoas, cuja natureza espr i to-

    corporal.

    A dana, por isso, no apenas a transparncia dodivino, assim como uma janela aberta, uma vista para odivino. A dana tambm no uma viva imagemreminescente a dana e, em tempo e espao, umsigno, um acontecimento visvel , uma forma cinticapara o invisvel (Wosien, 2000:27).

    O homem e a mulher ento manifestam no danar a trans-figurao

    de sua existncia, pois que ela (a dana) a l inguagem simblica maisconcreta de comunicao. Os nossos ancestrais mais longnquos expressaram

    da maneira mais direta possvel atravs dos movimentos ritmados do corpo,

    seu espanto e reverncia diante do mistrio e da maravilha do mundo ao seu

    redor.

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    The dances of antiguity had thier origin in theexpression of rel igious fai th, even i f some of them wentextremely secular in due course. The gods the ancientsworshipped or proprit iated were heathen gods, but their bel ief in thern gave validi ty to their dance ri tualsand cerimonies. Folk dances of al l nations are a

    communal expression, a devout togetherness (thoughthe part icipants might not name i t so) in veneration fortheir peasent earth. ( . . . ) Throughout dance history therel igious impulse has been the motive power of dance(Lloyd, 1949:XVIII).

    Ainda Lloyd faz a pergunta e responde:

    Why is the body the means of expression? Not onlybecause the body is what the dancer dances with, but because what ist said cannot be said in words or music,paint or stone (1949:XIX).

    O filsofo Paul Valery (1983:55) diz que

    Every epoch that has understod the human body andexperienced at least some sense of i ts mistery, i tsresources, i ts l imits, i ts combinations of energy andsensibi l i ty, has cult ivated and revered the dance.

    Essa compreenso e experincia dos corpos em movimento danante

    permitiram o alcance de um alargamento dos sentidos e a entrada em uma

    dimenso sensvel da conscincia atravs do xtase e do encantamento

    provocados por um tipo especial de intoxicao proveniente da repetio

    exaustiva dos mesmos. Esse t ipo de experincia relatada por Ted Shawn,

    citado por Garaudy (1980:17) acerca dos pisadores de uva e debulhadores de

    tr igo na Grcia antiga.

    Valery (1983:58), revisi tando Santo Agostinho, lembra-se da

    famosa pergunta do santo: o que o tempo? Parafraseando faz a sua: o que

    a dana? E responde a s i mesmo que a dana acima de tudo uma forma de

    tempo, a criao de um tipo de tempo muito distinto e singular.

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    J Havelock Ell is (1983) afirma que a dana possui uma eterna e

    profunda atrao mesmo para aqueles que se supe longe de sua influncia, e

    tambm que se ns somos indiferentes a ela, falhamos em compreender not

    merely the supreme manifestation of physical life but also the supreme

    symbol of spir i tual l i fe. Para ele, a dana a mais primitiva expresso dareligio e do amor; da rel igio dos tempos mais remotos de que se tem

    notcia, e do amor de um perodo anterior vida do homem. Intimamente

    ligada toda tradio, seja a da guerra, do trabalho, do prazer, da educao,

    considerada por sbios, f i lsofos e anti